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RENATO BRASILEIRO DE LIMA Código de PROCESSO Comentado Mais de 200 Súmulas Criminais do STF e do STJ Comentadas CONFORME - Lei 13.105/2015 - Novo Código de Processo Civil Lei 13.245/2016 - Assistência de advogado na investigação preliminar - Lei 13.254/2016 - Repatriação de valores licitos não declarados remetidos ao exterior - Lei 13.257/2016 - Novas hipóteses de prisão domiciliar - Lei 13.260/2016 - Terrorismo - Lei 13.285/2016 - Art. 394-A do CPP - Tramitação de processos de crimes hediondos - Lei 13.344/2016 - Arts. 13-A e 13-B do CPP - Dados cadastrais e estações rádio-base - HC 126.292 - Nova orientação do STF acerca da execução provisória da pena 1*1 www.editorajuspodivm.com.br 2.- edição Revista e atualizada EDITORA m po d iv m http://www.editorajuspodivm.com.br RENATO BRASILEIRO DE LIMA Ex-Defensor Público da União. Ex-Professor da Universidade Federal de Ju iz de Fora. Ex-Professor de Processo Penal da Rede LFG e do CERS. P rom otor da J u s tiç a M ilita r da União em São Paulo. P rofessor de Processo Penal e Legislação Crim inal Especial do G7 Juríd ico. Código de PROCESSO PENAL Comentado e Respeite o direito autora! RENATO BRASILEIRO DE LIMA Código de PROCESSO PENAL Comentado Sufi'!- 2 \i o.; ‘Vtcv,ule;i v rr.Mi. c ... c /; CON FORME CPC 2a edição Revista e atualizada 2017 EDITORA ^PODIVM www.editorajuspodivm.com.br http://www.editorajuspodivm.com.br EDITORA >PODIVM www.editorajuspodivm.com.br Rua M ato Grosso, 175 - Pituba, CEP: 41830-151 - Salvador - Bahia Tel: (71) 3363-8617 / Fax: (71) 3363-5050 • E-mail: fale@editorajuspodivm.com.br Copyright: Edições JusPO D IVM Conselho Editorial: Dirley da Cunha Jr„ Leonardo de M edeiros Garcia, Fredie Didier Jr„ José Flenrique Mouta, José Marcelo Vigliar, Marcos Ehrhardt Júnior, NestorTávora, Robério N unes Filho, Roberval Rocha Ferreira Filho, Rodolfo Pam plona Filho, Rodrigo Reis Mazzei e Rogério Sanches Cunha. Capa: Marcelo S. Brandão (santibrando@gmail.com) Diagramação: Linotec Fotocom posição e Fotolito Ltda. (www.linotec.com.br) L732c Lima, Renato Brasileiro de Código de Processo Penal comentado / Renato Brasileiro de Lima - 2. ed. rev. e atual. - Salvador: Juspodivm, 2017. 1.936 p. Bibliografia. ISBN 978-85-442-1211-0. 1. Direito processual. 2. Direito processual penal. I. Título. CDD341.43 Todos os direitos desta edição reservados à Edições JusPODIVM. É terminantemente proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer meio ou processo, sem a expressa autorização do autor e da Edições JusPODIVM. A violação dos direitos autorais caracteriza crime descrito na legislação em vigor, sem prejuízo das sanções civis cabíveis. http://www.editorajuspodivm.com.br mailto:fale@editorajuspodivm.com.br mailto:santibrando@gmail.com http://www.linotec.com.br Dedico este trabalho ao meu querido filho João Pedro. “JP", não há, nesta vida, alegria maior que compartilhar seus primeiros olhares, suas primeiras gargalhadas, seus primeiros passos. Só posso agradecer a Deus por ter me dado a oportunidade de ter você em minha vida. Código de Processo Penal - Decreto-lei 3.689, de 3 de outubro de 1941................ 13 Súmulas Criminais do STF e do STJ Comentadas.............................................. 1645 índice Alfabético-Remissivo.......................................................................... 1905 Bibliografia............................................................................................... 1923 DECRETO-LEI 3.689, DE 3 DE OUTUBRO DE 1941 Livro I Do Processo em Geral TÍTULO I - D ISPOSIÇÕES PRELIM INARES...................................................... 15 Arts. 1o a 3o.............................................................................................. 15 TÍTULO II - DO INQUÉRITO POLICIAL........................................................... 39 Arts. 4o a 23............................................................................................. 39 TÍTULO III - DA AÇÃO PENAL..................................................................... 115 Arts. 24 a 62 ............................................................................................. 115 TÍTULO I V - D A AÇÃO C IVIL........................................................................ 225 Arts. 63 a 68 ............................................................................................. 225 TÍTULO V - D A COMPETÊNCIA.................................................................... 243 Art. 69.................................................................................................... 243 O CPP COMENTADO • Renato Brasileiro de Lima Capítulo I - Da competência pelo lugar da infração (arts. 70 e 71).... 265 Capítulo II - Da competência pelo domicílio ou residência do réu (arts. 72 e 73)..... 277 Capítulo III - Da competência pela natureza da infração (art. 74)........ 279 Capítulo IV - Da competência por distribuição (art. 75).................... 286 Capítulo V - Da competência por conexão ou continência (arts. 76 a 82). 288 Capítulo VI - Da competência por prevenção (art. 83)..................... 310 Capítulo VII - Da competência pela prerrogativa de função (arts. 84 a 87). 315 Capítulo VIII - Disposições especiais (arts. 88 a 91)........................................... 340 TÍTULO VI - DAS QUESTÕES E PROCESSOS INCIDENTES.................................. 347 Capítulo I - Das questões prejudiciais (arts. 92 a 94)....................................... 347 Capítulo II - Das exceções (arts. 95 a 111)..................................................... 360 Capítulo III - Das incompatibilidades e impedimentos (art. 112)....................... 381 Capítulo IV - Do conflito de jurisdição (arts. 113a 117).................................. 382 Capítulo V - Da restituição das coisas apreendidas (arts. 118 a 124).................. 394 Capítulo VI - Das medidas assecuratórias (arts. 125 a 144-A).............................. 405 Capítulo VII - Do incidente de falsidade (arts. 145 a 148).................................. 443 Capítulo VIII - Da insanidade mental do acusado (arts. 149 a 154)....................... 449 TÍTULO VII - DA PROVA............................................................................. 463 Capítulo I - Disposições gerais (arts. 155 a 157)............................................ 463 Capítulo II - Do exame do corpo de delito, e das perícias em geral (arts. 158 a 184)................................................................................... 552 Capítulo III - Do interrogatório do acusado (arts. 185 a 196).............................. 588 Capítulo IV - Da confissão (arts. 197 a 200)................................................... 612 Capítulo V - Do ofendido (art. 201)............................................................ 641 Capítulo VI - Das testemunhas (arts. 202 a 225)............................................ 644 Capítulo VII - Do reconhecimento de pessoas e coisas (arts. 226 a 228)................ 668 Capítulo VIII - Da acareação (arts. 229 e 230)................................................. 671 Capítulo IX - Dos documentos (arts. 231 a 238).............................................. 673 Capítulo X - Dos indícios (art. 239).............................................................. 678 Capítulo XI - Da busca e da apreensão (arts. 240 a 250)................................. 680 TÍTULO VIII - DO JUIZ, DO MINISTÉRIO PÚBLICO, DO ACUSADO E DEFENSOR, DOS ASSISTENTES E AUXILIARES DA JUST IÇA...................................................... 699 Capítulo I - Do juiz (arts. 251 a 256).......................................................... 699 Capítulo II - Do Ministério Público (arts. 257 e 258)....................................... 714 Capítulo III - Do acusado e seu defensor (arts. 259 a 267)................................. 730Capítulo IV - Dos assistentes (arts. 268 a 273)................................................ 749 Capítulo V - Dos funcionários da justiça (art. 274)........................................... 760 Capítulo VI - Dos peritos e intérpretes (arts. 275 a 281).................................... 760 O ÍNDICE SISTEMÁTICO DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL TÍTULO IX - DA PRISÃO, DAS M ED ID AS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓ R IA ........................................................................................................ 763 Capítulo I - Disposições gerais (arts. 282 a 300)............................................ 763 Capítulo II - Da prisão em flagrante (arts. 301 a 310)...................................... 827 Capítulo III - Da prisão preventiva (arts. 311 a 316)......................................... 871 Capítulo IV - Da prisão domiciliar (arts. 317 e 318)......................................... 915 Capítulo V - Das outras medidas cautelares (arts. 319 e 320)............................ 924 Capítulo VI - Da liberdade provisória, com ou sem fiança (arts. 321 a 350)............ 946 TÍTULO X - DAS CITAÇÕES E INTIMAÇÕES..................................................... 985 Capítulo I - Das citações (arts. 351 a 369).................................................... 985 Capítulo II - Das intimações (arts. 370 a 372)................................................ 1009 TÍTULO XI - DA APLICAÇÃO PROVISÓRIA DE INTERDIÇÕES DE DIREITOS E MEDIDAS DE SEGURANÇA_________________________________________ ______________________ Arts. 373 a 380......................................................................................... 1015 1015 TÍTULO XII - DA SENTENÇA........................................................................ 1017 Arts. 381 a 393......................................................................................... 1017 L ivro II Dos Processos em Espécie TÍTULO I - DO PROCESSO C O M U M .............................................................. 1093 Capítulo I - Da instrução criminal (arts. 394 a 405)........................................ 1093 Capítulo II - Do procedimento relativo aos processos da competência do Tribunal do Júri (arts. 406 a 497)........................................................... 1138 Seção I - Da acusação e da instrução preliminar (arts. 406 a 412).................. 1138 Seção II - Da pronúncia, da impronúncia e da absolvição sumária (arts. 413 a 421)................................................................................... 1151 Seção III - Da preparação do processo para julgamento em plenário (arts. 422 a 424)........................................... 1180 Seção IV - Do alistamento dos jurados (arts. 425 e 426)................................ 1183 Seção V - Do desaforamento (arts. 427 e 428)............................................ 1185 Seção VI - Da organização da pauta (arts. 429 a 431)................................... 1191 Seção VII - Do sorteio e da convocação dos jurados (arts. 432 a 435)............... 1192 Seção VIII - Da função do jurado (arts. 436 a 446)......................................... 1194 Seção IX - Da composição do Tribunal do Júri e da formação do Conselho de Sentença (arts. 447 a 452)........................................................ 1200 Seção X - Da reunião e das sessões do Tribunal do Júri (arts. 453 a 472)........... 1204 Seção XI - Da instrução em Plenário (arts. 473 a 475).................................... 1219 c* GUTO&DINHA Destacar CPP COMENTADO • Renato Brasileiro oe L ima Seção XII - Dos debates (arts. 476 a 481).................................................... 1224 Seção XIII - Do questionário e sua votação (arts. 482 a 491)............................ 1234 Seção XIV - Da sentença (arts. 492 e 493).................................................... 1251 Seção XV - Da ata dos trabalhos (arts. 494 a 496)......................................... 1257 Seção XVI - Das atribuições do presidente do Tribunal do Júri (art. 497)............. 1259 Capítulo III - Do processo e do julgamento dos crimes da competência do juiz sin gular (arts. 498 a 502) (Revogados pela Lei 11.719/2008) 1264 TÍTULO II - DOS PROCESSOS ESPECIA IS....................................................... 1265 Capítulo I - Do processo e do julgamento dos crimes de falência (arts. 503 a 512) (Revogados pela Lei 11.101/2005)................................................ 1265 Capítulo II - Do processo e do julgamento dos crimes de responsabilidade dos funcionários públicos (arts. 513 a 518)........................................ 1265 Capítulo III - Do processo e do julgamento dos crimes de calúnia e injúria, de com petência do juiz singular (arts. 519 a 523).................................... 1276 Capítulo IV - Do processo e do julgamento dos crimes contra a propriedade imaterial (arts. 524 a 530-1)................................................................... 1280 Capítulo V - Do processo sumário (arts. 531 a 540)........................................ 1293 Capítulo VI - Do processo de restauração de autos extraviados ou destruídos (arts. 541 a 548)........................................................................... 1296 Capítulo VII - Do processo de aplicação de medida de segurança por fato não crimi noso (arts. 549 a 555)............................................................. 1301 TÍTULO III - DOS PROCESSOS DE COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EDOSTRIBUNAIS DE APELAÇÃO................................................................. 1303 Capítulo I - Da instrução (arts. 556 a 560) (Revogados pela Lei 8.658/1993)........... 1303 Capítulo II - Do julgamento (arts. 561 e 562) (Revogados pela Lei 8.658/1993)........ 1303 Livro III D as N ulidades e dos Recursos em G eral TÍTULO I - DAS N U LIDADES....................................................................... 1305 Arts. 563 a 573......................................................................................... 1305 TÍTULO II - DOS RECURSOS EM GERAL......................................................... 1361 Capítulo I - Disposições gerais (arts. 574 a 580)............................................ 1361 Capítulo II - Do recurso em sentido estrito (arts. 581 a 592).............................. 1413 Capítulo III - Da apelação (arts. 593 a 606).................................................... 1437 Capítulo IV - Do protesto por novo júri (arts. 607 e 608) (Revogados pela Lei 11.689/2008)........................................................................ 1462 Capítulo V - Do processo e do julgamento dos recursos em sentido estrito e das apelações, nos Tribunais de Apelação (arts. 609 a 618)................... 1467 Capítulo VI - Dos embargos (arts. 619 e 620)................................................. 1490 » D ÍNDICE SISTEMÁTICO DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL Capítulo VII - Da revisão (arts. 621 a 631)...................................................... 1491 Capítulo VIII - Do recurso extraordinário (arts. 632 a 638)................................... 1520 Capítulo IX - Da carta testemunhável (arts. 639 a 646)...................... 1522 Capítulo X - Do habeas corpus e seu processo (arts. 647 a 667)............... 1526 Livro IV D a Execução TÍTULO I-D ISPO S IÇ Õ ES G ERA IS................................................................ 1579 Arts. 668 a 673......................................................................................... 1579 TÍTULO II - DA EXECUÇÃO DAS PENAS EM ESPÉCIE......................................... 1581 Capítulo I - Das penas privativas de liberdade (arts. 674 a 685)......................... 1581 Capítulo II - Das penas pecuniárias (arts. 686 a 690)....................................... 1582 Capítulo III - Das penas acessórias (arts. 691 a 695).........................................1584 TÍTULO III - DOS INCIDENTES DA EXECUÇÃO................................................. 1585 Capítulo I - Da suspensão condicional da pena (arts. 696 a 709)....................... 1585 Capítulo II - Do livramento condicional (arts. 710 a 733).................................. 1587 TÍTULO IV - DA GRAÇA, DO INDULTO, DA ANISTIA E DA REABILITAÇÃO.............. 1593 Capítulo I - Da graça, do indulto e da anistia (arts. 734 a 742).......................... 1593 Capítulo II - Da reabilitação (arts. 743 a 750)................................................. 1594 TÍTULO V - DA EXECUÇÃO DAS M ED IDAS DE SEGURANÇA.............................. 1603 Arts. 751a 779......................................................................................... 1603 Livro V D as Relações Jurisdicionais com A utoridade Estrangeira TÍTULO ÚN ICO ........................................................................................ 1607 Capítulo I - Disposições gerais (arts. 780 a 782)............................................ 1607 Capítulo II - Das cartas rogatórias (arts. 783 a 786)......................................... 1611 Capítulo III - Da homologação das sentenças estrangeiras (arts. 787 a 790)........... 1617 L ivro VI D isposições G erais Arts. 791 a 811......................................................................................... 1623 C" Decreto-lei 3.689, de 3 de outubro de 1941 O Presidente da República, usando da atribuição que lhe confere o art. 180 da Constituição, decreta a seguinte Lei: DO PROCESSO EM GERAL 1-2 TÍTULO I DISPOSIÇÕES PRELIMINARES Art. 1 ° O processo penal reger-se-á, em todo o território brasileiro, por este Código,3 ressalvados:4"6 I - os tratados, as convenções e regras de direito internacional;7 II - as prerrogativas constitucionais do Presidente da República, dos mi nistros de Estado, nos crimes conexos com os do Presidente da República, e dos ministros do SupremoTribunal Federal, nos crimes de responsabilidade (Constituição, arts. 86,89, §2°, e 100);8 III - os processos da competência da Justiça Militar;9 IV - os processos da competência do tribunal especial (Constituição, art. 122, n°17);'° V - os processos por crimes de imprensa." (vide ADPF n. 130) Parágrafo único. Aplicar-se-á, entretanto, este Código aos processos referidos nos nos. IV e V, quando as leis especiais que os regulam não dis puserem de modo diverso.12 1. Processo penal e o Estado Democrático de Direito: quando o Estado, por intermédio do Poder Legislativo, elabora as leis penais, cominando sanções àqueles que vierem a praticar a conduta delituosa, surge para ele o direito de punir os infratores num plano abstrato e, para o particular, o dever de se abster de praticar a infração penal. No entanto, a partir do momento em que alguém pratica a conduta delituosa prevista no tipo penal, este direito de punir desce do plano abstrato e se transforma no jus puniendi in concreto. O Estado, que até então tinha um poder abstrato, O genérico e impessoal, passa a ter uma preten são concreta de punir o suposto autor do fato delituoso. Surge, então, a pretensão punitiva, a ser compreendida como o poder do Estado de exigir de quem comete um delito a submissão à sanção penal. Através da pretensão punitiva, o Estado procura tornar efetivo o ius puniendi, exigindo do autor do delito, que está obrigado a sujeitar-se à sanção penal, o cumprimento dessa obrigação, que consiste em sofrer as consequências do crime e se concretiza no dever de abster-se ele de qualquer resistência contra os órgãos estatais a que cumpre executar Art. I o ■x CPP COMENTADO • Renato Brasileiro de Lima a pena. Todavia, esta pretensão punitiva não pode ser voluntariamente resolvida sem um processo, não podendo nem o Estado impor a sanção penal, nem o infrator sujeitar-se à pena. Em outras palavras, essa pretensão já nasce insatisfeita. Afinal, o Direito Penal não é um direito de coação direta. Apesar de o Estado ser o titular do direito de punir, não se admite a imposição imediata da sanção sem que haja um processo regular, assegurando-se, assim, a apli cação da lei penal ao caso concreto, consoante as formalidades prescritas em lei, e sempre por meio dos órgãos jurisdicionais (nulla poena sine judicio). Aliás, até mesmo nas hipóteses de infrações de menor potencial ofensivo, em que se admite a transação penal, com a ime diata aplicação de penas restritivas de direitos ou multas, não se trata de imposição direta de pena. Utiliza-se, na verdade, de forma distinta da tradicional para a resolução da causa, sendo admitida a solução consensual em infrações de menor gravidade, mediante supervisão ju- risdicional, privilegiando-se, assim, a vontade das partes e, principalmente, do autor do fato que pretende evitar os dissabores do processo e o risco da condenação. É daí que sobressai a importância do processo penal, pois funciona como instrumento do qual se vale o Estado para a imposição de sanção penal ao possível autor do fato delituoso. Mas o Estado não pode punir de qualquer maneira. Com efeito, considerando-se que, da aplicação do direito penal pode resultar a privação da liberdade de locomoção do agente, entre outras penas, não se pode descurar do necessário e indispensável respeito a direitos e liberdades individuais que tão caro custaram para serem reconhecidos e que, em verdade, condicionam a legitimidade da atuação do próprio aparato estatal em um Estado Democrático de Direito. Na medida em que a liberdade de locomoção do cidadão funciona como um dos dogmas do Estado de Direito, é intuitivo que a própria Constitui ção Federal estabeleça regras de observância obrigatória em um processo penal. É a boa aplicação (ou não) desses direitos e garantias que permite, assim, avaliar a real observância dos elementos materiais do Estado de Direito e distinguir a civilização da barbárie. De fato, como adverte Norberto Bobbio, a proteção do cidadão no âmbito dos processos estatais é justamente o que diferencia um regime demo crático daquele de índole totalitária. Na dicção do autor ((As ideologias e o poder em crise. Tradução de João Ferreira; revisão técnica Gilson César Cardoso. 4a ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1999, p. 96-97), “a diferença fundamental entre as duas formas antitéticas de regime político, entre a demo cracia e a ditadura, está no fato de que somente num regime democrático as relações de mera força que subsistem, e não podem deixar de subsistir onde não existe Estado ou existe um Estado despótico fundado sobre o direito do mais forte, são transformadas em relações de direito, ou seja, em relações reguladas por nor mas gerais, certas e constantes, e, o que mais conta, preestabelecidas, de tal forma que não podem valer nunca retroativamente. A conse quência principal dessa transformação é que nas relações entre cidadãos e Estado, ou entre cidadãos entre si, o direito de guerra fundado sobre a autotutela e sobre a máxima ‘Tem razão quem vence é substituído pelo direito de paz fundado sobre a heterotutela e sobre a máxima ‘Vence quem tem razão’; e o direito público externo, que se rege pela supremacia da força, é substituído pelo direito público interno, inspirado no princípio da ‘supremacia da lei’ (rule o f law)”. É esse, pois, o grande dilema do processo penal: de um lado, o necessário e indispensável respeito aos direitos fundamen tais; do outro, o atingimento de um sistema criminal mais operante e eficiente. Na linha do ensinamento de Antônio Scarance Fernandes, o vocábulo eficiência aqui empregado “é usado de forma ampla, sendo afastada, contudo, a ideia de eficiência medida pelo número de condenações. Será eficiente o procedimento que, em tempo razoável, permita atingir um resultado justo, seja possibilitando aos órgãos da persecução penal agir para fazer atuar o di reito punitivo, seja assegurando ao acusado as garantias do processolegal”. (Sigilo no processo penal: eficiência e garantismo. Coordenação Antônio Scarance Fernandes, José Raul Gavião de Almeida, Maurício Zanoide de Moraes. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. / TÍTULO I • DISPOSIÇÕES PRELIMINARES , -| o 10). Há de se buscar, portanto, um ponto de equilíbrio entre a exigência de se assegurar ao investigado e ao acusado a aplicação das garan tias fundamentais do devido processo legal e a necessidade de maior efetividade do sistema persecutório para a segurança da coletividade. É dentro desse dilema existencial do processo penal - efetividade da coerção penal versus observância dos direitos fundamentais - que se buscará, ao longo da presente obra, um ponto de equilíbrio no estudo do processo penal, pois somente assim serão evitados os extremos do hipergarantismo e de movimentos como o do Direito Penal do Inimigo ou do Direito Penal da Lei e da Ordem. 2. Sistemas processuais penais: histori camente, sempre existiram dois sistemas ou modelos processuais, quais sejam, o acusatório e o inquisitório. Também houve uma tentativa de fundir os dois sistemas, dando origem ao sistema misto. Nos dias de hoje, não existem sistemas acusatórios ou inquisitórios “puros”. Na verdade, ora o processo penal é predomi nantemente acusatório, ora apresenta caracte rísticas peculiares dos sistemas inquisitoriais. Quando o nosso Código de Processo Penal entrou em vigor no dia I o de janeiro de 1942, prevalecia o entendimento de que o sistema nele previsto era misto. A fase inicial da perse- cução penal, caracterizada pelo inquérito poli cial, era inquisitorial. Porém, uma vez iniciado o processo, tínhamos uma fase acusatória. Porém, com o advento da Constituição Fede ral, que prevê de maneira expressa a separação das funções de acusar, defender e julgar (art. 129,1), estando assegurado o contraditório e a ampla defesa, além do princípio da presunção de não culpabilidade, estamos diante de um sistema acusatório. É bem verdade que não se trata de um sistema acusatório puro. De fato, há de se ter em mente que o Código de Pro cesso Penal tem nítida inspiração no modelo fascista italiano. Torna-se imperioso, portanto, que a legislação infraconstitucional seja relida diante da nova ordem constitucional. Dito de outro modo, não se pode admitir que se pro cure delimitar o sistema brasileiro a partir do Código de Processo Penal. Pelo contrário. São as leis que devem ser interpretadas à luz dos direitos, garantias e princípios introduzidos pela Carta Constitucional de 1988. 2.1. Sistema inquisitorial: adotado pelo Direito canônico a partir do século X III, o sistema inquisitorial posteriormente se pro pagou por toda a Europa, sendo empregado inclusive pelos tribunais civis até o século XVIII. Tem como característica principal o fato de as funções de acusar, defender e julgar encontrarem-se concentradas em uma única pessoa, que assume assim as vestes de um juiz acusador, chamado de juiz inquisidor. Essa concentração de poderes nas mãos do juiz compromete, invariavelmente, sua imparciali dade. De fato, há uma nítida incompatibilidade entre as funções de acusar e julgar. Afinal, o juiz que atua como acusador fica ligado psicologicamente ao resultado da demanda, perdendo a objetividade e a imparcialidade no julgamento. Em virtude dessa concentração de poderes nas mãos do juiz, não há falar em con traditório, o qual nem sequer seria concebível em virtude da falta de contraposição entre acu sação e defesa. Ademais, geralmente o acusado permanecia encarcerado preventivamente, sendo mantido incomunicável. No processo inquisitório, o juiz inquisidor é dotado de ampla iniciativa probatória, tendo liberdade para determinar de ofício a colheita de provas, seja no curso das investigações, seja no curso do processo penal, independentemente de sua proposição pela acusação ou pelo acusado. A gestão das provas estava concentrada, assim, nas mãos do juiz, que, a partir da prova do fato e tomando como parâmetro a lei, podia chegar à conclusão que desejasse. Trabalha o sistema inquisitório, assim, com a premissa de que a atividade probatória tem por objetivo uma completa e ampla reconstrução dos fa tos, com vistas ao descobrimento da verdade. Considera-se possível a descoberta de uma verdade absoluta, por isso admite uma ampla atividade probatória, quer em relação ao ob jeto do processo, quer em relação aos meios e métodos para a descoberta da verdade. Dotado de amplos poderes instrutórios, o magistrado pode proceder a uma completa investigação do fato delituoso. No sistema inquisitorial, o acusado é mero objeto do processo, não sendo Art. I o CPP COMENTADO • Renato Brasileiro de Lima considerado sujeito de direitos. Na busca da verdade material, admitia-se que o acusado fosse torturado para que uma confissão fosse obtida. O processo inquisitivo era, em regra, escrito e sigiloso, mas essas formas não lhe eram essenciais. Pode se conceber o processo inquisitivo com as formas orais e públicas. Como se percebe, há uma nítida conexão entre o processo penal e a natureza do Estado que o institui. A característica fundamental do pro cesso inquisitório é a concentração de poderes nas mãos do juiz, aí chamado de inquisidor, à semelhança da reunião de poderes de adminis trar, legislar e julgar nas mãos de uma única pessoa, de acordo com o regime político do absolutismo. Em síntese, podemos afirmar que o sistema inquisitorial é um sistema rigoroso, secreto, que adota ilimitadamente a tortura como meio de atingir o esclarecimento dos fatos e de concretizar a finalidade do processo penal. Nele, não há falar em contraditório, pois as funções de acusar, defender e julgar estão reunidas nas mãos do juiz inquisidor, sendo o acusado considerado mero objeto do processo, e não sujeito de direitos. O magistrado, cha mado de inquisidor, era a figura do acusador e do juiz ao mesmo tempo, possuindo amplos poderes de investigação e de produção de provas, seja no curso da fase investigatória, seja durante a instrução processual. Por essas características, fica evidente que o processo inquisitório é incompatível com os direitos e garantias individuais, violando os mais ele mentares princípios processuais penais. Sem a presença de um julgador equidistante das partes, não há falar em imparcialidade, do que resulta evidente violação à Constituição Federal e à própria Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH, art. 8o, n. 1). 2.2. Sistema acusatório: de maneira dis tinta, o sistema acusatório caracteriza-se pela presença de partes distintas, contrapondo-se acusação e defesa em igualdade de condições, e a ambas se sobrepondo um juiz, de maneira equidistante e imparcial. Aqui, há uma separa ção das funções de acusar, defender e julgar. O processo caracteriza-se, assim, como legítimo actum trium personarum. Nesse sentido: PRA DO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformi dade constitucional das leis processuais penais. 3a ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2005. p. 114. Historicamente, o processo acusa tório tem como suas características a oralidade e a publicidade, nele se aplicando o princípio da presunção de inocência. Logo, a regra era que o acusado permanecesse solto durante o processo. Não obstante, em várias fases do Di reito Romano, o sistema acusatório foi escrito e sigiloso. Quanto à iniciativa probatória, o juiz não era dotado do poder de determinar de ofício a produção de provas, já que estas deveriam ser fornecidas pelas partes, preva lecendo o exame direto das testemunhas e do acusado. Portanto, sob o ponto de vista pro batório, aspira-se uma posição de passividade do juiz quanto à reconstrução dos fatos. Com o objetivo de preservar sua imparcialidade, o magistrado deve deixar a atividade probatória para as partes. Ainda que se admita que o juiz tenha poderes instrutórios, essa iniciativa deve ser possível apenas no curso do processo,em caráter excepcional, como atividade subsidi ária da atuação das partes. No sistema acusa tório, a gestão das provas é função das partes, cabendo ao juiz um papel de garante das regras do jogo, salvaguardando direitos e liberdades fundamentais. Diversamente do sistema inqui sitorial, o sistema acusatório caracteriza-se por gerar um processo de partes, em que autor e réu constroem através do confronto a solução justa do caso penal. A separação das funções processuais de acusar, defender e julgar entre sujeitos processuais distintos, o reconhecimen to dos direitos fundamentais ao acusado, que passa a ser sujeito de direitos e a construção dialética da solução do caso pelas partes, em igualdade de condições, são, assim, as prin cipais características desse modelo. Segundo Ferrajoli (Direito e razão: teoria dogarantismo penal. 2a ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 518), são características do sistema acusatório a separação rígida entre o juiz e acusação, a paridade entre acusação e defesa, e a publicidade e a oralidade do julga mento. Lado outro, são tipicamente próprios do sistema inquisitório a iniciativa do juiz em campo probatório, a disparidade de poderes entre acusação e defesa e o caráter escrito e TITULO I • DISPOSIÇÕES PRELIMINARES Art. I o secreto da instrução. O sistema acusatório vigorou durante quase toda a Antiguidade grega e romana, bem como na Idade Média, nos domínios do direito germano. A partir do século XIII entra em declínio, passando a ter prevalência o sistema inquisitivo. Atualmente, o processo penal inglês é aquele que mais se aproxima de um sistema acusatório puro. Pelo sistema acusatório, acolhido de forma explícita pela Constituição Federal de 1988 (CF, art. 129, inciso I), que tornou privativa do Ministério Público a propositura da ação penal pública, a relação processual somente tem início me diante a provocação de pessoa encarregada de deduzir a pretensão punitiva (ne procedat judex ex officio), e, conquanto não retire do juiz o poder de gerenciar o processo mediante o exercício do poder de impulso processual, impede que o magistrado tome iniciativas que não se alinham com a equidistância que ele deve tomar quanto ao interesse das partes. Deve o magistrado, portanto, abster-se de promover atos de ofício na fase investigató- ria, atribuição esta que deve ficar a cargo das autoridades policiais e do Ministério Público. Como se percebe, o que efetivamente diferen cia o sistema inquisitorial do acusatório é a posição dos sujeitos processuais e a gestão da prova. O modelo acusatório reflete a posição de igualdade dos sujeitos, cabendo exclusiva mente às partes a produção do material pro batório e sempre observando os princípios do contraditório, da ampla defesa, da publicidade e do dever de motivação das decisões judiciais. Portanto, além da separação das funções de acusar, defender e julgar, o traço peculiar mais importante do sistema acusatório é que o juiz não é, por excelência, o gestor da prova. 2.3. Sistema misto ou francês: após se dis seminar por toda a Europa a partir do século XIII, o sistema inquisitorial passa a sofrer al terações com a modificação napoleônica, que instituiu o denominado sistema misto. Trata-se de um modelo novo, funcionando como uma fusão dos dois modelos anteriores, que surge com o Code d ’Instruction Criminelle francês, de 1808. Por isso, também é denominado de sistema francês. É chamado de sistema misto porquanto o processo se desdobra em duas fases distintas: a primeira fase é tipicamente inquisitorial, com instrução escrita e secreta, sem acusação e, por isso, sem contraditório. Nesta, objetiva-se apurar a materialidade e a autoria do fato delituoso. Na segunda fase, de caráter acusatório, o órgão acusador apresenta a acusação, o réu se defende e o juiz julga, vi gorando, em regra, a publicidade e a oralidade. 3. Lei processual penal no espaço (prin cípio da territorialidade): enquanto à lei penal aplica-se o princípio da territorialida de (CP, art. 5o) e da extraterritorialidade in- condicionada e condicionada (CP, art. 7o), o Código de Processo Penal adota o princípio da territorialidade ou da lexfori. E isso por um motivo óbvio: a atividade jurisdicional é um dos aspectos da soberania nacional, logo, não pode ser exercida além das fronteiras do respectivo Estado. Assim, mesmo que um ato processual tenha que ser praticado no exterior, v.g., citação, intimação, interrogatório, oitiva de testemunha, etc., a lei processual penal a ser aplicada é a do país onde tais atos venham a ser realizados. Na mesma linha, aplica-se a lei processual brasileira aos atos referentes às relações jurisdicionais com autoridades es trangeiras que devam ser praticados em nosso país, tais como os de cumprimento de carta rogatória (CPP, arts. 783 e seguintes), homolo gação de sentença estrangeira (CPP, arts. 787 e seguintes), procedimento de extradição (Lei n. 6.815/80, arts. 76 e seguintes), etc. Todavia, há situações em que a lei processual penal de um Estado pode ser aplicada fora de seus limites territoriais: a) aplicação da lei processual penal de um Estado em território nullius; b) quando houver autorização do Estado onde deva ser praticado o ato processual; c) em caso de guer ra, em território ocupado. Confirmando a ado ção do princípio da territorialidade, o art. Io do CPP dispõe que o processo penal reger-se-á, em todo o território brasileiro, pelo Código de Processo Penal, ressalvados: I - os tratados, as convenções e regras de direito internacional; II - as prerrogativas constitucionais do Presi dente da República, dos ministros de Estado, nos crimes conexos com os do Presidente da República, e dos ministros do Supremo Tribu nal Federal, nos crimes de responsabilidade; \, Aft. 1 ° \ cpp COMENTADO • Renato Brasileiro de L ima III - os processos da competência da Justiça Militar; IV - os processos da competência do tribunal especial; V - os processos por crimes de imprensa. Portanto, como se percebe, a regra é que todo e qualquer processo penal que surgir no território nacional deva ser so lucionado consoante as regras do Código de Processo Penal (locus regitactum). Há, todavia, exceções. 4. Tribunal Penal Internacional: além das ressalvas listadas nos incisos do art. I o do CPP, especial atenção também deve ser dispensada ao art. 5o, §4°, da Constituição Federal, que prevê que “o Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão”. Tem-se aí mais uma hipótese de não aplicação da lei proces sual penal brasileira aos crimes praticados no país, nas restritas situações em que o Estado brasileiro reconhecer a necessidade do exercí cio da jurisdição penal internacional. Com as inúmeras violações de direitos humanos ocor ridas a partir das primeiras décadas do século XX, notadamente com as duas grandes guerras mundiais, surgiu a ideia de um ius puniendi em nível global, buscando a instituição de uma moderna Justiça Penal Internacional. Como anota Mazzuoli (O Tribunal Penal Internacio nal e o direito brasileiro. 2a ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 20-21), essa expressão Justiça Penal Internacional pode ser compreendida como “o aparato jurídico e o conjunto de normas instituídas pelo Direito Internacional, voltados à persecução e à re pressão dos crimes perpetrados contra o pró prio Direito Internacional, cuja ilicitude está prevista nas normas ou princípios do ordena mento jurídico internacional e cuja gravidade é de tal ordem e de tal dimensão, em decor rência do horror e da barbárie que determinam ou pela vastidão do perigo que provocam no mundo, que passam a interessar a toda a so ciedade dos Estados concomitantemente”. Um sensível incremento ao movimento de inter nacionalização e proteção dos direitos huma nos teve início com os Tribunais de Nuremberg e de Tóquio. Por meio do Acordo deLondres, de 8 de agosto de 1945, e em evidente reação às barbáries do Holocausto, foi criado pelas nações vencedoras o Tribunal Militar Interna cional de Nuremberg, com o objetivo de pro cessar e julgar os criminosos de guerra do Eixo europeu, acusados de colaboração direta com o regime nazista. Também foi criado o Tribu nal Militar Internacional de Tóquio, com a finalidade precípua de julgar os crimes de guerra e os crimes contra a humanidade per petrados pelas autoridades políticas e militares do Japão Imperial. Algum tempo depois, em virtude de deliberações do Conselho de Segu rança das Nações Unidas, dois tribunais inter nacionais de caráter não-permanente também foram criados: o primeiro, com sede na Ho landa, para julgar as barbáries cometidos no território da antiga Iugoslávia; o segundo, se diado na Tanzânia, para processar e julgar as violações de direitos humanos perpetradas em Ruanda. Várias críticas recaíram sobre esses tribunais, dentre elas a de que tais tribunais teriam sido criados por resoluções do Conse lho de Segurança da ONU, e não por tratados internacionais multilaterais, como se deu com o Tribunal Penal Internacional. Outra crítica era no sentido de que a criação desses tribunais após a prática dos fatos delituosos (ex post facto), com o objetivo único e exclusivo de julgá-los, configuraria flagrante violação ao princípio do juiz natural. Surgiu daí a necessi dade de criação de uma instância penal inter nacional, de caráter permanente e imparcial, instituída para processar e julgar os acusados pela prática dos crimes mais graves que afetas sem a comunidade internacional no seu con junto. Assim é que, em julho de 1998, foi aprovado na Conferência Diplomática de Ple- nipotenciários das Nações Unidas o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, constituindo um tribunal internacional com jurisdição criminal permanente sobre as pes soas responsáveis pelos crimes de maior gra vidade com alcance internacional, dotado de personalidade jurídica própria, com sede na Haia (Holanda). No âmbito internacional, o Tribunal Penal Internacional entrou em vigor em data de 1° de julho de 2002, data esta que corresponde ao primeiro dia do mês seguinte ao termo do período de 60 dias após a data do depósito do sexagésimo instrumento de rati TÍTULO I • DISPOSIÇÕES PRELIMINARES j Art. I o ficação, nos termos do art. 126, §1°, do Esta tuto do Tribunal. O governo brasileiro assinou o tratado internacional do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional em 7 de feve reiro de 2000, sendo o mesmo posteriormente aprovado pelo Congresso Nacional, por meio do Decreto Legislativo n. 112, de 6 de junho de 2002, e promulgado pelo Presidente da República através do Decreto n. 4.388, de 25 de setembro de 2002. A carta de ratificação brasileira foi depositada em data de 20 de ju nho de 2002, razão pela qual, em virtude da regra constante do art. 126, n. 2, do Dec. 4.388/2002, tem-se que o Estatuto de Roma entrou em vigor no Brasil em data de I o de setembro de 2002. Em 8 de dezembro de 2004, entrou em vigor a Emenda Constitucional n. 45, reconhecendo formalmente a jurisdição do Tribunal Penal Internacional, por intermédio do acréscimo do §4° ao art. 5o da Magna Car ta, segundo o qual O Brasil se submete à juris dição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão. Como ob serva Mazzuoli (op. cit. p. 45), a jurisdição do Tribunal não é estrangeira, mas sim interna cional, podendo afetar todo e qualquer Estado- -parte da Organização das Nações Unidas. Não se confunde com a chamada jurisdição uni versal, que consiste na possibilidade de o Poder Judiciário de determinado país julgar crimes de guerra ou crimes contra a humanidade cometidos em territórios alheios, tal qual ocor re nos casos de extraterritorialidade da lei penal brasileira admitidos expressamente pelo art. 7o, incisos I e II, do Código Penal. Como se percebe pela leitura do art. I o do Decreto n. 4.388/02, o Tribunal Penal Internacional será complementar às jurisdições penais nacionais, sendo chamado a intervir somente se e quando a justiça repressiva interna não funcionar. Ado- tou-se, pois, o denominado princípio da com- plementariedade. Daí a observação de Flávia Piovesan (Direitos Humanos e o Direito Cons titucional Internacional. 9a ed.. São Paulo: Sa raiva, 2008. p. 223-224), que, após acentuar a responsabilidade primária dos Estados nacio nais quanto ao julgamento de transgressões aos direitos humanos, assinala as condições em que se legitima o exercício, sempre em caráter subsidiário, da jurisdição pelo Tribunal Penal Internacional: “Surge o Tribunal Penal Internacional como aparato complementar às cortes nacionais, com o objetivo de assegurar o fim da impunidade para os mais graves cri mes internacionais, considerando que, por vezes, na ocorrência de tais crimes, as institui ções nacionais se mostram falhas ou omissas na realização da justiça. Afirm a-se, desse modo, a responsabilidade primária do Estado com relação ao julgamento de violações de direitos humanos, tendo a comunidade inter nacional a responsabilidade subsidiária. Vale dizer, a jurisdição do Tribunal Internacional é adicional e complementar à do Estado, ficando, pois, condicionada à incapacidade ou à omis são do sistema judicial interno. O Estado tem, assim, o dever de exercer sua jurisdição penal contra os responsáveis por crimes internacio nais, tendo a comunidade internacional a res ponsabilidade subsidiária. Como enuncia o art. Io do Estatuto de Roma, a jurisdição do Tribunal é adicional e complementar à do Estado, ficando condicionada à incapacidade ou à omissão do sistema judicial interno. Des sa forma, o Estatuto busca equacionar a garan tia do direito à justiça, o fim da impunidade e a soberania do Estado, à luz do princípio da complementaridade e do princípio da coope ração.” Esse caráter complementar do Tribu nal Penal Internacional pode ser extraído do art. 17 do Estatuto. Segundo o referido dispo sitivo (art. 17, §1°), o Tribunal decidirá sobre a não admissibilidade de um caso se: a) o caso for objeto de inquérito ou de procedimento criminal por parte de um Estado que tenha jurisdição sobre o mesmo, salvo se este não tiver vontade de levar a cabo o inquérito ou o procedimento ou, não tenha capacidade para o fazer; b) o caso tiver sido objeto de inquéri to por um Estado com jurisdição sobre ele e tal Estado tenha decidido não dar seguimento ao procedimento criminal contra a pessoa em causa, a menos que esta decisão resulte do fato de esse Estado não ter vontade de proceder criminalmente ou da sua incapacidade real para o fazer; c) a pessoa em causa já tiver sido julgada pela conduta a que se refere a denúncia, e não puder ser julgada pelo Tribunal em vir- c» Art. I o CPP COMENTADO • Renato Brasileiro de L ima tude do disposto no parágrafo 3o do artigo 20; d) o caso não for suficientemente grave para justificar a ulterior intervenção do Tribunal. Por outro lado, segundo o art. 17, §2°, do Es tatuto, a fim de determinar se há ou não von tade de agir num determinado caso, o Tribunal, tendo em consideração as garantias de um processo equitativo reconhecidas pelo direito internacional, verificará a existência de uma ou mais das seguintes circunstâncias: a) o processo ter sido instaurado ou estar penden te ou a decisão ter sido proferida no Estado com o propósito de subtrair a pessoa em cau sa à sua responsabilidade criminal por crimes da competência do Tribunal, nos termos do disposto no artigo 5o; b) ter havido demora injustificada no processamento, a qual, dadas as circunstâncias, se mostra incompatível com a intenção de fazer responder a pessoa em causa perante a justiça; c) o processo não ter sido ou não estar sendo conduzido de manei ra independente ou imparcial, e ter estado ou estar sendo conduzido de uma maneira que, dadas as circunstâncias, seja incompatívelcom a intenção de levar a pessoa em causa perante a justiça. Por fim, de acordo com o art. 17, §3°, do Estatuto, a fim de determinar se há incapa cidade de agir num determinado caso, o Tri bunal verificará se o Estado, por colapso total ou substancial da respectiva administração da justiça ou por indisponibilidade desta, não estará em condições de fazer comparecer o acusado, de reunir os meios de prova e depoi mentos necessários ou não estará, por outros motivos, em condições de concluir o processo. Quanto à competência do TPI, dispõe o art. 5o do Estatuto que está restrita aos crimes mais graves, que afetam a comunidade internacional no seu conjunto. Detém o Tribunal competên cia para o processo e julgamento dos seguintes crimes: a) crime de genocídio; b) crimes con tra a humanidade; c) crimes de guerra; d) crime de agressão. Registre-se que o Tribunal somente é dotado de competência em relação aos crimes cometidos após a sua instituição, ou seja, depois de Io de julho de 2002, data em que seu Estatuto entrou em vigor internacio nal. Ademais, nos termos de seu art. 11, §2°, se um estado se tornar parte depois da entrada em vigor do Estatuto, o Tribunal só poderá exercer a sua competência em relação a crimes cometidos depois da entrada em vigor do Es tatuto relativamente a esse Estado, a menos que este tenha feito uma declaração específica em sentido contrário. Desde a vigência do Estatuto de Roma para o Brasil em Io de se tembro de 2002, faz-se necessária a regulamen tação dos tipos penais criados pelo Estatuto de Roma e ainda não previstos em nosso ordena mento jurídico interno. De fato, com exceção do crime de genocídio, já tipificado em lei própria (Lei n. 2.889/56), os crimes de guerra, contra a humanidade e de agressão ainda não estão previstos em nossa legislação e deman dam regulamentação legal. Tendo-se presente a perspectiva da autoria dos crimes submetidos à competência jurisdicional do Tribunal Penal Internacional, convém destacar que o Estatuto de Roma submete à jurisdição dessa Alta Cor te judiciária qualquer pessoa que haja incidido na prática de crimes de genocídio, de guerra, contra a humanidade ou de agressão, indepen dentemente de sua qualidade oficial (Art. 27). Ao assim dispor, o Estatuto de Roma proclama a absoluta irrelevância da qualidade oficial do autor dos crimes submetidos, por referida convenção multilateral, à esfera de jurisdição e competência do Tribunal Penal Internacio nal. Isso significa, portanto, em face do que estabelece o Estatuto de Roma em seu Artigo 27, que a condição política de Chefe de Estado não se qualifica como causa excludente da responsabilidade penal do agente nem fator que legitime a redução da pena cominada aos crimes de genocídio, contra a humanidade, de guerra e de agressão. Nesse ponto, enquanto parte da doutrina sustenta a tese do caráter absoluto da soberania estatal, parte considerá vel da doutrina prefere conferir dimensão re lativa à noção de soberania do Estado, justifi cando a cláusula convencional do Estatuto (art. 27) a partir da idéia de prevalência dos direitos humanos, positivada no art. 4o, II, da Magna Carta. Quanto à discussão, Carlos Eduardo Adriano Japiassú (O Direito Penal Internacio nal. