Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
P lasm od iu m M al Sa n a I!!!!!!! Erika Martins Braga Cor Jesus Fernandes Fontes In tro d u çã o A pesar de muito antiga, a m alária continua sendo um dos principais problemas de saúde pública no mundo. Estima-se que a doença afete cerca de 200 milhões de pessoas nas áreas subtropicais e tropicais do planeta, resul tando em aproximadamente 600 mil mortes a cada ano, na grande maioria, crianças. Também conhecida como paludismo, febre palustre, impaludismo, maleita ou sezão, o caráter intermitente e exclusivo da malária já estava presente em escritos chi neses de 3000 a.C, nas tábuas mesopotâmicas (2000 a.C.) e em escrituras Vedas na índia (1800 a.C.). A malária foi primeiramente citada na era pré-Cristã, por Hipocrates. Foi ele quem descreveu as suas características de ocorrência sazonal e de febre com padrão paroxístico e intermitente. Entretanto, foi somente no início do século XIX que o :ermo malária teve origem. Escritores italianos defendiam a tese de que a doença era causada por vapores nocivos exa lados dos pântanos tiberianos, designando-a mal aria, cujo sentido literal é mau ar. Apenas em 1880, um médico fran cês, Charles Louis Alphonse Laveran, conseguiu observar organismos em movimento ao examinar, a fresco, o sangue de um paciente com malária. A descoberta de que a malária era uma hemoparasitose foi posteriormente confirmada por Gerhardt, em 1884, que conseguiu reproduzir a doença a partir de transfusão de sangue infectado. Em 1885, Golgi e cols. descreveram o ciclo assexuado do parasito (por isso denominado ciclo de Golgi) e, em 1891, a morfologia dos parasitos sanguíneos foi demonstrada por meio do método de esfregaços corados, desenvolvido por Romanowsky. A transmissão, no entanto, só foi conhecida numa sucessão de descobertas. Em 1894, Manson, ao estudar a transmissão áe Wuchereria bancrofti por mosquitos, aventou a hipó- :ese de que os mesmos poderiam ser os transmissores da malária. Ronald Ross, trabalhando na índia em 1897, des cobriu oocistos no estômago de mosquitos que haviam se alimentado em um paciente com malária. No ano seguinte, e ainda na índia, Ross conseguiu transm itir a m alária aviária, transferindo o plasmódio de ave a ave por meio de mosquitos do gênero Culex. Esses estudos permitiram que os pesquisadores italianos Grassi, Bastianelli e Bignami, em 1898 e 1899, tivessem a glória de descrever o desen volvimento completo, em anofelinos, das três espécies de plasmódios humanos. A partir do conhecimento do ciclo de vida do parasito, diferentes estratégias de ataque à doença foram propostas, visando à interrupção de sua transmissão. Entre elas des taca-se o Programa de Erradicação da Malária, proposto em 1955 pela Organização Mundial de Saúde (OMS), centrado principalmente em ações verticais, incluindo a borrifação de paredes com inseticida de ação residual (DDT) e o tratamento em massa de indivíduos sintomáticos, com um antimalárico de baixa toxicidade (cloroquina). Este esforço mundial para erradicar a doença, apesar de bem-sucedido em vários países do mundo, apresentou efeito limitado em extensas regiões da África, da Ásia e da América do Sul, incluindo a Amazônia brasileira. Todavia, a emergência da resistência de parasitos aos antimaláricos e as limitações do uso de inseticidas, associadas ao panorama político- econômico mundial, desencadearam um agravamento da situação epidemiológica da malária. O reconhecimento deste panoram a fez com que a estratégia de enfrenta- mento do problema fosse modificada ao longo dos anos. Atualmente a OMS possui um plano de ação, denominado Estratégia Global de Controle da Malária, o qual enfatiza o diagnóstico precoce e o tratametno adequado da doença, por meio da integração das atividades de controle às ati vidades dos serviços gerais de saúde, reconhecendo as especificidades locais de cada situação a ser enfrentada. De fato, de acordo com as últimas estimativas, a OMS relata redução significativa na incidência e na mortalidade da doença entre os anos de 2000 e 2013 (redução de 30 e 47%, respectivamente). A g e n te E tio ló g ic o Os parasitos causadores de malária pertencem ao filo Apicom plexa, família Plasm odiidae e ao gênero Plas- modium. Atualmente são conhecidas centenas de espécies CAPlTULO 17 159 causadoras de malária em diferentes hospedeiros vertebra dos. Quatro espécies parasitam exclusivamente o homem: Plasmodium falciparum, Plasmodium vivax, Plasmodium malariae e Plasmodium ovale. Este último ocorre apenas em regiões restritas do continente africano. Recentemente, outra espécie, o Plasmodium know- esi, tem sido associada a casos clínicos de m alária no continente asiático. Esta espécie encontra-se intimamente associada a regiões de florestas, sendo seus principais hospedeiros vertebrados as espécies Macaca fascicularis e Macaca nemestrina. Até o momento, os vetores envol vidos na transmissão compreendem somente espécies do grupo Anopheles leucosphyrus. O P. knowlesi é comumente confundido com P. malariae em observações microscópi cas e, portanto, sua identificação tem sido confirmada por caracterização molecular, por meio da reação em cadeia da polimerase (PCR), utilizando iniciadores específicos e posterior sequenciamento do gene SSU rRNA. E tio lo g ia Ciclo B iológico Aos P lasm óA ios H u m an os • Hospedeiro Vertebrado — Humanos A infecção malárica inicia-se quando esporozoítos infectantes são inoculados pelo inseto vetor em seus hos pedeiros vertebrados. Os esporozoítos são móveis, apesar de não apresentarem cílios ou flagelos. Essa mobilidade está intimamente associada a proteínas de superfície do parasito, como é o caso das proteínas circum-esporozoíto (CS) e da proteína adesiva relacionada com a trombospon- dina (TRAP), essenciais para a invasão das células hospe deiras. Durante um repasto sanguíneo infectante, poucos esporozoítos são inoculados na derme do hospedeiro e cerca de 1 hora após a infecção, aproximadamente 70% dos esporozoítos presentes na derme atingem os vasos san guíneos e 30% alcançam os vasos linfáticos. A maioria dos esporozoítos drenados para os vasos linfáticos termina sua jornada em linfonodos proximais, onde são destruídos ou se desenvolvem parcialmente em formas exoeritrocíticas. Os esporozoítos de Plasmodium podem atravessar células hospedeiras sem nelas se desenvolverem. Isto propicia a sua migração por diferentes células, antes que ocorra a infecção de um hepatócito, com consequente formação de um vacúolo parasitóforo. A especificidade da célula-alvo também sugere a participação de moléculas do parasito e de receptores específicos na superfície do hepatócito. Várias evidências experimentais demonstram que a proteína CS participa ativamente deste processo. Uma região altamente conservada dessa molécula (região II) liga-se a proteo- glicanos contendo cadeias heparan-sulfato na superfície dos hepatócitos, possibilitando a invasão. Uma hipótese aventada para explicar a chegada do parasito ao hepatócito é a de que o esporozoíto, pela sua capacidade de migrar por diferentes células, atravesse as células de Kupffer ou mesmo células endoteliais, passando pelo espaço de Disse, até atingir os hepatócitos. Recentemente, foi demosntrado que o fenótipo migratório ou invasivo dos esporozoítos é dependente da conformação da proteína CS. Quando o domínio C-terminal da proteína está exposto, o esporozoíto apresenta um fenótipo migratório e quando este domínio está m ascarado pela porção N -term inal da proteína, o esporozoíto apresenta a capacidade de invadir células. Essa particularidade é importante tanto para o desenvolvimento dos esporozoítos no inseto vetor quanto para o hospedeiro vertebrado. Após invadir o hepatócito, os esporozoítos se diferen ciam em trofozoítos pré-eritrocíticos. Estes se multiplicam por reprodução assexuada do tipo esquizogonia, dando ori gem aos esquizontes teciduais e posteriormente a milhares de merozoítos que invadirãoos eritrócitos. Foi demonstrado que os merozoítos formados durante a fase exoeritrocítica são liberados do fígado para a circulação sanguínea por meio de estruturas vesiculares denominadas merossomos e não por ruptura direta do hepatócito infectado. Esses m erossom os se deslocam para os sinusóides hepáticos garantindo a liberação de merozoítos vivos diretamente na circulação sanguínea. Acredita-se que os merozoítos no interior dos hepatócitos consumam o cálcio intracelular e, assim, inibam a exposição de fosfatidilserina na superfície dessas células, prevenindo-as da destruição pelas células de Kupffer e outras células fagocíticas presentes nos sinu sóides hepáticos. Esta primeira fase do ciclo é denominada exoeritrocítica, pré-eritrocítica ou tissular e, portanto, pre cede o ciclo sanguíneo do parasito. O desenvolvimento nas células do fígado requer apro ximadamente 1 semana para o P. falciparum e o P. vivax e cerca de 2 semanas para o P. malariae. Nas infecções por P. vivax e P. ovale, alguns esporozoítos dão origem, após invadir os hepatócitos, a formas dormentes denominadas hipnozoítos (do grego hypnos, sono). Estes hipnozoítos são responsáveis pelas recaídas tardias da doença, que ocorrem após períodos variáveis de incubação, em geral dentro de 45 a 90 dias, para a maioria das cepas de P. vivax, podendo prolongar-se por 6 meses ou mais. Os fatores determinantes da reativação dos hipnozoítos ainda não são esclarecidos. Entretanto, tem sido demonstrado que as populações de P. vivax emergentes de hipnozoítos geralmente diferem das populações do primeiro episódio de malária. Portanto, a ati vação de populações heterólogas são a causa mais comum da primeira recaída em pacientes com malária por P. vivax. Além disso, tem sido proposto que infecções bacterianas ou parasitárias concomitantes, mas não infecções virais, possam gerar produtos inflamatórios