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Experimentação Animal

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÂO PAULO 
 
ALEXANDRA BERNARDINI CANTARELLI 
 
 
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO 
FACULDADE DE DIREITO 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A Experimentação Animal e os Seres Não-Humanos como 
Sujeitos de Direito 
 
Projeto de Iniciação Científica PIBIC-CEPE 
Alexandra Bernardini Cantarelli 
Orientação: Profa. Dra. Erika Bechara 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
SÃO PAULO 
2020 
 2 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A Experimentação Animal e os Seres Não-Humanos como 
Sujeitos de Direito 
 
 
 
 
 
 
Relatório de Pesquisa para elaboração de 
Monografia jurídica proposta pela Prof. Dra. Erika 
Bechara, do Departamento de Direitos Difusos e 
Coletivos da Faculdade de Direito da Pontifícia 
Universidade Católica, desenvolvida pela aluna 
Alexandra Bernardini Cantarelli, com auxílio de 
Bolsa de Iniciação Científica – PIBIC – CNPq. 
 
 
 
 
 
 
 
SÃO PAULO 
2020 
 
 3 
Sumário 
 
Introdução .......................................................................................................... 4 
 
Parte I – Atividades Desenvolvidas ................................................................. 6 
 
1. Sistemática Adotada ..................................................................................... 6 
2. Objetivos, dificuldades e superações ......................................................... 6 
 2.1. Dos objetivos alcançados ....................................................................... 6 
2.2. Das dificuldades encontradas ................................................................ 7 
2.3. Das soluções propostas ......................................................................... 7 
3. Atividades acadêmico-culturais .................................................................. 8 
 
Parte II – Relatório Científico ........................................................................... 8 
 
1. Os seres não-humanos e a capacidade de sentir: a senciência como 
fundamento do direito dos animais ................................................................. 8 
2. Experimentação animal: a evolução do sistema de combate a esta 
prática ............................................................................................................... 12 
2.1. As correntes filosóficas sobre a dignidade, os direitos e a utilização 
dos animais .................................................................................................... 16 
2.1.1. Especismo .................................................................................. 16 
2.1.2. Utilitarismo e Bem-estarismo ................................................... 19 
2.1.3. Abolicionismo ............................................................................ 24 
3. Os animais e a experimentação sob a ótica do Direito nacional ........... 27 
3.1. Os animais e o direito internacional .................................................... 29 
3.2. A proteção jurídica dos animais no ordenamento brasileiro ............... 31 
3.3. A experimentação animal no Brasil: a Lei Arouca, o critério da 
necessidade e as Comissões de Ética .......................................................... 39 
3.3.1. As falhas da Lei Arouca e das demais normas de proteção 
aos animais ............................................................................................... 45 
4. Métodos alternativos à experimentação animal ...................................... 50 
4.1. Propostas de proibição dos testes em animais no Brasil ................... 58 
5. Rumo ao abolicionismo: a ineficácia e desnecessidade da 
experimentação animal para os resultados pretendidos ............................ 63 
Conclusão ........................................................................................................ 76 
Bibliografia ....................................................................................................... 79 
 
Parte III – Resumo ........................................................................................... 85 
 
 
 4 
Introdução 
 
 A experimentação animal, à primeira vista, seria um método científico 
eficaz, apto a elucidar fenômenos naturais e científicos, apresentando 
contribuições altamente benéficas às áreas da saúde e do conhecimento, já há 
séculos presente em nossa sociedade. Contudo, a real efetividade e 
necessidade da utilização de animais em testes medicinais e educacionais 
suscitam conflitos de ordem ética e moral, sobretudo no que tange à condição 
dos animais como seres vivos sencientes, ao passo em que se questiona a 
redução desses seres à condição de meros instrumentos de pesquisa. 
 A questão dos direitos dos animais e a sua utilização em pesquisas é 
discutida desde o século XVII. O filósofo Jeremy Bentham, em 1789, foi um dos 
principais pontos de referência para o questionamento da relação dos seres 
humanos perante os seres não humanos, e, sobretudo, da senciência animal. 
Em sua obra, destaca-se que “a questão não é, eles podem raciocinar? Ou, 
eles podem falar? Mas, sim, eles podem sofrer?”. A partir da obra de Bentham, 
foi se instalando definitivamente a tensão entre liberdade de investigação 
científica e a proteção do bem-estar animal (GOMES, 2016, p. 103). Hoje, com 
a evolução do conhecimento acerca dos processos biológicos e suas 
interações, a preocupação em relação a segurança no uso das tecnologias 
experimentais em animais e humanos também cresceu. 
 Esses questionamentos de ordem moral repercutiram para a criação de 
movimentos sociais em prol do bem-estar animal, e chegou a atingir a esfera 
jurídica de diversas nações, que reconheceram a necessidade de proteção dos 
seres não-humanos, já que também dotados de senciência. Assim, os 
ordenamentos internos passaram a regulamentar o uso de animais em 
pesquisas, além de estabelecer normas que, indiretamente, atribuem direitos 
aos seres não humanos, ao impor condutas omissivas aos humanos no que 
tange a provocação de práticas cruéis e que infligem dor e sofrimento aos 
animais. 
 O Brasil, adotando tal perspectiva, integrou e constitucionalizou o que 
seria o “direito dos animais”, estabelecendo regras e sanções relativas às 
condutas humanas perante os seres não-humanos. No que tange à 
experimentação animal, o ordenamento brasileiro inclusive conta com 
 5 
legislação específica, a qual institui órgãos e comissões especializados para 
avaliação dos procedimentos. 
 No entanto, tal como ocorre em outros países, as normas brasileiras 
estabelecem técnicas e métodos para realização da experimentação, não 
chegando, porém, a proibi-las. Com isso, estabelece-se o conflito entre as 
posições filosóficas que defendem o uso dos animais em pesquisas, desde que 
respeitado o critério da necessidade do experimento e a dignidade do animal, e 
as que rejeitam todo e qualquer uso de seres não humanos para objetivos de 
pesquisa. Esta última posição, defendida por Tom Regan, entende que não há 
como se utilizar de animais sem ferir sua dignidade ou sem infligir alguma 
espécie de desconforto: 
 
Será que isso é verdade? Será que todos os grandes avanços 
na saúde pública, ou mesmo a maioria deles, se devam ao uso dos 
“modelos animais?”. E mesmo que sim, como é que fica a pergunta 
moral: Os benefícios para os humanos justificam os danos aos 
animais? (REGAN, 2006, p. 199). 
 
 Assim, entendendo que os seres não humanos são, tal como nós, 
dotados de interesses e sentimentos, a melhor posição que deveríamos adotar 
perante os animais seria a total abstinência de sua utilização, para qualquer 
fim. 
 Em defesa a tal posição, divergente da adotada pelo ordenamento 
jurídico brasileiro, entende-se que métodos alternativos ao uso de animais em 
pesquisas devem ser buscados e exclusivamente adotados pelos 
pesquisadores. Isto, pois, como será abordado no presente trabalho, os seres 
não humanos são seres dignos de direitos, tal como nós, à medida quecomprovadamente são capazes de sentir. Ao mesmo tempo, também será 
demonstrada a ineficácia dos métodos experimentais em animais para os fins 
pretendidos, ao oposto do que corriqueiramente se pensa, enquanto serão 
apresentados métodos alternativos que são dotados de maior eficácia. Por fim, 
o trabalho defenderá que, sendo os animais sujeitos de direito, devem ter 
garantida proteção mais abrangente e reforçada pela legislação pátria, no que 
tange não só à experimentação, mas também às demais disposições ligadas à 
crueldade animal. 
 6 
Parte I – Atividades Desenvolvidas 
 
1. Sistemática Adotada 
Como ponto central, a pesquisa buscou analisar a experimentação 
realizada em animais no Brasil, à luz da situação dos animais perante a 
Constituição Federal, no sentido de serem considerados sujeitos de direitos ou 
não. Assim, examinou-se a proteção dada aos seres não humanos pelo 
ordenamento jurídico brasileiro, atualmente, sob a linha de defesa da existência 
comprovada da senciência animal, que justifica o tratamento digno dos animais 
perante a lei. 
Nos primeiros meses de pesquisa, foi necessário o conhecimento 
preliminar acerca do tema, sobretudo em relação às correntes filosóficas 
ligadas a ele e o seu impacto na esfera da legislação brasileira, 
aprofundamento feito a partir das obras de Peter Singer, Tom Regan e Melanie 
Joy, principalmente. Ato contínuo, foi feita a leitura de artigos científicos mais 
voltados à área da biologia e da medicina, para trazer ao texto a comprovação 
fidedigna (i) de que os animais são seres sencientes; (ii) de que existem 
métodos alternativos viáveis à experimentação animal; (iii) de que a utilização 
de animais em pesquisas é algo obsoleto. 
Ao adentrar a legislação brasileira, foi feita uma análise preliminar, para 
entender qual a posição adotada pelo ordenamento em relação aos animais, 
qual o nível de proteção dado a eles e como a experimentação é tratada no 
Brasil, com especial destaque para a Lei Arouca. Neste ponto, sobretudo, a 
orientação da Prof. Dra. Erika Bechara foi crucial, para compreender o 
verdadeiro status dos animais perante a legislação e também para melhor 
interpretar o conteúdo da lei que versa a respeito do tema. 
 
2. Objetivos, dificuldades e superações 
 
2.1. Dos objetivos alcançados 
Até o presente momento, muitos dos objetivos que foram estabelecidos 
pela pesquisa têm sido concretizados, com auxílio da Professora Orientadora. 
Em primeiro lugar, a redação da tese de que os animais são seres sencientes e 
a defesa de que, em razão da senciência são, portanto, sujeitos dignos de 
 7 
direitos, foram dois pontos que puderam ser abordados de forma bastante 
aprofundada, dando forte base ao projeto. A sustentação dessa parcela da 
pesquisa foi possível, principalmente, em razão da bibliografia científica e 
biológica, me proporcionando os conhecimentos além do Direito que foram 
necessários para toda a redação do tema. 
Um outro objetivo, cujo cumprimento tem se mostrado bastante 
satisfatório nos últimos meses, se relaciona com a pesquisa legislativa feita 
para trazer à tona a posição do animal no ordenamento jurídico brasileiro. A 
análise dos princípios ambientais da Constituição de 1988 para dar suporte ao 
reconhecimento dos direitos dos animais como um todo e, posteriormente, a 
leitura e abordagem crítica da Lei que regula a experimentação animal no 
Brasil - Lei Arouca - até então puderam ser bastante exploradas. O uso da 
jurisprudência e da doutrina tem o potencial de complementar o projeto nos 
próximos meses. 
 