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2009, p. 115-116) pondera que “os crimes de compe tência do Tribunal Penal Internacional, de TÍTULO I • DISPOSIÇÕES PRELIMINARES / f̂ rt . 1 o maneira geral, são cometidos por indivíduos que exercem determinada função estatal. Des ta forma, a regra do Artigo 27 do Estatuto de Roma busca evitar que aqueles se utilizem dos privilégios e das imunidades que lhes são conferidos pelos ordenamentos internos como escudo para impedir a responsabilização em face dos crimes internacionais. Por fim, enten- de-se que o princípio da prevalência dos direi tos humanos, insculpido no Artigo 4o, II, da Constituição Federal, permite implicitamente que haja restrições às imunidades usualmente concedidas a funcionários no exercício de sua atividade funcional em casos de violações a direitos humanos, não colidindo, por conse guinte, com o artigo 27 do Estatuto de Roma?’ Do ponto de vista pessoal, a jurisdição do Tribunal Penal Internacional não alcança pes soas menores de 18 (dezoito) anos (vide art. 26 do Estatuto). Por fim, ressalte-se que o pedido de entrega (‘surrender’) não se confun de com a demanda extradicional. Com efeito, o próprio Estatuto de Roma estabelece, em seu texto, clara distinção entre os referidos insti tutos - o da entrega (“surrender”/”remise”) e o da extradição -, fazendo-o, de modo preciso, nos seguintes termos: “Artigo 102 Termos Usados Para os fins do presente Estatuto: a) Por ‘entrega’, entende-se a entrega de uma pessoa por um Estado ao Tribunal, nos termos do presente Estatuto, b) Por extradição’, enten de-se a entrega de uma pessoa por um Estado a outro Estado, conforme previsto em um tratado, em uma convenção ou no direito in terno.” Vê-se, daí, que, embora a entrega de determinada pessoa constitua resultado co mum a ambos os institutos, considerado o contexto da cooperação internacional na re pressão aos delitos, há, dentre outros, um elemento de relevo que os diferencia no plano conceituai, eis que a extradição somente pode ter por autor um Estado soberano, e não orga nismos internacionais, ainda que revestidos de personalidade jurídica de direito internacional público, como o Tribunal Penal Internacional (Estatuto de Roma, Artigo 4o, n. 1). 5. Crimes eleitorais: apesar de os incisos do art. Io do Código de Processo Penal não faze rem expressa referência aos processos crimi nais da competência da Justiça Eleitoral, isso se justifica pelo fato de, à época da elaboração do CPP, estar em vigor a Constituição de 1937, que não tratava da Justiça Eleitoral, e muito menos dos crimes eleitorais, já que, vigia, então, um regime de exceção. Todavia, a Constituição Federal de 1988 dispõe em seu art. 121 que Lei complementar disporá sobre a organização e competência dos tribunais, dos juizes de di reito e das juntas eleitorais. Destarte, embora editado como lei ordinária, o Código Eleitoral (Lei n. 4.737/65) foi recepcionado pela Cons tituição Federal como Lei complementar, mas tão somente no que tange à organização judi ciária e competência eleitoral, tal qual prevê a Carta Magna (CF, art. 121, caput). Portanto, no tocante à definição dos crimes eleitorais, as normas postas no Código Eleitoral mantêm o status de lei ordinária. A competência criminal da Justiça Eleitoral é fixada em razão da maté ria, cabendo a ela o processo e julgamento dos crimes eleitorais. Mas o que se deve entender por crimes eleitorais? Somente podem ser considerados crimes eleitorais os previstos no Código Eleitoral (v.g., crimes contra a honra, praticados durante a propaganda eleitoral) e os que a lei, eventual e expressamente, defi na como eleitorais. Todos eles referem-se a atentados ao processo eleitoral, que vai desde o alistamento do eleitor (ex: falsificação de título de eleitor para fins eleitorais - art. 348 do Código Eleitoral) até a diplomação dos eleitos. Crime que não esteja no Código Eleitoral ou que não tenha a expressa definição legal como eleitoral, salvo o caso de conexão, jamais será de competência da Justiça Eleitoral. A motiva ção política ou mesmo eleitoral não é suficiente para definir a competência da Justiça Especial de que estamos tratando. Da mesma forma, a existência de campanha eleitoral é irrelevante, pois, de per si, não é suficiente para caracte rizar os crimes eleitorais à falta de tipificação legal no Código Eleitoral ou em leis eleitorais extravagantes. Assim, por exemplo, a prática de um homicídio, ainda que no período que antecede as eleições, e mesmo que por moti vos político-eleitorais, será julgado pelo Júri comum, porquanto tal delito não é elencado como crime eleitoral. Art. 1 ° V CPP COMENTADO • Renato Brasileirode Lima 6. Outras exceções: o art. I o do CPP faz menção expressa apenas às ressalvas listadas em seus incisos. Todavia, face a existência de diversas leis especiais, editadas após a vigência do CPP ( I o de janeiro de 1942), com previsão expressa de procedimento distinto, conclui-se que, por força do princípio da especialidade, a tais infrações será aplicável a respectiva le gislação, aplicando-se o Código de Processo Penal apenas subsidiariamente (CPP, art. I o, parágrafo único). Vários exemplos podem ser lembrados: 1) O processo e julgamento dos crimes de abuso de autoridade é regulado pela Lei n. 4.898/65; 2) Os crimes da competência originária dos Tribunais possuem procedi mento específico previsto na Lei n. 8.038/90; 3) As infrações de menor potencial ofensivo, assim compreendidas as contravenções penais e crimes cuja pena máxima não seja superior a 02 (dois) anos, cumulada ou não com multa, submetidos ou não a procedimento especial, ressalvadas as hipóteses de violência doméstica e familiar contra a mulher, devem ser pro cessadas e julgadas pelos Juizados Especiais Criminais, pelo menos em regra, com proce dimento regulamentado pela Lei n. 9.099/95; 4) Os crimes falimentares também possuem procedimento especial disciplinado na Lei n. 11.101/05 (arts. 183 a 188); 5) O Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03, art. 94) também possui dispositivos expressos acerca do procedimento a ser aplicado aos crimes ali previstos; 6) A Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/06) tam bém estabelece dispositivos processuais penais específicos quanto às hipóteses de violência doméstica e familiar contra a mulher; 7) A Lei de drogas (Lei n. 11.343/06) traz em seu bojo um capítulo inteiro dedicado ao procedimento penal, prevendo expressamente a possibilidade de aplicação, subsidiária, do Código de Proces so Penal e da Lei de Execução Penal (art. 48, caput). 7. Tratados, convenções e regras de direito internacional: Chefes de Governo estrangei ro ou de Estado estrangeiro, suas famílias e membros das comitivas, embaixadores e suas famílias, funcionários estrangeiros do corpo diplomático e suas família, assim como fun cionários de organizações internacionais em serviço (ONU, OEA, etc.) gozam de imunidade diplomática, que consiste na prerrogativa de responder no seu país de origem pelo deli to praticado no Brasil (Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, aprovada pelo Decreto Legislativo 103/1964, e promulgada pelo Decreto n° 56.435, de 08/06/1965). Como se percebe, por conta de tratados ou conven ções que o Brasil haja firmado, ou mesmo em virtude de regras de Direito Internacional, a lei processual penal deixa de ser aplicada aos crimes praticados por tais agentes no território nacional, criando-se, assim, verdadeiro obstá culo processual à aplicação da lei processual penal brasileira. Destarte, tais pessoas não po dem ser presas e nem julgadas pela autoridade do país onde exercem suas funções, seja qual for o crime praticado (CPP, art. I o, inciso I). Em caso de falecimento de um diplomata, os membros de sua família “continuarão no gozo dos privilégios e imunidades a que têm direito, até a expiração de um prazo razoável que lhes permita deixar o território do Estado acredita do” (art. 39, §3°, da Convenção de Viena sobre relações diplomáticas). Admite-se renúncia expressa à garantia da imunidade pelo Estado acreditante, ou seja, aquele que envia o Chefe de Estado ou representante. Tal imunidade não é extensiva aos empregados particulares dos agentes diplomáticos. Quanto ao cônsul, este só goza de imunidade em relação aos crimes funcionais (Convenção de Viena de 1963 so bre Relações Consulares - Decreto n. 61.078, de 26/07/1967). Esse o motivo pelo qual, ao apreciar habeas corpus referente a crime de pedofilia supostamente praticado pelo Cônsul de Israel no Rio de Janeiro, posicionou-se a Suprema Corte pela inexistência de obstáculo à prisão preventiva, nos termos do art. 41 da Convenção de Viena, pois os fatos imputados ao paciente não guardavam pertinência com o desempenho das funções consulares. ♦ Jurisprudência selecionada: STF:"(...) Prisão preventiva. Fundamentos. Acusado que exercia as funções de Cônsul de Israel no Rio de Janeiro. Crime previsto no art. 241 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90). Pena de reclusão, cujo início deve se dar em estabelecimento de segurança máxima ou média (regime fechado). Art. I oTlTULO I* DISPOSIÇÕES PRELIMINARES / / Circunstância que, som ada ao disposto no art. 61, II, 'h', do Cód igo Penal, enfatiza o caráter grave do crime, o que é realçado pela existência de diversos diplomas protetivos da infância subscritos pelo Brasil: Declaração Universal dos Direitos da Criança (1959), Convenção dos Direitos da Criança (1989), 45a Sessão da Assembléia Geral das Nações Unidas, Declaração pelo Direito da Criança à sobrevivência, à proteção e ao desenvolvimento, Convenção de Nova York sobre os direitos da criança e Convenção Interamericana sobre tráfico internacional de menores. Inexistência de obstáculo à prisão preventiva, nos termos do que dispõe o art. 41 da Convenção de Viena sobre Relações Consulares. Atos im putados ao paciente que não guardam pertinência com o desempenho de funções consulares. Necessidade da prisão preventiva para garantiar a aplicação da lei penal. Ordem indeferida". (STF, I a Turma, HC 81.158/RJ, Relatora Ministra Ellen Gracie,DJ 19/12/2002). STJ:"(...) A competência internacional é regulada ou pelo direito internacional ou pelas regras internas de determinado país acerca da matéria, tendo porfontes os costumes, os tratados normativos e outras regras de direito internacional. Em matéria penal adota-se, em regra, o princípio da territorialidade, desenvolvendo-se na justiça pátria o processo e os respectivos inciden tes, não se podendo olvidar, outrossim, de eventuais tratados ou outras normas internacionais a que o país tenha aderido, nos termos dos artigos 1 ° do Código de Processo Penal e 5°, caput, do Código Penal. Doutrina. No caso dos autos, inexiste qualquer ilegalidade na quebra do sigilo bancário dos acusados, uma vez que a medida foi realizada para a obtenção de provas em investigação em curso nos Estados Unidos da América, tendo sido implementada de acordo com as normas do ordenamento jurídico lá vigente, sendo certo que a documentação referente ao resultado da medida invasiva foi posteriormente com partilhada com o Brasil por meio de acordo existente entre os países. (...)". (STJ, 5aTurma, HC 231.633/PR, Rei. Min. Jorge Mussi, j. 25/11/2014, DJe 3/12/2014). 8. Prerrogativas constitucionais do Presi dente da República e de outras autorida des: refere-se o inciso II do art. 1° do CPP às prerrogativas constitucionais do Presidente da República e de outras autoridades, em relação aos crimes de responsabilidade. A denominada Justiça Política (ou Jurisdição Extraordinária) corresponde à atividade jurisdicional exercida por órgãos políticos, alheios ao Poder Judici ário, apresentando como objetivo precípuo o afastamento do agente público que comete crimes de responsabilidade de suas funções. A título de exemplo, de acordo com o art. 52, incisos I e II, da Constituição Federal, compete privativamente ao Senado Federal processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da Re pública nos crimes de responsabilidade, assim como os Ministros de Estado e os Comandan tes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles, bem como os Ministros do Supremo Tribunal Federal, os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União nos crimes de responsabilidade, observando- -se, em relação ao Presidente da República e aos Ministros de Estado, a competência da Câmara dos Deputados para a admissibili dade e a formalização da acusação (CF,art. 51, I; CF, art. 86; Lei n. 1.079/50, art. 20 e seguintes). Por sua vez, compete a um Tribu nal Especial, composto por cinco Deputados, escolhidos pela Assembléia, e cinco Desembar gadores, sorteados pelo Presidente do Tribunal de Justiça, que também o presidirá (Lei n. 1.079/50, art. 78, §3°), processar e julgar, nos crimes de responsabilidade, o Governador, o Vice-Governador, e os Secretários de Estado, nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles, assim como o Procurador-Geral de Justiça e o Procurador-Geral do Estado. No caso de crimes de responsabilidade praticados por Prefeitos Municipais (infrações político- -administrativas), que são os tipificados no art. 4o do Decreto-lei n. 201/67, a competência para julgamento é da Câmara Municipal. O processo pressupõe que o Prefeito Municipal esteja no exercício do mandato, na medida em que a única sanção prevista é a cassação do mandato. Conquanto a Constituição Federal e a legislação ordinária acima referida (Lei n. 1.079/50 e Decreto-lei n. 201/67) se refiram à prática de crimes de responsabilidade, atri buindo ao Senado Federal, ao Tribunal Espe cial e à Câmara Municipal o exercício dessa atividade jurisdicional atípica, tecnicamente não há falar em crime, mas sim no julgamento de uma infração político-administrativa. Ali ás, segundo Pacelli (op. cit. p. 188), “mesmo quando a Constituição atribui a órgãos do Judiciário a competência para o julgamento de crimes de responsabilidade (art. 1 0 5 ,1, a, O Art. I o ' \ CPP COMENTADO • Renato Brasileiro de Lima por exemplo), não se estará exercendo outro tipo de jurisdição que não seja a de natureza política, diante da natureza igualmente política das infrações”. Nesse cenário, é indispensável diferenciarmos crimes de responsabilidade em sentido amplo de crimes de responsabilidade em sentido estrito. Crimes de responsabilidade em sentido amplo são aqueles cuja qualidade de funcionário público (CP, art. 327) funciona como elementar do delito. É o que ocorre com os crimes praticados por funcionários públicos contra a administração pública (CP, arts. 312 a 326). Esses crimes de responsabilidade em sentido amplo estão inseridos naquilo que a Constituição Federal denomina de crimes comuns ou infrações penais comuns. Por seu turno, crimes de responsabilidade em sentido estrito são aqueles que somente podem ser praticados por determinados agentes políticos. Prevalece o entendimento de que não têm natureza jurídica de infração penal, mas sim de infração político-administrativa, passível de sanções político-administrativas, aplicadas por órgãos jurisdicionais políticos (normalmente órgãos mistos, compostos por parlamentares ou por parlamentares e magistrados). A título de exemplo, de acordo com o art. 2o da Lei n. 1.079/50, os crimes definidos nesta Lei, ainda quando simplesmente tentados, são passíveis da pena de perda do cargo, com inabilitação, até 5 (cinco) anos, para o exercício de qual quer função pública, imposta pelo Senado Federal nos processos contra o Presidente da República ou ministros de Estado, contra os ministros do Supremo Tribunal Federal ou contra o Procurador-Geral da República. Além disso, “a imposição da pena referida no artigo anterior (art. 2o) não exclui o processo e julgamento do acusado por crime comum, na justiça ordinária, nos termos das leis de processo penal” (Lei n. 1.079/50, art. 3°).Como desses crimes de responsabilidade não decorre sanção criminal, não podem ser qualificados como infrações penais, figurando, pois, como infrações políticas da alçada do Direito Cons titucional. 9. Processos da competência da Justiça Militar (da União ou dos Estados): outra ressalva feita pelo art. Io do CPP diz respeito aos processos da competência da Justiça Mili tar. De acordo com o art. 124 da Constituição Federal, à Justiça Militar da União compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei. Lado outro, segundo o art. 125, §4°, da Carta Magna, compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos discipli nares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças. A inaplicabilidade do Código de Processo Penal no âmbito da Justiça Militar justifica-se pelo fato de ser aplicável, na Justiça Castrense, o Código Penal Militar (Decreto- -Lei n. 1.001/69) e o Código de Processo Penal Militar (Decreto-Lei n. 1.002/69). Entretanto, é importante destacar que o próprio estatuto processual penal militar prevê a possibilidade de os casos omissos serem supridos pela le gislação de processo penal comum, quando aplicável ao caso concreto e sem prejuízo da índole do processo penal militar (CPPM, art. 3o, alínea “a”). Para mais detalhes acerca da competência da Justiça Militar, remetemos o leitor ao nosso Manual de Processo Penal e ao nosso Manual de Competência Criminal, ambos editados pela Juspodivm. 10. Processos da competência do tribunal especial: o art. I o, inciso IV, do CPP, faz men ção aos processos da competência do tribunal especial (Constituição, art. 122, n. 17). Os artigos citados referem-se à Constituição de 1937, sendo que esse tribunal especial a que faz menção o inciso IV é o antigo Tribunal de Segurança Nacional, que já não existe mais, visto que foi extinto pela Constituição de 1946. O art. 122, n. 17 da Carta de 1937 previa que “os crimes que atentarem contra a existência, a segurança e a integridade do Estado, a guar da e o emprego da economia popular serão submetidos a processo e julgamento perante tribunal especial, na forma que a lei instituir”. Hoje, os crimes contra a segurança nacional estão definidos na Lei n. 7.170/83. Apesar de o art. 30 da Lei n. 7.170/83 dispor que os crimes nela previstos são da competência da TlTULO I • DISPOSIÇÕES PRELIMINARES y \r t # 2 o Justiça Militar, referido dispositivo não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, porquanto, segundo o art. 109, inciso IV, compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes políticos, com recurso ordinário para o Supremo (CF, art. 102, II, “b”). 11. Crimes de imprensa: outra ressalva constante do art. I o do CPP diz respeito aos processos penais por crimes de imprensa. Referidos delitos estavam previstos na Lei n.5.250/67. Dizemos que estavam previstos na Lei n. 5.250/67 porque, no julgamento da arguição de descumprimento de preceito fun damental n. 130 (Pleno, Rei. Min. Carlos Britto, 30/04/2009), o Supremo Tribunal Federal jul gou procedente o pedido ali formulado para o efeito de declarar como não recepcionado pela Constituição Federal todo o conjunto de dispositivos da Lei 5.250/67. Como decidiu a própria Suprema Corte, a não recepção da Lei de Imprensa não impede o curso regular dos processos fundamentados nos disposi tivos legais da referida lei, nem tampouco a instauração de novos processos, aplicando-se lhes, contudo, as normas da legislação comum, notadamente, o Código Civil, o Código Penal, o Código de Processo Civil e o Código de Processo Penal. 12. Aplicação subsidiária do Código de Processo Penal: quando houver previsão legal de procedimento diverso pela legisla ção especial, tal rito procedimental deve ser aplicado em detrimento daquele estabelecido no Código de Processo Penal (princípio da especialidade). É o que ocorre, a título de exemplo, com os crimes de tráfico de drogas, que contam com um procedimento especial regulamentado pela Lei n. 11.343/06. Isso, no entanto, não impede a aplicação subsidiária do Código de Processo Penal, sempre que não houver dispositivo especial em sentido diverso. Art. 2o A lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior.1'2 3 4 1. Lei processual penal notempo: a legis lação processual penal tem sofrido inúmeras alterações nos últimos anos. Diante da su cessão de leis no tempo, apresenta-se de vital importância o estudo do direito intertemporal. 2. Direito intertemporal e normas de Direi to Penal: no âmbito do Direito Penal, o tema não apresenta maiores controvérsias. Afinal, por força da Constituição Federal (art. 5o, XL), a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu. Logo, cuidando-se de norma penal mais gravosa, vige o princípio da irretroatividade. Para mais detalhes acerca do assunto, consultar comentários à súmula n. 711 do STF (“A lei penal mais grave aplica-se ao crime continua do ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência”). 3. Direito intertemporal e normas de Di reito Processual Penal: de acordo com o art. 2o do CPP, que consagra o denominado princípio tempus regit actum, “a lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior”. Incide no processo penal o prin cípio da aplicabilidade imediata, no sentido de que a norma processual aplica-se tão logo entre em vigor, sem prejuízo da validade dos atos já praticados anteriormente. O funda mento da aplicação imediata da lei processual é que se presume seja ela mais perfeita do que a anterior, por atentar mais aos interesses da Justiça, salvaguardar melhor o direito das par tes, garantir defesa mais ampla ao acusado, etc. Portanto, ao contrário da lei penal, que leva em conta o momento da prática delituosa (tempus delictí), a aplicação imediata da lei processual leva em consideração o momento da prática do ato processual (tempus regit actum). Do prin cípio tempus regit actum derivam dois efeitos: a) os atos processuais praticados sob a vigência da lei anterior são considerados válidos; b) as normas processuais têm aplicação imediata, Art. 2o CPP COMENTADO • Renato Brasileiro de Lima regulando o desenrolar restante do processo. Apesar de o art. 2o do CPP não estabelecer qualquer distinção entre as normas processu ais, doutrina e jurisprudência têm trabalhado crescentemente com uma subdivisão dessas regras: a) normas genuinamente processuais: são aquelas que cuidam de procedimentos, atos processuais, técnicas do processo. A elas se aplica o art. 2o do CPP; b) normas pro cessuais m ateriais ou m istas: são aquelas que abrigam naturezas diversas, de caráter penal e de caráter processual penal. Normas penais são aquelas que cuidam do crime, da pena, da medida de segurança, dos efeitos da condenação e do direito de punir do Estado (v.g., causas extintivas da punibilidade). De sua vez, normas processuais penais são aque las que versam sobre o processo desde o seu início até o final da execução ou extinção da punibilidade. Assim, se um dispositivo legal, embora inserido em lei processual, versa sobre regra penal, de direito material, a ele serão aplicáveis os princípios que regem a lei penal, de ultratividade e retroatividade da lei mais benigna. Não há consenso na doutrina acerca do conceito de normas processuais materiais ou mistas. Uma primeira corrente sustenta que normas processuais materiais ou mistas são aquelas que, apesar de disciplinadas em diplomas processuais penais, dispõem sobre o conteúdo da pretensão punitiva, tais como aquelas relativas ao direito de queixa, ao de representação, à prescrição e à decadência, ao perdão, à perempção, etc. Uma segunda corrente, de caráter ampliativo, sustenta que normas processuais materiais são aquelas que estabelecem condições de procedibilidade, meios de prova, liberdade condicional, prisão preventiva, fiança, modalidade de execução da pena e todas as demais normas que produzam reflexos no direito de liberdade do agente - , ou seja, todas as normas que tenham por conteúdo matéria que seja direito ou garan tia constitucional do cidadão. Independen- temente da corrente que se queira adotar, é certo que às normas processuais materiais se aplica o mesmo critério do direito penal, isto é, tratando-se de norma benéfica ao agente, mesmo depois de sua revogação, referida lei continuará a regular os fatos ocorridos durante a sua vigência (ultratividade da lei processual penal mista mais benéfica); na hipótese de novatio legis in mellius, referida norma será dotada de caráter retroativo, a ela se confe rindo o poder de retroagir no tempo, a fim de regular os fatos ocorridos anteriormente a sua vigência. São inúmeros os exemplos de normas processuais materiais que têm se sucedido no tempo. Vejamos alguns deles. 3.1. Lei n. 9.099/95 e seu caráter (ir) retro ativo: consoante disposto no art. 90 da Lei n. 9.099/95, as disposições da Lei dos Juizados Especiais Criminais não seriam aplicáveis aos processos penais cuja instrução já estivesse iniciada. Discutiu-se, à época, se seria possível que o art. 90 da Lei n. 9.099/95 restringisse a aplicação da referida lei aos processos pe nais cuja instrução já estivesse em curso. Sem dúvida alguma, trata-se a Lei n. 9.099/95 de norma processual híbrida ou mista, porquanto reúne dispositivos de natureza genuinamente processual e de natureza material. De fato, no tocante ao procedimento sumaríssimo ali previsto, fica evidente que se aplica o art. 2o do CPP, já que se trata de norma genuina mente processual. Não obstante, não se pode perder de vista que a Lei n. 9.099/95 também introduziu no ordenamento jurídico institutos despenalizadores que produzem nítidos refle xos no exercício do jus puniendi, tais como a composição civil dos danos, a transação penal, a exigência de representação para os crimes de lesão corporal leve e lesão corporal culposa e a suspensão condicional do processo. A título de exemplo, basta pensar que o cumprimento das condições fixadas na proposta de sus pensão condicional do processo acarreta a extinção da punibilidade (Lei n. 9.099/95, art. 89, §5°). Na mesma linha, a composição civil dos danos é causa de renúncia ao direito de queixa ou representação (Lei n. 9.099/95, art. 74, parágrafo único), ensejando a extinção da punibilidade. Diante dessa natureza mista da Lei n. 9.099/95, o Supremo Tribunal Federal acabou por concluir que as normas de direito penal nela inseridas que tenham conteúdo mais benéfico aos réus devem retroagir para beneficiá-los, à luz do que determina o art. O TITULO I- DISPOSIÇÕES PRELIMINARES Art. 2o 5o, XL, da Constituição federal. Assim, con feriu interpretação conforme ao art. 90 da Lei 9.099/1995 para excluir de sua abrangência as normas de direito penal mais favoráveis ao réu contidas na citada lei. Seguindo essa linha de raciocínio, não se pode querer emprestar ca ráter retroativo ao art. 90-A da Lei n. 9.099/95. Explica-se: por força da Lei n. 9.839/99, foi inserido o art. 90-A à Lei n. 9.099/95, que passou a dispor: “As disposições da Lei dos Juizados Especiais Criminais não se aplicam no âmbito da Justiça Militar”. Ao suprimir a aplicação dos institutos despenalizadores da Lei dos Juizados no âmbito da Justiça Mili tar, fica evidente que a Lei n. 9.839/99 tem natureza processual material, ou seja, cuida- -se de norma que, embora disciplinada em diploma processual penal, produz reflexos no ius libertatis do agente, pois priva o agente do gozo de institutos despenalizadores como a composição civil dos danos, a transação penal, a representação nos crimes de lesão corporal leve e culposa e a suspensão condicional do processo. Como consequência, o critério de direito intertemporal a ser aplicado não é o da aplicação imediata da norma processual (tempus regit actum), constante do art. 2° do CPP, mas sim o critério da irretroatividade da lei penal mais gravosa. Assim, como a lei tem natureza nitidamente gravosa, pois priva o autor de crime militar da incidência dos ins titutos despenalizadores da Lei dos Juizados, há de se concluir que o art. 90-A só se aplica aos crimesmilitares cometidos a partir do dia 28 de setembro de 1999, data da vigência da Lei n. 9.839/99. ♦ Jurisprudência selecionada: STF:"(...) O art. 90 da lei 9.099/1995 determina que as disposições da lei dos Juizados Especiais não são aplicáveis aos processos penais nos quais a fase de ins trução já tenha sido iniciada. Em se tratando de normas de natureza processual, a exceção estabelecida por lei à regra geral contida no art. 2° do CPP não padece de vício de inconstitucionalidade. Contudo, as normas de direito penal que tenham conteúdo mais benéfico aos réus devem retroagir para beneficiá-los, à luz do que determina o art. 5o, XL da Constituição federal. Inter pretação conforme ao art. 90 da Lei 9.099/1995 para excluir de sua abrangência as normas de direito penal mais favoráveis ao réus contidas nessa lei". (STF, Pleno, AD11.719-9, Rei. Min. Joaquim Barbosa, j. 18/06/2007, DJe 72 02/08/2007). STF:"(...) O SupremoTribunal Federal firmou entendi mento no sentido da aplicação aos crimes de lesões corporais leves e lesões corporais culposas de com petência da Justiça Militar (CPM, art. 209 e 210) da lei em tela, que exige a representação do ofendido para a instauração de processo-crime. Deixando o ofendido de ofertar a representação, operou-se a decadência a ensejar a extinção da punibilidade. A Lei n° 9.839, de 27.09.99, que acrescentou o art. 90-A à Lei n° 9.099/95, e afastou a aplicação das suas disposições no âmbito da Justiça Militar, embora consubstancie disposição processual, seus efeitos são de direito material, na me dida em que afasta a aplicação de normas despenali- zadoras de caráter preponderantemente penal. Sendo manifestamente prejudicial ao paciente, uma vez que afasta causa extintiva da punibilidade pelo decurso de prazo fixado em lei, não pode incidir no caso dos autos. Habeas corpus deferido". (STF, 1aTurma, HC 79.390/RJ, Rei. Min. limar Galvão, j. 19/10/1999, DJ 19/11/1999). STJ:"(...) O entendimento do SuperiorTribunal é o de que a Lei n° 9.839/99 - que acrescentou o art. 90-A à Lei n° 9.099/95, cujas disposições, a partir daí, não se aplicam mais no âmbito da Justiça Militar - somente deve alcançar os processos que tenham por objeto o julgamento de delitos praticados após a sua entrada em vigor. Essa é a hipótese dos autos, uma vez que o fato ocorreu em 28.1.05, após o advento da Lei n° 9.839/99. Agravo regimental improvido". (STJ, 6a Turma, AgRg no HC 60.081/SP, Rei. Min. Nilson Naves, DJe 26/05/2008). 3.2. Lei n. 9.271/96 e nova redação do art. 366 (suspensão do processo e da prescri ção): de modo a evitarmos repetições desne cessárias, remetemos o leitor aos comentários ao art. 366 do CPP. 3.3. Leis 11.689/08 e 11.719/08 e sua aplicabilidade imediata aos processos em andamento: com a reforma processual de 2008, houve profundas alterações quanto ao procedimento do júri e quanto ao procedimen to comum, produzidas pelas Leis 11.689/08 e 11.719/08, respectivamente. Essas leis novas, de caráter genuinamente processual, não fo ram aplicadas aos processos já concluídos, respeitando-se, assim, os atos processuais praticados sob a vigência da lei anterior. De seu turno, é evidente que as leis novas foram aplicadas aos processos que se iniciaram após sua entrada em vigor. A discussão guarda re levância quanto aos processos que já estavam Art. 2o CPP COMENTADO • Renato Brasileiro de Lima em andamento quando do início da vigência da Lei n. 11.689/08 (09 de agosto de 2008) e 11.719/08 (22 de agosto de 2008): continua riam eles sendo regidos pela legislação preté rita, que vigorava no início do procedimento, ou passariam a ter o seu curso regido pelas novas leis? A fim de solucionar o problema, três sistemas distintos são apontados pela doutrina: a) Sistema da unidade processual: apesar de se desdobrar em uma série de atos distintos, o processo apresenta uma unidade. Portanto, somente pode ser regulamentado por uma única lei. Essa lei deve ser a lei antiga, já que, fosse possível a aplicação da lei nova, esta teria efeitos retroativos. Assim, por esse sistema, a lei antiga tem caráter ultrativo; b) Sistema das fases processuais: por força desse sistema, cada fase processual pode ser regulada por uma lei diferente. Supondo, assim, a exis tência de sucessivas leis processuais no tempo, as fases postulatória, ordinatória, instrutória, decisória e recursal poderíam ser disciplinadas por leis distintas; c) Sistema do isolamento dos atos processuais: a lei nova não atinge os atos processuais praticados sob a vigência da lei anterior, porém é aplicável aos atos proces suais que ainda não foram praticados, pouco importando a fase processual em que o feito se encontrar. Como se percebe pela leitura do art. 2o do CPP, é esse o sistema adotado pelo ordenamento processual penal. Afinal de contas, de acordo com o art. 2o do CPP, “a lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior”. Considerando-se, então, que o sistema adotado pelo CPP é o do isolamento dos atos processuais, conclui-se que as novas leis do procedimento comum e do procedimento do júri não foram aplicadas aos atos processuais anteriormente realizados, regendo-se, por elas, todavia, os atos proces suais que ainda não haviam sido praticados quando de sua vigência. Logo, ainda que o recebimento da denúncia tivesse ocorrido antes do advento das Leis 11.689 e 11.719, não há constrangimento ilegal na adoção dos ritos introduzidos por estes diplomas, tendo em vista que, no âmbito do direito processual penal, a aplicação da lei no tempo é regrada pelo princípio do efeito imediato, representado pelo brocardo tempus regit actum, conforme estabelece o art. 2° do CPP. ♦ Jurisprudência selecionada: STJ: "(...) No âm bito do direito processual penal a aplicação da lei penal do tem po é regrada pelo prin cípio do efeito imediato, representado pelo brocardo tempus regit actum, conforme estabelece o artigo 2o do Código de Processo Penal. Ainda que o recebimento da denúncia tenha ocorrido antes do advento da Lei n. 11.689/2008, não há constrangimento ilegal na adoção do rito por esta introduzido no ordenamento jurídico, tendo em vista a impossibilidade da prática de todos os atos de acordo com a disciplina anterior. De acordo com o sistema da instrumentalidade das formas, ado tado pela jurisprudência dosTribunais Superiores, não se declara a nulidade do ato sem a demonstração do efetivo prejuízo para a parte em razão da inobservância da formalidade prevista em lei. Precedentes. Verificada a regularidade da instrução realizada de acordo com a Lei n. 11.689/2008, quedando-se a defesa a demonstrar eventual prejuízo suportado pelo paciente, imperiosa a m anutenção do ato im pugnado. Habeas corpus parcialmente conhecido, e, nesta parte, denegada a ordem". (STJ, 5a Turma, H C 123.492/MG, Rei. Min. Jorge Mussi,j. 17/09/2009, DJe 13/10/2009). 3.4. Lei n. 12.403/11 e o novo regramento quanto às medidas cautelares de natureza pessoal: vários dispositivos legais modificados pela Lei n. 12.403/11, que serão objeto de es tudo detalhado no Título relativo às Medidas Cautelares de natureza pessoal (arts. 282 a 350), repercutem diretamente no ius libertatis do agente, ora para beneficiar, ora para prejudicá- -lo. Exemplificando, suponha-se que, em data de 04 de julho de 2011, data da vigência da Lei n. 12.403/11, determinado indivíduo estivesse preso preventivamente por conveniência da instrução criminal pela prática de suposto crime de furto simples, cuja pena é de re clusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. Com a entrada em vigor da Lei n. 12.403/11, esta prisão preventiva tornou-se ilegal, pois desprovida de fundamento legal, já que a nova redação do art. 313, inciso I, do CPP, norma processual material de caráter benéfico, per mite a decretação da prisão preventiva apenas em relação a crimes dolosos punidoscom pena máxima superior a 4 (quatro) anos, ressalvadas as hipóteses de reincidente em crimes dolosos, TÍTULO I • DISPOSIÇÕES PRELIMINARES Art. 2o casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, ou quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa e esta não fornecer elementos suficientes para escla- recê-la. Impõe-se, pois, o reconhecimento da ilegalidade de tal prisão preventiva, o que, no entanto, não impede a decretação de medida cautelar diversa da prisão, desde que presentes ofumus comissi delicti e o periculum libertatis, já que, em relação a estas, basta que à infração penal seja cominada pena privativa de liber dade (CPP, art. 283, §1°). Lado outro, quando nos deparamos com uma mudança gravosa, o caminho será o inverso. É o que ocorre com a nova redação do art. 310, parágrafo único, do CPP. Antes das mudanças, referido dispositivo permitia a concessão de liberdade provisória sem fiança quando o juiz verificasse, pelo auto de prisão em flagrante, a inocorrência de qualquer das hipóteses que autorizam a prisão preventiva. Com a entrada em vigor da Lei n. 12.403/11, e seu propósito de revitalizar a fiança, tal espécie de liberdade provisória sem fiança foi suprimida do Código de Processo Penal, já que a nova redação do art. 310, pará grafo único, permite a concessão do benefício apenas quando verificada a presença de causas excludentes da ilicitude. Ora, se foi suprimida hipótese de liberdade provisória sem fiança, não restam dúvidas que se trata de novatio legis in pejus, logo, a norma anterior mais be néfica ao agente continuará a regular os fatos delituosos ocorridos durante a sua vigência, mesmo depois de sua revogação (ultratividade da lei processual penal mista mais benéfica). Portanto, em relação aos crimes praticados até o dia 03 de julho de 2011, data anterior à entrada em vigor da Lei n. 12.403/11, ainda que a persecução penal tenha início após esta data, o agente continuará a fazer jus à antiga liber dade provisória sem fiança quando verificada a inocorrência das hipóteses que autorizam a prisão preventiva. 3.5. Normas processuais heterotópicas: há determinadas regras que, não obstante previs tas em diplomas processuais penais, possuem conteúdo material, devendo, pois, retroagir para beneficiar o acusado. Outras, no entanto, inseridas em leis materiais, são dotadas de conteúdo processual, a elas sendo aplicável o critério da aplicação imediata (tempus regit ac- tum). É aí que surge o fenômeno denominado de heterotopia, ou seja, situação em que, apesar de o conteúdo da norma conferir-lhe uma determinada natureza, encontra-se ela pre vista em diploma de natureza distinta. Como observa Norberto Avena (Processo penal: es- quematizado. 2a ed. Rio de Janeiro: Editora Método, 2010. p. 65), a heterotopia “consiste na intromissão ou superposição de conteúdos materiais no âmbito de incidência de uma norma de natureza processual, ou vice-versa, produzindo efeitos em aspectos relacionados à ultratividade, retroatividade ou aplicação ime diata (tempus regit actum) da lei”. Tais normas não se confundem com as normas processuais materiais. Enquanto a heterotópica possui uma determinada natureza (material ou processu al), em que pese estar incorporada a diploma de caráter distinto, a norma processual mista ou híbrida apresenta dupla natureza, vale dizer, material em uma determinada parte e proces sual em outra. Como exemplos de disposições heterotópicas, o referido autor cita o direito ao silêncio assegurado ao acusado em seu interro gatório, o qual, apesar de previsto no CPP (art. 186), possui caráter nitidamente assecuratório de direitos (material), assim como as normas gerais que trataram da competência da Justiça Federal, que, conquanto previstas no art. 109 da Carta Magna, que é um diploma material, são dotadas de natureza evidentemente pro cessual. 4. Vigência, validade, revogação, derroga ção e ab-rogação da lei processual penal: a lei processual penal nasce como todas as de mais leis, ou seja, deve ser proposta, discutida, votada e aprovada pelo Congresso Nacional. Após ser aprovada, a lei processual penal deve ser promulgada (ato legislativo pelo qual se atesta a existência de uma lei), sancionada pelo Presidente da República e publicada. A vigência da lei processual penal também segue o mesmo regramento das demais leis, isto é, a lei entra em vigor na data de sua publicação ou no dia posterior à vacância, quando assim o estabelecer o legislador. Sobre o assunto, o Art. 3o CPP COMENTADO • Renato Brasileiro de L ima art. 8o, caput, da Lei Complementar n. 95/98, com redação dada pela LC n. 107/2001, dispõe que a vigência da lei será indicada de forma ex pressa e de modo a contemplar prazo razoável para que dela se tenha amplo conhecimento, reservada a cláusula “entra em vigor na data de sua publicação” para as leis de pequena reper cussão. Ademais, segundo o art. 8o, §1°, da LC n. 95/98, “a contagem do prazo para entrada em vigor das leis que estabeleçam período de vacância far-se-á com a inclusão da data da publicação e do último dia do prazo, entrando em vigor no dia subsequente à sua consumação integral”. Se a lei nada disser sobre sua vigência, entra em vigor 45 (quarenta e cinco) dias após sua publicação. Nessa hipótese, a vacatio legis (período próprio para o conhecimento do con teúdo de uma norma pela sociedade em geral, antes de entrar em vigor) será de 45 (quarenta e cinco) dias, nos exatos termos do art. Io da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei n. 4.657/42, com redação dada pela Lei n. 12.376/10). Uma vez em vigor, a lei processual penal vigora formalmente até que seja revogada por outra. Assim, revogação significa a cessação da vigência formal da lei, ou seja, a norma processual penal deixa de integrar o ordenamento jurídico. Quanto a sua abrangência, a revogação compreende a ab-rogação (revogação total) e a derrogação (revogação parcial). Essa revogação pode ser expressa ou tácita. Será expressa quando a lei nova retirar a força da lei precedente de modo categórico: é o que aconteceu com a nova lei de identificação criminal (Lei n. 12.037/09), cujo art. 9o revogou expressamente a antiga lei de identificação (Lei n. 10.054/00). A revogação é tácita quando a lei nova se mostrar incom patível com a lei anterior. Exemplificando, foi o que aconteceu em face do advento do art. 5o do Código Civil, que fixou a maioridade a partir dos 18 (dezoito) anos completos, do que resultou a revogação tácita dos dispositivos processuais penais que previam privilégios para o acusado maior de 18 (dezoito) e menor de 21 (vinte e um) anos. Por fim, não se pode confundir vigência com validade. Para que uma lei processual penal entre em vigor, basta que seja aprovada pelo Congresso Nacional, sancionada pelo Presidente da República e pubbcada no Diário Oficial: superado eventual período de vacatio legis, inicia-se sua vigência. Para que seja considerada válida, todavia, referida lei deve se mostrar compatível com a Constituição Federal e com as Convenções Internacionais sobre Direitos Humanos. Art. 3o A lei processual penal admitirá interpretação1 extensiva2 * *e apli cação analógica,3J*bem como o suplemento dos princípios gerais de direito.5 1. Interpretação da lei processual penal: interpretar é tentar buscar o efetivo alcance da norma, ou seja, descobrir o seu significado, o seu sentido, a sua exata extensão normativa. É procurar descobrir aquilo que ela tem a nos dizer com a maior precisão possível. Toda lei necessita de interpretação, ainda que seja clara. O in claris nonfit interpretativo é uma falácia, até mesmo porque para se concluir que a lei é clara já se faz necessária uma interpretação. Como se percebe, o que se procura com a in terpretação é o conteúdo da lei, a inteligência e a vontade da lei (mens legis), não aintenção do legislador (mens legislatoris), embora esta última constitua um dos critérios de interpre tação, porquanto, uma vez em vigor, a lei passa a gozar de existência autônoma. Em princípio, a interpretação da lei processual penal está sujeita às mesmas regras de hermenêutica que disciplinam a interpretação das leis em geral. O que pretende o legislador com o art. 3o do CPP é simplesmente demarcar a distinção entre o direito penal e o processo penal. Como é cediço, naquele não se admite qualquer for ma de ampliação hermenêutica dos preceitos incriminadores, muito menos do emprego da analogia em prejuízo do acusado (in malam partem). No processo penal, todavia, o art. 3o do CPP dispõe que é possível não apenas a interpretação extensiva e a aplicação analógi ca, mas também o suplemento dos princípios gerais de direito. TÍTULO I • DISPOSIÇÕES PRELIMINARES Art. 3o 2. Interpretação extensiva: quanto ao re sultado, a interpretação pode ser declaratória, restritiva, extensiva ou progressiva. Na inter pretação declaratória o intérprete não amplia nem restringe o alcance da norma porquanto o significado ou sentido da lei corresponde exatamente à sua literalidade. Limita-se, pois, a declarar a vontade da lei. Interpretação res tritiva é aquela em que o intérprete diminui, restringe o alcance da lei, uma vez que a norma disse mais do que efetivamente pretendia di zer. De seu turno, na interpretação extensiva, expressamente admitida pelo art. 3o do CPP, a lei disse menos do que deveria dizer. Por consequência, para que se possa conhecer a exata amplitude da lei, o intérprete necessita ampliar o seu campo de incidência. É o que ocorre, a título de exemplo, com as hipóteses de cabimento do RESE previstas no art. 581 do CPP. Conquanto parte minoritária da doutrina ainda procure sustentar que a enumeração das hipóteses de cabimento do recurso em sentido estrito prevista no art. 581 é taxativa, não ad mitindo ampliação para contemplar outras hi póteses, prevalece, no entanto, o entendimento no sentido da possibilidade de interpretação extensiva das hipóteses de cabimento do recur so em sentido estrito, notadamente diante das inúmeras mudanças sofridas pela legislação processual penal nos últimos anos (v.g., Leis 11.689/08,11.690/08,11.719/08 e 12.403/11). Na verdade, o que não se admite é a amplia ção para casos em que a lei evidentemente quis excluir. Exemplificando, na hipótese de recebimento da peça acusatória, não se pode cogitar do cabimento do RESE, já que ficou clara a intenção do legislador de só admitir o recurso quando houver o não recebimento da inicial acusatória. Porém, como a lei prevê o cabimento de RESE contra a decisão que não receber a denúncia ou a queixa (CPP, art. 581, I), não há razão lógica para não se admitir o cabimento do recurso também para a hipótese de rejeição do aditamento. Cuida-se, na verda de, de omissão involuntária do legislador, que pode ser suprida pela interpretação extensiva. Por fim, considera-se interpretação progressi va (adaptativa ou evolutiva) como aquela que busca ajustar a lei às transformações sociais, jurídicas, científicas e até mesmo morais que se sucedem no tempo e que acabam por interferir na efetividade que buscou o legislador com a edição de determinada norma processual penal. Vejamos um exemplo: com o advento da Constituição Federal, outorgando ao M i nistério Público a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (CF, art. 127, caput), e à Defensoria Pública a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados (CF, art. 134), houve forte discussão quanto à recepção do art. 68 do CPP, já que, ao promo ver a ação civil ex delicto em favor de vítima pobre, o Ministério Público estaria agindo em nome próprio na defesa de interesse alheio, de natureza patrimonial e, portanto, disponível. Chamado a se pronunciar a respeito do assun to, o Supremo entendeu que o dispositivo seria dotado de inconstitucionalidade progressiva (ou temporária), ou seja, de modo a viabilizar o direito à assistência jurídica e judiciária dos necessitados, assegurado pela Constituição Federal de 1988 (art. 5o, LXXIV), enquanto não houvesse a criação de Defensoria Pública na Comarca ou no Estado, subsistiría, tempora riamente, a legitimidade do Ministério Público para a ação de ressarcimento e de execução prevista no art. 68 do CPP, sendo irrelevante o fato de a assistência vir sendo prestada por órgão da Procuradoria Geral do Estado, em face de não lhe competir, constitucionalmente, a defesa daqueles que não possam demandar, contratando diretamente profissional da ad vocacia, sem prejuízo do próprio sustento. 