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RESPONSABILIDADE CIVIL Luciana Tramontin Bonho Responsabilidade civil e a legislação brasileira Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Identificar a existência da responsabilidade civil na legislação brasileira. Relacionar a responsabilidade civil e a obrigação de indenizar. Demonstrar a importância da codificação da responsabilidade civil. Introdução As regras que disciplinam a responsabilidade civil estão previstas no Código Civil, o qual comporta um sistema de leis que regulam material da mesma natureza, nesse caso, a civil. O Código Civil, portanto, reúne normas que determinam os direitos e deveres das pessoas, dos bens e das suas relações no âmbito privado, com base na Constituição Federal. Neste capítulo, você vai estudar a responsabilidade civil na legislação brasileira. Você analisará os artigos do Código Civil sob a temática da responsabilidade civil, verá a sua relação com a obrigação de indenizar em várias modalidades e estudará a importância da codificação das leis, com foco na responsabilidade civil brasileira. Responsabilidade civil na legislação brasileira No Brasil colonial, estavam em vigor as Ordenações do Reino, e o instituto da responsabilidade civil era tratado conforme dispunha a legislação de Por- tugal, sendo que havia confusão entre reparação, pena e multa. Em 1830, entrou em vigor no Brasil o Código Criminal, fundado na justiça e equidade, como recomendava a Constituição do Império. No Capítulo 4, no título “Da satisfação, do Código Criminal” (BRAZIL, 1830), havia regras seguras sobre a responsabilidade civil como ela é entendida atualmente. A necessidade de C03_Responsabilidade_civil_legislacao_brasileira.indd 1 05/04/2018 11:50:32 satisfação, por exemplo, era a mais completa possível, sendo o dano avaliado em todas as suas partes e consequências. No entanto, foi com o advento do primeiro Código Civil brasileiro, o Código Civil de 1916 (BRASIL, 1916), que a responsabilidade civil foi efetivamente tratada de forma clara pelo ordenamento jurídico. O referido Código recep- cionou a teoria aquiliana, ou seja, da responsabilidade baseada na culpa do agente, adotando a responsabilidade civil subjetiva como regra. Dessa forma, o dispositivo legal abrangia a responsabilidade civil tanto por dolo quanto por culpa, seja por negligência, imprudência e até mesmo imperícia, implicitamente. Logo, o dano causado por uma conduta culposa gerava o dever de indenizar. Sobre o civil law (lei civil), veja a seguinte citação: Em contrapartida, um sistema da civil law não precisa necessariamente de códigos. A Hungria e a Grécia eram países sob o sistema da civil law mesmo antes de terem aprovados os seus códigos civis: o Direito Civil húngaro só foi codificado depois que a Hungria se tornou um Estado socialista e a Grécia só provou o seu primeiro código civil depois da Segunda Guerra Mundial (MERRYMAN; PÉREZ-PERDOMO, 2009, p. 54). O art. 159 (BRASIL, 1916) do referido diploma legal estabelecia: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito ou causar prejuízo a outrem fica obrigado a reparar o dano”. O fundamento legal da responsabilidade contratual era, no Código Civil de 1916, o art. 1.056, que previa (BRASIL, 1916): “Não cumprindo a obrigação, ou deixando de cumpri-la pelo modo e no tempo devidos, responde o devedor por perdas e danos”. A vigência do Código Civil de 2002, Lei nº. 10.406, de 10 de janeiro de 2002, manteve o princípio da responsabilidade com base na culpa, mas trouxe avanços, adotando a teoria do exercício de atividade perigosa e o princípio da responsabilidade independentemente de culpa nos casos especificados em lei. O art. 186 (BRASIL, 2002) prevê: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Responsabilidade civil e a legislação brasileira2 C03_Responsabilidade_civil_legislacao_brasileira.indd 2 05/04/2018 11:50:32 Da análise dos artigos do Código Civil de 2002 que tratam da respon- sabilidade civil, no que diz respeito aos elementos caracterizadores ou que fundamentam o dever de reparar o dano causado, destaca-se o art. 927 da referida lei (BRASIL, 2002), o qual caracteriza as duas hipóteses de respon- sabilidades civis: Art. 927 Aquele que, por ato ilícito (art. