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EMPRESARIAL - DO TÍTULO PAPEL AO TÍTULO ELETRÔNICO

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DO TÍTULO PAPEL AO TÍTULO ELETRÔNICO
Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais | vol. 60/2013 | p. 169 - 187 | Abr
- Jun / 2013
DTR\2013\5804
Newton de Lucca
Livre-Docente. Doutor. Mestre. Adjunto e Titular pela Faculdade de Direito da USP, onde
leciona nos Cursos de Graduação e Pós-graduação. Professor do Corpo Permanente da
Pós-graduação stricto sensu da Uninove. Presidente do TRF da 3.ª Região. Membro da
Academia Paulista de Magistrados e da Academia Paulista de Direito. Presidente da
Comissão de Proteção ao Consumidor no âmbito do comércio eletrônico do Ministério da
Justiça. Vice-Presidente do Instituto Latino-americano de Derecho Privado.
Área do Direito: Comercial/Empresarial
Resumo: Trata-se de artigo que analisa, de início, a importância da matéria relativa aos
títulos de crédito para a formação da economia moderna, assim como a definição
doutrinária dos mesmos e seus princípios enformadores, quais sejam: a cartularidade, a
literalidade e a autonomia. Passa, em seguida, à análise da questão da
desmaterialização dos títulos de crédito e o surgimento dos títulos eletrônicos. Examina,
por fim, julgados do STJ que confirmaram o entendimento, que se coaduna com as
novas práticas mercantis, no sentido da executividade das duplicatas virtuais e da
desnecessidade de exibição judicial do título de crédito original.
Palavras-chave: Títulos de crédito - Princípios enformadores - Desmaterialização -
Títulos de crédito eletrônicos - Executividade das duplicatas virtuais.
Abstract: This article analyses the importance of negotiable instruments to the
development of modern economy, as well as their definition and guiding principles of
materiality, literality and autonomy. Hereupon, it analyses the question of the
dematerialization of negotiable instruments and the appearance of the electronic
negotiable instruments. Finally, the article examines Superior Court of Justice decisions
where, in accordance with the new commercial practices, it was confirmed the possibility
of judicial execution of electronic trade bills without the exhibition of its original
document.
Keywords: Negotiable instruments - Guiding principles - Dematerialization - Electronic
negotiable instruments - Possibility of judicial execution of electronic trade bills.
Sumário:
1. CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS - 2. CARACTERÍSTICAS DOS TÍTULOS DE
CRÉDITO - 3. A DESMATERIALIZAÇÃO DOS TÍTULOS DE CRÉDITO E O SURGIMENTO
DOS TÍTULOS ELETRÔNICOS - 4. BIBLIOGRAFIA
1. CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS
Antes de adentrarmos o tema propriamente dito do presente artigo, cumpre tecer
algumas considerações introdutórias acerca da importância da matéria relativa aos
títulos de crédito, para a formação da economia moderna, não somente no país, como
também em diversas outras nações.
Tullio Ascarelli, autor dos estudos mais aprofundados que já se escreveram sobre títulos
de crédito, em sua magnífica obra intitulada “Teoria geral dos títulos de crédito”,
esclarece:1
“Se nos perguntassem qual a contribuição do direito comercial na formação da economia
moderna, outra não poderíamos talvez apontar que mais tipicamente tenha influído
nessa economia do que o instituto dos títulos de crédito. A vida econômica seria
incompreensível sem a densa rede dos títulos de crédito; às invenções técnicas teriam
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faltado meios jurídicos para a sua adequada realização social; as relações comerciais
tomariam necessariamente outro aspecto. Graças aos títulos de crédito pôde o mundo
moderno mobilizar as próprias riquezas; graças a eles o direito consegue vencer tempo e
espaço, transportando, com a maior facilidade, representados nestes títulos, bens
distantes e materializando, no presente, as possíveis riquezas futuras.”
Ainda nas considerações introdutórias é de extrema importância abordarmos a questão
da definição de título de crédito e dos princípios enformadores2 desses títulos, quais
sejam, o da literalidade, o da autonomia e o da cartularidade.
A primeira tentativa de sistematização do conceito de título de crédito foi feita pelo
jurista germânico Brunner,3 segundo o qual os títulos de crédito seriam: “Documentos
de um direito privado que não pode ser exercido senão pela apresentação do título”.
Sabemos todos muito bem - é a Lógica que nos ensina - que toda definição, para ser
adequada, deve conter o gênero próximo e a diferença específica. Se a definição
proposta por Brunner teve o mérito incontestável de mostrar o gênero próximo dos
títulos de crédito - vale dizer, documentos de um direito privado - não o teve para pôr
em destaque a sua diferença específica. Com efeito, outros documentos de um direito
privado, além dos próprios títulos de crédito, também precisariam ser apresentados para
o exercício daquele direito.
A definição de título de crédito, consagrada pela literatura jurídica universal, foi aquela
fornecida por Vivante,4 para quem: “Il titolo di credito è un documento necessario per
esercitare il diritto letterale ed autonomo che vi è menzionato”, ou, se se preferir no
vernáculo: “Título de crédito é o documento necessário para o exercício do direito literal
e autônomo nele mencionado”.
Ressalte-se, desde logo, que apenas à primeira vista tal definição assemelha-se àquela
constante do art. 887 do CC/2002 (LGL\2002\400), in verbis:
“Art. 887. O título de crédito, documento necessário ao exercício do direito literal e
autônomo nele contido, somente produz efeito quando preencha os requisitos da lei.”