3. Analogia (aplicação analógica): pode ser definida como uma forma de autointe- gração da norma, consistente em aplicar a uma hipótese não prevista em lei a disposição legal relativa a um caso semelhante. Afinal, onde impera a mesma razão, deve imperar o mesmo direito. Não se trata, portanto, de mé todo de interpretação, mas sim de integração. Em outras palavras, como ao juiz não é dado deixar de julgar determinada demanda sob o argumento de que não há norma expressa regulamentando-a, há de fazer uso dos méto dos de integração, dentre eles a analogia, com o objetivo de suprir eventuais lacunas encon 33 Art. 3o CPP COMENTADO • Renato Brasileiro de L ima tradas no ordenamento jurídico. Diferencia-se a analogia da interpretação extensiva porque naquela o caso a ser solucionado não está com preendido na hipótese de incidência da regra a ser aplicada, daí porque se fala em aplicação analógica, e não em interpretação analógica. A título de exemplo, diante do silêncio do Código de Processo Penal acerca do procedimento a ser utilizado para fins de produção antecipa da de provas (CPP, arts. 225 e 366), doutrina e jurisprudência admitema a aplicação, por analogia, do novo Código de Processo Civil (2015), que trata da matéria expressamente nos arts. 381 a 383. Quando o art. 3o do CPP dispõe que a lei processual penal admite o emprego da analogia, há de se ficar atento à verdadeira natureza da norma, ou seja, se se trata de nor ma genuinamente processual penal ou se, na verdade, estamos diante de norma processual mista dispondo sobre a pretensão punitiva e produzindo reflexos no direito de liberdade do agente. Afinal, na hipótese de estarmos diante de norma processual mista versando sobre a pretensão punitiva, não se pode admitir o emprego da analogia em prejuízo do acusado, sob pena de violação ao princípio da legalida de. Bom exemplo disso diz respeito à sucessão processual prevista no art. 31 do CPP. Segundo o referido dispositivo, no caso de morte do ofendido ou quando declarado ausente por decisão judicial, o direito de oferecer queixa ou prosseguir na ação passará ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão. Por força do disposto no art. 226, §3°, da Constituição Federal (“Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”), grande parte da doutrina insere no rol dos sucessores o companheiro. Logo, a ordem seria cônjuge (ou companheiro), ascendente, descendente ou irmão. A nosso ver, todavia, não se pode incluir o companheiro nesse rol, sob pena de indevida analogia in malam partem. A inclusão do companheiro ou da companheira nesse rol de sucessores produz reflexos no direito de punir do Estado, já que, quanto menos suces sores existirem, maior é a possibilidade de que o não exercício do direito de representação ou de queixa no prazo legal acarrete a extinção da punibilidade pela decadência. Portanto, cuidando-se de regra de direito material, não se pode querer incluir o companheiro, sob pena de indevida analogia in malam partem, malferindo o princípio da legalidade (CF, art. 5o, XXXIX). 3.1. Distinção entre analogia(aplicação analógica) e interpretação analógica: como o legislador não pode prever todas as situações que poderíam ocorrer na vida em socieda de e que seriam similares àquelas por ele já elencadas, a interpretação analógica permite, expressamente, a ampliação do alcance da norma. Atento ao princípio da legalidade, o legislador detalha as situações que pretende regular, estabelecendo fórmulas casuísticas, para, na sequência, por meio de uma fórmula genérica, permitir que tudo aquilo que a elas for semelhante também possa ser abrangido pelo mesmo dispositivo legal. Em síntese, a uma fórmula casuística, que servirá de norte ao intérprete, segue-se uma fórmula genérica. A título de exemplo, ao inserir no art. 185, §2°, do CPP a possibilidade de utilização da video conferência, a Lei n. 11.900/09 teve o cuidado de autorizar a realização do interrogatório por outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real. Como se percebe, atento aos avanços da tecnologia, o próprio dispositivo legal admite a utilização de outras modalidades de transmissão de sons e imagens em tempo real que porventura venham a sur gir, desde que semelhantes à videoconferência. Diversamente da analogia, que é método de integração, a interpretação analógica, como o próprio nome já sugere, funciona como méto do de interpretação. Logo, neste caso, apesar de não ser explícita, a hipótese em que a norma será aplicada está prevista no seu âmbito de incidência, já que o próprio dispositivo legal faz referência à possibilidade de aplicação de seu regramento a casos semelhantes aos por ele regulamentados. 4. Aplicação supletiva e subsidiária do novo Código de Processo Civil ao processo penal: de acordo com o art. 15 do novo CPC, na ausência de normas que regulem processos TÍTULO I • DISPOSIÇÕES PRELIMINARES Art. 3o eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente. Interpretação literal do referido dispositivo pode nos levar à conclusão (equivocada) de que o novo Código de Processo Civil só pode ser aplicado supleti va e subsidiariamente aos processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, ou seja, como o dispositivo não faz qualquer menção aos processos criminais, ter-se-ia como inviável a aplicação residual do novo CPC aos processos de natureza criminal. No entanto, não há ne nhuma razão lógica para se afastar a aplicação supletiva e subsidiária do novo CPC ao proces so penal, até mesmo porque tal prática já era - e continuará sendo - recorrente na vigência do antigo (e do novo) CPC. Exemplificativamente, como a legislação processual penal nada diz acerca do procedimento a ser utilizado para a produção da prova antecipada prevista no art. 225 do CPP, a doutrina sempre sustentou a possibilidade de aplicação subsidiária dos arts. 846 a 851 do antigo CPC (arts. 381 a 383 do novo CPC). Portanto, quando o art. 15 do novo CPC faz referência apenas aos processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, hou ve uma omissão involuntária do legislador, que deve ser suprida pela interpretação extensiva para fins de ser reconhecida a possibilidade de aplicação supletiva e subsidiária do novo diploma processual civil ao processo penal (co mum e militar). Etimologicamente, existe uma diferença entre aplicação supletiva e aplicação subsidiária. A primeira se destina a suprir algo que não existe em uma determinada legislação, enquanto a subsidiária serve de ajuda ou de subsidio para a interpretação de alguma norma ou mesmo um instituto, operando como que a dar sentido a uma disposição legal menos precisa. Ambas as figuras, de algum modo, acabam englobadas pela analogia. Nessa linha: MEDINA, José Miguel Garcia. Novo Código de Processo Civil comentado: com remissões e notas comparativas ao CPC/1973. 3a ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 72. 4.1. Impossibilidade de aplicação da ana logia para fins de derrogação do Código de Processo Penal: com a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil em 2016, há de se ter extrema cautela com a sua aplicação ao processo penal. Como se trata de diploma processual muito mais moderno que o nosso Código de Processo Penal, que entrou em vigor em 1° de janeiro de 1942, não temos dúvidas em afirmar que haverá grande euforia e en tusiasmo com a possibilidade de aplicação de seus institutos ao processo penal brasileiro. No entanto, a aplicação do novo CPC ao processo penal só pode ocorrer de maneira supletiva e subsidiária. O emprego da analogia permitido pelo art. 3° do CPP pressupõe a inexistência de lei disciplinando matéria específica, consta tando-se, pois, a lacuna involuntária da lei. Por ser a analogia recurso de autointegração (Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, art. 4°), e não instrumento de derrogação de texto ou de procedimento legal, o emprego da analogia só pode ser admitido quando a lei for omissa. Vejamos alguns exemplos. Consoante disposto no art. 219 do novel diploma proces sual civil, na contagem de prazos processuais em dias, computar-se-ão somente os dias úteis. Sem dúvida alguma, se no âmbito processual civil a contagem dos prazos processuais leva em consideração apenas os dias úteis, o ideal seria estender esse mesmo raciocínio ao pro cesso penal, até mesmo para uniformizarmos a contagem de prazos processuais, independen temente da natureza do feito (cível, criminal, trabalhista, eleitoral,, etc). No entanto, o art. 798, caput, do CPP, é categórico ao afirmar que todos os prazos serão contínuos e peremptórios, não se interrompendo por férias, domingo ou dia feriado. Logo, como a lei processual não foi omissa em relação ao assunto, parece-nos invi ável sustentar a aplicação do art. 219 do novo CPC ao processo penal, até mesmo porque a analogia pressupõe a omissão do legislador, o que, in casu, não teria ocorrido. Pelo contrário. A lei processual penal é expressa no sentido de que os prazos processuais são contínuos e peremptórios, leia-se, são computados dias úteis e não úteis, com a ressalva de que, na hipótese de o prazo terminar em domingo ou feriado, considera-se prorrogado até o dia útil imediato (CPP, art. 798, §3°). Por ser a analogia recurso de autointegração (Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, art. 4°), e não Aft. 3o CPP COMENTADO • Renato Brasileiro de L ima instrumento de derrogação de texto ou de procedimento legal, seu emprego só pode ser admitido quando a lei for omissa. Tendo em conta que o CPP não é omisso em relação ao computo dos dias úteis para a contagem de prazos processuais, e considerando que não consta das disposições finais e transitórias do novo CPC (arts. 1045 a 1072) qualquer referência à revogação do art. 798 do CPP, nem tampouco quanto à aplicação da regra do art. 219 ao processo penal, revela-se inviável estender a referida regra aos feitos criminais. No sentido de que não se aplica ao processo penal a regra do art. 219 do novo CPC: STF, 2a Turma, HC 134.554 Rcon/SP, Rei. Min. Celso de Mello, DIe 123 14/06/2016; STJ, 3a Seção, AgRg na Rcl 30.714/PB, Rei. Min. Rey- naldo Soares da Fonseca, j. 27/04/2016, DJe 04/05/2016. Noutro giro, ante o silêncio do CPP em relação ao assunto, é perfeitamente possível a aplicação subsidiária ao processo penal do incidente de resolução de demandas repetitivas (arts. 976 a 987 do novo CPC), que, doravante, poderá ser instaurado em qualquer Tribunal, inclusive nos Tribunais de Justiça dos Estados e nos Tribunais Regionais Federais. A instauração desse incidente é cabível quando houver, simultaneamente: a) efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito; b) risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica. Admitido o incidente, o relator deter minará a suspensão dos processos pendentes que tramitam no Estado ou na Região, confor me o caso. Julgado o incidente,a tese jurídica será aplicada: a) a todos os processos que versem sobre idêntida questão de direito e que tramitem na área de jurisdição do respectivo tribunal, inclusive àqueles que tramitem nos juizados especiais do respectivo Estado ou Re gião; b) aos casos futuros que versem idêntica questão de direito e que venham a tramitar no território de competência do tribunal, salvo se houver a revisão da tese jurídica firmada no incidente. Como se percebe, a aplicação desse incidente ao processo penal vem ao encontro do princípio da celeridade e da garantia da razoável duração do processo, contribuindo para diminuir a carga de recursos pendentes de julgamento pelos Tribunais. Logo, desde que a controvérsia em diversos processos criminais não esteja relacionada à matéria de fato ou pro batória, mas sim à questão de direito - a título de exemplo, a possibilidade de aplicação da causa de aumento de pena do furto praticado durante o repouso noturno (CP, art. 155, §1°) ao furto qualificado (CP, art. 155, §4°) - , esse incidente poderá ser suscitado com o objetivo de evitar decisões contraditórias entre os juízos subordinados àquele Tribunal, preservando-se, assim, a isonomia e a segurança jurídica. 5. Princípios gerais de direito: o vocábulo princípio é dotado de uma imensa variedade de significações. Sem nos olvidar da distinção feita pela doutrina entre princípios, normas, regras e postulados - para ampla análise dessa distinção, sugerimos a leitura da obra de Ro- bert Alexy (Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Vírgilio Afonso da Silva. São Paulo: Edi tora Malheiros, 2008) - , trabalharemos com a noção de princípios como mandamentos nu cleares de um sistema. A Constituição Federal de 1988 elencou vários princípios processuais penais, porém, no contexto de funcionamento integrado e complementar das garantias pro cessuais penais, não se pode perder de vista que os Tratados Internacionais de Direitos Humanos firmados pelo Brasil também inclu íram diversas garantias ao modelo processual penal brasileiro. Nessa ordem, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), prevê diversos direitos relacionados à tutela da liberdade pessoal (Decreto 678/92, art. 7°), além de inúmeras garantias judiciais (Decreto 678/92, art. 8o). Embora seja polêmica a discussão em torno do status normativo dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos, a partir do julgamento do RE 466.343, tem prevalecido no Supremo Tribunal Federal a tese do status de supralegalidade da Convenção America na sobre Direitos Humanos. Não por outro motivo, a despeito do teor do art. 5o, LXVII, da Constituição Federal, que prevê, em tese, a possibilidade de prisão civil do devedor de alimentos e do depositário infiel, a Suprema Corte entendeu que a circunstância de o Brasil haver subscrito o Pacto de São José da Costa Rica, que restringe a prisão civil por dívida TÍTULO I • DISPOSIÇÕES PRELIMINARES Art. 3o ao descumprimento inescusável de prestação alimentícia (art. 7o, 7), conduz à inexistência de balizas visando à eficácia do art. 5o, LXVII, da Carta Magna. Logo, com a introdução do aludido Pacto no ordenamento jurídico nacional, restaram derrogadas as normas es tritamente legais definidoras da custódia do depositário infiel. Seguindo esse raciocínio, o Supremo Tribunal Federal averbou expres samente a revogação da Súmula 619 do STF. Além disso, a fim de por um fim à controvérsia em torno da prisão civil do depositário infiel, o plenário do Supremo Tribunal Federal aprovou no dia 16 de dezembro de 2009 a edição da súmula vinculante n. 25, com o seguinte teor: “É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito”. No mesmo caminho, o STJ editou a súmula n. 419, que dispõe: “descabe a prisão civil do depositário judicial infiel”. Logo, subentende- -se que deixaram de ter validade a súmula n. 304 do STJ (“É ilegal a decretação da prisão civil daquele que não assume expressamente o encargo de depositário judicial”) e a súmula n. 305 do STJ (“É descabida a prisão civil do depositário quando, decretada a falência da empresa, sobrevêm a arrecadação do bem pelo síndico”). Hoje, portanto, já não há mais espaço para a decretação da prisão civil do depositário infiel, seja nos casos de alienação fiduciária, seja em contratos de depósito ou nos casos de depósito judicial, na medida em que a Convenção Americana de Direitos Humanos, cujo status normativo supralegal a coloca abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna, produziu a invalidade das normas infraconstitucionais que dispunham sobre tal espécie de prisão civil. 5.1. Nota ao leitor: por razões didáticas, optamos por tratar dos diversos princípios processuais penais ao longo dos comentários aos artigos do Código de Processo Penal. Por exemplo, por ocasião do estudo da competên cia criminal (arts. 69 a 91), será analisado o princípio do juiz natural nos comentários ao art. 69 do CPP. Por sua vez, nos comentários às Disposições Gerais em que está inserido o art. 155 do CPP, faremos minucioso estudo de princípios como o da presunção de inocência, ampla defesa, contraditório, nemo tenetur se detegere, proporcionalidade, etc. 3 Of.iZPPJ TÍTULO II DO INQUÉRITO POLICIAL1 5 Art. 4o A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria.6 (Redação dada pela Lei n. 9.043, de 9.5.1995) Parágrafo único. A competência definida neste artigo não excluirá a de autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função.7 1. Conceito de inquérito policial: proce dimento administrativo inquisitório e prepa ratório, presidido pela autoridade policial, o inquérito policial consiste em um conjunto de diligências realizadas pela polícia investigativa objetivando a identificação das fontes de pro va e a colheita de elementos de informação quanto à autoria e materialidade da infração penal, a fim de possibilitar que o titular da ação penal possa ingressar em juízo. Trata- -se de um procedimento de natureza instru mental, porquanto se destina a esclarecer os fatos delituosos relatados na notícia de crime, fornecendo subsídios para o prosseguimento ou o arquivamento da persecução penal. De seu caráter instrumental sobressai sua dupla função: a) preservadora: a existência prévia de um inquérito policial inibe a instauração de um processo penal infundado, temerário, resguardando a liberdade do inocente e evi tando custos desnecessários para o Estado; b) preparatória: fornece elementos de informação para que o titular da ação penal ingresse em juízo, além de acautelar meios de prova que po deríam desaparecer com o decurso do tempo. 2. Natureza jurídica do inquérito policial: trata-se de procedimento de natureza adminis trativa. Não se trata, pois, de processo judicial, nem tampouco de processo administrativo, porquanto dele não resulta a imposição direta de nenhuma sanção. Nesse momento, ainda não há o exercício de pretensão acusatória. Logo, não se pode falar em partes stricto sensu, já que não existe uma estrutura processual dialética, sob a garantia do contraditório e da ampla defesa. Apesar de o inquérito policial não obedecer a uma ordem legal rígida para a realização dos atos, isso não lhe retira a característica de procedimento, já que o legis lador estabelece uma sequência lógica para sua instauração, desenvolvimento e conclusão. Por sua própria natureza, o procedimento do inquérito policial deve ser flexível. Não há falar, em sede de investigação policial, em obediên cia a uma ordem predeterminada, rígida, o que não infirma sua natureza de procedimento, já que o procedimento pode seguir tanto um esquema rígido quanto flexível. Logo, como o inquérito policial é mera peça informativa, eventuais vícios dele constantes não têm ocondão de contaminar o processo penal a que c- Art. 4o CPP COMENTADO • Renato Brasileiro de L ima der origem. Havendo, assim, eventual irregula ridade em ato praticado no curso do inquérito, mostra-se inviável a anulação do processo penal subsequente. Afinal, as nulidades proces suais concernem, tão somente, aos defeitos de ordem jurídica que afetam os atos praticados ao longo do processo penal condenatório. Logicamente, caso uma determinada prova te nha sido produzida com violação a normas de direito material, há de ser reconhecida sua ilici- tude (CF, art. 5o, LVI), com o seu consequente desentranhamento dos autos, bem como de todas as demais provas que com ela guardem certo nexo causai (teoria dos frutos da árvore envenenada). Isso, todavia, não significa dizer que todo o inquérito será considerado nulo. Afinal, é possível que constem da investigação policial elementos de informação que não foram contaminados pela ilicitude originária (teoria da fonte independente). ♦ Jurisprudência selecionada: STF:"(...) O s vícios existentes no inquérito policial não repercutem na ação penal, que tem instrução probatória própria. Decisão fundada em outras provas constantes dos autos, e não somente na prova que se alega obtida por meio ilícito. É inviável, em habeas corpus, o exame aprofundado de provas, conforme reiterados precedentes do Supremo Tribunal Federal. Recurso em habeas corpus a que se nega provimento". (STF, 2aTurma, HC 85.286/SP, Rei. Min. Joaquim Barbo sa, j. 29/11 /2005, DJ 24/03/2006). No sentido de não ser cabível a anulação de processo penal em razão de su posta irregularidade verificada em inquérito policial, in casu, em virtude de o procedimento ter sido presidido por delegado alegadamente suspeito: STF, 2a Turma, R H C 131.450/DF, Rei. Min. Cármen Lúcia, j. 03/05/2016. STJ:"(...) É entendimento dominante neste Superior Tribunal de Justiça que eventual nulidade do inquérito policial não contamina a ação penal superveniente, vez que aquele é mera peça informativa, produzida sem o crivo do contraditório. Recurso a que se nega provimento". (STJ, 6a Turma, RHC 21.170/RS, Rei. Min. Carlos Fernando Mathias - Juiz convocado doTRF I a Região -, j. 04/09/2007, DJ 08/10/2007 p. 368). 3. Finalidade do inquérito policial: a par tir do momento em que determinado delito é praticado, surge para o Estado o poder-dever de punir o suposto autor do ilícito. Para que o Estado possa deflagrar a persecução criminal em juízo, é indispensável a presença de elementos de informação quanto à autoria e quanto à mate rialidade da infração penal. De fato, para que se possa dar início a um processo criminal contra alguém, faz-se necessária a presença de um lastro probatório mínimo apontando no sentido da prática de uma infração penal e da probabilidade de o acusado ser o seu autor. Aliás, o próprio CPP, em seu art. 395, inciso III, com redação dada pela Lei n. 11.719/08, aponta a ausência de justa causa para o exercício da ação penal como uma das causas de rejeição da peça acusatória. Daí a importância da identificação das fontes de prova e ulterior registro dos elementos de informação pela autoridade policial. 3.1. Fontes de prova: cometida uma infração penal, tudo aquilo que possa servir para a sua elucidação pode ser conceituada como fonte de prova. Derivam do fato delituoso em si, inde pendentemente da existência do processo, ou seja, são anteriores ao processo, sendo que sua introdução no inquérito policial se dá através dos elementos de informação. Exemplificando, suponha-se que determinado crime de homi cídio tenha sido praticado em uma rua pouco movimentada. O primeiro passo da investiga ção é exatamente buscar pessoas ou coisas que possam contribuir para o esclarecimento do fato delituoso e de sua autoria. Caberá, então, à autoridade policial diligenciar no sentido de localizar o cadáver, a arma usada para a prática do crime, pessoas que tenham visto o provável autor do delito, etc. 3.2. Elementos de informação: trata-se, o inquérito policial, do instrumento geralmente usado pelo Estado para a colheita desses ele mentos de informação, viabilizando o ofereci mento da peça acusatória quando houver justa causa para o processo (fumus comissi delicti), mas também contribuindo para que pessoas inocentes não sejam injustamente submetidas às cerimônias degradantes do processo crimi nal. Esses elementos de informação colhidos no inquérito policial são decisivos para a for mação da convicção do titular da ação penal sobre a viabilidade da acusação, mas tam TÍTULO II • DO INQUÉRITO POLICIAL 4 0 bém exercem papel fundamental em relação à decretação de medidas cautelares pessoais, patrimoniais ou probatórias no curso da in vestigação policial. De fato, para que medidas cautelares como a prisão preventiva ou uma interceptação telefônica sejam determinadas, é necessário um mínimo de elementos quanto à materialidade e autoria do delito. Além disso, também são úteis para fundamentar eventual absolvição sumária (CPP, art. 397). Diferencia- -se o inquérito policial da instrução proces sual por esse motivo: enquanto a investigação criminal tem por objetivo a obtenção de da dos informativos para que o órgão acusatório examine a viabilidade de propositura da ação penal, a instrução em juízo tem como escopo colher provas para demonstrar a legitimidade da pretensão punitiva ou do direito de defesa. 3.2.1. Distinção entre elementos infor mativos e provas: perceba-se que insistimos na assertiva de que a finalidade precípua do inquérito policial é a colheita de elementos de informação quanto à autoria e materialidade do delito. Mas por que elementos de informação e não prova? Com as alterações produzidas pela Lei n 11.690/08, passou a constar expressamen te do CPP a distinção entre prova e elementos informativos. De fato, eis a nova redação do art. 155 do CPP: “O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contra ditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informa tivos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas”. (nosso grifo). Diante da nova redação do art. 155 do CPP, elementos de informação são aqueles colhidos na fase investigatória, sem a necessária participação dialética das partes. Dito de outro modo, em relação a eles, não se impõe a obrigatória observância do contraditó rio e da ampla defesa, vez que nesse momento ainda não há falar em acusados em geral na dicção do inciso LV do art. 5o da Constituição Federal. Apesar de não serem produzidos sob o manto do contraditório e da ampla defesa, tais elementos informativos são de vital impor tância para a persecução penal, pois, além de auxiliar na formação da opinio delicti do órgão da acusação, podem subsidiar a decretação de medidas cautelares pelo magistrado ou fun damentar uma decisão de absolvição sumária (CPP, art. 397). De seu turno, a palavra prova só pode ser usada para se referir aos elementos ̂de convicção produzidos, em regra, no curso do processo judicial, e, por conseguinte, com a necessária participação dialética das partes, sob o manto do contraditório (ainda que diferido) e da ampla defesa. O contraditório funciona, pois, como verdadeira condição de existência e validade das provas, de modo que, caso não sejam produzidas em contraditório, exigência impostergável em todos os momentos da ativi dade instrutória, não lhe caberá a designação de prova. A participação do acusador, do acusado e de seu advogado é condição sine qua non para a escorreita produção da prova, assim como também o é a direta e constante supervisão do órgão julgador, sendo que, com a inserção do princípio da identidade física do juiz no processo penal, o juiz que presidir a instrução deverá proferir a sentença (CPP, art. 399, §2°). Funcionando a observância do contraditório como verdadeira condição de existênciada prova, só podem ser considerados como prova, portanto, os dados de conhecimento introdu zidos no processo na presença do juiz e com a participação dialética das partes. Para mais detalhes acerca dos conceitos de provas caute lares, não repetíveis e antecipadas, remetemos o leitor aos comentários ao art. 155 do CPP. 4. Valor probatório do inquérito policial: como visto anteriormente, a finalidade do in quérito policial é a colheita de elementos de informação quanto à autoria e materialidade do delito. Tendo em conta que esses elementos de informação não são colhidos sob a égide do contraditório e da ampla defesa, deduz-se que o inquérito policial tem valor probatório relativo. Se esses elementos de informação são colhidos na fase investigatória, sem a necessá ria participação dialética das partes, ou seja, sem a obrigatória observância do contraditó rio e da ampla defesa, questiona-se acerca da possibilidade de sua utilização para formar a convicção do juiz em sede processual. Ao longo dos anos, sempre prevaleceu nos Tribunais o Art. 4o CPP COMENTADO • Renato Brasileiro de L ima entendimento de que, de modo isolado, ele mentos produzidos na fase investigatória não podem servir de fundamento para um decreto condenatório, sob pena de violação ao preceito constitucional do art 5o, inciso LV, que assegura aos acusados em geral o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. De fato, pudesse um decreto condenatório estar lastreado única e exclusivamente em elementos informativos colhidos na fase investigatória, sem a necessária observância do contraditório e da ampla defesa, haveria flagrante desrespeito ao preceito do art. 5o, LV, da Carta Magna. No entanto, tais elementos podem ser usados de maneira subsidiária, complementando a prova produzida em juízo sob o crivo do contraditório. Ao inserir o advérbio exclusivamente no corpo do art. 155, caput, do CPP, a Lei n. 11.690/08 acaba por confirmar a posição jurisprudencial que vinha prevalecendo. Destarte, pode-se dizer que, isoladamente considerados, elementos in formativos não são idôneos para fundamentar uma condenação. Todavia, não devem ser com pletamente desprezados, podendo se somar à prova produzida em juízo e, assim, servir como mais um elemento na formação da convicção do órgão julgador. Tanto é verdade que a nova lei não previu a exclusão física do inquérito policial dos autos do processo (CPP, art. 12). + Jurisprudência selecionada: STF:"(...) Ao contrário do que alegado pelos ora agra vantes, o conjunto probatório que ensejou a conde nação dos recorrentes não vem embasado apenas nas declarações prestadas em sede policial, tendo suporte, também, em outras provas colhidas na fase judicial. Confirmação em juízo dos testemunhos prestados na fase inquisitorial. O s elementos do inquérito podem influir na formação do livre convencimento do juiz para a decisão da causa quando complementam outros indícios e provas que passam pelo crivo do contradi tório em juízo. Agravo regimental improvido". (STF, 2a Turma, RE-AgR 425.734/MG, Rei. Min. Ellen Gracie, DJ 28/10/2005 p. 57). STF:"(...) Padece de falta de justa causa a condenação que se funde exclusivamente em elementos informa tivos do inquérito policial. Garantia do contraditório: inteligência. Ofende a garantia constitucional do con traditório fundar-se a condenação exclusivamente em testemunhos prestados no inquérito policial, sob o pretexto de não se haver provado, em juízo, que tivessem sido obtidos mediante coação”. (STF, I a Tur ma, RE 287.658/MG, Rei. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 03/10/2003 p. 22). STF:"(...) Condenação baseada exclusivamente nas declarações colhidas em sede de inquérito policial. Inocorrência. Confirmação em juízo dos depoimentos prestados. Validade de indícios com o meio de prova (CPP, art. 239). Análise conjunta de todas as provas pro duzidas. Não-conhecimento da ordem impetrada. Con denação mantida". (STF, I a Turma, HC 83.348/SP, Rei. Min. Joaquim Barbosa, j. 21/10/2003, DJ 28/11/2003). 5. Características do inquérito policial: são inúmeras as características do inquérito policial. 5.1. Procedimento escrito: vide comentá rios ao art. 9o do CPP. 5.2. Procedimento dispensável: como dito acima, o inquérito policial é peça meramente informativa, funcionando como importante instrumento na apuração de infrações penais e de sua respectiva autoria, possibilitando que o titular da ação penal possa exercer o jus perse- quendi in judicio, ou seja, que possa dar início ao processo penal. Se a finalidade do inquérito policial é a colheita de elementos de informa ção quanto à infração penal e sua autoria, é forçoso concluir que, desde que o titular da ação penal (Ministério Público ou ofendido) disponha desse substrato mínimo necessário para o oferecimento da peça acusatória, o inquérito policial será perfeitamente dispen sável. O próprio Código de Processo Penal, em diversos dispositivos, deixa claro o caráter dispensável do inquérito policial. De acordo com o art. 12 do CPP, “o inquérito policial acompanhará a denúncia ou queixa, sempre que servir de base a uma ou outra”. A contrario sensu, se o inquérito policial não servir de base à denúncia ou queixa, não há necessidade de a peça acusatória ser acompanhada dos autos do procedimento investigatório. Por sua vez, o art. 27 do CPP dispõe que qualquer pessoa do povo poderá provocar a iniciativa do Ministério Público, nos casos em que caiba a ação pública, fornecendo-lhe, por escrito, informações sobre o fato e a autoria e indicando o tempo, o lugar TlTULO II • DO INQUÉRITO POLICIAL Art. 4o e os elementos de convicção. Ora, se qualquer pessoa do povo for capaz de trazer ao órgão do Ministério Público os elementos necessários para o oferecimento da denúncia, não haverá necessidade de se requisitar a instauração de inquérito policial. De seu turno, o art. 39, §5°, do CPP, estabelece que o órgão do Ministério Público dispensará o inquérito, se com a re presentação forem oferecidos elementos que o habilitem a promover a ação penal, e, neste caso, oferecerá a denúncia no prazo de 15 (quinze) dias. Por fim, o art. 46, §1°, do CPP, acentua que quando o Ministério Público dispensar o inquérito policial, o prazo para o oferecimento da denúncia contar-se-á da data em que tiver recebido as peças de informações ou a representação. 53. Procedimento sigiloso: vide comentá rios ao art. 20 do CPP. 5.4. Procedimento inquisitorial (Lei n. 13345/16): aprovada em regime de urgência pelo Congresso Nacional, quiçá devido ao incômodo causado a diversos parlamentares federais pelas investigações levadas a efeito pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal no curso da operação “Lava-Jato”, a Lei n. 13.245 (vigência em 13 de janeiro de 2016) deverá acirrar ainda mais as discussões quanto à verdadeira natureza jurídica das investiga ções preliminares. Isso porque, para além de reforçar o direito de o advogado ter acesso a qualquer procedimento investigatório - não apenas o inquérito policial (Lei n. 8.906/94, art. 7o, XIV, com redação dada pela Lei n. 13.245/16) - referida Lei também introduziu no Estatuto da Ordem dos Advogados do Bra sil o direito de o advogado assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações, sob pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e, subsequente mente, de todos os elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente, podendo inclusive apresentar razões e quesitos no curso da res pectiva apuração (Lei n. 8.906/94, art. 7o, XXI, “a”). Diante da nova redação conferida à Lei n. 8.906/94, qual a verdadeira natureza jurídica das investigações preliminares? Procedimento sujeito ao contraditório diferido e à ampla defesa? Ou de natureza inquisitorial? Vejamos, separadamente, as duas correntes acerca do assunto, e seus respectivos argumentos.5.4.1. Investigação preliminar como pro cedimento sujeito ao contraditório diferido e à ampla defesa: de um lado, parte da dou trina sustenta que as investigações prelimina res - não apenas o inquérito policial, mas também procedimentos investigatórios diver sos, como, por exemplo, um procedimento investigatório criminal presidido pelo Minis tério Público - estão sujeitas ao contraditório diferido e à ampla defesa, ainda que com um alcance mais limitado que aquele reconhecido na fase processual. Isso não apenas por conta das mudanças introduzidas pela Lei n. 13.245/16, mas notadamente devido à própria Constituição Federal, que assegura aos litigan tes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (art. 5o, LV), assim como a assistência de ad vogado (art. 5o, LXIII). O inciso LV do art. 5o da Constituição Federal não pode ser obje to de interpretação restritiva para fins de se concluir que a expressão processo administra tivo ali utilizada não abrange as investigações preliminares, que têm natureza jurídica de procedimento administrativo, nem tampouco para se alegar que o fato de mencionar acusa dos, e não investigados ou indiciados, seja um impedimento para sua aplicação na fase pré- -processual. O simples fato de figurar como suposto autor ou partícipe da infração penal em uma investigação criminal, por si só, já deve ser tratada como uma imputação em sentido amplo, porquanto o investigado fica sujeito a uma série de medidas coercitivas já na fase investigatória, como, por exemplo, medidas cautelares pessoais, patrimoniais, diligências policiais, etc. Logo, com o objetivo de se extrair a máxima eficácia do referido dispositivo constitucional, o ideal é concluir que qualquer forma de imputação determina da representa uma acusação em sentido amplo. Por isso, o constituinte empregou a expressão Art. 4o CPP COMENTADO • Renato Brasileiro de L ima acusados em geral, abrangendo não apenas aquele contra quem foi instaurado um proces so penal, mas também o indivíduo que figura como provável autor (ou partícipe) do fato delituoso, é dizer, o sujeito passivo da investi gação preliminar. Em síntese, a observância do contraditório - ainda que de maneira diferida e restrita aos elementos informativos já docu mentados - e da ampla defesa não pode ficar restrita à fase processual da persecução penal. A observância do contraditório diferido e da ampla defesa na investigação preliminar tam bém pode ser extraída do inciso LXIII do art. 5o da Constituição Federal. Por mais que o Código de Processo Penal, com seus viés niti damente autoritário, silencie acerca do direito de o investigado ser cientificado de que há uma investigação em andamento, na qual ele figura na condição de imputado, não se pode negar a existência desse direito. A partir do momen to em que a própria Constituição Federal as segura ao preso o direito de permanecer cala do (CF, art. 5o, LXIII), subentende-se que o preso, aí compreendido o suspeito, investigado ou indiciado, preso ou em liberdade, tem o direito de ser ouvido pela autoridade respon sável pelas investigações. Afinal, alguém só pode permanecer calado se lhe for assegurado o direito de ser ouvido. Logicamente, o inves tigado poderá se valer de seu direito ao silên cio, permanecendo calado, mas daí não se pode admitir que um inquérito seja concluído sem que lhe seja franqueada a possibilidade de apresentar sua versão sobre os fatos sob inves tigação. É direito, pois, do investigado, ser ouvido pela autoridade competente antes da conclusão das investigações preliminares. Lo gicamente, na hipótese de se tratar de investi gado foragido, não será possível a realização de seu interrogatório, mas aí se entende que foi o próprio indivíduo que abriu mão do exercício da autodefesa (direito de audiência). À luz do art. 5o, inciso LV, da Constituição Federal, e em estrita harmonia com uma ten dência crescente de jurisdicionalização do processo administrativo, assim compreendida a inserção das garantias do devido processo legal no âmbito processual administrativo, a garantia do contraditório deve, sim, ser inse rida na investigação criminal, ainda que de maneira diferida e restrita, dando-se ciência ao investigado - e a seu defensor - exclusiva mente dos elementos informativos documen tados, resguardando-se, logicamente, o sigilo quanto aos atos investigatórios ainda em an damento, tanto na deliberação quanto na sua prática, quando o direito à informação ineren te ao contraditório puder colocar em risco a própria eficácia da diligência investigatória (Lei n. 8.906/94, art. 7o, §11, incluído pela Lei n. 13.245/16). Em qualquer sistema minima mente garantista e democrático, é direito bá sico do indivíduo ser cientificado quanto à existência e quanto ao conteúdo de uma im- putação contra a sua pessoa, oriunda de uma simples notícia-crime ou de uma investigação preliminar em andamento. Impõe-se, pois, a observância do contraditório, pelo menos em relação ao direito à informação, a fim de que o imputado, assistido pela defesa técnica (v.g., requerendo diligências, apresentando razões e quesitos), possa exercer a autodefesa por meio do interrogatório policial, oferecendo resistên cia à pretensão investigatória e coercitiva es tatal, atuando no sentido de identificar fontes de prova favoráveis à defesa ou, ao menos, capazes de atenuar a pena que eventualmente venha a ser imposta ao final do processo. A propósito, o acesso do advogado aos autos da investigação preliminar consagrado pela sú mula vinculante n. 14 funciona como eviden te exemplo de manifestação do direito de in form ação que constitui o primeiro momento do contraditório. Sem dúvida alguma, essa corrente ganha corpo com as mudanças pro duzidas pela Lei n. 13.245/16, notadamente diante da positivação do direito de o advogado assistir a seus clientes durante a apuração de infrações (Lei n. 8.906, art. 7o, XX I). Aliás, firmada a premissa de que o exercício do di reito de defesa é de observância obrigatória já na fase preliminar de investigações, da mudan ça introduzida no Estatuto da OAB poder-se- -ia concluir que a presença de um advogado seria cogente inclusive no interrogatório poli cial, funcionando, o inciso XXI do art. 7o da Lei n. 8.906/94, não apenas como um direito do advogado, mas sobretudo como uma ga TÍTULO II • DO INQUÉRITO POLICIAL Art. 4o rantia de proteção do próprio investigado, que teria resguardada a proteção a sua integridade física e moral, ao direito ao silêncio, etc., por um profissional da advocacia ao longo de toda a persecução penal, e não mais apenas duran te a fase judicial propriamente dita. Ficariam resguardados, assim, direitos e garantias fun damentais da pessoa humana sujeita à inves tigação, funcionando, a presença obrigatória de um defensor já num interrogatório policial, como importante fator de dissuasão à adoção de práticas probatórias ilegais. A experiência do cotidiano policial (e ministerial) demonstra inexoravelmente que a simples entrega de uma nota de culpa ou de um termo de ciência das garantias constitucionais ao investigado (indi ciado ou preso em flagrante) não tem se mos trado suficiente para a tutela de seus diversos direitos fundamentais. O sujeito passivo da investigação preliminar não tem conhecimen tos necessários e suficientes para resistir à pretensão estatal. Agravada pela posição de inferioridade ante o poder da autoridade esta tal encarnada pelo Delegado de Polícia ou pelo Promotor de Justiça, esta hipossuficiência deve ser suprida com a presença de um defensor já na fase pré-processual, presença esta que deve ser concebida como um instrumento de con trole da atuação do Estado e de seus órgãos persecutórios, garantindo-se, assim, o respei to ao devido processo legal. À primeira vista, poder-se-ia pensar queo exercício do direito de defesa nas investigações preliminares, in clusive com a obrigatória presença de advoga do no interrogatório policial, poderia funcio nar como obstáculo à eficácia das investiga ções. Pelo co n trário . C om o exposto anteriormente, as investigações preliminares não têm como finalidade única a obtenção de elementos de informação para que o titular da ação penal possa ingressar em juízo. Também visam inibir a instauração de um processo penal infundado, temerário. Logo, o exercício do direito de defesa na investigação preliminar não depõe contra a eficácia do trabalho inves- tigatório. Depõe, sim, a favor dessa suposta eficiência, evitando que possíveis inocentes sejam processados criminalmente. Na verdade, superada uma reação contrária inicial que a Lei n. 13.245/16 deve provavelmente despertar em Delegados de Polícia e membros do Minis tério Público, protagonistas na investigação preliminar, é inegável que, a longo prazo, o referido diploma normativo também deverá contribuir para o aprimoramento das investi gações. Explica-se: apesar de o sistema da prova tarifada ter sido deixado de lado há anos, a busca incansável pela confissão ainda é uma rotina em Delegacias de Polícia e Promotorias Criminais. Aliás, em algumas raras ocasiões, essa busca incansável pela confissão ainda é feita de maneira ilegal, quer por meio de cons trangimentos físicos e morais, quer por inob servância do dever de advertência quanto ao direito ao silêncio. Isso acaba prejudicando a qualidade do trabalho investigatório. De fato, uma vez obtida a confissão do crime, é comum haver um relaxamento natural das autoridades persecutórias em relação à busca de outras fontes de prova e elementos informativos, haja vista a crença equivocada de que a confissão ainda é tida como a rainha das provas. Portan to, a partir do momento em que as autoridades responsáveis pela investigação preliminar se conscientizarem de que o investigado não é mais um mero objeto de prova, que tem direi to ao silêncio e à assistência de um advogado, enfim, que o interrogatório é meio de defesa - e não meio de prova - , seja ele judicial ou policial, é provável que se dê maior ênfase à busca de outras fontes de prova, otimizando a eficácia das investigações por meio da produ ção de provas científicas, juntada de documen tos, colheita de depoimentos de testemunhas presenciais, etc. De mais a mais, como é extre mamente comum a alegação do acusado, por ocasião de seu interrogatório judicial, no sen tido de que sofreu agressões, torturas ou seví- cias na fase investigatória para que confessas se o fato delituoso, a presença obrigatória de advogado no interrogatório policial também terá o condão de resguardar a própria autori dade policial (ou ministerial) contra questio namentos dessa natureza. 5.4.1.1. Exercício do direito de defesa na investigação preliminar: a) exercício exó- geno: é aquele efetivado fora dos autos do Art. 4o CPP COMENTADO • Renato Brasileiro de L ima inquérito policial, por meio de algum remédio constitucional (habeas corpus ou mandado de segurança) ou por requerimentos endereçados ao juiz ou ao promotor de justiça; b) exercício endógeno: é aquele praticado nos autos da investigação preliminar, por meio da oitiva do imputado (autodefesa - direito de audiência), de diligências porventura solicitadas - jamais requisitadas - à autoridade policial (CPP, art. 14), ou através da apresentação de razões e quesitos (Lei n. 8.906/94, art. 7o, XXI, “a”, com redação dada pela Lei n. 13.245/16). Consoante disposto no art. 7o, XXI, alínea “a”, da Lei n. 8.906/94, com redação determinada pela Lei n. 13.245/16, é direito do advogado, ainda no curso das investigações preliminares, apresen tar: a) razões: devem ser compreendidas como um arrazoado que pode ser apresentado pela defesa técnica de modo a tentar influenciar o convencimento da autoridade policial no sen tido da inexistência de elementos informativos em detrimento do investigado, seja para fins de evitar iminente pedido de medidas cautelares, seja de modo a evitar possível indiciamento pelo Delegado de Polícia em um inquérito policial (Lei n. 12.830/13, art. 2o, §6°); quesitos: são indagações direcionadas aos peritos, que devem ser respondidas quando da elaboração do laudo pericial. Levando-se em consideração que dificilmente é possível a repetição dos exa mes periciais realizados na fase investigatória após a instauração do processo penal, a Lei n. 13.245/16 passa a permitir a apresentação facultativa de quesitos pela Defesa. Importante registrar que a apresentação dessas razões e quesitos não é condição sitie qua non para a validade do procedimento investigatório, nem tampouco do exame pericial, é dizer, cuida- -se de mera faculdade da defesa, que pode ser exercida de acordo com a conveniência dos interesses do cliente investigado. Logo, em situações de urgência (v.g., exame de ne- cropsia), a não apresentação de quesitos pela defesa não será óbice à imediata realização do exame pericial, o que, no entanto, não impede a apresentação de eventuais pedidos de esclarecimentos pela defesa aos peritos em momento posterior, nos termos do art. 159, §5°, I, do CPP. O Projeto de Lei aprovado pelo Congresso Nacional (PL 78/2015 - PL 6.705/13 na Câmara dos Deputados) também permitia aos advogados requisitar diligências no curso da investigação preliminar (Lei n. 8.906/94, art. 7o, XXI, alínea “b”). No entanto, esta alínea acabou sendo vetada pela Presiden te da República. Entendeu-se - a nosso juízo, acertadamente - que, da forma como redigido, o dispositivo poderia levar à interpretação equivocada de que a requisição em questão seria mandatória, resultando em embaraços no âmbito de investigações e consequentes prejuízos à administração da justiça. Interpre tação semelhante já fora afastada pelo próprio Supremo Tribunal Federal em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade de dispositivos da própria Lei n. 8.906/94 (ADI 1.127). Sem embargo do veto, fato é que subsiste o direito de petição ao Ministério Público e ao Poder Judiciário em defesa de direitos ou contra ile galidade ou abuso de poder, nos termos do art. 5o, XXXIV, alínea “a”, da Constituição Federal. 