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. Dessa forma, a responsabilidade civil subjetiva, aquela que depende da culpa como fundamento da obrigação de reparar o dano, encontra-se positivada no caput do art. 927. Já a responsabilidade civil objetiva, aquela em que a obrigação de indenizar surge sem que tenha havido culpa de fato do agente, está prevista no parágrafo único do art. 927 (BRASIL, 2002). Nesse sentido, afirma Rodrigues (2002, p. 162): A segunda hipótese é de considerável interesse, pois se inspira diretamente na teoria do risco na sua maior pureza. Segundo esta, como vimos, se al- guém (o empresário, por exemplo), na busca do seu interesse, cria um risco de causar dano a terceiros, deve repará-lo, mesmo se agir sem culpa, se tal dano adveio. [...] Em conclusão, poder-se-ia dizer que o preceito do novo Código representa um passo à frente na legislação sobre a responsabilidade civil, pois abre uma porta para ampliar os casos de responsabilidade civil, confiando no prudente arbítrio do Poder Judiciário o exame do caso con- creto, para decidi-lo não só de acordo com o Direito estrito, mas também, indiretamente, por equidade. Dessa forma, a legislação civil brasileira prevê a possibilidade jurídica de responsabilização civil, seja pela modalidade objetiva ou subjetiva, a qual se harmoniza com os princípios constitucionais. Segundo Tepedino (1999, p. 177): É de se ter presente que o sistema dualista de responsabilidade atende a um indeclinável dever de solidariedade social determinado pelo constituinte, que não se restringe à relação entre o cidadão e o Estado e cuja efetividade se revela indispensável à sua incidência, em igual medida, sobre as relações de Direito Público e de Direito Privado. 3Responsabilidade civil e a legislação brasileira C03_Responsabilidade_civil_legislacao_brasileira.indd 3 05/04/2018 11:50:32 O Código Civil de 2002 determina a obrigação de indenizar pelo descumpri- mento contratual no seu art. 389 (BRASIL, 2002): “Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado”. Observa- mos aqui que o enfoque do legislador agora não é mais punir o agente causador do dano, mas tem a base do seu conceito na exigência da ilicitude da conduta. Assim, o Código Civil (BRASIL, 2002) vigente prevê a responsabilidade civil pela prática de um ato ilícito, seja por culpa ou dolo (responsabilidade subjetiva) ou nos casos em que a lei determina, sem a análise da culpa (responsabilidade objetiva), bem como pelo descumprimento de uma obrigação contratual — sendo que, em ambos os casos, haverá a obrigação de reparar o dano causado à vítima. Percebemos, assim, entre os dois Códigos, a mudança no panorama do sistema jurídico, que deixa de focar na culpa do agente para tutelar a dignidade da pessoa humana, sendo formado em torno do dever de ressarcir baseado na vítima. Responsabilidade civil e a obrigação de indenizar A obrigação de indenizar está prevista nos arts. 927 e 943 do Código Civil de 2002 (BRASIL, 2002). Esse dever surge a partir do momento em que é causado um dano ao patrimônio jurídico, moral ou físico de alguém, decorrente da prática de um ato ilícito,o qual deve ser reparado. Assim, a responsabilidade civil pressupõe o dever de indenizar. A inclusão da obrigação de indenizar como modalidade autônoma de obrigação é uma inovação do Código Civil de 2002. Sempre estudamos que o ato ilícito é uma das fontes da obrigação, mas nunca a lei indicou qual seria essa obrigação. O novo Código foi claro nesse sentido, conforme previsto no já citado art. 927 (BRASIL, 2002): “[...] aquele que comete ato ilícito fica obrigado a indenizar”. A responsabilidade civil opera a partir do ato ilícito com o nascimento da obrigação de indenizar, no intuito de restituir à vítima o estado anterior ao dano (CAVALIERI FILHO, 2003). O Código Civil de 2002 manteve a base do instituto da responsabilidade civil presente no Código de 1916 (BRASIL, 2002): a responsabilidade por ato próprio (art. 186 e 927); a responsabilidade por fato de terceiro (art. 932); a responsabilidade em decorrência do dano causado por coisa (art. 937 