O direito constante no título de crédito, para Vivante, não poderia estar nele “contido”,
como afirma esse artigo do nosso Código. O direito, para o maior comercialista de todos
os tempos, apenas acha-se mencionado no título de crédito. No texto original de
Vivante, acima referido, verifica-se que foi utilizada a expressão “menzionato” e não
“contenuto”. Muito mais poderosas, no entanto, para que jamais pudesse Vivante
considerar “contido” o direito no título de crédito foram as explicações ministradas logo
após sua definição:
“Diz-se que o direito mencionado no título de crédito é literal, porquanto ele existe
segundo o teor do documento. Diz-se que o direito é autônomo, porque a posse de
boa-fé enseja um direito próprio, que não pode ser limitado ou destruído pelas relações
existentes entre os precedentes possuidores e o devedor. Diz-se que o título é o
documento necessário para exercitar o direito porque, enquanto o título existe, o credor
deve exibi-lo para exercitar qualquer direito, principal ou acessório, que ele porta
consigo, não se podendo fazer nenhuma mudança na posse do título sem anotá-la sobre
o mesmo.”
E concluía Vivante, de forma absolutamente peremptória - e com rigidez evidentemente
polêmica, já que procurava rebater a teoria da incorporação do direito no título de
crédito: “Este é o conceito jurídico, preciso e limitado, que se deve substituir à frase
vulgar pela qual se consigna que o direito está incorporado no título”.
A doutrina posterior a Vivante fartou-se de explicar que o fenômeno da “incorporação”
do direito no título de crédito, no fundo, nada mais era do que uma imagem plástica,
conforme se pode ver em Ferri5 e em Messineo.6 Outros autores, como Asquini7 e
Ascarelli,8 referiram-se ao mesmo fenômeno, como sendo apenas uma metáfora, com “a
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imprecisão própria de todas as metáforas”, haveria de acrescentar Asquini. Cervantes
Raul Ahumada9 e Rubio,10 entre tantos outros, diriam que a figura era muito útil para
explicar, didaticamente, essa íntima conexão existente entre o direito e o título, ainda
que a esterilidade dogmática dessa figura metafórica fosse predominantemente
reconhecida, conforme se pode ver em Bracco.11
De tal modo é que os títulos de crédito, segundo a teoria geral dos documentos,
classificam-se em probatórios, constitutivos e dispositivos ou, com função probatória,
função constitutiva ou função dispositiva.
Os documentos probatórios são aqueles que têm a função processual de simplesmente
atestar a existênciade uma relação jurídica qualquer, seja ela de natureza civil, seja de
natureza mercantil. Um recibo nada mais é do que um documento probatório de
pagamento.
Os documentos constitutivos ou com função constitutiva são aqueles que, no dizer
expressivo de La Lumia, exercem uma função genética inicial, pois fazem nascer o
direito, num primeiro momento, o qual, posteriormente, adquire vida própria,
desgarrando-se do documento que o originou. A escritura de compra e venda de um
imóvel, por exemplo, é documento absolutamente essencial para que possa ser
transferida a propriedade. Mas, uma vez registrada no Registro de Imóveis competente,
essa escritura passa a ser um documento meramente probatório, tendo esgotado sua
função constitutiva por ocasião do registro. O direito real, oponível erga omnes, não está
mais representado pela escritura, mas sim pela inscrição desta no Registro Imobiliário
competente.
Os documentos dispositivos, por derradeiro - ou, documentos com a chamada função
dispositiva -, são aqueles que, tal como ocorre com os constitutivos, além de
constituírem um direito no momento em que são elaborados, são também necessários
para o exercício do direito neles mencionado. Tal é exatamente o caso dos títulos de
crédito. Direito e título são xifópagos. A relação de imanência entre direito e título é de
tal ordem que a doutrina, de forma não científica, chegou a utilizar a já mencionada
metáfora da “incorporação” para caracterizá-la, com maior facilidade, no plano didático.
Passemos agora à análise dos princípios enformadores dos títulos de crédito,
fundamentais para a caracterização dos mesmos e definidos como princípio da
cartularidade, da literalidade e da autonomia.
2. CARACTERÍSTICAS DOS TÍTULOS DE CRÉDITO
2.1 Conceito de literalidade
Conforme anteriormente aludido, de acordo com Vivante, o direito mencionado no título
é literal porquanto ele existe segundo o teor do documento. Carvalho de Mendonça,12
um dos maiores comercialistas brasileiros, em linha semelhante, escreveria que o título
de crédito vale pelo que nele está escrito.
Mas o fenômeno da literalidade, em sua principiologia científica, foi explicado de forma
magistral por Tullio Ascarelli:13 “O direito decorrente do título é literal no sentido de que,
quanto ao conteúdo, à extensão e às modalidades desse direito, é decisivo
exclusivamente o teor do título”, sintetizando, com absoluta clareza, o pensamento de
Messineo a respeito da matéria.
Sua explicação para essa característica essencial dos títulos de crédito não poderia ser
mais exata:14
“A explicação da literalidade, que a doutrina eleva a característica essencial do título de
crédito, está na autonomia da declaração mencionada no mesmo título (declaração
cartular) e na função constitutiva que, a respeito da declaração cartular e de qualquer de
suas modalidades, exerce a redação do título.”
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Graças a esse ensinamento de Ascarelli - ao mesmo tempo preciso e precioso - ficou
evidenciado que a literalidade dos títulos de crédito não pode ser explicada, como
pareciam querer alguns, pela tutela da aparência jurídica, mas sim pela própria
autonomia da declaração cartular. Como ponderou Ascarelli, se a tutela da aparência
jurídica fosse não apenas uma exigência geral, mas um princípio técnico-jurídico, a
literalidade operaria tão somente em benefício e nunca em prejuízo de terceiros, quando
é correntemente admitido o princípio oposto. Messineo entendia o contrário, acreditando
que a literalidade operaria no interesse exclusivo do portador do título, ficando vencido
nessa discussão, pois tanto La Lumia quanto Fiorentino aderiram expressamente à
posição de Ascarelli.
Não há confundir, igualmente, a literalidade cartular com o formalismo cambiário.
Enquanto a primeira diz respeito ao teor da escritura, o segundo tem a ver com o
preenchimento dos requisitos necessários para que o título de crédito produza os efeitos
próprios desse título. Quando a Lei Uniforme de Genebra diz que a letra de câmbio
deverá conter tais e quais requisitos - alguns supríveis, outros insupríveis - não está
tratando do fenômeno da literalidade cartular e sim do formalismo cambiário. Se o título
não contiver algum ou alguns dos requisitos essenciais não produzirá efeito como título
de crédito.
