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SISTEMA DE ENSINO GAÚCHO – SEG ESCOLA TÉCNICA IJUÍ DIEGO HÜLLER KRHAN FÁBIO FREITAS HELLEN SCHIRRMANN LISIANE BRUM BUENO RICARDO ANDREATTA ESTUDO DE CASO: ANÁLISE DAS RESPONSABILIDADES DOS ENVOLVIDOS NO CASO KISS IJUÍ 2016 SUMÁRIO 1 AMBIENTAÇÃO 5 1.1 O LOCAL 5 1.2 AS NORMAS 6 2 REPERCUSSÃO 7 3 RESPONSABILIDADES 10 3.1 PREFEITURA MUNICIPAL 10 3.1.1 Responsabilidades da Prefeitura Municipal de Santa Maria no caso do incêndio da boate Kiss 11 3.2 CORPO DE BOMBEIROS 11 3.3 ENGENHEIROS 12 3.4 DONOS 14 3.5 FUNCIONÁRIOS 14 3.6 BANDA 14 3.7 PÚBLICO 15 4 MEDIDAS CORRETIVAS QUE EVITARIAM O ACIDENTE 16 4.1 SINALIZAÇÃO E ILUMINAÇÃO DE EMERGÊNCIA 16 4.2 CORREDORES DE ESCAPE 17 4.3 SISTEMA DE ALARMES 17 4.4 REVESTIMENTO ACÚSTICO 17 4.5 PORTAS DE SAÍDA 17 4.6 MEDIDAS DE PREVENÇÃO 18 INTRODUÇÃO O incêndio na boate Kiss foi uma tragédia que matou 242 pessoas e feriu outras 680 em uma boate na cidade de Santa Maria/ RS. O incêndio ocorreu na madrugada do dia 27 de janeiro de 2013 e tem como causa o disparo de um sinalizador no palco em direção ao teto por um integrante da banda que se apresentava no local. A imprudência e as más condições de segurança contribuíram para a morte de mais de duzentas pessoas. O sinistro foi considerado a segunda maior tragédia no Brasil em número de vítimas em um incêndio, sendo superado apenas pela tragédia do Gran Circus Norte-Americano, ocorrida em 1961 e teve características semelhantes às do incêndio ocorrido na Argentina, em 2004, na discoteca República Cromañón. Classificou-se também como a quinta maior tragédia da história do Brasil, a maior do Rio Grande do Sul, a de maior número de mortos nos últimos cinquenta anos no Brasil e o terceiro maior desastre em casas noturnas no mundo. Decorreu-se uma investigação para a apuração das responsabilidades dos envolvidos, dentre eles os integrantes da banda, os donos da casa noturna e o poder público. O incêndio iniciou um debate no Brasil sobre a segurança e o uso de efeitos pirotécnicos em ambientes fechados com grande quantidade de pessoas. A responsabilidade da fiscalização dos locais também foi debatida na mídia. Houve manifestações nas imprensas nacional e mundial, que variaram de mensagens de solidariedade a críticas sobre as condições das boates no país e a omissão das autoridades. O inquérito policial apontou muitos responsáveis pelo acidente, mas poucos foram denunciados pelo Ministério Público à Justiça. A qual instaurou um processo e começou a ouvir depoimentos como preparação para o julgamento. A revisão documental proposta pelo trabalho de pesquisa, bem como a análise e síntese desse caso, sob a perspectiva dos estudos proporcionados pela disciplina “Tecnologia e prevenção no combate a sinistros” do Curso Técnico em Segurança do Trabalho, serão apresentados conforme segue. No primeiro capítulo, será abordada a ambientação do sinistro, detalhando-se características do local, bem como das normativas que regem estabelecimentos como os da empresa em questão. No segundo capítulo, será apresentada, de forma sucinta, a repercussão desse acidente nos diferentes níveis, a fim de verificar a proporção e a comoção causadas pelo mesmo. No terceiro capítulo, as responsabilidades serão analisadas em diferentes níveis, de acordo com o entendimento do grupo, uma vez que o processo ainda está em andamento e a complexidade das relações de culpa ainda hoje geram dúvidas. Finalmente, no capítulo quatro, a partir dos levantamentos anteriores, será feita a apresentação das medidas que novamente, de acordo com o grupo, poderiam ter evitado o acidente. 