2.2. Das dificuldades encontradas 
Uma das maiores dificuldades encontradas no projeto, também 
observada quando do relatório parcial, centrou-se no aspecto relacionado à 
explicação das teorias relacionadas ao direito dos animais: especismo, bem-
estarismo e abolicionismo. Em um segundo momento, em relação ao exame do 
ordenamento jurídico brasileiro, a elaboração de uma análise crítica em relação 
ao tratamento da experimentação animal no país foi também uma dificuldade 
encontrada, que exigiu esforços significativos para interpretar a letra da lei. Por 
fim, o estudo e pesquisa envolvendo a leitura de artigos científicos com 
linguagem mais próxima da médica e científica também se apresentou como 
uma dificuldade, já que distinta da jurídica, ora mais familiar. 
 
2.3. Das soluções propostas 
 Tendo em vista os desafios encontrados, o papel da orientadora Prof. 
Dra. Erika Bechara foi crucial, sobretudo para corrigir e esclarecer os aspectos 
concernentes ao reconhecimento pelo ordenamento jurídico brasileiro da 
senciência animal e também para tornar mais maleável a questão da legislação 
infraconstitucional a respeito da experimentação animal. 
 8 
 No que diz respeito às demais dificuldades, foi fundamental a pesquisa 
de doutrina, jurisprudência e, principalmente, teses e artigos nos quais a 
linguagem científica era um pouco mais esclarecida para leitores leigos. De tal 
modo, foi possível desenvolver a perspectiva crítica do projeto. 
 
3. Atividades acadêmico-culturais 
 Como a parte final da pesquisa ocorrera durante a pandemia de 
Coronavírus (COVID-19), a realização de atividades acadêmico-culturais que 
pudessem enriquecer o projeto ficou prejudicada. 
 Não obstante, foi possível atender ao webinar “Direito e Ética Animal”, 
promovido pela Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB) no dia 25 de maio de 
2020, através da plataforma Youtube. 
 
Parte II – Relatório Científico 
 
1. Os seres não-humanos e a capacidade de sentir: a senciência como 
fundamento do direito dos animais 
 A senciência significa a capacidade de sentir prazer, felicidade ou dor, e 
tem se centrado nos argumentos que envolvem tanto o bem-estar humano 
como o animal (JOY, 2010, p. 57). Por muitos séculos, a comunidade científica 
e a sociedade compreendiam que somente os seres humanos, dotados de 
capacidade cognitiva mais complexa, teriam sensibilidade. Assim, seria 
totalmente dispensável o tratamento digno aos seres não-humanos, já que 
desprovidos de sentimentos. Contudo, evidências de que os animais (pelo 
menos os vertebrados) sentem dor, a exemplo de quando evitam ou tentam 
escapar de um estímulo doloroso, foram comprovadas por diversos estudos 
comportamentais, tanto pela teoria da evolução quanto pela similaridade 
anatomo-fisiológica em relação ao ser humano (LUNA, 2006, apud LUNA, 
2008, p.18). 
 A capacidade de sentir, de acordo com o filósofo Peter Singer, se 
configura como um pré-requisito para que um ser tenha interesses. Assim, 
sendo evidente a capacidade dos animais de sofrer e de sentir prazer, são eles 
seres que possuem interesses, tal como nós seres humanos. Com isso, se um 
 9 
ser sofre, não há justificativa moral para deixar de levar em conta esse 
sofrimento: 
 
 O princípio da igualdade requer que seu sofrimento seja 
considerado da mesma maneira como o são os sofrimentos 
semelhantes - na medida em que comparações aproximadas 
possam ser feitas - de qualquer outro ser. Caso um ser não seja 
capaz de sofrer, de sentir prazer ou felicidade, nada há de ser levado 
em conta. Portanto, o limite da senciência [...] é a única fronteira 
defensável de preocupação com os interesses alheios. Demarcar 
essa fronteira com outras características, tais como inteligência ou 
racionalidade, seria fazê-lo de maneira arbitrária (SINGER, 2013, p. 
14-15) 
 
 No século XVII, o filósofo Jeremy Bentham, fundador da escola 
reformista-utilitarista de filosofia moral, foi uma das mais importantes 
influências para o reconhecimento da senciência e da necessidade de 
tratamento mais humano aos animais, sendo um dos poucos que estendeu 
esta concepção da igual consideração de interesses aos seres de outras 
espécies. Em sua argumentação, o dever do tratamento digno aos animais 
seria resultado da indagação acerca da capacidade que os mesmos possuem 
de sentir, e não de falar ouraciocinar (BENTHAM, 1823, p. 283). Com isso, se 
um ser sofre, este sofrimento não pode ser considerado irrelevante, sendo 
fundamento para conferir aos animais a devida respeitabilidade. 
 Bentham incorporou ao seu sistema de ética a base essencial da 
igualdade moral, colocando que os interesses de cada ser afetado por uma 
ação deveriam ser levados em conta e receber o mesmo peso que os 
interesses semelhantes de qualquer outro ser (BENTHAM, 1823 apud 
SINGER, 2010, p.9). John Stuart Mill (1861) e Henry Sidgwick (1874) foram 
outros protagonistas que seguiram os ideais de Bentham. 
 Walter Russell Brain, neurologista britânico do século XX, afirmava que 
considerar que os animais sentem menos por não serem humanos, e que, 
portanto, seriam inferiores, era algo absurdo (BRAIN, 1964 apud SINGER, 
2010, p. 20). Isto, pois, vários de seus sentidos são muito mais apurados que 
os nossos, a exemplo da audição dos morcegos e do olfato dos cães. Apesar 
de nosso córtex cerebral ser mais complexo, o que não diz diretamente sobre a 
dor, o sistema nervoso dos animais é quase idêntico ao nosso, e as reações à 
dor são praticamente semelhantes. No mesmo sentido, o Comitê sobre a 
 10 
Crueldade com Animais Selvagens do Reino Unido, redigiu relatório1, no ano 
de 1951, concluindo que há evidências que comprovam que os animais sentem 
dor: 
 
 Sabe-se que alguns mamíferos possuem, e pode-se presumir 
que todos possuam, o aparelho nervoso que nos seres humanos é 
conhecido por mediar a sensação de dor, e isso é uma evidência 
aceitável de que os mamíferos realmente sentem dor. 
 Além disso, os animais guincham, lutam e dão outras 
evidências "comportamentais" que são geralmente consideradas 
como o acompanhamento de sentimentos dolorosos. Evidências 
desse segundo tipo são, talvez, menos certas, pois sinais externos 
de dor são variáveis e podem estar ausentes e é impossível dizer se, 
e em que sentido, o choro de um animal deve receber o mesmo peso 
que o choro de um ser humano. No entanto, acreditamos que os 
aspectos fisiológicos, e, mais particularmente, as evidências 
anatômicas justificam e reforçam totalmente a crença do senso 
comum de que os animais sentem dor (tradução livre). 
 
 Também no Reino Unido, outro estudo relevante evidenciando a 
capacidade de sentir dos animais foi realizado em 2012. Philip Low escreveu a 
Declaração de Cambridge sobre a Consciência, a qual editou em conjunto com 
Jaak Pankseep, Diana Reiss, David Edelman, Bruno Van Swinderen e Christof 
Koch. O documento foi baseado em estudos realizados para comprovar que os 
animais possuem certo grau de consciência, em comparação com o 
comportamento dos seres humanos. Dentre as observações feitas, a 
declaração final foi favorável ao reconhecimento da senciência animal: 
 
 A ausência de um neocórtex não parece impedir que um 
organismo experimente estados afetivos. Evidências convergentes 
indicam que animais não humanos têm os substratos 
neuranatômicos, neuroquímicos e neurofisiológicos de estados de 
consciência juntamente como a capacidade de exibir 
comportamentos intencionais. Consequentemente, o peso das 
evidências indica que os humanos não são os únicos a possuir os 
substratos neurológicos que geram a consciência. Animais não 
humanos, incluindo todos os mamíferos e as aves, e muitas outras 
criaturas, incluindo polvos, também possuem esses substratos 
neurológicos. 
 