Erro muito grave, cometido por vários, ocorre quando se afirma existir a nulidade de tal
documento, enganados, talvez, pela errônea expressão do nosso Código Civil
(LGL\2002\400) de 2002, no art. 888, segundo o qual:
“Art. 888. A omissão de qualquer requisito legal, que tire ao escrito a sua validade como
título de crédito, não implica a invalidade do negócio jurídico que lhe deu origem.”
Há que se interpretar tal artigo em consonância com o ensinamento de Tullio Ascarelli,
que explicava existir, em tais casos, o fenômeno da “conversão da eficácia do
documento”, produzindo o título efeitos meramente probatórios e não constitutivos de
um direito.
É fácil perceber, com efeito, o “cochilo” de nosso legislador de 2002. O próprio artigo,
em sua parte final, ao afirmar “não implica a invalidade do negócio jurídico que lhe deu
origem”, está declarando, a toda evidência, que estamos no terreno da ineficácia e não
no plano das nulidades.
É claro que o formalismo cambiário exerce uma importante função. Ascarelli, em páginas
decisivas, aludia à “simplificação analítica do pressuposto do fato”. Mas é preciso
entender o exato sentido e alcance dessa função, sob pena de incidir-se em erro.
2.2 Conceito de autonomia
Com efeito, ao lado da literalidade, há que se mencionar a autonomia do direito
mencionado no título. O pauperismo franciscano da doutrina nacional em matéria de
teoria geral dos títulos de crédito fez com que se afirmasse que o título de crédito era
autônomo ou que quem adquirisse um título de crédito, independentemente de
quaisquer circunstâncias, tornar-se-ia seu legítimo titular.
É evidente, no entanto, a insuficiência técnica de tais afirmações. Ascarelli soube, melhor
do que ninguém, explicar os dois sentidos em que se projeta o princípio da autonomia de
um título de crédito. O primeiro significado, indicado pelo autor acima mencionado,
demonstra que, ao se falar em autonomia, quer-se afirmar que não podem ser opostas
ao subsequente titular do direito cartular as exceções oponíveis ao portador anterior,
decorrentes de convenções extracartulares. Já o segundo significado apontado, ao falar
em autonomia, quer-se afirmar que não pode ser oposta ao terceiro possuidor do título a
falta de titularidade de quem lho transferiu.
Assim, não basta que o adquirente de boa-fé de um título de crédito esteja protegido
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apenas das exceções extracartulares porventura oponíveis entre portadores anteriores; é
necessário que ele esteja igualmente protegido de uma eventual aquisição a non domino
, isto é, de quem não seja dono.
A diferença entre uma cessão ordinária de créditos e uma transferência por endosso
reside exatamente na circunstância de que, na primeira, são transferidos direitos
derivados de uma determinada relação jurídica à qual a cessão necessariamente se
subordina, enquanto, na segunda, os direitos transferidos pelo endosso são inteiramente
autônomos. Percebe-se aqui o enorme contraste de que nos falava Ascarelli entre as
regras do direito civil e as que regem os títulos de crédito. O princípio basilar do direito
civil, segundo o qual ninguém pode transferir mais direitos do que possui, não se aplica
aos títulos de crédito porque, se se aplicasse, nós não estaríamos protegendo o terceiro
portador de boa-fé e, por via da consequência, a circulação dos títulos de crédito e a
própria circulação da riqueza. Tal significa dizer que quem adquire um título de crédito,
de conformidade com as regras da circulação desse título, ainda que o adquira a non
domino, torna-se seu legítimo titular.
É exatamente por força desse bem jurídico relevante consubstanciado na circulação da
riqueza que a Lei Uniforme de Genebra estabeleceunos seus arts. 16 e 17 o seguinte:
“Art. 16. O detentor de uma letra é considerado portador legítimo se justifica o seu
direito por uma série ininterrupta de endossos, mesmo se o último for em branco.”
Saltando-se diretamente para a segunda alínea, lê-se: “Se uma pessoa foi por qualquer
maneira desapossada de uma letra, o portador dela, desde que justifique o seu direito
pela maneira indicada na alínea precedente, não é obrigado a restituí-la, salvo se
adquiriu de má-fé ou se, adquirindo-a, cometeu uma falta grave”.
Adotava, assim, a Lei Uniforme de Genebra, a chamada teoria da criação do título de
crédito, a qual, diferentemente da teoria da emissão, considerava que a constituição do
direito cartular dá-se no momento da criação do título e não no da sua emissão. São
fenômenos evidentemente distintos. Criar um título de crédito é preenchê-lo de acordo
com os requisitos previstos em lei. Emiti-lo, como se sabe, é colocá-lo em circulação.
Essa distinção nós a encontramos em Pontes de Miranda e em todos os autores que
demonstram conhecer minimamente a teoria geral dos títulos de crédito. Aliás, só entre
os ignaros dos conhecimentos básicos da teoria geral dos títulos de crédito é que se
poderá vislumbrar sinonímia entre as expressões criação e emissão.
A teoria da criação foi repetida no art. 17 da Lei Uniforme de Genebra, ainda que com
alguns temperamentos em seu rigor. Diz esse artigo que: “As pessoas acionadas em
virtude de uma letra não podem opor ao portador exceções fundadas sobre as relações
pessoais delas com o sacador ou com os portadores anteriores, a menos que o portador
ao adquirir a letra tenha procedido conscientemente em detrimento do devedor”.