5.4.2. Investigação preliminar como pro cedimento inquisitorial (nossa posição): cuida-se, a investigação preliminar, de mero procedimento de natureza administrativa, com caráter instrumental, e não de processo judicial ou administrativo. Dessa fase pré-processual não resulta a aplicação de uma sanção, desti- nando-se tão somente a fornecer elementos para que o titular da ação penal possa dar início ao processo penal. Logo, ante a impos sibilidade de aplicação de uma sanção como resultado imediato das investigações criminais, como ocorre, por exemplo, em um processo administrativo disciplinar, não se pode exigir a observância do contraditório e da ampla defesa nesse momento inicial da persecução penal. As atividades investigatórias estão con centradas nas mãos de uma única autoridade - Delegado de Polícia, no caso do inquérito policial (Lei n. 12.830/13, art. 2o, §1°); Minis tério Público, em se tratando de um procedi mento investigatório criminal (art. Io da Re solução n. 13/2006 do CNMP) - , que deve conduzir a apuração de maneira discricionária (e não arbitrária) de modo a colher elementos quanto à autoria e materialidade do fato deli- TÍTULO II • DO INQUÉRITO POLICIAL Art. 4o cassa Logo, não há oportunidade para o exer cício do contraditório ou da ampla defesa. Não ha como negar que essa característica está chretamente relacionada à busca da eficácia das diligências levadas a efeito no curso de qualquer procedimento investigatório. Deve ras, esse caráter inquisitivo confere às investi gações maior agilidade, otimizando a identi ficação das fontes de prova e a colheita de ekmentos informativos. Fossem os atos inves- úgatórios precedidosde prévia comunicação a parte contrária (contraditório), seria inviável a localização de fontes de prova acerca do delito, em verdadeiro obstáculo à boa atuação do aparato policial. Funciona o elemento da surpresa, portanto, como importante traço peculiar de toda e qualquer investigação pre liminar. É uma ilusão - e até mesmo ingênuo - imaginar que o exercício do contraditório direrido e a ampla defesa na fase investigatória possa colaborar com as investigações, pois esta não é a regra que se nota no cotidiano policial. Na prática, a falta de contraditório e ampla defesa nessa fase pré-processual acaba sendo compensada por mecanismos legislativos ten dentes a evitar que o juiz julgue a imputação valendo-se exclusivamente dos elementos in formativos colhidos na fase investigatória, excetuando-se as provas antecipadas, não re- petíveis e cautelares. Deveras, se os elementos informativos colhidos na fase investigatória são produzidos sem a necessária participação dialética do investigado, ter-se-ia evidente violação ao contraditório e à ampla defesa se acaso fosse admitida a sua utilização como fundamento exclusivo para uma possível con denação do acusado. Daí a importância da regra constante do art. 155, caput, do CPP, que admite a utilização dos elementos informativos colhidos na fase pré-processual apenas subsi- diariamente. Outra prova do caráter inquisi- torial da investigação preliminar é o quanto disposto no art. 107 do CPP, segundo o qual não se poderá opor suspeição às autoridades policiais nos atos do inquérito, mas deverão elas declarar-se suspeitas, quando ocorrer motivo legal. Some-se a isso o quanto dispos to no art. 306, §1°, do CPP, que passou a exigir a remessa do auto de prisão em flagrante à Defensoria Pública em 24 (vinte e quatro) horas após a prisão, caso o autuado não infor me o nome de seu advogado. Ora, se o CPP exige a remessa do APF em até 24 (vinte e quatro) horas após a captura, silenciando quan to à presença da Defensoria durante o interro gatório, denota-se que a presença do advogado não é obrigatória no momento da lavratura do auto de prisão em flagrante delito. As mudan ças legislativas produzidas pela Lei n. 13.245/16 não têm o condão de afastar a natureza inqui- sitorial das investigações preliminares, nem tampouco de tornar obrigatória a presença de advogado durante o interrogatório policial. Na verdade, preservada esta natureza, o que hou ve foi a outorga de um viés mais garantista à investigação preliminar, buscando-se garantir os direitos fundamentais do investigado. De um lado, a nova redação conferida ao inciso XIV do art. 7o da Lei n. 8.906/94 não introdu ziu nenhuma novidade concreta. O acesso do advogado aos autos das investigações prelimi nares - não apenas o inquérito policial - já podia ser extraído a partir de uma interpreta ção extensiva da redação original do inciso XIV do art. 7o. Com efeito, firmada a premis sa de que a Polícia Judiciária não tem exclusi vidade na apuração de infrações penais, é de todo evidente que o advogado poderá ter aces so não apenas aos autos de inquéritos policiais, mas também a todo e qualquer procedimento investigatório em andamento. Isso, aliás, já havia sido reconhecido pelo próprio Supremo Tribunal Federal por ocasião do reconheci mento do poder investigatório criminal do Ministério Público (STF, Pleno, RE 593.727/ MG, Rei. Min. Gilmar Mendes, j. 14/05/2015, DJe 175 04/09/2015). De outro, apesar de a Lei n. 13.245/16 ter positivado o direito de o ad vogado assistir a seus clientes investigados du rante a apuração de infrações (Lei n. 8.906/94, art. 7o, XXI), daí não se pode concluir que a presença de advogado passaria a ser obrigató ria para fins de realização de interrogatórios policiais, sob pena de transformarmos a inves tigação preliminar em um verdadeiro juizado de instrução, porém sem a presença do Minis tério Público, no caso de inquéritos policiais presididos por Delegados de Polícia, e da au Art. 4o CPP COMENTADO • Renato Brasileiro de Lima toridade judiciária competente. Nesse ponto, a Lei n. 13.245/16 não introduziu nenhuma novidade no ordenamento jurídico pátrio. Na verdade, simplesmente positivou o que a Cons tituição Federal sempre assegurou, a saber, a assistência de advogado a qualquer pessoa a quem seja imputada a prática de uma infração penal, seja ele suspeito, investigado, acusado ou condenado, preso ou em liberdade (CF, art. 5o, LXIII). Ora, se a força normativa do refe rido preceito constitucional jamais foi suficien te para tornar cogente a presença de advogado por ocasião da realização de interrogatórios policiais, é no mínimo estranho que a simples reprodução desse mesmo preceito em uma lei ordinária teria o condão de passar a exigir sua presença. De mais a mais, fosse necessária a presença de advogado no interrogatório poli cial, referida mudança legislativa deveria ter sido introduzida no âmbito do Código de Processo Penal, diploma normativo que regu lamenta o interrogatório policial, e não no Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil. Para que se possa compreender a exata ampli tude do novel inciso XX I do art. 7o do Estatu to da OAB, com redação dada pela Lei n. 13.245/16, há de se ter em mente o exato contexto fático em que essa alteração legisla tiva foi concebida. Sob o argumento de que a investigação preliminar é um procedimento inquisitorial, ainda é relativamente comum que seja negado aos advogados o direito de acom panhar interrogatórios realizados em sede policial (ou ministerial). Ora, se o advogado está presente por ocasião do interrogatório policial, a ele não se pode negar o direito de assistir a seu cliente, sob pena de evidente violação à garantia fundamental do art. 5o, LXIII, da CF. Nesse caso, é dizer, presente o advogado, e negado o seu direito de assistir a seu cliente investigado, aí sim restará caracte rizada a ilegalidade do interrogatório policial e, por consequência, de todos os elementos informativos e probatórios dele derivados, direta ou indiretamente (teoria dos frutos da árvore envenenada - CPP, art. 157, §1°). O art. 7o, XXI, da Lei n. 8.906/94, com redação de terminada pela Lei n. 13.245/16, dispõe que a não observância desse direito acarretará a nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e, subsequentemente, de todos os elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados, direta ou indireta mente. Sem embargo da terminologia utiliza da pela Lei n. 13.245/16, parece-nos incorreto referir-se à inobservância desse direito como causa de nulidade absoluta, porquanto a nuli dade funciona como uma sanção processual aplicada ao ato processual defeituoso, privan- do-o da aptidão de produzir seus efeitos regu lares. Logo, como o art. 7o, XXI, do Estatuto da OAB, faz referência à inobservância de um direito do advogado durante o curso da fase preliminar de investigações, tecnicamente soa mais correto dizer que há, in casu, uma ilega lidade, que pode contaminar os demais ele mentos informativos e probatórios daí deriva dos (teoria dos frutos da árvore envenenada). Ainda que se queira objetar que se trata de verdadeira nulidade, o fato de a Lei n. 13.245/16 tê-la rotulado de absoluta não acarreta, de per si, a invalidação do referido ato, salvo se com provado o prejuízo causado ao investigado. Afinal, conforme recentes decisões do Supre mo Tribunal Federal (v.g., STF, 2a Turma, HC 117.102/SP, Rei. Min. Ricardo Lewandowski, j. 25/06/2013), o reconhecimento de uma nu lidade, ainda que absoluta, também pressupõe a comprovação do prejuízo. Por conseguinte, ainda que não seja franqueado ao advogado presente o direito de assistir a seu cliente in vestigado durante a realização do interrogató rio policial, não há falar em invalidação do procedimento investigatório se este permane cer em silêncio. Se o próprio Supremo Tribunal Federal entende que a falta de defesatécnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição (súmu la vinculante n. 5), é no mínimo contraditório concluir que, a partir da vigência da Lei n. 13.245/16, o interrogatório policial seja consi derado válido tão somente quando o investi gado estiver assistido por profissional da ad vocacia. Em outras palavras, se não há neces sidade de um defensor no curso de um processo administrativo disciplinar, do qual pode resultar a aplicação de sanções relativa mente severas (v.g., suspensão, exoneração, TITULO II • DO INQUÉRITO POLICIAL Art. 4o perda de função, etc.), é de se estranhar a obrigatoriedade de defensor durante a realiza ção de um interrogatório policial, do qual ja mais será possível a aplicação imediata de uma sanção. É nesse sentido que deve ser feita a correta interpretação do inciso XXI do art. 7o da Lei n. 8.906/94: a investigação preliminar não perdeu a sua natureza inquisitiva. Ganhou, na verdade, um viés garantista. Doravante, presente o advogado, se não lhe for assegurado o direito de assistir a seu cliente investigado durante a realização de seu interrogatório policial, inclusive com a observância do direi to à entrevista prévia e reservada, para que possa instrui-lo acerca de quais perguntas deve responder, ou se deve simplesmente permane cer em silêncio, ter-se-á manifesta ilegalidade, daí por que eventual confissão nessas circuns tâncias deve ser considerada ilícita, assim como as demais provas dela derivadas (CPP, art. 157, caput e §1°). De todo modo, apesar de o contraditório diferido e a ampla defesa não serem aplicáveis ao inquérito policial, que não é processo, não se pode perder de vista que o suspeito, investigado ou indiciado possui direitos fundamentais que devem ser observa dos mesmo no curso da investigação policial, entre os quais o direito ao silêncio, o de ser assistido por advogado, etc. Aliás, do plexo de direitos dos quais o investigado é titular, é corolário e instrumento a prerrogativa do advogado de acesso aos autos do inquérito policial (Lei n. 8.906/94, art. 7o, XIV), tal qual preceitua a súmula vinculante n. 14 do Supre mo. Logo, se houver, no curso do inquérito, momentos de violência e coação ilegal, há de se assegurar a ampla defesa ao investigado. + Jurisprudência selecionada - note o leitor que todos os julgados são anteriores à Lei n. 13.245/16: STJ: "(...) a ausência de ad vogad o por ocasião da lavratura do flagrante não nulifica o ato quando o paciente é informado de seus direitos constitucionais e expressamente declara que se reserva no direito de só falar em juízo. Ordem denegada". (STJ, 5aTurma, HC 24.510/MG, Rei. Min. Jorge Scartezzini, j. 06/03/2003, DJ 02/06/2003 p. 310). STF:"(...) A documentação do flagrante prescinde da presença do defensor técnico do conduzido, sendo suficiente a lembrança, pela autoridade policial, dos direitos constitucionais do preso de ser assistido, comunicando-se com a família e com profissional da advocacia, e de permanecer calado". (STF, Pleno, HC 102.732/DF, Rei. Min. Marco Aurélio, j. 04/03/2010, DJe 81 06/05/2010). STJ:"(...) É pacífico o entendimento do SuperiorTribu- nal de Justiça no sentido de que o inquérito policial é procedimento inquisitivo e não sujeito ao contraditó rio, razão pela qual a realização de interrogatório sem a presença de advogado não é causa de nulidade. Ordem parcialmente concedida para garantir à paciente o direito de aguardar em liberdade o trânsito em julgado da condenação”. (STJ, 6a Turma, HC 139.412/SC, Rei. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 09/02/2010, DJe 22/03/2010). TRF/4a Região:"/..) Os direitos de entrevista prévia, da presença do advogado e de perguntas complementa res, no interrogatório judicial, foram criados pela Lei n° 10.792, de 1°.12.2003. Embora o auto de flagrante e o inquérito policial tenham normas de remessa que informem deva ser o preso ou indiciado ouvido nos moldes do interrogatório judicial, necessário é que se tenha em conta estar-se em fase onde permanece o modelo inquisitório, pelo que não é caso de distorcida interpretação que pretenda inserir o contraditório (com a presença de advogado no interrogatório) nesta fase investigatória. Imprescindível é o alerta e o cumprimento aos constitucionais direitos do preso, na forma do inciso LXIII, do art. 5° da Constituição Federal/88: o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado". (TRF4, HC 2005.04.01.002056-0, Sétima Turma, Relator Néfi Cordeiro, DJ 23/03/2005). STF:"(...) Inaplicabilidade da garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa ao inquérito policial, que não é processo, porque não destinado a deci dir litígio algum, ainda que na esfera administrativa; existência, não obstante, de direitos fundamentais do indiciado no curso do inquérito, entre os quais o de fazer-se assistir por advogado, o de não se incriminar e o de manter-se em silêncio. (...). Habeas corpus de ofício deferido, para que aos advogados constituídos pelo paciente se faculte a consulta aos autos do in quérito policial e a obtenção de cópias pertinentes, com as ressalvas mencionadas". (STF, 1a Turma, HC 90.232, Rei. Min. Sepúlveda Pertence, j. 18/12/2006, DJ 02/03/2007). STJ:"(...) Embora seja o inquérito policial procedimento preparatório da ação penal (HCs 36.813, de 2005, e 44.305, de 2006), é ele garantia "contra apressados e errôneos juízos” (Exposição de motivos de 1941). Se bem que, tecnicamente, ainda não haja p rocesso -daí 49 Art. 4o CPP COMENTADO • Renato Brasileiro de L ima que não haveríam de vir a pêlo princípios segundo os quais ninguém será privado de liberdade sem processo legal e a todos são assegurados o contraditório e a ampla defesa é lícito admitir possa haver, no curso do inquérito, m om entos de violência ou de coação ilegal (HC-44.165, de 2007). A lei processual, aliás, permite o requerimento de diligências. Decerto fica a diligência a juízo da autoridade policial, mas isso, obviamente, não impede possa o indiciado bater a outras portas. Se, tecnicamente, inexiste processo, tal não haverá de constituir em peço a que se garantam direitos sensíveis - do ofendido, do indiciado, etc. Cabimento do habeas corpus (Constituição, art. 105,1, c). Ordem concedida a fim de se determinar à autoridade policial que atenda as diligências requeridas". (STJ, 6a Turma, HC 69.405/SP, Rei. Min. Nilson Naves, j. 23/10/2007, DJ 25/02/2008 p. 362). STJ:"(...) Há, no nosso ordenamento jurídico, normas sobre sigilo, bem com o norm as sobre informação; enfim, normas sobre segurança e normas sobre li berdade. Havendo normas de opostas inspirações ideológicas - antinomia de princípio -, a solução do conflito (aparente) há de privilegiar a liberdade. Afinal, somente se considera alguém culpado após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. A defesa é de ordem pública primária (Carrara); sua função consiste em ser a voz dos direitos legais - inocente ou criminoso o acusado. De mais a mais, é direito do advogado examinar autos de flagrante e de inquéri to, findos ou em andamento (Lei n° 8.906/94, art. 7°, inciso XIV). A Turma ratificou a liminar - de caráter unipessoal - e concedeu a ordem a fim de permitir ao advogado vista, em cartório, dos autos de inquérito". (STJ, 6a Turma, HC 44.165/RS, Rei. Min. Nilson Naves, j. 18/12/2006, DJ 18/12/2006). 5.4.3. Inquérito para fins de expulsão de estrangeiro: a observância do contraditório é obrigatória em relação ao inquérito objetivan do a expulsão de estrangeiro. Regulamentando o Estatuto do Estrangeiro (Lei n. 6.815/80), o Decreto n. 86.715/81 estabelece uma sequên cia de etapas que devem ser observadas para que seja concretizado o ato de expulsão, aí abrangida a possibilidade de ampla defesa e contraditório. 5.5. Procedimento discricionário: ao contrário da fase judicial, em que há um rigor procedimental a ser observado, a fase prelimi nar de investigações é conduzida de maneira discricionária pela autoridade policial, que deve determinar o rumo das diligências de acordo com as peculiaridades do caso con creto. Os arts. 6o e 7o do CPP contemplam um rol exemplificativo de diligências que podem ser determinadas pela autoridade policial, logo que tiver conhecimento da prática da infração penal: conservação do local do fato delituoso, até a chegada dos peritos criminais; apreensão dos instrumentos e objetos que tiverem relação com o fato; colheita de todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias; oitiva do ofendido; oitiva do indiciado; reconhecimento de pessoas e coi sas e a acareações; exame de corpo de delito e quaisquer outras perícias; identificação do indiciado; averiguação da vida pregressa do indiciado; e reconstituição do fato delituoso. Conquanto tais dispositivos enumerem várias diligências que podem ser determinadas pela autoridade policial, daí não se pode concluir que o Delegado de Polícia esteja obrigado a seguir uma marcha procedimental preestabe- lecida. Tem-se, nos arts. 6o e 7o do CPP, apenas uma sugestão das principais medidas a serem adotadas pela autoridade policial, o que não impede que outras diligências também sejam realizadas. Discricionariedade implica liberda de de atuação nos limites traçados pela lei. Se a autoridade policial ultrapassa esses limites, sua atuação passa a ser arbitrária, ou seja, con trária à lei. Logo, não se permite à autoridade policial a adoção de diligências investigatórias contrárias à Constituição Federal e à legislação infraconstitucional. Portanto, quando o art. 2o, §2°, da Lei n. 12.830/13, dispõe que cabe ao delegado de polícia a requisição de perícia, informações, documentos e dados que interes sem à apuração dos fatos, não se pode perder de vista que certas diligências investigatórias demandam prévia autorização judicial, sujeitas que estão à denominada cláusula de reserva de jurisdição (v.g., prisão temporária, man dado de busca domiciliar). Assim, apesar de o delegado de polícia ter discricionariedade para avaliar a necessidade de interceptação telefônica, não poderá fazê-lo sem autorização judicial. Nos mesmos moldes, por ocasião do interrogatório policial do investigado, deverá adverti-lo quanto ao direito ao silêncio (CF, art. 5o, LXIII). TÍTULO II • DO INQUÉRITO POLICIAL Art. 4o 5.6. Procedimento oficial: incumbe ao De legado de Polícia (civil ou federal) a presidên cia do inquérito policial. Vê-se, pois, que o inquérito policial fica a cargo de órgão oficial do Estado, nos termos do art. 144, §1°, I, c/c art. 144, §4°, da Constituição Federal. 5.7. Procedimento oficioso: ao tomar co nhecimento de notícia de crime de ação penal ixiblica incondicionada, a autoridade policial é obrigada a agir de ofício, independentemente de provocação da vítima e/ou qualquer outra pessoa. Deve, pois, instaurar o inquérito po licial de ofício, nos exatos termos do art. 5o, L, do CPP, procedendo, então, às diligências investigatórias no sentido de obter elemen tos de informação quanto à infração penal e sua autoria. Para a instauração do inquérito policial, basta a notícia de fato formalmente típico, devendo a autoridade policial abster-se de fazer qualquer análise quanto à presença de causas excludentes da ilicitude ou da cul pabilidade. No caso de crimes de ação penal pública condicionada à representação e de ação penal de iniciativa privada, a instauração do inquérito policial está condicionada à ma nifestação da vítima ou de seu representante legaL Porém, uma vez demonstrado o interesse do ofendido na persecução penal, a autoridade policial é obrigada a agir de ofício, determi nando as diligências necessárias à apuração do delito. Essa característica da oficiosidade do inquérito policial não é incompatível com a discricionariedade de que tratamos acima. A oficiosidade está relacionada à obrigatoriedade de instauração de inquérito policial quando a autoridade policial toma conhecimento de infração penal de ação penal pública incondi cionada; a discricionariedade guarda relação com a forma de condução das investigações, seja no tocante à natureza dos atos investiga- tórios (provas periciais, acareações, oitiva de testemunhas, etc.), seja em relação à ordem de sua realização. 5.8. Procedim ento ind isponível: para evitarmos repetições desnecessárias, reme temos o leitor aos comentários ao art. 17 do CPP. 5.9. Procedimento temporário: diz o Có digo de Processo Penal, em seu art. 10, §3°, que, quando o fato for de difícil elucidação, e o indiciado estiver solto, a autoridade policial poderá requerer ao juiz a devolução dos autos, para ulteriores diligências, que serão realiza das no prazo marcado pelo juiz. No dia-a-dia de fóruns criminais e delegacias, o que se vê é a existência de um número incontável de inquéritos em relação a investigados soltos que tem seu prazo de conclusão prorrogado ad eternum. Mas seria possível, então, que alguém fosse objeto de investigação em um inquérito policial por 10, 15 anos? A nosso ver, diante da inserção do direito à razoável duração do processo na Constituição Federal (art. 5o, LXXVIII), já não há mais dúvidas de que um inquérito policial não pode ter seu prazo de conclusão prorrogado indefinida mente. As diligências devem ser realizadas pela autoridade policial enquanto houver necessidade. Evidentemente, em situações mais complexas, envolvendo vários acusa dos, é lógico que o prazo para a conclusão das investigações deverá ser sucessivamente prorrogado. Porém, uma vez verificada a impossibilidade de colheita de elementos que autorizem o oferecimento de denúncia, deve o Promotor de Justiça requerer o arquiva mento dos autos. Não obstante o silêncio da legislação brasileira quanto às consequências de eventual dilação indevida referente a per- secuções criminais em que o acusado esteja em liberdade, em pioneiro julgado acerca do assunto, a 5a Turma do STJ (HC 96.666/ MA, Rei. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 04/09/2008, DJe 22/09/2008) concedeu a ordem para determinar o trancamento de inquérito policial em andamento em relação a suspeitos que estavam em liberdade, por en tender que, no caso concreto, passados mais de sete anos desde a instauração do inquérito, ainda não teria havido o oferecimento da denúncia contra os pacientes. ♦ Jurisprudência selecionada: STJ: "(...) No caso, passados mais de 7 anos desde a instauração do Inquérito pela Polícia Federal do Maranhão, não houve o oferecimento de denúncia Art. 4o CPP COMENTADO • Renato Brasileiro de L ima contra os pacientes. É certo que existe jurisprudência, inclusive desta Corte, que afirma inexistir constran gim ento ilegal pela simples instauração de Inquérito Policial, mormente quando o investigado está solto, diante da ausência de constrição em sua liberdade de locom oção (HC 44.649/SP, Rei. Min. LAURITA VAZ, DJU 08.10.07); entretanto, não se pode admitir que alguém seja objeto de investigação eterna, porque essa situação, por si só, enseja evidente constran gimento, abalo moral e, muitas vezes, econôm ico e financeiro, principalm ente q uando se trata de grandes empresas e empresários e os fatos já foram objeto de Inquérito Policial arquivado a pedido do Parquet Federal. Ordem concedida, para determinar o trancamento do Inquérito Policial 2001.37.00.005023- 0 (IPL 521/2001), em que pese o parecer ministerial em sentido contrário". (STJ, 5a Turma, HC 96.666/MA, Rei. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 04/09/2008, DJe 22/09/2008). 6. Funções de polícia judiciária: segundo a doutrina majoritária, à Polícia são atribuídas duas funções precípuas: a) Polícia Admi nistrativa; trata-se de atividade de cunho preventivo, ligada à segurança, visando im pedir a prática de atos lesivos à sociedade;b) Polícia Judiciária; cuida-se de função de ca ráter repressivo, auxiliando o Poder Judiciário. Sua atuação ocorre depois da prática de uma infração penal e tem como objetivo precípuo colher elementos de informação relativos à ma terialidade e à autoria do delito, propiciando que o titular da ação penal possa dar início à persecução penal em juízo. Nessa linha, dispõe o art. 4o, caput, do CPP, que a polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria. 6.1. Distinção entre funções de polícia ju diciária e funções de polícia investigativa: conquanto a doutrina, em sua maioria, faça referência à Polícia Judiciária como aquela à qual é atribuída a função de apurar as in frações penais e sua autoria, comungamos do entendimento de que funções de polícia judiciária não se confundem com funções de polícia investigativa. A despeito do teor do art. 4o, caput, do CPP, a Constituição Federal deixa clara a diferença entre funções de polícia judiciária e funções de polícia investigativa. Basta perceber que, ao se referir às atribuições da Polícia Federal, a Carta Magna diferencia as funções de polícia investigativa, previstas no art. 144, §1°, I e II, das funções de polícia judiciária (CF, art. 144, §1°, inciso IV). Com efeito, enquanto os incisos I e II do §1° do art. 144 da Carta Magna outorgam à Polícia Federal atribuições para apurar infrações p e nais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e em presas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei, bem como preve nir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e descaminho, o inciso IV estabelece que a Polícia Federal destina-se a exercer, com exclusividade, as funções de Polícia Judiciária da União. Ora, veja-se que a função investigativa está descrita nos dois primeiros incisos, de maneira distinta das funções de polícia judiciária. Seguindo a mesma linha, o art. 144, §4°, da Constituição Federal, prevê que a Polícia Civil tem funções de polícia judiciária e de apuração de infrações penais. Veja-se que há uma clara distinção entre funções de polícia judiciária e funções de apuração de infrações penais. Como se perce be, a própria Constituição Federal estabelece uma distinção entre as funções de polícia judiciária e as funções de polícia investigativa. Destarte, por funções de polícia investigati va devem ser compreendidas as atribuições ligadas à colheita de elementos informativos quanto à autoria e materialidade das infra ções penais. A expressão polícia judiciária está relacionada às atribuições de auxiliar o Poder Judiciário, cumprindo as ordens judi ciárias relativas à execução de mandados de prisão, busca e apreensão, condução coercitiva de testemunhas, etc. Por se tratar de norma hierarquicamente superior, deve, então, a Constituição Federal, prevalecer sobre o teor do Código de Processo Penal (art. 4o, caput). A Lei n. 12.830/13, que dispõe sobre a inves tigação criminal conduzida pelo Delegado de Polícia, parece acolher essa terminologia ao dispor em seu art. 2, caput: “As funções de TÍTULO II • DO INQUÉRITO POLICIAL Art. 4° polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado”. Veja-se, então, que uma mesma Polícia pode exercer diversas funções. A título de exemplo, quando um Policial Militar anda fardado pelas ruas, age no exercício de funções de polícia administrativa, já que atua com o objetivo de evitar a prática de delitos. Por sua vez, supondo a prática de um crime militar por um policial militar do Estado de São Paulo, as investigações do delito ficarão a cargo da própria Polícia Militar em questão, cujo en carregado do Inquérito Policial Militar agirá no exercício de função de polícia investigativa. Por último, segundo o art. 8o, “c”, do CPPM, incumbe à polícia judiciária militar cumprir os mandados de prisão expedidos pela Justiça Militar, atribuição esta inerente às funções de polícia judiciária militar. Apesar de acredi tarmos que a Constituição Federal estabelece uma distinção entre polícia judiciária e polícia investigativa, somos obrigados a admitir que prevalece na doutrina e na jurisprudência a utilização da expressão polícia judiciária para se referir ao exercício de atividades rela cionadas à apuração da infração penal. Basta atentar para o teor da súmula vinculante n. 14 do Supremo: “É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa”. Independentemente dessa discussão, é certo dizer que as atividades investigatórias devem ser exercidas precipuamente por auto ridades policiais, sendo vedada a participação de agentes estranhos à autoridade policial, sob pena de violação do art. 144, § Io, IV, da CF/1988, da Lei n. 9.883/1999, e dos arts. 4o e 157 e parágrafos do CPP. Por isso, os Tribunais vêm considerando que a execução de atos típicos de polícia investigativa como monitoramento eletrônico e telemático, bem como ação controlada, por agentes de órgão de inteligência (v.g., ABIN) sem autorização judicial, acarreta a ilicitude da provas assim obtidas. 4- Jurisprudência selecionada: STJ:"(...) Diversamente do que se tem procurado sustentar, com o resulta da letra do seu artigo 144, a Constituição da República não fez da investigação criminal uma função exclusiva da Polícia, restringindo- -se, com o se restringiu, tão-somente a fazer exclusivo, sim, da Polícia Federal o exercício da função de polí cia judiciária da União (parágrafo I o, inciso IV). Essa função de polícia judiciária - qual seja, a de auxiliar do Poder Judiciário -, não se identifica com a função investigatória, isto é, a de apurar infrações penais, bem distinguidas no verbo constitucional, com o exsurge, entre outras disposições, do preceituado no parágrafo 4o do artigo 144 da Constituição Federal, verbis:"§ 4o às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares."Tal norma constitucional, por fim, define, é certo, as funções das polícias civis, mas sem estabelecer qualquer cláusula de exclusividade. O exercício do poder investigatório do Ministério Público não é, por óbvio, estranho ao Direito, subordinando-se, à falta de norma legal par ticular, no que couber, analogicamente, ao Código de Processo Penal, sobretudo na perspectiva da proteção dos direitos fundamentais e da satisfação do interesse social, que, primeiro, impede a reprodução simultânea de investigações; segundo, determina o ajuizamento tempestivo dos feitos inquisitoriais e, por último, faz obrigatória oitiva do indiciado autor do crime e a ob servância das normas legais relativas ao impedimento, à suspeição, e à prova e sua produção. De qualquer modo, não há confundir investigação criminal com os atos investigatório-inquisitoriais complementares de que trata o artigo 47 do Código de Processo Penal. "A participação de m em bro do Ministério Público na fase investigatória criminal não acarreta o seu impedimento ou suspeição para o oferecimento da denúncia."(Súmula do STJ, Enunciado n°234) Recurso parcialmente conhecido e improvido". (STJ, 6a Turma, REsp 332.172/ES, Rei. Min. Hamilton Carvalhido, Dje 04/08/2008). STJ: “(...) No caso em exame, é inquestionável o pre juízo acarretado pelas investigações realizadas em desconformidade com as normaslegais, e não con valescem, sob qualquer ângu lo que seja analisada a questão, porquanto é manifesta a nulidade das diligências perpetradas pelos agentes da ABIN e um ex-agente do SNI, ao arrepio da lei. Insta assinalar, por oportuno, que o juiz deve estrita fidelidade à lei penal, dela não podendo se afastar a não ser que imprudentemente se arrisque a percorrer, de forma isolada, o caminho tortuoso da subjetividade que, não poucas vezes, desemboca na odiosa perda da imparcialidade. Ele não deve, jamais, perder de vista a importância da democracia e do Estado Democrático de Direito. Portanto, inexistem dúvidas de que tais Art. 4o CPP COMENTADO • Renato Brasileiro de L ima provas estão irremediavelmente maculadas, devendo ser consideradas ilícitas e inadmissíveis, circunstân cias que as tornam destituídas de qualquer eficácia jurídica, consoante entendimento já cristalizado pela doutrina pacífica e lastreado na torrencial jurispru dência dos nossos tribunais. Pelo exposto, concedo a ordem para anular, todas as provas produzidas, em especial a dos procedimentos n° 2007.61.81.010208-7 (monitoramento telefônico), n° 2007.61.81.011419-3 (monitoramento telefônico), e n° 2008.61.81.008291-3 (ação controlada), e dos demais correlatos, anulando também, desde o início, a ação penal, na mesma es teira do bem elaborado parecer exarado pela douta Procuradoria da República". (STJ, 5aTurma, HC 149.250/ SP, Rei. Min. Adilson Vieira Macabu - Desembargador convocado doTJ/RJ -, j. 07/06/2011, DJe 05/09/2011). 6.2. Da atribuição em face da natureza da infração penal: estabelecida a distinção entre funções de polícia ostensiva, judiciária e investigativa, cumpre analisar a quem é atri buída a presidência do inquérito policial. Em regra, à autoridade policial, sendo a atribuição determinada, a princípio, pela natureza da infração penal praticada, valendo lembrar que eventual investigação policial em andamento somente poderá ser avocada ou redistribuída por superior hierárquico, mediante despacho fundamentado, por motivo de interesse pú blico ou nas hipóteses de inobservância dos procedimentos previstos em regulamento da corporação que prejudique a eficácia da inves tigação (Lei n. 12.830/13, art. 2o, §4°). 6.2.1. Crimes militares: em se tratando de crime militar, a atribuição para as investigações recai sobre a autoridade de polícia judiciária militar, a quem compete determinar a ins tauração de inquérito policial militar (IPM), seja no âmbito das Polícias Militares ou dos Corpos de Bombeiros, nos crimes da alçada da Justiça Militar Estadual, seja no âmbito do Exército, da Marinha ou da Aeronáutica, em relação aos crimes militares de competência da Justiça Militar da União. No caso de militares federais de corporações distintas, mas sujeitos à Justiça Militar da União (v.g., crime militar praticado em coautoria por um militar do Exército e outro da Aeronáutica), afigura-se possível uma interpretação extensiva do art. 97, parágrafo único, do CPPM, concluindo-se, então, que a atribuição para a presidência do IPM será determinada pela prevenção. Caso, todavia, o crime tenha sido cometido por um oficial da ativa do Exército e um soldado da Marinha, prevalece a atribuição da corporação à qual pertence o oficial da ativa, daí porque, nessa hipótese, o IPM deveria ser instaurado no âmbito do Exército. 6.2.2. Crimes da competência da Justiça Federal: no caso de infrações penais de com petência da Justiça Federal, a atribuição para a realização das investigações incide sobre a Po lícia Federal. Afinal, de acordo com o art. 144, § 1 °, I, primeira parte, da Constituição Federal, à Polícia Federal incumbe a apuração de infra ções penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas. Ademais, de acordo com o art. 144, §1°, IV, da Carta Magna, cabe à Polícia Federal exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União. 6.2.3. Crimes eleitorais: na hipótese de cri mes da competência da Justiça Eleitoral, a qual é tida como uma Justiça da União, a atribuição para a realização das investigações é, precipu- amente, da Polícia Federal. Todavia, como já se pronunciou o próprio Tribunal Superior Eleitoral, verificando-se a prática de crime eleitoral em município onde não haja órgão da Polícia Federal, nada impede que sua inves tigação seja levada a efeito pela Polícia Civil. Portanto, a atribuição legal da Polícia Federal para a instauração de inquéritos policiais de apuração da prática de crimes eleitorais não exclui a atribuição subsidiária da autoridade policial estadual, quando se verificar a ausência de órgão da Polícia Federal no local da prática delituosa. ♦ Jurisprudência selecionada: TSE:"(...) Na investigação de crime eleitoral, não há óbice para a atuação da polícia estadual quando no local do crime não existir órgão da polícia federal. Ausência de constrangimento ilegal do paciente, em razão de oferecimento da denúncia, quando presentes a tipicidade da conduta e indícios de autoria. Não se presta o processo de habeas-corpus ao exame apro fundado das provas. Ordem denegada". (TSE, HC 439, Rei. Min. Carlos Mário da Silva Velloso, DJ 27/06/2003). Art. 4oTlTULO II • DO INQUÉRITO POLICIAL 6-2.4. Crimes da competência da Justiça Estadual: nesse caso, as investigações devem ser presididas, em regra, pela Polícia Civil. No entanto, por força da própria Constituição Federal, também é possível a atuação da Po lida Federal. Deveras, de acordo com o art. 144, §1°, I, in fine, da Constituição Federal, à Polida Federal também incumbe a apuração de infrações penais cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei. A lei a que se refere o dispositivo é a Lei n. 10.446/02, ano art Io preceitua que, quando houver reper cussão interestadual ou internacional que exija repressão uniforme, poderá o Departamento de Polícia Federal do Ministério da Justiça, sem prejuízo da responsabilidade dos órgãos de segurança pública arrolados no art. 144 da Constituição Federal, em especial das Polícias Militares e Civis dos Estados, proceder à inves tigação, dentre outras, das seguintes infrações penais: I - sequestro, cárcere privado e extorsão mediante sequestro, se o agente foi impelido por motivação política ou quando praticado em razão da função pública exercida pela vítima; II - formação de cartel (incisos I, a, II, III e VII do art 4o da Lei n. 8.137/90); III - relativas à violação a direitos humanos, que a República Federativa do Brasil se comprometeu a reprimir em decorrência de tratados internacionais de que seja parte; IV - furto, roubo ou receptação de cargas, inclusive bens e valores, transpor tadas em operação interestadual ou interna cional, quando houver indícios da atuação de quadrilha ou bando em mais de um Estado da Federação (de se notar que o antigo crime de quadrilha foi substituído pela Lei n. 12.850/13 pelo novel delito de associação criminosa); V - falsificação, corrupção, adulteração ou alte ração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais e venda, inclusive pela internet, depósito ou distribuição do produto falsificado, corrompido, adulterado ou alterado (art. 273 do Código Penal) - este inciso V foi incluído pela Lei n. 12.894/13; VI - furto, roubo ou dano con tra instituições financeiras, incluindo agências bancárias ou caixas eletrônicos, quando houver indícios da atuação de associação criminosa em mais de um Estado da Federação (Incluído pela Lei n. 13.124/15). Ademais, segundo o art. Io, parágrafo único, da Lei n. 10.446/02, verificada a repercussão interestadual ou internacional que exija repressão uniforme, o Departamento de Polícia Federal procederá à apuração de outros casos, desde que tal providência seja autorizada ou determinada pelo Ministro de Estadoda Justiça. Por fim, importante não perder de vista que, por força do art. 11 da Lei Antiterrorismo (Lei n. 13.260/16), a Polícia Federal também passou a ter atribuições investigatórias para apurar os delitos previstos no referido diploma normativo: terrorismo propriamente dito (art. 2o), organização terrorista (art. 3o), preparação de terrorismo (art. 5o) e financiamento ao ter rorismo (art. 6o). 6.3. Da atribuição em face do local da consumação da infração penahvide comen tários ao art. 22 do CPP. 7. Instrumentos investigatórios diversos do inquérito policial: a atividade investigató- ria não é exclusiva da Polícia Judiciária. Com efeito, o próprio Código de Processo Penal, em seu art. 4o, parágrafo único, acentua que a atribuição para a apuração das infrações penais e de sua autoria não excluirá a de autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função. 7.1. Comissões Parlamentares de Inquérito (inquéritos parlamentares): de acordo com o art. 58, §3°, da Carta Magna, as comissões par lamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das res pectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a res ponsabilidade civil ou criminal dos infratores. As comissões parlamentares de inquérito são órgãos que instauram procedimento adminis trativo de feição política, de cunho meramente investigatório, semelhante ao inquérito poli cial e ao inquérito civil público. Diferenciam- Art. 4o CPP COMENTADO • Renato Brasileiro de Lima -se destes, no entanto, não só em virtude dos poderes de investigação de que são dotados seus membros, equiparados aos poderes de investigação dos juizes, como também pelo fato de as CPIs não assumirem, obrigatoriamente, natureza preparatória de ações judiciais. Não se destinam a apurar crimes nem a puni-los, o que é da competência dos Poderes Executivo e Judiciário; entretanto, se no curso de uma in vestigação, vem a deparar com fato criminoso, dele dará ciência ao Ministério Público, para os fins de direito, como qualquer autoridade, e mesmo como qualquer do povo. As Comissões Parlamentares de Inquérito não são dotadas de poderes gerais de investigação. Só podem investigar fatos precisos e determinados, mesmo que relacionados a particulares, porém desde que sejam de interesse público. Esses fatos espe cíficos podem ter qualquer natureza, inclusive criminosa, independentemente de quem esteja envolvido. Em relação aos poderes e limitações a que estão sujeitas às comissões parlamentares de inquérito, pode-se dizer que; a) a atuação das comissões parlamentares de inquérito está sujei ta à cláusula de reserva de jurisdição, segundo a qual, por expressa previsão constitucional, com pete exclusivamente aos órgãos do Poder Judici ário, com total exclusão de qualquer outro órgão estatal, a prática de determinadas restrições a direitos e garantias individuais: a.l) violação ao domicílio durante o dia (CF, art. 5o, inciso XI); a.2) prisão, salvo o flagrante delito (CF, art. 5o, inciso LXI); a.3) interceptação telefônica (CF, art. 5o, inciso XII); a.4) afastamento de sigilo de processos judiciais; b) o princípio constitucio nal da reserva de jurisdição não se estende ao tema da quebra de sigilo, pois, em tal matéria, e por efeito de expressa autorização dada pela própria Constituição da República (CF, art. 58, § 3o), assiste competência à Comissão Parla mentar de Inquérito, para decretar, sempre em ato necessariamente motivado, a excepcional ruptura dessa esfera de privacidade das pessoas; c) uma comissão parlamentar de inquérito tem poderes para colher depoimentos, ouvir indiciados, inquirir testemunhas, notificando- -as a comparecer perante ela e a depor; d) se as comissões parlamentares de inquérito detêm o poder instrutório das autoridades judiciais - e não maior que o dessas - a elas se poderão opor os mesmos limites formais e substancias opo- níveis aos juizes, dentre os quais os derivados das garantias constitucionais contra a autoin- criminação, que tem sua manifestação mais eloquente no direito ao silêncio dos acusados; e) não é dado a uma Comissão Parlamentar de Inquérito querer controlar a regularidade ou a legalidade de atos jurisdicionais, obrigando magistrado a dar, além daquelas que constam dos autos do processo judicial, outras razões de sua prática, ou a revelar as cobertas por segredo de justiça, sob pena de violação frontal ao princípio da separação e independência dos poderes; f) Comissão Parlamentar de Inquérito não tem competência para expedir decreto de indisponibilidade de bens de particular, que não é medida de instrução - a cujo âmbito se res tringem os poderes de autoridade judicial a elas conferidos no art. 58, § 3° - mas de provimento cautelar de eventual sentença futura, que só pode caber ao Juiz competente para proferi-la. As Casas Legislativas dos Estados-membros, do Distrito Federal e dos Municípios também são dotadas de função fiscalizadora, mas só poderão investigar os fatos que se inserirem no âmbito de suas respectivas competências legislativas e materiais. Daí porque concluiu o Supremo que, ainda que seja omissa a Lei Complementar n. 105/01, é possível que uma CPI estadual deter mine a quebra de sigilo de dados bancários, com base no art. 58, § 3.