capazes de ativar as formas latentes. As recaídas são, portanto, ciclos pré-eritro- cíticos e eritrocíticos consequentes da esquizogonia tardia de parasitos dormentes no interior dos hepatócitos. O ciclo eritrocítico inicia-se quando os merozoítos tissulares invadem os eritrócitos. A interação dos mero zoítos com o eritrócito envolve o reconhecim ento de receptores específicos. Para o P. falciparum, os principais receptores são as glicoforinas (glicoproteínas presentes no eritrócito) e, para o P. vivax, a glicoproteína do grupo sanguíneo Duffy. Além disso, o P. vivax invade apenas reticulócitos, enquanto o P. falciparum invade hemácias de diferentes graus de maturação. Já o P. malariae invade preferencialmente hemácias maduras. Essas características têm implicações diretas sobre as parasitemias verificadas nas infecções causadas pelas diferentes espécies de plas- módios. O desenvolvimento intraeritrocítico do parasito 160 CAPÍTULO " dá-se por esquizogonia, com consequente formação de merozoítos que invadirão novos eritrócitos. Depois de algumas gerações de merozoítos sanguíneos, ocorre a dife renciação em estágios sexuados, os gametócitos, que não mais se dividem e que seguirão o seu desenvolvimento no mosquito vetor, dando origem aos esporozoítos. O pico de produção de gametócitos na circulação sanguínea é obser vado tardiamente nas infecções por P. falciparum enquanto em infecções por P. vivax, P. malariae e P. ovale as formas sexuadas podem ser verificadas logo após as primeiras esquizogonias sanguíneas. O ciclo sanguíneo se repete sucessivas vezes, a cada 48 horas, nas infecções pelo P. falciparum , P. vivax e P. ovale, e a cada 72 horas, nas infecções pelo P. malariae. A fonte de nutrição de trofozoítos e esquizontes sanguíneos e a hemoglobina, porém alguns componentes metabólicos necessários ao seu desenvolvimento são procedentes do plasma: glicose, metionina, biotina, certas purinas e piri- midinas, fosfato e ácido param inobenzoico (PABA). A ingestão da hemoglobina faz-se por uma organela especia- zada, o citóstoma. A digestão ocorre dentro de um vacúolo digestivo, com a form ação do pigm ento m alárico, ou remozoína, que consiste em monômeros ou dímeros de fer- nprotoporfiria IX (heme), metamoglobina e proteínas plas- modiais. Após o término da esquizogonia e o rompimento das hemácias parasitadas, o pigmento malárico acumulado r.o citoplasma do eritrócito é liberado no plasma e poste riormente fagocitado pelas células de Kupffer no fígado ou pelos macrófagos do baço e de outros órgãos (Figura 17.1). • Hospedeiro Invertebrado — Inseto Durante o repasto sanguíneo, a fêmea do anofelino mgere as formas sanguíneas do parasito, mas somente : s gametócitos serão capazes de evoluir no inseto, dando origem ao ciclo sexuado ou esporogônico. No intestino médio do mosquito, fatores como temperatura inferior a 30°C e aumento do pH por baixa pressão de C 0 2 estimulam : processo de gametogênese (gametócitos se transformam em gametas extracelulares) poucos minutos após a inges tão do sangue. O gametócito feminino transforma-se em macrogameta e o gametócito masculino, por um processo denominado exflagelação, dá origem a oito microgame- ns. Em 20-30 minutos, um microgameta fecundará um macrogameta, formando o ovo ou zigoto. Dentro de 24 noras após a fecundação, o zigoto passa a movimentar-se por contrações do corpo, sendo denominado oocineto. Este itravessa a matriz peritrófica (membrana que envolve o Cimento) e atinge a parede do intestino médio, onde se encista na camada epitelial do órgão, passando a ser cha mado oocisto. Inicia-se então o processo de divisão esporo- gônica e, após um período de 9 a 14 dias, ocorre a ruptura da parede do oocisto, sendo liberados os esporozoítos formados durante a esporogonia. Estes serão disseminados por todo o corpo do inseto pela hemolinfa, até atingir as células das glândulas salivares. Esses esporozoítos atingirão o canal central da glândula e ingressarão no dueto salivar para serem injetados no hospedeiro vertebrado, juntamente com a saliva, durante um novo repasto sanguíneo infectante (Figura 17.1). H á b ita t O hábitat varia para cada fase do ciclo dos plasmódios humanos. No homem, as formas infectantes, os esporozoí tos, atravessam células na derme e circulam brevemente na corrente sanguínea. Na etapa seguinte o parasito se desenvolve no interior do hepatócito e, posteriormente, nos eritrócitos. No inseto vetor, as diferentes formas evolutivas desen volvem-se sucessivamente no interior da matriz peritrófica, no epitélio médio, na hemolinfa e nas glândulas salivares. Transm issão A transm issão natural da m alária ao homem dá-se quando as fêmeas de mosquitos anofelinos (gênero Ano- pheles), parasitadas com esporozoítos em suas glândulas salivares, inoculam essas formas infectantes durante o repasto sanguíneo. As fontes de infecção humana para os mosquitos são pessoas doentes, ou mesmo indivíduos assintomáticos, que albergam formas sexuadas do parasito (gametóforo). Primatas não humanos podem funcionar como reservatórios de P. malariae. Atualmente, P. knowlesi vem sendo considerada a quinta espécie de plasmódio sendo capaz de infectar naturalmente o homem. Entretanto, trata-se de uma zoonose que requer a participação de símios frequentemente encontrados em florestas no sudeste asiá tico. Os mosquitos envolvidos na transmissão natural da malária serão abordados no Capítulo 43. Apesar de infrequente, a infecção malárica pode ser transmitida acidentalmente por transfusão sanguínea. A infecção congênita pode ocorrer com consequências graves para o feto ou recém-nascido. Nestes casos, o ciclo exoeri- trocítico não é observado. M o rfo lo g ia Os plasm ódios variam individualm ente em tam a nho, forma e aparência, de acordo com o seu estágio de desenvolvimento e com suas características específicas. As formas evolutivas extracelulares, capazes de invadir as células hospedeiras (esporozoítos, merozoítos, oocineto), possuem um com plexo apical form ado por organelasconhecidas como roptrias e micronemas (típicas do filo A picom plexa), diretam ente envolvidas no processo de interiorização celular. A m icroscopia eletrônica, estas formas do parasito apresentam uma mem brana externa simples e uma membrana intema dupla, que é fenestrada e incompleta, principalmente na extremidade anterior, onde está localizado o complexo apical (Figura 17.2). Este está ausente nas formas intracelulares (trofozoítos, esquizontes e gametócitos). ■ Esporozoíto: é alongado, medindo cerca de 11 pm de comprimento por 1 pm de largura e apresenta núcleo central único. Sua estrutura interna é semelhante nas diferentes espécies de plasmódio. Sua membrana é for mada por duas camadas sendo a mais externa formada principalmente pela proteína CS, a qual participa de diversas interações celulares durante o ciclo vital do parasito. CAPÍTULO 17 FIGURA 17.1. Ciclo do Plasmodium. Em humanos: esporozoítos infectantes são inoculados no homem pelo inseto vetor (1). Após a invasão do hepatócito, os esporozoítos se diferenciam em trofozoítos pré-eritrocíticos (2) que se multiplicam por reprodução assexuada do tipo esquizogonia, dando origem aos esquizontes teciduais (3) e posteriormente a milhares de merozoítos que serão liberados do fígado para a circulação sanguínea por meio de vesículas denominadas merossomos (4). Após invadir os eritrócitos, os merozoítos transformam-se em trofozoítos jovens (5) e posteriormente em trofozoítos maduros (6). O desenvolvimento intra-eritro- cítico do parasito dá-se por esquizogonia, com consequente formação de esquizontes (7 e 8) dando origem aos merozoítos (9) que invadirão novos eritrócitos. Depois de algumas gerações de merozoítos sanguíneos, ocorre a diferenciação em estágios sexuados, os gametócitos (10). No vetor: somente os gametócitos serão capazes de evoluir no inseto, dando origem ao ciclo sexuado ou esporogônico. O gametócito masculino, por um processo denominado exflagelação, dá origem a oito microgametas (11) e o game tócito feminino transforma-se em macrogameta (12). Cada microgameta fecundará um macrogameta, formando o ovo ou zigoto que é móvel e atinge a parede do intestino médio, encistando-se na camada epitelial do órgão, passando a ser chamado oocisto (13). Inicia-se então o processo de divisão esporogônica e, após a ruptura da parede do oocisto, os esporozoítos formados são liberados e atingirão as células das glândulas salivares do mosquito (14). Neste ciclo não são representados os hipnozoítos presentes nas infecções por P. vivax e R ovale. (Desenho de Daniel Coscarelli, Mestrando do Programa de Pós-graduação em Parasitologia - ICB/UFMG, 2010.) CAPÍTULO 17 ^CURA 17.2. Desenho esquemático de um esporozoíto (A) e de um merozoíto (B), evidenciando as principais estruturas, i :: roptrias; Ap: anel polar, Ct: citóstoma; N: núcleo; Mt: mitocôndria. (Desenho de Andrea Alves de Azevedo, monitora da Ifedplina Parasitologia, ICB/UFMG, 1999.) ■ Forma exoeritrocítica: após a penetração do esporo zoíto no hepatócito, ocorre a perda das organelas do complexo apical e o parasito se toma arredondado. Esta forma é chamada trofozoíto e após sucessivas divisões celulares dará origem ao esquizonte tissular (ou cripto- zoíto), composto por uma massa citoplasmática e milha res de núcleos filhos. O seu tamanho varia de 30 a 70 um de diâmetro e isto provoca aumento do tamanho do repatócito infectado. O número de merozoítos formados aria entre as espécies de plasmódios humanos, mas é, em geral, acima de 10.000 parasitos (Figura 17.3B). ■ Merozoíto: independente da sua origem, se pré-eritrocí- rlca ou sanguinea, os merozoítos são células similares e capazes de invadir somente hemácias. Estruturalmente, üsem elham -se aos esporozoítos, sendo, porém meno res e arredondados, com 1 a 5 pm de comprimento por 2 um de largura e tendo uma membrana