5 1 AMBIENTAÇÃO 1.1 O LOCAL A boate Kiss foi inaugurada no dia 31 de julho de 2009 e era um grande sucesso. Há relatos de que os proprietários precisavam restringir a entrada devido ao excesso de clientes, que chegavam a 1.400 pagantes por noite; embora a capacidade do local não passasse de 691 pessoas. O estabelecimento tinha o controle das vendas por meio do sistema de comandas, no qual cada pessoa carregava consigo a comanda, onde eram anotadas as bebidas ou outros produtos consumidos durante a noite. Para sair do local, era preciso efetuar o pagamento da mesma, para só assim ter acesso à porta de saída. A casa noturna já havia sofrido uma ação judicial em 2012 por tentar impedir a saída de uma pessoa que ainda não havia pagado a conta. Na ocasião, um funcionário afirmou que a orientação da empresa era não liberar clientes antes de encontrarem a comanda. A festa da noite era "Agromerados" e tinha sido organizada pelos estudantes de seis cursos universitários e técnicos da Universidade Federal de Santa Maria. Algo corriqueiro entre os estudantes, que promoviam estas festas para angariar fundos, especialmente para a formatura. A festa iniciou-se às 23 horas do dia 26 de janeiro de 2013, sábado. Duas bandas estavam programadas para se apresentar à noite. Estima-se, de maneira extraoficial, que entre quinhentas a mil pessoas estavam na boate. Por volta das 2h30 min de 27 de janeiro, durante a apresentação da banda Gurizada Fandangueira, a segunda banda a se apresentar na noite, um sinalizador de uso externo foi utilizado pelo vocalista da banda. O sinalizador soltou faíscas que atingiram o teto da boate, incendiando a espuma de isolamento acústico, que não tinha proteção contra fogo. Os integrantes da banda e um segurança tentaram apagar as chamas com água e extintores, mas não obtiveram sucesso. Pois, de acordo com o relato de um segurança, o extintor encontrava-se sem o lacre e não expelia o líquido. Em cerca de três minutos, uma fumaça espessa se espalhou por toda a boate. No início do incêndio, não houve comunicação entre os seguranças que estavam no palco e os seguranças que estavam na saída da boate. Estes, então, não permitiram inicialmente que as pessoas saíssem pela única porta do local, por acreditarem tratar-se de uma briga. Como já citado, casa funcionava através do pagamento das comandas de consumo na saída, o que levou os seguranças a também pensarem que as pessoas estavam tentando sair sem pagar. Muitas vítimas forçaram a saída pelas portas dos banheiros, confundindo-as com portas de emergência que dessem para a rua, que de fato não existiam na boate. Em consequência disso, noventa por cento dos corpos foram encontrados nos banheiros. 6 1.2 AS NORMAS A proteção contra incêndios é uma das Normas Regulamentadoras que disciplina sobre as regras complementares de segurança e saúde no trabalho previstas no art. 200 da CLT. O referido artigo, especificamente no inciso IV, dispõe sobre a proteção contra incêndio em geral e as medidas preventivas adequadas, com exigências ao especial revestimento de portas e paredes, construção de paredes contra fogo, diques e outros anteparos, assim como garantia geral de fácil circulação, corredores de acesso e saídas amplas e protegidas, com suficiente sinalização. 7 2 REPERCUSSÃO O caso ganhou repercussão mundial. Diversos veículos internacionais destacaram notas em suas manchetes principais. A rede de televisão CNN relatou o incidente tanto na televisão como na Internet e afirmou que o mundo não aprendeu com os erros do passado. O jornal argentino Clarín comparou o incidente à tragédia, com características semelhantes, ocorrida em Buenos Aires, em 2004, quando uma discoteca pegou fogo, matando 194 pessoas e deixando centenas de feridos. O espanhol El País identificou a tragédia como uma das piores do país. Gerou também grande comoção pública não só no Rio Grande do Sul, mas também nos outros estados brasileiros. Diversos países, bem como celebridades e autoridades religiosas do Brasil e do mundo, enviaram mensagens de solidariedade. O município e estado declararam luto oficial. A então presidente, que se encontrava em viagem, cancelou sua agenda internacional e se deslocou para Santa Maria, a fim de acompanhar o resgate das vítimas do incêndio. Decretando luto oficial de três dias no país. A cobertura da tragédia