°, da Constituição. Para além dos poderes investigatórios de que são dotadas as Comissões Parlamentares de inquérito, vale ressaltar que, segundo a súmula n. 397 do Su premo, “o poder de polícia da Câmara dos De putados e do Senado Federal, em caso de crime cometido nas suas dependências, compreende, consoante o regimento, a prisão em flagrante do acusado e a realização do inquérito”. + Jurisprudência selecionada: STF:"(...) Com issão Parlamentar de Inquérito não tem poder jurídico de, mediante requisição, a operadoras de telefonia, de cópias de decisão nem de mandado judicial de interceptação telefônica, quebrar sigilo imposto a processo sujeito a segredo de justiça. Este é oponível a Com issão Parlamentar de Inquérito, re presentando expressiva limitação aos seus poderes TÍTULO II • DO INQUÉRITO POLICIAL Art. 4o constitucionais". (STF, Pleno, M S 27.483 REF-MC/DF, Rei. V ivC e z a r Peluso, j. 14/08/2008, DJe 192 09/10/2008). STF;"(_) A quebra do sigilo fiscal, bancário e telefônico oe qualquer pessoa sujeita a investigação legislativa pode ser legitim am ente decretada pela Com issão -aríamentar de Inquérito, desde que esse órgão estatal c^aça mediante deliberação adequadamente funda mentada e na qual indique a necessidade objetiva da aooção dessa medida extraordinária. (...) O princípio constitucional da reserva de jurisdição - que incide score as hipóteses de busca domiciliar (CF, art. 5o, XI), de nrerceptação telefônica (CF, art. 5o, XII) e de decreta ção da prisão, ressalvada a situação de flagrância penal <F, art 5o, LXI) - não se estende ao tema da quebra de sáaflo, pois, em tal matéria, e por efeito de expressa autorização dada pela própria Constituição da Repú- cãca (CF, art 58, § 3o), assiste competência à Comissão ^aríamentar de Inquérito, para decretar, sempre em ato necessariamente motivado, a excepcional ruptura des sa esfera de privacidade das pessoas. (...) O inquérito oadamentar, realizado por qualquer CPI, qualifica-se com o procedimento jurídico-constitucional revestido de autonomia e dotado de finalidade própria, circuns tância esta que permite à Comissão legislativa - sem pre respeitados os limites inerentes à competência — aterial do Poder Legislativo e observados os fatos determinados que ditaram a sua constituição - pro mover a pertinente investigação, aindaque os atos investigatórios possam incidir, eventualmente, sobre aspectos referentes a acontecimentos sujeitos a inqué ritos policiais ou a processos judiciais que guardem conexão com o evento principal objeto da apuração congressual. Doutrina". (STF, Pleno, M S 23.639/DF, Rei. V ia Celso de Mello, j. 16/11 /2000, D J 16/02/2001). Com entendimento semelhante: STF, Pleno, M S 23.652/DF, Rei. Min. Celso de Mello, DJ 16/02/2001. ST F :'(...) A comissão parlamentar de inquérito, desti nada a investigar fatos relacionados com as atribuições congressuais, tem poderes imanentes ao natural exer cício de suas atribuições, como de colher depoimentos, ouvir indiciados, inquirir testemunhas, notificando-as a comparecer perante ela e a depor; a este poder cor responde o dever de, comparecendo a pessoa perante a comissão, prestar-lhe depoimento, não podendo calar a verdade. Comete crime a testemunha que o fizer. A Constituição, art. 58, § 3o, a Lei 1579, art. 4o, e a jurisprudência são nesse sentido. Também pode requisitar docum entos e buscar todos os meios de provas legalmente admitidos. Ao poder de investigar corresponde, necessariamente, a posse dos meios coercitivos adequados para o bom desem penho de suas finalidades; eles são diretos, até onde se revelam eficazes, e indiretos, quando falharem aqueles, caso em que se servirá da colaboração do aparelho judiciário. Os poderes congressuais, de legislar e fiscalizar, hão de estar investidos dos meios apropriados e efica zes ao seu normal desempenho. (...) N inguém pode escusar-se de comparecer a com issão parlamentar de inquérito para depor. N inguém pode recusar-se a depor. Contudo, a testemunha pode escusar-se a prestar depoim ento se este colidir com o dever de guardar sigilo. O sigilo profissional tem alcance geral e se aplica a qualquer juízo, cível, criminal, administrativo ou parlamentar. Não basta invocar sigilo profissional para que a pessoa fique isenta de prestar depoimento. É preciso haver um mínimo de credibilidade na alega ção e só a posteriori pode ser apreciado caso a caso. A testemunha, não pode prever todas as perguntas que lhe serão feitas. (...) Prisão decretada pelo presidente da CPI que extravasa claramente os limites legais."Habeas Corpus" concedido para cassar o decreto ilegal, sem prejuízo do dever de seu comparecimento à Comissão, para ser inquirido com o testemunha ou ouvido com o indiciado". (STF, Pleno, HC 71.039/RJ, Rei. Min. Paulo Brossard, j. 07/04/1994, DJ 06/12/1996). STF:"(...) CPI: nemo tenetur se detegere: direito ao si lêncio. Se, conforme o art. 58, § 3o, da Constituição, as comissões parlamentares de inquérito detêm o poder instrutório das autoridades judiciais - e não maior que o dessas - a elas se poderão opor os mesmos limites formais e susbstanciais oponíveis aos juizes, dentre os quais os derivados das garantias constitucionais contra a auto-incriminação, que tem sua manifestação mais eloqüente no direito ao silêncio dos acusados. Não im porta que, na CPI - que tem poderes de instrução, mas nenhum poder de processar nem de julgar-a rigor não haja acusados: a garantia contra a auto-incriminação se estende a qualquer indagação por autoridade pública de cuja resposta possa advir à imputação ao dedarante da prática de crime, ainda que em procedimento eforo diversos. Se o objeto da CPI é mais amplo do que os fatos em relação aos quais o cidadão intimado a depor tem sido objeto de suspeitas, do direito ao silêncio não decorre o de recusar-se de logo a depor, mas sim o de não responder às perguntas cujas repostas entenda possam vir a incriminá-lo: liminar deferida para que, comparecendo à CPI, nesses termos, possa o paciente exercê-lo, sem novamente ser preso ou ameaçado de prisão. Habeas corpus prejudicado, uma vez observada a liminar na volta do paciente à CPI e já encerrados os trabalhos dessa". (STF, Pleno, HC 79.244/DF, Rei. Min. Sepúlveda Pertence, j. 23/02/2000, DJ 24/03/2000). STF:"(...) Configura constrangimento ilegal, com evi dente ofensa ao princípio da separação dos Poderes, a convocação de m agistrado a fim de que preste depoimento em razão de decisões de conteúdo juris- dicional atinentes ao fato investigado pela Comissão Parlamentarde Inquérito. Precedentes. Habeas-corpus deferido". (STF, Pleno, HC 80.539/PA, Rei. Min. Maurício Corrêa,j.21/03/2001, DJ 01/08/2003). STF:"(...) Incompetência da Com issão Parlamentar de Inquérito para expedir decreto de indisponibilidade de bens de particular, que não é medida de instrução - a cujo âmbito se restringem os poderes de autoridade judicial a elas conferidos no art. 58, § 3o - mas de pro vimento cautelar de eventual sentença futura, que só Art. 4o CPP COMENTADO • Renato Brasileiro de Lima pode caber ao Juiz competente para proferi-la. Quebra ou transferência de sigilos bancário, fiscal e de registros telefônicos que, ainda quando se admita, em tese, susceptível de ser objeto de decreto de CPI - porque não coberta pela reserva absoluta de jurisdição que resguarda outras garantias constitucionais -, há de ser adequadamente fundamentada: aplicação no exercí cio pela CPI dos poderes instrutórios das autoridades judiciárias da exigência de motivação do art. 93, IX, da Constituição da República. Sustados, pela concessão liminar, os efeitos da decisão questionada da CPI, a dissolução desta prejudica o pedido de mandado de segurança". (STF, Pleno, M S 23.466/DF, Rei. Min. Sepúl- veda Pertence, j. 04/05/2000, DJ 06/04/2001). STF:"(...) Função fiscalizadora exercida pelo Poder Legislativo. Mecanismo essencial do sistema de checks- -and-counterchecks adotado pela Constituição federal de 1988. Vedação da utilização desse mecanismo de controle pelos órgãos legislativos dos estados-mem- bros. Impossibilidade. Violação do equilíbrio federativo e da separação de Poderes. Poderes de CPI estadual: ainda que seja omissa a Lei Complementar 105/2001, podem essas comissões estaduais requerer quebra de sigilo de dados bancários, com base no art. 58, § 3o, da Constituição. M andado de segurança conhecido e parcialmente provido". (STF, ACO 730/RJ, Pleno, rei. Min. Joaquim Barbosa, DJ 11.11.2005, p. 5). 7.2. Conselho de Controle de atividades fi nanceiras (COAF): foi criado pela Lei n. 9.613/98 no âmbito do Ministério da Fazenda, com a finalidade de disciplinar, aplicar penas admi nistrativas, receber, examinar e identificar as ocorrências suspeitas de atividades ilícitas rela cionadas à lavagem de capitais, sem prejuízo da atribuição de outros órgãos e entidades. Tendo em conta que o processo de lavagem de capitais envolve, obrigatoriamente, a movimentação de bens, valores ou direitos, estabeleceram-se me canismos de controle dos registros de operações consideradas suspeitas. Determinou a Lei n. 9.613/98, em seu art. 9o, as espécies de atividades sujeitas à fiscalização permanente por parte da correspondente pessoa jurídica ou física, que se vê obrigada a comunicar ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) a relação de operações suspeitas, de forma a viabilizar uma investigação mais detalhada. A maior parte dos encargos é dirigida às pessoas jurídicas que mantenham atividades ligadas aos sistemas financeiros e econômicos, compelindo- -as a identificar seus clientes, manter registros das operações com eles realizadas e comunicar reservadamente as transações suspeitas que ultrapassem o valor-limite fixado pela autorida de. No entanto, o art. 9o também abarca outras instituições, e inclusive pessoas físicas (inciso XII acrescentado pela Lei 10.701/2003) que, por terem como atividade principal ou acessó ria, o giro de médias e grandes quantidades de dinheiro, podem ser utilizadas como canais para a lavagem de capitais. O art. 10 da Lei 9.613/98 consagra a chamada política do knowyour costu- mer, uma das armas mais poderosas no combate à lavagem de capitais, segundo a qual é dever da instituição financeiraconhecer o perfil de seu correntista de forma que seja possível a defini ção de um padrão de movimentação financeira compatível com seus rendimentos declarados. Existindo incompatibilidade de movimentação, a notícia dessa operação suspeita deve ser enca minhada à autoridade administrativa responsá vel que adotará as providências cabíveis quanto à verificação da legalidade da operação. O COAF comunicará às autoridades competentes para a instauração dos procedimentos cabíveis, quando concluir pela existência de crimes previstos na Lei de lavagem de capitais, de fundados indícios de sua prática, ou de qualquer outro ilícito. 7.3. Poder investigatório do Ministério Pú blico: grande parte da doutrina tem admitido a possibilidade de investigação pelo Ministério Público, sob os seguintes argumentos: 1) Não há falar em violação ao sistema acusatório, nem tampouco à paridade de armas, porquanto os elementos colhidos pelo Ministério Público terão o mesmo tratamento dispensado àqueles colhidos em investigações policias: serão de mera informação preliminar, apenas a servir de base para a denúncia, devendo ser ratificados judicialmente sob crivo do contraditório e da ampla defesa, para embasamento da eventual condenação de alguém; 2) Teoria dos poderes implícitos: segundo essa teoria, nascida na Suprema Corte dos EUA, no precedente Mc CulloCh vs. Maryland (1819), a Constituição, ao conceder uma atividade-fim a determinado órgão ou instituição, culmina por, implici tamente e simultaneamente, a ele também conceder todos os meios necessários para a consecução daquele objetivo. Portanto, se a última palavra acerca de um fato criminoso TÍTULO II • DO INQUÉRITO POLICIAL Art. 4o cabe ao Ministério Público, porquanto é ele o titular da ação penal pública (CF, art. 129, inc. I), deve-se outorgar a ele todos os meios para firmar seu convencimento, aí incluída a possibilidade de realizar investigações crimi nais, sob pena de não se lhe garantir o meio idôneo para realizar a persecução criminal, ao menos em relação a certos tipos de delito; 3) A Constituição Federal confere à Polícia Fe deral a exclusividade do exercício das funções de Polícia Judiciária da União, mas fúnções de polícia judiciária não se confundem com funções de polícia investigativa. Por polícia investigativa compreendem-se as atribuições ligadas à colheita de elementos informativos quanto à autoria e materialidade das infrações penais. A expressão polícia judiciária está re lacionada às atribuições de auxiliar o Poder Judiciário, cumprindo as ordens judiciárias relativas à execução de mandado de prisão/ busca e apreensão, à condução coercitiva de testemunhas, etc. Apesar do teor do art. 4o do CPP, segundo o qual a polícia judiciária tem por objeto a apuração das infrações penais e da autoria, essa terminologia não foi re cepcionada pela Constituição Federal. Basta perceber que a própria Constituição Federal, ao se referir às atribuições da Polícia Federal, diferencia as funções de polícia investigativa (CF, art. 144, §1°, incisos I e II) das fúnções de polícia judiciária (CF, art. 144, §1°, inciso IV), o que também se dá quando se refere às polícias civis, às quais incumbem as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais. Portanto, estabelecida a distinção en tre fúnções de polícia judiciária e funções de polícia investigativa, fica claro que apenas a primeira foi conferida com exclusividade à Polícia Federal e à Polícia Civil. As atribuições investigatórias, todavia, poderão ser exerci das por outras autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função, tal qual dispõe o art. 4o, parágrafo único, do CPP; 4) A possibilidade de o Ministério Pú blico investigar pode ser extraída de diversos dispositivos constitucionais e legais. No âmbito da Constituição Federal, além da titularidade da ação penal pública (art. 129,1), convém res saltar que também se estabelece como função institucional do Ministério Público expedir notificações nos procedimentos administra tivos de sua competência, requisitando infor mações e documentos para instruí-los, assim como requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais (art. 129, VI e VIII). Por sua vez, a Lei Complementar n. 75/93, nos arts. 7o e 8o, enumera diversas atribuições do Ministério Público da União, destacando-se, dentre elas, a possibilidade de instaurar inquérito civil e outros procedimentos administrativos corre- latos, requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial e de inqué rito policial militar, podendo acompanhá-los e apresentar provas, requisitar à autoridade competente a instauração de procedimentos administrativos, notificar testemunhas e re quisitar sua condução coercitiva, no caso de ausência injustificada, requisitar informações, exames, perícias e documentos de autoridades da Administração Pública direta ou indireta, requisitar da Administração Pública servi ços temporários de seus servidores e meios materiais necessários para a realização de ati vidades específicas, requisitar informações e documentos a entidades privadas, realizar inspeções e diligências investigatórias, etc. No mesmo rumo, a Lei da Ação Civil Pública (Lei n. 7.347/85) prevê que o Ministério Público poderá instaurar, sob sua presidência, inqué rito civil, ou requisitar, de qualquer organismo público ou particular, certidões, informações, exames ou perícias, no prazo que assinalar, o qual não poderá ser inferior a 10 (dez) dias úteis. De seu turno, o Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe que compete ao Ministério Público instaurar sindicâncias, requisitar dili gências investigatórias e determinar a instau ração de inquérito policial, para apuração de ilícitos ou infrações às normas de proteção à infância e à juventude (Lei n. 8.069/90, art. 201, VII). Dispositivo semelhante a este também pode ser encontrado no Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03, art. 74). Em julgamento histórico ocorrido em data de 14 de maio de 2015 (RE 593.727), o Plenário do Supremo reconheceu, enfim, que o Ministério Público dispõe de Art. 4o CPP COMENTADO • Renato Brasileiro de L ima competência para promover, por autoridade própria, e por prazo razoável, investigações de natureza penal, desde que respeitados os direi tos e garantias que assistem a qualquer indicia do ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado, observadas, sempre, por seus agentes, as hipóteses de reserva constitucional de juris dição e, também, as prerrogativas profissionais de que se acham investidos, em nosso País, os advogados, sem prejuízo da possibilidade - sempre presente no Estado democrático de Direito - do permanente controle jurisdicio- nal dos atos, necessariamente documentados (Enunciado 14 da Súmula Vinculante), prati cados pelos membros do Parquet. Nesse caso, é imperioso observar: a) ritos claros quanto à pertinência do sujeito investigado; b) forma lização do ato investigativo; c) comunicação imediata ao Procurador-Chefe ou ao Procura dor-Geral; d) autuação, numeração, controle, distribuição e publicidade dos atos; e) pleno conhecimento da atividade de investigação à parte; f) princípios e regras que orientariam o inquérito e os procedimentos administrativos sancionatórios; g) ampla defesa, contraditório, prazo para a conclusão e controle judicial. A função investigatória do Ministério Público não se convertería em atividade ordinária, mas excepcional a legitimar a sua atuação em casos de abuso de autoridade, prática de delito por policiais, crimes contra a Administração Pública, inércia dos organismos policiais, ou procrastinação indevida no desempenho de investigação penal, situações que exemplificati- vamente justificariam a intervenção subsidiária do órgão ministerial. 4- Jurisprudência selecionada: STF:"(...) Poderes deinvestigação do Ministério Pú blico. Os artigos 5o, incisos LIV e LV, 129, incisos III e VIII, e 144, inciso IV, § 4o, da Constituição Federal, não tornam a investigação criminal exclusividade da polícia, nem afastam os poderes de investigação do Ministério Público. Fixada, em repercussão geral, tese assim sum ulada:"0 Ministério Público dispõe de competência para promover, por autoridade própria, e por prazo razoável, investigações de natureza penal, desde que respeitados os direitos e garantias que assistem a qualquer indiciado ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado, observadas, sempre, por seus agentes, as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição e, também, as prerrogativas profissio nais de que se acham investidos, em nosso País, os Advogados (Lei 8.906/94, artigo 7o, notadamente os incisos I, II, III, XI, XIII, XIV e XIX), sem prejuízo da pos sibilidade - sempre presente no Estado democrático de Direito - do permanente controle jurisdicional dos atos, necessariamente documentados (Súmula Vincu lante 14), praticados pelos membros dessa instituição". Maioria. 5. Caso concreto. Crime de responsabilidade de prefeito. Deixar de cumprir ordem judicial (art. I o, inciso XIV, do Decreto-Lei n° 201/67). Procedimento instaurado pelo Ministério Público a partir de docu mentos oriundos de autos de processo judicial e de precatório, para colher informações do próprio suspei to, eventualmente hábeis a justificar e legitimar o fato imputado. Ausência de vício. Negado provimento ao recurso extraordinário. Maioria". (STF, Pleno, RE 593.727, Rei. Min. Gilmar Mendes, j. 14 de maio de 2015, DJe 175 4 de setembro de 2015). STJ:"(...) Na esteira de precedentes desta Corte, mal grado seja defeso ao Ministério Público presidir o inquérito policial propriamente dito, não lhe é vedado, com o titular da ação penal, proceder investigações. A ordem jurídica, aliás, confere explicitamente po deres de investigação ao M inistério Público - art. 129, incisos VI, VIII, da Constituição Federal, e art. 8o, incisos II e IV, e § 2°, e art. 26 da Lei n° 8.625/1993 (Precedentes). Por outro lado, o inquérito policial, por ser peça meramente informativa, não é pressuposto necessário à propositura da ação penal, podendo essa ser embasada em outros elementos hábeis a formar a opinio delicti de seu titular. Se até o particular pode juntar peças, obter declarações, etc., é evidente que o Parquet também pode. Além do mais, até mesmo uma investigação administrativa pode, eventualmente, supedanear uma denúncia. Writ conhecido em parte e, nesta parte, denegado". (STJ, 5a Turma, HC 47.752/ PE, Rei. Min. Felix Fischer, DJ 06/03/2006). STF:"(...) Sendo o paciente membro do Ministério Pú blico Estadual, a investigação pelo seu envolvimento em suposta prática de crime não é atribuição da polícia judiciária, mas do Procurador-Geral de Justiça [artigo 18, parágrafo único, da LC 73/95 e artigo 41, parágrafo único, da Lei n. 8.625/93]. (...) Ordem denegada". (STF, 2a Turma, HC 93.224/SP, Rei. Min. Eras Grau, j. 13/05/2008, DJe 167 04/09/2008). STF:"(...) É perfeitamente possível que o órgão do M i nistério Público promova a colheita de determinados elementos de prova que demonstrem a existência da autoria e da materialidade de determinado delito. Tal conclusão não significa retirar da Polícia Judiciária as atribuições previstas constitucionalmente, mas apenas harmonizar as normas constitucionais (arts. 129 e 144) de m odo a compatibilizá-las para permitir não apenas a correta e regular apuração dos fatos supostamente delituosos, mas também a formação da opinio delicti. O art. 129, inciso I, da Constituição Federal, atribui ao parquet a privatividade na promoção da ação penal TÍTULO II • DO INQUÉRITO POLICIAL j 4 0 n.irwca- Do seu turno, o Cód igo de Processo Penal S3c>5-«sce que o inquérito policial é dispensável, já xue o Mnistério Público pode embasar seu pedido em aec2s de informação que concretizem justa causa para x x r x n õ a . Ora, é princípio basilar da hermenêutica c ir-g r n jõona l o dos "poderes implícitos", segundo r 3 -at. quando a Constituição Federal concede os ir s . da os meios. Se a atividade fim - promoção da sçsc penal pública - foi outorgada ao parquet em fe n x privatividade, não se concebe com o não lhe oportim zar a colheita de prova para tanto, já que o C * autoriza que 'peças de informação" embasem a aerúnda- Cabe ressaltar, que, no presente caso, os ae itas descritos na denúncia teriam sido praticados ocr pcfidais, o que, também, justifica a colheita dos a e so mentos das vítimas pelo Ministério Público. Ante e exposto, denego a ordem de habeas corpus". (STF, 2a ~ j~ -a. HC 91.661, Rei. Min. Ellen Gracie, j. 10/03/2009, ZJe 54 02/04/2009). STFrtj a outorga constitucional de funções de polícia c o c a r ia á instituição policial não impede nem exclui * pcsibtlidade de o Ministério Público, que é o"dom i- •ls rcs", determinar a abertura de inquéritos policiais, •eousítar esclarecimentos e diligências investigatórias, es2r presente e acompanhar, junto a órgãos e agentes ooicars, quaisquer atos de investigação penal, mesmo aoueíes sob regime de sigilo, sem prejuízo de outras r e í d a s que lhe pareçam indispensáveis à formação pa sua ‘opinio delicti", sendo-lhe vedado, no entanto, ass-m íra presidência do inquérito policial, que traduz a rcu íç ã o privativa da autoridade policial. (...) Ainda que imexista qualquer investigação penal promovida p ea Policia Judiciária, o Ministério Público, m esmo assim, pode fazer instaurar, validamente, a pertinente 'persecutio criminis in judicio", desde que disponha, para tanto, de elementos m ínim os de informação, pj-dados em base empírica idônea, que o habilitem a deduzir, perante juizes eTribunais, a acusação penal. U A cláusula de exclusividade inscrita no art. 144, § 1 °, rc iso IV, da Constituição da República - que não inibe a sãridade de investigação criminal do Ministério Públi co - tem por única finalidade conferir à Polícia Federal, dentre os diversos organismos policiais que compõem o aparato repressivo da União Federal (polícia federal, policia rodoviária federal e polícia ferroviária federal), primazia investigatória na apuração dos crimes pre vistos no próprio texto da Lei Fundamental ou, ainda, em tratados ou convenções internacionais. - Incumbe, à Polícia Civil dos Estados-m em bros e do Distrito Federal, ressalvada a competência da União Federal e excetuada a apuração dos crimes militares, a função de proceder à investigação dos ilícitos penais (crimes e contravenções), sem prejuízo do poder investigatório de que dispõe, como atividade subsidiária, o Ministério Público. - Função de polícia judiciária e função de in vestigação penal: uma distinção conceituai relevante, que também justifica o reconhecimento, ao Ministério Público, do poder investigatório em matéria penal. (...) O poder de investigar compõe, em sede penal, o com plexo de funções institucionais do Ministério Público, que dispõe, na condição de"dom inus litis"e, também, com o expressão de sua competência para exercer o controle externo da atividade policial, da atribuição de fazer instaurar, ainda que em caráter subsidiário, mas por autoridade própria e sob sua direção, proce dimentos de investigação penal destinados a viabilizar a obtenção de dados informativos, de subsídios proba tórios e de elementos de convicção que lhe permitam formar a"opinio delicti", em ordem a propiciar eventual ajuizamento da ação penal de iniciativa pública. (...) O Ministério Público, sem prejuízo da fiscalização intra- -orgânica e daquela desem penhada pelo Conselho Nacional do Ministério Público, está permanentemente sujeito ao controle jurisdicional dos atos que pratique no âm bito das investigações penais que promova "ex própria auctoritate", não podendo, dentre outras limitações de ordem jurídica, desrespeitar o direitodo investigado ao silêncio ("nemo tenetur se dete- gere"), nem lhe ordenar a condução coercitiva, nem constrangê-lo a produzir prova contra si próprio, nem lhe recusar o conhecimento das razões motivadoras do procedimento investigatório, nem submetê-lo a medidas sujeitas à reserva constitucional de jurisdição, nem impedi-lo de fazer-se acompanhar de Advogado, nem impor, a este, indevidas restrições ao regular desempenho de suas prerrogativas profissionais (Lei n° 8.906/94, art. 7°, v.g.). - O procedimento investiga tório instaurado pelo Ministério Público deverá conter todas as peças, termos de declarações ou depoimen tos, laudos periciais e demais subsídios probatórios coligidos no curso da investigação, não podendo, o "Parquet", sonegar, selecionar ou deixar de juntar, aos autos, quaisquer desses elementos de informação, cujo conteúdo, por referir-se ao objeto da apuração penal, deve ser tornado acessível tanto à pessoa sob investigação quanto ao seu Advogado. O regime de sigilo, sempre excepcional, eventualmente prevale- cente no contexto de investigação penal promovida pelo Ministério Público, não se revelará oponível ao investigado e ao Advogado por este constituído, que terão direito de acesso - considerado o princípio da comunhão das provas - a todos os elementos de infor mação que já tenham sido formalmente incorporados aos autos do respectivo procedimento investigatório". (STF, 2aTurma, HC 89.837/DF, Rei. Min. Celso de Mello, j. 20/10/2009, DJe 20/11/2009). 7.3.1. Procedimento investigatório cri minal: firmada a possibilidade de o Ministé rio Público presidir investigações criminais, e tendo em conta que o órgão do Ministério Público não pode presidir inquéritos policiais, discute-se acerca do instrumento a ser utilizado para a realização das investigações pelo órgão ministerial. O meio a ser usado pelo Parquet Art. 4o v CPP COMENTADO • Renato Brasileiro de L ima para a realização das investigações é o proce dimento investigatório criminal (PIC), o qual não exclui a possibilidade de formalização de investigação por outros órgãos legitimados da Administração Pública. Consiste o procedi mento investigatório criminal no instrumento de natureza administrativa e inquisitorial, ins taurado e presidido por um membro do MP, com atribuição criminal, e terá como finalidade apurar a ocorrência de infrações penais, de natureza pública, fornecendo elementos para o oferecimento ou não da denúncia, estando regulamentado pela Resolução n. 13 do Con selho Nacional do Ministério Público. Esse procedimento poderá ser instaurado de ofício, por membro do Ministério Público, no âmbito de suas atribuições criminais, ao tomar conhe cimento de infração penal, por qualquer meio, ainda que informal, ou mediante provocação. Também poderá ser instaurado por grupo de atuação especial composto por membros do Ministério Público. Essa instauração deve se dar por portaria fundamentada, devidamente registrada e autuada, com a indicação dos fatos a serem investigados e deverá conter, sempre que possível, o nome e a qualificação do autor da representação e a determinação das dili gências iniciais. A par de outras providências que poderão ser adotadas, na condução das investigações, o órgão do Ministério Públi co poderá: I - fazer ou determinar vistorias, inspeções e quaisquer outras diligências; II - requisitar informações, exames, perícias e documentos de autoridades, órgãos e entidades da Administração Pública direta e indireta, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; III - requisitar informações e do cumentos de entidades privadas, inclusive de natureza cadastral; IV - notificar testemunhas e vítimas e requisitar sua condução coercitiva, nos casos de ausência injustificada, ressalva das as prerrogativas legais; V - acompanhar buscas e apreensões deferidas pela autoridade judiciária; VI - acompanhar cumprimento de mandados de prisão preventiva ou temporária deferidas pela autoridade judiciária; VII - expe dir notificações e intimações necessárias; VIII - realizar oitivas para colheita de informações e esclarecimentos; IX - ter acesso incondicional a qualquer banco de dados de caráter público ou relativo a serviço de relevância pública; X - requisitar auxilio de força policial. O prazo para a conclusão desse procedimento investigatório criminal é de 90 (noventa) dias, sendo permiti das, por igual período, sucessivas prorrogações, por decisão fundamentada do Ministério Pú blico responsável pela sua condução. Quanto à conclusão deste procedimento investigatório criminal, são 3 (três) as providências que pode rão ser adotadas pelo órgão ministerial, a saber: a) oferecimento de denúncia; b) declinação das atribuições para atuar em favor de outro órgão do Ministério Público; c) arquivamento dos autos, caso o membro do Ministério Público se convença da inexistência de fundamento para o oferecimento de denúncia, devendo essa promoção ser apresentada ao juízo com petente, nos moldes do art. 28 do CPP, ou ao órgão superior interno responsável por sua apreciação (Procurador-Geral de Justiça, no âmbito do Ministério Público dos Estados ou Câmara de Coordenação e Revisão, no âmbito do Ministério Público Federal). Admitida a possibilidade de o Ministério Público presidir investigações criminais através do procedi mento investigatório criminal, é certo dizer que, da mesma forma que se assegura ao ad vogado acesso aos autos do inquérito policial, também se deve a ele assegurar o acesso aos autos desse procedimento, sob pena de violação ao preceito do art. 5o, LXIII, da Constituição Federal. Dentre outras limitações, não pode o Ministério Público desrespeitar o direito do investigado ao silêncio (nemo tenetur se dete- gere), nem lhe ordenar a condução coercitiva, nem constrangê-lo a produzir prova contra si próprio, nem lhe recusar o conhecimento das razões motivadoras do procedimento inves tigatório, nem submetê-lo a medidas sujeitas à reserva constitucional de jurisdição, nem impedi-lo de fazer-se acompanhar de Advo gado, nem impor, a este, indevidas restrições ao regular desempenho de suas prerrogativas profissionais. O Ministério Público também não está autorizado a requisitar documentos fiscais e bancários sigilosos diretamente ao Fisco e às instituições financeiras, sob pena de violar os direitos e garantias constitucionais de TÍTULO II • DO INQUÉRITO POLICIAL Art. 4o intimidade da vida privada dos cidadãos, já que tal medida somente é válida quando precedida da devida autorização judicial. ♦ Jurisprudência selecionada: STJ: "(...) Considerando o artigo 129, inciso VI, da Constituição Federal, e o artigo 8o, incisos II, IV e § 2°, da Lei Complementar 75/1993, há quem sustente ser possível ao Ministério Público requerer, diretamente, sem prévia autorização judicial, a quebra de sigilo bancário ou fiscal. No entanto, numa interpretação consentânea com o Estado Democrático de Direito, esta concepção não se mostra a mais acertada, uma vez que o M inistério Público é parte no processo penal, e embora seja entidade vocacionada à defesa da ordem jurídica, representando a sociedade com o um todo, não atua de forma totalmente imparcial, ou seja, não possui a necessária isenção para decidir sobre a imprescindibilidade ou não da medida que excepciona os sigilos fiscal e bancário. A mesma Lei Complementar 75/1993 - apontada por alguns como a fonte da legitimação para a requisição direta pelo Ministério Público de informações contidas na esfera de privacidade dos cidadãos - dispõe, na alínea "a" do inciso XVIII do artigo 6o, competir ao órgão ministerial representar pela quebra do sigilo de dados. O sigilo fiscal se insere no direito à privacidade protegido constitucionalmente nos incisos X e XII do artigo 5o da Carta Federal, cuja quebra configura restrição a uma liberdade pública, razão pela qual, para que se mostre legítima, se exigea demonstração ao Poder Judiciário da existência de fundados e excepcionais motivos que justifiquem a sua adoção. É evidente a ilicitude da requisição feita diretamente pelo órgão ministerial à Secretaria de Receita Federal, por meio da qual foram encaminhadas cópias das declarações de rendimentos do paciente e dos demais investiga dos no feito. (...) Ordem concedida para determinar o desentranhamento das provas decorrentes da quebra do sigilo fiscal realizada pelo Ministério Público sem autorização judicial, cabendo ao magistrado de ori gem verificar quais outros elementos de convicção e decisões proferidas na ação penal em tela e na medida cautelar de sequestro estão contaminados pela ilicitu de ora reconhecida". (STJ, 5aTurma, H C 160.646/SP, Rei. Min. Jorge Mussi,j. 1°/9/2011). 7.4. Inquérito civil: dentre as funções insti tucionais do Ministério Público está a de pro mover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e so cial, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos (CF, art. 129). Daí dispor o art. 8o, §1°, da Lei da Ação Civil Pública (Lei n. 7.347/85), que o Ministério Público poderá instaurar, sob sua presidência, inquérito civil, ou requisitar, de qualquer organismo publico ou particular, certidões, informações, exames ou perícias, no prazo que assinalar, o qual não poderá ser inferior a 10 (dez) dias úteis. Fun ciona como um procedimento de natureza administrativa (não jurisdicional), de caráter pré-processual, não obrigatório, presidido pelo representante do Ministério Público, que se destina à colheita de elementos prévios e indispensáveis ao exercício responsável da ação civil pública. São duas as finalidades do inquérito civil: a) possibilitar a obtenção de dados e elementos visando instruir eventual ação civil pública; b) evitar o ajuizamento de demandas sem qualquer embasamento fático e/ou jurídico. Como destacam Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr. (Curso de direito processual civil: processo coletivo. Volume 4 .3a edição. Salvador: Editora Juspodivm, 2008, p. 242-243), diferencia-se do inquérito policial pelos seguintes motivos: a) o inquérito civil se destina precipuamente para a área cível lato sensu, enquanto o inquérito policial volta-se sempre para a área criminal; b) no inquéri to civil é o próprio Ministério Público que preside as investigações, enquanto que, no inquérito policial, em geral, é a polícia que atua no inquérito; c) no inquérito civil o ar quivamento é controlado pelo próprio Minis tério Público, que determina o arquivamento (com obrigatória remessa de ofício para o Conselho Superior do Ministério Público); no inquérito policial, o controle do arquivamen to é efetuado pelo juiz, o MP apenas requer o arquivamento (art. 28 do CPP). Apesar de o inquérito civil não estar direcionado a investigações criminais, descobertos dados relativos à determinada infração penal (v.g., crimes contra o meio ambiente), nada impede que o órgão do Ministério Público ofereça denúncia com amparo em tais elementos. + Jurisprudência selecionada: STF:"(...) Denúncia oferecida com base em elementos colhidos no bojo de Inquérito Civil Público destinado à apuração de danos ao meio ambiente. Viabilidade. O Ministério Público pode oferecer denúncia inde pendentemente de investigação policial, desde que possua os elementos mínimos de convicção quanto Art. 4o CPP COMENTADO • Renato Brasileiro de L ima à materialidade e aos indícios de autoria, com o no caso (artigo 46, §1°, do CPP). Recurso a que se nega provimento". (STF, 2a Turma, RE 464.893/GO, Rei. Min. Joaquim Barbosa, j. 20/05/2008, DJe 31/07/2008). 7.5. Termo circunstanciado de ocorrên cia: se o processo perante o Juizado Especial se orienta pelos critérios da informalidade, economia processual e celeridade, nada mais lógico do que se prever a substituição do auto de prisão em flagrante e do inquérito policial pela inicial lavratura de termo circunstanciado a respeito da ocorrência de infração de menor potencial ofensivo, a cargo da autoridade poli cial. Portanto, no âmbito do Juizado Especial Criminal, não há necessidade de instauração de inquéritos policiais, pelo menos em regra. Prevê o art. 69, da Lei n. 9.099/95, que a au toridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando as requisições dos exames periciais necessários. O inquérito policial, portanto, se vê substitu ído pela elaboração de um relatório sumário, contendo a identificação das partes envolvidas, a menção à infração praticada, bem como todos os dados básicos e fundamentais que possibilitem a perfeita individualização dos fatos, a indicação das provas, com o rol de testemunhas, quando houver, e, se possível, um croqui, na hipótese de acidente de trânsito. Tal documento é denominado termo circunstan ciado. Apesar de assemelhar-se a um boletim de ocorrência em virtude da simplicidade de sua elaboração, o termo circunstanciado dele se diferencia porque, com os elementos que o instruem, constitui a própria informatio delicti, ou seja, o instrumento necessário destinado a fornecer elementos de informação para que o titular da ação penal possa ingressar em juízo. Apesar de ter sido lavrado termo circuns tanciado, nada impede que, posteriormente, seja determinada a instauração de inquérito policial para apuração da mesma conduta deli tuosa. Basta supor hipótese em que a transação penal não tenha sido celebrada, cuidando-se de caso complexo que demande a realização de várias diligências complementares. Além dessa hipótese, caso haja conexão ou continência de infração de menor potencial ofensivo com infração que não o seja, deve ser determinada a instauração de inquérito policial para apurar ambos os delitos, aplicando-se, por analogia, o quanto disposto no art. 60, parágrafo único, da Lei n. 9.099/95. 7.5.1. Atribuição para a lavratura: quanto à atribuição para a lavratura dessa peça de informação, é evidente que o particular não pode elaborar um termo circunstanciado, já que o art. 69, caput, da Lei n. 9.099/95, faz expressa menção à autoridade policial. Po rém, muito se discute acerca da autoridade policial que teria legitimidade para tanto. Na doutrina, ainda prevalece o entendimento de que, cuidando-se de procedimento de caráter investigatório, sua realização só pode ficar a cargo da autoridade de polícia investigativa (ou polícia judiciária, como prefere a maioria da doutrina) - Polícia Federal e Polícias Civis - , nos termos do art. 144, §1°, I, e §4°, da Cons tituição Federal. Afinal, somente o Delegado de Polícia possui, em tese, formação técnica profissional para classificar infrações penais, requisito indispensável para que o ilícito seja incluído (ou não) como infração de menor potencial ofensivo. Logo, a Polícia Militar não pode lavrar termo circunstanciado, pois tal função não está inserida dentre aquelas inerentes ao policiamento ostensivo e à preser vação da ordem pública. A despeito da posição majoritária da doutrina, preferimos entender que, em razão da baixa complexidade da peça, nada impede que sua lavratura fique a cargo da Polícia Militar. Na expressão autoridade policial constante do caput do art. 69 da Lei n. 9.099/95 estão compreendidos todos os órgãos encarregados da segurança pública, na forma do art. 144 da Constituição Federal, aí incluí dos não apenas as polícias federal e civil, com função institucional de polícia investigativa da União e dos Estados, respectivamente, como também a polícia rodoviária federal, a polícia ferroviária federal e as polícias militares. O art. 69, caput, da Lei n. 9.099/95, refere-se, portanto, a todos os órgãos encarregados pela Constituição Federal da defesa da segurança pública, para que exerçam plenamente sua função de restabelecer a ordem e garantir a TlTULO II• DO INQUÉRITO POLICIAL , /^r j < 40 boa execução da administração, bem como do mandamento constitucional de preservação da ordem pública. Somente essa interpretação está de acordo com os princípios da celeridade e da informalidade. Afinal, não faz sentido que o policial militar se veja obrigado a se deslocar até o distrito policial para que o delegado de polícia subscreva o termo ou lavre outro idên tico, até porque se trata de peça meramente informativa, cujos eventuais vícios em nada anulam o procedimento judicial. + Jurisprudência selecionada: STF:"(...) POLÍCIA MILITAR. ATRIBUIÇÃO PARA LAVRAR TERMO CIRCUNSTANCIADO. LEI 9.099/95. ATIVIDADE DE POLÍCIA JUDICIÁRIA. ACÓRDÃO RECORRIDO EM HARMONIA CO M O ENTENDIMENTO DO SUPREMO. (...) O controle de constitucionalidade da Lei n° 3.514/10 foi realizado pelo Colegiado a quo tendo como parâmetro as normas dos artigos 115 e 116 da Constituição do Es tado do Amazonas que, por sua vez, repetem as regras estabelecidas no artigo 144 da Constituição Federal, razão porque não há se falar em ilegalidade, mas sim em inconstitucionalidade. Agravo Regimental a que se nega provimento". (STF, 1 aTurma, RE 702.617 AgR/AM, Rei. Min. Luiz Fux, j. 26/02/2013, DJe 54 20/03/2013). STJ:"(...) Nos casos de prática de infração penal de menor potencial ofensivo, a providência prevista no art. 69 da Lei 9.099/95 é da competência da autoridade policial, não consubstanciando, todavia, ilegalidade a circunstância de utilizar o Estado o contingente da Polícia Militar, em face da deficiência dos quadros da Polícia Civil". (STJ, 6a Turma, HC 7.199/PR, Rei. Min. Vicente Leal, j. 01/07/1998, DJ 28/09/1998 p. 115). 7.6. Investigação criminal pela autori dade judiciária: em um sistema acusatório como o nosso, especial atenção deve ser dis pensada à (im) possibilidade de a investigação criminal ser presidida pela própria autoridade judiciária. 7.6.1. Inquérito judicial: estava previsto na antiga Lei de Falência (Dec.-lei n° 7.661/45, arts. 103 e seguintes), funcionando como um procedimento preparatório para a ação penal, presidido por um juiz de direito, no qual era assegurado o contraditório e a ampla defesa. A nova lei de falências (Lei n. 11.101/05), no entanto, além de revogar o diploma ante rior, não tratou do assunto, razão pela qual se conclui que já não existe mais o denomina do inquérito judicial. Atualmente, se houver prova da ocorrência de crime falimentar, o Ministério Público deve apresentar denúncia, se possuir elementos para tanto, ou requisitar a instauração de inquérito policial, nos termos do art. 187, caput, da Lei n. 11.101/05.0 novo regramento vem ao encontro do sistema acu satório, impondo ao juiz um distanciamento das funções investigatórias, reservando-lhe o papel de acudir à fase preliminar apenas quando necessário para a tutela das liberdades fundamentais. 7.6.2. Revogada Lei das organizações criminosas: quando entrou em vigor, a Lei n. 9.034/95 (hoje revogada expressamente pela Lei n. 12.850/13) previa em seu art. 3o que a quebra do sigilo de dados fiscais, bancários, financeiros e eleitorais podería ser decretada de ofício pelo juiz, ainda na fa se investigató- ria. Referido dispositivo foi alvo de duras críticas por parte da doutrina, por possibili tar que o magistrado passasse a agir na fase investigatória (juiz inquisidor), auxiliando o trabalho investigatório da Polícia Judiciária e do Ministério Público, o que caracterizava evidente violação ao sistema acusatório e ao princípio da imparcialidade. Deveras, deve o juiz manter-se afastado da investigação preli minar, atuando somente quando provocado nas hipóteses em que houver possibilidade de restrição a direitos fundamentais do inves tigado (v.g., interceptação telefônica, busca domiciliar, etc.), ou em casos de eventual abuso de autoridade praticado pelo Minis tério Público ou pelas autoridades policiais. Em um sistema acusatório, a investigação de fatos e a gestão das provas não deve ficar nas mãos do juiz: somente assim, afastando-o da fase investigatória, será possível preservar sua imparcialidade, princípio fundamen tal do devido processo penal. O Supremo Tribunal Federal foi chamado a analisar a constitucionalidade do referido dispositivo, tendo concluído que, em relação aos sigi los bancário e financeiro, o art. 3o da Lei n. 9.034/95 teria sido parcialmente revogado em face do advento da Lei Complementar n. 105/01, que passou a regulamentar a matéria em seu art. I o, §4°, IX. Quanto aos dados fis ■ Aft. 4o CPP COMENTADO • Renato Brasileiro de Lima cais e eleitorais, a Suprema Corte declarou a inconstitucionalidade do referido dispositivo, por violar o princípio da imparcialidade e o devido processo legal. Nas palavras do Rela tor, observa-se que o art. 3o da Lei n. 9.034/95 efetivamente cria procedimento excepcional, não contemplado na sistemática processual contemporânea, dado que permite ao juiz colher pessoalmente as provas que poderão servir, mais tarde, como fundamento fático- -jurídico de sua própria decisão. Indaga-se, por isso mesmo, se o magistrado está imune de influências psicológicas, de tal sorte que o dinamismo de seu raciocínio lógico-jurídico fique comprometido por idéias preconcebi das, pondo em risco a imparcialidade de sua decisão?! Penso que não. Evidente que não há como evitar a relação de causa e efeito entre as provas coligidas contra o suposto autor do crime e a decisão a ser proferida pelo juiz. Ninguém pode negar que o magistrado, pelo simples fato de ser humano, após realizar pessoalmente as diligências, fique envolvido psicologicamente com a causa, contaminando sua imparcialidade”. Atento à controvérsia decorrente do juiz inquisidor previsto na re vogada Lei n. 9.034/95, o legislador da Lei n. 12.850/13 teve o cuidado de afastar qualquer possibilidade de iniciativa acusatória por parte do juiz, preservando, assim, sua impar cialidade. Não por outro motivo, ao tratar da colaboração premiada, o art. 4o, §6°, dispõe que o ju iz não participará das negociações realizadas entre as partes para a form alização do acordo de colaboração. Na mesma linha, consoante disposto no art. 10, caput, a in filtração de agentes de polícia em tarefas de investigação, representada pelo Delegado de Polícia ou requerida pelo Ministério Público, após manifestação técnica do Delegado de Polícia quando solicitada no curso de inquéri to policial, será precedida de circunstanciada, motivada e sigilosa autorização judicial, que estabelecerá seus limites. Como se percebe, em fiel observância ao sistema acusatório, a nova Lei das Organizações Criminosas afasta qualquer atuação ex ojficio do magistrado durante a fase investigatória, reservando-lhe poderes para atuar apenas quando provocado pelos órgãos responsáveis pelas investigações. + Jurisprudência selecionada: STF:"(...) Lei 9034/95. Superveniência da Lei Com ple mentar 105/01. Revogação da disciplina contida na legislação antecedente em relação aos sigilos bancário e financeiro na apuração das ações praticadas por or ganizações criminosas. Ação prejudicada, quanto aos procedimentos que incidem sobre o acesso a dados, docum entos e informações bancárias e financeiras. Busca e apreensão de documentos relacionados ao pedido de quebra de sigilo realizadas pessoalmente pelo magistrado. Comprometimento do princípio da imparcialidade e consequente violação ao devido processo legal. Funções de investigador e inquisidor. Atribuições conferidas ao Ministério Público e às Polí cias Federal e Civil (CF, artigo 129,1 e VIII e § 2o; e 144, § 1 o, I e IV, e § 4o). A realização de inquérito é função que a Constituição reserva à polícia. Precedentes. Ação jul gada procedente, em parte". (STF, Pleno, AD11.570, Rei. Min. Maurício Corrêa, j. 12/02/2004, DJ 22/10/2004). 7.6.3. Infrações penais praticadas por ma gistrados: quando, no curso de investigação, houver indício da prática decrime por parte do Magistrado, a autoridade policial, civil ou militar, remeterá os respectivos autos ao Tribu nal ou Órgão Especial competente para o julga mento, a fim de que se prossiga na investigação (LC 35/79, art. 33, parágrafo único). A nosso juízo, referido dispositivo deve ser lido à luz da Constituição Federal, que adotou o sistema acusatório em seu art. 1 2 9 ,1, do qual deriva a separação das funções de acusar, defender e julgar, além de reservar ao magistrado, na fase investigatória, o papel de mero garante das regras do jogo, devendo intervir apenas quando provocado para resguardar a proteção a direitos e garantias fundamentais. Ou seja, na fase investigatória, o juiz deve permanecer absolutamente alheio à qualidade da prova em curso, somente intervindo para tutelar viola ções ou ameaça de lesões a direitos e garantias individuais das partes, ou para resguardar a efetividade da função jurisdicional, quando, então, exercerá atos de natureza jurisdicional. Não se pode, pois, querer atribuir ao próprio Tribunal de Justiça ou ao órgão Especial que irá julgar o magistrado a tarefa de investigar infrações penais por ele praticadas, sob pena de evidente violação à imparcialidade e ao devido processo legal. Na verdade, em tais situações, ao Tribunal de Justiça ou ao órgão especial deve ser reservada apenas a atividade TITULO II • DO INQUÉRITO POLICIAL , 40 de supervisão judicial durante toda a trami tação das investigações, desde a abertura dos procedimentos investigatórios até o eventual oferecimento, ou não, de denúncia pelo titular da ação penal. Não se pode, pois, interpretar o art. 33, parágrafo único, da LC 35/79, no sentido de que o Tribunal de Justiça irá de sempenhar, na fase investigatória, funções equivalentes às de um delegado de polícia ou de um membro do Ministério Público. Afinal, no Brasil, não foi adotado o instituto acolhido por outros países do juizado de instrução, no qual o magistrado exerce, grosso modo, as competências de polícia judiciária. Portanto, o art. 33, parágrafo único, da LC n. 35/79, deve ser interpretado conforme a Constituição no sentido de que o Tribunal de Justiça ou órgão especial, ao presidir o inquérito, apenas atua como um administrador, um supervisor, um coordenador, no que tange à montagem do acervo probatório e às providências acautela- tórias, agindo sempre por provocação, e nun ca de ofício, detendo as mesmas atribuições que a legislação processual confere aos juizes singulares (Lei n. 8.038/90, art. 2o). Portanto, não exterioriza nenhum juízo de valor sobre os fatos ou as questões de direito, emergentes nessa fase preliminar, que o impeça de pro ceder com imparcialidade no curso da ação penal. Assim, o Judiciário, em nosso sistema processual penal, atua no inquérito para asse gurar a observância dos direitos e liberdades fúndamentais e dos princípios sobre os quais se assenta o Estado Democrático de Direito. ♦ Jurisprudência selecionada: STF: "(...) As hipóteses de im pedim ento elencadas no art. 252 do Código de Processo Penal constituem um numerus clausus. Não é possível, pois, interpretar- -se extensivamente os seus incisos I e II de m odo a entender que o juiz que atua em fase pré-processual desempenha funções equivalentes ao de um delegado de polícia ou membro do Ministério Público. Prece dentes. Não se adotou, no Brasil, o instituto acolhido por outros países do juizado de instrução, no qual o magistrado exerce, grosso modo, as competências da polícia judiciária. O juiz, ao presidir o inquérito, apenas atua com o um administrador, um supervisor, não exteriorizando qualquer juízo de valor sobre fatos ou questões de direito que o impeça de atuar com imparcialidade no curso da ação penal. O art. 75 do CPP, que adotou a regra da prevenção da ação penal do magistrado que tiver autorizado diligências antes da denúncia ou da queixa não viola nenhum dispositivo constitucional. Ordem denegada". (STF, Pleno, HC 92.893/ES, Rei. Min. Ricardo Lewandowski, j. 02/10/2008, DJe 236 11/12/2008). STJ:"(...) Havendo indícios da prática de crime por parte de Magistrado, desloca-se a competência para o Tribunal competente para julgar a causa, prosse- guindo-se na investigação. Trata-se, pois, de regra de competência. No Tribunal, o inquérito é distribuído ao Relator, a quem cabe determinar as diligências que entender cabíveis para realizara apuração. Desneces sidade de prévia autorização do colegiado (Órgão Especial). Inteligência do parágrafo único do art. 33 da LOMAN. Nulidade dos atos de instrução presididos pelo Relator, noTribunal Regional Federal da 1a Região que não prospera. Ordem denegada". (STJ,6aTurma, HC 208.657/MG, Rei. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 22/4/2014, DJe 13/05/2014). 7.7. Investigação criminal defensiva: de acordo com o Projeto do novo Código de Processo Penal (Projeto de Lei n. 156/09, art. 13), passará a ser facultado ao investigado, por meio de seu advogado, de defensor pú blico ou de outros mandatários com poderes expressos, tomar a iniciativa de identificar fon tes de prova em favor de sua defesa, podendo inclusive entrevistar pessoas. Tais entrevistas deverão ser precedidas de esclarecimentos sobre seus objetivos e do consentimento das pessoas ouvidas. Como se percebe, como forma de se assegurar a efetiva isonomia entre as partes na persecução penal e o direito de defesa do imputado, o projeto do novo CPP passa a prever a possibilidade de investigação crim inal defensiva. Mas o que se entende por tal espécie de investigação? Segundo André Boiani e Azevedo e Édson Luís Bal- dan (A preservação do devido processo legal pela investigação defensiva - ou do direito de defender-se provando Boletim do IBCCrim, n. 137, p. 07), a investigação defensiva pode ser definida como “o complexo de atividades de natureza investigatória desenvolvido, em qualquer fase da persecução criminal, inclu sive na ante judicial, pelo defensor, com ou sem assistência de consulente técnico e/ou investigador privado autorizado, tendente à coleta de elementos objetivos, subjetivos e documentais de convicção, no escopo de \ Art. 5o ' cpp COMENTADO • Renato Brasileiro de Lima construção de acervo probatório lícito que, no gozo da parcialidade constitucional deferida, empregará para pleno exercício da ampla defesa do imputado em contraponto a investi gação ou acusações oficiais”. Essa investigação defensiva não se confunde com a participação do defensor nos autos do inquérito policial, a qual inclusive já é prevista pelo atual CPP no art. 14. Apesar de em ambas ser concre tizado o direito de defesa, ao participar do inquérito policial, o advogado está delimitado aos rumos dados à investigação pela autori dade policial. Na investigação defensiva, que se desenvolve de maneira independente do inquérito policial, incumbe ao defensor deli mitar a estratégia investigatória, não estando vinculado às autoridades públicas, devendo apenas respeitar os critérios constitucionais e legais pertinentes à obtenção da prova. Dentre os principais objetivos dessa investigação defensiva, pode-se citar: a) comprovação do álibi, ou seja, a comprovação da presença de uma pessoa em local diferente daquele em que se suponha que ela estivesse, para efeito de escusa de ato criminoso, ou de outras razões demonstrativas da inocência do imputado; b) desresponsabilização do imputado em virtude da ação de terceiros; c) exploração de fatos que revelam a ocorrência de causas excludentes de ilicitude ou de culpabilidade; d) eliminação de possíveis erros de raciocínio a quem possam induzir determinados fatos; e) revelação da vulnerabilidade técnica ou ma terial de determinadas diligências realizadas na investigação pública; f) exame do local e a reconstituição do crime para demonstrar a impropriedade das teses acusatórias; g) identificação e localização de possíveis pe ritos e testemunhas. Perceba-se, então,que a atividade probatória desenvolvida nessa investigação não pode obstruir a investigação policial nem tampouco danificar fontes de prova, sob pena, aliás, de tipificação de figuras delituosas, tais como a fraude processual (CP, art. 347). Os elementos obtidos através dessa investigação criminal defensiva costumam ser introduzidos nos autos da persecução penal sob a forma documentada. Quanto ao momento da introdução desses elementos, há de se verificar qual é a estratégia da defesa: se o objetivo é o arquivamento do feito, a juntada deve ocorrer ainda na fase preliminar; se o escopo é a absolvição sumária do acusado, devem ser juntados no momento da resposta à acusação (CPP, art. 396-A); se se pretende a absolvição em sentença de mérito ao final do processo, devem ser introduzidos no curso do feito. Como dito acima, a despeito da impor tância desse instrumento investigatório como forma de se assegurar o respeito à paridade de armas, não há, no direito processual penal brasileiro, pelo menos por ora, a possibilidade de investigação crim inal pela defesa. Não obstante, enquanto não aprovado o projeto do novo CPP, deve-se considerar ser possível a investigação pela defesa como espécie de investigação por particular. 7.8. Investigação por particular: foi insti tuída pela Lei n. 3.099, de 24/02/1957, e regu lamentada pelo Dec. 50.532, de 03/05/1961. É permitido o trabalho de investigador particu lar, desde que não invada a competência pri vativa da Polícia Judiciária, nem atente contra a inviolabilidade domiciliar, a vida privada e a boa fama das pessoas. O traço peculiar dessas investigações privadas é, basicamente, a ausência de imperatividade, ou seja, de po der de coerção. Assim, quando o particular investiga por conta própria, conta apenas com seus esforços pessoais e com a colaboração de outras pessoas e de entes públicos ou privados. Falta poder de polícia, ou seja, não goza de imperatividade. Art. 5° Nos crimes de açâo pública o inquérito policial será iniciado:1 2 I - de ofício;3 II - mediante requisição da autoridade judiciária4 ou do Ministério Público,5 ou a requerimento do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo.6 68 ) TlTULO II • DO INQUÉRITO POLICIAL Art. 5o §10 O requerimento a que se refere o no II conterá sempre que possível:7 a) a narração do fato, com todas as circunstâncias; b) a individualização do indiciado ou seus sinais característicos e as razões de convicção ou de presunção de ser ele o autor da infração, ou os motivos de impossibilidade de o fazer; c) a nomeação das testemunhas, com indicação de sua profissão e residência. §2° Do despacho que indeferir o requerimento de abertura de inquérito caberá recurso para o chefe de Polícia.8 §3° Qualquer pessoa do povo que tiver conhecimento da existência de infração penal em que caiba ação pública poderá, verbalmente ou por escrito, comunicá-la à autoridade policial, e esta, verificada a procedência das informações, mandará instaurar inquérito.9 §4° O inquérito, nos crimes em que a ação pública depender de repre sentação, não poderá sem ela ser iniciado.10 §5° Nos crimes de ação privada, a autoridade policial somente pode rá proceder a inquérito a requerimento de quem tenha qualidade para intentá-la.11 1. Notitia criminis: é o conhecimento, espon tâneo ou provocado, por parte da autoridade policial, acerca de um fato delituoso. Subdi- vide-se em: a) notitia criminis de cognição imediata (ou espontânea): ocorre quando a autoridade policial toma conhecimento do fato delituoso por meio de suas atividades rotinei ras. É o que acontece, por exemplo, quando o delegado de polícia toma conhecimento da prática de um crime por meio da imprensa; b) notitia criminis de cognição mediata (ou pro vocada): ocorre quando a autoridade policial toma conhecimento da infração penal através de um expediente escrito. É o que acontece, por exemplo, nas hipóteses de requisição do Ministério Público, representação do ofendido, etc; c) notitia criminis de cognição coercitiva: ocorre quando a autoridade policial toma conhecimento do fato delituoso através da apresentação do indivíduo preso em flagrante. 1.1. Delatio criminis: é uma espécie de notitia criminis, consubstanciada na comunicação de uma infração penal feita por qualquer pessoa do povo à autoridade policial, e não pela vítima ou seu representante legal. A depender do caso concreto, pode funcionar como uma notitia criminis de cognição imediata, quando a co municação à autoridade policial é feita durante suas atividades rotineiras, ou como notitia criminis de cognição mediata, na hipótese em que a comunicação à autoridade policial feita por terceiro se dá através de expediente escrito. 1.2. Notitia criminis inqualificada: mui to se discute quanto à possibilidade de um inquérito policial ter início a partir de uma notitia criminis inqualificada, vulgarmente conhecida como denúncia anônima (v.g., dis- que-denúncia). Não se pode negar a grande importância da denúncia anônima no combate à criminalidade. Porém, não se pode olvidar que a própria Constituição Federal estabelece que é vedado o anonimato (CF, art. 5o, IV). Como, então, conciliar-se a denúncia anôni ma com a vedação do anonimato? Diante de uma denúncia anônima, deve a autoridade policial, antes de instaurar o inquérito poli cial, verificar a procedência e veracidade das informações por ela veiculadas. Recomenda- -se, pois, que a autoridade policial, antes de proceder à instauração formal do inquérito policial, realize uma investigação preliminar a fim de constatar a plausibilidade da denúncia anônima. Afigura-se impossível a instauração de procedimento criminal baseado única e exclusivamente em denúncia anônima, haja vista a vedação constitucional do anonimato Art. 5o CPP COMENTADO • Renato Brasileiro de Lima e a necessidade de haver parâmetros próprios à responsabilidade, nos campos cível e penal. Na dicção da Suprema Corte, a instauração de procedimento criminal originada apenas em documento apócrifo seria contrária à ordem jurídica constitucional, que veda expressamen te o anonimato. Diante da necessidade de se preservar a dignidade da pessoa humana, o acolhimento da delação anônima permitiría a prática do denuncismo inescrupuloso, vol tado a prejudicar desafetos, impossibilitando eventual indenização por danos morais ou ma teriais, assim como eventual responsabilização criminal pelo delito de denunciação caluniosa (CP, art. 339), o que ofendería os princípios consagrados nos incisos V e X do art. 5o da CF. Em síntese, pode-se dizer que a denúncia anônima, por si só, não serve para fundamen tar a instauração de inquérito policial, mas, a partir dela, pode a polícia realizar diligências preliminares para apurar a veracidade das informações obtidas anonimamente e, então, instaurar o procedimento investigatório pro priamente dito. + Jurisprudência selecionada: STF: "(...) Não serve à persecução criminal notícia de prática crim inosa sem identificação da autoria, consideradas a vedação constitucional do anon i mato e a necessidade de haver parâmetros próprios à responsabilidade, nos cam pos cível e penal, de quem a implemente". (STF, I a Turma, HC 84.827/ TO, Rei. Min. M arco Aurélio, j. 07/08/2007, DJe 147 22/11/2007). STF: “(...) Firmou-se a orientação de que a autoridade policial, ao receber uma denúncia anônima, deve an tes realizar diligências preliminares para averiguar se os fatos narrados nessa "denúncia"são materialmente verdadeiros, para, só então, iniciar as investigações. No caso concreto, ainda sem instaurar inquérito policial, policiais federais diligenciaram no sentido de apurar as identidades dos investigados e a vera cidade das respectivas ocupações funcionais, tendo eles confirmado tratar-se de oficiais de justiça lotados naquela comarca, cujos nom es eram os m esm os fornecidos pelos "denunciantes". Portanto, os proce dim entostom ados pelos policiais federais estão em perfeita consonância com o entendimento firmado no precedente supracitado, no que tange à realização de diligências preliminares para apurar a veracidade das informações obtidas anonimamente e, então, ins taurar o procedimento investigatório propriamente dito. Fiabeas corpus denegado". (STF, I a Turma, HC 95.244/PE, Rei. Min. Dias Toffoli, j. 23/03/2010, DJe 76 29/04/2010). Com entendimento semelhante: STF, 2a Turma, HC 99.490/SP, Rei. Min. Joaquim Barbosa, 23.11.2010; STF, 2a Turma, HC 99.490/SP, Rei. Min. Joaquim Barbosa, j. 23/11/2010. 2. Formas de instauração do inquérito policial nos crimes de ação penal pública incondicionada: pelo menos em regra, os cri mes são de ação penal pública incondicionada. Em outras palavras, se a lei não dispuser que “se procede mediante queixa” (crimes de ação penal de iniciativa privada) ou que “se procede mediante representação ou requisição do M i nistro da Justiça” (crimes de ação penal pública condicionada), subentende-se que o crime é de ação penal pública incondicionada. Nos crimes de ação penal pública incondicionada, o inquérito policial pode ser instaurado das seguintes formas: a) de ofício; b) requisição do Ministério Público; c) requerimento do ofen dido ou de seu representante legal; d) notícia oferecida por qualquer pessoa do povo; e) auto de prisão em flagrante delito (vide comentários ao art. 8o do CPP). 3. Instauração do inquérito policial de ofício: por força do princípio da obrigato riedade, que também se estende à fase in- vestigatória, caso a autoridade policial tome conhecimento do fato delituoso a partir de suas atividades rotineiras (v.g., notícia veicu lada na imprensa, registro de ocorrência, etc.), deve instaurar o inquérito policial de ofício, ou seja, independentemente da provocação de qualquer pessoa (CPP, art. 5o, I). Nesse caso, a peça inaugural do inquérito policial será uma portaria, que deve ser subscrita pelo Delegado de Polícia e conter o objeto da investigação, as circunstâncias já conhecidas quanto ao fato delituoso, assim como as diligências iniciais a serem cumpridas. 4. Requisição da autoridade judiciária: diz o art. 5°, inciso II, I a parte, do CPP, que o inquérito também poderá ser iniciado, nos crimes de ação pública, mediante requisição da autoridade judiciária. Apesar de o CPP fazer menção à possibilidade de a autoridade judiciária requisitar a instauração de inqué rito policial, pensamos que tal possibilidade TlTULO II • DO INQUÉRITO POLICIAL j 50 não se coaduna com a adoção do sistema acusatório pela Constituição Federal. Na ver dade, tal dispositivo só guarda pertinência com a ordem jurídica anterior à Constituição Federal, na qual se permitia aos magistrados até mesmo a iniciativa da ação penal, tal qual dispunha o revogado art. 531 do CPP, nos casos de homicídio e lesões corporais culpo sas. Num sistema acusatório, onde há nítida separação das funções de acusar, defender e julgar (CF, art. 1 2 9 ,1), não se pode permitir que o juiz requisite a instauração de inquérito policial, sob pena de evidente prejuízo a sua imparcialidade. Portanto, deparando-se com informações acerca da prática de ilícito penal, deve o magistrado encaminhá-las ao órgão do Ministério Público, nos exatos termos do art. 40 do CPP. 5. Requisição do Ministério Público: o art. 129, VIII, da Constituição Federal, determina que são funções institucionais do Ministério Público requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifes tações processuais. Na mesma linha, o art. 13, inciso II, do CPP, dispõe que incumbe à autoridade policial realizar as diligências requisitadas pelo M inistério Público (vide também art. 26, inciso IV, da Lei n. 8.625/93). Diante de requisição do Ministério Público, pensamos que a autoridade policial está obri gada a instaurar o inquérito policial: não que haja hierarquia entre promotores e delegados, mas sim por força do princípio da obrigato riedade, que impõe às autoridades o dever de agir diante da notícia da prática de infração penal. Logicamente, em se tratando de requi sição ministerial manifestamente ilegal (v.g., para investigar crime prescrito ou conduta atípica), deve a autoridade policial abster-se de instaurar o inquérito policial, comunican do sua decisão, justificadamente, ao órgão do Ministério Público responsável pela requisição, assim como as autoridades correcionais. 6. Requerimento do ofendido ou de seu representante legal: também é possível a instauração de inquérito policial a partir de requerimento do ofendido ou de quem tenha qualidade para representá-lo. 7. Conteúdo do requerimento do ofendi do: esse requerimento conterá, sempre que possível: a) a narração do fato, com todas as suas circunstâncias; b) a individualização do indiciado ou seus sinais característicos e as razões de convicção ou de presunção de ser ele o autor da infração, ou os motivos de impossibilidade de fazê-lo; c) a nomeação das testemunhas, com indicação de sua profissão e residência. 8. Recurso adequado contra o indeferi mento de instauração do inquérito poli cial: nessa hipótese de requerimento do ofen dido ou de seu representante legal, discute-se na doutrina e na jurisprudência se o delegado é obrigado a instaurar o inquérito policial. Prevalece o entendimento no sentido de que ao delegado incumbe verificar a procedência das informações a ele trazidas, evitando-se, assim, a instauração de investigações temerá rias e abusivas. Convencendo-se que a notitia criminis é totalmente descabida, sem respaldo jurídico ou material, como, por exemplo, quando entender que o fato é manifestamente atípico, ou que a punibilidade esteja extinta, deve a autoridade policial indeferir o reque rimento do ofendido para instauração de inquérito policial. Indeferido o requerimento do ofendido de abertura do inquérito, surge a possibilidade de recurso inominado para o chefe de Polícia (CPP, art. 5o, §2°). Esse Chefe de Polícia pode ser o Delegado-Geral da Polícia Civil ou o Secretário de Segurança Pública, a depender do estado da Federação. Nas hipóteses de atribuição da Polícia Federal, esse Chefe de Polícia é o Superintendente da Polícia Federal. A previsão desse recurso não impede que o ofendido faça o requerimento diretamente ao Ministério Público. Caso a au toridade policial, justificadamente, se recuse a instaurar inquérito policial, sob o argumento de que os fatos levados a seu conhecimento são atípicos, não há falar em violação a direito líquido e certo a dar ensejo à impetração de mandado de segurança, sobretudo se consi derarmos que há previsão legal de recurso inominado ao Chefe de Polícia. Art. 5o CPP COMENTADO • Renato Brasileiro de Lima Jurisprudência selecionada: STJ:"(...) M andado de segurança. Inquérito Policial. Pedido de instauração. Recusa. Ausência de direito líquido e certo. Se a autoridade policial recusa, justifi- cadamente, instaurar inquérito policial, por entender que os fatos levados a seu conhecimento são atípicos, inexiste direito líquido e certo a ser preservado pela via do writ. Recurso desprovido". (STJ, 6a Turma, RMS 7.598/RJ, Rei. Min. William Patterson, j. 09/04/1997, DJ 12/05/1997). 9. Notícia oferecida por qualquer do povo: de acordo com o art. 5o, §3°, do CPP, qualquer pessoa do povo que tiver conhecimento da existência de infração penal em que caiba ação pública poderá, verbalmente ou por escrito, comunicá-la à autoridade policial, e esta, ve rificada a procedência das informações, man dará instaurar inquérito. Cuida-se da chamada delatio criminis simples, comumente realizada através de uma ocorrência policial. Mais uma vez, verificada a procedência e veracidade das informações, deve o delegado determinar a instauração do inquérito policial. Trata-se, portanto, de mera faculdade do cidadão, não tendo ele o deverde noticiar a prática de in fração penal. Excepcionalmente, no entanto, a notícia de crime é obrigatória, como deixa entrever o art. 66 do Dec.-lei 3.688/41, segundo o qual constitui contravenção penal deixar de comunicar à autoridade competente: a) crime de ação pública, de que teve conhecimento no exercício de função pública, desde que a ação penal não dependa de representação; b) crime de ação pública, de que teve conhecimento no exercício da medicina ou outra profissão sani tária, desde que a ação penal não dependa de representação e a comunicação não exponha o cliente a procedimento criminal. De seu turno, as autoridades públicas, notadamente aquelas envolvidas na persecução penal, por força do princípio da obrigatoriedade, têm o dever de noticiar fatos possivelmente criminosos, sob pena de responderem administrativamente e de incorrerem no delito de prevaricação, caso comprovado que a inércia se deu para satisfazer interesse ou sentimento pessoal (CP, art. 319). 10 10. Instauração do inquérito policial nos crimes de ação penal pública condiciona da: nesses casos, a deflagração da persecutio criminis está subordinada à representação do ofendido ou à requisição do Ministro da Justiça (CPP, art. 5o, §4°). Por representação, também denominada de delatio criminis postulatória, entende-se a manifestação da vítima ou de seu representante legal no sentido de que possuem interesse na persecução penal, não havendo necessidade de qualquer formalismo. Supon do-se, assim, a prática de um crime de estupro, hoje considerado, em regra, crime de ação penal pública condicionada à representação (CP, art. 225, com redação determinada pela Lei n. 12.015/09), a instauração do inquérito policial estará vinculada à manifestação da vítima ou de seu representante legal, de onde se possa extrair que têm intenção de ver apurada a responsabilidade penal do autor da infração. Para mais detalhes acerca da representação, remetemos o leitor aos comentários aos arts. 24 e 25 do CPP. 11. Instauração do inquérito policial nos crimes de ação penal de iniciativa privada: à semelhança da hipótese anterior, em se tra tando de crime de ação penal privada (v.g., pelo menos em regra, crimes contra a honra são de ação penal privada), a atuação do aparato estatal envolvido na persecução penal também fica condicionada ao requerimento do ofendi do ou de seu representante legal. Nessa linha, dispõe o art. 5o, §5°, do CPP, que a autoridade policial somente poderá proceder a inquérito nos crimes de ação privada a requerimento de quem tenha qualidade para intentá-la. No caso de morte ou ausência do ofendido, o requeri mento poderá ser formulado por seu cônjuge, ascendente, descendente ou irmão (CPP, art. 31). Como se vê, esse requerimento é condição de procedibilidade do próprio inquérito poli cial, sem o qual a investigação sequer poderá ter início. Esse requerimento deve ser formula do pelo ofendido dentro do prazo decadencial de 6 (seis) meses, contado, em regra, do dia em que vier a saber quem é o autor do crime. Portanto, verificando a autoridade policial que o requerimento do ofendido foi formulado após o decurso do prazo decadencial de 6 (seis) meses, deve se abster de instaurar o inquérito policial, porquanto extinta a punibilidade (CP, art. 107, IV). A propósito, vale lembrar que TÍTULO II • DO INQUÉRITO POLICIAL Art. 6o o requerimento de instauração do inquérito policial nos crimes de ação penal de iniciativa privada não tem o condão de interromper nem tampouco de suspender a fluência do prazo decadencial. 11.1. Auto de prisão em flagrante delito: em relação aos crimes de ação penal pública condicionada e de ação penal de iniciativa pri vada, a instauração do inquérito policial tam bém poderá se dar em virtude de auto de prisão em flagrante, o qual deverá ser precedido de requerimento da vítima ou de seu representante legal. No tocante a tais delitos, é plenamente possível a captura e a condução coercitiva daquele que for encontrado em situação de flagrância, fazendo-se cessar a agressão com o escopo de manter a paz e a tranquilidade social. No entanto, a lavratura do auto de prisão em flagrante estará condicionada à manifestação do ofendido ou de seu representante legal. Se a vítima não puder imediatamente ir à delegacia para se manifestar, por ter sido conduzida ao hospital ou por qualquer motivo relevante, poderá fazê-lo no prazo de entrega da nota de culpa, que é de 24 (vinte e quatro) horas. Art. 6o Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá:' I - dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o estado e conservação das coisas, até a chegada dos peritos criminais;1 2 II - apreender os objetos que tiverem relação com o fato, após liberados pelos peritos criminais;3 III - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias;4 IV - ouvir o ofendido;5 V - ouvir o indiciado,6 com observância, no que for aplicável, do disposto no Capítulo III do Título VII, deste Livro, devendo o respectivo termo ser assinado por duas testemunhas que lhe tenham ouvido a leitura; VI - proceder a reconhecimento de pessoas e coisas7 e a acareações;8 VII - determinar, se for caso, que se proceda a exame de corpo de delito e a quaisquer outras perícias;9 VIII - ordenar a identificação do indiciado pelo processo datiloscópico, se possível,'0-" e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes;'2 IX - averiguar a vida pregressa do indiciado, sob o ponto de vista indi vidual, familiar e social, sua condição econômica, sua atitude e estado de ânimo antes e depois do crime e durante ele, e quaisquer outros elementos que contribuírem para a apreciação do seu temperamento e caráter.'3 X - colher informações sobre a existência de filhos, respectivas idades e se possuem alguma deficiência e o nome e o contato de eventual res ponsável pelos cuidados dos filhos, indicado pela pessoa presa. (Incluído pela Lei n. 13.257/16).'4 1. D iligências investigatórias: em seus arts. 6° e 7o, o Código de Processo Penal traz um rol exemplificativo de diligências investigatórias que poderão ser adotadas pela autoridade policial ao tomar conhecimento de um fato delituoso. Algumas são de caráter obrigatório, como, por exemplo, a realização de exame pericial quando a infração deixar vestígios; outras, no entanto, têm sua reali zação condicionada à discricionariedade da autoridade policial, que deve determinar sua realização de acordo com as peculiaridades do caso concreto (v.g., reconstituição do fato delituoso). Várias diligências investigatórias Art. 6o CPP COMENTADO • Renato Brasileiro de Lima listadas no art. 6o do CPP serão estudadas com mais detalhes no Título atinente às pro vas (v.g., oitiva do ofendido, reconhecimento de pessoas e coisas, acareações, exame de corpo de delito, etc.). Por isso, sugerimos ao leitor que o presente tópico seja estudado em conjunto com a leitura dos arts. 158 a 250 do CPP. 2. Preservação do local do crime: a preser vação do local do crime tem um objetivo precí- puo, qual seja, preservar os vestígios deixados pela infração penal (corpo de delito), a fim de não prejudicar o trabalho a ser desenvolvido pelos peritos criminais. Um dos requisitos básicos para que os peritos criminais possam realizar um exame pericial satisfatório é que o local esteja adequadamente isolado e pre servado, a fim de que não se perca qualquer vestígio que tenha sido produzido pelos sujei tos ativos na cena do crime. Daí dispor o art. 169 do CPP que, para o efeito de exame do local onde houver sido praticada a infração, a autoridade providenciará imediatamente para que não se altere o estado das coisas até a chegada dos peritos, que poderão instruir seus laudos com fotografias, desenhos ou esquemas elucidativos. Ós peritos registrarão, no laudo, as alterações do estado das coisas e discutirão, no relatório, as consequênciasdessas alterações na dinâmica dos fatos. A investigação terá mais probabilidade de sucesso caso sejam obser vados dois fatores básicos: a) inicie imediata mente as investigações a partir do local onde ocorreu o crime, pois será ali que haverá mais possibilidades de se encontrar alguma infor mação, tanto sob o aspecto da prova pericial, quanto das demais investigações subjetivas, tais como testemunhas, relatos diversos de observadores ocasionais, visualização da área para avaliação de possíveis informações de suspeitos, etc.; b) o tempo é fator que trabalha contra investigadores de polícia e peritos cri minais no esclarecimento de qualquer crime, uma vez que, quanto mais tempo se gasta para iniciar determinada investigação, fatalmente informações valiosas serão perdidas, que, em muitos casos, poderiam ser essenciais para o resultado final da investigação. 2.1. Acidentes de trânsito: nesses casos, a autoridade ou agente policial que primeiro tomar conhecimento do fato poderá autorizar, independentemente de exame do local, a ime diata remoção das pessoas que tenham sofrido lesão, bem como dos veículos nele envolvidos, se estiverem no leito da via pública e prejudi carem o tráfego. Para autorizar a remoção, a autoridade ou agente policial lavrará boletim da ocorrência, nele consignando o fato, as testemunhas que o presenciaram e todas as demais circunstâncias necessárias ao esclare cimento da verdade (Lei n. 5.970/83, art. Io). 3. Apreensão de objetos: outra diligência que deve ser adotada pela autoridade policial é a apreensão dos objetos que tiverem relação com o fato, após liberados pelos peritos cri minais. A apreensão dos objetos relacionados ao fato delituoso tem os seguintes objetivos: a) futura exibição do instrumento utilizado para a prática do delito, como, por exemplo, durante o plenário do Tribunal do Júri; b) necessidade de contraprova; c) eventual perda em favor da União como efeito da condenação (confisco). É possível a apreensão de quaisquer objetos que guardem relação com o fato delituoso, pouco importando sua origem lícita ou ilícita. Esses objetos apreendidos deverão acompanhar os autos do inquérito policial, nos termos do art. 11 do CPP. Por força dos arts. 118,119 e 120 do CPP, não poderão ser restituídas: a) as coisas apreendidas, enquanto interessarem ao pro cesso; b) os instrumentos do crime, desde que consistam em coisas cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitua fato ilícito produto do crime; c) qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso; d) objetos em relação aos quais haja dúvida quanto ao direito do reclamante. Para que a apreensão seja considerada lícita, há de se ficar atento aos requisitos da medida cautelar de busca pessoal e de busca domiciliar. A busca pessoal inde pende de prévia autorização judicial quando realizada sobre o indivíduo que está sendo preso, quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam o corpo de delito, assim como na hipótese de cumpri TlTULO II • DO INQUÉRITO POLICIAL Art. 6o mento de mandado de busca domiciliar (CPP, art. 244). A busca domiciliar está condicionada à observância do art. 5o, XI, da Constituição Federal, segundo o qual a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial. Para mais detalhes acerca da busca - pessoal, ou domiciliar - , remetemos o leitor aos comentários aos arts. 244 e 245 do CPP. 4. Colheita de outras provas: confirmando a discricionariedade dispensada ao trabalho investigatório da autoridade policial no curso do inquérito policial, o CPP dispõe que a au toridade policial deve colher todas as provas que sirvam para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias (art. 6o, III). 4.1. Violência doméstica e familiar contra a mulher: a título de exemplo de outras provas que devem ser colhidas de imediato, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher (Lei n. 11.340/06, art. 11), a autoridade policial deverá, entre outras providências: I - garantir proteção policial, quando necessá rio, comunicando de imediato ao Ministério Público e ao Poder Judiciário; II - encaminhar a ofendida ao hospital ou posto de saúde e ao Instituto Médico Legal; III - fornecer trans porte para a ofendida e seus dependentes para abrigo ou local seguro, quando houver risco de vida; IV - se necessário, acompanhar a ofendi da para assegurar a retirada de seus pertences do local da ocorrência ou do domicílio fami liar; V - informar à ofendida os direitos a ela conferidos nesta Lei e os serviços disponíveis. Em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, feito o registro da ocorrência, deverá a autoridade policial ado tar, de imediato, os seguintes procedimentos, sem prejuízo daqueles previstos no Código de Processo Penal: I - ouvir a ofendida, lavrar o boletim de ocorrência e tomar a representação a termo, se apresentada; II - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e de suas circunstâncias; III - remeter, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, expediente apartado ao juiz com o pedido da ofendida, para a concessão de medidas protetivas de urgência; IV - determinar que se proceda ao exame de corpo de delito da ofendida e re quisitar outros exames periciais necessários; V - ouvir o agressor e as testemunhas; VI - ordenar a identificação do agressor e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes criminais, indicando a existência de mandado de prisão ou registro de outras ocorrências policiais contra ele; VII - remeter, no prazo legal, os autos do inquérito policial ao juiz e ao Ministério Público. O pedido da ofendida será tomado a termo pela autoridade policial e deverá conter: I - qualificação da ofendida e do agressor; II - nome e idade dos dependentes; III - descrição sucinta do fato e das medidas protetivas solicitadas pela ofendida. A autori dade policial deverá anexar a esse pedido da ofendida o boletim de ocorrência e cópia de todos os documentos disponíveis em posse da ofendida. Ademais, nesses casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, serão admitidos como meios de prova os laudos ou prontuários médicos fornecidos por hospitais e postos de saúde. 5. Oitiva do ofendido: se possível, o De legado de Polícia também deve proceder à oitiva do ofendido. Conquanto o depoimento da vítima deva ser colhido com certa reserva, haja vista seu envolvimento emocional com o fato delituoso e o consequente interesse no deslinde da investigação, as informações por ela prestadas poderão ser muito úteis na busca de fontes de provas, contribuindo para o êxito das investigações. Como aduz Antônio Scarance Fernandes (O papel da vítima no processo criminal. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 59-60), “o próprio sucesso da investigação e, consequentemente, o bom resultado final do processo dependem muito do interesse da vítima em colaborar. É ela quase sempre quem comunica o crime e indica as principais testemunhas. O seu retorno para prestar ou fornecer novos esclarecimentos é de máxima importância. A sua participação é necessária para a realização de diligências relevantes, tais como os reconhecimentos de pessoas e coisas e a elaboração do exame de corpo de delito”. De acordo com o art. 201, §1°, do CPP, Art. 6o CPP COMENTADO • Renato Brasileiro de Lima se, intimado para esse fim, o ofendido deixar de comparecer, é possível que a autoridade policial determine sua condução coercitiva. 6. Interrogatório do investigado: consoante disposto no art. 6o, inciso V, do CPP, a auto ridade policial deverá ouvir o indiciado, com observância, no que fo r aplicável, do disposto no Capítulo III do Título V II, deste Livro, devendoo respectivo termo ser assinado por duas testemunhas que lhe tenham ouvido a leitura. Apesar de o interrogatório judicial ser subdividido em duas fases, a primeira relati va à pessoa do acusado, e a segunda quanto aos fatos que lhe são imputados (CPP, art. 187), o interrogatório policial deve ficar res trito à infração penal sob investigação. Afinal, esse interrogatório judicial sobre a pessoa do acusado foi inserido no texto do art. 187 do CPP pela Lei n. 10.792/03 apenas para que o magistrado tivesse conhecimento acerca de sua personalidade, de sua culpabilidade e de seus antecedentes, para fins de avaliação das circunstâncias judiciais do art. 59 do CP. 6.1. Obrigatoriedade de assistência de advogado no interrogatório policial: para mais detalhes acerca do assunto, remetemos o leitor aos comentários ao art. 4o do CPP, mais precisamente ao item “5.4. Procedimento inquisitorial (Lei n. 13.245/16)”. 6.2. Direito à não autoincriminação: por força do princípio do nemo tenetur se detegere, o suspeito, investigado, indiciado ou acusado não é obrigado a produzir prova contra si mesmo. Portanto, deve o investigado ser for malmente advertido pela autoridade policial que tem direito ao silêncio, e que do exercício desse direito não poderá decorrer qualquer prejuízo a sua pessoa. 7. Reconhecimento de pessoas e coisas: quando houver necessidade de se fazer o reco nhecimento de pessoa no curso do inquérito policial, proceder-se-á pela forma prevista no art. 226 do CPP. O reconhecimento de coisas é ato ligado à identificação dos instrumentos empregados na prática delituosa (faca, revól ver, etc.), dos objetos utilizados para auxiliar no delito (v.g., uma motocicleta usada em um crime de furto) e dos objetos que constituem o produto do crime (automóvel subtraído, celular roubado, etc.). Ao reconhecimento de coisas aplica-se o mesmo procedimento do reconhecimento de pessoas, no que for possível (CPP, art 227). Por força do princípio da busca da verdade e da liberdade das provas, tem- -se admitido a utilização do reconhecimento fotográfico, observando-se, por analogia, o procedimento previsto no CPP para o reco nhecimento pessoal. ♦ Jurisprudência selecionada: STJ:"(...) Ajurisprudência do SuperiorTribunal de Justiça admite a possibilidade de reconhecimento do acusado por meio fotográfico desde que observadas as formali dades contidas no art. 226 do Código de Processo Penal. Eventual irregularidade cometida no inquérito policial restou sanada na fase judicial, porquanto o juiz proces- sante, ao realizar o reconhecimento pessoal do acusado na audiência de inquirição de testemunhas, o fez sob o crivo do contraditório e da ampla defesa. (...) Ordem parcialmente conhecida e, nessa extensão, denegada". (STJ, 5 ■> Turma, H C 136.147/SP, Rei. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 06/10/2009, DJe 03/11 /2009). 7.1. Direito à não autoincriminação: por força do princípio do nemo tenetur se detegere, o investigado tem o direito de não colaborar na produção da prova sempre que se lhe exigir um comportamento ativo, um facere, daí por que não é obrigado a participar da acareação. Todavia, em relação às provas que demandam apenas que o acusado tolere a sua realização, ou seja, aquelas que exijam uma cooperação meramente passiva, não se há falar em violação ao nemo tenetur se detegere. O direito de não produzir prova contra si mesmo não persiste, portanto, quando o acusado for mero objeto de verificação. Assim, em se tratando de reco nhecimento pessoal, ainda que o acusado não queira voluntariamente participar, admite-se sua execução coercitiva. Em sentido diverso: FIORI, ArianeTrevisan. Aprova e a intervenção corporal: sua valoração no processo penal. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008. p. 94. 8. Acareações: a acareação será admitida entre investigados, entre investigado e teste munha, entre testemunhas, entre investigado TÍTULO II • DO INQUÉRITO POLICIAL Art. 6o ou testemunha e a pessoa ofendida, e entre as pessoas ofendidas, sempre que divergirem, em suas declarações, sobre fatos ou circunstâncias relevantes. Os acareados serão reperguntados, para que expliquem os pontos de divergências, reduzindo-se a termo o ato de acareação. Para mais detalhes acerca de seu procedimento, remetemos o leitor aos comentários aos arts. 229 e 230 do CPP. 9. Determinação de realização de exa me de corpo de delito e quaisquer outras perícias: dentre as várias diligências a serem determinadas pela autoridade policial, prevê o Código a determinação de exame de corpo de delito e quaisquer outras perícias (CPP, art. 6o, VII). Relembre-se que, por força do art. 158 do CPP, quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de deli to, direito ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado. Para mais detalhes acerca dos exames periciais, remetemos o leitor aos comentários aos arts. 158 a 184 do CPP. 10. Identificação do indiciado: consta do art. 6o, VIII, I a parte, do CPP, que a autori dade policial deve ordenar a identificação do indiciado pelo processo datiloscópico, se possível, e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes. A primeira parte desse preceito do CPP, que entrou em vigor antes da Consti tuição Federal, deve ser lida em cotejo com o art. 5o, LVIII, da Carta Magna, que prevê que o civilmente identificado não será submetido à identificação criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei. Por isso, grande parte da doutrina advoga que a norma constante do art. 6o, VIII, do CPP, é incompatível com a Carta Magna, visto que referido dispositivo legal não pode ser considerado como a exceção prevista no texto constitucional. Portanto, para que seja possível a identificação criminal, mister se faz analisar a lei específica que versa sobre o assunto - Lei n. 12.037/09 - , objeto de estudo na sequência. 11 11. Identificação criminal: para que o Es tado possa punir o autor do delito, é indispen sável o conhecimento efetivo e seguro de sua correta identidade, sobretudo se considerar mos que a própria Constituição Federal prevê que nenhuma pena pode passar da pessoa do condenado (art. 5o, XLV, I a parte). De fato, ainda que não haja qualquer dúvida quanto à autoria do fato delituoso, há situações em que pode haver certa incerteza quanto à verdadeira identidade do autor do crime: afinal, durante a coleta de dados de identificação, é bastante comum que o autor do delito omita seus da dos pessoais, apresente informações inexatas, mentindo, usando documento falsos, ou atri buindo-se falsa identidade. Daí a importância da identificação criminal, que desempenha papel fundamental no auxílio da aplicação do direito penal, porquanto, através dela, é feito o registro dos dados identificadores da pessoa que praticou a infração penal sob investigação, possibilitando o conhecimento ou a confirma ção de sua identidade, a fim de que, ao término da persecução penal, lhe sejam impostas as sanções decorrentes do delito praticado. 11.1. Espécies de identificação criminal: a identificação criminal é o gênero do qual são espécies a identificação datiloscópica - feita com base nas saliências papilares da pessoa - , a identificação fotográfica e a novel iden tificação do perfil genético, introduzida pela Lei n. 12.654/12. A propósito, dispõe o art. 5o da Lei n. 12.037/09, que a identificação criminal incluirá o processo datiloscópico e o fotográfico, que serão juntados aos au tos da comunicação da prisão em flagran te, ou do inquérito policial ou outra forma de investigação. A identificação crim inal abrange, portanto, uma sessão fotográfica, a coleta de impressões digitais do indivíduo e, em algumas hipóteses que serão estudadas mais adiante, a coleta de material biológico para a obtenção do perfil genético. Diante da mutabilidade da fisionomia das pessoas e a impossibilidade da formação de um cadastro fotográfico acessível, a fotografia deve ser usada comométodo auxiliar de identificação, não sendo possível que a autoridade policial a utilize de maneira exclusiva, dispensando a identificação datiloscópica. Para tanto, deve ser seguido o padrão fotográfico exigido para a cédula de identidade civil, ou seja, a foto de frente, tamanho três por quatro centímetros, O \ Art. 6o CPP COMENTADO • Renato Brasileiro de Lima prevista na Lei n. 7.116/83. As vantagens da identificação datiloscópica são destacadas pela doutrina: o desenho digital é perene, acompanhando o homem durante toda a vida, sendo notada a formação de pontos característicos a partir do 3o mês de vida fetal, os quais se consolidam, ainda na fase intrauterina, por volta do 6o mês de gestação, podendo ser encontrados, mesmo depois da morte, até a desagregação da matéria. A imutabilidade é a propriedade da inalterabili- dade do desenho digital, desde sua formação até a putrefação cadavérica. Ademais, não é possível a localização de digitais idênticas nos diferentes dedos de um mesmo indivíduo ou entre duas pessoas diferentes. 11.2. Distinção entre identificação crimi nal e qualificação do investigado: a identifi cação criminal diz respeito à identificação dati loscópica, fotográfica e genética, e só é possível nos casos previstos em lei (CF, art. 5o, LVIII). A qualificação do investigado deve ser com preendida como sua individualização, através da obtenção de dados como nome completo, naturalidade, filiação, nacionalidade, estado ci vil, domicílio, etc. A qualificação do investigado não traz qualquer forma de constrangimento, tipificando o art. 68 da Lei de Contravenções Penais (Dec.-lei 3.688/41) a conduta de recusar à autoridade, quando por esta justificadamente solicitados ou exigidos, dados ou indicações concernentes à própria identidade, estado, pro fissão, domicílio e residência. 11.3. Distinção entre identificação crimi nal e reconhecimento de pessoas: na identi ficação criminal, notadamente nas hipóteses de identificação datiloscópica e do perfil genético, há o emprego de técnica científica, sendo que o ato de identificação pressupõe conhecimentos técnicos por parte do identificador. No reco nhecimento de pessoas (CPP, art. 226), não se exige habilidade específica, cuidando-se de mera comparação leiga feita com a finalidade de se encontrar semelhanças entre pessoas ou coisas. Assim, pode-se dizer que, enquanto o reconhecimento é feito por uma pessoa leiga, a identificação é feita por um técnico. 