externa com- rosta por três camadas. ■ Formas eritrocíticas: com preendem os estágios de trofozoítos jovem , trofozoíto maduro, esquizonte e gametócitos. As características morfológicas de cada estágio para as diferentes espécies causadoras de malária humana estão esquematizadas na Tabela 17.1 e detalha das no item Diagnóstico. ■ Microgameta: célula flagelada originária do processo de exflagelação (Figura 17.3A). Apresenta de 20 a 25 pm de comprimento, sendo constituída de uma membrana que envolve o núcleo e o único flagelo. ■ Macrogameta: célula que apresenta uma estrutura proe minente na superfície, por onde se dá a penetração do microgameta (fecundação). ■ Oocineto: form a alongada de aspecto verm iform e, móvel, com comprimento entre 10 e 20 pm, contendo núcleo volumoso e excêntrico. • » FIGURA 17.3. Detalhes do ciclo biológico do Plasmodium: (1) Exflagelação de microgametócito de P. malariae no estômago do transmissor (Anopheles), para liberação de microgametas; (2) esquizonte pré-eritrócito de P. falciparum, no hepatócito. (Segundo Short e cols. Trans R Soc Trop Med Hyg 1951 ;44.) ■ Oocisto: estrutura esférica de 40 a 80 pm. Apresenta grânulos pigm entados em seu interior, os quais têm características de cor e distribuição que variam entre as espécies. Está envolto por uma cápsula com espessura em torno de 0,1 pm e apresenta tam anho único em infecções de baixa densidade e dimensões múltiplas nas infecções intensas. Em infecções antigas a parede do oocisto se mantém aderida ao intestino médio, tomando- se quitinosa. Estim a-se que um único oocisto possa produzir, em média, 1.000 esporozoítos. Im u n id a d e Os mecanismos envolvidos na proteção contra a malá ria são complexos, mas podem ser didaticamente divididos em três categorias: (1) resistência inata; (2) imunidade inata; e (3) imunidade adquirida. R esistência In a ta A resistência inata é uma propriedade inerente do hospedeiro e independe de qualquer contato prévio com o parasito. Pode ser absoluta, quando protege completa mente o indivíduo da doença, ou relativa nos casos em que, mesmo havendo o desenvolvimento do parasito, o processo infeccioso é autolimitado. Um exemplo de resistência abso luta é o fato de o homem não ser suscetível à infecção por plasmódios aviários ou de roedores. Resistência relativa pode ser comprovada em algumas infecções humanas com plasmódios simianos, as quais são controladas pelo hospe deiro antes de apresentar manifestações clínicas definidas. Fatores do hospedeiro, geneticamente determinados, podem influenciar a sua suscetibilidade à malária. A ausên cia de receptores específicos na superfície dos eritrócitos impede a interação de merozoítos. Algumas populações africanas que não apresentam o antígeno de grupo sanguí neo Duffy (FyFy) são resistentes à infecção pelo P. vivax, o que explica a raridade deste tipo de malária em certas regiões da África. Certos polimorfismos genéticos estão associados à dis tribuição mundial de malária por P. falciparum. O exemplo mais convincente é o da anemia falciforme. Crianças afri canas que morrem de malária grave raramente apresentam o traço falciforme (HbAS), embora este fenótipo seja alta mente frequente naquela região. O parasitismo de hemácias AS provoca aumento do consumo de oxigênio com con sequente diminuição da pressão de O, e polimerização da hemoglobina falciforme. As membranas destas células estão modificadas pelo estresse oxidativo, resultando em fago- citose pelos macrófagos, crescimento e desenvolvimento parasitários deficientes além de diminuição de adesão ao endotélio. Desta forma, em área de intensa transmissão de malária, indivíduos heterozigotos que apresentam o traço fal ciforme (FlbAS) são protegidos de malária grave e, portanto, apresentam vantagens seletivas sobre indivíduos homozigo- tos (FIbAA), que se podem infectar e vir a morrer de malária. Nos eritrócitos falciformes, o nível de potássio intracelular está diminuído em virtude da baixa afinidade da hemoglo bina S pelo oxigênio, o que causa a morte do parasito. Talassemias, ou seja, proporçõesanormalmente ele vadas de cadeias gama ou delta, substituindo a cadeia beta roga"- Pigmento da hemo mento pa mecanisr importân Acre drogenas por efeit< eritrócito formandc CAPITULO 17 CAPÍTULO ÜM fc r M nago do segundo linados, áausên- trócitos ulações sanguí- * vivax. 1 certas is à dis- xemplo :as afri- isentam :ja alta- ;mácias m con- ição da is estão a fago- imento ;são ao ssão de aço fal- írtanto. íozigo- nalária. icelular moglo- te ele- ia beta Tabela 17.1 Características Morfológicas das Formas Eritrocíticas das Diferentes Espécies Causadoras de Malária Humana Características Espécie de Plasmódio P. falciparum P. vivax P. malariae P. ovale Formas encontradas no sangue periférico Trofozoítos jovens, gametócitos Trofozoítos jovens, trofozoítos maduros, esquizontes e gametócitos Trofozoítos jovens, trofozoítos maduros, esquizontes e gametócitos Trofozoítos jovens, trofozoítos maduros, esquizontes e gametócitos Aspecto dos eritrócitos nfectados Normal. Cranulações de Maurer raras Aumentado. Granulações de Schüffner frequentes Normal. Granulações de Ziemann raras Aumentado e oval. Cranulações de Schüffner frequentes Trofozoíto jovem Pequeno e delicado. Citoplasma delgado e núcleo com cromatina pequena e saliente (forma em anel) ou dupla. Poliparasitismo frequente. Raramente granulações de Maurer Citoplasma espesso. Núcleo com cromatina única e interna. Poliparasitismo raro Citoplasma espesso. Núcleo com cromatina média e única. Ocupa 1/3 do volume do eritrócito Citoplasma espesso. Núcleo com cromatina única e interna Trofozoíto maduro Raro no sangue periférico. Pequeno e compacto. Citoplasma espesso. Cromatina indistinta Citoplasma irregular e com aspecto ameboide. Cromatina isolada Citoplasma compacto, arredondado. Cromatina pouco visível. Disposição em faixa equatorial no eritrócito Citoplasma irregular com aspecto ameboide. Cromatina isolada Esquizonte Raro no sangue periférico. Geralmente arredondado. Citoplasma pouco deformado. Cromatina separada em grânulos grossos Forma ameboide. Citoplasma irregular vacuolizado. Cromatina segmentada Cromatina pouco segmentada. Pouco numeroso no sangue periférico. Posição em banda equatorial Forma ameboide. Citoplasma irregular vacuolizado. Cromatina segmentada Número de merozoítos 'o esquizonte 6-32 (média = 22) 12-24 (média = 16) 6-12 (média = 8) Em forma de roseta 6-14 (média = 8) •■Vacrogametócito Alongados e curvos, em forma de crescente ou foice, com citoplasma azul intenso e núcleo denso, cercado de pigmento malárico Citoplasma abundante, contorno arredondado ou oval, núcleo grande, cromatina pouco densa. Ocupa quase todo volume do eritrócito. Citoplasma cora-se fortemente de azul Semelhante ao do P. vivax, diferindo apenas por seu tamanho menor Semelhante ao do P. vivax, diferindo apenas por seu tamanho menor crogametócito Mais curto e menos encurvado, com citoplasma fracamente corado, cromatina difusa e pigmento malárico disseminado por todo o citoplasma Citoplasma azul-pálido e a cromatina azul frouxa Cromatina única, menos distinta e mais difusa Cromatina difusa ~ m ento malárico Negro, grosseiro e evidente Marrom-claro e pouco evidente Marrom-escuro, grosseiro e evidente Marrom-escuro evidente ia hemoglobina, também podem impedir o desenvolvi- nento parasitário no interior do eritrócito. Entretanto, este -ecanism o de resistência inata à malária não tem grande mportância na epidemiologia da doença. Acredita-se que a deficiência de glicose-6-fosfato-desi- irogenase possa impedir o desenvolvimento dos parasitos : efeitos oxidantes, pois se sabe que a hemoglobina de ;~.irócitos deficientes desta enzima é facilmente oxidada, :?rmando metamoglobina, que é tóxica para o parasito. • Resposta Imune Inata A resposta imune inata é essencial para o controle da parasitem a inicial nas infecções por plasm ódios e é fundamental para o estabelecimento da resposta imune adquirida contra o parasito. Entretanto, os mecanismos envolvidos na resposta imune inata à malária são pouco conhecidos. Sabe-se que tal resposta pode ser desenca deada por diversos componentes derivados de diferentes m icrorganism os e que os receptores Toll-like (TLRs), expressos na membrana plasmática de células dendríticas, macrófagos e células B, estão envolvidos neste processo. Por exemplo, os receptores TLR2 e TLR9 reconhecem metabólitos do parasito, como as âncoras de GPI (glico- silfosfatidilinositol) e hemozoína (associadas ou não ao DNA do parasito) e esta interação promove uma resposta pró-inflamatória com liberação de citocinas como o IFN-y e TNF-a que serão importantes no controle da infecção em etapas posteriores. • Resposta Imune Adquirida A história natural da malária em regiões de alta trans missão, como na África e em algumas regiões da Ásia, ilustra bem a com plexidade da resposta im unológica naturalmente adquirida pelo homem contra o plasmódio e a dinâmica relação parasito-hospedeiro que se desenvolve nos indivíduos constante e cronicamente expostos à doença. Nessas áreas, onde o P. fa lciparum é predominante, os recém-nascidos são protegidos de malária grave durante os primeiros meses de vida. A transferência passiva de anticorpos IgG da mãe imune para o filho é considerada um dos principais fatores responsáveis pela resistência do recém-nascido. Outros fatores também podem estar envolvidos, como a presença de eritrócitos contendo gran des quantidades de hemoglobina fetal (HbF), gerando um microambiente desfavorável ao crescimento parasitário. Existem algumas evidências de que a dieta alimentar do recém-nascido, deficiente em PABA, também possa impe dir o desenvolvimento do parasito. Após este período, as crianças são altamente suscetíveis à malária grave, sendo frequentes as infecções fatais durante os primeiros 2 a 3 anos de vida. Com