É necessário chamar a atenção para uma distinção técnica que passa despercebida, às
vezes, até mesmo para alguns professores de direito comercial. Proceder
conscientemente em detrimento do devedor não equivale à simples ciência do vício,
como demonstrou Ascarelli e como terá ficado absolutamente claro nos trabalhos
preparatórios da Convenção de Genebra. Basta imaginar-se a hipótese de um terceiro
portador de boa-fé que transferisse o título de crédito a outro portador que, mesmo
tendo ciência de um eventual vício de origem, não estaria procedendo conscientemente
em detrimento do devedor ao receber o título, já que o mesmo teria necessariamente de
ser pago àquele terceiro portador de boa-fé.
2.3 Conceito de cartularidade
Cartularidade, por sua vez, nada mais é, do que a “necessidade da exibição do título de
crédito para o exercício do direito”. Ninguém ignora que essa expressão - cártula, do
latim chartula -, introduzida por Bonelli na literatura jurídica italiana no ano de 1904,
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conforme já assinalei em meu primeiro trabalho acadêmico,15 teve como propósito
designar a íntima conexão existente entre o direito mencionado no título e o próprio
título. Ao referir-se à obrigação cartular, Bonelli, como que se desculpando de Vivante
dizia: “mi si permetta questa expressione, perchè non so trovarne altra che renda nel
campo di tutti i titoli di credito circolanti, il significato che ha l’aggetivo ‘cambiario’, nel
campo più ristretto dei titoli all’ordine”, ou seja: “permita-me utilizar esta expressão
porque não consigo encontrar uma outra que exprima, no campo de todos os títulos de
crédito circulantes, o significado que possui o adjetivo ‘cambiário’, no campo mais
restrito dos títulos à ordem (…)”.
Analisadas as características essenciais dos títulos de crédito, vale ressaltar, uma vez
mais, a importância de sua função, levando-se sempre em conta as memoráveis lições
de Norberto Bobbio e de Tullio Ascarelli acerca da importância não apenas da estrutura
quanto, igualmente, da função dos institutos jurídicos, sem jamais perder de vista a
arguta observação do eminente Prof. Fábio Konder Comparato16 no sentido de que:
“Essa consideração biangular dos institutos jurídicos, que já passou em julgado como o
melhor método de exposição do direito, só alcança porém sua plena virtualidade quando
se percebe que não se trata de uma antinomia, mas de ideias complementares”.
Haveria, por assim dizer, uma dialética de implicação e polaridade entre a estrutura e a
função dos institutos jurídicos.
A função exercida pelos títulos de crédito decorre, naturalmente, de tudo o quanto já foi
exposto a respeito de suas características essenciais: esses extraordinários papéis
desempenharam a mais importante função na economia moderna pelo fato de
promoverem, de forma segura e rápida, a circulação de riquezas, tanto as existentes
quanto as futuras.
Passemos, agora, à questão central do presente artigo relativa ao fenômeno da
desmaterialização dos títulos de crédito e o surgimento dos títulos eletrônicos.
3. A DESMATERIALIZAÇÃO DOS TÍTULOS DE CRÉDITO E O SURGIMENTO DOS TÍTULOS
ELETRÔNICOS
É inquestionável admitir-se o surgimento de uma nova era para a humanidade,
caracterizada pelo advento das novas tecnologias da informação. Os avanços
tecnológicos dos meios eletrônicos acarretaram profundas modificações nas atividades
diárias, tanto na sociedade como nas práticas comerciais realizadas. O aumento do
volume de operações comerciais e o consequente acúmulo de títulos e papéis exigiram
que se procurasse um sucedâneo menos oneroso do que aquele representado pela
prática tradicional. Pensou-se, então, originalmente, em mecanismos que pudessem
substituir o papel pela fita magnética dos computadores. Com efeito, foi o que ocorreu
na França, com a Lettre de Change-Relevé ou, numa tradução que parece mais
apropriada ao jargão bancário, a Cambial-Extrato, e a Lastschchriftverkehr, na
Alemanha, entre outros países.
A problemática jurídica decorrente de tais sistemas de pagamento residia, em síntese,
na dificuldade de cumprimento da disposição constante do art. 39 da Lei Uniforme,
estabelecendo que o sacado pode exigir, tendo pago a letra de câmbio, que ela lhe seja
remetida quitada pelo portador.
A observância dessa norma, porém, se revestia de excesso de formalismo,
representando verdadeiro obstáculo ao desenvolvimento de sistemas de pagamentos
informatizados, uma vez que era possível efetuar-se a prova de pagamento por outros
meios fornecidos pela própria informática bancária.
O Eminente Prof. Arnoldo Wald, em artigo escrito em 1997, sobre o regime legal da
Cédula de Produto Rural (CPR),17 já esclarecia:
“Embora ainda haja vozes discordantes, a tendência moderna é do reconhecimento da
viabilidade da existência de títulos de crédito imateriais, nos quais o documento-suporte
DO TÍTULO PAPEL AO TÍTULO ELETRÔNICO
Página 6
do crédito é substituído por um registro informático idôneo.”
Em seguida, em nota de rodapé, informava, citando gentilmente este autor, que:
“No Brasil, já nos anos 70 o Professor Nelson Abrão demonstrava a desnecessidade da
existência física da cártula para a circulação ou a cobrança dos títulos cambiários
(Cibernética e títulos de crédito. RDM, n. 19, p. 95); no mesmo sentido, mais
recentemente, Lucca, Newton de. A Cambial-Extrato, RT, 1985, concluiu que ‘o título não
vais mais circular materialmente’ (p. 28), bastando a apresentação do extrato dos
registros eletrônicos para a efetivação da cobrança, pois ‘a vontade cambiariamente
suficiente poderia ser expressa em outro material que não o papel’ (p. 74).”
Assim, as resistências foram sendo pouco a pouco cedidas e o Direito teve de
amoldar-se - como sempre o fez - às novas necessidades ditadas pela evolução
tecnológica.
Tome-se, por exemplo, a existência da lei francesa que outorga força executória aos
borderôs bancários que acompanham as fitas magnéticas contendo os saques de letras
de câmbio.