 Com isso, os animais não humanos também sentem dor, por serem 
dotados de substratos neurológicos que geram consciência e comportamentos 
voluntários e intencionais. Assim, não é razoável supor que sistemas nervosos 
 
1 HENDERSON, John Scott. Report of the Committee on Cruelty to Wild Animais Presented to 
Parliament by the Secretary of State for the Home Department and the Secretary of State for 
Scotland, etc. [Chairman, John Scott Henderson.]. Committee on Cruelty to Wild Animais. 
Londres, 1951. 
 11 
idênticos do ponto de vista fisiológico, que resultam em formas semelhantes de 
comportamento em circunstâncias parecidas, devam operar de forma 
totalmente diferente no que tange às sensações subjetivas (SINGER, 2013). 
 No entanto, sendo a dor uma experiência subjetiva, não é difícil 
argumentar contra o sofrimento do outro e acreditar nas posições contrárias à 
senciência animal, como assim explica Melanie Joy (JOY, 2010, p. 57). De 
acordo com a psicóloga, como não estamos no corpo do outro, só 
conseguimos presumir a dor, e, quando temos um interesse em presumir que o 
sujeito não está sentido dor, acabamos acreditando que seja verdade: 
 
 Nossas suposições provêm de nossas crenças e o próprio 
sistema de crenças que nos torna capazes de infligir sofrimento a 
outros trabalha ativamente para mantê-las vivas. [...] Consideremos, 
por exemplo, a suposição comum de que apenas o instinto leva as 
lagostas a lutar para escapar da panela onde estão sendo cozidas 
vivas. Embora não tenhamos motivos para acreditar que elas não 
estão fugindo da água fervente porque ela causa dor, e embora o 
instinto e a senciência possam coexistir e de fato coexistam (um não 
exclui o outro), a maioria das pessoas prefere pensar de modo 
diferente (JOY, 2010, p. 57) 
 
 Joy afirma que o bloqueio no reconhecimento pleno da senciência e dos 
direitos animais se justifica pela a percepção genérica em relação aos seres 
não-humanos, a qual os reconhece como coisas vivas ou abstrações, e não 
seres vivos como o são. Essa percepção é formada por um trio cognitivo, 
composto pela objetivação, desindividualização e dicotomização dos animais. 
O trio cognitivo nos permite distorcer nossas percepções dos animais, o que 
nos impede de nos identificar com eles, e, assim, reduz a possibilidade de 
desenvolvermos uma empatia para com eles, com base no princípio da 
semelhança. 
 A objetivação seria o processo no qual encaramos o animal como mero 
objeto inanimado, o que distancia o reconhecimento de sua sensibilidade ou de 
sua vida, a exemplo da classificação jurídica dos animais como propriedade. A 
desindividualização, por sua vez, implica em ver o animal não como um sujeito 
único, mas parte de um grupo, sendo uma mera abstração sem personalidades 
e preferências. A dicotomização, por fim, nos faz encaixar os animais em 
categorias, o que implica separar nossas emoções em relação a eles, e, 
portanto o reconhecimento de uma senciência seletiva aos animais. 
 12 
 Assim, por exemplo, ao comer carne, não temos a mesma sensibilidade 
em relação a um porco do que temos em relação a um cachorro, encarando 
comer aquele como algo natural e este como algo repugnante. O mesmo pode 
ser dito em relação aos animais submetidos a testes, que acabam sendo 
reduzidos ao sofrimento por não serem reconhecidos individualmente, mas 
como membros de uma abstração ausente de senciência, o que torna a prática 
aceitável. 
 Contudo, o reconhecimento da senciência está presente no plano 
prático, na medida em que as pessoas se recusam a testemunhar a violência 
contra os animais, seja na produção de carne, no entretenimento ou no uso 
para experimentos. Os indivíduos, no geral, detestam ver animais sofrendo. E 
isso, pois, nós nos compadecemos, não desejando fazer ninguém sofrer, ainda 
mais se o sofrimento for intenso e desnecessário, seja o ser humano ou animal. 
É por essa razão que existe um conjunto de defesas em práticas que suportam 
a violência contra os animais, com as acima mencionadas, que acabam 
possibilitando que as pessoas apóiem estas práticas sem perceber (JOY, 2010, 
p. 35). 
 Diante das evidências apresentadas, é possível afirmar, finalmente, que 
os animais são seres sencientes. Portanto, não há justificativa moral para 
considerar que a dor (ou o prazer) sentida pelos animais seja menos 
importante do que a mesma intensidade de dor (ou prazer) experimentada 
pelos seres humanos (SINGER, 2010, p. 25). A nossa capacidade mental pode 
fazer a diferença em muitos casos, a exemploda memória dos fatos e das 
questões filosóficas. Contudo, essas diferenças não implicam maior sofrimento 
do ser humano normal. Em alguns casos, aliás, os animais podem sofrer mais, 
justamente devido a seu grau de compreensão ser mais limitado, a exemplo de 
um confinamento por razões de segurança, em que é possível explicar a 
situação ao homem, mas para o animal isto é inviável, e ele não conseguirá 
distinguir o motivo do confinamento de uma ameaça de morte. 
 
2. Experimentação animal: a evolução do sistema de combate a esta 
prática 
A experimentação animal nada mais é do que a utilização de animais, vivos 
ou mortos, em atividades de pesquisas científicas, com a justificativa de 
 13 
determinar os efeitos prejudiciais de certas substâncias nos seres humanos ou 
de ensinar funções fisiológicas a estudantes. Os experimentos incluem testes 
de toxicidade de produtos como cosméticos e farmacêuticos, e a dissecação e 
vivisseção nas escolas e Universidades, para auxiliar o aprendizado. 
 Dentre os testes, alguns animais são forçados a ingerir a substância 
testada; às vezes, são forçados a inalá-la; ou a substância é aplicada na sua 
pele ou no seu olho. Apesar de não existir um número exato de animais usados 
nestes experimentos, não há dúvida de que beira aos milhões, e que continua 
a crescer (REGAN, 2006, p. 208). 
 O uso de animais em experimentos e pesquisas apresenta registros 
desde os primórdios da humanidade. Na Antiguidade, o anatomista grego 
Alcmaeon (500 a.C.) praticava a vivissecção para estudar a natureza 
anatomofisiológica. Pouco depois, Hipócrates (550 a.C.), Aristóteles (384-322 
a.C.) e outros estudiosos utilizavam animais em suas pesquisas com fins de 
comparar o funcionamento do corpo humano com o corpo de outros seres 
vivos. 
 No que diz respeito aos testes, Galeno (129-210 a.C.) teria sido o 
primeiro que realizou a vivissecção com a finalidade experimental, e que 
também realizou demonstrações em animais vivos em público. Os primeiros 
estudos de Galeno consistiram em verificar os efeitos da destruição da medula 
espinhal, da perfuração do peito, da secção de nervos e das artérias dos 
animas que utilizava. Ele dizia que fazia parte do perfil do pesquisador a 
indiferença perante os sentimentos das cobaias (PAIXÃO, 2001, apud 
STEFANELLI, 2011, p. 189). 
 Em 1638, William Harvey publicou o primeiro experimento em que se 
estabelecia um uso sistemático de animais em pesquisas, com o objetivo de 
estudar a fisiologia da circulação sanguínea. No século seguinte, indo em 
direção oposta aos demais cientistas, James Ferguson iniciou um movimento 
de busca de métodos alternativos ao uso de animais, ao se compadecer com o 
sofrimento dos seres vivos submetidos às pesquisas. Seguindo o mesmo 
entendimento que Ferguson, Robert Boyle, Robert Hook e Edmund O’Meara se 
manifestaram na mesma época contra os testes em animais. Em 1789, Jeremy 
Bentham defendia a igualdade de condições a todos os seres sencientes, e 
 14 
lançou sua obra questionando o uso dos animais com o objetivo de 
experimentar. 
 No século XIX, contudo, a experimentação ganhou grande vigor como 
método científico, sendo utilizado por François Magendie e Claude Bernard, 
que defendiam a ausência de qualquer sentimento no animal, sendo nosso 
direito nos utilizar deles conforme nossos interesses. Bernard condicionava o 
mérito dos experimentos à rígida adesão ao método científico, de modo a 
determinar a confiabilidade e reprodutibilidade dos resultados (BAEDER; 
PADOVANI; MORENO; DELFINO; 2012, p. 315). Ao mesmo tempo, em 
contrapartida, entidades protetoras dos animais começaram a emergir. 
 No Reino Unido, em 1824, a Society for the Preservation of Cruelty to 
Animals foi criada, e, em 1876, o British Cruelty to Animal Act foi a primeira lei 
que regulou o uso dos animais em pesquisas. Anteriormente, em 1822, fora 
instituída a Lei Inglesa Anticrueldade (British Anticruelty Act), mas esta se 
aplicava apenas aos animais domésticos de grande porte. A primeira lei a 
proteger os animais domésticos foi, provavelmente, uma que existiu na Colônia 
de Massachussets Bay, em 1641. Essa lei propunha que: “ninguém pode 
exercer tirania ou crueldade para com qualquer criatura animal que 
habitualmente é utilizada para auxiliar nas tarefas do homem” (BAEDER; 
PADOVANI; MORENO; DELFINO; 2012, p. 315). 
 Em 1845, na França, também fora criada a Sociedade para a Proteção 
dos Animais. Em anos posteriores foram fundadas sociedades similares na 
Alemanha, Bélgica, Áustria, Holanda e Estados Unidos (BAEDER; PADOVANI; 
MORENO; DELFINO; 2012, p. 315). No Brasil, o político Ignácio Wallace da 
Gama Cochrane fundou, em 1895, a primeira entidade protetora dos animais 
nacional, a UIPA - União Internacional Protetora dos Animais. 
 Em 1909, a Associação Médica Americana propôs a primeira publicação 
estadunidense acerca da ética envolvendo a experimentação animal. Na 
década de 1970, o interesse no uso de métodos alternativos cresceu 
significativamente, ao mesmo tempo em que filósofos e defensores dos direitos 
dos animais, como Peter Singer e Tom Regan, publicavam obras 
demonstrando que os animais seriam sujeitos de direitos, cabendo a nós o 
dever de respeitá-los e adotar comportamentos éticos perante eles. 
 15 
Em 1978, a proteção dos animais no âmbito internacional ganhou maior 
visibilidade, com a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, proclamada 
pela UNESCO. De antemão, o documento estabelecia que todos os animais 
são sujeitos de direito (art. 1º). Diversos países são signatários do documento, 
inclusive o Brasil. Dentre seus dispositivos, está vedada a experimentação 
animal que implicar qualquer sofrimento, independentemente de qual for o seu 
escopo. Ao mesmo tempo, é estimulada a utilização e o desenvolvimento de 
técnicas alternativas.2 
Os instrumentos para reduzir o uso de animais em pesquisas ao redor 
do mundo que mais tem se estabelecido nas instituições científicas são as 
Comissões de Ética no Uso de Animais. A atuação dos comitês foi estabelecida 
nos Estados Unidos, a partir da década de 1980, em decorrência da crescente 
pressão social sobre o uso de animais e, simultaneamente, do surgimento da 
obrigatoriedade legal em 1985. Neste momento, as universidades e instituições 
de pesquisa e aquelas relacionadas à produção comercial estabeleceram o 
IACUC (Institutional Animal Care and Use Committees). Esses Comitês 
passaram a ter a missão de adequar a proposta de procedimentos a serem 
efetuados em um protocolo experimental e, também, de aprovar ou não 
qualquer propósito de utilização de animais (BAEDER; PADOVANI; MORENO; 
DELFINO; 2012, p. 316). No Brasil, a atuação das Comissões de Ética foi 
instaurada a partir da Lei nº 11.794/08, que também propôs a criação de um 
Conselho Nacional de Controle e Experimentação Animal, ligado ao Ministério 
de Ciência e Tecnologia. 
Nas últimas duas décadas, ademais, surgiram diversas associações e 
organizações não governamentais a favor dos direitos dos animais, tendo em 
vista que grande parte da sociedade discorda dos métodos de pesquisa 
corriqueiros e do uso em animais sem cuidados. No Reino Unido, por exemplo, 
foi fundada a Fund for the Replacement of Animals in Medical Experiments, no 
Reino Unido (FRAME), e a International Network for Humane Education 
(InterNICHE), que em 1988 atuava somente na Europa, se consolidou como 
 
2 Art. 8º 
1.A experimentação animal que implique sofrimento físico ou psicológico é incompatível com os 
direitos do animal, quer se trate de uma experiência médica, científica, comercial ou qualquer 
que seja a forma de experimentação. 
2.As técnicas de substituição devem ser utilizadas e desenvolvidas. 
 16 
uma rede global em 2000. A World Animal Protection busca acabar com a 
crueldade animal, e atua mundialmente, inclusive, no Brasil. 
 