o aumento da idade, as crianças sofrem progressivamente menos episódios de malária, embora pos sam apresentar altas parasitemias, na ausência de sintomas. Atingindo a idade adulta, os sintomas clínicos da doença são menos pronunciados e os níveis de parasitas sanguíneos muito baixos, refletindo, então, o desenvolvimento de uma imunidade “antiparasito”, também denominada premuni ção. Embora os mecanismos envolvidos neste estado de equilíbrio imune ainda não sejam totalmente elucidados, o processo tem características muito definidas, que podem ser assim resumidas: • imunidade não esterilizante que mantém níveis de parasitemia abaixo de um limiar de patogenicidade, determinando infecções assintomáticas; • imunidade dependente de exposição contínua ao para sito, sendo perdida por indivíduos imunes após cerca de 1 ano, na ausência de exposição. A história natural de m alária por P. vivax tem sido recentemente caracterizada por meio de extensos estudos longitudinais realizados no sudeste asiático e em ilhas da Oceania. Padrão similar àquele observado para áreas hiper-holoendêmicas para o P. falciparum tem sido obser vado: formas clínicas com complicações graves são mais frequentes em crianças menores que 5 anos enquanto ado lescentes e adultos tendem a desenvolver infecções mais brandas com parasitemias mais baixas e ausência gradual de sintomas. Em áreas com baixos níveis de transmissão, como no Brasil, espera-se que crianças e adultos sejam igualmente acometidos e a m alária grave por P. fa lciparum ocorra principalmente quando o diagnóstico é tardio. Pelas carac terísticas migratórias da população exposta, indivíduos não imunes, de diferentes idades, podem ser suscetíveis à ino culação de esporozoítos. Na quase totalidade desses casos, é observada doença clínica de intensidade variável e, fre quentemente, vários episódios sucessivos de malária, tanto por P. falciparum quanto por P. vivax. Entretanto, casos assintomáticos por ambas as espécies têm sido descritos nos últimos anos.Os mecanismos envolvidos na determi nação desse status imunológico em populações brasileiras ainda não são totalmente esclarecidos. M ecan ism os d a R esp o sta Im u n e A d q u irid a Durante a fase aguda da malária é desencadeada uma potente resposta imune dirigida contra os diferentes está gios evolutivos do parasito. Assim, sabe-se que a imuni dade naturalmente adquirida é espécie-específica e também estágio-específica. Os esporozoítos induzem uma resposta imune que resulta na produção de anticorpos dirigidos contra antíge- nos de sua superfície, em particular contra a proteína CS. Acredita-se que tais anticorpos ajam bloqueando a mobili dade necessária à invasão da célula hospedeira. Entretanto, o envolvimento de anticorpos anti-CS na proteção adqui rida contra malária ainda não está bem definido. A pesquisa de tais anticorpos tem sido utilizada, em áreas endêmicas, para avaliar a exposição aos m osquitos infectados, ou melhor, a intensidade de transmissão de malária. Durante a fase de desenvolvim ento intra-hepático, o parasito também é capaz de funcionar como alvo da resposta imune. Durante esta fase do desenvolvimento intracelular do parasito, os mecanismos celulares parecem atuar diretamente através da citoxicidade de linfócitos ou indiretamente através de citocinas, como o interferon gama (IFN-y), interleucina (IL) 1 e IL6, e o fator de necrose tumoral alfa (TNF-a). Muito se tem feito no sentido de identificar os meca nismos imunes envolvidos na premunição. Experimentos de transferência passiva de anticorpos realizados na década de 1960, no Gâmbia, demonstraram claramente que anti corpos contra as formas sanguíneas estão envolvidos nessa imunidade protetora. Nos anos de 1990, esses experimen tos foram repetidos, confirmando que IgG purificada de soros de adultos imunes (área hiperendêm ica) é capaz de controlar a infecção por P. fa lciparum em crianças, reduzindo a parasitemia e protegendo-as de doença grave. Análise in vitro e in vivo dos efeitos dos anticorpos pro tetores tem mostrado que pelo menos dois mecanismos estão envolvidos: 1. participação de anticorpos opsonizantes que promo vem a fagocitose de eritrócitos infectados; 2. participação de anticorpos citofílicos (subclasses IgGl e IgG3 no homem) que se ligam a monócitos e promovem a inibição do crescimento do parasito 166 CAPÍTULO 17 intraeritrocítico, não requerendo para isso contato entre células efetoras e eritrócitos infectados. Nesse caso, o que ocorre é a atuação de TN F-a liberado por monócitos ativados, que impedirá o desenvol vimento das formas sanguíneas no interior da célula hospedeira. Para confirmar essas observações expe rimentais, estudos soroepidemiológicos foram con duzidos em áreas holoendêmicas, demonstrando que os anticorpos citofílicos são predominantes nos soros dos indivíduos protegidos, enquanto as subclasses não citofílicas (IgG2, IgG4 e IgM) predominam entre indivíduos não protegidos. Apesar dos anticorpos contra as formas sanguíneas <-;m considerados um importante fator na eliminação do :i*asito, a imunidade mediada por células contribui nesse r r cesso. Células T CD4+ desempenham um papel central z c controle da infecção malárica. Durante a fase eritrocí- ~ca da infecção, linfócitos T CD4+ produzem IFN-y que ssdmula a resposta de células B e a produção de anticor- que promovem a eliminação de eritrócitos infectados, le.ulas T CD4+ também são importantes para o controle : : parasito durante o desenvolvim ento pré-eritrocítico n r . ando células T CD8+ específicas. Contudo, respostas rrim atórias excessivas desencadeadas durante a infecção icdem induzir quadros graves da doença. ratogfenia Apenas o ciclo eritrocítico assexuado é responsável ce rs manifestações clínicas e patologia da malária. A pas- sigem do parasito pelo fígado (ciclo exoeritrocítico) não í r-r.ogênica e não determina sintomas. A destruição dos -eitos e a consequente liberação dos parasitos e de seus ■eabólitos na circulação provocam uma resposta do hos- jecerro, determinando alterações morfológicas e funcionais -servadas no indivíduo com malária. A remoção das hemácias infectadas ou a captação do rrrcen to malárico (hemozoína) circulante por macrófagos s c ènicos resulta na ativação de receptores da resposta rm-re inata do paciente e, consequentemente, em liberação j£ grande quantidade de citocinas. As citocinas circulantes ~c_zirão os paroxismos inflamatórios clássicos, conhecidos ■aço ataque malárico, e a expressão de moléculas de ade- ãc relas células endoteliais, que irão mediar o sequestro t e bemácias parasitadas nos capilares. Esse sequestro de e.tos infectados interrompe o fluxo de sangue, pro- mrsendo a formação de microcoágulos sanguíneos, lesões anncceliais e rupturas nas paredes microvasculares, levando t extravasamento de líquido para o interstício e inflamação tecõual local. Em larga escala, esses mecanismos contri- K n para o desconforto respiratório agudo, a insuficiência ' r t i l aguda e a m alária cerebral, que são complicações E n es da malária, principalmente quando o P. falciparum : _ espécie causadora. Uma vez que o P. vivax parasita pre ferencialmente os reticulócitos, o sequestro dessas células niectadas é menos intenso, e tais complicações são menos uns. Hemólise de eritrócitos não infectados, absor- _i: de hemácias alteradas por macrófagos esplénicos e c licidade eritropoiética induzida por citocinas resultam, requentemente, em anemia. A hemoglobina livre catalisa o estresse oxidativo, levando à hipóxia e à acidose láctica, promovendo a acidose metabólica, que é agravada pela função renal alterada. Os mecanismos determinantes das diferentes formas clínicas da m alária baseiam-se, fundamentalmente, em fenômenos patogênicos. D estru ição d o s E ritrócitos P a rasitados O processo de destruição dos eritrócitos está presente em todos os tipos de malária e em maior ou menor grau participam do desenvolvimento da anemia. Entretanto, na maior parte dos casos, a anemia não se correlaciona com a parasitemia, indicando que a sua gênese seja causada por outros fatores, como a destruição de eritrócitos não parasitados pelo sistema imune ou por aumento da eritro- fagocitose esplénica, a participação de autoanticorpos com afinidades tanto para o parasito quanto para o eritrócito e a disfunção da medula óssea estimulada por ação de citocinas (diseritropoiese). Toxicidade R esu ltan te da Liberação d e C itocinas Durante a fase aguda da malária, ocorrem ativação e mobilização de células imunocompetentes que produ zem citocinas que agirão direta ou indiretamente sobre o parasito, mas que podem ser nocivas para o hospedeiro. A febre, por exemplo, é resultado da liberação de pirogênio endógeno pelos m onócitos e macrófagos, ativados por produtos do parasito. Recentemente, um material glicoli- pídico, com propriedades semelhantes à toxina bacteriana, foi identificado entre os metabólitos liberados após ruptura do esquizonte. Esta substância, assim como a hemozoína, é capaz de induzir liberação de citocinas (fator de necrose tumoral-TNF, IL-1, IL-6 e IL-8) pelas células do sistema monocítico/macrofágico e, possivelmente, células endote liais. Estas citocinas estão associadas a muitos dos sintomas da malária aguda, particularmente a febre e o mal-estar. A concentração de diversas citocinas, especialmente TNF-a, está elevada tanto na malária causada por P. vivax quanto na por P. fa lciparum . Sua associação com pior prognóstico na malária falciparum já foi demonstrada por diferentes estudos, porém não foi possível estabelecer uma relação de causa-efeito para as complicações observadas. Acredita-se que esta citocina atue de forma direta sobre o endotélio e, de forma indireta, induzindo moléculas de citoaderência. Como consequência da lesão endotelial, pode haver extravasamento de líquido para o espaço intersticial