e 938) ou animal (art. 936). Responsabilidade civil e a legislação brasileira4 C03_Responsabilidade_civil_legislacao_brasileira.indd 4 05/04/2018 11:50:33 Na responsabilidade por fato de terceiro, art. 932 do Código Civil (BRASIL, 2002), existem duas responsabilidades: a do causador direto do dano e a da pessoa responsável por indenizar. Para o agente do dano ser responsabilizado, é necessário que tenha agido com culpa; porém, em relação ao responsável pela indenização, a responsabilidade é objetiva. O art. 932 (BRASIL, 2002) prevê que respondem objetivamente e solida- riamente por fato de terceiros: 1. os pais, pelos filhos menores que estiverem sob a sua autoridade e em sua companhia; 2. o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições; 3. o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele; 4. os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hós- pedes, moradores e educandos; 5. os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia. Observamos que, no seu art. 928 (BRASIL, 2002), o Código criou a res- ponsabilidade até para o incapaz. Essa responsabilidade é subsidiária, porque o incapaz só vai responder se o seu responsável não puder responder ou não tiver patrimônio para tanto. Assim, se o incapaz tiver patrimônio que possa arcar com a indenização, vai responder com ele (CAVALIERI FILHO, 2003). Segundo o art. 931 do Código Civil (BRASIL, 2002), é objetiva a res- ponsabilidade dos empresários individuais e das empresas pelos danos cau- sados pelos produtos postos em circulação. Da mesma forma, está prevista a responsabilidade do dono de animal pelos danos causados por ele. Assim, a responsabilidade pelos danos causados por animal recai, sem dúvida, sobre o seu dono, respeitadas as devidas exceções que o próprio Código Civil (BRASIL, 2002) fez questão de elencar: culpa da vítima ou força-maior. Quanto ao tipo de responsabilidade prevista no art. 937 (BRASIL, 2002), que prevê que o dono de edifício ou construção responda pelos danos que resultarem da sua ruína, se esta provier de falta de reparos cuja necessidade fosse manifesta, a doutrina se divide quanto a ser subjetiva ou objetiva. Ve- jamos com mais detalhe: quando o dispositivo afirma que o dono do edifício responde pelos danos que resultarem de sua ruína, parece estar tratando de uma responsabilidade objetiva, mas, em seguida, completa o preceito com 5Responsabilidade civil e a legislação brasileira C03_Responsabilidade_civil_legislacao_brasileira.indd 5 05/04/2018 11:50:33 “[...] se esta provier de falta de reparos cuja necessidade fosse manifesta” (BRASIL, 2002), o que já traz a ideia de culpa, decorrente de negligência, com aplicação da responsabilidade subjetiva. Segundo Gagliano e Pamplona Filho (2008), a vítima, para obter a devida compensação, não precisará provar a culpa na ausência de reparos que causou o dano. Em contrapartida, o pro- prietário somente se eximirá da responsabilidade se provar a quebra do nexo causal por uma das excludentes de responsabilidade, como o caso fortuito ou de força maior, ou, ainda, culpa exclusiva da vítima. Assim, por exemplo, age com culpa a vítima que transitar por local onde existam advertências sobre a possível ocorrência de perigo. O art. 938 do Código Civil (BRASIL, 2002) também prevê a responsabilidade daquele que habitar prédio, ou parte dele, pelos danos provenientes das coisas que dele caírem ou forem lançadas. Assim, basta a conduta e o resultado danoso, tratando-se também de responsabilidade na modalidade objetiva. Os danos, nesse caso, podem ser lesão corporal ou morte resultante do lançamento de coisas pela porta ou janela. Como exemplo, temos o caso de vasos de plantas que são lançados ou que caem das janelas ou sacadas. A obrigação de indenizar surgirá como consequência do fato provado e do dano dele decorrente. O Código Civil também prevê a obrigação de indenizar daquele que de- mandar judicialmente outra pessoa por dívida paga. Disciplina o art. 940 (BRASIL, 2002): Aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se houver prescrição. A legislação prevê, assim, que a conduta de demandar judicialmente dívida já paga é ato ilícito pelo uso abusivo do