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1 Júlia Morbeck – @med.morbeck Objetivos 1- Discutir sobre protozoários; 2- Identificar o agente etiológico da Doença de Chagas, sua epidemiologia e seus fatores de risco; 3- Compreender a fisiopatologia da Doença de Chagas (Ciclo biológico; Ativação do sistema imune); 4- Conhecer o diagnóstico, tratamento (mecanismo de ação) e prevenção da Doença de Chagas; 5- Analisar como funciona a Saúde Indígena. Protozoários ↠ Os protozoários são organismos microscópicos, unicelulares e eucariotas, isto é, providos de um núcleo diferenciado e de outras organelas membranosas, como mitocôndrias, aparelho de Golgi, lisossomos, vacúolos, dentre outras (BATISTA, 2020) ↠ O conteúdo nuclear está separado do citoplasma pela membrana nuclear e o material genético (DNA) está contido em estruturas especiais, os cromossomos. Nisto se diferenciam das bactérias e algas azuis (cianofíceas) cujas células, do tipo procariota, tem seu DNA mergulhado no citoplasma (REY, 4ª ed.). ↠ Dentre as organelas, podem ser destacadas as mitocôndrias, estruturas relacionadas com a produção de energia via respiração celular e que estão ausentes em protozoários anaeróbio (BATISTA, 2020) ↠ Um protozoário é, ao mesmo tempo, uma célula e um ser completo, capaz de prover sua nutrição, crescimento, diferenciação e reprodução, transmitindo as gerações seguintes a totalidade das informações genéticas indispensáveis à manutenção das características da espécie (REY, 4ª ed.). ↠ A forma varia consideravelmente, podendo apresentar simetria bilateral ou não e modificar-se ciclicamente no curso da existência. Os que desenvolvem movimentos ameboides não têm forma constante (REY, 4ª ed.). ↠ A movimentação dos protozoários ocorre por intermédio de uma ou da associação de duas ou mais das seguintes estruturas: flagelos, cílios, pseudópodos e microtúbulos subpeliculares (BATISTA, 2020). ↠ A reprodução dos protozoários pode ser assexuada, como em amebas e flagelados que infectam os seres humanos, ou assexuada e sexuada, como nos protozoários de importância médica, pertencentes ao filo Apicomplexa (BATISTA, 2020) ↠ Mais de 60.000 espécies foram descritas, a maioria das quais são organismos de vida livre; os protozoários são encontrados em quase todos os hábitats possíveis. Algumas espécies são consideradas comensais, ou seja, normalmente não são prejudiciais; enquanto outras são agentes patogênicos e, geralmente, causam alguma doença (BATISTA, 2020) ↠ A transmissão dos protozoários intestinais, normalmente, ocorre através da via fecal-oral, enquanto os que vivem no sangue ou nos tecidos do Homo sapiens são transmitidos a outros seres humanos, por exemplo a partir de artrópodes vetores (BATISTA, 2020) Doença de Chagas ↠ A tripanossomíase americana, ou doença de Chagas, tem por agente causal o Trypanosoma cruzi, que determina no homem quadros clínicos com características e consequências muito variadas (REY, 4ª ed.). O professor Chagas havia recebido a tarefa de controlar a malária na região de Minas Gerais, onde se encontravam os trabalhadores da Estrada de Ferro Central do Brasil; entretanto, teve sua curiosidade despertada pela presença de um inseto, comum na área, que picava os indivíduos durante as horas de sono e que podia ser encontrado nas frestas das casas cujas paredes eram, em sua maioria, de pau a pique. Devido a esse fato e a frequente sintomatologia cardíaca e gastrintestinal, que ainda não estava elucidada entre os habitantes locais naquela época, Chagas iniciou uma pesquisa envolvendo o inseto e os residentes na cidade, com o propósito de desvendar possíveis associações entre tais ocorrências (BATISTA, 2020) Em 1908, o médico e cientista brasileiro Carlos Chagas encontrou pela primeira vez os flagelados no intestino de triatomíneos, em Lassance, Minas Gerais (Brasil). Suspeitando que esses insetos hematófagos pudessem transmitir o parasito ao homem ou a outros animais, fez inocular macacos, que desenvolveram parasitemia e uma doença febril (REY, 4ª ed.). Coube-lhe diagnosticar e estudar clinicamente o primeiro caso humano da tripanossomíase americana, encontrado na mesma área endêmica, em 1909 (REY, 4ª ed.). Como consequência de sua pesquisa, descobriu um novo protista, o qual denominou Trypanosoma cruzi (BATISTA, 2020) ↠ Sua transmissão pode ocorrer ao homem via vetorial (repasto sanguíneo com excretas de triatomíneo na pele ou mucosa lesada); via transfusional, por transfusão de hemoderivados ou transplantes de órgão por doadores contaminados; via vertical ou congênita entre gestante e feto; acidentes laboratoriais; e, por fim, menos comum, por via oral (ALENCAR et. al., 2020). APG 04 – “O INIMIGO MORA AO LADO” 2 Júlia Morbeck – @med.morbeck CARACTERÍSTICAS DO PARASITA ↠Trypanosoma cruzi é um flagelado da família Trypanosomatidae, que parasita mamíferos e tem como hospedeiros invertebrados numerosas espécies de hemípteros hematófagos da família Reduviidae (REY, 4ª ed.). ↠ A transmissão do inseto ao homem resulta, em geral, de processo contaminativo da conjuntiva, das mucosas ou de lesões cutâneas (inclusive o local de picada do inseto) com as fezes do inseto. Nos hospedeiros vertebrados, o parasito multiplica-se habitualmente sob a forma amastigota intracelular (REY, 4ª ed.). OBS: T. cruzi apresenta muitas variações morfológicas, fisiológicas e ecológicas, além de variações quanto à sua infectividade e patogenicidade, o que leva os autores a pensar que não se trate de uma espécie bem definida mas sim de um “complexo cruzi”, englobando várias entidades difíceis, por ora, de definição taxonômica precisa (REY, 4ª ed.). ↠ Isso resultou na classificação desses protozoários nos seguintes grupos (Rey, 2008): (BATISTA, 2020) ➢ Grupo 1: nesse grupo estão incluídos os protistas de animais silvestres, notadamente encontrados na Região Amazônica, responsáveis por causar infecções eventuais e assintomáticas no homem. ➢ Grupo 2: representa o grupo de maior importância médica, em que estão os flagelados que causam os tipos graves e sintomáticos da doença. Estes são encontrados nas áreas endêmicas, e o Triatoma infestans é o principal vetor. ➢ Grupo 3: engloba os protozoários relacionados com a infecção de animais silvestres e que raramente causam infecção humana. ↠ Durante seu ciclo evolutivo, o T. cruzi apresenta características morfológicas que variam e que podem ser identificadas, entre outros aspectos, de acordo com a posição do flagelo e a posição do cinetoplasto, uma mitocôndria única rica em DNA mitocondrial (BATISTA, 2020) OBS.: Cinetoplasto – mitocôndria única e ramificada e se estende por todo o corpo celular ↠ O quadro abaixo aponta essas características de acordo com a morfologia, a posição do flagelo e do cinetoplasto, o hospedeiro e o hábitat das formas evolutivas do T. cruzi (BATISTA, 2020) CARACTERÍSTICAS DO VETOR ↠ Os insetos adultos recebem, em diferentes regiões do Brasil, os nomes de barbeiro, bicho-da-parede, bicudo, chupão, chupança e vários outros. Os hemípteros são geralmente muito semelhantes entre si (FERREIRA, 2ª ed.). ↠ A probóscida dos triatomíneos, adaptada à sucção de sangue, é curta (composta de três segmentos) e reta. Quando em repouso, ela não ultrapassa para trás a inserção do primeiro par de patas do inseto (FERREIRA, 2ª ed.). 