de estruturas nobres, como os alvéolose glomérulos, pro duzindo manifestações de malária grave pulmonar e renal, respectivamente. Outras ações tóxicas das citocinas já foram demons tradas na malária grave. Sua ação inibitória da gliconeogê- nese é responsável pela hipoglicemia, e seus efeitos sobre a placenta são responsáveis pela gravidade da malária na gestação, tanto para a mãe quanto para o feto. Já foi demonstrado que as citocinas aumentam a produ ção de óxido nítrico pelos leucócitos, músculo liso, micró- -T U LO 17 167 glia e endotélio vascular, através da enzima sintase. Sendo o óxido nítrico um potente inibidor da função celular, esta substância tem sido recentemente implicada na patogenia de algumas complicações da malária grave, principalmente o coma. S equ estro Aos E ritrócitos P a rasitados na R ed e C api lar Durante o desenvolvim ento esquizogônico sanguí neo, o P. falciparum induz uma série de modificações na superfície da célula parasitada, que permitem a sua adesão à parede endotelial dos capilares. Este fenômeno de citoa- derência é mediado por proteínas do parasito expressas na superfície dos eritrócitos infectados (proteína 1 de mem brana do eritrócito do P. falciparum ou PfEMPl), formando protuberâncias ou knobs. Diferentes moléculas do hospe deiro participam do processo de adesão celular, sendo o antigeno de diferenciação leucocitária (CD36), a molécula de adesão intercelular (ICAM-1) e a condroitina sulfato A (CSA) as mais importantes. ICAM-1 parece ser o principal ligante no cérebro, CD36 na microcirculação de diferentes órgãos e CSA na placenta. Diferentes parasitos podem se ligar a um número variável de combinações de receptores do hospedeiro. TNF-a e outras citocinas podem estimular a expressão de moléculas de adesão, principalmente ICAM-1, nos capilares cerebrais. O fenômeno de adesão celular também é observado entre eritrócitos parasitados e não parasitados, formando as chamadas “rosetas”. As moléculas envolvidas na formação de “rosetas” incluem certos carboi- dratos dos grupos sanguíneos A/B e CD36. A citoaderência endotelial e o fenômeno de formação de rosetas ocorrem principalmente nas vênulas do novelo capilar de órgãos vitais (substância branca do cérebro, cora ção, fígado, rins, intestino). Dependendo da intensidade, podem levar à obstrução da microcirculação e consequente redução do fluxo de oxigênio, ao metabolismo anaeróbico e à acidose láctica. São alvos dessa agressão o cérebro, os rins e o fígado, cujos danos são responsáveis pelas com plicações de malária cerebral, insuficiência renal aguda e hepatite, tão comuns nos quadros de malária grave. Pode ocorrer ainda lesão no endotélio capilar, alterando a sua permeabilidade e desencadeando a cascata da coagulação (coagulação intravascular disseminada), que pode compli car com fenômenos hemorrágicos graves (Figura 17.4). FICURA 17.4. Alteração vascular cerebral em paciente de malária pelo P. falciparum: corte de cérebro (A) e miocárdio (B) mostrando obstrução capilar por eritrócitos parasitados (aumento: 1 .OOOx). É interessante notar que o sequestro dos eritrócitos parasitados representa, pelo menos em parte, um meca nismo de escape do parasito, evitando a sua destruição no baço. Uma evidência de que o baço tem papel relevante na modulação da citoaderência é o fato de pacientes esplenec- tomizados apresentarem no sangue periférico, eritrócitos deformados ou alterados, e parasitados com todos os está gios de desenvolvimento do P. falciparum. L esã o C apilar p o r D eposição de Lm unocom plexos Em infecções crônicas por P. malariae é descrita a ocorrência de glomerulonefrite transitória e autolimitada, a qual se apresenta com síndrome nefrótica. A lesão glo merular é produzida pela deposição de imunocomplexos e componentes do complemento nos glomérulos, alterando a sua permeabilidade e induzindo perda maciça de proteína. Q u a d ro C lín ico O período de incubação de malária varia de acordo com a espécie de plasm ódio, sendo de 9-14 dias para o P. falciparum, 12-17 dias para o P. vivax, 18-40 para o P. malariae e 16-18 dias para o P. ovale. Uma fase sinto mática inicial, caracterizada por mal-estar, cefaleia, cansaço e mialgia, geralmente precede a clássica febre da malária. Estes sintomas são comuns a m uitas outras infecções, não permitindo um diagnóstico clínico seguro. O ataque paroxístico agudo (acesso malárico), coincidente com a ruptura das hemácias ao final da esquizogonia, é geralmente acompanhado de calafrio e sudorese. Esta fase dura de 15 minutos a 1 hora, sendo seguida por uma fase febril, com temperatura corpórea podendo atingir 41°C ou mais. Após um período de 2 a 6 horas, ocorre defervescência da febre e o paciente apresenta sudorese profusa e fraqueza intensa. Depois de algumas horas, os sintomas desaparecem e o paciente sente-se melhor. Após a fase inicial, a febre assume um caráter intermi tente relacionado com o tempo de ruptura de uma quanti dade suficiente de hemácias contendo esquizontes maduros. Portanto, a periodicidade dos sintomas é relacionada com o tempo de duração dos ciclos eritrocíticos de cada espécie de plasmódio: 48 horas para P. falciparum, P. vivax e P. ovale e 72 horas para P. malariae. Entretanto, a constatação desta regularidade é pouco comum nos dias atuais, em decor rência de tratamento precoce, realizado ainda na fase de assincronismo das esquizogonias sanguíneas. Desta forma, o padrão mais observado é o da febre irregular cotidiana. M alária N ã o C om plicada As manifestações clínicas mais frequentemente obser vadas na fase aguda são comuns às quatro espécies que parasitam os humanos. Em geral, os acessos maláricos são acompanhados de intensa debilidade física, náuseas e vômitos. Ao exame físico, o paciente apresenta-se pálido e com o baço palpável. Em áreas de transmissão intensa, como na África, a malária é considerada a principal causa de febre em crianças. Entretanto, no Brasil, onde a malária ---- .. C CAPÍTULO 17 Tabela 17.2 Principais Sintomas Referidos por 183 Indivíduos Malária Aguda, Residentes em Área Endêmica de Malária, Mato Grosso, 1996 :■ ntomas Clínicos Número de Indivíduos Avaliados % Cetaleia 68 42,0 '•Valgia 51 31,5 --aqueza 44 27,2 t: -e 25 15,4 sastralgia 23 14,2 .ambalgia 22 13,6 Txiteira 10 6,2 Náusea 10 6,2 Calafrio 10 6,2 .comete principalmente adultos, a febre nem sempre é -iíerida pela totalidade dos pacientes, principalmente se a sofreram várias infecções no passado (Tabela 17.2). •lesmo assim, é importante que os profissionais de saúde ;ae atuam em áreas não endêmicas, mantenham alto nível ás suspeição da doença para qualquer indivíduo com febre e com história de viagem recente para a área endêmica de —alária. Sabendo-se que em alguns casos a sintomatologia rode preceder a patência parasitária, é importante o segui mento desses pacientes por alguns dias, antes de se excluir : diagnóstico de malária. A anemia, apesar de frequente, apresenta-se em graus ■ ariáveis, sendo mais intensa nas infecções por P. fa lci- zarum. Estima-se que cerca de 20% dos pacientes com malária tenham hematócrito inferior a 35% na fase aguda ia doença. Durante a fase aguda da doença é comum a :corrência de herpes simples labial. Em áreas endêmicas, quadros prolongados de infecção podem produzir manifestações crônicas da malária. Um ruadro conhecido como esplenomegalia reativa da malária pode ocorrer em alguns adolescentes e adultos jovens alta mente expostos à transmissão. Esses indivíduos apresentam volumosa esplenomegalia, hepatomegalia, anemia, leucope- n a e plaquetopenia, sendo importante realizar o diagnóstico diferencial com a leishmaniose visceral, esquistossomose lepatoesplênica ou leucemias. Apesar de o parasito não ser detectado pelas técnicas usuais de diagnóstico, os níveis de IgM total e IgG antiplasmódio são elevados nesses casos e a síndrome regride após o uso prolongado de antimaláricos. Proteinúria acentuada,hipoalbum inem ia e edema podem ocorrer em infecções não tratadas pelo P. malariae i síndrome nefrótica da malária causada pelo P. malariae). j)Ialária G rave e C om plicada Adultos não imunes, bem como crianças e gestantes, podem apresentar m anifestações mais graves da infec ção, podendo ser fatal no caso de P. falciparum. Embora por muito tempo considerado como causador de doença benigna, o P.vivax tem sido relacionado, cada vez mais, a quadros clínicos graves de doença. Já foram re la tad : s casos de coma, insuficiência renal aguda, edema pulmonar agudo, insuficiência hepática e hemorragias em pacientes infectados apenas com o P. vivax, sugerindo um novo com portamento de virulência dessa espécie nos últimos anos. A hipoglicemia, o aparecimento de convulsões, vômi tos repetidos, hiperpirexia, icterícia e distúrbio da consciên cia são indicadores de pior prognóstico e podem preceder as seguintes formas clínicas da malária grave e complicada: • M alária cerebral: estima-se que ocorre em cerca de 2% dos indivíduos não imunes, parasitados pelo P. falciparum. Os principais sintomas são uma forte cefaleia, hipertermia, vômitos e sonolência. Em crian ças ocorrem convulsões. O paciente evolui para um quadro de coma, com pupilas contraídas e alteração dos reflexos profundos. • Insuficiência renal aguda: caracteriza-se pela redu ção do volume urinário a menos de 400 mL ao dia e aumento da ureia e da creatinina plasmáticas. E mais frequente em adultos que em crianças, e tem sido descrita como a complicação grave mais frequente de áreas de transmissão instável, como o Brasil. • Edema pulmonar agudo: é particularmente comum em gestantes e inicia-se com hiperventilação e febre alta. As formas mais graves caracterizam-se por in tensa transudação alveolar, com grave redução da pressão arterial de oxigênio (síndrome da angústia respiratória do adulto). • Hipoglicemia: mais frequente em crianças, ocorre