alterou a programação das principais emissoras de televisão do Brasil.A Universidade Federal de Santa Maria, onde estudavam muitas das vítimas, suspendeu todas as suas atividades acadêmicas até o dia 1º de fevereiro. Até 31 de janeiro, havia 143 pessoas internadas por pneumonite química – patologia decorrente à inalação de vapores tóxicos e produz falta de ar, podendo levar à morte – em Santa Maria das quais 75 estavam em condição crítica. O número de internados aumentou progressivamente porque os sintomas levam várias horas para se manifestar. Outra consequência tardia do incêndio foi o estresse pós-traumático dos sobreviventes. Um dos sócios da boate tentou cometer suicídio por enforcamento em um hospital na cidade de Cruz Alta, onde estava preso e vigiado por policiais. Os parentes das vítimas fundaram uma associação em 9 de fevereiro, com o auxílio da Defensoria Pública, para garantir apoio psicológico e jurídico às famílias. Os parentes estavam em processo de cadastramento e se pretendia aproveitar a experiência com tragédias aéreas, como a do Voo TAM 3054, para exigir direitos e apontar responsabilidades. 8 O carnaval foi cancelado em Santa Maria e em 32 municípios próximos. Todas as atividades de rua e de clubes foram canceladas, apesar de resistências empresariais, porque o luto oficial estava em vigor por todo o mês. Em 14 de fevereiro, a Associação Nacional para Exigência do Cumprimento das Obrigações Legais (Anecol), que não representava as vítimas, pediu uma indenização de três milhões de reais por vítima fatal e de trezentos mil reais por vítima internada. Esses valores foram escolhidos em função da juventude das vítimas e da quantidade de anos de vida perdidos. A ação judicial seria movida contra os sócios da boate e contra a banda. O Ministério Público foi requisitado pelo advogado que representava a associação para acompanhar o processo judicial. Os familiares das vítimas ficaram revoltados com esse pedido de indenização porque a Anecol não era a associação criada em Santa Maria para a defesa dos seus direitos, não tendo, portanto, legitimidade para representá-los, e por causa dos valores altíssimos que foram arbitrados. O porta-voz da verdadeira associação de defesa, Leo Becker, disse: "Não sabemos quem são essas pessoas e por que estão pedindo essa indenização. A única coisa que podemos dizer é que não há parentes de vítimas por trás dessa ação". Enfatizou também que as indenizações poderiam demorar vinte anos e que a preocupação das famílias não era monetária. Em 24 de fevereiro, a verdadeira associação foi oficializada com a aprovação de seu estatuto e o encaminhamento de uma ação coletiva de reparação de danos e indenização à Defensoria Pública. Esta deveria ingressar em juízo dentro de duas semanas, após a conclusão do inquérito policial. O pedido de indenização seria dirigido a entidades públicas como o estado e a prefeitura, além dos proprietários da casa noturna e talvez de fabricantes de espuma. Os familiares que dependiam financeiramente das vítimas poderiam obter uma ação de antecipação de tutela em caráter de urgência, paralela à ação coletiva. Em junho, um bombeiro de Erechim divulgou uma carta no Facebook, em protesto público contra o governador do estado, Tarso Genro. Marcos Fernando Pádua demonstrou grande indignação contra as insinuações de corrupção e negligência dos bombeiros no caso da boate Kiss, argumentando que a corporação sofria de um excesso de demandas e de falta de recursos. Em resposta, foi submetido à prisão militar e a um inquérito administrativo. A Associação dos Bombeiros do Rio Grande do Sul divulgou uma nota de solidariedade ao soldado, enfatizando também as dificuldades do Corpo de Bombeiros e defendendo a liberdade de expressão dos servidores militares. 