3 Júlia Morbeck – @med.morbeck Epidemiologia da Doença de Chagas ↠ A Doença de Chagas (DC) destaca-se como uma parasitose endêmica em países do continente americano. Nos 21 países das Américas, afeta aproximadamente seis milhões de pessoas, com incidência anual de 30 mil casos novos na região, ocasionando em média, 14.000 mortes por ano e 8.000 recém-nascidos infectados durante a gestação (ALENCAR et. al., 2020). ↠ Como consequência de correntes migratórias duranteas últimas décadas, a partir de países onde a doença é endêmica, a Doença de Chagas (DC) tem sido detectada em taxas significativas em vários pontos do globo terrestre, principalmente Estados Unidos, Canadá, Espanha, França, Suíça, Itália, Japão, países emergentes da Ásia e Austrália (SOCESP, 4ª ed.). ↠ A evolução das taxas de incidência no Brasil e por Região, sendo visível a influência do crescimento desta doença na Região Norte. As incidências desta doença na região Sudeste, Sul e Centro-Oeste foram insignificantes. A incidência da Região Nordeste apresenta um valor superior ao das demais, mas muito inferior ainda a região Norte, provavelmente devido ao nível de urbanização maior que a Região Norte (ALENCAR et. al., 2020). ↠ A situação apresentada na região Norte corrobora a relação desta doença com condições relacionadas a falta de urbanização, saneamento, destinação inadequada de resíduos sólidos, desigualdades sociais e outras tantas condições inerentes à regiões mais pobres do país, atrelado ao fato de que esta região por suas condições geográficas (clima, temperatura, umidade e vegetação, por exemplo) favorece as condições necessárias para a propagação de vetores (ALENCAR et. al., 2020). ↠ Os achados podem indicar uma possível associação entre a infecção chagásica e indivíduos do sexo masculino, potencialmente ocasionado pelas atividades laborais executadas. Outra hipótese sugerida é que isso pode ocorrer devido a transmissão silvestre, uma vez que são os homens que adentram na mata para caçar ou cuidar da lavoura, por dias consecutivos, expondo-se mais ao vetor (ALENCAR et. al., 2020). ↠ Se comparado à malária (outra parasitose bastante importante), o impacto de Anos Potenciais de Vida Ajustados por Incapacidade (DALYs) pode ser até 7,5 vezes maior (ALENCAR et. al., 2020). No Brasil, a maioria das pessoas infectadas se encontra na fase crônica da doença, dadas as medidas de controle do vetor e dos bancos de sangue. Os estados com maior prevalência são Bahia, Goiás, Minas Gerais, Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Sul, mas ela também é encontrada na Amazônia Legal (BATISTA, 2020). Fatores de risco da Doença de Chagas ➢ Habitar em uma cabana (pau a pique) onde insetos transmissores vivam nas paredes; ➢ Morar na América do Sul, América Central ou no México; ➢ Viver sob condições extremas de pobreza; ➢ Receber transfusões de sangue ou transplante de órgão de uma pessoa portadora do parasita, mas que não tenha manifestado a Doença de Chagas; ➢ Ingerir alimentos contaminados com o parasita (ex. açaí). Fisiopatologia da Doença de Chagas CICLO de vida e FORMAS EVOLUTIVAS ↠ Em seu ciclo vital, o parasito exibe formas amastigota, epimastigota e tripomastigota, ou de transição entre elas (REY, 4ª ed.). ↠ Nos hospedeiros vertebrados ocorrem os tripomastigotas (no sangue) e os amastigotas intracelulares, enquanto nos hospedeiros invertebrados e em meios de cultura predominam as formas epimastigotas, que passam depois a tripomastigotas metacíclicos (REY, 4ª ed.). 4 Júlia Morbeck – @med.morbeck ➢ Amastigota: apresenta-se como um microrganismo de pequenas dimensões e contorno aproximadamente circular, ovoide ou fusiforme. Núcleo relativamente grande, flagelo curto e incluído em uma invaginação da membrana chamada bolso flagelar (REY, 3ª ed.). Os amastigotas ocorrem principalmente durante o ciclo intracelular na infecção dos mamíferos, constituindo o principal estágio reprodutivo nesses hospedeiros. Multiplicam-se por fissão binária no citoplasma das células infectadas (FERREIRA, 2ª ed.). ➢ Epimastigota: forma alongada (fusiforme). Cinetoplasto discoide nas proximidades do núcleo. O flagelo emerge longe da extremidade anterior, mas mantém-se colado à membrana celular (REY, 3ª ed.). Os epimastigotas são encontrados no intestino médio dos triatomíneos, onde se multiplicam abundantemente por fissão binária. São as únicas formas capazes de reproduzir-se que podem ser mantidas em cultivo axênico (FERREIRA, 2ª ed.). ➢ Tripomastigota: cinetoplasto arredondado e o bolso flagelar deslocados para a região entre o núcleo e a extremidade posterior (REY, 3ª ed.). No hospedeiro vertebrado, os tripomastigotas são encontrados majoritariamente no sangue, e são conhecidos como tripomastigotas sanguícolas ou sanguíneos. Nos triatomíneos, são encontrados tripomastigotas na extremidade distal do tubo digestório; são denominados tripomastigotas metacíclicos. Os tripomastigotas não se reproduzem, mas são as principais formas infectantes do parasito. Apesar da semelhança morfológica e biológica, tripomastigotas metacíclicos e sanguícolas diferem quanto ao metabolismo e ao perfil de expressão de proteínas, bem como quanto aos mecanismos de infecção celular (FERREIRA, 2ª ed.). Tripomastigotas Sanguícolas No sangue periférico dos mamíferos, o T. cruzi apresenta-se como um pequeno flagelado, medindo 10 a 25 μm (média, 20 μm) de comprimento por 1 a 5 μm de largura (média, 2 μm) (REY, 4ª ed.). Observa-se nítido polimorfismo nos tripanossomos sanguícolas. Assim, costuma-se descrever dois tipos morfológicos polares, entre os quais podem existir todas as formas intermediárias: formas finas e largas (REY, 4ª ed.). OBS.: Os tripomastigotas, tanto finos como largos, não se reproduzem no sangue. Não foi possível demonstrar que aí utilizassem glicose, parecendo que dependem de proteínas do soro como única fonte energética (REY, 3ª ed.). OBS: O ciclo de vida de T. cruzi é digenético, com um hospedeiro mamífero e um inseto. Em ambos os hospedeiros, observa-se alternância entre estágios reprodutivos que não são infectantes e estágios infectantes que não se reproduzem (FERREIRA, 2ª ed.). HOSPEDEIRO INVERTEBRADO ↠ Quando o inseto, ao sugar sangue de um vertebrado, ingere tripanossomos sanguícolas, tem início o ciclo de desenvolvimento característico do T. cruzi na luz intestinal dos triatomíneos (REY, 4ª ed.). ↠ Os tripomastigotas sanguícolas são ingeridos e diferenciam-se em epimastigotas no intestino médio do inseto. Nessa fase observam-se estágios de diferenciação transitórios, como os esferomastigotas, esféricos e morfologicamente semelhantes aos amastigotas. Os epimastigotas reproduzem-se por fissão binária e colonizam o intestino médio e posterior do inseto (FERREIRA, 2ª ed.). ↠ Na porção distal do tubo digestório, os epimastigotas aderem-se às células epiteliais e inicia-se o processo de diferenciação em tripomastigotas metacíclicos, infectantes. Os estímulos conhecidos para desencadear a diferenciação do parasito no tubo digestório do vetor, 5 Júlia Morbeck – @med.morbeck conhecida como metaciclogênese, são a queda de pH para abaixo de 5,5 e o estresse metabólico. Quando os parasitos atingem o reto, encontram maior concentração de certos nutrientes que viabilizam, do ponto de vista energético, a etapa final da diferenciação (FERREIRA, 2ª ed.). ↠ Os tripomastigotas metacíclicos perdem a aderência ao epitélio intestinal, sendo liberados no lúmen da porção distal do tubo digestório do vetor. Desta maneira, o parasito prepara-se para o encontro com o hospedeiro mamífero, no próximo repasto sanguíneo do vetor. O desenvolvimento completo dos parasitos em triatomíneos requer pelo menos 7 dias (FERREIRA, 2ª ed.). OBS.: Não há relatos na literatura de transmissão horizontal nem de cura em triatomíneos infectados (FERREIRA, 2ª ed.). HOSPEDEIRO VERTEBRADO ↠ Os triatomíneos defecam durante – ou pouco tempo após – o repasto sanguíneo, depositando as fezes sobre a pele do mamífero do qual se alimentam. Nas fezes de triatomíneos infectados encontram-se tripomastigotas metacíclicos capazes de penetrar o novo hospedeiro por pequenas lesões ou escarificações da pele ou pelas mucosas, mesmo íntegras (FERREIRA, 2ª ed.). OBS.: Não atravessama pele íntegra, mas o próprio local da picada do inseto pode constituir a porta de entrada, se contaminada com as dejecções que esses hemípteros costumam emitir enquanto se alimentam. Feridas ou escoriações causadas por coçar (que é motivado pela resposta alérgica à saliva do triatomíneo) são outros pontos favoráveis para a invasão (REY, 4ª ed.) OBS.: A cada evacuação, um triatomíneo infectado elimina em média 50 a 300 tripomastigotas metacíclicos (FERREIRA, 2ª ed.). ↠ Ao encontrar células do hospedeiro mamífero, o parasito começa o complexo