geralmente em associação com outras complicações da doença, principalm ente a m alária cerebral. Os níveis de glicose sanguínea são inferiores a 30 mg/dL e a sintomatologia pode estar ausente ou ser masca rada pela sintomatologia da malária. • Icterícia: definida como coloração amarelada da pele e mucosa, em decorrência do aumento da bilirrubina sérica. Pode resultar de hemólise excessiva ou com prometimento da função hepática na malária grave. • Hemoglobinuria', caracterizada por hemólise intravas cular aguda maciça, acompanhada por hiper-hemoglo- binemia e hemoglobinúria, ocorre em alguns casos de malária aguda e também em indivíduos que tiveram repetidas formas de m alária grave por P. fa lc ip a rum. O paciente apresenta urina colúria acentuada, vômitos biliosos e icterícia intensa. Necrose tubular aguda com insuficiência renal é a complicação mais frequente e que pode levar à morte. E p id em iologfia A malária é uma doença que ocorre nas áreas tropi cais e subtropicais do mundo. Entretanto, sua distribuição nessas regiões não é homogênea. E considerada endêmica, quando existe uma incidência relativam ente estável de casos no decorrer de muitos anos sucessivos, e epidêmica, quando ocorre agravam ento periódico ou ocasional da curva endêmica, com número de casos superior àquele esperado para o mesmo período. Classicamente, a ende- micidade de uma região é definida com base no índice CAPÍTULO 17 esplénico, o qual é determinado pela proporção de crianças entre 2 e 10 anos com baço palpável: • Hipoendêmica: índice esplénico inferior a 10%; • Mesoendêmica: índice esplénico entre 11-50%; • Hiperendêmica: índice esplénico entre 51-75%; • Holoendêmica: índice esplénico superior a 75%. No entanto, esse índice não é adequado para áreas onde a transmissão não é intensa e nem perene. Assim uma outra forma de avaliar epidemiologicamente a malária é feita pelo seu perfil de incidência no decorrer do tempo. Pode ser considerada como estável, se o nível de trans missão é alto e não sofre oscilação no decorrer dos anos, embora flutuações sazonais possam ocorrer. Nessas áreas, é comum a aquisição de imunidade coletiva, sendo infre quente o aparecimento de epidemia. Já nas áreas de malária instável, como é o caso do Brasil, é comum a variação anual da incidência, podendo ocorrer epidemias, já que a maior parte da população exposta permanece vulnerável ao parasito. Por isto, para a determinação da endemicidade da doença em nosso país, o Programa Nacional de Controle da Malária adota classificação geográfica de risco com base na incidência anual: áreas de alto, médio e baixo riscos, quando a incidência anual for superior a 50, entre 10 e 50 e inferior a 10 casos/l.000 habitantes, respectivamente. Esses diferentes níveis de endemicidade são determinados por fatores que interferem na dinâmica de transmissão da malária e que se associam a diferentes níveis de risco para adquirir a doença. São eles: • fatores biológicos, que incluem cada elo da cadeia de transmissão: vetor, homem, parasito; • fatores ecológicos, que compreendem as condições am bientais que podem favorecer ou d ificu ltar a transmissão; • fatores socioculturais, que determinam as atitudes e os comportamentos dos agrupamentos humanos; • fatores econômicos e políticos. Das 400 espécies de mosquitos anofelinos já descritas, aproximadamente 80 podem transmitir malária ao homem e 45 delas são consideradas vetores em potencial. Sabe-se que a transmissão não ocorre em temperaturas inferiores a 16°C ou acima de 33°C e nem em altitudes superiores a 2.000 m, condições estas que impossibilitam o desenvol vimento do ciclo esporogônico no mosquito. Condições que favorecem o ciclo de transmissão do parasito no inseto vetor são a alta umidade relativa do ar (acima de 60%) e temperaturas entre 20-30°C. Nessas condições, a esporogo- nia dura cerca de 1 semana e o mosquito pode sobreviver por muito tempo após se alimentar de um hospedeiro infec tado apresentando gametócitos circulantes. Outro aspecto relevante é a densidade vetorial que, associada à preferên cia alimentar do inseto, determina a capacidade vetorial dos transmissores de malária. Fatores associados ao hospedeiro vertebrado estabele cem a suscetibilidade relativa de um indivíduo à infecção pelo plasmódio. Em áreas de alta transmissão de malária, crianças e adolescentes são considerados as principais fon tes de infecção para o mosquito vetor, por apresentarem níveis de gametócitos circulantes superiores àqueles obser vados entre indivíduos adultos imunes. Por outro lado, são as crianças e os adolescentes as maiores vítimas da infecção malárica. O nível de imunidade naturalmente adquirida depende das taxas de transmissão em uma dada área, sendo evidente em situações de hiper-holoendemicidades. Aspectos relacionados com o comportamento de popu lações residentes em áreas malarígenas também apresentam papel relevante na determinação da dinâmica de transmis são. No Brasil, a malária apresenta distribuição heterogênea e dependente das atividades ocupacionais desenvolvidas por populações expostas na Amazônia. Por exemplo, a infecção é frequente entre garim peiros e trabalhadores envolvidos em projetos agropecuários e de colonização. Outra situação epidemiológica influenciada pelo comporta mento humano, comum em nosso meio, é aquela observada entre migrantes que se aglomeram na periferia das grandes cidades, desencadeando um processo de pauperização da doença. As más condições de habitação associadas à proximidade dos criadouros de mosquitos favorecem a instalação de focos epidêmicos. Este é, por exemplo, o caso da periferia das cidades de Belém e Manaus, estados do Pará e Amazonas, respectivamente, onde a expansão urbana desordenada tem aumentado consideravelmente nos últimos anos. S itu a ç ã o A tu a l da M alária e P ersp ectiva para o S e u C o n tro le Atualmente são registrados no mundo cerca de 200 milhões de casos de m alária a cada ano. Deste númeroalarmante, 90% se concentram na África tropical, com aproximadamente 400.000 mortes, principalmente entre crianças menores de 5 anos de idade (80%). O restante está distribuído nas Américas Central e do Sul, sudeste Asiático e ilhas da Oceania (Figura 17.5). (World Malaria Report 2013 -W H O , 2014.) Na América Latina, o maior número de casos é verifi cado na Amazônia brasileira, com registro atual de cerca de 150 a 200 mil casos/ano. O desenvolvimento intensificado da Amazônia nas décadas de 1970, 1980 e 1990 acelerou o processo migratório, atraindo moradores de outras regiões do país, em decorrência dos projetos de colonizações e expansão da fronteira agrícola, construção de estradas e hidrelétricas, projetos agropecuários e extração de ma deira e mineração. Nessa região, as precárias condições socioeconômicas da população migrante determinaram a rápida expansão da doença. Em 2014, 143.552 casos da doença foram registrados no Brasil, sendo 99,9% deles na Amazônia Legal (divisão política do território nacional que engloba nove estados: Amazonas, Pará, Acre, Roraima. Rondônia, Amapá, Mato Grosso, Tocantins e Maranhão i (Figura 17.6). Do total de casos, 84% foram causados pele P. vivax e 16% pelo P. falciparum. O P. malariae é de ocor rência rara e seu diagnóstico microscópico pelo esfregaç: espesso de sangue é, com grande frequência, confundid: como P. vivax. Destacaram-se pela intensidade de trans missão os estados do Acre, Amazonas e Amapá (Malária: Monitoramento dos casos no Brasil, 2014. Boletim Epi- demiológico, Volume 46 N° 25 - 2015.) 170 CAPÍTULO 17 âsos confirmados por 1.000 habitantes ■ I > 100 H 10-50 CU] 0,1-1 c m ■ I 50-100 -_________________ i-io c m 0,01 Fonte: WHO, 2014 îCURA 17.5. Distribuição da malária no mundo, segundo a área de ocorrência e países com registros de casos, 2014. □ Sem transmissão ■ Baixo risco Médio risco■ I Alto risco Fonte: Sinan/SVS/MS e Sivep-Malária/SVS/MS FKiORA 17.6. Classificação das áreas de risco para malária segundo a incidência parasitária anual (IPA), Brasil, 2014. lA -m jL O 17 De forma geral, a população dos assentamentos ocorri dos na Região Amazônica se caracteriza por uma reduzida imunidade à malária, apresentando, assim, elevada taxa de morbidade. Pelas características climático-ambientais e pelas formas de vida da população, as medidas tradicio nais de controle, com base principalmente na aplicação de inseticidas residuais contra o mosquito vetor, têm efeito reduzido nessas regiões. Dentro desta perspectiva, é clara a importância de se adaptarem as medidas de controle às condições epidem iológicas específicas de cada região. Sendo assim, a partir de 1993, o Brasil vem colocando em prática a estratégia global de controle integrado - “uma ação conjunta e permanente do governo e da sociedade, dirigida à eliminação ou redução de riscos de adoecer ou morrer de malária” - conforme a Conferência Ministerial de Amsterdã (outubro de 1992). Essa estratégia visa preve nir a mortalidade e aliviar as perdas sociais e econômicas produzidas pela doença, mediante o fortalecimento dos níveis regionais e locais de atenção à saúde. Estes objetivos deverão ser alcançados por meio de: • diagnóstico precoce e tratamento imediato dos casos; • uso de medidas seletivas contra vetores; • detecção oportuna de epidemias; • avaliação regular da situação local da malária, pelo constante monitoramento dos fatores de risco. Como resultado desse esforço, o país tem demonstrado sucesso no combate à malária nos últimos anos e já cami nha, juntamente com outros 24 países, rumo ao ambicioso objetivo de eliminação da doença no mundo até 2030. No entanto, considerando o número alarmante de casos ainda incidentes no mundo, percebe-se que controlar a transmis são de malária nos países em desenvolvimento continua sendo um grande desafio e um projeto em longo prazo. Nas últimas décadas, muito esforço tem