Pode-se dizer que, em nosso país, as preocupações com a gestão dos títulos de crédito
começaram por volta da década de 70. A tese que o Banco do Brasil levou ao XI
Congresso Nacional de Bancos, em 1975, no Rio de Janeiro, intitulada “Cobrança Direta”,
assinalava:
“Área crítica dos serviços executados pelos bancos comerciais, a cobrança de títulos
ameaçasufocar o Sistema sob toneladas desses papéis, de volume sempre crescente em
face do expressivo desenvolvimento econômico nacional, de uma indústria mais
dinâmica e produtiva e de um comércio mais agressivo.”
Registrava-se, à época, que no ano de 1971, o Banco do Brasil cobrara 18 milhões de
títulos, cifra essa que pularia, em 1974, para 27 milhões de títulos.
Depois de estudos e discussões a respeito da matéria, concluiu-se pela criação da
chamada duplicata escritural, plasmada, de certo modo, à imagem e semelhança da
Lettre de Change-Relevé.
Há, contudo, diferenças assinaláveis entre o sistema francês da LCR e a técnica brasileira
da duplicata escritural. A precariedade da nossa duplicata escritural reside, em primeiro
lugar, no problema da caracterização legal da apresentação do título a pagamento.
Não houve padronização do boleto, por parte das autoridades monetárias. Como
caracterizar-se, então, a apresentação legal do título a pagamento se, de um lado, não
se poderia falar, diante do formalismo da lei, na apresentação legal da duplicata a
pagamento e se, de outro lado, os bancos, normalmente, nem sequer possuem o AR do
boleto enviado ao sacado do título?
Tais dificuldades poderiam ser perfeitamente contornadas, se se quisesse, não se
justificando, a meu ver, algumas reações iradas contra a desmaterialização dos títulos
de crédito, como se se tratasse de algo visionário ou sonhador, fazendo lembrar, mais
do que nunca, aquela passagem do Prof. Fábio Konder Comparato ao referir-se à
“tradição misoneísta dos nossos jurisconsultos” que parece “condenar às trevas
exteriores toda e qualquer manifestação jurídica que não se enquadre no seu sistema”.18
Fábio Ulhoa Coelho,19 um dos poucos juristas que se manifestaram a respeito do tema
da desmaterialização dos títulos de crédito, afirmou:
“Outra ordem de questões despertada pela desmaterialização dos títulos de crédito diz
respeito às alterações, no ordenamento jurídico, necessárias à disciplina da nova
realidade. O direito francês talvez tenha sido o primeiro a se preocupar com o assunto,
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Página 7
em 1965, quando a Comissão Gilet formulou proposta de modernização do sistema de
desconto de créditos comerciais, que tentou reunir a agilidade do processamento
eletrônico de dados com a com a segurança do direito cambiário, por meio de
instrumentos como a fatura protestável. O sistema, implantado em 1967, foi
aperfeiçoado com a introdução, em 1973, da cambial-extrato (Lettre de Change-Relevé),
sacáveis em suporte de papel ou em meio magnético (Ripert-Roblot, 1947, 2:136-137).
Newton De Lucca, pioneiro do tratamento do tema na doutrina brasileira, propugnou
pela edição de disciplina legal da duplicata-extrato, com o aproveitamento da
experiência francesa (1985).
A questão que proponho aqui, no entanto, é diversa. Para mim, o direito positivo
brasileiro, graças à extraordinária invenção da duplicata, encontra-se suficientemente
aparelhado para, sem alteração legislativa, conferir executividade ao crédito registrado e
negociado apenas em suporte magnético.
Precisem-se bem os termos da proposição: o processo judicial, embora já autorizada sua
digitalização pela Lei 11.419/2006, ainda costuma ser, na Justiça Cível, totalmente
papelizado, ou seja, desenvolve-se apenas em suporte de papel. Os autos materializam
o processo pela reunião cronológica e formal de petições, documentos, decisões e outros
escritos. Assim, o título executivo será forçosamente exibido em juízo como documento
ou documentos em suporte papel, não há outro jeito. Para a execução de título
eletrônico, desmaterializado, será necessária a alteração legislativa, com certeza. O
direito em vigor dá sustentação, contudo, à execução da duplicata eletrônica, porque
não exige especificamente a sua exibição em papel, como requisito para liberar a
prestação jurisdicional satisfativa. Institutos assentes no direito cambiário nacional,
como são o aceite por presunção, o protesto por indicações e a execução da duplicata
não assinada permitem que o empresário, no Brasil, possa informatizar por completo a
administração do crédito concedido” (grifos do autor).
Entendo que, na verdade, a divergência de nossas conclusões, apontada pelo ilustrado
Professor é mais aparente do que real. Sempre estive plenamente convencido da
possibilidade de execução de uma duplicata virtual, tal como sustentado pelo Prof. Fábio.
Esta é a posição firmemente defendida em meu livro “A cambial-extrato”, onde afirmo
ser plenamente possível manejar a execução de uma duplicata escritural, independente
de uma lei autorizante.
Assinalei, também, ao analisar o título virtual perante os arts. 585 e 586 do nosso CPC
(LGL\1973\5), que a executividade de nossas duplicatas comuns não decorria da
“existência do aceite, normalmente raro, mas sim do fato de ter sido a duplicata
protestada juntamente com o comprovante de entrega da mercadoria”.
Mais adiante concluo:
“Na verdade, a natureza de título executório não estaria sendo dada à DEFM e sim, tal
como acontece hoje em relação à duplicata comum, à situação jurídica preexistente
consubstanciada numa compra e venda mercantil. É o inadimplemento da obrigação de
pagar que tem o comprador que dá ensejo à execução contra ele e não este ou aquele
documento. Tais documentos apenas serviriam para provar a relação jurídica que se
quer, em última análise, proteger.”
Portanto, sempre me pareceu cristalino que a força executiva de uma duplicata comum
deriva da situação jurídica comprobatória da remessa e do recebimento da mercadoria e
não da duplicata em si, de resto raramente aceita em nossa prática comercial.
Esta circunstância, aliás, constitui o próprio cerne de meu raciocínio tendente a aceitar a
possibilidade de execução de títulos meramente escriturais.