9 Em 20 de julho, os pais e sobreviventes fizeram uma caminhada de protesto contra o cenário de impunidade que aparentemente começava a se configurar com os atos do Ministério Público e o inquérito policial-militar, que inocentaram servidores civis e bombeiros, assim como o prefeito Cezar Schirmer. Eles, pela primeira vez em seis meses, reuniram-se em caminhada até a frente da boate e criaram tumulto no local, enquanto gritavam por justiça e chamavam as autoridades de hipócritas. A Brigada Militar controlou a situação com esforços de diálogo. 10 3 RESPONSABILIDADES Tendo em vista a intensidade do ocorrido, bem como a sua repercussão, há a necessidade de apontar as responsabilidades das diversas instituições e pessoas diretamente relacionadas ao sinistro. Nesse capítulo, elas estão organizadas hierarquicamente e suas responsabilidades discutidas de forma isolada, mas, inter-relacionada. 3.1 PREFEITURA MUNICIPAL Compete à Administração Municipal fiscalizar as atividades autorizadas, com o intuito de verificar o cumprimento das condições estabelecidas no momento da concessão da licença. Se o alvará autorizou o funcionamento de um bar, este bar não pode transformar-se em casa de show. Loja de material de construção não pode depositar areia e pedra na calçada, se o alvará não consentia tal uso. Escritório de Advocacia não pode ser usado como local permanente de contração de trabalhadores rurais. Se a atividade muda, sem consentimento da Administração, inviabiliza-se a licença concedida. Sendo assim, entra em cena a fiscalização de posturas, a quem compete fiscalizar o cumprimento das leis pertinentes. Importante deixar claro que este serviço nada tem a ver com fiscalização de tributos. Um grave erro delegar aos fiscais tributários atuações em áreas não tributárias. Municípios organizados têm equipes distintas de fiscais, cada qual fazendo o seu trabalho. Em Municípios menores é até possível encontrarmos os chamados Fiscais Municipais, ou Agentes Fiscais, com atribuições mistas, tributárias e de posturas, exercendo ambas as funções. O primeiro passo é buscar informações por meio da consulta prévia na internet para verificar se a empresa pode ser instalada no ponto desejado de acordo com o Plano Diretor. Feito o cadastro, o interessado deve informar o endereço, a atividade, a área e o horário de funcionamento e enviar a consulta. Os técnicos do setor farão a análise dos dados e enviarão a resposta em até quatro dias, indicando os documentos necessários para a solicitação do Alvará. Dependendo da atividade ou do imóvel, será necessária alguma licença específica, que será informada na resposta. O empreendedor deve providenciar os documentos necessários e agendar o atendimento presencial pela internet. Se a documentação estiver completa, o Alvará sai a partir do pagamento da taxa, podendo ser, inclusive, ser enviado por e-mail ou impresso pela internet. 11 3.1.1 Responsabilidades da Prefeitura Municipal de Santa Maria no caso do incêndio da boate Kiss O Ministério Público Estadual do Rio Grande do Sul opinou pelo arquivamento do inquérito civil que apurava a responsabilidade administrativa do prefeito, secretários municipais e servidores de Santa Maria; todos, de alguma forma, ligados a supostos atos comissivos ou omissivos que teriam contribuído para a ocorrência do incêndio da casa noturna, que funcionava sem cumprir exigências legais, principalmente em relação a licenças de funcionamento (questionáveis) e obras necessárias para garantir a segurança dos clientes. Para o Ministério Público, não foi possível comprovar o nexo causal entre o que originou o dano (fogo) e as “eventuais falhas administrativas ocorridas” – como está expresso na nota divulgada para justificar o arquivamento. A promotoria afirmou que as licenças da prefeitura eram conflitantes, mas não caracterizou improbidade administrativa porque não foram desrespeitadas as legislações municipais em vigor. "Qual foi a falha? Dois setores do mesmo poder não se comunicaram, mas os servidores não cometeram improbidade administrativa porque observaram a lei", disse a promotora Ivanise Jann de Jesus. O relatório, produto de cinco meses de investigação do MP, diz também que é "imperioso reconhecer que práticas administrativas [da prefeitura] precisam ser mudadas". Segundo a promotoria,os procedimentos de prevenção de incêndio para esse tipo de empreendimento deveriam ser acompanhados de projeto técnico com ART (Anotação de Responsabilidade Técnica) e memoriais descritivos detalhados do tipo de proteção que seriam adotados. 