sido dedicado à descoberta de novos inseticidas e de drogas antimaláricas e também à busca de uma vacina protetora. Esses temas serão discutidos ao final deste capítulo. D ia g n ó s tic o da M alária O diagnóstico de certeza da infecção malárica só é possível pela demonstração do parasito, ou de antígenos relacionados, no sangue periférico do paciente. D iagn óstico Clínico Por orientação dos program as oficiais de controle, em situações de epidemia e em áreas de difícil acesso da população aos serviços de saúde, indivíduos com febre são considerados portadores de malária. Como referido ante riormente, no item Manifestações Clínicas, os sintomas da malária são inespecíficos, não se prestando à distinção entre a malária e outras infecções agudas do homem. Além disso, indivíduos semi-imunes ao plasmódio podem ter parasitos da malária, mas sem sintomas da doença, como ocorre nas áreas hiperendêmicas (África, ao sul do Saara), onde a parasitemia pode ocorrer em 60 a 70% da população em qualquer momento e em quase 100% após exames repeti dos. Mesmo no Brasil, onde a malária é hipoendêmica e a transmissão é instável, é possível detectar parasitemia por plasmódio entre garimpeiros, desmatadores e populações ribeirinhas da Amazônia persistentemente assintomáticos. O elemento fundamental no diagnóstico clínico da malária, tanto nas áreas endêmicas quanto nas não endêmi cas, é estar alerta para a possibilidade da doença. Como a distribuição geográfica da doença não é homogênea, nem mesmo nos países onde a transmissão é elevada, toma-se importante, durante a elaboração do exame clínico, resgatar informações sobre a área de residência ou relato de viagens indicativas de exposição ao parasito. Além disso, informa ções sobre transfusão de sangue ou uso de agulhas conta minadas podem sugerir a possibilidade de malária induzida. D iagn óstico L abora toria l A despeito do grande avanço nas técnicas imuno- lógicas de diagnóstico ocorrido nas últimas décadas, o diagnóstico da malária continua sendo feito pela tradicio nal pesquisa do parasito no sangue periférico, seja pelo método do esfregaço espesso (gota espessa) ou delgado de sangue. Estas técnicas baseiam-se na visualização do parasito pela microscopia ótica, após coloração com corante vital (azul-de-metileno ou Giemsa). Estes são os únicos m étodos que perm item a diferenciação específica dos parasitos a partir da análise da sua morfologia e das altera ções provocadas no eritrócito infectado. Em função de sua simplicidade de realização, seu baixo custo e sua eficiência diagnostica, o exame da gota espessa tem sido utilizado em todo o mundo para o diagnóstico específico da malária. A determinação da densidade parasitária pode ser útil para a avaliação prognostica e deve ser realizada em todo paciente com malária, especialmente nos portadores de P. falciparum. Para tal, o exame-padrão da gota espessa será de 100 campos m icroscópicos, exam inados com aumento de 750-1.000 vezes, o que equivale a 0,20 mL de sangue. Um método semiquantitativo de avaliação da parasitemia, expressado em “cruzes” é então obtido, con forme se segue: • +/2 = 40 a 60 parasitos por 100 cam pos de gota espessa • + = 1 parasito por campo de gota espessa • ++ = 2-20 parasitos por campo de gota espessa • +++ = 21-200 parasitos por campo de gota espessa • ++++ = mais de 200 parasitos por campo de gota espessa A diferenciação específica dos parasitos é importante para a orientação do tratamento da malária. Uma vez que o P. falciparum completa o seu ciclo eritrocítico assexuado aderido ao endotélio capilar, a sua detecção no exame do sangue periférico é suspeitada quando apenas trofozoítos e gametócitos são visualizados. Em contrapartida, a visua lização de todos os estágios de desenvolvimento de ciclo sanguíneo na gota espessa sugere P. vivax, P. malariae ou P. ovale. As características de diferenciação dessas três espécies são mais bem visualizadas pelo exame do esfre gaço sanguíneo, e podem ser observadasna Tabela 17.1 e nas Figuras 17.7A-C. CAPÍTULO '* FIGURA 17.7A. Morfologia das formas sanguíneas de R falciparum: (1) eritrócito não infectado; (2), (3) e (4) trofo- zoítos jovens; (5) e (6) trofozoítos maduros; (7), (8), (9) e (10) esquizontes; (11) microgametócito; (12) macroga- metócito. As formas 5 a 10 não são visualizadas em esfregaços sanguíneos obtidos de sangue humano periférico. (Coloração: Giemsa.) FIGURA 17.7B. Morfologia das formas sanguíneas de R vivax: (1) e (2) trofozoítos jovens; (3) e (4) trofozoítos maduros; (5) e (6) esquizontes; (7) e (8) macrogametócitos; (9) microgametócito. CAPÍTULO 17 173 o  . * * 1 | V * FIGURA 17.7C. Morfologia das formas sanguíneas de P. malariae: (1) eritrócito não infectado; (2) trofozoíto jovem; (3) e (4) trofozoítos maduros; (5) e (6) esquizontes; (7) macrogametócito; (8) microgametócito. Apesar de sua inquestionável vantagem, o diagnóstico parasitológico da malária pela gota espessa é dependente dos seguintes fatores: • habilidade técnica no preparo da lâmina, seu manu seio e coloração; • qualidade ótica e iluminação do microscópio; • competência e cuidado por parte do microscopista; • capacidade de detecção de parasitem ia igual ou superior a 10 a 20 parasitos/microlitro de sangue, quando 100 campos microscópicos são examinados por microscopista devidamente treinado. Realizar o diagnóstico específico de malária atendendo a todos esses quesitos é impraticável em muitos locais onde a malária ocorre, seja pela precariedade dos serviços de saúde seja pela dificuldade de acesso da população aos cen tros de diagnósticos. Por essa razão, nos últimos anos, méto dos rápidos, práticos e sensíveis vêm sendo desenvolvidos. M étodos de diagnóstico rápido da m alária também têm sido utilizados, principalmente em áreas remotas ou em caso de epidemias. São métodos imunocromatográficos com anticorpos monoclonais e policlonais dirigidos contra a proteína 2 rica em histidina do P. falciparum (PfHRP-2) e contra as enzimas desidrogenase do lactato (pDHL) e aldolase das quatro espécies de plasmódio. A combinação desses anticorpos em um mesmo teste traz a vantagem de diferenciar o P. fa lciparum das demais espécies, as quais são identificadas como não P. falciparum pelo teste e é particularmente importante em países onde as várias espécies de plasmódio coexistem. Além disso, a pDHL é uma enzima intracelular produzida em abundância pelos parasitas vivos, o que permite diferenciar entre fase aguda e convalescença da infecção. Estão disponíveis diferentes produtos comerciais para testes de diagnóstico rápido da malária, que têm diferentes capacidades na detecção do parasito. Possuem alta sensibilidade (quando a parasitemia é superior a 200 parasitos/mm3 de sangue) e alta especifici dade, sendo úteis para a confirmação diagnostica da malária em locais onde não existem técnicos qualificados para o exame microscópico. Uma desvantagem, entretanto, é não permitir o diagnóstico de uma infecção mista. A reação em cadeia de polimerase (PCR) é um método laboratorial que amplifica o DNA do parasito e permite a detecção e a identificação das espécies de Plasmodium. O teste ainda não é empregado na rotina clínica e geralmente é usado em pesquisas ou para confirmar o diagnóstico em situações de dúvida. E útil no caso de parasitemias baixas ou infecções mistas, quando a microscopia do sangue pode ser menos precisa. O custo ainda limita seu uso em muitas regiões onde a malária é endémica. T ratam en to O tratamento adequado e oportuno da malária é hoje a principal ferramenta para o controle da doença, pois além de reduzir o sofrimento e evitar a morte dos pacientes, con tribui significativamente para a redução da transmissão do parasito a outras pessoas. Antes do surgimento da resistência do P. falciparum à cloroquina, esta droga era utilizada para as quatro espécies de plasmódio que parasitam o homem. Hoje, além da cloroquina, o P. falcipanrm apresenta resis tência a diversos outros antim aláricos, tornando o seu tratamento um dilema para o médico e um desafio para as autoridades de saúde responsáveis pelo controle da malária O tratamento da malária visa à interrupção da esqui- zogonia sanguínea, responsável pela patogenia e por mani festações clínicas da infecção. Entretanto, pela diversidade do prc no ove abc end pelt do i class ( i á ( a Idade/Pe 6 meses-; 3-8 anos/' 9-14 anos & 15 anos - Comprir de acoro - Sempre i - No primi - Para criar - Recomen - Não adm, Tra Idade/Peso 6-11 meses/5 1-5 anos/9-17 6-11 anos/18-, - 1 2 anos/> ; - Comprimido f apresentad - Sempre dar f - Para crianças - Recomenda-s Não adminish 174 CAPÍTULO 17 CAPÍTULO 17 do seu ciclo biológico, é também objetivo da terapêutica rroporcionar a erradicação de formas latentes do parasito -o ciclo tecidual (hipnozoítos) das espécies P. vivax e P. vale, evitando assim as recaídas tardias. Além disso, a ibordagem terapêutica de pacientes residentes em áreas radèmicas pode visar também à interrupção da transmissão, relo uso de drogas específicas contra as formas sexuadas 20 P. falciparum. As principais drogas antimaláricas podem ser assim classificadas: • pelo seu grupo químico em arylaminoálcoois (qui nina, mefloquina e halofantrina), 4-aminoquinolinas (cloroquina e amodiaquina), 8-aminoquinolinas (pri- maquina), peróxido de lactona sesquiterpênica (deri vados da artemisinina) , naftoquinonas (atovaquona) e antibióticos (tetraciclina, doxiciclina e clindamicina) • pelo seu alvo de ação no ciclo biológico do parasito em esquizonticidas teciduais ou hipnozoiticidas (cura radical do P. vivax e P. ovale), esquizonticidas san guíneos (promovem a cura clínica), gametocitocidas (bloqueia a transmissão) e esporonticidas (impede a infecção pelos esporozoítos). Infelizmente, até o momento, nenhuma droga deste último grupo é dis ponível para uso em humanos. A decisão de como tratar