2.1. As correntes filosóficas sobre a dignidade,os direitos e a utilização dos 
animais 
 De formal geral, podemos destacar as seguintes correntes filosóficas 
concernentes ao uso dos animais para o atendimento das necessidades e 
utilidades humanas, dentre as quais os experimentos científicos e 
educacionais: o especismo, o utilitarismo e o bem-estarismo e o abolicionismo. 
Essas filosofias acabam por levantar questionamentos envolvendo Moral e 
Ética, frente à exploração animal e ao reconhecimento de sua dignidade. Carla 
Amado Gomes, citando a obra de Jean Yves Goffi (GOFFI apud GOMES, 
2016), afirma que a dimensão da Ética pode ser resumida em duas perguntas e 
duas respostas expressas àqueles que utilizam animais em suas pesquisas. À 
pergunta: “Porque usa animais nos seus projetos?”, a resposta seria “Porque 
eles são como nós”. Enquanto à pergunta “É moralmente aceitável conduzir 
experiências com animais?”, a resposta, em sentido contraditório, seria “Sim, 
pois eles não são como nós”. 
 
2.1.1. Especismo 
 O termo especismo foi criado por Richard Ryder em 1970, mas a sua 
concepção já havia sido difundida à época do Renascimento, quando a 
experimentação em animais se popularizava pela Europa. O conceito de 
especismo envolve, basicamente, a discriminação contra aqueles que não 
pertencem a certa espécie. É o preconceito ou a atitude tendenciosa de alguém 
contra uma espécie distinta da sua, a favor dos interesses de membros da 
própria espécie (SINGER, 2010, p. 11). Portanto, aqui, o ser humano discrimina 
os outros animais com a justificativa principal de suas inteligências não serem 
similares à inteligência humana, sendo, portanto, seres inferiores. Assim, não 
há qualquer questão moral no que diz respeito ao uso dos animais, sendo 
competência do próprio ser humano decidir se deve ou não se utilizar de um 
animal, de acordo com seus exclusivos conhecimentos. Como resultado, os 
animais não humanos podem ser explorados livremente pelo ser humano, 
sendo utilizados como objetos indiscriminadamente. 
 17 
 Nesse sentido, em entrevista concedida ao Instituto Humanitas Unisinos 
em 2006, Tom Regan acentua que o “especismo é análogo a outros 
preconceitos morais. Racismo, por exemplo. Racistas pensam que membros 
de sua raça são superiores aos membros de todas as outras raças apenas 
porque eles (mas não outros) pertencem à raça superior. Especistas pensam 
que membros de nossa espécie são superiores a todas as outras espécies 
apenas porque nós (mas não outros) pertencemos à raça superior. Entretanto, 
assim como não há raça superior, não há também nenhuma espécie superior. 
A crença do especista não é menos preconceito que a crença do racista”. 
(REGAN, 2006) 
 
 Na Renascença, o pensamento humanista insistia no valor e na 
dignidade dos seres humanos, os quais ocupavam lugar central no universo. 
Apesar de alguns pensadores, como Montaigne, condenarem a crueldade 
animal e reconhecerem o nosso dever de benevolência para com os seres não-
humanos, esta concepção foi muito rejeitada à época. Na primeira metade do 
século XVII, René Descartes, influenciado pelos ideais cristãos e pela nova 
ciência da mecânica, disseminou a filosofia de que os animais não teriam alma 
imortal como o ser humano. Portanto, não teriam consciência, sendo meras 
máquinas que não sentiriam prazer ou dor ou qualquer sensação (SINGER, 
2010). 
 Assim, e sendo a época marcada pela experimentação em pesquisas 
como fonte mais utilizada para o conhecimento do ser humano, foi estabelecida 
uma tendência de utilização de animais em experiências, já que considerados 
seres sem alma e sem capacidade de sofrimento (GOMES, 2016, p. 102). A 
teoria adotada por Descartes, com isso, permitia aos experimentadores 
dissecar animais vivos, com a justificativa de obter progresso na ciência e 
sustentando que os seus corpos não possuíam qualquer sensibilidade. 
 O grande filósofo e percursor dos ideais da dignidade humana, 
Immanuel Kant, também ilustrou seu posicionamento em relação aos animais, 
alinhado ao especismo e ao antropocentrismo exasperado. Para Kant, não 
haveria um dever moral dos seres humanos perante os animais. Isto, pois o 
reconhecimento moral da igualdade material entre o homem e o animal seria 
algo completamente equivocado, já que o ser não-humano seria desprovido de 
 18 
dignidade, sentimento ora intrínseco à condição humana. Assim, o pensamento 
kantiano sustenta que os animais não são um fim em si mesmo, mas meio de 
satisfação do ser humano, único ser dotado da capacidade de pensar e agir de 
acordo com o pensamento (MENESES, Renato; SILVA, Tagore, 2016, págs. 
231-232). 
 No século XIX, quando os testes em animais também atingiram seu 
auge, o fisiologista Claude Bernard, alinhado ao especismo, defendia que os 
experimentos em animais seriam um direito integral e absoluto (PAIXÃO, 2001, 
apud STEFANELLI, 2011, p. 190). Isto, pois, se o ser humano teria o direito de 
usá-los para a alimentação, por exemplo, seria justificável o seu uso para fins 
científicos, que era algo de grande interesse para a humanidade. 
 Ainda, Elísio Bastos (BASTOS, 2018, págs. 44-45) destaca as objeções 
especistas de Ruth Cigman, Alan White e Carl Cohen, no que tange ao 
reconhecimento do direito dos animais e de sua senciência. Para Cigman, os 
animais seriam incapazes de perceber a morte, pelo fato de os sentimentos 
que exprimem serem apenas mero reflexos de seu instinto. De tal modo, a 
ausência desta percepção implicaria na incapacidade dos seres não-humanos 
de demonstrar o desejo de estar vivo ou não. Assim, pela falta desse desejo, 
os animais não poderiam ser titulares de direitos. Já para White, o 
reconhecimento de direitos implicaria na compreensão acerca das implicações 
destes direitos, como suas obrigações e privilégios, o que os animais não 
conseguem realizar. Assim, dispõe que todo direito gera um dever, e, portanto, 
os animais seriam desprovidos de direitos, apesar de sentirem dor. No entanto, 
White traz uma ressalva que acaba por enfraquecer sua posição, afirmando 
que a falta de direitos dos animais não os isenta de maior proteção do que a 
atual. 
 Ao tratar do posicionamento de Carl Cohen, Bastos revela que sua 
oposição ao direito dos animais justifica-se por considerar a concepção de 
direito essencialmente humana, o que a tornaria inerente ao ser humano e 
somente a ele, já que dotado de autonomia moral para entender suas 
limitações e liberdades. Seguindo esse raciocínio, os direitos só seriam 
reconhecidos em uma comunidade fundada na moralidade e racionalidade, 
sendo impossível estendê-los aos animais. Contudo, em uma concepção 
similar a White, Cohen admite a existência de obrigações dos seres humanos 
 19 
perante os animais, como aquelas derivadas de compromissos assumidos por 
escolha, a exemplo de proporcionar cuidados ao animal de estimação. 
 Ainda hoje, existem filósofos que defendem a ideia de que os animais 
não são conscientes de nada, porque não podem dizer nada ou porque lhes 
falta a habilidade de usar uma linguagem (REGAN, 2006, p. 82). Ademais, 
muitos cientistas alinhados ao especismo pautam suas defesas nos benefícios 
que a experimentação animal proporcionou à medicina e aos conhecimentos 
fisiológicos. Para eles, o uso em si dos animais na experimentação não envolve 
qualquer questão moral ou ética, mas apenas quando ultrapassa o limite do 
aceitável e justificável, a exemplo de casos de imperícia e negligência nas 
pesquisas. E, nos casos em que são justificáveis as experiências, caberia tão 
somente ao cientista decidir quais e quantos animais utilizar, sem a 
necessidade de procurar por métodos alternativos, sendo estes seres meros 
objetos que devem ser manejados com cuidado (CARDOSO; TRINDADE, 
2012, p. 4). 
 Assim, sendo postos os padrões de manejo dos animais, ficam 
pendentes apenas questões técnicas, a serem julgadas tão somente pelos 
próprios cientistas, desconsiderando o grau deinterferência na vida daqueles 
seres. De forma divergente, nas situações em que temos experimentos a 
serem realizados em seres humanos, diversas questões são colocadas em 
jogo para que a pesquisa possa ser aprovada. Com isso, são sopesados os 
riscos para o individuo e os benefícios que serão obtidos pela pesquisa. 
 Portanto, o especismo permite que pesquisadores considerem os 
animais sujeitos a experimentos como itens de equipamento, instrumentos de 
laboratório, e não criaturas vivas, que sofrem. Nas agências governamentais 
norte-americanas, que financiam as pesquisas, os animais são listados como 
“suprimento”, ao lado de tubos de ensaio e instrumentos de registro. Ainda, a 
continuidade dos experimentos se justifica pelo imenso respeito que as 
pessoas ainda têm pelos cientistas, se rendendo a qualquer pessoa que use 
um jaleco branco e que tenha um P.h.D. (SINGER, 2010, p. 102). 
 