3.2 CORPO DE BOMBEIROS Dentre as entidades que podemos classificar como indiretamente envolvidas com o desastre, está o corpo de bombeiros, cuja responsabilidade, nesse caso, era o exame dos planos e as inspeções dos sistemas de prevenção de incêndio no prédio. No caso da boate Kiss, a mesma possuía liberação de alvará mesmo com as inúmeras irregularidades já constatadas pela perícia após o inicio das 12 investigações. Pode-se destacar a existência de apenas uma saída do prédio, sendo que as normas de segurança exigem a existência de mais de uma saída de emergência de acordo com o dimensionamento do estabelecimento. Sendo a instituição responsável pela fiscalização, entende-se que uma inspeção minuciosa poderia ter adequado minimamente as instalações a fim de favorecer tanto a extinção das chamas quanto a rápida evacuação do local. 3.3 ENGENHEIROS Ao assumir um projeto de engenharia, independente do tipo de obra que se trate, o engenheiro deve responder pela obra na parte em que foi incumbido. Isso significa que se ele foi o autor do projeto estrutural deve responder legalmente por falhas, caso elas ocorram. O mesmo vale para todos os outros projetos envolvidos em uma obra, bem como sua execução. Caso seja comprovado que o erro existente esteja na execução da obra, o engenheiro responsável pela execução deve assumir as consequências, que podem consistir desde um prejuízo financeiro até o óbito de pessoas envolvidas, respondendo legalmente por isso. Para garantir que sempre haja um responsável, o CONFEA, no artigo 1º da Resolução nº 141/64, dispõe que “nenhuma obra poderá ser executada sem prévia anotação, no Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura, do nome da pessoa física responsável técnica por sua execução” (CONFEA, 1964). Em outras palavras, toda obra deve ter um responsável técnico (RT) devidamente registrado no CREA. A Resolução nº 1.025/2009, também do CONFEA, dispõe sobre a Anotação de Responsabilidade Técnica (ART), que “é o instrumento que define, para os efeitos legais, os responsáveis técnicos pela execução de obras ou prestação de serviços relativos às profissões abrangidas pelo Sistema Confea/Crea” (art. 2º). Estabelece referida resolução, ainda, que “todo contrato escrito ou verbal para execução de obras ou prestação de serviços relativos às profissões abrangidas pelo Sistema Confea/ CREA fica sujeito ao registro da ART no CREA em cuja circunscrição for exercida a respectiva atividade (CONFEA, 2009). Em síntese, rege que um profissional capacitado e registrado deve assumir as responsabilidades legais para a obra ou serviço prestado. A falta de ética é um problema que está muito presente no mercado de trabalho, em todas as áreas. Na engenharia civil não é diferente. É comum profissional não ter o comprometimento com o Código de Ética de sua classe trabalhadora e, com isso, tomar atitudes antiéticas e negligentes que prejudicam outros profissionais, muitas vezes colocando em risco a vida de outras pessoas. Um exemplo claro e corriqueiro na engenharia é o profissional que assina um projeto que não realizou, apenas cobrando um valor baixo pela inserção de seu 13 nome no documento, não sabendo nem o local em que a obra será realizada. Outro exemplo é o do profissional que não segue à risca o que foi projetado e faz alterações sem nenhum embasamento no projeto quando de sua execução. Há ainda aqueles profissionais que não alertam os clientes sobre os cuidados e medidas necessárias para com a obra realizada, mesmo tendo conhecimento adquirido suficiente para cobrar sobre medidas de segurança, saídas de emergência, extintores, áreas