credor, que requer indenização. Além disso, o Código (BRASIL, 2002) prevê que aquele que cobrar dívida ainda não vencida ficará obrigado a esperar o tempo que faltava para o ven- cimento, a descontar os juros correspondentes e a pagar as custas em dobro, conforme previsto no art. 939. O art. 941 do Código Civil (BRASIL, 2002) estabelece, como única excludente de ilicitude das penas impostas pelo art. 940, um ato unilateral processual do credor, em forma de pedido de desistência da ação, desde que solicitada antes de contestada à lide. O arrependimento do credor demonstra sua boa-fé ou seu erro em promover a ação, sendo que, oportunamente, conseguiu voltar atrás. Responsabilidade civil e a legislação brasileira6 C03_Responsabilidade_civil_legislacao_brasileira.indd 6 05/04/2018 11:50:33 Quanto a todas essas responsabilizações, o Código (BRASIL, 2002) estipula que as penas previstas não se aplicarão quando o autor desistir da ação antes de contestada à lide, salvo ao réu o direito de haver indenização por algum prejuízo que prove ter sofrido. Assim, verificamos que o Código Civil (BRASIL, 2002) disciplina de forma ordenada e clara as hipóteses de indenização em decorrência da responsabi- lidade civil, estabelecendo que os responsáveis pela indenização respondem com seus bens pelos danos causados, de forma solidária, bem como refere que o direito de exigir reparação e a obrigação de prestá-la transmitem-se com a herança (art. 943). Veja a seguir alguns Enunciados do Conselho de Justiça Federal sobre a obrigação de indenizar. Enunciado 42 O art. 931 do Código Civil (“ressalvados outros casos previstos em lei especial, os empresários individuais e as empresas respondem independentemente de culpa pelos danos causados pelos produtos postos em circulação”) amplia o conceito de fato do produto existente no art. 12 do Código de Defesa do Consumidor (“o fabri- cante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento dos seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre a sua utilização e riscos”), imputando responsabilidade civil à empresa e aos empresáriosindividuais vinculados à circulação dos produtos. Enunciado 43 A responsabilidade civil pelo fato do produto, prevista no já citado art. 931 do Código Civil, inclui os riscos do desenvolvimento. Enunciado 191 A instituição hospitalar privada responde, na forma do art. 932, inciso III, do Código Civil (“são também responsáveis pela reparação civil o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele”), pelos atos culposos praticados por médicos integrantes de seu corpo clínico. Fonte: Conselho da Justiça Federal (c2018). 7Responsabilidade civil e a legislação brasileira C03_Responsabilidade_civil_legislacao_brasileira.indd 7 05/04/2018 11:50:33 Importância da codificação da responsabilidade civil Um código é um agrupamento organizado de diferentes regras jurídicas da mesma natureza, concentradas segundo um critério sistemático. Assim, o Código Civil reúne normas sobre Direito Civil, que são normas que determi- nam os direitos e deveres das pessoas, dos bens e das suas relações no âmbito privado, com base na Constituição Federal. A codificação foi uma resposta para um problema prático da sociedade moderna, a qual havia se tornado mais complexa, de forma que havia ne- cessidade de que se reunissem as normas de cada matéria de maneira que as tornassem claras e de fácil conhecimento para todos. Alguns fatores influenciaram a codificação, como a existência de um Estado centralizado ou em vias de centralização e burocratizado, necessitando de um Direito unificado, além de uma burguesia que desejava positivar direitos como a liberdade e a igualdade para garantir, principalmente, a liberdade econômica e a igualdade jurídica por ela conquistada, aliada a uma base ideológica forte, fundamentada na razão humana, e uma ideia sistemática do Direito (MARTINS-COSTA, 2000). Os primeiros códigos surgiram na Europa, sendo eles o francês (1804) e o alemão (1900). A grande consequência da codificação é o surgimento do Estado como fonte do Direito, pois o Estado, que antes possuía papel secundário no Direito, por meio de um conjunto de leis, tornou-se fonte