2.1.2. Utilitarismo e Bem-estarismo 
 O questionamento dos padrões de pesquisa e do uso inescrupuloso dos 
animais sem qualquer consideração de sua senciência nos leva para a próxima 
 20 
corrente relativa ao direito dos animais, o utilitarismo. Com primeiros indícios 
no período iluminista, época marcada pela redescoberta da natureza, o 
utilitarismo reconhecia que os outros animais sofriam, e que, portanto, seriam 
dignos de consideração. Contudo, não se atribuía aos animais direitos similares 
aos seres humanos. O que era defendido por esta vertente filosófica consistia 
no “uso gentil” dos animais, conforme expressado por David Hume à época. 
Assim, tínhamos licença para utilizar os animais, mas devíamos fazê-lo de 
maneira gentil. (HUME apud SINGER, 2010, p. 142). 
 O utilitarismo foi inicialmente difundido por Jeremy Bentham e Stuart Mill, 
com base no princípio da utilidade ou da beneficência. Tal princípio sustenta 
que o fim moral que devemos procurar em tudo o que fazemos é a maior 
porção possível de bem em relação ao mal, ou a menor porção possível de mal 
em relação ao bem (FRANKENA, 1975, p. 50). Assim, o utilitarismo diverge das 
teorias deontológicas, que estabelecem deveres independentemente de suas 
conseqüências. Jeremy Bentham, em sua obra “Uma Introdução aos Princípios 
da Moral e da Legislação”, também traz um conceito para o princípio: 
 
Por princípio de utilidade entende-se aquele princípio que aprova 
ou desaprova qualquer ação, segundo a tendência que tem a 
aumentar ou a diminuir a felicidade da pessoa cujo interesse está em 
jogo, ou, o que é a mesma coisa em outros termos, segundo a 
tendência a promover ou a comprometer a referida felicidade. Digo 
qualquer ação, com o que tenciono dizer que isto vale não somente 
para qualquer ação de um indivíduo particular, mas também de 
qualquer ato ou medida de governo (BENTHAM, 1974, p. 10). 
 
 Em contrapartida ao especismo, Bentham entendia que, para que um 
ser fosse titular de direitos, bastaria sua capacidade de sentir. Portanto, a 
senciência se apresenta como critério suficiente para o reconhecimento de 
direitos aos seres não-humanos, dispensando a moralidade ou a capacidade 
de exprimir a vontade de viver. 
 Bentham e Mill, embora adeptos da mesma teoria, avaliavam as ações 
de maneira diferente. Bentham defendia que o princípio da utilidade envolvia 
um aspecto quantitativo, tangente ao interesse da comunidade em alcançar o 
máximo na soma da felicidade de cada um dos indivíduos, sendo importante 
calcular a quantidade de dor e prazer objetivamente, para que se possa tomar 
a decisão mais justa e universalmente desejável. Em reação a Bentham, Mill 
acrescentou à utilidade um critério qualitativo do prazer, avaliando também a 
 21 
qualidade da felicidade aferida, incluindo aspectos como a espontaneidade, o 
cultivo mental e o auto-desenvolvimento (GODOI, 2017, p. 19). 
 O utilitarismo, assim, pode ser distinguindo em duas subcategorias: o 
normo-utilitarismo, atribuído majoritariamente à filosofia de Stuart Mill, e o ato-
utilitarismo, que seria defendido por Jeremy Bentham. 
 O ato-utilitarismo considera que, na avaliação de qual seria a melhor 
decisão a ser tomada, com base no princípio da utilidade, devem ser levadas 
em conta as conseqüências de nossas ações particulares, em casos 
específicos: 
Os ato-utilitaristas sustentam que, em geral, ou pelo menos 
quando praticável, deve-se decidir quanto ao que é certo ou 
obrigatório por apelo direto ao princípio da utilidade, isto é, tentando 
estabelecer qual das possíveis ações produzirá ou é de se esperar 
que produza no universo a maior porção de bem em relação ao mal. 
A pessoa deve perguntar: “Qual será o efeito de eu praticar este ato 
nesta situação, relativamente ao equilíbrio geral do bem em relação 
ao mal?”, e não “Qual o efeito de todos praticarem esta espécie de 
ato nesta espécie de situação, em relação ao equilíbrio em geral 
como referência ao mal?” (FRANKENA, 1975, p. 50). 
 
 O normo-utilitarismo, em contrapartida, entende que as conseqüências 
das atitudes que tomamos em geral, e não em situações específicas e 
isoladas, são as que devem ter maior relevância para se chegar à decisão mais 
adequada. Com essa concepção, Stuart Mill atribui relevância às regras na 
moral, e sustenta que devemos agir de forma específica conforme uma regra, e 
não buscando uma atitude particular que terá as melhores conseqüências 
(FRANKENA, 1975, p. 51). Assim, o normo-utilitarismo entende que devemos 
tomar atitudes com base em regras, e não juízos particulares, que possam 
suscitar o maior bem geral a todos. 
 No entanto, segundo Frankena (1975, p. 50), o estabelecimento de um 
padrão utilitarista para avaliação das ações nunca foi esclarecido. Assim, 
existia certa dificuldade em mensurar o bem e o mal, tanto considerando o 
normo-utilitarismo como o ato-utilitarismo, o que resultou em uma forte objeção 
a teoria. 
 Considerando o utilitarismo no uso dos animais em pesquisas e 
experimentos, devem ser adotadas posições que possibilitem a maximização 
da felicidade e a minimização do sofrimento do maior número de seres 
(AMORIM, 2012). Assim, na tomada de uma decisão, devem ser estabelecidas 
 22 
as conseqüências relacionadas a todas as opções possíveis, sendo escolhida 
aquela cuja soma das utilidades associadas é a maior. 
 Com posição filosófica semelhante, Peter Singer defende que aos 
animais devem ser reconhecidos direitos e o convívio digno com o ser humano, 
condenando o sofrimento animal independente de qual for a sua utilização. 
Acompanhando o raciocínio de Bentham, Singer invoca a senciência como o 
fator responsável pelo tratamento equiparado entre animais e seres não-
humanos. No entanto, diferentemente de seus antecessores, segundo os 
preceitos definidos em sua obra “Libertação Animal”, Singer traz o princípio da 
igual consideração de interesses, no qual os interesses de cada ser afetado por 
uma acao devem ser levados em conta e receber o mesmo peso que os 
interesses semelhantes de qualquer outro ser. E, nesse sentido, a capacidade 
de sofrer e de sentir prazer é um pré-requisito para um ser ter algum interesse 
(SINGER, 2010, págs. 9-13). 
 Assim, Singer busca um equilíbrio entre o que seria o uso indiscriminado 
dos seres não-humanos pelos seres humanos e a abolição de qualquer uso. 
Com isso, Singer entende que, em alguns casos, o uso dos animais pode 
ocorrer, mas desde que moralmente justificado, considerando que não são os 
animais meros instrumentos delicados, mas seres dotados de senciência e 
interesses próprios. E essa senciência, a capacidade de sentir dor, manifestada 
tanto em seres humanos como nos animais, deve ser considerada na avaliação 
das condutas. 
 A teoria da igual consideração de interesses defendida por Peter Singer 
o afasta do utilitarismo tradicional, trazendo a concepção do bem-estarismo 
animal. Diferentemente de Bentham e os demais utilitaristas, a filosofia bem-
estarista de Singer se encaixaria no queseria o utilitarismo preferencial. 
Segundo a vertente, para que se tenha uma ação moral, devem ser 
maximizadas as preferências individuais dos seres em questão, contanto que 
sejam sopesados de forma semelhante os interesses semelhantes dos sujeitos 
que serão atingidos pela ação, sempre se atentando ao bem-estar (CARDOSO; 
TRINDADE, 2012, págs. 7-8). 
 A tese do bem-estarismo entende que a livre utilização dos animais 
como meio para fins humanos é admissível, contanto que não sejam estes 
submetidos a práticas dolorosas em virtude da utilização. Com isso, devem ser 
 23 
empregados padrões de tratamentos que seriam considerados éticos ao lidar 
com animais, mas não sendo questionado o seu uso enquanto meios. Assim, o 
abate de um animal seria plenamente justificável se o animal tiver uma morte 
indolor e viver em condições relativamente tranquilas (CURY, 2010, p. 171). 
 Ao julgar o experimento que utilizará animais, e que, conseqüentemente, 
lhes infligirá dor e desconforto, Singer entende que deve ser sopesado o 
sofrimento com a garantia dos benefícios que este experimento promoverá. 
Esses benefícios, assim, devem ser superiores ao sofrimento para que a 
pesquisa possa ser uma ação moral. 
 Para Singer, além disso, as pesquisas não podem ser aprovadas 
quando não houver objetivos diretos e urgentes, e, sempre que possível, 
métodos alternativos ao uso de animais devem ser buscados. Ademais, a 
experimentação em animais, para o filósofo utilitarista, só pode ser justificada 
se a pesquisa for tão importante a ponto de ser também justificada a utilização 
de um ser humano com lesões cerebrais nas mesmas condições. 
 Com isso, no que tange aos experimentos, Singer invoca o princípio de 
Russell-Burch (1959), dos 3 Rs: replacement, reduction and refinement 
(substituição, redução e refinamento)3 no uso de animais. Tal teoria entende 
 
3 Os 3 Rs, explicado pela Comissão de Ética no Uso de Animais da Universidade Federal do 
Espírito Santo: 
 
Reduction (redução) 
- Estabelecimento de banco de dados, facilitação de acesso à literatura especializada e 
estímulo à publicação de resultados negativos; 
- Qualidade genética, sanitária e ambiental dos animais possibilita uma menor dispersão dos 
resultados, portanto diminuição do número de animais utilizados; 
- Planificação das experiências a fim de poder compartilhar os mesmos animais. 
 