processo de invasão, que pode se dar essencialmente por duas vias: uma semelhante à fagocitose (predominante em células fagocíticas como macrófagos, por exemplo) e outra independente da fagocitose. Em ambos casos, a invasão celular depende de múltiplas interações bem coordenadas entre as células hospedeiras e o parasito (FERREIRA, 2ª ed.). ↠ Do ponto de vista do parasito, o processo de invasão de células é ativo, dependente de energia, e envolve numerosas moléculas de adesão presentes em sua superfície. Ocorre troca de sinais moleculares, incluindo mobilização transitória de cálcio, que sinaliza para o recrutamento de lisossomos da célula hospedeira. Os lisossomos migram para as regiões da membrana plasmática onde há parasitos aderidos. Durante ou após a invaginação da membrana plasmática, há a fusão de lisossomos para formar o vacúolo parasitóforo, estrutura que aloja os tripomastigotas de maneira transitória (FERREIRA, 2ª ed.). Nas culturas de tecidos, examinadas ao microscópio e a fresco, pode- se ver a penetração dos parasitos no interior das células. As formas finas efetuam essa penetração em duas horas, mais ou menos (REY, 4ª ed.). O mecanismo de interiorização corresponde a um processo de fagocitose induzida, de que participam tanto o parasito como a célula hospedeira, sendo precedida pela aderência dos tripomastigotas à membrana do macrófago ou de outras células (REY, 4ª ed.). Depois de endocitado pelos macrófagos (MF), o Trypanosoma cruzi consegue escapar do vacúolo parasitóforo ao promover a ruptura da parede do vacúolo em numerosos pontos, como se vê nesta foto realizada com microscopia eletrônica. F, sistema flagelar; g, aparelho de Golgi; MT, membrana do tripomastigota forrada por microtúbulos; MV, membrana do vacúolo parasitóforo; N, núcleo do T. cruzi; P, pontos de ruptura da membrana vacuolar. 6 Júlia Morbeck – @med.morbeck O parasito fica, pois, contido em um vacúolo digestivo (fagossomo) onde pode ser eventualmente morto e digerido (REY, 4ª ed.). Esse desfecho, que tem lugar sempre que formas epimastigotas são fagocitadas por macrófagos, pode ser evitado pelos tripomastigotas que escapam do vacúolo digestivo e invadem o citoplasma da célula parasitada (REY, 4ª ed.). ↠ As condições ambientais do vacúolo parasitóforo, em especial o pH ácido, induzem o início do processo de diferenciação em amastigotas, que escapam do vacúolo para se estabelecerem no citoplasma celular. Livres no citosol, os amastigotas começam a replicar-se por fissão binária. Portanto, a invasão das células hospedeiras parece ser um processo fundamental para a diferenciação do parasito em um estágio capaz de reproduzir-se. Calcula- se que cada tripomastigota que penetra em uma célula hospedeira originará até 500 amastigotas, e essa grande capacidade de multiplicação é um passo fundamental para o estabelecimento da infecção (FERREIRA, 2ª ed.). Desde que penetrem no interior de uma célula, seja no organismo do hospedeiro vertebrado, seja em cultivo de tecido, os tripanossomos sofrem total reorganização estrutural, transformando-se em amastigotas ovoides, que medem apenas 4 μm no maior diâmetro (REY, 4ª ed.). Desaparecem o flagelo livre e a membrana ondulante, ficando o aparelho locomotor reduzido ao segmento contido no bolo flagelar. O único movimento que os amastigotas apresentam é o de rotação (REY, 4ª ed.). Fisiologicamente, a característica mais importante dos amastigotas é a recuperação da capacidade de multiplicação, que se manifesta cerca de 35 horas após a invasão da célula hospedeira (REY, 4ª ed.). Mediante uma divisão binária simples, que se repete a intervalos de 12 horas, cada amastigota produz um número crescente de elementos filhos semelhantes que, pouco a pouco, vão consumindo o citoplasma da célula parasitada, até que, umas 12 horas antes de provocarem a ruptura desta, sofrem uma nova transformação: agora no sentido amastigota → tripomastigota (REY, 4ª ed.). ↠ Depois de um número variável de divisões celulares, os parasitos voltam a diferenciar-se em tripomastigotas, passando por um estágio intermediário conhecido como epimastigota intracelular, com características morfológicas, bioquímicas e biológicas semelhantes ao epimastigota encontrado no vetor. Alternativamente, os amastigotas podem espontaneamente adiar sua proliferação e entrar em um estado de dormência. Esses amastigotas dormentes podem despertar, reiniciando seu ciclo proliferativo normalmente, ou ainda diferenciar-se em tripomastigotas infectantes (FERREIRA, 2ª ed.). ↠ Os tripomastigotas rompem a membrana plasmática da célula hospedeira e são liberados no meio extracelular. Uma vez fora da célula hospedeira, os tripomastigotas podem invadir células vizinhas ou atingir a corrente sanguínea, disseminando-se para outros órgãos e tecidos. Ao fazer seu repasto sanguíneo em um hospedeiro mamífero com formas tripomastigotas sanguícolas, um vetor ingere esses estágios circulantes e se infecta. Ocasionalmente, a célula hospedeira rompe-se antes da diferenciação dos amastigotas em tripomastigotas. Os amastigotas que chegam ao meio extracelular penetram em algumas células hospedeiras, especialmente células fagocitárias, mas provavelmente não atingem a corrente sanguínea (FERREIRA, 2ª ed.). O ciclo intracelular dura, ao que parece, 5 ou 6 dias e produz cerca de nove gerações de parasitos, qualquer que seja o tipo de célula infectada (REY, 4ª ed.). O ciclo tripomastigota sanguícola → amastigota → tripomastigota assegura a continuidade da infecção no hospedeiro vertebrado, bem como a propagação do parasitismo a outros órgãos e tecidos (formação de novos “ninhos de parasitos”) e o progresso das lesões devidas diretamente ao parasitismo (REY, 4ª ed.). 7 Júlia Morbeck – @med.morbeck RESPOSTA IMUNE ↠ O conhecimento dos aspectos imunológicos e patológicos da doença de Chagas está alicerçado, em grande medida, nos dados obtidos em modelos experimentais da enfermidade (BATISTA, 2020) ↠ A resposta imune dirigida ao protista e as alterações estruturais descritas nos tecidos e órgãos do hospedeiro variam na dependência da própria evolução bifásica da moléstia, fase aguda e fase crônica (BATISTA, 2020) FASE AGUDA ↠ Após a infecção por T. cruzi, há o reconhecimento do agente etiológico pelo sistema imune e a ocorrência de uma série de fenômenos que levam ao surgimento da doença (BATISTA, 2020) ↠ Uma vez parasitada, a célula produz citocinas e quimiocinas que dão início à resposta inflamatória. A interferona-gama (IFN-γ) produzida sinaliza a ativação das células fagocíticas na tentativa de destruir o patógeno intracelular via produção de fator de necrose tumoral alfa (TNF-α), óxido nítrico (NO) e radicais livres. Entretanto, dependendo da intensidade da produção desses mediadores inflamatórios, para o controle da parasitemia, lesões teciduais que causam dano ao hospedeiro podem surgir (BATISTA, 2020) ↠ Esse fato ocorre devido à elevada produção de espécies reativas de oxigênio (ERO) e de nitrogênio (ERN), primariamente mediada pela explosão respiratória nos leucócitos ativados, na tentativa de destruir parasitos circulantes e células anormais parasitadas. Com o intento de aumentar os mecanismos de resposta dohospedeiro, a síntese de óxido nítrico (NO) - uma molécula fundamental contra o T. cruzi - é reforçada pela regulação positiva de imunomediadores de NO-sintase indutível (iNOS), ativando processos nitrosativos contra T. cruzi e, consequentemente, contra os tecidos do hospedeiro (BATISTA, 2020) ↠ A resposta imune ao protista na fase aguda da doença, caracterizada por significativa parasitemia, é marcada pela ocorrência dos seguintes eventos principais: (BATISTA, 2020) ➢ ativação policlonal de linfócitos associada a hipergamaglobulinemia; ➢ imunossupressão em níveis celular e humoral. ↠ A ativação policlonal, advinda do processo infeccioso protagonizado pelo T. cruzi, refere-se à indução de todas as classes de linfócitos (células T α/βCD4+, α/βCD8+, γ/δCD8+, γ/δCD8–, CD4–, células B convencionais, CD5+) e hipergamaglobulinemia oriunda da