Nem por isso, contudo, entendo despicienda a edição de uma autorização legislativa
específica, a qual, certamente, contribuiria para aliviar os juízes e Tribunais já tão
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abarrotados de processos.
Há que se distinguir, talvez, o conceito de necessário do simplesmente útil. Num plano
rigorosamente dogmático, inexiste necessidade de uma autorização legislativa para
aparelhar a execução de uma duplicata, - coincidindo o Prof. Fábio e eu - em nossos
pontos de vista. Sob o prisma pragmático, porém, continuo a entender que a expressa
autorização legislativa seria extremamente útil para as eventuais dúvidas porventura
existentes sobre a retro aludida possibilidade ficassem definitivamente afastadas.
Ainda quanto ao fenômeno da progressiva desmaterialização dos títulos de crédito, o
citado Prof. Fábio Ulhoa Coelho, em parecer oferecido à Câmara de Custódia e
Liquidação (Cetip), demonstrou que o mesmo está se operando, não somente quanto à
duplicata, mas também, com relação a outros títulos de crédito, tais como a Cédula de
Produto Rural e os Títulos do Agronegócio (Warrant Agropecuário - WA e o
Conhecimento de Depósito Agropecuário - CDA).
No que se refere à primeira, vejam-se, a propósito, as disposições da Lei 8.959/1994 e,
no que diz respeito aos Títulos do Agronegócio (WA e CDA), confira-se a disposição
constante do art. 15 da Lei 11.076/2004:
Mais outro passo foi dado na aceitação dos títulos inteiramente escriturais com a
inclusão do § 3.º do art. 889 do nosso CC/2002 (LGL\2002\400) que estabelece:
“O título poderá ser emitido a partir dos caracteres criados em computador ou meio
técnico equivalente e que constem da escrituração do emitente, observados os requisitos
mínimos previstos neste artigo.”
Também não pode deixar de ser mencionada a Lei 11.882/2008, que, em seu art. 3.º,
estabelece que a Letra de Câmbio Mercantil (“LAM”) será emitida sob a forma escritural,
sem que exista sequer a previsão de que ela possa ser emitida na forma papelizada, tal
como ocorre com os títulos de crédito retro mencionados.
Conclui-se, então, que não existe razão para a celeuma toda que certa parte da doutrina
vem criando em torno da duplicata escritural. Asituação jurídica continua sendo igual à
que existe em relação à duplicata tradicional, igualmente não revestida do atributo da
cartularidade enquanto não aceita.
Assinalei, no passado, ao analisar o título virtual perante os arts. 585 e 586 do CPC
(LGL\1973\5) pátrio, que a executividade de nossas duplicatas comuns não decorria da
“existência do aceite, normalmente raro, mas sim do fato de ter sido a duplicata
protestada juntamente com o comprovante de entrega da mercadoria”.
A verdade é que hoje, praticamente, não mais existem as duplicatas cartularizadas,
salvo quando o banco receia eventual inadimplemento de seu cliente, o sacador. Pode-se
dizer que não mais existe duplicata escritural que seja objeto de execução ou mesmo de
ação monitória, embora o boleto, desde que acompanhado do comprovante de entrega e
de recebimento da mercadoria, pode ser protestado de acordo com provimentos de
algumas Corregedorias de alguns Estados de nossa Federação.
Aliás, é no sentido da executividade das duplicatas virtuais que os Tribunais vêm se
manifestando. Veja-se, como exemplo, a decisão proferida pelo STJ, cuja ementa abaixo
transcrevemos:
“Execução de título extrajudicial. Duplicata virtual. Protesto por indicação. Boleto
bancário acompanhado do comprovante de recebimento das mercadorias.
Desnecessidade de exibição judicial do título de crédito original.
1. As duplicatas virtuais - emitidas e recebidas por meio magnético ou de gravação
eletrônica - podem ser protestadas por mera indicação, de modo que a exibição do título
não é imprescindível para o ajuizamento da execução judicial. Lei 9.492/1997.
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2. Os boletos de cobrança bancária vinculados ao título virtual, devidamente
acompanhados dos instrumentos de protesto por indicação e dos comprovantes de
entrega da mercadoria ou da prestação dos serviços, suprem a ausência física do título
cambiário eletrônico e constituem, em princípio, títulos executivos extrajudiciais.
3. Recurso especial a que se nega provimento” (STJ, REsp 1.024.691/PR, 3.ª T., j.
22.03.2011, rel. Min Nancy Andrighi, DJe 12.04.2011).
Ressalte-se ainda que, em artigo publicado na Revista do Tribunal Regional Federal da
3.ª Região,20 o ilustre juiz federal Dr. Márcio Ferro Catapani, ao tecer comentários ao
acórdão supra mencionado, afirmou, com propriedade, que:
“Por fim, após a discussão atinente à possibilidade de protesto baseado em boletos
bancários, surge a questão final, que foi enfrentada de modo adequado, a nosso sentir,
pelo acórdão ora em exame e cuja ementa foi no início transcrita. Com base nas razões
expostas acima, se a exibição da duplicata ou triplicata não é essencial para o protesto
por indicações, também não existem motivos suficientes para que a cártula do título
deva necessariamente instruir a execução da dívida. A apresentação do boleto bancário,
acrescida da prova de entrega da mercadoria ou de prestação do serviço, é suficiente
para demonstrar que (i) a dívida existe; (ii) o devedor dela tem conhecimento, bem
como tem ciência também do regime jurídico a ser utilizado para a sua cobrança; e (iii)
o seu pagamento foi regularmente reclamado. Eventuais alegações e oposições que
possam ser arguidas pelo executado - como o pagamento da dívida; a não entrega da
mercadoria ou a entrega em desacordo com o pactuado, que tenha sido devidamente
comunicada ao vendedor; a prescrição etc. - poderão ser discutidas nas sedes
processuais adequadas, quais sejam os embargos de devedor ou, eventualmente, a
exceção de pré-executividade - não seria a presença da duplicata, nos moldes em que
foi configurada pela legislação atual, que traria qualquer diferença nesse sentido.”
