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Hemorragia subaracnóidea (HSA) – prof Elisson Antônio 1 Hemorragia subaracnoidea (HSA) A hemorragia subaracnoidea (HSA) é caracterizada como um evento grave causado por um sangramento no espaço entre a pia-máter e a aracnoide – espaço subaracnoide, espaço onde corre o líquor e se localizam os vasos. De modo geral, é causada por ruptura de aneurismas, MAVs, uso de drogas ilícitas ou pós-traumáticas. Epidemiologia: corresponde a 7 a 10% dos acidentes vasculares cerebrais, com incidência de 2 a 16 casos a cada 100 mil pessoas, em que é uma patologia mais frequente em mulheres e com pico de ocorrência ocorre em torno de 50 anos. A mortalidade nesses casos pode chegar até a 50%, além de apresentar grande morbidade e prejuízo funcional. Fatores de risco: como fatores de risco não modificáveis tem-se sexo feminino, história prévia de HSA, idade, presença de aneurisma em dois ou mais parentes de primeiro grau, aneurismas maiores que 7mm (maior chance de sangrar) e fatores genéticos – rins policísticos ou doença de Ehler-Danlos. Além disso, tem-se fatores de risco modificáveis, como tabagismo, hipertensão arterial, uso de simpaticomiméticos – (fenoterol, metilfenidato), abuso de álcool, entre outros. Fisiopatologia: quando ocorre extravasamento de sangue no espaço subaracnoide, onde deveria ter líquor, fato que promove desencadeamento de uma reação inflamatória que pode gerar vasoespasmo e aderência de coágulos. Esse sangramento ocorre principalmente nas artérias comunicante anterior, cerebral média, comunicante posterior ou no sistema vertebrobasilar. Quadro clínico: cefaleia em trovoada (súbita, intensa, que ganha intensidade e atinge seu ápice em 60 segundos, descrita como pior cefaleia da vida), cefaleia sentinela (súbita, avisa que o evento posterior será catastrófico), náuseas e vômitos, perda de consciência, rigidez de nuca, crises convulsivas, sinais de irritação meníngea, déficits focais pelo aumento da pressão intracraniana, entre outros. Um aneurisma de comunicante posterior pode gerar compressão do nervo oculomotor com midríase e desvio lateral do olho. Diagnóstico: feito por coleta de história clínica com descrição de cefaleia lancinante e importante, além de sinais característicos no exame físico, como aumento da PIC e rigidez de nuca. Deve-se realizar tomografia de crânio (índice de certeza de quase 100% nas primeiras 6h), coleta de líquor com aspecto xantocrômico e que não coagula (imagem 3, coloração amarelada por presença de bilirrubina plasmática) e fundo de olho com hemorragia retiniana associada (20% a 40% das vezes). A angiotomografia localiza o aneurisma e tem 95% de sensibilidade em aneurismas maiores que 3mm, mas o padrão ouro é a angiografia, com maior grau de certeza. Na imagem 1 tem-se inundação de sangue nas cisternas cerebrais, com invasão de sulcos e fissuras por uma área hiperdensa e branca – sangue. Na imagem 2 tem-se uma saculação no final da artéria carótida interna, que é um aneurisma que pode romper e causar uma hemorragia subaracnoidea. A escala de Hunt-Hess demonstra a avaliação de prognóstico do paciente com base nos sintomas, enquanto que, a escala da World Federation of Neurological Surgeons (WFNS) associa o grau de consciência com a hemiparesia para apontar o prognóstico do paciente. De modo geral, nas duas escalas, quanto maior a numeração, maior a chance de morte e pior o prognóstico. 1 2 3 Hemorragia subaracnóidea (HSA) – prof Elisson Antônio 2 Escala de Hunt-Hess 1 Paciente assintomático ou com cefaleia leve e rigidez de nuca discreta 2 Paciente com cefaleia moderada-grave, rigidez de nuca, sem déficits focais exceto paresia de nervos cranianos 3 Paciente confuso, letárgico, com déficit neurológico focal leve que não paresia de nervos cranianos 4 Paciente em estupor ou com hemiparesia moderada-grave 5 Paciente em coma, com postura extensora, aparência moribunda Escala da WFNS 1 Paciente com Glasgow de 15 sem hemiparesia 2 Paciente com Glasgow de 14 a 13 sem hemiparesia 3 Paciente com Glasgow de 14 a 13 com hemiparesia 4 Paciente com Glasgow de 12 a 7 com ou sem hemiparesia 5 Paciente com Glasgow de 3 a 6 com ou sem hemiparesia Complicações: dentre as mais graves cita-se morte e ressangramento, esse que ocorre principalmente nas primeiras 72h (5 a 22% dos casos, com mortalidade de até 70%) – paciente deve ficar em repouso absoluto para evitar um esforço que aumente a PIC. Outra complicação é a isquemia cerebral tardia, essa que cursa com novo déficit focal, rebaixamento do nível de consciência ou aumento de 2 pontos do escore de NIH. O pico ocorre entre 3 e 14 dias, acometendo até 30% dos pacientes. Nesse quadro a intensidade do espasmo arterial é intensificada, tendo hipoperfusão das áreas cerebrais e depressão cortical alastrante, quadro que estimula um processo inflamatório amplo com disfunção da microcirculação, microtrombose e perpetuação da reação inflamatória. Em cerca de 70% dos casos o espasmo arterial ocorre sem causar sintomas. O doppler transcraniano pode auxiliar na identificação do espasmo e auxiliar na conduta. A escala de Fisher tem alto valor preditivo para ICT. Escala de