de ventilação, dentre outros. A Resolução nº 205, de 30 de setembro de 1971, do CONFEA, adota o Código de Ética Profissional do Engenheiro, do Arquiteto e do Engenheiro Agrônomo, acompanhado de um guia para sua aplicação. O Código de Ética apresenta um rol de nove deveres dos profissionais da engenharia, da arquitetura e da agronomia, destacando-se, em razão do caso que será analisado a seguir, o dever de “considerar a profissão como alto título de honra e não praticar nem permitir a prática de atos que comprometam a sua dignidade” (2º) (CONFEA, 1971), isto é, deve considerar a profissão uma honra e fazer de tudo para não manchá-la. Ao longo desse artigo serão citadas atitudes esperadas dos profissionais do Confea/CREA, tais como cooperar para o progresso da profissão, possibilitando troca de informações e conhecimentos, prestigiar as entidades de classe, nomear somente quem for devidamente registrado e não se associar a qualquer empreendimento de caráter duvidoso. Ao contrário do que se imagina, desde agosto de 1997, a Lei Estadual nº 10.987, do Rio Grande do Sul, institui as normas técnicas de prevenção e proteção contra incêndio, constantes também no Decreto nº 37.380, de abril de 1997, alterado pelo Decreto nº 38.273, de março de 1998. Todas essas regras regem as normas técnicas de prevenção contra incêndio e pânico. A lei é falha, pois abrange problemas de uniformidade nas exigências, dando margem à possibilidade de que PPCIs (Projeto de Proteção Contra Incêndio e Pânico) sejam elaborados por leigos, sem exigência de projetos e responsável técnico, com a devida ART, e sem ser discutido com quem tem o conhecimento técnico-científico, que seriam profissionais responsáveis, bem como engenheiros civis devidamente registrados no CREA (CREA-RS, 2013). Constata-se nesse processo uma deficiência importante que deve ser explicitada e sanada. Normalmente, para edificações com área inferior a 750 m², a legislação estadual vigente dispensa a apresentação de PPCI completo, com ART emitida por profissional habilitado, para subsidiar a emissão do alvará. Pode nesses casos ser usado o chamado “Processo Simplificado de Prevenção e Proteção contra Incêndio”. Porém, no caso de boate ou clube noturno, a edificação é automaticamente enquadrada na classe F-6 da norma NBR 9.077 (cujo atendimento é explicitamente demandado nas legislações estaduais e municipais do RS). Nesses casos, conforme regulamentação do corpo de bombeiros, é obrigatória a apresentação de PPCI completo, 14 independentemente da área (CREA-RS, 2013). Esse projeto engloba cálculo para determinação de quantidade/dimensão de saídas de emergência, iluminação e sinalização para tal, aberturas como janelas, correta utilização de materiais de revestimento e extintores de incêndio funcionando e dentro do prazo de validade. Portanto, não se pode apontar. Portanto, não se pode apontar um responsável técnico culpado pela não existência do Projeto de Proteção contra Incêndio e Pânico. 3.4 DONOS Apesar de, como já vimos, as instituições supracitadas terem a responsabilidade no que tange a fiscalização, em primeira instância, cabe aos proprietários, obrigatoriamente adequar o estabelecimento as normativas, procurando auxílio especializado. No caso específico da boate Kiss, havia irregularidades quanto aos documentos, instalações, treinamento de funcionários e inobservância do limite de público. Pois, de acordo com a Norma regulamentadora 23 – Proteção contra Incêndios – aprovada pela portaria n° 3.214 de 6-5-2011 em seu artigo 23.1.1 o empregador torna se obrigado a providenciar para os trabalhadores informações sobre combate a incêndios e evacuação de locais. 3.5 FUNCIONÁRIOS Atribuir culpa aos funcionários não seria viável, pois os mesmos não tinham recebido instruções de como agir em caso de incêndio. 