Por derradeiro, cumpre destacar que o STJ, ao analisar os embargos de divergência
interpostos no recurso especial acima mencionado, por unanimidade, negou-lhes
provimento, confirmando entendimento, que se coaduna com as novas práticas
mercantis, no sentido da desnecessidade de apresentação judicial do título de crédito
original, conforme se verifica da ementa abaixo transcrita:
“Embargos de divergência em recurso especial. Divergência demonstrada. Execução de
título extrajudicial. Duplicata virtual. Protesto por indicação. Boleto bancário
acompanhado do instrumento de protesto, das notas fiscais e respectivos comprovantes
de entrega das mercadorias. Executividade reconhecida.
1. Os acórdãos confrontados, em face de mesma situação fática, apresentam solução
jurídica diversa para a questão da exequibilidade da duplicata virtual, com base em
boleto bancário, acompanhado do instrumento de protesto por indicação e das notas
fiscais e respectivos comprovantes de entrega de mercadorias, o que enseja o
conhecimento dos embargos de divergência.
2. Embora a norma do art. 13, § 1.º, da Lei 5.474/1968 permita o protesto por indicação
nas hipóteses em que houver a retenção da duplicata enviada para aceite, o alcance
desse dispositivo deve ser ampliado para harmonizar-se também com o instituto da
duplicata virtual, conforme previsão constante dos arts. 8.º e 22 da Lei 9.492/1997.
3. A indicação a protesto das duplicatas mercantis por meio magnético ou de gravação
eletrônica de dados encontra amparo no art. 8.º, parágrafo único, da Lei 9.492/1997. O
art. 22 do mesmo Diploma Legal, a seu turno, dispensa a transcrição literal do título
quando o Tabelião de Protesto mantém em arquivo gravação eletrônica da imagem,
cópia reprográfica ou micrográfica do título ou documento da dívida.
4. Quanto à possibilidade de protesto por indicação da duplicata virtual, deve-se
considerar que o que o art. 13, § 1.º, da Lei 5.474/1968 admite, essencialmente, é o
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protesto da duplicata com dispensa de sua apresentação física, mediante simples
indicação de seus elementos ao cartório de protesto. Daí, é possível chegar-se à
conclusão de que é admissível não somente o protesto por indicação na hipótese de
retenção do título pelo devedor, quando encaminhado para aceite, como expressamente
previsto no referido artigo, mas também na de duplicata virtual amparada em
documento suficiente.
5. Reforça o entendimento acima a norma do § 2.º do art. 15 da Lei 5.474/1968, que
cuida de executividade da duplicata não aceita e não devolvida pelo devedor, isto é,
ausente o documento físico, autorizando sua cobrança judicial pelo processo executivo
quando esta haja sido protestada mediante indicação do credor, esteja acompanhada de
documento hábil comprobatório da entrega e recebimento da mercadoria e o sacado não
tenha recusado o aceite pelos motivos constantes dos arts. 7.º e 8.º da Lei.
6. No caso dos autos, foi efetuado o protesto por indicação, estando o instrumento
acompanhado das notas fiscais referentes às mercadorias comercializadas e dos
comprovantes de entrega e recebimento das mercadorias devidamente assinados, não
havendo manifestação do devedor à vista do documento de cobrança, ficando atendidas,
suficientemente, as exigências legais para se reconhecer a executividade das duplicatas
protestadas por indicação.
7. O protesto de duplicata virtual por indicação apoiada em apresentação do boleto, das
notas fiscais referentes às mercadorias comercializadas e dos comprovantes de entrega
e recebimento das mercadorias devidamente assinados não descuida das garantias
devidas ao sacado e ao sacador.
8. Embargos de divergência conhecidos e desprovidos” (STJ, EDiv em REsp
1.024.691/PR, 2.ª Seção, j. 22.08.2012, rel. Min. Raul Araújo, DJe 29.10.2012).
Ficam assim entrevistos - ainda que, apenas, palidamente - os principais aspectos da
questão da executoriedade do título virtual no Brasil. Não havia razão, na verdade, para
a celeuma a que se aludiu linhas atrás e, muito menos, para algumas reações iradas de
quem não se achava minimamente preparado para o debate. Mas, “à quelque chose
malheur est bon”, já dizia um velho ditado gaulês. Tais reações serviram para mostrar,
ao menos, as duas categorias mentais em que se acham divididos os juristas que se
pronunciaramsobre a matéria. Nosso homenageado, por certo, pertence à elite bem
pensante.
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CARRIÓ, Genaro. Notas sobre derecho y lenguage. 4. ed. Buenos Aires: Abeledo-Perrot,
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CATAPANI, Márcio Ferro. A exequibilidade das duplicatas virtuais e os boletos bancários.
Comentário ao acórdão proferido pelo STJ no REsp 1.024.691/PR. Revista do Tribunal
Regional Federal da 3.ª Região. Brasil: TRF-3.ª Região, 2012. vol. 112.
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1 Cf. ASCARELLI, Tullio. Teoria geral dos títulos de crédito. São Paulo: Saraiva, 1943.