diferenciação dos linfócitos B em plasmócitos produtores de anticorpos (BATISTA, 2020) ↠ Como ocorre ativação de distintos clones de células B, são secretadas imunoglobulinas específicas e inespecíficas aos antígenos do T. cruzi e, igualmente, anticorpos capazes de reagir aos epítopos do hospedeiro vertebrado (autoanticorpos). Tem sido proposto que a maior parte dos linfócitos B ativados não responde especificamente ao protozoário (BATISTA, 2020) ↠ A imunossupressão é um evento igualmente relevante no processo de resposta imune ao protista, ocorrendo, em geral, a partir da segunda semana da doença aguda. Tal circunstância tem participação na disseminação do T. cruzi, facilitando a invasão de novas células, o que contribui para o incremento do parasitismo pelo patógeno, achado típico dessa fase da doença. A imunossupressão é descrita em termos da atuação das células B e T, além das células do sistema mononuclear fagocitário (SMF) (BATISTA, 2020) ↠ Deve-se destacar que um dos principais componentes que se encontram suprimidos na infecção aguda pelo T. cruzi é a produção de interleucina (IL)-2, bem como a expressão de seu receptor (IL-2R) nas células-alvo. A IL- 2 é produzida especialmente por subgrupos de células T CD4+ (Th1) e por células T CD8+ do tipo 1, além das células natural killer (NK), cujas funções abrangem a promoção do crescimento dos linfócitos T ativados, a geração de células apresentadoras de antígenos (APC), e a ativação e proliferação das células NK (BATISTA, 2020) Outros elementos de destaque atinentes à imunossupressão, e que merecem comentário, incluem: a significativa atrofia do timo, decorrente da apoptose maciça de células duplamente positivas 8 Júlia Morbeck – @med.morbeck (linfócitos T CD4+ CD8+), e o “escape” anormal de células imaturas e potencialmente autorreativas do timo. Descreve-se, também, relevante perda de células T regulatórias de origem tímica (tTreg), evento que parece estar relacionado parcialmente à desregulação imunológica, em geral descrita na fase crônica da doença (BATISTA, 2020) Dados experimentais indicaram que a interferona gama (IFN)-γ e a interleucina (IL)-12 são componentes fundamentais da resposta imune protetora na infecção aguda e crônica. Embora a produção de IL-10 contribua para o controle da parasitemia, o excesso dessa citocina pode também resultar em agravamento da lesão tecidual. A resposta humoral também parece contribuir para o controle da evolução da doença; a transferência passiva de anticorpos, em infecções experimentais, controla a infecção, possivelmente por desencadear mecanismos efetores de citotoxicidade celular dependente de anticorpos (FERREIRA, 2ª ed.). FASE CRÔNICA ↠ A consistente diminuição da parasitemia por T. cruzi é, provavelmente, um dos achados mais marcantes da fase crônica da doença de Chagas. Neste momento da história natural da doença, a resposta imune tende a ser mais efetiva, possibilitando, por exemplo, o desenvolvimento de resistência a nova infecção (BATISTA, 2020) ↠ Um aspecto importante na resposta imune à infecção crônica pelo T. cruzi é o papel da resposta imune celular. Merece destaque a centralidade dos linfócitos T CD4+, uma vez que tais células têm salutar participação no auxílio (ou controle) das respostas efetoras, dependentes ou não de anticorpos, a partir da produção de citocinas que atuam sobre células B, macrófagos e os próprios linfócitos T (BATISTA, 2020) ↠ A despeito desses achados, não está clara a participação dos eventos de autoimunidade na doença de Chagas crônica, tema que permanece controverso (BATISTA, 2020) Manifestações Clínicas da Doença de Chagas ↠ A doença de Chagas apresenta duas fases: aguda e crônica. A fase aguda inicia-se no momento da infecção; caracteriza-se por parasitemia patente (i. e., detectável por técnicas parasitológicas rotineiras) e pelos baixos títulos de anticorpos específicos de classe IgG, embora anticorpos IgM possam ser encontrados (FERREIRA, 2ª ed.). ↠ A fase crônica inicia-se entre algumas semanas e uns poucos meses depois de adquirida a infecção, e caracteriza-se pela ausência de parasitemia patente e por uma intensa resposta imune humoral, com predomínio de anticorpos de tipo IgG (FERREIRA, 2ª ed.). A infecção crônica pode ser indeterminada ou sintomática. A forma indeterminada é aquela que se segue à fase aguda, aparente ou não, em que o indivíduo permanece assintomático. Cerca de 70% dos indivíduos cronicamente infectados têm a forma indeterminada, de duração variável, podendo estender-se por alguns meses ou muitos anos, até o fim da vida do paciente. Eventualmente, a forma indeterminada pode evoluir para formas sintomáticas ou determinadas, das quais as mais comuns são a cardíaca e a digestiva (FERREIRA, 2ª ed.). PERÍODO DE INCUBAÇÃO: Varia entre uma e três semanas, ainda que já tenham registrado casos com apenas 4 a 5 dias. Ele depende talvez da via de penetração, da condição do paciente, entre outros fatores. Nas infecções transfusionais, esse período costuma ser mais longo e pode estender-se por mais de 60 dias (REY, 3ª ed.) FASE AGUDA Em termos patológicos, merecem descrição: (BATISTA, 2020) ➢ as lesões de porta de entrada (sinal de Romaña e chagoma de inoculação), as quais apresentam características compatíveis com a reação de hipersensibilidade mediada por células; ➢ as alterações cardíacas/miocardite aguda, cujo aspecto macroscópico exibe focos de congestão e microfocos hemorrágicos (envolvendo endocárdio e pericárdio), muitas vezes com dilatação das câmaras cardíacas, descrevendo- se como alteração histopatológica principal a presença de ninhos de amastigotas no interior dos macrófagos ou das fibras miocárdicas, com eventual infiltração predominantemente mononuclear (em caso de ruptura dos referidos ninhos); 9 Júlia Morbeck – @med.morbeck ➢ as lesões do tubo gastrintestinal, com envolvimento mais frequente da musculatura (miosite focal) e dos plexos mioentéricos, com a presença de amastigotas no interior das células de Schwann, de fibroblastos das bainhas dos feixes nervosos extraganglionares e nos histiócitos adjacentes aos gânglios, além de significativos fenômenos degenerativos dos neurônios; ➢ alterações neurais/meningoencefalite aguda, identificando- se, na macroscopia, achados como edema, congestão e hemorragia petequial, e na microscopia, inúmeros nódulos microgliais, formados por células da glia e mononucleares, com a presença de protistas em meio aos nódulos ou no interior das células da glia. FASE CRÔNICA Duas formas clínicas são muito importantes pela frequência com que ocorrem e pela gravidade que podem apresentar: (REY, 3ª ed.). ➢ Cardiopatia crônica devida ao T. cruzi; ➢ Os “megas”: megaesôfago e megacólon, principalmente. CHAGOMA DE INOCULAÇÃO ↠ A lesão inicial (que nem sempre é observada na prática cotidiana) chama particularmente a atenção quando se implanta no olho ou em suas imediações. A reaçãoinflamatória acompanha-se, então, de conjuntivite e de edema bipalpebral, geralmente unilateral, que impede a abertura do olho correspondente (REY, 4ª ed.). ↠ Isso constitui o sinal de Romaña e, embora possa ser produzido simplesmente por hipersensibilidade à secreção salivar dos triatomíneos, representa na maioria dos casos um indício de primoinfecção característico da tripanossomíase americana (REY, 4ª ed.). ↠ A inflamação propaga-se, por via linfática, aos linfonodos regionais pré e retroauriculares, submaxilares ou cervicais. A adenite satélite contribui para formar, então, um complexo oftalmoganglionar, de importância para o diagnóstico clínico (REY, 4ª ed.). Mesmo quando a penetração de parasito não se dê pela região periocular, pode haver a formação de uma tumoração cutânea, com hiperemia e ligeiro dolorimento local, constituindo outra modalidade do chagoma de inoculação. As lesões iniciais regridem espontaneamente, ao fim de uma ou duas semanas (REY, 4ª ed.). ALTERAÇÕES NO SANGUE A parasitemia torna-se patente entre o 4º e o 40º dias (em geral, entre o 8º e o 12º dias), depois da infecção, e dura cerca de