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Da tradução linguística à tradução cultural

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XV Encontro ABRALIC
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Submissão de Simpósio
Título: Da tradução linguística à tradução cultural: separações, vínculos e mobilidade na construção da identidade latino-americana
Coordenadores: Profa. Dra. Rita Diogo (UERJ) e Profa. Dra. Viviane Antunes (UFRRJ)
 Partindo da imagem da ponte como metáfora do desejo humano de estabelecer vínculos (SIMMEL, 2014), nos propomos aqui a fomentar o debate sobre a tradução enquanto método, tanto teórico quanto prático, de desbravar caminhos identitários ao longo do continente latino-americano, estabelecendo, para além das contingências históricas, uma unidade de ordem estético-cultural em meio à diversidade que lhe é característica.
 No entanto, dita metáfora não existiria sem outra que a ela se contrapõe, qual seja, a imagem da porta (SIMMEL, 2014). Se a primeira estabelece o vínculo entre duas margens ou territórios finitos, a segunda abre ao homem a possibilidade de transcender a própria limitação e conquistar a liberdade. Entendemos assim que, se, por um lado, nos definir é uma necessidade, posto que nos salva da infinitude amorfa, por outro, a liberdade impressa na metáfora da porta confere sentido e dignidade à essa mesma limitação (SIMMEL, 2014).
 Nesse sentido, se a tradução estabelece pontes entre diferentes línguas e culturas restritas as suas respectivas fronteiras, a porta vem-nos lembrar da necessidade de nos abrirmos para o outro, de ser e experienciá-lo, transformando-o numa possibilidade de transcender nossos próprios limites. Por meio dessa metáfora, nossas identidades – língua e cultura – se tornam fluidas, ganham mobilidade e permanecem vivas. 
 Segundo nossa hipótese, a tradução enquanto método, ao realizar as metáforas da ponte e da porta, pode desbravar caminhos identitários que, sem perder a forma, possam permanecer absolutamente fluidos, ao encontrarem no embate com a diferença uma oportunidade de se complementarem, abrindo assim novos espaços e reconfigurando continuamente nossas fronteiras.
 Da mesma forma, a proposta de transitar “da tradução linguística `a tradução cultural” pressupõe o movimento oscilatório entre a finitude da língua/cultura materna e a abertura para a língua/cultura estrangeira, e vice-versa, onde a prática tradutória, realizando a metáfora da ponte, estabelece o vínculo entre os diferentes territórios, ao mesmo tempo em que, ao ser também porta, os abre à infinitude e à liberdade em direção ao outro. Por outro lado, a separação entre língua e cultura, impressa nas partículas “da” e “à”, que marcam, respectivamente, o ponto de partida e o de chegada, é um recurso meramente didático, visto que consideramos ambos os âmbitos –linguístico e cultural- como faces de uma mesma moeda. 
 A fim de explicitar o diálogo entre língua e cultura, recorremos a Vilém Flusser e seu estudo sobre a relação entre língua e realidade (2007). Ao ilustrar o conceito do EU, Flusser lança mão da imagem da árvore: os sentidos são como raízes ancoradas no chão da realidade, por meio das quais o EU a acessa e se forma. Ao chegar ao tronco, aqui no papel do intelecto, esta seiva sugada pelos sentidos (raízes) se transmuta em palavras, ao mesmo tempo em que é encaminhada até a copa, o espírito. No entanto, nesta transformação da seiva em palavras, neste “salto abrupto e primordial, neste Ursprung”, existe um abismo que separa o dado bruto (a realidade) e a palavra. Esta acaba constituindo-se assim no limite do EU, obstruindo-lhe a passagem até as raízes, ou seja, impedindo-lhe o acesso à Verdade absoluta. (2007, p. 46)
Dessa forma, mais do que um instrumento de transmissão da realidade, solo de nossa cultura, a língua é para Flusser a própria realidade/cultura, já que não temos acesso ao dado bruto senão por meio das palavras. A verdade que conhecemos corresponde, pois, a frases ou pensamentos, um resultado das regras da língua. O que significa dizer que a verdade absoluta, por sua vez, é uma correspondência entre a língua e o “algo” que ela significa, tão inarticulável quanto esse mesmo “algo”. (2007, p. 46)
Ao citar Kant, Flusser demonstra que a existência de uma mesma língua mascararia o problema ontológico da língua -ao qual estamos vedados-, pois que haveria uma aparente correspondência perfeita e unívoca entre dado bruto e palavra. Ou seja, é exatamente a multiplicidade das línguas que nos revela sua relatividade, seu problema ontológico e epistemológico, evidenciando a existência de “tantos sistemas categoriais, e, portanto, tantos tipos de conhecimento, quantas línguas existem ou podem existir”. (2007, p. 52)
A relatividade supracitada ganha uma importante dimensão quando nos referimos à tradução. Cada língua é um sistema completo, um cosmos, ainda que não fechado, na medida em que podemos “saltar” de um cosmos para outro, ou seja, em que podemos traduzi-los entre si. (2007, p. 56). Entretando, Flusser aponta para o abismo ao qual o tradutor é submetido no momento da busca de correspondência entre as línguas: “Mas, durante a tradução, durante esse instante ontologicamente inconcebível da suspensão do pensamento, pairo sobre o abismo do nada” (2007, p. 58). 
Acrescentamos, contudo, que esse “pairar sobre o abismo” implica, além de estabelecermos pontes, sermos capazes de ousar atravessar as portas, mergulhar no outro, transcendendo a própria língua/cultura. 
Referências Bibliográficas:
DUARTE, R. Pós-história de Vilém Flusser: gênese-anatomia-desdobramentos. São Paulo: Annablume, 2012.
FLUSSER, Vilém. Língua e realidade. São Paulo: Annablume, 2007.
GULDIN, Rainer. Pensar entre línguas: a teoría da tradução de Vilém Flusser. Trad. Murilo Jardelino da Costa e Clélia Barqueta. São Paulo: Annablume, 2010.
KRAUSER, Gustavo Bernardo et alii. Vilém Flusser: uma introdução. São Paulo: Annablume, 2008.
SIMMEL, George. Ponte e porta. In: Revista Serrote. São Paulo: Instituto Moreira Salles. No. 17, julho, 2014, p. 69-75.

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