quase absoluta dele. “O Direito se faz lei, geral e abstrata, e a lei, ou Direito, encontra a sua forma, o código, conjunto unitário de leis provindas de uma só fonte, o Estado (MARTINS-COSTA, 2000, p. 41). No Brasil, a Constituição Imperial de 1824 recomendava, no seu art. 179, § 18, que fossem o quanto antes promulgados um Código Civil e um Código Criminal, o que ocorreu efetivamente por Decreto em 1830. A ne- cessidade de um Código Civil se justificava devido à grande variedade das leis herdadas dos tempos da colônia, a vigência das Ordenações já revogadas em Portugal, os difíceis conhecimento e interpretação desse conglomerado de normas, em que os próprios profissionais encontravam embaraços para esclarecer as dúvidas e para servir de orientação segura ao aplicador da lei (CHAVES, [1999]). Porém, somente muito tempo depois, o Código Civil, projetado em abril de 1889 e concluído em novembro daquele ano, foi aprovado em 1912 pelo Responsabilidade civil e a legislação brasileira8 C03_Responsabilidade_civil_legislacao_brasileira.indd 8 05/04/2018 11:50:33 Senado Federal, entrando em vigor a partir de 1º de janeiro de 1917. Martins- -Costa (2000, p. 266) destaca as características da nossa primeira codificação: O Código traduz, no seu conteúdo liberal no que diz respeito às manifestações de autonomia individuais, conservador no que concerne à questão social e às relações de família, a antinomia verificada no tecido social entre a burguesia mercantil em ascensão e o estamento burocrático urbano, de um lado, e, por outro, o atraso o mais absolutamente rudimentar do campo, onde as relações de produção beiravam o modelo. No link a seguir ou código ao lado, você verá como nasceu o primeiro Código Civil brasileiro: http://goo.gl/wvyGdZ O processo de codificação não foi matéria pacífica entre os juristas da época. Os que criticavam a codificação afirmavam que os códigos seriam verdadeiras fossilizações jurídicas, que impediriam o desenvolvimento ulterior (CAENEGEM, 2000). Outros asseveravam que seria o período de decadência intelectual, pois codificar as normas seria dispensar maiores indagações do Direito. Entretanto, se a codificação traz a imobilização do Direito, as suas van- tagens superam esse fato. Aos que as defendem, algumas vantagens podem ser alegadas, como a unificação do Direito vigente por um critério uniforme, que possibilita a união da nação, bem como a forma como facilita e permite o estudo organizado do Direito, gozando o ordenamento de maior estabilidade nas relações jurídicas (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2002). Alguns juristas defendem que o Código Civil, enquanto lei geral, deve- ria apresentar as suas normas de forma suficientemente aberta, de modo a admitir a função criadora do intérprete, em face das transformações sociais inevitáveis. Nesse sentido, existe a jurisprudência, para dar a interpretação do momento e contesto histórico à letra da lei. Porém, como as reações sociais 9Responsabilidade civil e a legislação brasileira C03_Responsabilidade_civil_legislacao_brasileira.indd 9 05/04/2018 11:50:34 e a sociedade não são estáticas, sempre haverá a necessidade de constantes reformas e adaptações às leis existentes, e, por ser um trabalho lento, que exige extremo cuidado e estudo, é normal que exista demora na reforma ou na criação de um novo Código. Dessa forma, o avanço social e das relações de consumo influenciaram diretamente as alterações que culminaram no Código Civil de 2002, principal- mente no que se refere à disciplina dos direitos obrigacionais. Nesse sentido, notamos, na estrutura do novo diploma civil, que imediatamente após a Parte Geral, o primeiro livro da Parte Especial é o relativo ao Direito das obrigações. Em seguida está o livro dedicado à atividade negocial, denominado Direito de Empresa, novidade desse Código, para só depois tratar dos direitos das coisas, da família e, por fim, das sucessões. O grande mestre Orlando Gomes (1972, p. 11) já defendia essa mudança estrutural algum tempo atrás, manifestando-se no sentido de que: A principal razão dessa prioridade é de ordem lógica. O estudo de vários institutos dos outros departamentos do