um mês (REY, 4ª ed.). ↠ Durante a fase aguda pode haver hipoproteinemia, com redução da soro-albumina e aumento das globulinas alfa, beta e gama. Às vezes, o hemograma dos pacientes nessa fase mostra uma ligeira leucocitose, com linfocitose, mas há tendência à leucopenia (REY, 4ª ed.). ↠ A anemia pode ser particularmente grave, em alguns casos (REY, 4ª ed.). ALTERAÇÕES NO CORAÇÃO ↠ Esse órgão é o que se encontra afetado com maior frequência, se bem que as lesões possam ser leves, nas formas benignas da doença (REY, 4ª ed.). ↠ Os parasitos formam “ninhos” de amastigotas, às vezes bastante grandes e de formato alongado, ao se multiplicarem no interior das fibras musculares. Mas, enquanto estas não se romperem, não haverá́ sinais de inflamação no local (REY, 4ª ed.). ↠ Depois, as fibras cardíacas apresentam-se parcialmente dissociadas pelo edema intersticial. Em torno das que estão sendo destruídas, observa-se um infiltrado inflamatório, presente também em outros pontos do miocárdio. Esse infiltrado tende a ser de tipo linfoplasmocitário, nas fases iniciais da doença (REY, 4ª ed.). ↠ Além das lesões inflamatórias, veem-se outras, isquêmicas e com enfartes microscópicos, em função das alterações arteriolares. As fibras cardíacas podem apresentar intensa degeneração das miofibrilas. As células 10 Júlia Morbeck – @med.morbeck nervosas ganglionares ficam quase sempre lesadas (REY, 4ª ed.). A miocardite aguda é mais frequente em crianças que em adultos e pode levar à dilatação cardíaca, à congestão passiva, a edemas e derrames cavitários, como consequência da insuficiência circulatória. A morte pode ocorrer então (REY, 4ª ed.). ↠ Na fase crônica, uma fibrose difusa ocupa o lugar das áreas inflamadas e necrosadas, principalmente no ventrículo esquerdo, onde também se produzem tromboses com maior frequência (REY, 4ª ed.). ↠ Interpondo-se aos processos de cicatrização e reparação, surgem novas áreas inflamatórias, de recente formação. Há artrites necrosantes, zonas hemorrágicas e áreas de microenfartes. A substituição dos elementos musculares por tecido conjuntivo acarreta redução da força de contração do coração e põe em marcha mecanismos compensadores tais como: (REY, 4ª ed.). ➢ aumento do diâmetro das fibras musculares cardíacas, tanto mais acentuado quanto mais extensos forem os focos inflamatórios crônicos e maiores as sequelas fibróticas; ➢ aumento do volume cardíaco: dilatação das cavidades e hipertrofia da parede do órgão, com aumento eventual dos óstios valvulares, decorrentes da dilatação (insuficiência valvular); e taquicardia ↠ O comprometimento do sistema autônomo regulador das contrações cardíacas (nódulo sinusal, nódulo atrioventricular e feixe de His) traz como consequência uma grande variedade de perturbações, tanto da formação dos estímulos cardíacos, como de sua propagação. Daí resultam arritmias, fibrilação atrial, bloqueio atrioventricular (REY, 4ª ed.). ↠ Quando os mecanismos de compensação cardíacos se tornam incapazes de superar as deficiências de sua força de contração, aparece a insuficiência circulatória, pois passa a haver um déficit no volume de sangue e na quantidade de oxigênio que chegam por minuto a cada órgão ou tecido, inclusive ao miocárdio, comprometendo o metabolismo local (REY, 4ª ed.). ↠ Isso traduz-se clinicamente por dispneia aos esforços, insônia, congestão visceral e edema dos membros inferiores, que terminam, como nas insuficiências cardíacas de outras etiologias, em assistolia (REY, 4ª ed.). ALTERAÇÕES DO SISTEMA DIGESTÓRIO ↠ Os parasitos são encontrados na musculatura lisa, nas células nervosas e em outros elementos da parede do tubo digestivo. Porém, sempre em pequeno número (REY, 4ª ed.). ↠ As lesões podem produzir-se em qualquer sítio, mas predominam no esôfago, nos cólons e sigmoide, ou no intestino delgado. São principalmente processos subagudos e crônicos de miosite focal e intersticial, acompanhados de: (REY, 4ª ed.). ➢ formação de granulomas; ➢ arterites necrosantes, que destroem total ou parcialmente a camada média arteriolar; ➢ destruição dos plexos nervosos da parede (plexos de Meissner e de Auerbach); ➢ inflamação crônica em diferentes fases. ↠ A destruição dos neurônios ganglionares parece desempenhar papel relevante nas alterações do trânsito esofágico e intestinal (que se tornam cada vez mais lentos e difíceis), bem como na hipertrofia muscular e, finalmente, na dilatação e atonia desses órgãos, conhecidos respectivamente por megaesófago e megacólon (REY, 4ª ed.). ↠ O que caracteriza a aperistalse do esôfago é a incoordenação motora, de modo que não se observa a propagação da onda contrátil ao longo do órgão, nem o reflexo de abertura do cárdia, após o ato de deglutição. A mesma incoordenação é responsável pela estagnação do bolo fecal no grosso intestino e consequentes hipertrofia e dilatação das paredes do cólon distal, sigmoide e reto (REY, 4ª ed.). OBS.: Os primeiros sintomas são sempre de disfagia. O paciente tem dificuldade de deglutir alimentos sólidos, como arroz, e bebe água para ajudar a descer. Surge depois uma tendência à regurgitação. Nos casos 11 Júlia Morbeck – @med.morbeck mais avançados a disfagia é substituída pela sensação de plenitude intratorácica retroesternal (REY, 4ª ed.). ALTERAÇÕES DO SISTEMA NERVOSO ↠ No sistema nervoso central pode-se encontrar: (REY, 4ª ed.). ➢ congestão e edema, com escassos focos hemorrágicos; ➢ discreta infiltração perivascular de células inflamatórias; ➢ formação de numerosos nódulos (granulomas) disseminados pelo cérebro, cerebelo e pedúnculos cerebrais, os quais contém sobretudo células da micróglia, monócitos e alguns leucócitos polimorfonucleares. ↠ Nas células nervosas ou outras, degeneradas, encontram-se acúmulos parasitários. A destruição dessas células e a disseminação dos flagelados levam a uma meningencefalite difusa. Há também necroses focais (REY, 4ª ed.). OBS.: No núcleo dorsal do vago e do hipoglosso, foram descritas lesões com grande redução do número de neurônios, com significado particular para a fisiopatologia do megaesôfago (REY, 4ª ed.). LESÕES EM OUTROS ÓRGÃOS ↠ O fígado apresenta muitas vezes aumento de volume, na fase aguda, assim como congestão e degeneração gordurosa das células parenquimatosas. O baço, também, pode estar aumentado. Os linfonodos, conforme referimos, são sede de linfadenopatias satélites, que acompanham o chagoma de inoculação, ou de uma adenite generalizada, na fase aguda (REY, 4ª ed.). Diagnóstico da Doença de Chagas DIAGNÓSTICO CLÍNICO ↠ Elementos importantes para a suspeitada etiologia chagásica são: (REY, 4ª ed.). ➢ a região de procedência do paciente ou o fato de ter vivido ou pernoitado em casas onde havia triatomíneos ➢ paciente ter recebido transfusões sanguíneas, mesmo fora das áreas endêmicas. OBS.: Entre as razões que levam o paciente com tripanossomíase a procurar o médico estão: um exame sorológico positivo, um eletrocardiograma anormal, falta de ar aos esforços, palpitações, perda de consciência ou outras manifestações de insuficiência cardíaca, disfagia ou obstipação prolongada (REY, 4ª ed.). ↠ Em pacientes das áreas endêmicas, deve-se pensar na tripanossomíase americana sempre que crianças apresentarem febre, com poliadenite, aumento do fígado e do baço e sintomas cardíacos (REY, 4ª ed.). ↠ As doenças coronárias parecem-se muito com a cardiopatia chagásica crônica, se bem que aquelas predominam em adultos de meia-idade ou velhos, e esta última não costuma acompanhar-se de dores precordiais (REY, 4ª ed.). DIAGNÓSTICO LABORATORIAL ↠ Devido à inespecificidade e diversidade das manifestações clínicas, os métodos de laboratório devem ser utilizados sempre que se queira confirmar ou afastar o diagnóstico de tripanossomíase (REY, 4ª ed.). ↠ No período agudo, em vista da parasitemia ser geralmente alta, recomenda-se o exame parasitoscópico do sangue, mas também a punção biópsia de linfonodo, a imunofluorescência indireta (IFI), a hemaglutinac ̧ão (HA) entre outras (REY, 4ª ed.). ↠ Na fase crônica, os métodos parasitológicos