2 Cf. DE LUCCA, Newton. Da ética geral à ética empresarial. nota 7. São Paulo: Quartier
Latin, 2009. p. 314-315. In verbis: “Volvo a repetir, ad nauseam, o emprego do verbo
enformar e não informar, como é absolutamente recorrente na literatura jurídica
nacional, pelas razões já apresentadas em oportunidades anteriores, a seguir aduzidas:
‘Embora o verbo informar, no sentido da filosofia escolástica, seja o de dar forma a uma
determinada matéria - matiz que corresponde exatamente ao que sempre pretendemos
utilizar em nossos trabalhos jurídicos - não é esse o sentido coloquial da palavra,
denotativa de dar ciência de algo ou instruir. Permito-me, assim, continuar insistindo no
emprego do verbo enformar, com “e” inicial, no lugar de informar, com “i”, como é
claramente preferido na literatura jurídica nacional. Reproduzo as considerações que já
fiz anteriormente’”. DE LUCCA, Newton. Direito do consumidor - Teoria geral da relação
jurídica de consumo. São Paulo: Quartier Latin, 2003. p. 62, nota de rodapé n. 115, a
propósito da matéria: “Alude-se na doutrina jurídica, de forma praticamente unânime, a
princípios informadores, grafado este último vocábulo com a letra ‘i’. Mesmo em títulos
de trabalhos publicados, de natureza acadêmica, já tive a ocasião de verificar essa
preferência pela retro aludida grafia. Nelson Nery Jr., por exemplo (Os princípios gerais
do Código brasileiro de Defesa do Consumidor. RDC 3/50-51), classifica os princípios em
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‘Informativos’ e ‘Fundamentais’, semelhantemente a Sperduti que alude a princípios
científicos, princípios normativos e princípios informativos. Quando me utilizo da
expressão, no entanto, o faço com a letra ‘e’, pois entendo que os princípios concebidos,
sem embargo dos diferentes matizes existentes, em seu sentido filosófico, como
‘proposições diretoras de uma ciência às quais todo o desenvolvimento posterior dessa
ciência deve estar subordinado’ não dão informação de algo, mas antes dão forma (ó),
isto é, enformam no sentido de moldarem ou mesmo de construírem uma forma (ô)
preparada para a produção de algo. Genaro Carrió afirmou (Notas sobre derecho y
lenguaje. 4. ed. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1990. p. 209-212), com inteiro acerto, a
existência de pelo menos sete focos de significação para o que possa ser considerado um
princípio. Mas essa pluralidade de significados não desautoriza antes, reforça a conclusão
de que, ao menos prevalecentemente, os princípios enformam em lugar de
simplesmente informarem. Já Miriam de Almeida Souza, (A política legislativa do
consumidor no direito comparado. Salvador: Nova Alvorada, 1996. p. 21-22), após
interessante citação de Henri de Page sobre o sentido da lei diante da vida, afirma, com
acerto: ‘Coerente com essa lição do ilustre professor belga, que enxerga no direito um
fim social a preencher e com a tendência predominante, segundo a qual o verdadeiro
sentido de sua evolução é a proteção dos hipossuficientes econômicos e, em estágio
mais evoluído, dos menos capacitados em geral, é que será analisada a política
legislativa que enformou a estruturação dos códigos de defesa do consumidor em
diferentes sociedades em mudança’ (grifo nosso)”.
3 Cf. BRUNNER. Die Wertpapiere. In: ENDEMANN. Manual de direito comercial, 1965, p.
147.
4 Cf. VIVANTE, Cesare. Trattato di diritto commerciale. 5. ed. Milão: Francesco Vallardi,
1935. vol. III, p. 63 e 164.
5 Cf. FERRI,Giuseppe. Il titoli di credito. Turim: Unione Tipográfico - Torinese, 1965. p.
13.
6 Cf. MESSINEO, Francesco. Il titoli di credito. Cedam: Pádua, 1964. vol. I, p. 8.
7 Cf. ASQUINI,Alberto. Titoli di credito. Pádua: Cedam, 1966. p. 38.
8 Cf. Op. cit., p. 266.
9 Cf. AHUMADA, Cervantes Raul. Títulos y operaciones de crédito. 7. ed. México:
Herrero, 1972.
10 Cf. RUBIO, Jesus. Derecho Cambiário. Madri: Imprenta, 1973. p. 16-17.
11 Cf. BRACCO, Berto. La legge uniforme sulla cambiale, studi di diritto privato. Milão,
1935. vol. XII, p. 330.
12 CARVALHO DE MENDONÇA, J. X. Tratado de direito comercial brasileiro. Rio de
Janeiro: Freitas Bastos, 1938. t. 5, parte 2.
13 Tal definição sintetiza, por assim dizer, o pensamento de Messineo sobre o tema (op.
cit., p. 37): “Si designa come letteralità, utilizzando la corrispondente nomenclatura
romanistica (la quale per vero è aplicata non alle obbligazioni o ai diritti di credito, ma a
una delle fonti di essi, ossia a taluni contratti, che erano appunto detti letterali, perchè il
fondamento risiedeva nell’elemento formalistico della scrittura), la caratteristica per cui
nei riguardi della qualità, dell’entità e delle modalità del diritto menzionato nel titolo, è
decisivo esclusivamente un elemento oggetivo ossia il tenore del escrittura contenuta nel
titolo stesso (quale fu redatta originariamente o per quel che vi si aggiunge in seguito,
eventualmente a restrizione del diritto incorporato nel titolo)”. Para considerações
adicionais sobre o conceito de literalidade, v. meu Aspectos da teoria geral dos títulos de
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crédito. São Paulo: Pioneira, 1979. p. 47 e ss.
14 Op. cit., p. 56.
15 DE LUCCA, Newton. Aspectos da teoria… cit.
16 COMPARATO, Fábio Konder. Direito empresarial. São Paulo: Saraiva, 1990e A
reforma da empresa. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro
50/4.
17 WALD, Arnoldo. Do regime legal da Cédula de Produto Rural (CPR). Revista de
Informação Legislativa, ano 34, n. 136.
18 Cf. COMPARATO, Fábio Konder. O indispensável direito econômico. Originalmente
publicado na RT 353/14, e posteriormente republicado em Ensaios e Pareceres de Direito
Empresarial. Rio de Janeiro: Forense, 1978. p. 453 e ss.
19 Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. 17. ed. São Paulo: Saraiva,
2013. vol. I, p. 539.
20 CATAPANI, Márcio Ferro. A exequibilidade das duplicatas virtuais e os boletos
bancários. Comentário ao acórdão proferido pelo STJ no REsp 1.024.691/PR. Revista do
Tribunal Regional Federal da 3.ª Região 112/4-13.
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