3.6 BANDA O vocalista da banda Marcelo de Jesus dos Santos, juntamente com Luciano Augusto Bonilha Leão, acionou o fogo de artifício, destinado ao uso em ambientes externos, no palco da boate, onde havia cortinas e madeira, direcionando-o para a espuma que era utilizada como barreira acústica. Porém não era apropriada para esse fim e, ao entrar emcontato com as fagulhas do sinalizador, entrou em combustão. Cabe salientar que o sinalizador utilizado era para uso em ambientes externos, pois, como já citado, emitia fagulhas incandescentes. Existem 15 sinalizadores próprios para uso interno, os quais tem um valor elevado em comparação com os externos. Como grupo musical, os integrantes deveriam atentar quanto à pirotecnia, pois a mesma, para ocorrem em ambientes fechados, precisa ser controlada e adequada. 3.7 PÚBLICO Obviamente, os frequentadores não são citados como detentores de responsabilidade em casos como esse, uma vez que, como já descrito nos itens anteriores, as instituições devem proporcionar um ambiente seguro. No entanto, o público presente e, em grande parte vítima, poderia ter observado as condições da boate e ter relatado ou até denunciado ás autoridades competentes. Apesar de não ser uma obrigação legal conhecer as normativas de segurança, as pessoas devem estar atentas se os ambientes que frequentam dispõem das mínimas condições de segurança, estar cientes da localização das saídas de emergência e saber utilizar os equipamentos de proteção mais comuns. 16 4 MEDIDAS CORRETIVAS QUE EVITARIAM O ACIDENTE Não dispor de uma saída de emergência adicional era o primeiro item de várias normas básicas de segurança contra incêndios desrespeitadas pela Boate Kiss. Possuía apenas uma porta que funcionava como entrada e saída, pois o corpo de bombeiros considerava desnecessária a existência de uma segunda saída, mas a porta de emergência é considerada obrigatória pela norma 9.077 da Associação Brasileiras de Normas Técnicas (ABNT), que baliza as legislações contra o incêndio de Santa Maria e do estado. Foram elaboradas 64 normas de prevenção e combate a incêndios vigentes no país. A norma em questão não prevê nenhuma possibilidade daquela casa noturna estar funcionando com apenas uma saída, não importa o tamanho da mesma. É necessário também, que a saída adicional fique do lado posto ao principal. A casa falhava em itens básicos de segurança, como iluminação de emergência. A legislação exige no mínimo duas saídas. A ausência de saídas de emergência para uma evacuação rápida e a falta de comunicação entre os funcionários da casa foram erros fatais. Qualquer plano de emergência prevê a evacuação de um local em menos de cinco minutos. A configuração da boate é inadmissível em qualquer lugar do mundo. Não possuía janelas. Qualquer inspeção básica de bombeiros não daria autorização para funcionar. 4.1 SINALIZAÇÃO E ILUMINAÇÃO DE EMERGÊNCIA A casa noturna deveria contar com iluminação de emergência com alimentação independente à rede elétrica, para permitir que as pessoas conseguissem se dirigir a saídas. Informações de sobreviventes indicam que, se existia o sistema, não funcionou. Os textos e símbolos de sinalização são obrigatórios e devem ter de preferência cor branca sobre fundo verde amarelado para melhor visualização através da fumaça, admitindo-se o uso da cor vermelha. Vítimas relatam que tiveram dificuldades de se orientar, o que pode indicar a ausência ou deficiência no sistema de sinalização. 17 4.2 CORREDORES DE ESCAPE Nenhum corredor de acesso a saídas pode ter largura inferior a um metro e dez centímetros. A largura é calculada para permitir que em cada corredor seja possível à passagem de duas filas de pessoas, cada uma ocupando cinquenta e cinco centímetros de espaço. Nessas condições, conforme a norma, 60 a 100 pessoas poderiam sair do local a cada minuto. Se a boate tivesse 6 metros de porta, seria possível a saída de até 600 pessoas por minuto. A evacuação do local poderia ser feita em menos de 3 minutos. 