Replacement (substituir) 
- Substituição de estudos em animais vertebrados vivos, por invertebrados, embriões de 
vertebrados ou microorganismos; 
- Trabalho com órgãos e tecidos isolados de animais; 
- Técnicas “in vitro” utilizando cultura de tecidos e células; 
- Sistemas físico-químicos mimetizantes de funções biológicas; 
- Simulação de processos fisiológicos utilizando computadores. 
 
Refinement (refinar) 
- Refinar os protocolos experimentais para minimizar a dor ou o estresse sempre que possível; 
- Obter treinamento adequado antes de executar qualquer experimento; 
- Usar técnicas apropriadas para o manuseio dos animais; 
- Assegurar que as dosagens das drogas estão corretas; 
- Identificar a dor ou o estresse e estabelecer procedimentos para prevenir ou aliviá-los; 
- Usar analgésicos e anestésicos apropriados para experimentos potencialmente dolorosos; 
- Realizar cirurgias de forma asséptica para evitar infecções; 
- Realizar uma única cirurgia por animal; 
 24 
que sempre deve existir uma reflexão para reduzir o número de animais em 
experimentos científicos, assim como a busca por métodos alternativos que 
substituam os animais e por procedimentos que diminuam a dor infligida aos 
animais submetidos aos experimentos. Assim, para Singer, existem alternativas 
de pesquisa que seriam mais válidas que o uso de animais e que podem ser 
desenvolvidas, evitando o sofrimento desnecessário dos seres não-humanos 
em nome do bem-estar do ser humano ou da ciência (BASTOS, 2018, p. 52). 
 O bem-estarismo é a corrente que hoje funciona como base para as 
indústrias e empresas relacionadas ao comércio de produtos de origem animal 
ou que realizam testes em animais. Para viabilizar seus projetos, os 
empreendimentos deste segmento utilizam-se das legislações de bem estar 
animal, as quais buscam um tratamento mais “humanitário” dos seres não-
humanos. Assim, os animais deixam de ser considerados como instrumentos 
para seres vistos como seres com vida própria. 
 
2.1.3. Abolicionismo 
 Apesar de trazerem certos avanços no que tange ao direito dos animais 
e à crueldade animal, como antes visto, as legislações atuais, pautadas no 
bem-estarismo, prevêem um tratamento mais “humanitário” que continua 
viabilizando a exploração dos animais. Ao mesmo tempo, contudo, continuam 
sendo os animais objetificados e utilizados como fonte de benefício financeiro e 
marketing publicitário inesgotável para os produtores (TRINDADE; NUNES, 
2012, p. 183). 
 Neste sentido, a perspectiva humanitária do uso dos animais proposta 
pelos ideais bem-estaristas seria incapaz de proporcionar uma qualidade de 
vida digna a eles: 
 [...] muitos filósofos, biólogos e juristas hodiernos questionam o 
atual ordenamento jurídico, devido ao fato de ele não conferir aos 
animais um status de co-participantes desta categoria essencial. Em 
conseqüência desse não-reconhecimento, fica a ele vedado acesso 
a uma gama de direitos que salvaguardariam suas integridades física 
e psíquica, e lhes proporcionariam uma vida naturalmente 
respeitável. (CURY, 2010, p. 162). 
 
 
- Estabelecer cuidados pós-cirúrgicos adequados. 
 
 25 
 Assim, segue-se a terceira teoria, defendida pelo filósofo e grande 
teórico do movimento em prol dos direitos dos animais Tom Regan: o 
abolicionismo. 
 Os abolicionistas sustentam que nenhuma prática poderia ser 
considerada ética ao utilizar animais vivos em experimentos científicos que 
provoquem dor e sofrimento. Regan (2006, p. 217) firma, nesse sentido, que os 
animais submetidos à experimentação são prejudicados sem que haja previsão 
de qualquer benefício a eles, existindo somente a intenção de obter 
informações que proporcionem benefícios a outros. 
 Tratando dos direitos humanos, Regan adentra o espectro dos direitos 
morais, que são os mesmos para todo ser humano, independentemente de 
nossas diferenças, pois somos iguais em aspectos relevantes, quais sejam, os 
direitos à vida, à integridade física e à liberdade. Regan define os seres 
humanos como “sujeitos-de-uma-vida”, pois, apesar de possuírem 
características diversas, ao tratar da igualdade moral fundamental estas 
diferenças não são relevantes: 
 Do ponto de vista moral, cada um de nós é igual porque cada 
um de nós é igualmente "um alguém", não uma coisa; o sujeito-de-
uma-vida, não uma vida sem sujeito (REGAN, 2006, p. 62) 
 
 Os direitos morais envolvem duas proibições essenciais à proteção 
destes aspectos: os outros não são moralmente livres para nos causar mal e 
também não o são para interferir na nossa livre escolha. A limitação moral da 
liberdade dos outros é o que permite proteger a dignidade do ser humano. O 
respeito pelos direitos humanos, aqui, prevalece sobre qualquer consideração. 
Assim, não há “bons fins” que justifiquem o emprego de “maus meios”, ou 
benefícios de muitos que justifiquem a violação do direito de poucos (REGAN, 
2006, p. 49). Regan ressalta que, contudo, o agir em autodefesa contra um 
agressor não se caracteriza como uma permissão para prejudicar aqueles que 
nada fizeram de errado a nós, mas, tão somente, a ação dentro de nossos 
direitos. 
 Ao tratar acerca do direito dos animais, e tecendo suas considerações 
que envolvem a corrente abolicionista, Regan traz o seguinte questionamento: 
se seriam os animais considerados “sujeitos-de-uma-vida”, tal como os seres 
humanos. Para responder à pergunta, Regan traz, inicialmente, que, assim 
 26 
como nós, os animais são criaturas psicológicas complexas, conscientes do 
que lhes acontece, e que possuem necessidades,memórias e frustrações. 
 Regan dispõe que os animais não-humanos possuem comportamentos, 
às vezes, similares aos nossos, em situações semelhantes, que nós 
identificamos ao inferir que a experiência deles é parecida com a nossa. Além 
disso, seus corpos são, em diversos aspectos, similares aos nossos, a exemplo 
de possuirmos, ao comparar com várias espécies, os mesmos sentidos e 
elementos anatômicos comuns. Ademais, Regan invoca os ensinamentos 
evolucionistas de Charles Darwin acerca das capacidades da mente dos seres 
humanos e dos animais. Citando Darwin, percebe-se que a capacidade mental 
dos humanos é em muito similar com a dos animais, os quais, além de prazer e 
dor, podem sentir ansiedade, desespero, amor e outros sentimentos que 
acreditariam ser exclusivos dos humanos. 
 Como conclusão, estando dispostos os fatores acima, Regan coloca que 
“o senso comum e o significado das palavras na nossa linguagem comum 
sustentam a resposta afirmativa” para a questão de os animais serem também 
“sujeitos-de-uma-vida.” 
 Os comportamentos comuns entre nós, assim como nossas 
estruturas anatômicas comuns, sustentam essa resposta. Nossos 
sistemas neurológicos comuns e considerações sobre nossas 
origens comuns, seja através da evolução, seja como uma criação 
separada de Deus, sustentam essa resposta. Se olharmos a questão 
"com olhos imparciais", veremos um mundo transbordante de 
animais que são não apenas nossos parentes biológicos, como 
também nossos semelhantes psicológicos. Como nós, esses animais 
estão no mundo, conscientes do mundo e conscientes do que 
acontece com eles. E, como ocorre conosco, o que acontece com 
esses animais é importante para eles, quer alguém mais se 
preocupe com isto ou não. A despeito de nossas muitas diferenças, 
os seres humanos e os outros mamíferos são idênticos neste 
aspecto fundamental, crucial: nós e eles somos sujeitos-de-uma-
vida. (REGAN, 2005, p. 72) 
 
 Assim, sendo os animais sujeitos-de-uma-vida, há uma equiparação com 
os seres humanos, tendo em vista a autoconsciência e a senciência que ambos 
compartilham. Deste modo, deve-se reconhecer os direitos desses animais. 
Para Regan, com isso, a utilização dos animais pelos seres humanos constitui 
a quebra de um dever moral, uma vez que existem os seus direitos morais. O 
abolicionismo, portanto, considera que toda a exploração animal é algo que 
precisa ser encerrado, e não ficar mais “humanitário” como assim pretendem 
as correntes bem-estaristas. Para acabar com essa exploração, Regan 
 27 
defende que nós, como seres humanos, temos o dever de intervir e nos 
manifestar em defesa dos animais, prestando assistência a estas vítimas, já 
que lhes falta capacidade de agir pelos seus direitos. 
 Contrapondo o especismo e até mesmo o bem-estarismo, assim, o 
abolicionismo defende que a espécie a qual os seres pertencem não é 
relevante para as discussões referentes à moralidade. Para Regan, a limitação 
de direitos fundada no pertencimento a uma espécie, moralmente, constituiria 
um preconceito tal como o racismo ou o sexismo. Portanto, sendo sujeitos-de-
uma-vida como os seres humanos, os animais também são dignos de direitos, 
incluindo o direito a serem tratados com o devido respeito, o que implica a 
abstinência de qualquer uso dos animais para fins humanos, como a 
experimentação. 
 