11.4. Leis relativas à identificação crimi nal: antes da Constituição Federal de 1988, a identificação criminal era tida como a regra, ainda que o indivíduo tivesse se identificado civilmente. Era esse, aliás, o teor do enuncia do da súmula n. 568 do Supremo Tribunal Federal: a identificação criminal não constitui constrangimento ilegal, ainda que o indiciado já tenha sido identificado civilmente. No entanto, sob o argumento de que a persecução penal poderia ser levada adiante sem que fosse acom panhada da obrigatória identificação criminal, a Constituição Federal passou a dispor em seu art. 5o, LVIII, que o civilmente identificado não será submetido à identificação criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei. Como se percebe, o que antes era a regra passou a ser a exceção, estando a identificação criminal do civilmente identificado condicionada à previsão em lei. Daí a importância de verificarmos os disposi tivos legais que, ao longo dos anos, passaram a dispor sobre a identificação criminal: 1) art. 109 do Estatuto da Criança e do Adolescente: o adolescente civilmente identificado não será submetido a identificação compulsória pelos ór gãos policiais, de proteção e judiciais, salvo para efeito de confrontação, havendo dúvida funda da; 2) art. 5o da revogada Lei n. 9.034/95: a identificação criminal de pessoas envolvidas com a ação praticada por organizações crimi nosas será realizada independentemente da identificação civil. Tinha-se, pois, hipótese de identificação criminal compulsória de pessoas envolvidas com o crime organizado, indepen dentemente da existência de identificação civil. Todavia, em data de 19 de setembro de 2013, a Lei n. 9.034/95 foi expressamente revogada pela nova Lei das Organizações Criminosas (Lei n. 12.850/13), da qual não consta nenhum dispositivo expresso acerca da obrigatoriedade de identificação criminal; 3) Lei n. 10.054/00: posteriormente revogada pela Lei n. 12.037/09, a Lei n. 10.054/00 passou a regulamentar de maneira específica a identificação criminal no ordenamento pátrio. Como o art. 3o, inciso I, da revogada Lei n. 10.054/00, enumerava, de forma incisiva, determinados crimes em que a identificação criminal seria compulsória - homicídio doloso, crimes contra o patrimônio TlTULO II • DO INQUÉRITO POLICIAL Art. 6o praticados com violência ou grave ameaça, receptação qualificada, crimes contra a liber dade sexual ou crime de falsificação de docu mento público - , não constando, dentre eles, a hipótese em que o acusado se envolve com a ação praticada por organizações criminosas, concluiu a 5a Turma do STJ que o preceito do art. 5° da Lei n. 9.034/95 (hoje revogada ex pressamente pela Lei n. 12.850/13) já teria sido tacitamente revogado pela Lei n. 10.054/00; 4) Lei n. 12.037/09: de acordo com seu art. 1°, o civilmente identificado não será submetido à identificação criminal, salvo nos casos pre vistos nesta lei. Ora, se a Lei n. 10.054/00 foi expressamente revogada pelo art. 9° da Lei n. 12.037/09, e se o art. 1° da Lei n. 12.037/09 preceitua que a identificação criminal só po derá ocorrer nos casos previstos nesta lei, há de se concluir pela revogação tácita do art. 5° da Lei n. 9.034/95 (hoje revogada expressamente pela Lei n. 12.850/13), que, inclusive, já se tinha como revogado pelo advento da Lei n. 10.054/00. Raciocínio semelhante há de ser aplicado também ao art. 109 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Portanto, doravante, a identificação criminal somente será possível nas hipóteses estabelecidas na Lei n. 12.037/09; 5) Lei n. 12.654/12: esta Lei introduziu no ordenamento pátrio a possibilidade de cole ta de material biológico para a obtenção do perfil genético. Também introduziu na Lei de Execução Penal o art. 9°-A, que dispõe que “os condenados por crime praticado, dolosa mente, com violência de natureza grave contra pessoa, ou por qualquer dos crimes previstos no art. Io da Lei n. 8.072/90 serão submetidos, obrigatoriamente, à identificação do perfil genético, mediante extração de DNA - ácido desoxirribonucleico, por técnica adequada e indolor”. Diversamente da hipótese prevista no art. 3°, IV, da Lei n. 12.037/09, em que a identificação do perfil genético é feita para ser utilizada como prova em relação a um crime já ocorrido - pode ser qualquer delito, já que o dispositivo não faz qualquer restrição quanto à espécie de infração penal - , no caso do art. 9°-A da LEP, a coleta do material genético será feita apenas em relação aos condenados por sentença transitada em julgado pela prática de certos delitos, sendo que a identificação irá para um banco de dados de modo a ser usada como prova em relação a fatos futuros. Ade mais, neste caso, não há necessidade de prévia autorização judicial para a coleta do material biológico, vez que esta autorização é necessária apenas para ulterior acesso ao banco de dados por parte da autoridade policial (LEP, art. 9°-A, §2°, com redação dada pela Lei n. 12.654/12). ♦ Jurisprudência selecionada: STJ:"(...) O art. 3°, caput e incisos, da Lei n° 10.054/2000, enumerou, de forma incisiva, os casos nos quais o civil mente identificado deve, necessariamente, sujeitar-se à identificação criminal, não constando, entre eles, a hipótese em que o acusado se envolve com a ação praticada por organizações criminosas. Com efeito, restou revogado o preceito contido no art. 5° da Lei n° 9.034/95, o qual exige que a identificação criminalde pessoas envolvidas com o crime organizado seja realizada independentemente da existência de iden tificação civil. Recurso provido". (STJ, 5a Turma, RHC 12.965/DF, Rei. Min. Felix Fischer, j. 07/10/2003, DJ 10/11/2003 p. 197). 11.5. Documentos atestadores da identi ficação civil: de acordo com o art. 1° da Lei n. 12.037/09, o civilmente identificado não será submetido a identificação criminal, salvo nos casos previstos nesta Lei. Interpretando-se a contrario sensu o referido dispositivo, conclui- -se que, se acaso o indivíduo não se identificar civilmente, com a apresentação de um dos do cumentos listados no art. 2° da referida lei, será possível sua identificação criminal, quando se envolver com alguma prática delituosa. O art. 2° da Lei n. 12.037/09 dispõe sobre o rol de documentos que podem atestar a identifica ção civil das pessoas, o que, por consequên cia, impede a identificação criminal. São eles: carteira de identidade, carteira de trabalho, carteira profissional, passaporte, carteira de identificação funcional, ou outro documento público que permita a identificação do indicia do (v.g., carteira nacional de habilitação, cujo atual layout permite a identificação civil da pessoa). Para as finalidades da Lei n. 12.037/09, equiparam-se aos documentos de identificação civis os documentos de identificação militares. As carteiras expedidas por órgãos fiscalizado- res do exercício profissional, criados por lei federal, têm o mesmo valor do documento de Aft. 6o ' CPP COMENTADO • Renato Brasileiro de Lima identidade, diante do teor da Lei n. 6.206/75, servindo, portanto, como forma de comprova ção da identidade das pessoas. Ademais, aos advogados e membros do Ministério Público, é assegurado que o documento de identidade profissional ou a carteira funcional sirvam como prova de identidade civil ou cédula de identidade, ex vi do art. 13 da Lei n. 8.906/94 e do art. 42 da Lei n. 8.625/93. Apesar de o art. 2o, inciso VI, da Lei n. 12.037/09, fazer menção a qualquer outro documento público que permita a identificação do indiciado, queremos crer que uma certidão de nascimento, por si só, não é capaz de identificar civilmente o indivíduo, haja vista não ser dotada de fotografia. Aliás, o próprio art. 3o, II, da Lei n. 12.037/09, autoriza a identificação criminal quando o documento apresentado for insuficiente para identificar cabalmente o indiciado. A Lei n. 10.054/00 dispunha que o civilmente identificado por documento original não seria submetido à identificação criminal, exceto nas hipóteses discriminadas no art. 3o. A Lei n. 12.037/09, em seu art. 3o, fala apenas em apresentação de documento de identificação, sem dizer se tal documento teria que ser o original ou se bastaria uma cópia. A nosso ver, esse silêncio eloquente demonstra que a cópia de documen to de identificação, desde que devidamente autenticada, é capaz de suprir a ausência do original, sobretudo se considerarmos que o próprio art. 232, parágrafo único, do CPP, dispõe que a fotocópia do documento devi damente autenticada tem o mesmo valor que o original. 11.6. Hipóteses autorizadoras da identi ficação criminal: segundo o art. 3o da Lei n. 12.037/09, embora apresentado documento de identificação, poderá ocorrer identificação criminal quando: I - o documento apresentar rasura ou tiver indício de falsificação; II - o documento apresentado for insuficiente para identificar cabalmente o indiciado: é o que acontece, por exemplo, com documentos pú blicos que não são dotados de fotografia, como a certidão de nascimento; III - o indiciado por tar documentos de identidade distintos, com informações conflitantes entre si; IV - a iden tificação criminal for essencial às investigações policiais, segundo despacho da autoridade ju diciária competente, que decidirá de ofício ou mediante representação da autoridade policial, do Ministério Público ou da defesa: diversa mente das hipóteses anteriores e seguintes, esta hipótese de identificação criminal depende de prévia autorização judicial. Apesar de o legislador referir-se apenas à representação da autoridade policial, do Ministério Público ou da defesa, pensamos que não se pode excluir a possibilidade de o ofendido representar pela identificação criminal nas hipóteses de crimes de ação penal privada. Isso porque, caso não seja determinada a identificação criminal, estar-se-á a inviabilizar o exercício do direito de queixa, já que o ofendido não terá elementos precisos acerca da pessoa em relação à qual o processo criminal deva ser deflagrado. Noutro giro, a despeito de a Lei n. 12.037/09 não se referir ao cabimento de recurso contra essa de cisão judicial relativa à identificação criminal, há de se admitir a possibilidade de impetração de habeas corpus, em prol do investigado, e de mandado de segurança, no caso da acusação. Outra diferença importante em relação a este inciso IV do art. 3o é que, nesta hipótese, a identificação criminal poderá incluir a co leta de material biológico para a obtenção do perfil genético (Lei n. 12.037/09, art. 5o, parágrafo único, com redação dada pela Lei n. 12.654/12). Como o inciso IV faz menção à identificação para auxiliar as investigações, é de se concluir que, nesse caso, o código ge nético será confrontado com as amostras de sangue, saliva, sêmen, pelos, etc., encontradas no local do crime, no corpo da vítima, para fins de comprovação da autoria do delito. A título de exemplo, basta pensar na realização de exame de DNA feito a partir da comparação do material genético de determinado acusado com os vestígios de esperma encontrados no corpo da vítima. A partir da comparação, será elaborado laudo pericial firmado por perito oficial devidamente habilitado que analisará a coincidência (ou não) do perfil genético. Ante a gravidade da intervenção corporal, à autoridade judiciária incumbe demonstrar a impossibilidade de se obter a prova da autoria por método menos invasivo, funcionando a Art. 6oTITULO II • DO INQUÉRITO POLICIAL coleta de material genético como medida de ultima ratio, evitando-se, assim, sua banali- zação; V - constar de registros policiais o uso de outros nomes ou diferentes qualificações; VI - o estado de conservação ou a distância temporal ou da localidade da expedição do do cumento apresentado impossibilite a completa identificação dos caracteres essenciais: parece ter havido um equivoco do legislador ao dis por que será possível a identificação criminal quando a localidade distante da expedição do documento impossibilitar a completa identifi cação dos caracteres essenciais. Ora, o fato de alguém identificar-se civilmente na cidade de Pacaraima/RR com uma carteira de identidade em perfeitas condições expedida em Santa Ma- ria/RS, por si só, não é fundamento suficiente para sua identificação criminal, a não ser que presente uma das hipóteses anteriores. Ao contrário da lei anterior (Lei n. 10.054/00), que estabelecia um rol taxativo de delitos onde a identificação criminal seria obrigatória, ainda que o investigado se identificasse civilmente, a Lei n. 12.037/09 deixou de estabelecer a espécie de crime como critério para a determinação da identificação criminal. Presente uma das hipóteses do art. 3o da Lei n. 12.037/09, e recusando-se o investigado a colaborar, é per- feitamente possível sua condução coercitiva, sem prejuízo de eventual responsabilidade criminal pelo delito de desobediência. Nesse sentido, aliás, dispõe o art. 260 do CPP que se o acusado não atender à intimação para o inter rogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado - é o caso da identificação criminal - a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua presença. A nosso juízo, não se pode objetar que a identifi cação criminal importa em violação ao direito à não autoincriminação, previsto no art. 5o, LXIII, da Constituição Federal, e na Conven ção Americana sobreDireitos Humanos (Dec. 678/92, art. 8o, n. 2, “g”). Afinal, a mesma Constituição Federal que assegura o direito ao silêncio também prevê que o civilmente identificado não será submetido à identifica ção criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei (art. 5o, LVIII). Portanto, pelo princípio da concordância prática ou da harmonização, não se pode querer emprestar valor absoluto ao direito de não produzir prova contra si mesmo, inviabilizando que o Estado possa colher as im pressões digitais com a finalidade de registrar os dados da identidade física do provável autor do delito. Objetivando preservar a imagem da pessoa identificada criminalmente, a Lei n. 12.037 prevê que, no caso de não oferecimento da denúncia, ou sua rejeição, ou absolvição, é facultado ao indiciado ou ao réu, após o arqui vamento definitivo do inquérito, ou trânsito em julgado da sentença, requerer a retirada da identificação fotográfica do inquérito ou processo, desde que apresente provas de sua identificação civil (art. 7o). Perceba-se que a lei previu apenas a retirada da identificação fotográfica. Logo, a identificação datiloscópica deve permanecer nos autos do inquérito ou processo criminal. Na mesma linha, segundo o art. 7o-A da Lei n. 12.037/09, com redação dada pela Lei n. 12.654/12, a exclusão dos perfis genéticos dos bancos de dados ocorrerá no término do prazo estabelecido em lei para a prescrição do delito. 11.7. Identificação do perfil genético (Lei n. 12.654/12): com o crescente desenvol vimento de outras técnicas de identificação biométrica, tais como a identificação por voz, a identificação através da íris, da retina, da face, entre outros, sempre se discutiu se se ria possível a utilização de outras formas de identificação. A partir do momento em que a própria Constituição Federal determinou que o civilmente identificado não será submetido à identificação criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei (art. 5o, LVIII), parece-nos que, pelo menos enquanto a legislação vigente delimitava as formas de identificação criminal apenas à datiloscópica e fotográfica (reda ção original da Lei n. 12.037/09), revelava-se inaceitável, à época, a utilização de outros métodos de identificação. Evidentemente, a partir do momento que sobrevêm mudança legislativa autorizando a utilização de novas formas de identificação criminal, o panorama é alterado. Daí a importância do estudo da Lei n. 12.654/12, que passou a permitir a possi bilidade de coleta de material biológico para obtenção de perfil genético como forma de A r t . 6 o CPP COMENTADO • Renato Brasileiro de Lima identificação criminal. Consoante disposto no art. 5°-A da Lei n. 12.037/09, acrescentado pela Lei n. 12.654/12, os dados relacionados à coleta do perfil genético deverão ser armazenados em banco de dados de perfis genéticos, gerenciado por unidade oficial de perícia criminal. As informações genéticas contidas nos bancos de dados de perfis genéticos não poderão revelar traços somáticos ou comportamentais das pessoas, exceto determinação genética de gênero, consoante as normas constitucionais e internacionais sobre direitos humanos, geno- ma humano e dados genéticos. Os dados cons tantes dos bancos de dados de perfis genéticos terão caráter sigiloso, respondendo civil, penal e administrativamente aquele que permitir ou promover sua utilização para fins diversos dos previstos nesta Lei ou em decisão judicial. Ademais, as informações obtidas a partir da coincidência de perfis genéticos deverão ser consignadas em laudo pericial firmado por perito oficial devidamente habilitado. 11.7.1. Direito à não autoincriminação: a novel identificação do perfil genético irá provocar muita controvérsia à luz do princípio que veda a autoincriminação. Evidentemente, se acaso a defesa solicitar esta forma de iden tificação, com o objetivo de, eventualmente, excluir sua responsabilidade, não haverá qual quer ilegalidade. Por isso, o cerne da questão diz respeito às hipóteses em que o acusado se negar a fornecer material biológico para a obtenção de seu perfil genético. Certamente, haverá quem diga que não se pode obrigar o investigado a contribuir com as investigações, e qualquer decisão judicial que lhe obrigue a fornecer material biológico para fins probató rios (Lei n. 12.037/09, art. 3o, IV) - e não de sua identidade - será afrontoso ao princípio constitucional que veda a autoincriminação. Afinal, não se pode impor ao investigado que contribua ativamente com as investigações, sobretudo mediante o fornecimento de ma terial biológico que possa vir a incriminá-lo em ulterior exame de DNA. Sem embargo desse entendimento, parece-nos que a validade dessa identificação do perfil genético estará condicionada à forma de coleta do material biológico. Como o acusado não é obrigado a praticar nenhum comportamento ativo capaz de incriminá-lo, nem tampouco a se submeter a provas invasivas sem o seu consentimento, de modo algum pode ser obrigado a fornecer material biológico para a obtenção de seu per fil genético. Todavia, se estivermos diante de amostras de sangue, urina, cabelo, ou de outros tecidos orgânicos, descartadas voluntária ou involuntariamente pelo investigado na cena do crime ou em outros locais, parece-nos que não há qualquer óbice a sua coleta, sem que se possa arguir eventual violação ao princípio do nemo tenetur se detegere. Aos olhos dos Tribunais, referido princípio impede que o acusado seja compelido a produzir qualquer prova incriminadora invasiva. Por isso, em diversos julgados, o STF já se manifestou no sentido de que o acusado não é obrigado a fornecer material para realização de exame de DNA. Todavia, o mesmo Supremo também tem precedentes no sentido de que a produção dessa prova será válida se a coleta do material for feita de forma não invasiva (v.g., exame de DNA realizado a partir de fio de cabelo encontrado no chão). Idêntico raciocínio deve ser empregado quanto à identificação do perfil genético: desde que o acusado não seja com pelido a praticar qualquer comportamento ativo que possa incriminá-lo, nem tampouco a se sujeitar à produção de prova invasiva, há de ser considerada válida a coleta de material biológico para a obtenção de seu perfil gené tico. ♦ Jurisprudência selecionada: STF: "INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE - EXAME DNA - CO N DU ÇÃO DO RÉU "DEBAIXO DE VARA". Discrepa, a mais não poder, de garantias constitucionais implí citas e explícitas - preservação da dignidade humana, da intimidade, da intangibilidade do corpo humano, do império da lei e da inexecução específica e direta de obrigação de fazer - provimento judicial que, em ação civil de investigação de paternidade, implique determinação no sentido de o réu ser conduzido ao laboratório, "debaixo de vara", para coleta do mate rial indispensável à feitura do exame DNA. A recusa resolve-se no plano jurídico-instrumental, conside radas a dogmática, a doutrina e a jurisprudência, no que voltadas ao deslinde das questões ligadas à prova dos fatos". (STF, Pleno, HC 71.373/RS, Rei. Min. Marco Aurélio, j. 10/11 / I 994, DJ 22/11/1996). TlTULOII. DO INQUÉRITO POLICIAL j Art. 7o STF:"(...) Coleta de material biológico da placenta, com propósito de se fazer exame de DNA, para averigüação de paternidade do nascituro, embora a oposição da extraditanda. Invocação dos incisos X e XLIX do art. 5o, da CF/88. (...) Bens jurídicos constitucionais com o "m o ralidade administrativa","persecução penal pública"e "segurança pública"que se acrescem, - com o bens da comunidade, na expressão de Canotilho, - ao direito fundamental à honra (CF, art. 5°, X), bem assim direito à honra e à im agem de policiais federais acusados de estupro da extraditanda, nas dependências da Polícia Federal, e direito à im agem da própria instituição, em confronto com o alegado direito da reclamante à intim idade e a preservar a identidade do pai de seu filho. (...)Mérito do pedido do Ministério Público Federal julgado, desde logo, e deferido, em parte, para autorizar a realização do exame de DNA do filho da reclamante, com a utilização da placenta recolhida, sendo, entretanto, indeferida a súplica de entrega à Polícia Federal do"prontuário médico"da reclamante". (STF, Pleno, Rcl-QO 2.040/DF, Rei. Min. Néri da Silveira, DJ 27/06/2003, p. 31). 12. Folha de antecedentes: é a ficha que contém a vida pregressa criminal do investi gado, de onde constam dados como a relação dos inquéritos policiais já instaurados contra sua pessoa e sua respectiva destinação. Atente- -se, neste ponto, à nova redação conferida ao art. 20, parágrafo único, do CPP, pela Lei n. 12.681/12: “nos atestados de antecedentes que lhe forem solicitados, a autoridade policial não poderá mencionar quaisquer anotações referentes à instauração de inquérito contra os requerentes”. Em sua redação anterior, o dis positivo ressalvava a possibilidade de constar da folha de antecedentes eventual condenação anterior. 13. Averiguação da vida pregressa do investigado: também incumbe à autoridade policial averiguar a vida pregressa do indicia do, sob o ponto de vista individual, familiar e social, sua condição econômica, sua atitude e estado de ânimo antes e depois do crime e durante ele, e quaisquer outros elementos capazes de contribuir para a apreciação do seu temperamento e caráter. 14. Colheita de informações sobre a exis tência de filhos: o Marco Civil da Primeira Infância acrescentou uma nova diligência po licial ao rol exemplificativo do art. 6o do CPP, qual seja, a colheita de informações sobre a existência de filhos, respectivas idades e se possuem alguma deficiência e o nome e o contato de eventual responsável pelos cuidados dos filhos, indicado pela pessoa presa. Ques tionamento semelhante a este também deve ser feito por ocasião do interrogatório judicial e da lavratura do auto de prisão em flagrante (CPP, arts. 185, §10, e 304, §4°, incluídos pela Lei n. 13.257/16). O objetivo do legislador é conferir ao magistrado informações mais completas acerca da pessoa presa para fins de possível concessão de prisão domiciliar (CPP, art. 318, III,V ,e V I). Art. 7o Para verificar a possibilidade de haver a infração sido praticada de determinado modo, a autoridade policial poderá proceder à reprodução simulada dos fatos, desde que esta não contrarie a moralidade ou a ordem pública.1'2 1. Reconstituição do fato delituoso: a de pender do crime investigado, a exemplo de homicídios consumados ou tentados, o Dele gado de Polícia pode determinar a realização da reconstituição do crime, que funciona como importante meio de prova, notadamente para esclarecer a dinâmica do fato delituoso, auxi liando na formação do convencimento do juiz ou dos jurados. Na hipótese de a reprodução simulada dos fatos contrariar a moralidade ou a ordem pública, como, por exemplo, em crimes contra a dignidade sexual, deve o De legado de Polícia se valer de outros meios de prova. 2. Participação da defesa: tratando-se o inquérito policial de procedimento de natureza inquisitorial, a participação do investigado ou de seu advogado não é condição sine qua non para a validade da reconstituição do fato deli tuoso, conquanto realizada em sede de investi gação policial. Obviamente, caso a reprodução simulada dos fatos ocorra na fase judicial, a validade dessa prova estará condicionada à Art. 8o , CPP COMENTADO • Renato Brasileiro de Lima observância do contraditório e da ampla defesa (CF, art. 5o, LV). 3. Direito à não autoincriminação: por for ça do direito de não produzir prova contra si mesmo, doutrina e jurisprudência têm adotado o entendimento de que não se pode exigir um comportamento ativo do acusado, caso desse fa - cere possa resultar a autoincriminação. Assim, sempre que a produção da prova tiver como pressuposto uma ação por parte do acusado (v.g., acareação, reconstituição do crime, exa me grafotécnico, bafômetro, etc.), será indis pensável seu consentimento. Cuidando-se do exercício de um direito, não se admitem medi das coercitivas contra o acusado para obrigá-lo a cooperar na produção de provas que dele demandem um comportamento ativo. Além disso, a recusa do acusado em se submeter a tais provas não configura o crime de desobe diência nem tampouco o de desacato, e dela não pode ser extraída nenhuma presunção de culpabilidade, pelo menos no processo penal. Portanto, se o investigado não é obrigado a participar da reconstituição do crime, pensa mos não ser possível sua condução coercitiva para tanto. Acerca do assunto, o Supremo Tribunal Federal já se manifestou no sentido de que configura constrangimento ilegal a decretação de prisão preventiva de indiciados diante da recusa destes em participarem de reconstituição do crime. Afinal, cuidando-se de prova que depende da colaboração ativa do acusado, não se pode exigir sua participação, sob pena de violação ao nemo tenetur se dete- gere. + Jurisprudência selecionada: STF:"(...) Reconstituição de crime (reprodução simu lada de delito de homicídio) Art. 7o do CPP. Diligência requerida pelo Ministério Público, deferida pelo juiz, na fase do inquérito policial, e a cuja realização os indiciados se teriam negado a comparecer. Prisão preventiva decretada com base apenas nessa recusa dos indiciados. Constrangimento ilegal. Habeascorpus deferido para revogação a prisão preventiva, como decretada, sem prejuízo de eventual decretação de outra, se caracterizada qualquer das situações do art. 312 do CPP e com adequada fundamentação. Inter pretação dos arts. 7o, 260 e 312 do CPP. Se a prisão preventiva dos pacientes foi decretada apenas e tão somente porque não se teriam disposto a participar da diligência de reprodução simulada do delito de ho micídio (reconstituição do crime), ficou caracterizado constrangimento ilegal reparável com habeas corpus". (STF, Tribunal Pleno, HC 64.354/SP, Rei. Min. Sydney Sanches, j. 01/07/1987, DJ 14/08/1987). STF:"(...) A reconstituição do crime configura ato de caráter essencialmente probatório, pois destina-se - pela reprodução simulada dos fatos - a demonstrar o modus faciendi de prática delituosa (CPP, art. 7o). O suposto autor do ilícito penal não pode ser com pelido, sob pena de caracterização de injusto cons trangimento, a participar da reprodução simulada do fato delituoso. O magistério doutrinário, atento ao princípio que concede a qualquer indiciado ou réu o privilégio contra a autoincriminação, ressalta a circunstância de que é essencialmente voluntária a participação do im putado no ato - provido de indiscutível eficácia probatória - concretizador da reprodução simulada do fato delituoso. A reconsti tuição do crime, especialmente quando realizada na fase judicial da persecução penal, deve fidelidade ao princípio constitucional do contraditório, ensejando ao réu, desse modo, a possibilidade de a ela estar presente e de, assim, im pedir eventuais abusos, descaracterizadores da verdade real, praticados pela autoridade pública ou por seus agentes. Não gera nulidade processual a realização da reconstituição da cena delituosa quando, embora ausente o defensor técnico por falta de intimação, dela não participou o próprio acusado que, ag in d o conscientem ente e com plena liberdade, recusou-se, não obstante comparecendo ao ato, a colaborar com as autoridades públicas na produção dessa prova. (...)". (STF, 1aTurma, HC 69.026/DF, Rei. Min. Celso de Mello, j. 10/12/1991, DJ 04/09/1992). Art. 8o Havendo prisão em flagrante, será observado o disposto no Capítulo II do Título IX deste Livro.''2 1. Auto de prisão em flagrante como peça inaugural do inquérito policial: nos comen tários ao art. 5o do CPP, vimos que uma das espécies de notitia criminis é a coercitiva, que ocorre quando a autoridade policial toma co nhecimento do fato delituoso através da apre sentaçãodo indivíduo preso em flagrante. A despeito de não constar expressamente do art. 84 TÍTULO II-D O INQUÉRITO POLICIAL Art. 10 5o do CPP, o auto de prisão em flagrante não deixa de ser uma das formas de instauração do inquérito policial, funcionando o próprio auto como a peça inaugural da investigação. Ao invés de regulamentar o procedimento do auto de prisão em flagrante no Título referente ao inquérito policial, o art. 8o do CPP optou por fazer referência ao Capítulo II do Título IX do Livro I do CPP (arts. 301 a 310), onde o tema encontra-se devidamente regulamentado. 2. Suficiência do auto de prisão em fla grante e dispensa do inquérito policial: no âmbito processual penal militar, se o auto de prisão em flagrante delito, por si só, for sufi ciente para a elucidação do fato e sua autoria, constituirá o inquérito, dispensando outras diligências, salvo o exame de corpo de delito no crime que deixe vestígios, a identificação da coisa e a sua avaliação, quando o seu valor influir na aplicação da pena (CPPM, art. 27). A despeito do silêncio do CPP acerca do as sunto, pensamos ser perfeitamente possível a aplicação subsidiária do art. 27 do CPPM no âmbito processual penal comum, ex vi do art. 3o do CPP. Ora, supondo que o auto de prisão em flagrante lavrado pela autoridade de Po lícia Civil já contenha todos os elementos de informação necessários para o oferecimento da denúncia (v.g., prisão em flagrante no caso de tráfico de drogas), e tendo em conta que o inquérito policial é peça dispensável para o início da persecução penal em juízo, qual seria a utilidade de se determinar a instauração de um inquérito policial? Nenhuma. Art. 9o Todas as peças do inquérito policial serão, num só processado, reduzidas a escrito ou datilografadas e, neste caso, rubricadas pela auto- ridade.1-2 1. Procedimento escrito: o art. 9o do CPP deixa claro que todas as peças do inquérito policial deverão ser reduzidas a escrito. 2. Gravações audiovisuais: diante do teor do art. 9o do CPP, discute-se, na doutrina, acerca da possibilidade de se utilizar de re cursos de gravação audiovisual no curso das investigações policiais. A nosso juízo, apesar de o CPP não fazer menção à gravação au diovisual de diligências realizadas no curso do inquérito policial, deve-se atentar para a data em que o referido Codex entrou em vigor ( I o de janeiro de 1942). Destarte, seja por força de uma interpretação progressiva, seja por conta de uma aplicação subsidiária do art. 405, §1°, do CPP, há de se admitir a utilização desses novos meios tecnológicos no curso do inquérito. Portanto, sempre que possível, o registro dos depoimentos do investigado, do indiciado, ofendido e teste munhas será feito pelos meios ou recursos de gravação magnética, estenotipia, digital ou técnica similar, inclusive audiovisual, destinada a obter maior fidelidade das in formações. Art. 10 . O inquérito deverá terminar no prazo de 10 dias, se o indiciado tiver sido preso em flagrante, ou estiver preso preventivamente, contado o prazo, nesta hipótese, a partir do dia em que se executar a ordem de prisão, ou no prazo de 30 dias, quando estiver solto, mediante fiança ou sem ela.1 §1°A autoridade fará minucioso relatório do que tiver sido apurado2 * * e enviará autos ao juiz competente.3-4 §2° No relatório poderá a autoridade indicar testemunhas que não tive rem sido inquiridas, mencionando o lugar onde possam ser encontradas.5 A r t . 1 0 V cpp COMENTADO • Renato Brasileiro de Lima §3° Quando o fato for de difícil elucidação, e o indiciado estiver solto, a autoridade poderá requerer ao juiz a devolução dos autos, para ulteriores diligências, que serão realizadas no prazo marcado pelo juiz.6 1. Prazo para a conclusão do inquérito policial: em relação ao agente que está solto, o prazo prorrogável para a conclusão do inquérito é de 30 (trinta) dias, ao passo que, estando preso o indiciado, esse prazo será de 10 (dez) dias. 1.1. Natureza do prazo para a conclusão do inquérito policial: se o prazo é de natureza material, significa que o dia do co meço inclui-se no computo do prazo (CP, art. 10). Ademais, tal prazo não se prorroga até o primeiro dia útil subsequente, não estando sujeito a causas interruptivas nem suspensi- vas. De outro lado, cuidando-se de prazo de natureza processual, exclui-se o dia do começo e inclui-se o dia do final, ou seja, significa dizer que o prazo começa a fluir a partir do primeiro dia útil subsequente. Além disso, o prazo que terminar em domingo ou dia feriado considerar-se-á prorrogado até o dia útil ime diato (CPP, art. 798, §§1° e 3o). Em relação ao prazo para a conclusão de inquérito policial relativo a investigado solto, não há maiores controvérsias: trata-se de prazo de natureza processual. A divergência fica por conta da natureza do prazo para a conclusão do inqué rito quando o agente estiver preso: pensamos que se trata de prazo de natureza processual. Não se deve confundir a contagem do prazo da prisão, que deve observar o art. 10 do Có digo Penal, incluindo-se o dia do começo no computo do prazo, com a contagem do prazo para a conclusão do inquérito policial, que tem natureza processual. Conta-se o prazo, pois, a partir do primeiro dia útil após a prisão, sendo que, caso o prazo termine em sábado, domingo ou feriado, estará automaticamente prorrogado até o primeiro dia útil. Todavia, como a atividade policial é exercida durante todos os dias da semana, entendemos que não se aplica a regra de que o prazo que se inicia na sexta-feira somente começaria a correr no primeiro dia útil subsequente. 1.2. Consequências decorrentes da ino bservância do prazo para a conclusão do inquérito policial: no caso de investigado solto, esse prazo de 30 (trinta) dias é impró prio, tendo em vista que sua inobservância não produz qualquer consequência, pelo menos em regra. Já no caso de investigado preso, even tual atraso de poucos dias não gera qualquer ilegalidade, já que tem prevalecido a tese de que a contagem do prazo para a conclusão do processo é global, e não individualizada. Assim, mesmo que haja um pequeno excesso nessa fase investigatória, é possível que haja tuna compensação na fase processual. Todavia, se restar caracterizado um excesso abusivo, não respaldado pelas circunstâncias do caso concreto (complexidade das investigações e pluralidade de investigados), impõe-se o re laxamento da prisão, sem prejuízo da conti nuidade da persecução criminal. 4- Jurisprudência selecionada: STJ:"(...) a prisão ilegal, que há de ser relaxada pela au toridade judiciária, em cumprimento de dever-poder insculpido no artigo 5o, inciso LXV, da Constituição da República, compreende, por certo, aquela que, afora perdurar por prazo superior ao prescrito em lei, ofende de forma manifesta o princípio da razoabilidade. É induvidosa a caracterização de constrangimento ilegal, quando perdura a constrição cautelar por mais de seis meses, sem oferecimento da denúncia, fazendo-se invocável a razoabilidade". (STJ, 6a Turma, HC 44.604/ RN, Rei. Min. Hamilton Carvalhido, j. 09/12/2005, DJ 06/02/2006 p. 356). 1.3. Prazos para a conclusão do inquérito policial previstos na legislação especial: consoante dispõe o art. 66 da Lei n. 5.010/66 (Lei que organiza a Justiça Federal de primeira instância), o prazo para conclusão do inquérito policial será de quinze dias, quando o indicia do estiver preso, podendo ser prorrogado por mais quinze dias, a pedido, devidamente fun damentado, da autoridade policial e deferido pelo Juiz a que competir o conhecimento do processo. Silenciando a Lei n. 5.010/66 quanto TÍTULO I I . DO INQUÉRITO POLICIAL Art. 10 ao prazo para a conclusão do inquérito de investigado solto, entende-se aplicável o prazo de 30 dias previsto no CPP (art. 10, caput). De acordo com o art. 20 do CPPM, o inquérito deverá terminar dentro em 20 (vinte) dias, se o indiciado estiver preso, contado esse prazoa partir do dia em que se executar a ordem de prisão; ou no prazo de 40 (quarenta) dias, quando o indiciado estiver solto, contados a partir da data em que se instaurar o inquérito. Este último prazo poderá ser prorrogado por mais 20 (vinte) dias pela autoridade militar superior, desde que não estejam concluídos exames ou perícias já iniciados, ou haja ne cessidade de diligência, indispensáveis à elu cidação do fato. O pedido de prorrogação deve ser feito em tempo oportuno, de modo a ser atendido antes da terminação do prazo (CPPM, art. 20, §1°). A Lei n. 11.343/06 (lei de drogas), prevê que o inquérito policial será concluído no prazo de 30 (trinta) dias, se o indiciado estiver preso, e de 90 (noventa) dias, quando solto. Esses prazos podem ser dupli cados pelo Juiz, ouvido o Ministério Público, mediante pedido justificado da autoridade de polícia judiciária (art. 51, parágrafo único). A Lei n. 1.521/51 (crimes contra a economia popular) prevê que o inquérito policial deva ser concluído no prazo de 10 (dez) dias, esteja o indivíduo solto ou preso. Por fim, não se pode esquecer do prazo para a conclusão das investigações quando tiver sido decretada a prisão temporária do investigado. Como se sabe, a prisão temporária foi instituída por legislação especial após a entrada em vigor do CPP, e possui o prazo de 5 (cinco) dias, pror rogável por igual período, em caso de extrema e comprovada necessidade (Lei n. 7.960/89, art. 2o, caput). Na hipótese de crimes hediondos e equiparados, o prazo da prisão temporária é de 30 (trinta) dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessida de (Lei n. 8.072/90, art. 2o, §4°). Em relação ao prazo disposto no art. 2o, caput, da Lei n. 7.960/89, não há maiores controvérsias. Isso porque, nessa hipótese, o prazo máximo para a prisão temporária será de 10 (dez) dias, prazo esse que coincide com o prazo previsto no CPP para as hipóteses em que o investigado está preso (art. 10, caput). O tema ganha relevância ao se analisar a hipótese de investigação poli cial em relação a autor de crimes hediondos e equiparados, cuja prisão temporária tenha sido decretada por até 60 (sessenta) dias. A nosso ver, se a prisão temporária foi decretada para auxiliar nas investigações em relação a crimes hediondos e equiparados, tem-se que o prazo máximo para a conclusão das investigações é de 60 (sessenta) dias, sendo inviável que, após esse interstício de 60 (sessenta) dias, a autori dade policial disponha de mais 10 (dez) dias para finalizar o inquérito policial. 2. Relatório da autoridade policial: cuida- -se, o relatório, de peça elaborada pela auto ridade policial, de conteúdo eminentemente descritivo, onde deve ser feito um esboço das principais diligências levadas a efeito na fase investigatória, justificando-se até mesmo a razão pela qual algumas não tenham sido re alizadas, como, por exemplo, a juntada de um laudo pericial, que ainda não foi concluído pela Polícia Científica. Apesar de a elaboração do relatório ser um dever funcional da autoridade policial, não se trata de peça obrigatória para o oferecimento da denúncia, ainda mais se consi derarmos que nem mesmo o inquérito policial é peça indispensável para o início do processo criminal, desde que a imputação esteja res paldada por outros elementos de convicção. Todavia, demonstrada a desídia da autoridade policial no cumprimento de seu mister, a res pectiva corregedoria deve ser comunicada, a fim de adotar eventuais sanções disciplinares. Deve a autoridade policial abster-se de fazer qualquer juízo de valor no relatório, já que a opinio delicti deve ser formada pelo titular da ação penal: Ministério Público, nos crimes de ação penal pública; ofendido ou seu repre sentante legal, nos crimes de ação penal de iniciativa privada. Atente-se, no entanto, para a Lei de Drogas, que prevê expressamente que a autoridade policial relatará sumariamente as circunstâncias do fato, justificando as razões que a levaram à classificação do delito, indican do a quantidade e natureza da substância ou do produto apreendido, o local e as condições em que se desenvolveu a ação criminosa, as circunstâncias da prisão, a conduta, a qua Art. 10 CPP COMENTADO • Renato Brasileiro de Lima lificação e os antecedentes do agente (Lei n. 11.343/06, art. 52, I). Mesmo nesse caso de drogas, é de bom alvitre esclarecer que o Minis tério Público não fica vinculado à classificação provisória formulada pela autoridade policial, pois é ele o titular da ação penal. Para fins de análise quanto à possibilidade de concessão de liberdade provisória, o juiz também não se encontra vinculado à classificação formulada pela autoridade policial em seu relatório, nem tampouco àquela constante da peça acusatória, podendo corrigir a adequação do juízo de subsunção feita pelo Delegado ou pelo Pro motor, embora o faça de maneira incidental e provisória, apenas para decidir quanto ao cabimento da liberdade provisória. Não faria sentido manter o acusado preso ao longo de toda a instrução processual penal para, ao final, desclassificar a imputação para porte de drogas para consumo pessoal e, somente então, poder colocá-lo em liberdade. 3. Destinatário dos autos do inquérito po licial: pela leitura do art. 10, §1°, do CPP, per cebe-se que, uma vez concluída a investigação policial, os autos do inquérito policial devem ser encaminhados primeiramente ao Poder Judiciário e, somente depois, ao Ministério Público. A despeito do teor referido dispositi vo, por conta da adoção do sistema acusatório pela Constituição Federal, outorgando ao M i nistério Público a titularidade da ação penal pública, não há como se admitir que ainda subsista essa necessidade de remessa inicial dos autos ao Poder Judiciário. Há de se enten der que essa tramitação judicial do inquérito policial prevista nos arts. 10, §1°, e 23, do CPP, não foi recepcionada pela Constituição Federal. Ora, tendo em conta ser o Ministério Público o dominus litis da ação penal pública, nos termos do art. 129 ,1, da Carta Magna, e, portanto, o destinatário final das investigações levadas a cabo no curso do inquérito policial, considerando que o procedimento investiga- tório é destinado, precipuamente, a subsidiar a atuação persecutória do órgão ministerial, e diante da desnecessidade de controle judicial de atos que não afetam diretos e garantias fundamentais do indivíduo, deve-se concluir que os autos da investigação policial devem tramitar diretamente entre a Polícia Judiciária e o Ministério Público, sem necessidade de intermediação do Poder Judiciário, a não ser para o exame de medidas cautelares (v.g., pri são preventiva, interceptação telefônica, busca domiciliar, etc.). Essa tramitação direta dos autos entre a Polícia e o Ministério Público, ressalvada a hipótese em que sejam formu lados pedidos cautelares, além de assegurar um procedimento mais célere, em respeito ao direito à razoável duração do processo (CF, art. 5o, LXXVIII), contribuindo para o fim da morosidade da persecução penal, também é de fundamental importância na preservação da imparcialidade do órgão jurisdicional, porquanto afasta o magistrado de qualquer atividade investigatória que implique for mação de convencimento prévio a respeito do fato noticiado e sob investigação. Valores importantes como a celeridade, a eficiência, a desburocratização e a diminuição dos riscos da prescrição recomendam, pois, que as peças investigatórias sejam remetidas diretamente ao titular da ação penal, salvo se houver neces sidade de medidas cautelares, eliminando-se, assim, o intermediário que não tem competên cia ou atribuição para interferir na produção de diligências inquisitoriais. Daí porque já há diversas portarias de Tribunais de Justiça determinando que os autos da investigação policial devam ser remetidos diretamente ao órgão ministerial (centrais de inquéritos). 3.1. Resoluçãon. 63/2009 do Conselho da Justiça Federal: de acordo com a referida Re solução, os autos de inquérito policial somente serão admitidos para registro, inserção no sis tema processual informatizado e distribuição às Varas Federais com competência criminal quando houver: a) comunicação de prisão em flagrante efetuada ou qualquer outra forma de constrangimento aos direitos fundamentais previstos na Constituição da República; b) representação ou requerimento da autoridade policial ou do Ministério Público Federal para a decretação de prisões de natureza cautelar; c) requerimento da autoridade policial ou do Ministério Público Federal de medidas constritivas ou de natureza acautelatória; d) oferta de denúncia pelo Ministério Público TÍTULO II • DO INQUÉRITO POLICIAL ^ 7^ -| Q Federal ou apresentação de queixa crime pelo ofendido ou seu representante legal; e) pedido de arquivamento deduzido pelo Ministério Público Federal; f) requerimento de extinção da punibilidade com fulcro em qualquer das hipóteses previstas no art. 107 do Código Penal ou na legislação penal extravagante. Ainda segundo a Resolução n. 63 do Conselho da Justiça Federal, afora as hipóteses acima mencionadas, os autos de inquérito policial, concluídos ou com requerimento de pror rogação de prazo para o seu encerramento, quando da primeira remessa ao Ministério Público Federal, serão previamente levados ao Poder Judiciário tão-somente para o seu registro, que será efetuado respeitando-se a numeração de origem atribuída na Polícia Federal. A Justiça Federal deverá criar rotina que permita apenas o registro desses inquéritos policiais, sem a necessidade de atribuição de numeração própria e distribuição ao órgão jurisdicional com competência criminal. Após o registro do inquérito policial na Justiça Fe deral, os autos serão automaticamente enca minhados ao Ministério Público Federal, sem a necessidade de determinação judicial nesse sentido, bastando a certificação, pelo servidor responsável, da prática aqui mencionada. Os autos de inquérito já registrados, na hipóte se de novos requerimentos de prorrogação de prazo para a conclusão das investigações policiais, serão encaminhados pela Polícia Federal diretamente ao Ministério Público Federal. Por sua vez, os autos de inquérito policial que contiverem requerimentos mera e exclusivamente de prorrogação de prazo para a sua conclusão, efetuados pela autoridade policial, serão encaminhados pela Delegacia de Polícia Federal diretamente ao Ministério Público Federal para ciência e manifestação, sem a necessidade de intervenção do órgão do Poder Judiciário Federal competente para a análise da matéria. A mesma Resolução prevê em seu art. 5o que os advogados e os estagiários de Direito regularmente inscritos na OAB terão direito de examinar os autos do inquérito, devendo, no caso de extração de cópias, apresentar o seu requerimento por escrito à autoridade competente. Sem embargo da relevância da tramitação direta dos autos dos inquéritos policiais entre a Polícia e o M i nistério Público, há precedentes de Tribunais Regionais Federais no sentido de que meras resoluções administrativas não têm o condão de afastar a aplicação dos dispositivos legais do CPP que preveem a necessária tramitação dos autos perante o Poder Judiciário. ♦ Jurisprudência selecionada: TRF/4" Região: "(...) INQUÉRITO POLICIAL. TRAMITA ÇÃO DIRETA ENTRE POLÍCIA E M INISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. INDEFERIMENTO PELO JUÍZO. ART. 10, § 3o, DO CPP. RESOLUÇÃO 063/09 DO CJF. RESOLUÇÕES 01 E 02/09 DO TRF-4R. AUSÊNCIA DE INVERSÃO TUMUL- TUÁRIA DO S ATOS E FÓRMULAS DA O RDEM LEGAL DO PROCESSO. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. INDENDÊNCIA JURISDICIONAL. CORREIÇÃO PARCIAL INDEFERIDA. 1. Estando o ato judicial im pugnado lastreado nos expressos termos do parágrafo 3o do artigo 10 do Código de Processo Penal, o qual prevê que requeri mentos de prorrogação de prazo de inquérito policial serão requeridos ao juiz e por este decididos, a decisão esta a seguir o rito procedimental estabelecido em lei. Assim eventual contrariedade a disposições de atos administrativos, normas de nível infralegal, não é capaz de converter a decisão em inversão tumultuária dos atos e fórmulas legais da ordem do processo. 2. Embora seja juridicamente possível que o magistrado, no livre exercício da atividade jurisdicional, sopesando princípios com o economia processual, instrumentali- dade, eficiência e celeridade, determine a tramitação direta de inquéritos sob sua jurisdição entre a polícia e o parquet, tal não pode ser imposto por resoluções administrativas, atos infralegais. 3. Inexistindo na lei determinação de que o Juiz estabeleça a tramitação direta de inquérito policial entre Autoridade Policial e o Ministério Público Federal, e sendo certo que resoluções administrativas não tem o condão de ar redar disposição legal e interferir no livre exercício da jurisdição, não se caracteriza inversão tumultuária dos atos efórmulas legais da ordem do processo no indefe rimento de tal tramitação direta, indeferindo-se a cor- reição parcial". (TRF4, COR 2009.04.00.044743-5, Oitava Turma, Relator Guilherme Beltrami, D.E. 03/02/2010) STF:"(...) A legislação que disciplina o inquérito policial não se inclui no âmbito estrito do processo penal, cuja competência é privativa da União (art. 22 ,1, CF), pois o inquérito é procedimento subsum ido nos limites da competência legislativa concorrente, a teor do art. 24, XI, da Constituição Federal de 1988, tal com o já decidi do reiteradamente pelo Supremo Tribunal Federal. O procedimento do inquérito policial, conforme previsto pelo Código de Processo Penal, torna desnecessária a intermediação judicial quando ausente a necessidade de adoção de m edidas constritivas de direitos dos A f t . 