Direito Civil depende do conheci- mento de conceitos e construções teóricos do Direito das Obrigações, tanto mais quanto ele encerra, na sua parte geral, preceitos que transcendem a sua órbita e se aplicam a outras seções do Direito Privado. Natural, pois, que sejam apreendidos primeiro que quaisquer outros. Mais fácil se torna, assim, a exposição metódica. No que tange à responsabilidade civil, o Código Civil de 2002 tem título especialmente dedicado ao assunto: o Título IX do Primeiro Livro da Parte Especial, que começa no art. 927 e vai até o art. 954. Porém, os artigos não comportam uma matéria concentrada e exaustiva da responsabilidade civil. Isso decorre do fato de que seria muito difícil reunir todas as normas sobre responsabilidade civil em um só título, pois muitas áreas do Direito, como o Público, por exemplo, têm reflexo na responsabilidade civil. Os conflitos somente chegam à Justiça quando alguém viola um dever jurídico, deixando de observar o que determina a lei, tendo na responsabilidade civil a sua solução (CAVALIERI FILHO, 2003). Dessa forma, podemos concluir a importância da codificação do tema da responsabilidade civil como ferramenta útil para a solução de conflitos, na medida em que está ao alcance de toda a sociedade, bem como orienta a aplicação das leis pelos juristas e pelos Tribunais. Responsabilidade civil e a legislação brasileira10 C03_Responsabilidade_civil_legislacao_brasileira.indd 10 05/04/2018 11:50:34 BRASIL. Lei nº. 3.071, de 1º de janeiro de 1916. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro, 1916. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l3071.htm>. Acesso em: 26 mar. 2018. BRASIL. Lei nº. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília, DF, 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 26 mar. 2018. BRAZIL. Lei de 16 de dezembro de 1830. Manda executar o Código Criminal. Rio de Janeiro, 1830. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/lim-16- 12-1830.htm>. Acesso em: 26 mar. 2018. CAENEGEM, R. C. V. Uma introdução histórica ao Direito Privado. 2. ed. São Paulo: Mar- tins Fontes, 2000. CAVALIERI FILHO, S. Responsabilidade civil no novo código civil. Revista da EMERJ, v. 6, n. 24, 2003. CHAVES, A. Formação histórica do direito civil brasileiro. Revista da Faculdade de Di- reito, São Paulo, [1999]. Disponível em: <https://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/ viewFile/67456/70066>. Acesso em: 24 mar. 2018. CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL. CJF — Enunciados. Brasília, DF, c2018. Disponível em: <http://www.cjf.jus.br/enunciados/>. Acesso em: 26 mar. 2018. GAGLIANO, P. S.; PAMPLONA FILHO, R. Novo curso de Direito Civil: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 1. GAGLIANO, P. S.; PAMPLONA FILHO, R. Novo curso de Direito Civil: responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. v. 3. GOMES, O. Obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 1972. MARTINS-COSTA, J. A boa-fé no Direito Privado: sistema e tópica no direito obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. MERRYMAN, J. H.; PÉREZ-PERDOMO, R. A tradição da civil law: uma introdução aos siste- mas jurídicos da Europa e da América Latina. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2009. RODRIGUES, S. Direito Civil. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 4. TEPEDINO, G. Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. 11Responsabilidade civil e a legislação brasileira C03_Responsabilidade_civil_legislacao_brasileira.indd 11 05/04/2018 11:50:34 Leituras recomendadas BEVILAQUA, C. Em defesa do projeto do Código Civil brasileiro. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1906. HIRONAKA, G. M. F. N. O novo Código civil Brasileiro. Jornal da USP, ano XVIII, n. 628, jan. 2003. Disponível em: <http://www.usp.br/jorusp/arquivo/2003/jusp628/pag02. htm>. Acesso em: 24 mar. 2018. Responsabilidade civil e a legislação brasileira12 C03_Responsabilidade_civil_legislacao_brasileira.indd 12 05/04/2018 11:50:34 Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual da Instituição, você encontra a obra na íntegra.
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