3. Os animais e a experimentação sob a ótica do Direito nacional 
Pode-se dizer que a legislação brasileira encontra-se avançada no que 
diz respeito ao direito animal, alavancando o processo de inclusão dos animais 
na comunidade moral. Vale dizer que a positivação exerce papel 
importantíssimo no que tange à inclusão moral dos sujeitos na comunidade, 
pois, em razão da vertente legal do Direito, quem possui direitos faz com que 
sejam gerados deveres a serem cumpridos pelo outro, à luz da inerente 
coercibilidade. 
E esse processo de inclusão, foi muito bem observado na história, 
contribuindo principalmente para a inclusão dos negros, das mulheres e 
também da população deficiente na sociedade. A título de exemplo, com o 
advento do Código Civil de 2002, as pessoas com deficiência deixaram de ser 
consideradas absolutamente incapazes para exercer atividades da vida civil. 
Assim, a força coercitiva do Direito requalifica os sujeitos, e neles incluídos os 
animais, conferindo a eles a prerrogativa de participar da comunidade moral, o 
que os movimentos em prol dos animais não conseguiriam garantir sozinhos. E 
nesse ponto também se manifesta a vertente moral do Direito, a qual manifesta 
maior preocupação com os ideais da justiça: 
 
O direito moral é aquele que se preocupa com o que é justo 
e o injusto, certo ou errado. Aqui, pode ser entendido como uma 
justiça socioambiental planetária. Exercendo assim uma reta conduta 
herdade de tradições religiosas como de Buda, Moisés e Jesus. O 
 28 
conceito de direito ultrapassa o âmbito da ciência jurídica para ser 
discutido sob o ponto de vista filosófico. (SOUZA, 2010, p. 6). 
 
 Sob essa perspectiva moral, a proteção aos animais ganhou status 
constitucional com o diploma de 1988, que acolheu os direitos de terceira 
geração, ligados aos valores de solidariedade ou fraternidade, direcionados a 
preservação da qualidade de vida. O artigo 225 da Constituição Federal 
assegura o direito ao meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, 
implicando no dever do Poder Público de promover a sua proteção, junto à 
população. 
O meio ambiente, nos termos do inciso I do art. 3º, da Política Nacional 
do Meio Ambiente4, é o “conjunto de condições, leis, influências e interações de 
ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas 
as suas formas”, o que envolve o natural, artificial, cultural e também o 
trabalho. No que tange ao meio ambiente natural, este é constituído pela flora, 
pela atmosfera, pela biosfera e, portanto, também pela fauna, estando de fato 
tutelado pelo §1º, incisos I, III e IV do art. 225 da Constituição. Assim, torna-se 
dever, também, o amparo aos animais, em prol do meio ambiente 
ecologicamente equilibrado. 
Com isso, pode-se afirmar que são afastados do ordenamento brasileiro 
vigente os ideais puramente antropocentristas. De acordo com a Constituição, 
assim, é reconhecida a senciência dos animais, sendo expressamente vetadas 
quaisquer práticas que promovam a crueldade. Ainda, reconhece-se a 
importância da fauna para o equilíbrio dos ecossistemas ao vedar também as 
acoes que impliquem no risco à sua função ecológica ou que induzam a sua 
extinção. 
Além da Constituição, a legislação brasileira ordinária também articula o 
tratamento que o homem deve ter perante os animais, estabelecendo limites 
aos maus-tratos, considerando que são eles também seres capazes de sentir 
dor e sofrimento. Ao mesmo tempo, a lei também regulamenta os métodos de 
manejo no que tange ao uso de animais em pesquisas, o que traz à tona os 
órgãos criados com o objetivo de avaliar os experimentos e seus danos, a 
exemplo do Conselho Nacional do Controle de Experimentação Animal 
(CONCEA), que integra o Ministério da Ciência e Tecnologia. 
 
4 Lei Federal nº 6.938/1981 
 29 
 
3.1. Os animais e o direito internacional 
 Hoje, o direito dos animais não encontra amparo em uma norma ou 
conjunto de dispositivos de caráter sólido, imperativo e dotado de força 
coercitiva no plano internacional. No entanto, o documento mais notável no que 
tange à proteção dos animais em caráter internacional é a Declaração 
Universal do Direito dos Animais, redigida em 1978. A Declaração fora 
apresentada à Organização das Naçoes Unidas para Educação, Ciência e 
Cultura (UNESCO) por ativistas da causa animal, liderados pelo cientista 
Georges Heuse, como uma proposta para criação de normas jurídicas de 
proteção ao direito dos animais aos países-membros da ONU. 
 Diversos autores, constantemente, disseminam a informação de que a 
Declaraçãoteria sido proclamada pela UNESCO e que o Brasil seria signatário 
da mesma. Entretanto, não há qualquer registro formal da mesma nos sites da 
UNESCO ou da ONU, sendo suscitadas diversas dúvidas (PORTO; 
PACCAGNELLA, 2017, p. 2). 
 Não obstante, analisando os dispositivos consoantes da referida 
declaração, é possível observar que se trata de uma tentativa altamente 
articulada para elevar os animais ao patamar de sujeito de direitos. Logo em 
seu artigo 1, resta explicitado que “todos os animais nascem iguais diante da 
vida e têm o mesmo direito à existência.”, sendo em seguida garantido aos 
animais, pelo artigo 2, o direito ao respeito, bem como o “direito à 
consideração, à cura e à proteção do homem”. Assim, a Declaração parece 
alinhar-se às perspectivas mais promissoras para a criação e desenvolvimento 
de um direito dos animais uniforme internacionalmente. 
 Caminhando para os próximos artigos, a Declaração ainda veda que os 
animais sejam submetidos a quaisquer práticas cruéis ou maus-tratos e que 
sejam privados de sua liberdade, quando de espécies selvagens - mesmo que 
para fins educativos -, tendo o direito de viver justamente segundo o ritmo e 
condições de vida e liberdade próprias de sua espécie. 
 Um ponto interessante do diploma, e que apresenta uma outra filosofia 
referente ao direito dos animais, diz respeito ao artigo 9. O dispositivo em 
apreço, seguindo a tendência de evitar o sofrimento, a exploração e a morte 
desnecessária dos animais, busca proibir que sejam eles criados para 
 30 
alimentação, que sejam nutridos, alojados, transportados e abatidos, sem que 
para eles haja ansiedade ou dor. A princípio, é possível verificar a interferência 
da ética vegana e vegetariana na elaboração do dispositivo, visto que ambos 
os estilos de vida, adotados por milhões de seres humanos ao redor do mundo 
e que estão em constante crescimento de adesões, promovem o fim do 
consumo de alimentos de origem animal, à vista do intenso sofrimento e maus-
tratos aos quais os animais de produção são submetidos ao longo de suas 
vidas, dentro dos criadouros industriais. 
 Não obstante, o artigo 8 da Declaração traz expressamente a proibição à 
experimentação animal, pois implica em extremo sofrimento físico, sendo 
“incompatível com os direitos do animal, quer seja uma experiência médica, 
científica, comercial ou qualquer outra.”. Ainda, no mesmo artigo, a Declaração 
propõe que técnicas substitutivas devem ser utilizadas e desenvolvidas pelo 
homem, de forma a encerrar a dor que é diariamente provocada aos animais 
em laboratórios e universidades. 
 Diante disso, é possível afirmar que a Declaração Internacional dos 
Direitos dos Animais, apesar de desprovida de força normativa, é um diploma 
bastante sofisticado no que diz respeito ao direito dos animais, à medida que 
atribui a eles não só o posto de sujeito de direitos, mas que também impõe a 
cessação de toda e qualquer exploração que implique desconforto, a privação 
de liberdade e sofrimento ao animal. Assim, a Declaração, de tal modo, 
absorve os ideais abolicionistas pregados por Tom Regan, procurando eliminar 
o uso dos animais pelo ser humano como um objeto, mesmo diante das 
supostas necessidades que são defendidas pelos teóricos bem-estaristas e 
especistas. 
 A despeito da Declaração, em 1973 já havia sido firmada, em 
Washington, nos Estados Unidos, a Convenção sobre Comércio Internacional 
das Espécies da Flora e da Fauna Selvagens em Perigo de Extinção (CITES), 
aprovada no Brasil pelo Decreto Legislativo nº 54 e promulgada pelo Decreto nº 
76.623/75. Não obstante, a sua vigência internacional iniciou-se em 01 de julho 
de 1975 e conta com a adesão de 181 partes, sendo caracterizada como uma 
convenção com potencial aplicação global, que atraiu um elevado número de 
vinculações e que regula uma área problemática de forma duradoura (SANDS, 
Philippe; PEEL, Jacqueline, 2012, p. 97 apud NEVES, 2016, p. 72). 
 31 
 Como o próprio nome diz, a Convenção objetivava regulamentar o 
comércio internacional das espécies ameaçadas de extinção, evitando que 
fossem elas colocadas em risco de sobrevivência, prevendo a possibilidade de 
comércio apenas em situações excepcionais, mediante autorização dos órgãos 
e entidades competentes. A Convenção, ainda, busca coibir uma atividade 
ilícita que movimenta milhões de dólares a cada ano, perdendo apenas para o 
comércio de armas e drogas, que é o tráfico de animais (GRANZIERA, 2015, p. 
206). 
 A sua celebração traduziu o reconhecimento de que a intervenção 
internacional é essencial para controlar e regular o comércio internacional de 
espécies ameaçadas de extinção, tendo em vista a sua sobrevivência a longo 
prazo. Nesse sentido, assumiu-se a necessidade e possibilidade de uma 
intervenção precaucional transnacional, à luz das listas que compõem os 
anexos do texto da CITES, as quais elencam as espécies consideradas em 
perigo de extinção. Essa intervenção se funda nas alterações já feitas aos 
anexos, incluindo novas espécies ou os modificando, buscando basear-se na 
melhor informação disponível, tanto do ponto de vista das avaliações científicas 
biológicas, quanto dos impactos atuais ou futuros do comércio (NEVES, 2016, 
p. 75). 
 Ressalta-se que o objetivo principal da CITES centra-se na proteção 
mais completa de determinadas espécies de fauna e flora selvagens, contra a 
exploração excessiva do comércio internacional, além da conservação destas 
populações alinhada ao seu uso sustentável, de forma a promover a redução 
significativa da taxa de perda de biodiversidade. Não obstante, ressalta-se que 
a referida Convenção, ainda, apresenta uma regulação internacional 
pretendidamente evolutiva, cientificamente informada, participada, parcialmente 
descentralizada e cooperativa, representando um esforço coletivo das nações 
diante da manifesta necessidade que temos de proteger os animais e a flora 
selvagens, já que tão importantes para a manutenção do equilíbrio dos 
ecossistemas (NEVES, 2016, págs. 76-79). 
 