não revelam mais que metade dos casos positivos. Mas, 12 Júlia Morbeck – @med.morbeck havendo em geral títulos altos de anticorpos específicos no soro, são mais indicados, além da imunofluorescência e da hemaglutinação, a reação imunoenzimática (ELISA) e o radioimunoensaio (REY, 4ª ed.). EXAMES PARASITOLÓGICOS Pesquisa de parasitos no sangue Os tripanossomos são abundantes nas primeiras 6 a 8 semanas de infecção e podem ser encontrados em exame de uma gota de sangue fresco, entre lâmina e lamínula, graças à sua motilidade característica (REY, 4ª ed.). Utilizam-se, também, esfregaços corados pelo Giemsa, Leishman ou outros métodos derivados do Romanowsky (Fig. 22.10), que permitem identificar os parasitos morfologicamente. Repetir os exames se negativos (REY, 4ª ed.). Outra técnica eficiente consiste em coletar o sangue em tubo capilar e centrifugá-lo em baixa rotação. Os flagelados, quando presentes, são vistos (com lupa entomológica) na interface hemácias/soro (REY, 4ª ed.). Punção biópsia de linfonodos Visto que os parasitos acumulam-se desde cedo nos linfonodos, especialmente quando há adenite satélite do chagoma de inoculação, podem eles ser facilmente encontrados em macró- fagos ou no exsudato inflamatório (REY, 4ª ed.). Xenodiagnóstico Este método tem o objetivo de investigar a presença de parasitas nas fezes e/ou conteúdo intestinal dos insetos vetores mantidos em laboratórios e alimentados com sangue de indivíduos que serão testados. Quatro caixas contendo dez triatomíneos cada, fechada em um de seus lados por uma fina rede, são colocadas sobre a face ventral do antebraço do paciente por cerca de trinta minutos (ALVES et. al., 2018). Antes da realização deste exame é necessário que os triatomíneos sejam mantidos em jejum por um período de duas semanas. Após a alimentação com sangue do paciente, os insetos devem ser mantidos a uma temperatura entre 25°C e 30°C e umidade relativa de aproximadamente 85% na ausência de luz. O exame fecal ou do conteúdo intestinal será feito após 30-60 dias para pacientes em fase crônica e 10-30 dias para pacientes em fase aguda (ALVES et. al., 2018). EXAMES IMUNOLÓGICOS ↠ São muito importantes no reconhecimento da tripanossomíase americana, não só́ pela grande sensibilidade e facilidade de execução, como por fornecerem informações de valor em prazos curtos (de minutos ou horas) (REY, 4ª ed.). ↠ Eles são utilizados para confirmar ou excluir o diagnóstico de tripanossomíase, em casos suspeitos, sobretudo na fase crônica, e para selecionar doadores em bancos de sangue (REY, 4ª ed.). ↠ Esses métodos beneficiam-se do fato de aparecerem os anticorpos no sangue muito cedo, ainda na fase aguda da infecção, e de se manterem em geral continuamente ao longo de toda a fase crônica da doença (REY, 4ª ed.). Imunofluorescência Indireta Esta reação tem sido amplamente empregada no diagnóstico laboratorial da doença de Chagas (ALVES et. al., 2018). ELISA Esta técnica consiste em detectar anticorpos contra o parasita através da utilização de um segundo anticorpo (anti-imunoglobulina humana produzido em animais de laboratório), conjugados a enzimas, que, em presença de substratos específicos, geram produtos coloridos, cuja quantificação é feita espectrofotometricamente (ALVES et. al., 2018). Reação em cadeia da polimerase (PCR) e outros métodos moleculares Podem detectar DNA do parasito no sangue ou em tecidos com razoável sensibilidade (50 a 90%), mas não são amplamente disponíveis em áreas endêmicas. Os testes quantitativos possibilitam avaliar se houve redução na carga parasitária após o tratamento (FERREIRA, 2ª ed.). IMPORTANTE Na fase aguda da DC, o diagnóstico laboratorial é baseado na observação do parasito presente no sangue dos indivíduos infectados, através de testes parasitológicos diretos, como exame de sangue a fresco, esfregaço e gota espessa. O teste direto a fresco é mais sensível que o esfregaço corado e deve ser o método de escolha para a fase aguda. Caso estes testes sejam negativos, devem ser usados métodos de concentração (LIMA et. al., 2019). Os testes de concentração (microhematócrito ou Strout) apresentam 80% a 90% de positividade e são recomendados no caso de forte suspeita de DC aguda e negatividade do teste direto a fresco (LIMA et. al., 2019). Na fase crônica da doença, o diagnóstico parasitológico direto torna-se comprometido em virtude da ausência de parasitemia. Os métodos parasitológicos indiretos (o xenodiagnóstico ou o hemocultivo) que podem ser utilizados apresentam baixa Tripomastigotas sanguíneos de Trypanosoma cruzi corados com azul de metileno (FERREIRA, 2ª ed.). 13 Júlia Morbeck – @med.morbeck sensibilidade (20%-50%). Sendo assim, o diagnóstico na fase crônica é essencialmente sorológico e deve ser realizado utilizando-se dois testes de princípios metodológicos diferentes: um teste de elevada sensibilidade (ELISA com antígeno total ou frações semipurificadas do parasito ou a IFI) e outro de alta especificidade (ELISA, utilizando antígenos recombinantes específicos do T. cruzi) (LIMA et. al., 2019). Os métodos sorológicos de diagnóstico da doença de Chagas se baseiam em geral na detecção de anticorpos anti-T.cruzi da classe IgG, sendo característica da fase crônica. Os anticorpos da classe IgM são características da fase aguda, porém, esporadicamente podem ser detectados na fase crônica de alguns pacientes (DAVANÇO, 2015). AVALIAÇÃO POR MÉTODOS COMPLEMENTARES ↠ Após a confirmação do diagnóstico da doença de Chagas, deve-se realizar uma avaliação mais detalhada do paciente, a fim de buscar informações que possam ser úteis ao prognóstico. Para tanto, anamnese e exame físico detalhados devem ser revisados em busca de elementos que possam não ter sido adequadamente valorizados em avaliação prévia (BATISTA, 2020). ↠ Durante a análise dos dados do paciente, deve-se averiguar o grau de acometimento dos órgãos mais afetados pela doença; atenção especial deverá ser dada à presença de arritmias cardíacas, insuficiência cardíaca congestiva, tromboembolismo e doença gastrintestinal (BATISTA, 2020). ↠ O ECG convencional está sempre indicado a partir do momento em que o diagnóstico é estabelecido, representando um bom preditor de acometimento do miocárdico, embora um resultadonormal não exclua a possibilidade de doença. Deve-se atentar principalmente para a ocorrência de taquicardia sinusal, estreitamento do complexo QRS, alterações do seguimento ST ou da onda T, extrassístoles atriais ou ventriculares, taquicardia paroxística atrial ou ventricular, transitória ou sustentada, bloqueios de condução atrioventriculares e bloqueios de ramo (BATISTA, 2020). ↠ Nos casos em que o ECG for inconclusivo, uma boa opção é o eletrocardiograma de longa duração, ou “Holter”, que monitora por 24 horas a atividade elétrica cardíaca (BATISTA, 2020). ↠ A ecocardiografia tem grande relevância para definir a gravidade do acometimento cardíaco por meio da medida da fração de ejeção do ventrículo esquerdo. Uma alteração na função desse ventrículo relaciona-se com um pior prognóstico, sendo possível a ocorrência de díspares eventos mórbidos, como o acidente vascular encefálico (AVE) ou mesmo a morte súbita. Pelo ecocardiograma também é possível identificar o aneurisma de ponta, que ocorre principalmente no ventrículo esquerdo, e a existência de trombos (BATISTA, 2020). ↠ A dosagem de peptídeo natriurético tipo B (BNP) é um importante biomarcador de disfunção ventricular esquerda em pacientes com tripanossomíase americana e é também um preditor de risco de AVE ou de morte (BATISTA, 2020). ↠ A radiografia de tórax deve ser solicitada; todavia, cabe comentar que nem sempre apresentará alteração. Em casos mais avançados da cardiopatia dilatada, entretanto, o aumento do coração pode ser percebido por ocasião da avaliação da área cardíaca (BATISTA, 2020). ↠ Outros exames que devem ser solicitados são hemograma, urina de rotina, provas de função hepática e ensaios para a avaliação da coagulação (tempo de tromboplastina parcial ativado – TTPA). Deve-se também