Fisher Escala de Fisher modificada Risco ICT F0 - FM0 Sem HSA ou intraventricular 0% F1 Sem HSA clássica ou inundação intraventricular FM1 Sangue subaracnóideo mínimo ou fino, sem sangue intraventricular nos dois ventrículos laterais F: 21% FM: 24% F2 Sangue subaracnóideo difuso, fino (< 1 mm), sem coágulos FM2 Sangue subaracnóideo mínimo, com sangue intraventricular nos dois ventrículos laterais F: 25% FM: 33% F3 Sangue localizado, espesso (> 1mm) FM3 Sangue espesso, sem sangue intraventricular nos dois ventrículos laterais F: 37% FM: 33% F4 Hemorragia de predomínio intraventricular ou intraparenquimatosa, sem sangue subaracnóideo espesso, FM4 Sangue espesso subaracnóideo com sangue nos dois ventrículos laterais F: 31% FM: 40% Hemorragia subaracnóidea (HSA) – prof Elisson Antônio 3 A hidrocefalia se caracteriza como uma complicação precoce muito temida e que acontece em até 50% dos casos, principalmente quando ocorre inundação ventricular, já que com sangue dentro do ventrículo o sistema de drenagem fica prejudicado – pela espessura e celularidade sanguínea. Além disso, pode-se ter alguns distúrbios hídricos e de sódio, como hiponatremia por síndrome perdedora de sal (hiponatremia hipovolêmica) ou SIADH, assim como hipernatremia causada por diabetes insipidus ou iatrogenia. As crises convulsivas ocorrem em 4 a 26% dos casos, podendo utilizar anticonvulsivantes profiláticos até que o aneurisma seja abordado de forma neurocirúrgica – apenas nos primeiros 3 dias ou em caso de crise convulsiva relatada. A febre também pode ser uma complicação, devendo optar por manutenção da T< 37,5ºC para evitar piora neurológica. Tratamento: na fase aguda, deve-se promover suporte clínico (ABCDE) e a prevenção do ressangramento é o objetivo principal, devendo manter PAS entre 140 e 160 mmHg, realizar terapia antifibrinolítica (ácido aminocaproico ou ácido tranexâmico) e garantir o tratamento definitivo para correção do aneurisma por neurocirurgia aberta ou tratamento endovascular. A profilaxia da isquemia cerebral tardia pode ser feita com nimodipino (60mg 4/4h por 21 dias), um bloqueador de canal de cálcio di-idropiridínico que previne espasmos dos vasos sanguíneos cerebrais. Todavia, se apesar da profilaxia o paciente apresentar sinais de isquemia cerebral tardia deve-se tratar com bolus de solução salina hipertônica, visando hipertensão normovolêmica até reversão do vasoespasmo e do déficit focal – cerca de 2/3 dos pacientes melhoram só com essa intervenção. Também pode-se utilizar uma terapia inotrópica vasodilatadora com dobutamina ou milrinona e, em alguns casos, terapia endovascular comdilatação do espasmo com balão intra-arterial (mais calibrosas como carótida interna ou cerebral média, 90% de sucesso) ou uso de medicamentos intra-arteriais (milrinona, nimodipina, papaverina). A hidrocefalia pode ser tratada por derivação ventricular externa (DVE) temporária ou derivação ventrículo- peritoneal (DVP) de forma definitiva em quadros persistentes. Com profilaxia de trombose venosa profunda deve-se utilizar métodos mecânicos até o aneurisma estar seguro, como elevação do membro, utilização de meia elástica. Deve-se utilizar terapia farmacológica com heparina apenas após 12 a 24h da embolização ou clipagem. Caso Clínico Uma mulher de 50 anos é trazida à emergência após sentir uma cefaleia grave e de início súbito, associada a vômitos, rigidez de nuca e fraqueza em hemicorpo esquerdo. Ela se queixa da pior dor de cabeça de sua vida, um pouco antes de tornar-se progressivamente confusa. Há duas semanas, ao retornar da corrida, sentiu cefaleia moderada (cefaleia sentinela). Ao exame físico apresenta 37,6ºC, FC 120 bpm, FR 32 ipm, PA 180x90mmHg. Apresenta estupor e está gemente, sua pupila direita está dilatada e apresenta papiledema no exame de fundo de olho. Existe ptose e paralisia facial ipsilateral à lesão (lesão do NC VII facial e NC III oculomotor) e hemiparesia proporcionada à esquerda (contralateral à lesão), com leve rigidez de nuca. Durante o exame o paciente apresenta versão cefálica e abalos musculares (padrão de crise convulsiva tônico-clônica generalizada). Exames laboratoriais mostram sódio sérico de 125mEq/L (hiponatremia). Diagnóstico mais provável: hemorragia subaracnoide Qual o próximo passo diagnóstico: tomografia de crânio, coleta de líquor e exames mais específicos, se necessário. Qual o próximo passo terapêutico: pensar no ABCDE, suporte clínico e prevenção do ressangramento ao tratar hipertensão arterial (< 160 mmHg) e uso de terapia antifibrinolítica. Profilaxia de ICT com nimodipino ou tratamento dessa condição com hipertensão normovolêmica ou terapias mais invasivas. Correção de complicações. Encaminhamento para neurocirurgia e correção do aneurisma. Correção dos distúrbios hidroeletrolíticos, manutenção da temperatura em < 37,5ºC, profilaxia mecânica contra trombose, reavaliação constante do paciente e manutenção em UTI. Seguimento: controle da PA, acompanhamento de sequelas com equipe multidisciplinar, afastamento de fatores de risco, terapia farmacológica com heparina após resolução do aneurisma, suporte clínico.
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