3.2. A proteção jurídica dos animais no ordenamento brasileiro 
A relação dos animais com os seres humanos, quando se trata da 
legislação brasileira, apresenta aspectos ambíguos e também um tanto 
 32 
contraditórios. Em certos momentos é possível abrir discussões acerca dos 
direitos dos animais, levantando seguramente aspectos como a senciência e a 
não crueldade. No entanto, em outros momentos, os seres não humanos são 
reduzidos à mera condição de bens, não sendo considerada a sua 
sensibilidade. 
O Código de Posturas de 1886, do município de São Paulo, foi o 
primeiro marco no ordenamento que garantiu proteção aos animais, buscando 
coibir o abuso e a crueldade. Pelo seu artigo 220, os cocheiros e condutores de 
carroça estavam proibidos de praticarem castigos bárbaros e imoderados 
contra os animais, sob pena de multa. 
Décadas depois, em 1934, surgia o Decreto-Lei nº 24.645, primeiro 
estatuto geral de proteção dos animais no Brasil, com status jurídico de Lei, 
estabelecendo logo em seu art. 1º que “Todos os animais existentes no país 
são tutelados do Estado”, sendo os animais abrangidos pela Lei todo ser 
irracional, quadrúpede ou bípede, doméstico ou selvagem, exceto os 
daninhos5. O diploma foi revogado por Decreto em 1992, à época do 
Presidente Collor, mas, pelo seu status jurídico, não poderia esta espécie 
normativa revogá-lo, já que uma lei só pode ser revogada por outra lei, o que 
gera diversas controvérsias. 
O Decreto, também, criou o crime de maus-tratos contra os animais. 
Assim, passaram a ser condenadas práticas reprováveis como o abandono; a 
submissão de animais à trabalhos excessivos ou superiores às suas forças; e o 
transporte sem as proporções necessárias ao seu tamanho6, as quais eram 
punidas através de multa, confisco do animal e, até mesmo, prisão. 
 
5 Art. 17. A palavra animal, da presente Lei, compreendetodo ser irracional, quadrúpede ou 
bípede, doméstico ou selvagem, exceto os daninhos. 
 
6 Art. 3º Consideram-se maus tratos: 
I - praticar ato de abuso ou crueldade em qualquer animal; 
II - manter animais em lugares anti-higiênicos ou que lhes impeçam a respiração, o movimento 
ou o descanso, ou os privem de ar ou luz; 
III - obrigar animais a trabalhos excessívos ou superiores ás suas fôrças e a todo ato que 
resulte em sofrimento para deles obter esforços que, razoavelmente, não se lhes possam exigir 
senão com castigo; 
IV - golpear, ferir ou mutilar, voluntariamente, qualquer órgão ou tecido de economia, exceto a 
castração, só para animais domésticos, ou operações outras praticadas em beneficio exclusivo 
do animal e as exigidas para defesa do homem, ou no interêsse da ciência; 
V - abandonar animal doente, ferido, extenuado ou mutilado, bem coma deixar de ministrar-lhe 
tudo o que humanitariamente se lhe possa prover, inclusive assistência veterinária; 
 33 
Não obstante, o Decreto 24.645/34 trouxe a possibilidade de os animais 
ingressarem em juízo para defender seus direitos, conferindo verdadeira tutela 
jurisdicional, sendo representados pelo Ministério Público, seus substitutos 
 
VI - não dar morte rápida, livre de sofrimentos prolongados, a todo animal cujo exterminio seja 
necessário, parar consumo ou não; 
VII - abater para o consumo ou fazer trabalhar os animais em período adiantado de gestação; 
VIII - atrelar, no mesmo veículo, instrumento agrícola ou industrial, bovinos com equinos, com 
muares ou com asininos, sendo somente permitido o trabalho etc conjunto a animais da 
mesma espécie; 
IX - atrelar animais a veículos sem os apetrechos indispensáveis, como sejam balancins, 
ganchos e lanças ou com arreios incompletos incomodas ou em mau estado, ou com 
acréscimo de acessórios que os molestem ou lhes perturbem o funcionamento do organismo; 
X - utilizar, em serviço, animal cego, ferido, enfermo, fraco, extenuado ou desferrado, sendo 
que êste último caso somente se aplica a localidade com ruas calçadas; 
Xl - açoitar, golpear ou castigar por qualquer forma um animal caído sob o veiculo ou com ele, 
devendo o condutor desprendê-lo do tiro para levantar-se; 
XII - descer ladeiras com veículos de tração animal sem utilização das respectivas travas, cujo 
uso é obrigatório; 
XIII - deixar de revestir com couro ou material com identica qualidade de proteção as correntes 
atreladas aos animais de tiro; 
XIV - conduzir veículo de terão animal, dirigido por condutor sentado, sem que o mesmo tenha 
bolaé fixa e arreios apropriados, com tesouras, pontas de guia e retranca; 
XV - prender animais atraz dos veículos ou atados ás caudas de outros; 
XVI - fazer viajar um animal a pé, mais de 10 quilômetros, sem lhe dar descanso, ou trabalhar 
mais de 6 horas continuas sem lhe dar água e alimento; 
XVII - conservar animais embarcados por mais da 12 horas, sem água e alimento, devendo as 
emprêsas de transportes providenciar, saibro as necessárias modificações no seu material, 
dentro de 12 mêses a partir da publicação desta lei; 
XVIII - conduzir animais, por qualquer meio de locomoção, colocados de cabeça para baixo, de 
mãos ou pés atados, ou de qualquer outro modo que lhes produza sofrimento; 
XIX - transportar animais em cestos, gaiolas ou veículos sem as proporções necessárias ao 
seu tamanho e número de cabeças, e sem que o meio de condução em que estão encerrados 
esteja protegido por uma rêde metálica ou idêntica que impeça a saída de qualquer membro da 
animal; 
XX - encerrar em curral ou outros lugares animais em úmero tal que não lhes seja possível 
moverem-se livremente, ou deixá-los sem água e alimento mais de 12 horas; 
XXI - deixar sem ordenhar as vacas por mais de 24 horas, quando utilizadas na explorado do 
leite; 
XXII - ter animais encerrados juntamente com outros que os aterrorizem ou molestem; 
XXIII - ter animais destinados á venda em locais que não reunam as condições de higiene e 
comodidades relativas; 
XXIV - expor, nos mercados e outros locais de venda, por mais de 12 horas, aves em gaiolas; 
sem que se faca nestas a devida limpeza e renovação de água e alimento; 
XXV - engordar aves mecanicamente; 
XXVI - despelar ou depenar animais vivos ou entregá-los vivos á alimentação de outros; 
XXVII. - ministrar ensino a animais com maus tratos físicos; 
XXVIII - exercitar tiro ao alvo sobre patos ou qualquer animal selvagem exceto sobre os 
pombos, nas sociedades, clubes de caça, inscritos no Serviço de Caça e Pesca; 
XXIX - realizar ou promover lutas entre animais da mesma espécie ou de espécie diferente, 
touradas e simulacros de touradas, ainda mesmo em lugar privado; 
XXX - arrojar aves e outros animais nas casas de espetáculo e exibi-los, para tirar sortes ou 
realizar acrobacias; 
XXXI transportar, negociar ou cair, em qualquer época do ano, aves insetívoras, pássaros 
canoros, beija-flores e outras aves de pequeno porte, exceção feita das autorizares Para fins 
científicos, consignadas em lei anterior; 
 
 34 
legais e pelos membros das sociedades protetoras dos animais7. Portanto, 
pode-se inferir que com o presente diploma, os animais teriam ganho status 
jurídico de sujeito, já que poderiam ir à justiça para defesa de seus direitos. 
Vale lembrar também que quem participa da comunidade moral são 
efetivamente os sujeitos, e não objetos. 
Mas foi com a constitucionalização do direito ao meio ambiente 
ecologicamente equilibrado, em 1988, que os animais ganharam maior âmbito 
de proteção, diante de um cenário de mudança dos paradigmas 
antropocêntricos, à luz de uma nova experiência pós-humanista à época, com 
os Direitos Fundamentais de 3ª geração. 
O art. 225, introduzido pela Emenda Constitucional de Revisão, confia 
ao Poder Público o dever de tutelar a fauna e a flora, tendo em vista a 
necessidade do equilíbrio entre todos os elos do meio ambiente, com o escopo 
de garantir um ecossistema balanceado e saudável: 
 
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente 
equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia 
qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o 
dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras 
gerações. 
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao 
Poder Público: 
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as 
práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a 
extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade. 
 
A referida proteção, como dever geral, independe da legislação 
infraconstitucional, mas as vedações expressas no dispositivo - colocar em 
risco sua função ecológica, provocar a extinção e submeter à crueldade - terão 
sua maior eficácia “na forma da lei”. À vista disso, a Constituição Federal 
determinou que estão vedadas as práticas que submetam os animais a 
crueldade. A crueldade pode ser concebida como a insensibilidade, que enseja 
ter indiferença ou prazer com o sofrimento alheio. Assim, ao impedir que os 
animais sejam alvo de práticas cruéis, a Constituição impõe que eles devem ter 
sua vida respeitada. Com isso, infere-se que o ordenamento brasileiro 
reconhece a preservação da vida animal como tarefa constitucional do Poder 
Público (MACHADO, 2016, p. 986). 
 
7 Art. 2º, §3º. Os animais serão assistidos em juízo pelos representantes do Ministério Público, 
seus substitutos legais e pelos membros das sociedades protetoras dos animais. 
 35 
Diante da proteção constitucional, houve o advento da Lei 9.605 de 
1998, que diz respeito aos crimes ambientais, incluindo a tipificação dos crimes 
contra a fauna. Os atentados contra a fauna anteriormente estavam previstos 
na Lei 5.197/67, o Código de Caça, e também no Decreto-Lei 221/67, o Código 
de Pesca, sendo consolidados nos arts. 29 a 37 da Lei 9.605/98. 
O art. 32 da Lei, mais especificamente, proíbe a prática de atos abusivos 
e cruéis aos animais, tanto silvestres quanto domésticos e domesticados e, 
ainda, o

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