atentar para a realização de endoscopias e radiografias do tubo gastrintestinal, caso o paciente apresente queixas digestivas (BATISTA, 2020). Tratamento da Doença de Chagas ↠ O tratamento antimicrobiano dirigido ao T. cruzi tem como objetivos curar a infecção, prevenir lesões orgânicas ou sua evolução e diminuir a possibilidade de transmissão do protozoário. Essa modalidade terapêutica tem resultados adequados na maioria dos casos agudos e congênitos e, também, em casos crônicos recentes. Desse modo, de acordo com o II Consenso Brasileiro de Doença de Chagas, estão propostas as seguintes orientações para o tratamento antiparasitário: (BATISTA, 2020). ➢ Devem ser tratadas todas as crianças com idade igual ou inferior a 12 anos portadoras da doença de Chagas em sua fase crônica; ➢ Para adolescentes com idade entre 13 e 18 anos e adultos com infecção crônica, quando se consegue estabelecer que a fase aguda ocorreu até 12 anos antes (considerado como infecção recente), é usualmente recomendado o tratamento antiparasitário, embora faltem evidências consistentes a partir de estudos randomizados justificando tal conduta; ➢ Para os indivíduos com doença de Chagas na faixa etária de 19 a 50 anos sem infecção recente documentada, o tratamento antiparasitário deve ser considerado de forma 14 Júlia Morbeck – @med.morbeck individualizada, seja na forma crônica indeterminada, seja na forma crônica determinada sem cardiopatia avançada; ➢ Para indivíduos com idade superior a 50 anos, sem cardiopatia avançada, não há estudos justificando o tratamento antiparasitário. O tratamento antiparasitário não deve ser realizado em indivíduos na fase crônica da doença de Chagas com a forma cardíaca grave, uma vez que não há evidências de benefícios clínicos na evolução desses pacientes. OBS.: Situações relevantes (para as quais se recomenda consultar o II Consenso Brasileiro de Doença de Chagas, em que deverá ser considerada a terapêutica antimicrobiana para o T. cruzi, incluem o tratamento dos enfermos com imunossupressão (transplantes, infecção por HIV/AIDS) e da transmissão acidental (contato com fluidos biológicos de pacientes com doença de Chagas, sinistros laboratoriais, entre outros) (BATISTA, 2020). ↠ O fármaco de escolha disponível para o tratamento específico da doença de Chagas no Brasil é o benznidazol, que é comercializado sob a forma de comprimidos de 100 mg. Sua administração é feita por via oral, sendo rápida a absorção com concentrações máximas após 2 a 4 horas. Tem meia-vida de cerca de 12 horas e metabolização conduzida pelo fígado e eliminação pela urina; uma pequena parcela não absorvida é eliminada nas fezes (BATISTA, 2020). ↠ O tratamento deve ser realizado pelo período de 60 dias, nas doses de 5 mg/kg/dia para adultos e de 10 mg/kg/dia para crianças, por via oral, sempre em duas a três tomadas diárias (12/12 horas ou 8/8 horas) (BATISTA, 2020). ↠ A dose máxima recomendada do fármaco é de 300 mg/dia (BATISTA, 2020). MECANISMO DE AÇÃO DO BENZNIDAZOL: Seu mecanismo de ação ainda não está completamente elucidado. Evidências recentes indicam que age por meio de radicais livres nitrogenados produzidos por nitro- redutases humanas que induzem modificações covalentes de macromoléculas. Esses radicais livres podem danificar o DNA do parasito e exercem efeito inibitório na síntese de proteínas e na síntese do ácido ribonucleico em células de T. Cruzi (LAFEPE MEDICAMENTOS). Outro mecanismo de ação do BNZ seria através do aumento da fagocitose atuando na elevação da produção da citocina interferon gama (INF-γ), causando lise celular. Ainda, há evidência de que o fármaco atue na inibição enzima NADH-fumarase redutase bloqueando o crescimento do T. cruzi (DAVANÇO, 2015). Os efeitos adversos do BNZ em humanos podem ser agrupados em manifestações de hipersensibilidade (20% dos casos): dermatite, edema periorbital, linfoadenopatia, dores musculares e febre; depressão da medula óssea (casos raros): neutropenia, agranulociotese e púrpura trombocitopêmica; e polineuropatia periférica (7% dos casos): parestesias e polineurite (DAVANÇO, 2015). ↠ Apesar da toxicidade sistêmica e da baixa tolerabilidade orgânica associada aos efeitos colaterais marcantes com o uso de benznidazol, estudos clínicos relataram que não há medicamentos disponíveis com eficiência terapêutica superior à do benznidazol, o que torna esse fármaco o único para o tratamento clínico da doença de Chagas no Brasil (BATISTA, 2020). OBS.: Na infância, a cura é alcançada em cerca de 90% das crianças com infecção congênita e que iniciaram o tratamento no tempo certo. Em todos os casos, o tempo necessário para que haja negativação dos exames sorológicos é proporcional à idade em que a pessoa adquiriu a doença, ou seja, quanto mais tarde ocorrer a aquisição do protozoário, mais tempo será preciso até que se alcancem os resultados esperados (BATISTA, 2020). ↠ Nos casos em que houver intolerância ao benznidazol ou falha, poderá ser indicado o nifurtimox como opção terapêutica nos seguintes esquemas, os quais deverão ser mantidos por 60 dias: (BATISTA, 2020). ➢ adultos: 10 mg/kg/dia (comprimidos de 120 mg), por via oral, 3 vezes/dia; ➢ crianças: 15 mg/kg/dia (comprimidos de 30 mg), por via oral, 3 vezes/dia. MECANISMO DE AÇÃO DO NIFURTIMOX: O Nifurtimox forma um metabólito radical nitro-ânion que reage com os ácidos nucléicos do parasita, causando uma quebra significativa do DNA. Seu mecanismo é semelhante ao proposto para a ação antibacteriana de agentes nitrofuranos. O Nifurtimox sofre redução e cria radicais de oxigénio, como o superóxido. Esses radicais são tóxicos para o T. cruzi. ↠ Os principais efeitos adversos do fármaco são similares aos descritos para o benznidazol (BATISTA, 2020). OBS.: Os medicamentos disponíveis são relativamente pouco eficientes contra estágios intracelulares do parasito. Isso foi atribuído, 15 Júlia Morbeck – @med.morbeck recentemente, ao fato já mencionado de os amastigotas intracelularespoderem permanecer durante longos períodos de tempo como formas “dormentes”, com redução de sua atividade metabólica e replicativa. Portanto, o tratamento etiológico da doença de Chagas crônica é ainda assunto controverso (FERREIRA, 2ª ed.). TRATAMENTO SINTOMÁTICO ↠ O tratamento das principais manifestações da doença deve ser realizado de acordo com as diretrizes para cada um dos quadros específicos. Na fase aguda, deve ser feito repouso, e podem ser usadas medicações antitérmicas, anticonvulsivantes e diuréticas, além de digitálicos e outros fármacos para o tratamento do quadro de miocardite aguda (BARBOSA, 2020). ↠ Na fase crônica (para a CCC), recomendam-se dieta e repouso como terapias não medicamentosas, mas podem ser usados inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECA), betabloqueadores seletivos, digitálicos e diuréticos, conforme a necessidade de cada paciente (BARBOSA, 2020). PROGNÓSTICO DA DOENÇA DE CHAGAS A infecção não se cura espontaneamente. Na fase aguda, a doença pode ser grave e fatal (por meningoencefalite ou cardiopatia grave). Mesmo assim, a mortalidade não chega aos 10%, de acordo com estudos a respeito. Nos demais casos, o tratamento pode modificar o prognóstico, reduzindo a mortalidade (REY, 4ª ed.). Ultrapassada essa fase, a tendência em geral é para lenta evolução que, segundo alguns autores, leva inexoravelmente ao aparecimento de lesões cardíacas e de outros órgãos. Outros especialistas distinguem dois tipos de evolução: ➢ Na forma indeterminada, sem manifestações clínicas e sem alterações eletrocardiográficas, a taxa de mortalidade, 10 anos depois de estabelecido o diagnóstico, é muito baixa. O tratamento dos pacientes jovens ainda pode melhorar o prognóstico se instituído precocemente. ➢ Na forma crônica da cardiopatia chagásica, isto é, nos casos com sintomatologia clinica (ainda que por vezes oligossintomática) e com alterações eletrocardiográficas precoces, o prognóstico é menos favorável. A partir das formas assintomáticas, a cada ano que passa 2% dos pacientes desenvolvem