o paciente com malária deve ser precedida de informações sobre os seguintes aspectos: • espécie de plasmódio: pelo perfil variado de sucetibi- lidade do P. falciparum aos antimaláricos; • idade do paciente: pelo pior prognóstico da malária na infância, além de alguns antimaláricos serem con- traindicados nessa faixa etária; • história de exposição anterior à infecção: indivíduos não imunes (primoinfectados) tendem a apresentar formas mais graves da doença; • gravidade da doença: pela necessidade de drogas injetáveis e com ação mais rápida sobre os parasitos; • possibilidade de gestação, quando mulher em idade fértil. No Brasil, o tratamento da malária é objeto de cons tante vigilância pelo Ministério da Saúde, o qual distribui gratuitamente os medicamentos antimaláricos e preconiza os esquemas terapêuticos mostrados nas Tabelas 17.3 e 17.4. ido da ;ão do itemia :cifici- ralária para o é não íétodo mite a um. O mente co em naixas : pode nuitas Tabela 17.3 Tratamento das Infecções por Plasmodium falciparum com a Combinação de Artemeter + Lumefantrina durante 3 Dias Número de Comprimidos/Dia Idade/Peso 1° Dia 2- Dia - Dia Manhã Noite Manhã Noite Manhã Noite 6 meses-2 anos/5-14 kg 1 1 1 1 1 1 3-8 anos/15-24 kg 2 2 2 2 2 2 9-14 anos/25-34 kg 3 3 3 3 3 3 > 1 5 anos/> 35 kg 4 4 4 4 4 4 - Comprimido: 20 mg de artemeter e 120 mg de lumefantrina. É apresentado em uma carteia individual, em quatro tipos de embalagem, de acordo com o peso ou idade das pessoas. - Sempre dar preferência ao peso para a escolha da dose. - No primeiro dia, a segunda dose pode ser administrada em intervalo de 8 a 12 horas. - Para crianças pequenas, esmagar o comprimido para facilitar a administração, podendo ingerir o comprimido com água ou leite. - Recomenda-se administrar o comprimido junto com alimentos. - Não administrar a gestante durante o primeiro trimestre de gravidez, nem crianças menores de 6 meses. Tratamento das Infecções por Plasmodium falciparum coma Combinação de Artesunato + Mefloquina durante 3 Dias îoje a além , con- âo do :ência t para mem. resis- D seu ira as ilária. squi- nani- idade Número de Comprimidos/Dia Idade/Peso 7a Dia 2* Dia 3S Dia Infantil Infantil Infantil 6-11 meses/5-8 kg 1 1 1 1 -5 anos/9-1 7 kg 2 2 2 Adulto Adulto Adulto 6-11 anos/18-29 kg 1 1 1 > 1 2 anos/> 30 kg 2 2 2 - Comprimido infantil: 25 mg de artesunato e 50 mg de mefloquina; comprimido adulto: 100 mg de artesunato e 200 mg de mefloquina. É apresentado em uma cartela individual, em quatro tipos de embalagem, de acordo com o peso ou idade das pessoas. - Sempre dar preferência ao peso para a escolha da dose. - Para crianças pequenas, esmagar o comprimido para facilitar a administração, podendo ingerir o comprimido com água ou leite. - Recomenda-se administrar o comprimido junto com alimentos. - Não administrar a gestantes durante o primeiro trimestre de gravidez, nem a crianças menores de 6 meses. LO 17 CAPÍTULO 17 175 Tabela 17.4 Tratamento das Infecções por Plasmodium vivax e R ovale com Cloroquina em 3 Dias e Primaquina em 7 Dias Idade/Peso Número de Comprimidos por Medicamento por Dia 1- Dia 2“ Dia 3a Dia 4'2 ao 7a Dias Cloroquina Primaquina Infantil Cloroquina Primaquina Infantil Cloroquina Primaquina Infantil Primaquina Infantil 6-11 meses/5-9 kg 1/2 1 1/4 1 1/4 1 1/2 1-3 anos/10-14 kg 1 2 1/2 1 1/2 1 1 4-8 anos/15-24 kg 1 2 1 2 1 2 2 Cloroquina Primaquina Adulto Cloroquina Primaquina Adulto Cloroquina Primaquina Adulto Primaquina Adulto 9-11 anos/25-34 kg 2 1 2 1 2 1 1 12-14 anos/35-49 kg 3 2 2 2 2 2 1 >15 anos/>50 kg 4 2 3 2 3 2 2 - Cloroquina: comprimidos de 150 mg; primaquina infantil: comprimidos de 5 mg e primaquina adulto: comprimidos de 75 mg. - Sempre dar preferência ao peso para a escolha da dose. - Todos os medicamentos devem ser administrados em dose única diária. - Administrar os medicamentos preferencialmente às refeições. - Não administrar primaquina para gestantes ou crianças menores de 6 meses. - Se surgir icterícia, suspender a primaquina. - Se o paciente tiver mais de 70 kg, ajustar a dose de primaquina. Tratamento das M alárias Causadas por P. vivax, P. ovale e P. m alariae As malárias causadas pelo P. vivax, P. ovale e P. mala riae devem ser tratadas com a cloroquina. Embora nível considerável de resistência do P. vivax à cloroquina já seja observado no sudeste asiático, ainda é infrequente nas demais áreas endêmicas do mundo. Esta droga é ativa con tra as formas sanguíneas e também contra os gametócitos dessas espécies. Entretanto, não possui ação contra o ciclo tecidual do P. vivax e do P ovale. Em geral, a cloroquina é de baixa toxicidade, sendo muito bem tolerada pelos pacientes e inócua quando utilizada na gravidez. Para se conseguir a cura radical da malária causada por P. vivax ou P. ovale é necessária a associação de um equizonticida tecidual, a primaquina, para atuar sobre os seus hipnozoítos. Pelo seu rápido metabolismo no fígado, as doses terapêuticas desse medicamento precisam ser repetidas durante 7 (0,5 mg/kg/dia) ou 14 (0,25 mg/kg/ dia) dias para o sucesso terapêutico. Em consequência da toxicidade da primaquina, a baixa adesão dos pacientes ao tratamento tem contribuído para aumentar a ocorrência de recaídas. A primaquina é ativa contra os gametócitos de todas as espécies de plasmódios humanos. Desta forma, o seu uso contribui ainda para bloquear a transmissão da malária para o mosquito vetor. Outra característica atribuída a essa droga é a sua capacidade de agir como profilática causal, ou seja, destruir os esporozoítos antes de sua interiorização nos hepatócitos. Contudo, a droga não é recomendada para esse fim, em decorrência de sua alta toxicidade, principalmente nas pessoas com deficiência da enzima G6PD. Tratamento da Malária Causada pelo P. fa lciparum Após o surgimento da resistência do P. falciparum à cloroquina, constantes mudanças têm sido observadas no perfil de resposta deste plasmódio aos antimaláricos convencionais. Nos últimos anos, a Organização Mundial de Saúde tem recomendado a combinação de diferentes antimaláricos como estratégia para tratar a malária cau sada pelo P. falciparum . O princípio fundamental dessa estratégia é o reconhecimento do potencial antimalárico sinergístico ou aditivo de duas ou mais drogas, com vistas a incrementar a eficácia e também retardar o desenvolvi mento da resistência aos componentes da combinação. A partir de 2007, o Ministério da Saúde brasileiro vem recomendando a associação de artemeter + lumefantrina e de artesunato + mefloquina como esquemas de primeira escolha para o tratamento da malária não complicada pelo P. falciparum. Ambos apresentam eficácia e tolerabilidade comprovadas em outras áreas endêmicas do mundo e tem contribuído para a redução da transmissão desta espécie de parasito em nosso meio. O artemeter e o artesunato são medicamentos deri vados da artemisinina, que é um princípio ativo extraído de uma planta chinesa denominada Artemisia annua, tra dicionalmente utilizada como antitérmico e antimalárico naquela região. São muito bem tolerados, existindo relatos esporádicos dos seguintes efeitos colaterais: sonolência, distúrbios gastrointestinais, zumbido, reticulocitopenia. neutropenia, elevação das enzimas hepáticas e alterações do eletrocardiograma, incluindo bradicardia e prolongamento do intervalo QT. Em animais, podem ser teratogênicos. 176 CAPÍTULO 17 A associação artemeter + lumefantrina e artesunato + -efloquina são contraindicadas no primeiro trimestre da gravidez. No entanto, podem ser usadas durante o segundo í terceiro trimestres, devendo-se considerar o custo-be- refício do tratamento, isto é, a gravidade da paciente e a mpossibilidade do uso de quinina isolada ou associada à : ndamicina. Também não deve ser usada por mulheres em lactação, nem por crianças com menos de 5 kg, já que ~ão se conhecem os seus efeitos para recém-nascidos e ictentes. Náusea, desconforto abdominal, cefaleia, tonteira c prolongamento do intervalo QT no eletrocardiograma são seus principais efeitos colaterais. Embora eficaz contra o P. falciparum, a combinação te quinina + doxiciclina está associada à menor adesão dos racientes e à maior frequência de efeitos colaterais. Por 550, representa atualmente o esquema de segunda escolha rara o tratamento dessa espécie de Plasmodium, devendo ser indicada quando não há disponibilidade ou indicação ros esquemas contendo derivados de artemisinina. Sua itilização em áreas de transmissão ativa da doença deve ser complementada com fármacos gametocitocidas, visando i mterrupção da transmissão. Nesse caso, a primaquina, .r ic o medicamento com ação sobre os gametócitos do ? falciparum, deve ser administrada na dose de 0,75 mg/ ig . em uma única tomada no 6- dia de tratamento. A qui- rrna pode causar o “cinchonismo”, que se caracteriza por zumbido, audição abafada, algumas vezes vertigem e ton- r_ra. Em geral, esses sintomas se desenvolvem no segundo :u terceiro dia do tratamento e, quando não muito intensos, ião obrigam a suspensão da medicação e são reversíveis. Ds outros efeitos colaterais limitam-se, geralmente, aos sistemas cardiovascular (hipotensão arterial), gastrointes- m al e nervoso central. No eletrocardiograma pode ocorrer prolongamento do intervalo QT e QRS. Aparecem como consequência de infusão muito rápida e, também, por causa ia acumulação que se segue à administração oral. Outras manifestações menos frequentes são plaquetopenia e ane mia hemolítica. Injeções intramusculares de quinina podem causar dor local, necrose focal e formação de abscesso. Para os casos graves de malária por P. falciparum indi cam-se os derivados da artemisinina como primeira opção e a quinina como opção alternativa. Nesses casos, as vias de administração parenteral devem ser preferidas, sendo intra muscular para o artemeter e endovenosa para o artesunado e para
Compartilhar