4.3 SISTEMA DE ALARMES Em qualquer emergência em local público deve ser acionado um sistema de alarme. O aviso deve ser coordenado, com comunicação, de rádio entre os seguranças. Na Boate Kiss, enquanto um segurança combatia o foco do fogo com um extintor de incêndio, o outro funcionário da mesma equipe barrava as pessoas na saída. A comunicação entre a equipe de segurança é fundamental em casos de emergência. 4.4 REVESTIMENTO ACÚSTICO O artigo 17 da lei municipal de Santa Maria veda o uso de material de fácil combustão, ou que desprenda gases tóxicos em caso de incêndio em revestimento de casas noturnas. Autoridades que estiveram no interior da Boate Kiss afirmam que o revestimento acústico não era adequado que foi todo consumido pelo fogo. 4.5 PORTAS DE SAÍDA A Boate Kiss deveria ter pelo menos duas saídas distintas. Considerando a área do estabelecimento, 615m², a soma da largura das portas não poderia ser menor do que 6m, ou seja, duas portas de 6m. A boate, no entanto, tinha apenas uma porta para entrada e saída, que, totalmente aberta, chegava a apenas 3 metros. A Boate Kiss operava com licença fornecida pelo corpo de bombeiros vencido desde agosto, além das falhas graves listadas por especialistas. 18 Deveriam ter sido instalados sistemas automáticos de sprinklers, na parte onde estava o baterista e outros nas portas. A boate passou a ser letal em 90 segundos, com o sistema a boate nunca seria letal e essas mortes não teriam acontecido. Esse sistema contém água pressurizada, geralmente contida em ampolas de vidro cheias de líquido em cada sprinklers. O calor só aciona os sprinklers mais próximos ao fogo, extinguindo o incêndio ou controlando-o. 4.6 MEDIDAS DE PREVENÇÃO Um dos proprietários da boate Kiss confirmou, em depoimento à Polícia Civil, que o alvará de funcionamento da casa noturna estava vencido desde dezembro. Além disso, o local funcionava também sem o Plano de Prevenção e Proteção contra Incêndio (PPCI), que havia expirado em agosto de 2012. Entretanto, o estabelecimento estava liberado para operar até nova perícia. Todos os locais devem possuir: a) proteção contra incêndio; b) saídas suficientes para a rápida retirada do pessoal em serviço, em caso de incêndio; c) equipamento suficiente para combater o fogo em seu início; d) pessoas treinadas no uso correto desses equipamentos. Outras medidas de proteção - existência de um extintor de incêndio para cada duzentos metros quadrados ou menos, disponibilizados em locais facilmente acessíveis; – instalação de equipamentos de proteção contra incêndios, como chuveiros automáticos e de exaustão de fumaça. – sistema de iluminação de emergência; – utilização de produto que não produza fumaça tóxica na construção, revestimento ou isolamento acústico dos estabelecimentos; – saídas de emergência devidamente sinalizadas e iluminadas, com portas corta-fogo. – facilidade de acesso de viatura do corpo de bombeiros CONSIDERAÇÕES FINAIS Como pudemos constatar, a associação entre um fato e seus responsáveis é complexa e delicada de se analisar, principalmente em situações da proporção do caso apresentado no trabalho. Todos os envolvidos, desde os frequentadores até as autoridades municipais apresentaram algum tipo de responsabilidade, seja por negligência, imprudência ou imperícia. No entanto a proporção da responsabilidade ainda hoje é motivo de debate, uma vez que, apesar de alguns encaminhamentos já terem sido feitos, não há um veredito final sobre o caso. Diante do exposto, podemos concluir que todo o desenvolvimento dessa pesquisa foi de grande importância para, através de um estudo de caso, verificar as consequências da não observância dos aspectos de segurança com relação à prevenção e combate a sinistros. Em última análise, utilizando o conhecimento adquirido, juntamente com as normas respectivas para a construção de práticas prevencionistas, podemos, enquanto Técnicos em Segurança do Trabalho, criar um panorama em que casos como o relatado não voltem a ocorrer; preservando assim a integridade física de frequentadores de casas noturnas.
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