cardiopatias e 1% começa a apresentar megas. Prevenção da Doença de Chagas ↠ A primeira linha de controle da doença de Chagas em regiões endêmicas consiste no controle do vetor, o qual, tradicionalmente, foi procedido com o uso de inseticidas no domicílio e no peridomicílio (BARBOSA, 2020). ↠ A Organização Mundial da Saúde (OMS) preconiza a melhoria das habitações como importante passo na prevenção da enfermidade, de modo a evitar a infestação domiciliar pelo triatomíneo. Outras medidas pessoais que podem ser tomadas são o uso de redes nas camas e de repelentes em áreas endêmicas do barbeiro (BARBOSA, 2020). ↠ O controle da transmissão transfusional é estabelecido com o manejo rigoroso do sangue dos doadores. No Brasil, tal perspectiva é amplamente difundida; porém, em outras localidades, essa via permanece com importância na transmissão da doença. De acordo com o II Consenso Brasileiro de Doença de Chagas, gestantes provenientes ou que vivem em áreas endêmicas devem ser testadas quanto à presença do T. cruzi, se possível durante a primeira consulta do pré-natal (BARBOSA, 2020). ↠ Para a transmissão oral, deve-se ter critério em relação ao preparo, transporte e armazenamento de alimentos que tenham possibilidade de entrar em contato com o vetor ou com suas fezes. Deve ser comentado que o T. cruzi se classifica como do grupo de risco biológico 2, ou seja, os laboratórios que trabalham com o protozoário devem utilizar o equipamento de proteção individual adequado. Ainda assim, em caso de infecção acidental, faz-se a quimioprofilaxia com o benzonidazol por 10 dias (BARBOSA, 2020). Saúde Indígena ↠ No Brasil, segundo o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), vivem mais de 890 mil índios, distribuídos em todos os estados e correspondendo a 0,4% da população brasileira. Esse grupo, distribuído em 505 terras indígenas, ocupa 12,5% do território nacional. Apesar do contingente populacional não tão expressivo em relação ao total da população brasileira, esses povos apresentam imensa sociodiversidade, incluindo 305 grupos étnicos falantes de 274 idiomas (MENDES et. al., 2018). ↠ No Brasil, a 1ª Conferência Nacional de Proteção à Saúde Indígena (CNPSI), realizada em 1986, foi um dos primeiros momentos em que o Estado ouviu diferentes lideranças indígenas para discutir propostas relacionadas à formulação de diretrizes voltadas à saúde desses povos, assumindo como legítimas suas necessidades e especificidades e tendo como foco a APS (MENDES et. al., 2018). ↠ A luta pela saúde indígena no Brasil, foi mais legitimada com a criação do Subsistema de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas, que foi criado em 1999, através da Lei nº 16 Júlia Morbeck – @med.morbeck 9.836/99, mais conhecida como Lei Arouca. Este subsistema é composto pelos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIS), que se constituem em uma rede de serviços implantada nos territórios indígenas com o objetivo de atender essa população, levando em consideração os critérios geográficos, demográficos e culturais (SANTOS et. al., 2021). ↠ Durante a 4° Conferência Nacional de Saúde dos Povos Indígenas, em 2006, foram reivindicadas melhorias na situação de saúde e questionada a gestão da FUNASA (MENDES et. al., 2018). ↠ Em 2010, foi aprovada a criação da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI). O que sua criação traz de novo é, em última instância, a existência de um órgão responsável unicamente pela saúde indígena (MENDES et. al., 2018). ↠ De acordo com a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) (2021), para garantir aos povos indígenas o acesso igualitário e atenção integral aos povos indígenas de acordo com os princípios do SUS, se fez necessário o estabelecimento de algumas diretrizes que orientam a definição de instrumentos de planejamento, implementação, avaliação e controle das ações de atenção à saúde dos povos indígenas (SANTOS et. al., 2021). ↠ As diretrizes para ações de atenção à saúde indígena são: (SANTOS et. al., 2021). ➢ Organização dos serviços de atenção à saúde dos povos indígenas na forma de Distritos Sanitários Especiais e Pólos-Base, no nível local, onde a atenção primária e os serviços de referência se situam; ➢ Preparação de recursos humanos para atuação em contexto intercultural; ➢ Monitoramento das ações de saúde dirigidas aos povos indígenas; ➢ Promoção do uso adequado e racional de medicamentos; ➢ Promoção de ações específicas em situações especiais; ➢ Promoção de ambientes saudáveis e proteção da saúde indígena; ↠ Além dos aspectos organizacionais do serviço de saúde indígena, também devem ser levados em consideração alguns fatores peculiares a essa população como, a sua situação de transculturação, a localização geográfica dos índios, com ênfase nas dificuldades de acesso a essas aldeias; tais fatores acabam por se soma a falta de infraestrutura e recursos (SANTOS et. al., 2021). ↠ Os polos - bases nas aldeias são estruturados apena para atender a atenção primária, dessa forma os casos de média e alta complexidade acabam sendo referenciados para as unidades do Sistema Único de Saúde - SUS, tais serviços são localizados em centros urbanos próximos ou em outros municípios, onde os povos indígenas sofrem com diferenças organizacionais, culturais, linguística, refletindo negativamente na possibilidade do acesso e na qualidade do cuidado ofertado, piorando o processo saúde - doença que se encontra (SANTOS et. al., 2021). ↠ A Secretaria Especial de Saúde Indígena conta com 14.600 mil profissionais de saúde, sendo que destes, 46% são indígenas, e promove a atenção primária à saúde e ações de saneamento, de maneira participativa e diferenciada, respeitando as especificidadesepidemiológicas e socioculturais destes povos (MINISTÉRIO DA SAÚDE). ↠ A composição da Equipe Multiprofissional de Saúde Indígena - EMSI, é regulamentada pela portaria nº 1.317, de 3 de agosto de 2017. Nela consta que, a EMSI corresponde a um conjunto de profissionais responsáveis pela atenção básica à saúde indígena em uma área, sob gestão do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SASI-SUS) (SANTOS et. al., 2021). ↠ O gestor/coordenador local pode, opcionalmente, além da equipe mínima, incluir os seguintes profissionais as equipes que prestam atenção à saúde indígena como: médicos clínicos (família), cirurgião dentista (família), enfermeiros (família), técnicos e auxiliares de enfermagem (família), técnico em saúde bucal, auxiliar em saúde bucal, trabalhadores em serviços de promoção e apoio à saúde (família), agente de saúde pública, microscopista, entre outros. Estes não deverão ser marcados como equipe mínima (SANTOS et. al., 2021). 17 Júlia Morbeck – @med.morbeck Referências ALENCAR et. al. Epidemiologia da Doença de Chagas aguda no Brasil de 2007 a 2018. Research, Society and Development, v. 9, n. 10, 2020. ALVES et. al. Métodos de diagnóstico para a doença de Chagas: uma atualização. Revista Brasileira de Análises Clínicas, 2018. LAPEDE MEDICAMENTOS. Modelo de bula para os profissionais de saúde. DAVANÇO, M. G. Farmacocinética do Benznidazol administrado em coelhos na forma de comprimidos de liberação imediata e comprimidos de liberação prolongada. Dissertação de pós graduação, Araraquara, SP, 2015. LIMA et. al. Doença de Chagas: uma atualização bibliográfica. Revista Brasileira de Análises Clínicas, 2019. FERREIRA, M. U. Parasitologia Contemporânea, 2ª edição, Guanabara Koogan – Rio de Janeiro, 2021. BATISTA, R. S. Parasitologia – Fundamentos e Prática Clínica. Guanabara Koogan – Rio de Janeiro, 2020. REY, L. Parasitologia, 4ª edição. Grupo GEN, 2008. REY, L. Bases da Parasitologia Médica, 3ª edição. Grupo GEN, 2009. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Site do GOV. Disponível em: <https://www.gov.br/saude/ptbr/composicao/sesai> Acesado em 14 de agosto de 2022. SANTOS et. al. O enfermeiro na saúde indígena: uma revisão de literatura. Research, Society and Development, v. 10, n. 16, 2021.
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