1 0 CPP COMENTADO • Renato Brasileiro de Lima investigados, razão por que projetos de reforma do CPP propõem a remessa direta dos autos ao Ministério Público. No entanto, apesar de o disposto no inc. IV do art. 35 da LC 106/2003 se coadunar com a exigência de maior coerência no ordenamento jurídico, a sua inconstitucionalidade formal não está afastada, pois insuscetível de superação com base em avaliações per tinentes à preferência do julgador sobre a correção da opção feita pelo legislador dentro do espaço que lhe é dado para livre conformação. Assim, o art. 35, IV, da Lei Complementar estadual n° 106/2003, é inconstitucio nal ante a existência de vício formal, pois extrapolada a competência suplementar delineada no art. 24, §1°, da Constituição Federal de 1988. Já em relação ao inciso V, do art. 35, da Lei complementar estadual n° 106/2003, inexiste infração à competência para que o estado-membro legisle, de forma suplementar à União, pois o texto apenas reproduz norma sobre o trâmite do inquérito policial já extraída da interpretação do art. 16 do Código de Processo Penal. Ademais, não há desrespeito ao art. 128, §5°, da Constituição Federal de 1988, porque, além de o dispositivo im pugnado ter sido incluído em lei complementar estadual, o seu conteúdo não destoou do art. 129, VIII, da Constituição Federal de 1988, e do art. 26, IV, da Lei n° 8.625/93, que já haviam previsto que o Ministério Público pode requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial. Ação direta julgada parcialmen te procedente para declarar a inconstitucionalidade somente do inciso IV do art. 35 da Lei Complementar n° 106/2003, do Estado do Rio de Janeiro". (STF, Pleno, ADI 2.886/RJ, Rei. Min. Joaquim Barbosa, j. 03/04/2014). STJ:"(...) A tramitação direta de inquéritos entre a polícia judiciária e o órgão de persecução criminal traduz expediente que, longe de violar preceitos cons titucionais, atende à garantia da duração razoável do processo, assegurando célere tramitação, bem com o aos postulados da economia processual e da eficiência. Essa constataçãonão afasta a necessidade de observância, no bojo de feitos investigativos, da cham ada cláusula de reserva de jurisdição. Não se mostra ilegal a portaria que determina o trâmite do inquérito policial diretamente entre polícia e órgão da acusação, encontrando o ato indicado como coator fundamento na Resolução n. 63/2009 do Conselho da Justiça Federal. Estando expressamente previsto, na Resolução do CJF, que os advogados e os estagiários de Direito regularmente inscritos na Ordem dos Ad vogados do Brasil terão direito de examinar os autos do inquérito, devendo, no caso de extração de cópias, apresentar o seu requerimento por escrito à autoridade competente, não há a configuração de ofensa ao prin cípio do contraditório, ao da ampla defesa e tampouco ao exercício da advocacia. Recurso desprovido". (STJ, 5a Turma, RM S 46.165/SP, Rei. Min. Gurgel de Faria, j. 19/11/2015, DJe 04/12/2015). 4. Providências a serem adotadas após a remessa dos autos do inquérito policial: em se tratando de crime de ação penal privada, os autos devem permanecer em cartório aguar dando-se a iniciativa do ofendido. Para mais detalhes acerca do assunto, vide comentários ao art. 19 do CPP. Cuidando-se de crime de ação penal pública, os autos do inquérito policial são remetidos ao Ministério Público. Com os autos em mãos, ao órgão do Ministério Público se abrem 5 (cinco) possibilidades: a) oferecimento de denúncia: vide comentários ao art. 41 do CPP; b) arquivamento dos autos do inquérito policial: vide comentários ao art. 28 do CPP; c) requisição de diligências: remetemos o leitor aos comentários ao art. 16 do CPP; d) dedina- ção de competência: caso o Promotor de Justiça entenda que o juízo perante o qual atua não é dotado de competência para o julgamento do feito, deve requerer ao juiz que remeta os autos ao juiz natural. Suponha-se, assim, que inquéri to policial relativo ao crime de moeda falsa seja remetido à Justiça Estadual. Verificando tratar- -se de crime de competência da Justiça Federal, haja vista o interesse da União (CF, art. 109, IV, c/c art. 21, VII), deve o Promotor requerer a remessa dos autos ao juízo federal compe tente para o julgamento do feito; e) conflito de competência: essa hipótese não se confunde com a anterior. Na hipótese anterior, nenhum outro órgão jurisdicional havia se manifestado quanto à competência. Quando se fala em conflito de competência, significa dizer que já houve prévia manifestação de outro órgão jurisdicional, daí porque não se pode requerer o retorno dos autos àquele juízo - deve-se, sim, suscitar conflito de competência. Usando o mesmo exemplo anterior, suponha-se que autos de inquérito policial federal, que estavam tramitando perante a Justiça Federal, tenham sido remetidos à Justiça Estadual, porquanto o juiz federal concluiu que não se tratava de crime de moeda falsa, mas sim de estelionato, já que a falsificação seria grosseira (súmula n. 73 do STJ). Ora, supondo que o Promotor de Justiça e o juiz estadual discordem dessa conclusão, entendendo, sim, que a falsificação seria de boa qualidade, não poderão declinar da competência em favor da Justiça Federal, já Art. 10TlTULO II • DO INQUÉRITO POLICIAL que o juiz federal já se manifestou no sentido de sua incompetência. Deve-se, pois, suscitar conflito negativo de competência, a ser diri mido pelo STJ, nos exatos termos do art. 105, I, “d”, da Constituição Federal. A depender do caso concreto, essas 05 (cinco) providências - oferecimento de denúncia, arquivamento do inquérito policial, requisição de diligências, declinação de competência ou a arguição de conflito de competência - podem ser adotadas pelo Ministério Público isoladamente, ou em conjunto. A título de exemplo, suponha-se que, com os autos de inquérito policial em mãos, verifique o Promotor de Justiça que há elementos que autorizam o oferecimento de de núncia quanto a um fato delituoso (v.g., estupro praticado por agente que está preso), havendo, todavia, a necessidade de se aprofundar as in vestigações quanto a outro indivíduo, que está em liberdade, também constando dos autos elementos de informação atinentes à suposta prática de crime militar. Ora, em uma situação como essa, deve o Promotor de Justiça ofere cer denúncia quanto ao crime de estupro, na medida em que há, quanto a este delito, lastro probatório suficiente, tratando-se, ademais, de acusado preso; requisitar à autoridade policial o cumprimento de diligências complementares, a fim de poder aferir o grau de envolvimento do outro agente com o fato delituoso, para fins de eventual aditamento à denúncia; e, por fim, solicitar, por meio de cota, a declinação de competência quanto ao crime militar. 5 * * * * 10 5. Indicação de testemunhas não inqui ridas: quando se trata de investigado solto, não há motivos para o Delegado de Polícia concluir a investigação sem antes proceder à oitiva de todas as testemunhas. Afinal, nesse caso, é perfeitamente possível a prorrogação do prazo para a conclusão do inquérito (CPP, art. 10, §3°). Por isso, se não houver tempo hábil para a colheita de todos os depoimentos, o Delegado deve remeter os autos ao Poder Ju diciário solicitando prorrogação do prazo para a oitiva de todas as testemunhas. Em sentido diverso, quando se trata de investigado preso, é dominante o entendimento no sentido de que não se admite a prorrogação do prazo para a conclusão do inquérito. Logo, se o exíguo pra zo de 10 (dez) inviabilizar a oitiva de todas as pessoas capazes de trazer elementos quanto à autoria e materialidade do fato delituoso, resta ao Delegado apenas indicar em seu relatório os nomes das testemunhas que não foram inqui ridas, mencionando o lugar onde podem ser encontradas para que, uma vez arroladas pelas partes, sejam ouvidas em juízo no momento procedimental adequado. 6. Prorrogação do prazo para a conclu são do inquérito policial: segundo o art. 10, §3°, do CPP, quando o fato for de difícil elucidação, e o indiciado estiver solto, a au toridade poderá requerer ao juiz a devolução dos autos, para ulteriores diligências, que serão realizadas no prazo marcado pelo juiz. Portanto, caso o indiciado esteja solto, é per feitamente possível a prorrogação do prazo para a conclusão do inquérito policial. Apesar de o CPP referir-se apenas à oitiva do juiz (CPP, art. 10, §3°), pensamos ser obrigatória a oitiva do órgão Ministerial. Afinal, como o inquérito policial destina-se exclusivamente à form ação da opinio delicti, ou seja, do convencimento do órgão responsável pela acusação, é possível que o M inistério Pú blico se dê por satisfeito com os elementos de informação já produzidos nos autos da investigação policial, entendendo desneces sário o prosseguimento do inquérito policial. No tocante ao indiciado preso, a maioria da doutrina entende que se há elementos para a segregação cautelar do agente (prova da materialidade e indícios de autoria), também há elementos para o oferecimento da peça acusatória, sendo inviável, por conseguinte, a devolução dos autos do inquérito policial à autoridade policial para realização de dili gências complementares. Apesar de ser esse o entendimento que prevalece na doutrina, comungamos de entendimento diverso. Ex plica-se: se presentes os requisitos legais do art. 312 do CPP, a prisão preventiva deve ser decretada. Porém, mesmo após a decretação da preventiva, caso subsista a necessidade de realização de diligência imprescindível para a formação da opinio delicti, os autos podem retornar à autoridade policial. No entanto, o prazo total para a conclusão do processo, A f t . 11 CPP COMENTADO • Renato Brasileiro de Lima que começa a contar a partir da prisão, estará excesso de prazo, autorizando o relaxamento correndo, o que pode dar ensejo a eventual da prisão. Art. 11 . Os instrumentos do crime, bem como os objetos que interes sarem à prova, acompanharão os autos do inquérito.' 1.Instrumentos do crime e objetos que interessem à prova: instrumentos do cri me são todos os objetos ou aparelhos usados pelo agente para cometer o delito, a exemplo de armas de fogo, chaves falsas, petrechos para falsificação de moeda, etc. Objetos de interesse da prova, por sua vez, são todas as coisas capazes de ministrar alguma informação relevante sobre a autoria ou materialidade do fato delituoso, a exemplo de uma roupa suja com o sangue da vítima que foi apreendida na casa do investigado, um aparelho celular contendo fotos ou vídeos do crime, etc. Com a conclusão das investigações, tanto os ins trumentos do crime quanto esses objetos de interesse da prova devem ser encaminhados ao Poder Judiciário, acompanhando os autos do inquérito policial. Afinal, sua exibição aos destinatários da prova - juiz ou jurados - pode ser de fundamental importância para a formação do convencimento do juiz natural no sentido da condenação ou absolvição do acusado. De mais a mais, na hipótese de im pugnação à determinada diligência realizada na fase investigatória, esses instrumentos e objetos também podem ser utilizados para a produção de eventual contraprova requerida pelas partes. Art. 12. O inquérito policial acompanhará a denúncia ou queixa, sempre que servir de base a uma ou outra.' 1. Inquérito policial como justa causa para o início do processo penal: como ex posto anteriormente, não se admite a instau ração de um processo penal contra alguém sem que a acusação esteja lastreada por um mínimo de elementos de informação quanto à autoridade e materialidade da infração penal. Pelo menos em regra, essa justa causa necessária à deflagração da persecutio cri- minis in iudicio é fornecida pelo inquérito policial Por isso, o art. 12 do CPP deter mina expressamente que, na hipótese de o inquérito policial servir de base para a peça acusatória, esta deverá estar acompanhada pelos autos do procedimento investigatório. Interpretado a contrario sensu, o referido dispositivo legal também deixa evidente que o inquérito policial não funciona como con dição sine qua non para o oferecimento da peça acusatória, porquanto a acusação pode estar lastreada em elementos de informação obtidos em procedimento investigatório di verso do inquérito policial, a exemplo dos autos de uma sindicância, de um procedi mento investigatório criminal presidido pelo Ministério Público, etc. Art. 13. Incumbirá ainda à autoridade policial:1'2 I - fornecer às autoridades judiciárias as informações necessárias à instrução e julgamento dos processos;3 II - realizar as diligências requisitadas pelo juiz4 ou pelo Ministério Público;5 III - cumprir os mandados de prisão expedidos pelas autoridades ju diciárias;6 IV - representar acerca da prisão preventiva.7'8 92 Art. 13TlTUL.0 II • DO INQUÉRITO POLICIAL 1. Indiciamento: indiciar é atribuir a autoria (ou participação) de uma infração penal a uma pessoa. É apontar uma pessoa como provável autora ou partícipe de um delito. Possui caráter ambíguo, constituindo-se, ao mesmo tempo, fonte de direitos, prerrogativas e garantias pro cessuais (CF, art. 5o, LVII e LXIII), e fonte de ônus e deveres que representam alguma forma de constrangimento, além da inegável estigma- tização social que a publicidade lhe imprime. Produz efeitos extraprocessuais, pois aponta à sociedade a pessoa considerada pela autoridade policial como a provável autora do delito, ao mesmo passo que produz efeitos endopro- cessuais, representados pela probabilidade de ser o indiciado o autor do delito, considerado antecedente lógico, mas não necessário, do oferecimento da peça acusatória. O indiciado, então, não se confunde com um mero suspeito (ou investigado), nem tampouco com o acusa do. Suspeito ou investigado é aquele em relação ao qual há frágeis indícios, ou seja, há mero juízo de possibilidade de autoria; indiciado é aquele que tem contra si indícios convergentes que o apontam como provável autor da infração penal, isto é, há juízo de probabilidade de autoria; re cebida a peça acusatória pelo magistrado, surge a figura do acusado. 1.1. (Im) possibilidade de indiciamento no âmbito dos Juizados Especiais Criminais: por força da simplicidade que norteia a própria investigação das infrações de menor potencial ofensivo, é inviável o indiciamento em sede de termo circunstanciado. De mais a mais, considerando a possibilidade de incidência das medidas despenalizadoras previstas na Lei 9.099/95 (composição civil dos danos, transação penal, suspensão condicional do processo e representação nos crimes de lesão corporal leve e culposa) e, tendo em conta que a imposição de pena restritiva de direitos ou multa nas hipóteses de transação penal não constará de certidão de antecedentes criminais (Lei n. 9.099/95, art. 76, §6°), revela-se inviá vel o indiciamento, já que tal ato acarretaria o registro da imputação nos assentamentos pessoais do indivíduo. 1.2. Momento adequado para o indicia mento: a condição de indiciado poderá ser atribuída já no auto de prisão em flagrante ou até o relatório final do delegado de polícia. Logo, uma vez recebida a peça acusatória, não será mais possível o indiciamento, já que se trata de ato próprio da fase investigatória. Os Tribunais Superiores têm considerado que o indiciamento formal após o recebimento da denúncia é causa de ilegal e desnecessário constrangimento à liberdade de locomoção, visto que não se justifica mais tal procedimen to, próprio da fase inquisitorial. ♦ Jurisprudência selecionada: STJ: “(...) Esta Corte Superior de Justiça, reiteradamente, vem decidindo que o indiciamento formal dos acu sados, após o recebimento da denúncia, submete os pacientes a constrangimento ilegal e desnecessário, uma vez que tal procedimento, que é próprio da fase inquisitorial, não mais se justifica quando a ação penal já se encontra em curso. Habeas corpus concedido para cassar a decisão que determinou o indiciamento formal dos pacientes, excluindo-se todos os registros e anotações, relativos ao processo de que aqui se cuida, sem prejuízo do regular andamento da ação penal". (STJ, 6aTurma, H C 182.45S/SP, Rei. Min. Haroldo Rodrigues - Desembargador convocado doTJ/CE -, j. 05/05/2011). STJ:"(...) Este Superior Tribunal de Justiça, em reitera dos julgados, vem afirmando seu posicionamento no sentido de que caracteriza constrangimento ilegal o formal indiciamento do paciente que já teve contra si oferecida denúncia e até mesmo já foi recebida pelo Juízo a quo. Uma vez oferecida a exordial acusatória, encontra-se encerrada a fase investigatória e o indicia mento do réu, neste momento, configura-se coação desnecessária e ilegal. Ordem concedida, nos termos do voto do Relator". (STJ, 5a Turma, HC 179.951/SP, Rei. Min. Gilson Dipp,j. 10/05/2011). Na mesma linha: STJ, 5a Turma, HC 174.576/SP, Rei. Min. Gilson Dipp, j. 28/09/2010, DJe 18/10/2010. 1.3. Espécies de indiciamento: o indicia mento direto ocorre quando o indiciado está presente; o indiciamento indireto ocorre quan do o indiciado está ausente (v.g., indiciado foragido). A regra é que o indiciamento seja feito na presença do investigado. No entanto, na hipótese de o investigado não ser localizado, por se encontrar em local incerto e não sabido, ou quando, regularmente intimado para o ato, O A r t . 1 3 \ cpp COMENTADO • Renato Brasileiro de Lima deixar de comparecer injustificadamente, é possível a realização do indiciamento indireto. 1.4. Pressupostos: dada a importância do indiciamento como condição para o exercício do direito de defesa na fase investigatória e a possibilidade do advento de prejuízos à pes soa do indiciado, afigura-se indispensável a presença de elementos informativos acerca da materialidade e da autoria do delito. Destarte, o indiciamento só pode ocorrer a partir do momento em que reunidos elementos sufi cientes que apontem para a autoria da infração penal, quando, então,o delegado de polícia deve cientificar o investigado, atribuindo- -lhe, fundamentadamente, a condição jurídica de “indiciado”, respeitadas todas as garantias constitucionais e legais. Não se trata, pois, de ato arbitrário nem discricionário, já que, pre sentes elementos informativos apontando na direção do investigado, não resta à autoridade policial outra opção senão seu indiciamento. Apesar de não previsto pelo CPP, o indicia mento deve ser objeto de um ato formal, ante as implicações jurídicas que ocasiona para o status do indivíduo. Assim, o indiciamento funciona como um poder-dever da autoridade policial, uma vez convencida da concorrência dos seus pressupostos. Com a vigência da Lei n. 12.830/13, que dispõe sobre a in vestigação criminal conduzida pelo Delegado de Polícia, parece não haver mais dúvidas quanto à necessidade de fundamentação do indiciamento. Deveras, consoante disposto no art. 2o, §6°, da referida Lei, o indiciamento, privativo do Delegado de Polícia, dar-se-ápor ato fundamentado, mediante análise técnico- - jurídica do fato, que deverá indicar a autoria, materialidade e suas circunstâncias. ♦ Jurisprudência selecionada: STF:"(...) Indiciamento. Ato penalmente relevante. Lesividade téorica. Indeferimento. Inexistência de fatos capazes de justificar o registro. Constrangimento ilegal caracterizado. Liminar confirmada. Concessão parcial de habeas corpus para esse fim. Precedentes. Não havendo elementos que o justifiquem, constitui constrangim ento ilegal o ato de indiciamento em inquérito policial". (STF, 2aTurma, HC 85.541,2aTurma, Rei. Min. Cezar Peluso, Dje 157 21/08/2008). 9D 1.5. Desindiciamento: ausente qualquer elemento de informação quanto ao envolvi mento do agente na prática delituosa, ou se feito em momento extemporâneo (v.g., após o recebimento da denúncia), a jurisprudência tem admitido a possibilidade de impetração de habeas corpus a fim de sanar o constran gimento ilegal daí decorrente, buscando-se o desindiciamento. -f Jurisprudência selecionada: STJ:"(...) O indiciamento configura constrangimento quando a autoridade policial, sem elementos mínimos de materialidade delitiva, lavra o termo respectivo e nega ao investigado o direito de ser ouvido e de apresentar documentos. Ordem CONCEDIDA em parte, para possibilitar ao paciente que preste seus escla recimentos acerca do fato, em termo de declaração; junte documentos e indique providências no caderno investigatório". (STJ, 6aTurma, HC 43.599/SP, Rei. Paulo Medina, j. 09/12/2005, DJe 04/08/2008). 1.6. Atribuição: o indiciamento é o ato re sultante das investigações policiais por meio do qual alguém é apontado como provável autor de um fato delituoso. Cuida-se, pois, de ato privativo do Delegado de Polícia que, para tanto, deverá fundamentar-se em elementos de informação que ministrem certeza quanto à materialidade e indícios razoáveis de autoria. Portanto, se a atribuição para efetuar o indi ciamento é privativa da autoridade policial (Lei n. 12.830/13, art. 2o, §6°), não se afigura possível que o juiz, o Ministério Público ou uma Comissão Parlamentar de Inquérito re quisitem ao delegado de polícia o indiciamento de determinada pessoa. + Jurisprudência selecionada: STF:"(...) Sendo o ato de indiciamento de atribuição exclusiva da autoridade policial, não existe fundamen to jurídico que autorize o magistrado, após receber a denúncia, requisitar ao Delegado de Polícia o indi ciamento de determinada pessoa. A rigor, requisição dessa natureza é incompatível com o sistema acusa- tório, que impõe a separação orgânica das funções concernentes à persecução penal, de m odo a impedir que o juiz adote qualquer postura inerente à função investigatória. Doutrina. Lei 12.830/2013. Ordem con cedida". (STF, 2a Turma, HC 115.015/SP, Rei. Min.Teori Zavascki,j. 27/08/2013). TÍTULO II • DO INQUÉRITO POLICIAL j A r t . 1 3 1.7. Sujeito passivo: pelo menos em regra, qualquer pessoa pode ser indiciada. Todavia, de acordo com o art. 41, inciso II, e parágrafo único, da Lei n. 8.625/93, constitui prerroga tiva dos membros do Ministério Público, no exercício de sua função, a de não ser indiciado em inquérito policial, sendo que, quando, no curso de investigação, houver indício da prática de infração penal por parte de membro do Ministério Público, deve a autoridade policial, civil ou militar remeter, imediatamente, sob pena de responsabilidade, os respectivos autos ao Procurador-Geral de Justiça, a quem com petirá dar prosseguimento à apuração. Regra semelhante é encontrada no art. 18, II, alínea “f ”, e parágrafo único, da Lei Complementar n. 75/93, aplicável no âmbito do Ministério Público da União, com a diferença de que, neste caso, os autos devem ser encaminhados ao Procurador-Geral da República. De modo semelhante, quando, no curso de investiga ção, houver indício da prática de crime por parte do magistrado, a autoridade policial, civil ou militar, remeterá os respectivos au tos ao Tribunal ou órgão especial competente para o julgamento, a fim de que prossiga na investigação (LC n. 35/79, art. 33, parágrafo único). Quanto às demais pessoas com foro por prerrogativa de função (v.g., senadores, deputados federais, etc.), não há dispositivo legal que vede o indiciamento, razão pela qual sempre prevaleceu o entendimento de que seria possível tanto a abertura das investiga ções quanto, no curso delas, o indiciamento formal por parte da autoridade que presidisse o inquérito, a qual, no entanto, deveria ter a cautela de remeter os autos ao tribunal que tivesse a competência especial pela prerrogativa de função. Ocorre que, em Questão de Ordem suscitada no Inq. 2.411, esse entendimento foi modificado pelo plenário do STF, que passou a entender que a autoridade policial não pode indiciar parlamentares sem prévia autorização do ministro-relator do inquérito, ficando a abertura do próprio procedimento investigató- rio (inquérito penal originário) condicionada à autorização do Relator. Nos casos de com petência originária dos Tribunais, a atividade de supervisão judicial deve ser desempenhada durante toda a tramitação das investigações, desde a abertura dos procedimentos investi- gatórios até o eventual oferecimento, ou não, de denúncia pelo titular da ação. Daí por que foi anulado o ato de indiciamento promovido pela autoridade policial em face de parlamentar federal sem prévia autorização do Ministro Relator. Portanto, a partir do momento em que determinado titular de foro por prerroga tiva de função passe a figurar como suspeito em procedimento investigatório, impõe-se a autorização do Tribunal (por meio do Rela tor) para o prosseguimento das investigações. Assim, caso a autoridade policial que preside determinada investigação pretenda intimar autoridade que possui foro por prerrogativa de função, em razão de outro depoente ter afirma do que o mesmo teria cometido fato criminoso, deve o feito ser encaminhado previamente ao respectivo Tribunal, por estar caracterizado procedimento de natureza investigatória con tra titular de foro por prerrogativa de função. Agora, se houver simples menção ao nome de um parlamentar federal, em depoimentos pres tados por investigados, sem maiores elementos acerca de seu envolvimento no fato delituoso, não há falar em necessidade de remessa dos autos ao Supremo Tribunal Federal para o processamento do inquérito. Se é essa a nova posição do Supremo quanto à necessidade de autorização de Ministro Relator do Supremo para a abertura de investigações ou para o in diciamento de parlamentares federais, mutatis mutandis, deve se aplicar o mesmo raciocínio às demais hipóteses de competência especial por prerrogativa de função em inquéritos ori ginários de competência de outros Tribunais, como, por exemplo, o Superior Tribunal de Justiça, os Tribunais Regionais Federais e os Tribunais de Justiça. A propósito, com expressa menção ao nossoManual de Processo Penal, o Supremo Tribunal Federal admitiu o indi ciamento do Governador do Estado de Minas Gerais F. D. P„ porquanto teria havido prévia autorização do relator do inquérito originário no tribunal competente (in casu, o STJ): STF, 2a Turma, HC 133.835 MC/DF, Rei. Min. Celso de Mello, j. 18;04;2016, DJe 25/04/2016. Por fim, conquanto a Suprema Corte tenha entendido que a supervisão do inquérito penal originário Art. 13 CPP COMENTADO • Renato Brasileiro de Lima deva ficar a cargo de um Ministro-Relator, vale ressaltar que o recebimento da peça acusatória não pode ser deliberado monocraticamente por esse Relator: a denúncia ou queixa devem ser submetidas à apreciação do colegiado respecti vo, reputando-se nula a decisão de Relator que, monocraticamente, receba peça acusatória con tra titular de foro por prerrogativa de função. ♦ Jurisprudência selecionada: STF:"(...) Antes da intimação para prestar depoimento sobre os fatos objeto deste inquérito, o Senador foi previamente indiciado por ato da autoridade policial encarregada do cumprimento da diligência. Conside rações doutrinárias ejurisprudenciais acerca do tema da instauração de inquéritos em geral e dos inquéritos originários de competência do STF: i) a jurisprudência do STF é pacífica no sentido de que, nos inquéritos policiais em geral, não cabe a juiz ou a Tribunal inves tigar, de ofício, o titular de prerrogativa de foro; (...) Se a Constituição estabelece que os agentes políticos respondem, por crime comum, perante o STF (CF, art. 102,1, b), não há razão constitucional plausível para que as atividades diretamente relacionadas à supervisão judicial (abertura de procedim ento investigatório) sejam retiradas do controle judicial do STF. A iniciativa do procedimento investigatório deve ser confiada ao MPF contando com a supervisão do Ministro-Relator do STF. A Polícia Federal não está autorizada a abrir de ofício inquérito policial para apurar a conduta de parlamentares federais ou do próprio Presidente da República (no caso do STF). No exercício de com pe tência penal originária do STF (CF, art. 102,1, "b" c/c Lei n° 8.038/1990, art. 2o e RI/STF, arts. 230 a 234), a atividade de supervisão judicial deve ser constitucio nalmente desempenhada durante toda a tramitação das investigações desde a abertura dos procedimentos investigatórios até o eventual oferecimento, ou não, de denúncia pelo dominus litis. Questão de ordem resolvida no sentido de anular o ato formal de indi- ciamento promovido pela autoridade policial em face do parlamentar investigado". (STF, Pleno, Inq. 2.411 QO/MT, Rei. Min. Gilmar Mendes, DJe 74 24/04/2008). STF:"(...) A remessa dos autos do inquérito ao Superior Tribunal de Justiça deu-se por estrito cumprimento à regra de competência originária, prevista na Consti tuição Federal (art. 105, inc. I, alínea "a"), em virtude da suposta participação do paciente, Juiz Federal do Tribunal Regional Federal da 3a Região, nosfatos inves tigados, não sendo necessária a deliberação prévia da Corte Especial daquele SuperiorTribunal, cabendo ao Relator dirigir o inquérito. Não há intromissão indevida do Ministério Público Federal, porque com o titular da ação penal (art. 129, incisos I e VIII, da Constituição Federal) a investigação dos fatos tidos como delituosos a ele é destinada, cabendo-lhe participar das investi gações. Com base nos indícios de autoria, e se com provada a materialidade dos crimes, cabe ao Ministério Público oferecer a denúncia ao órgão julgador. Por essa razão, também não há falar em sigilo das investigações relativamente ao autor de eventual ação penal. Não se sustentam os argumentos da impetração, ao afirmar que o inquérito transformou-se em procedimento da Polícia Federal, porquanto esta apenas exerce a função de Polícia Judiciária, por delegação e sob as ordens do Poder Judiciário. Os autos demonstram tratar-se de inquérito que tramita no SuperiorTribunal de Justiça, sob o com ando de Ministro daquela Corte Superior de Justiça, ao qual caberá dirigir o processo sob a sua relatoria, devendo tomar todas as decisões necessárias ao bom andamento das investigações. Habeas corpus denegado”. (STF, Pleno, HC 94.278/SP, Rei. Min. Menezes Direito, Dje 227 27/11/2008). STF:"(...) Parlamentar. Senador. Inquérito policial. Im- putação de crime por indiciado. Intimação para com parecer com o testemunha. Convocação com caráter de ato de investigação. Inquérito já remetido a juízo. Competência do STF. Compete ao Supremo Tribunal Federal supervisionar inquérito policial em que Sena dor tenha sido intimado para esclarecer imputação de crime que lhe fez indiciado". (STF, 2a Turma, Rd 2.349/ TO, Rei. Min. Carlos Velloso, DJ 05/08/2005). STF: "(...) Inquérito policial em tramitação perante a Justiça Federal de primeira instância, para apurar pos sível prática de crime de sonegação fiscal e lavagem de dinheiro por pessoas que não gozam de foro por prerrogativa de função. A simples menção de nome de parlamentar, em depoimentos prestados pelos investi gados, não tem o condão de firmar a competência do SupremoTribunal para o processamento de inquérito. H. C. indeferido". (STF, 2aTurma, HC 82.647/PR, Rei. Min. Carlos Velloso, DJ 25/04/2003). STJ: "(...) É nula a decisão de relator que, sumária e monocraticamente, recebe queixa-crime contra Pro curador da República, determinando a apresentação de defesa prévia, porquanto, há na espécie, caso de foro privilegiado por prerrogativa de função, cuja competência originária para processarejulgara causa é do colegiado respectivo (Tribunal Regional Federal), sendo sua a prerrogativa de emitir juízo positivo sobre a instauração da instância e deflagração da persecutio criminis, após um preambular contraditório. Aplica ção dos arts. 4° e 6°, am bos da Lei n° 8.038/90 e do art. 1°, da Lei n° 8.658/93. Ordem concedida". (STJ, 6a Turma, HC 16.507/RJ, Rei. Min. Fernando Gonçalves, DJ 20/08/2001 p. 541). I. 8. Afastamento do servidor público de suas funções como efeito automático do indiciamento em crimes de lavagem de capitais: por força da Lei n. 12.683/12, com vigência a partir do dia 10 de julho de 2012, TÍTULO II • DO INQUÉRITO POLICIAL Art. 13 foi acrescido à Lei de Lavagem de Capitais (Lei n. 9.613/98) o art. 17-D, que dispõe: “Em caso de indiciamento de servidor público, este será afastado, sem prejuízo da remuneração e demais direitos previstos em lei, até que o juiz competente autorize, em decisão fundamen tada, o seu retorno”. Como se percebe, em se tratando de crimes de lavagem de capitais, este dispositivo legal estabelece o afastamento do servidor público de suas funções como efeito automático do indiciamento, permitindo seu retorno às atividades funcionais apenas se houver decisão judicial fundamentada nesse sentido. Para além de violar a regra de trata mento que deriva do princípio da presunção de inocência, porquanto estabelece o afastamento do servidor de suas fúnções como efeito auto mático do indiciamento, equiparando aquele que está sendo processado àquele condenado por sentença transitada em julgado, o art. 17-D também vai de encontro ao princípio da jurisdicionalidade, vez que permite que uma autoridade não judiciária - lembre-se que o indiciamento é atribuição privativa da autoridade policial - determine medida de natureza cautelar sem qualquer aferição acerca de sua necessidade, adequação e proporcio nalidade. Por tais motivos, somos levados a acreditar que o art. 17-D da Lei n. 9.613/98 é manifestamente inconstitucional. Com en tendimento semelhante: BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lava gem de dinheiro: aspectos penais e processuais penais - comentários à Lei 9.613/1998, com as alterações da Lei 12.683/12. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 360. A propósi to, tramita no Supremo a ADI 4.911, ajuizada pela Associação Nacional dos Procuradores da Repúblicaem face da inconstitucionalidade do art. 17-D da Lei n. 9.613/98. No entanto, diante do envolvimento de servidor público em crimes de lavagem de capitais ou infrações antecedentes, nada impede que a autoridade judiciária competente - e não o Delegado de Polícia por meio de simples indiciamento - decrete a suspensão do exercício de função pública, se visualizar que essa medida cautelar diversa da prisão é necessária para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal, ou para evitar a prática de novas infrações penais (CPP, art. 2 8 2 ,1, c/c art. 319, VI). 2. Controle externo da atividade policial: de acordo com o art. 129, inciso VII, da Cons tituição Federal, caberá ao Ministério Públi co exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar, de iniciativa dos respectivos Procuradores-Gerais da União e dos Estados. Segundo Rodrigo Rég- nier Chemim Guimarães (Controle externo da atividade policial pelo Ministério Público. 2a ed. Curitiba: Juruá, 2009. p. 80), o controle externo da atividade policial deve ser compreendido como o “conjunto de normas que regulam a fiscalização exercida pelo Ministério Público em relação à Polícia, na prevenção, apuração e investigação de fatos tidos como criminosos, na preservação dos direitos e garantias consti tucionais dos presos que estejam sob responsa bilidade das autoridades policiais e na fiscali zação do cumprimento das determinações ju diciais”. A atividade de controle exercida pelo Ministério Público decorre do sistema de freios e contrapesos previsto pelo regime democrá tico. Afinal, o sistema preconizado na Carta Magna pressupõe a existência do controle de uma instituição por outra, condição necessária ao regular funcionamento do Poder Público. Este controle não pressupõe subordinação ou hierarquia dos organismos policiais. De fato, a expressão controle externo da atividade policial pelo Ministério Público não significa ingerência que determine a subordinação da polícia judiciária ao Ministério Público, mas sim a prática de atos administrativos pelo Ministério Público, de forma a possibilitar a efetividade dos direitos assegurados na lei fun damental. De acordo com a Lei Complementar n. 75/93 (art. 9°), cujas normas são aplicáveis subsidiariamente aos Ministérios Públicos dos Estados (Lei n. 8.625/93, art. 80), o Ministério Público da União exercerá o controle externo da atividade policial por meio de medidas judiciais e extrajudiciais, podendo: I - ter livre ingresso em estabelecimentos policiais ou pri sionais; II - ter acesso a quaisquer documentos relativos à atividade-fim policial; III - repre sentar à autoridade competente pela adoção de \ Art. 13 CPP COMENTADO • Renato Brasileiro de Lima providências para sanar a omissão indevida, ou para prevenir ou corrigir ilegalidade ou abuso de poder; IV - requisitar à autoridade compe tente para instauração de inquérito policial sobre a omissão ou fato ilícito ocorrido no exercício da atividade policial; V - promover a ação penal por abuso de poder. Além disso, segundo o art. 10 da LC n. 75/93, a prisão de qualquer pessoa, por parte de autoridade fede ral ou do Distrito Federal e Territórios, deverá ser comunicada imediatamente ao Ministério Público competente, com indicação do lugar onde se encontra o preso e cópia dos documen tos comprobatórios da legalidade da prisão. Os organismos policiais relacionados no art. 144 da Constituição Federal, bem como as polícias legislativas ou qualquer outro órgão ou insti tuição, civil ou militar, à qual seja atribuída parcela de poder de polícia relacionada com a segurança pública e persecução criminal, sujeitam-se ao controle externo do Ministério Público. Dessa forma, pode-se conceber o con trole externo como instrumento de realização do poder punitivo do Estado. Seu objetivo é dar ao Ministério Público um comprome timento maior com a investigação criminal e, consequentemente, um amplo domínio e lisura na produção da prova, a qual lhe servirá de respaldo na eventual propositura da ação penal pública ou na propositura da ação penal privada pelo ofendido. O controle externo da atividade policial pelo Ministério Público também visa à manutenção da regularidade e da adequação dos procedimentos empregados na execução da atividade policial bem como a integração das funções do Ministério Público e das Polícias voltadas para a persecução penal e o interesse público. A atuação institucional nessa seara vai além da fiscalização das ativida des tendentes à persecução penal, cabendo ao Ministério Público reprimir eventuais abusos, mediante instrumentos de responsabilização pessoal (penal, cível e administrativa) e tam bém zelar para que as instituições controladas disponham de todos os meios materiais para o bom desempenho de suas atividades, inclusive, quando necessário, acionando judicialmente o próprio Estado. 2.1. Resolução n. 20 do Conselho Nacional do Ministério Público: a Resolução n. 20, de 28 de maio de 2007, do Conselho Nacional do Ministério Público, regulamenta, no âmbito do Ministério Público, o controle externo da atividade policial. De acordo com seu art. 2o, o controle externo da atividade policial pelo Ministério Público tem como objetivo manter a regularidade e a adequação dos procedi mentos empregados na execução da atividade policial, bem como a integração das funções do Ministério Público e das Polícias voltada para a persecução penal e o interesse público, aten tando, especialmente, para: I - o respeito aos direitos fundamentais assegurados na Consti tuição Federal e nas leis; II - a preservação da ordem pública, da incolumidade das pessoas e do patrimônio público; III - a prevenção da criminalidade; IV - a finalidade, a celeridade, o aperfeiçoamento e a indisponibilidade da per secução penal; V - a prevenção ou a correção de irregularidades, ilegalidades ou de abuso de poder relacionados à atividade de investi gação criminal; VI - a superação de falhas na produção probatória, inclusive técnicas, para fins de investigação criminal; VII - a probidade administrativa no exercício da atividade poli cial. A Resolução n. 20 do Conselho Nacional do MP foi objeto de impugnação perante o Supremo Tribunal Federal, por meio da ADI n. 4.220, que não foi conhecida, porquanto se trata de ato de índole regulamentar, atrelado aos dispositivos legais que já disciplinam satis fatoriamente a matéria, não havendo inovação justamente porque os mecanismos primordiais para o exercício do controle externo da ativi dade policial são extraídos dos artigos 9o e 10 da Lei Complementar n. 75/93, que se referem, por seu turno, ao art. 80 da Lei n. 8.625/93. 2.2. Formas de controle externo da ativi dade policial: o controle externo da atividade policial pode ser exercido de maneira difusa ou concentrada. 2.2.1. Controle difuso: é aquele exercido por todos os membros do Ministério Público com atribuição criminal, quando do exame dos pro cedimentos que lhes forem atribuídos. Aqui, é possível a adoção das seguintes medidas: a) controle de ocorrências com acesso a regis TÍTULO II • DO INQUÉRITO POLICIAL A r t . 1 3 tros manuais e informatizados; b) prazos de inquéritos policiais; c) qualidade do inquérito policial; d) bens apreendidos; e) propositura de medidas cautelares. 2.2.2. Controle concentrado: é aquele exer cido através de membros com atribuições es pecíficas para o controle externo da atividade policial, conforme disciplinado no âmbito de cada Ministério Público. Em sede de controle concentrado, são inúmeras as medidas que podem ser adotadas pelo órgão do Ministério Público: a) ações de improbidade administrati va; b) ações civis públicas na defesa dos interes ses difusos; c) procedimentos de investigação criminal; d) requisições; e) recomendações; f) termos de ajustamento de conduta; g) visitas às delegacias de polícia e unidades prisionais; h)comunicações de prisões em flagrante. 3. Fornecimento de informações comple mentares: é equivocado acreditar que, uma vez concluído o inquérito policial e oferecida a denúncia, findou-se o trabalho investigatório da Polícia em relação àquele fato delituoso. A depender do caso concreto, é perfeitamen- te possível que novas fontes de prova sejam identificadas após a remessa dos autos do inquérito policial ao Poder Judiciário. A títu lo de exemplo, basta pensar na revelação do nome de um coautor ou partícipe durante o curso de uma audiência de instrução e julga mento. Nesse caso, como o processo judicial já está em andamento, esses novos elementos de informação deverão ser documentados em autos suplementares, evitando-se, assim, a desnecessária remessa dos autos do processo judicial à Polícia. 4. Requisição de diligências à autoridade policial pelo juiz de ofício: sem embargo de opiniões em sentido contrário, nos parece que ao juiz não é dado requisitar, ex officio, a reali zação de diligências complementares durante o curso das investigações, sob pena de violação ao sistema acusatório e à própria garantia da imparcialidade. Para mais detalhes acerca do assunto, remetemos o leitor aos comentários ao art. 156, inciso I, do CPP. 5. Requisição de diligências à autoridade policial pelo Ministério Público: a legisla ção processual penal confere ao Delegado de Polícia discricionariedade para conduzir a investigação criminal por meio de inquéri to policial, podendo, para tanto, requisitar perícias, informações, documentos e dados que interessem à apuração dos fatos (Lei n. 12.830/13, art. 2o, §§ 2° e 3o). Essa discrio- nariedade, todavia, não é absoluta, sofrendo evidente mitigação diante de eventual requi sição ministerial. Se o Ministério Público é o titular da ação penal pública (CF, art. 129, I), sendo, portanto, o destinatário, por excelência, dos elementos de informação produzidos no curso da investigação policial, não se pode negar ao Parquet a possibilidade de requisitar diligências imprescindíveis à formação da opinio delicti. Esse poder de requisição deriva diretamente da Constitui ção Federal: dentre as funções institucionais do Ministério Público, consta do art. 129, V III, da CF, a possibilidade de requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais. Na mesma linha, consoante disposto no art. 13, II, do CPP, que não foi revogado pela Lei n. 12.830/13, incumbe à autoridade policial realizar as diligências requisitadas pelo juiz ou pelo Ministério Público. Requisição é a exigência para a realização de algo, funda mentada em lei, e não se confunde com or dem, porquanto o Promotor de Justiça e nem mesmo o Juiz são superiores hierárquicos do Delegado de Polícia, razão pela qual não po dem lhe dar ordens. Na verdade, o Delegado de Polícia determina o cumprimento da exi gência ministerial não para atender à vontade particular do Promotor de Justiça, mas sim em fiel observância ao princípio da obriga toriedade, que impõe às autoridades estatais, inclusive Delegados de Polícia, um dever de agir de ofício diante da notícia de infração penal. Essas diligências devem ser requisi tadas pelo Ministério Público diretamente à autoridade policial (CPP, art. 13, II), ressalva das as hipóteses em que houver necessidade de intervenção judicial (v.g., interceptação telefônica). Havendo necessidade dos autos para auxiliar no cumprimento das diligências, 99 Aft. 13-A CPP COMENTADO • Renato Brasileiro de Lima deve o Promotor requerer ao juiz a remessa dos autos à autoridade policial. Indeferindo o magistrado o pedido de devolução dos au tos para novas e imprescindíveis diligências, caberá correição parcial. Afinal, não cabe ao Poder Judiciário, substituindo-se inde vidamente ao titular da ação penal pública, formar juízo acerca da necessidade (ou não) da realização de determinadas diligências reputadas indispensáveis pelo dominus litis à formação de sua convicção acerca da prática de determinada infração penal. À evidência, o Delegado de Polícia não é obrigado a atender requisições manifestamente ilegais. Aliás, ao tratar do poder de requisição ministerial, a própria Constituição Federal faz referência à indicação dos fundamentos jurídicos de sua manifestação. Nesse caso, fazendo-o de ma neira fundamentada, incumbe ao Delegado se recusar a cumprir requisições manifesta mente ilegais, comunicando a ocorrência ao respectivo Procurador-Geral de Justiça para as providências funcionais pertinentes. 6. Cumprimento de mandados de prisão: pelo menos em regra, a prisão de alguém está condicionada à ordem prévia e fundamentada da autoridade judiciária competente, materiali zada no mandado de prisão. A atribuição para o cumprimento dos mandados de prisão recai, precipuamente, sobre a Polícia Judiciária, que geralmente tem departamentos especializados na execução desses mandados. No entanto, à Polícia Militar, no exercício de suas funções de policiamento ostensivo, não se impede o cumprimento de mandados quando se depara com alguém procurado. Aliás, ao tratar do registro do mandado de prisão no banco de dados mantido pelo Conselho Nacional de Justiça (BNMP), o art. 289-A, §1°, do CPP, com redação determinada pela Lei n. 12.403/11, é categórico ao afirmar que qualquer agente policial poderá efetuar a prisão determinada em mandados de prisão. 7. Representação pela decretação da prisão preventiva: durante o curso do in quérito policial, o Delegado de Polícia pode vislumbrar a necessidade da decretação de alguma medida cautelar. O art. 13, inciso IV, do CPP, faz referência apenas à prisão pre ventiva. No entanto, não se pode perder de vista que tal dispositivo guarda pertinência com o quadro de medidas cautelares dispo níveis à época da vigência do CPP ( I o de ja neiro de 1942). Com as inúmeras mudanças sofridas pela legislação processual penal nos últimos anos, é evidente que o dispositivo legal sob comento deve ser interpretado de maneira extensiva, no sentido de se permi tir ao Delegado de Polícia representar pela decretação de qualquer medida cautelar durante as investigações, sejam elas de natu reza patrimonial (ex: sequestro), probatória (ex: interceptação telefônica), sejam elas de natureza pessoal (ex: prisão preventiva, temporária ou cautelares diversas da prisão). 8. Representação da autoridade policial e (des) necessidade de manifestação do M i nistério Público: para mais detalhes acerca do assunto, remetemos o leitor aos comentários ao art. 282, §2°, do CPP. Art. 1 3-A. Nos crimes previstos nos arts. 148,149 e 149-A, no §3° do art. 158 e no art. 159 do Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), e no art. 239 da Lei n. 8.069/90, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), o membro do Ministério Público ou o Delegado de Polícia poderá requisitar, de quaisquer órgãos do poder público ou de empresas de iniciativa privada, dados e informações cadastrais da vítima ou de seus suspeitos (Incluído pela Lei n. 13.344/16).1 -2 Parágrafo único. A requisição, que será atendida no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, conterá: I - o nome da autoridade requisitante; II - o número do inquérito policial; e TÍTULO II • DO INQUÉRITO POLICIAL -| 3_y\ III - a identificação da unidade de polícia judiciária responsável pela investigação. 1. Acesso aos dados cadastrais de víti mas e de suspeitos: introduzido pela Lei n. 13.344/16, que versa sobre o tráfico interno e internacional de pessoas, o novel art. 13-A do CPP permite o acesso imediato do Delegado de Polícia e do órgão do Ministério Público aos dados e informações cadastrais da vítima ou de suspeitos da prática dos crimes de sequestro e cárcere privado, redução a condição análoga à de escravo, tráfico de pessoas, extorsão qua lificada pela restrição da liberdade da vítima,