Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
João B. Cintra Ribas O QUE SÃO PESSOAS DEFICIENTES Editora Brasiliense – 1985 São Paulo ÍNDICE - O deficiente e sua imagem... 7 - Os meandros da deficiência... 25 - As pessoas deficientes nos bastidores... 50 - Pessoas deficientes: relações econômicas e políticas... 80 - Indicações para leitura... 89 Para meus Pais Fábio meu irmão, Maria Helena Villas Boas Concone, Ana Rita de Paula: não sei o que eu faria sem as ideias, a abertura intelectual e o carinho de Vocês. É que Narciso acha feio O que não é espelho E a mente apavora O que ainda não é mesmo velho. Caetano Veloso O DEFICIENTE E SUA IMAGEM Escrever sobre pessoas deficientes é muito mais difícil e complexo do que poderia parecer. Um dos problemas sérios reside no fato de que qualquer "noção" ou "definição" de deficiência implica uma imagem que nós fazemos das pessoas deficientes. Sempre que usamos palavras do tipo "excepcional", "cego", "surdo", "inválido", "louco", "aleijado", "anormal" etc., temos em mente uma concepção daquilo que estas palavras querem dizer. Apesar de quase sempre as usarmos de forma indiscriminada, sem muita preocupação, elas sempre têm algum significado para nós. As palavras são expressões verbais criadas a partir de uma imagem que a nossa mente constrói. Digamos, então, que alguém pergunte a você o que são pessoas deficientes. Qual seria a sua resposta? Pense um Pouco. Todos nós, deficientes ou não, somos capazes de imaginar. A pessoa que agora esta em sua mente se adequa a um dos "conceitos" mencionados no Parágrafo anterior? Vale dizer: a pessoa que você imaginou tem as características de um "cego", de um "demente", ou de um "paralítico" com todas as pessoas possíveis ideias que se podem fazer a respeito dessas palavras? Para ficar mais claro vou dar alguns exemplos: Digamos que você tenha pensado num cego como aquele bilheteiro malvestido que ganha muito pouco vendendo a sorte grande. Se você não pensou nesta pessoa, digamos que você tenha pensado em alguém que não era deficiente, se acidentou num desastre de automóvel, foi para uma cadeira de rodas, se tornou, portanto, um deficiente físico e agora se recusa a sair de casa. Mas, se Você não pensou ainda nesta pessoa, digamos que Você tenha pensado num paraplégico dinâmico, que acorda cedo, trabalha, estuda, passeia e dorme tarde. Ou, então, naquela pessoa "normal" que você conhecia e que, de repente, não se sabe bem por que, desandou a ficar louca, e agora é considerada um deficiente ou doente mental. Todas estas imagens em mente estão, sem dúvida, permeadas por uma concepção de deficiência. Mais que isso, esta concepção implica que estamos situando o deficiente em relação àquilo que também imaginamos ser a sua própria vida. Quando falo naquela pessoa que se acidentou no desastre e agora se recusa a sair de casa, paralelamente eu faço uma comparação em minha mente de como acredito que era a vida dela antes e depois do acidente. Eu não a penso apenas como um homem ou uma mulher portadora de deficiência. Eu a penso segundo uma interpretação que me leva a construir imagens. Seja conhecendo alguma pessoa deficiente, seja por meio de relatos de pessoas ligadas, seja ainda com base em mensagens veiculadas ou artigos publicados pelos meios de comunicação, o importante a reter é que quando chamamos as pessoas deficientes de "inválidos", insanos", "ceguinhos" ou "portadores de handicap", estamos sempre pensando naquela imagem construída e impressa em nossa mente. A partir da década de 70, muita gente, principalmente fora de nosso País, começou a pensar que estes "termos" ou "definições" não davam conta da realidade total e concretadas pessoas deficientes. Poderiam ser termos equivocados. Ou poderiam ser conceitos enviesados por concepções ideológicas. Ou poderiam simplesmente ser palavras mal- acabadas que tenderiam a fragmentar a imagem dos deficientes. Um pouco com o intuito de tentar precisar Nações Unidas se manifestaram em favor de lançar mundialmente o termo "pessoas deficientes". Surgiu a Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes, aprovada pela Assembleia Geral da ONU, em 9 de dezembro de 1975, que proclama em seu artigo 1: "O termo 'pessoas deficientes' refere-se a qualquer pessoa incapaz de assegurar por si mesma, total ou parcialmente, as necessidades de uma vida individual ou social normal, em decorrência de uma deficiência congênita ou não, em suas capacidades físicas ou mentais". Por outro lado, a Organização Mundial de Saúde publicou em 1980 uma Classificação Internacional dos Casos de: 1) Impedimento (na tradução do inglês impediment), 2) Deficiência. (disability) e 3) Incapacidade (handicap). O impedimento diz respeito a uma alteração (dano ou lesão) psicológica, fisiológica ou anatômica em um órgão estrutura do corpo humano. A deficiência está ligada a possíveis sequelas que restringiriam a execução de uma atividade. A incapacidade diz respeito aos obstáculos encontrados pelos deficientes em sua interação com a sociedade, levando-se em conta a idade, sexo, fatores sociais e culturais. A Declaração e a nova terminologia, tentando colocar fim à ambiguidade que os antigos "termos" suscitam, tentam também, ao que parece, precisar melhor quem é ou não é deficiente, a fim de apagar uma eventual imagem deturpada. Afinal melhor os "termos" - e consequentemente as imagens -, alguns órgãos da Organização das a imagem estereotipada de uma pessoa cega, surda, paraplégica ou até deficiente mental faz dela uma pessoa deficiente? Resposta: não. No entanto, me parece que a ONU e a OMS, apontando seu foco para as pessoas deficientes, diagnosticando suas deficiências, e designando quem é ou não é deficiente, não chegam efetivamente a aclarar as imagens. Ao centralizar o foco nas pessoas e nas deficiências, a ONU e a OMS deixam de apontá-lo para a razão da obscuridade, qual seja a própria imagem que todos nós temos das pessoas deficientes. Eu não sei se a nossa imagem muda significativamente ao sabermos que tal pessoa não é "incapacitada", mas apenas deficiente". Acredito que a imagem não mude substancialmente a não ser quando trabalhada em si mesma. Se entrarmos por este caminho, surgirá ainda a seguinte pergunta: mesmo com a tentativa de "definição" por parte da Organização Mundial de Saúde (que tenta responder a estas questões), a rigor, grande parte de todos nós não é em maior ou menor grau deficiente? Afinal, muitos de nós são portadores de algum tipo de lesão, são míopes, diabéticos, hipertensos, têm altura ou peso não considerados adequados, possuem algum tipo de disfunção orgânica etc. Existem ainda pessoas que necessitam extrair um órgão ou uma parte do corpo: é o caso, por exemplo, das mulheres que precisam fazer a mastectomia (extração cirúrgica de um ou dos dois seios). Neste sentido, quando falamos de pessoas deficientes, podemos relativizar a este ponto? Até hoje este assunto não está fechado. Mas eu não sei se não seria perda de tempo se deter muito nele. Pois, se nos ativermos somente às pessoas isoladas nos esquecemos de que elas fazem Parte do mundo. Na nossa Sociedade, mesmo que a ONU e a OMS tenham tentado eliminar a incoerência dos "conceitos", a palavra "deficiente" tem um significado muito forte. De certo modo ela se opõe à palavra "eficiente". Ser "deficiente", antes de tudo, é não ser "capaz", não ser "eficaz". Pode até ser que, conhecendo melhor a pessoa, venhamos a perceber que ela não é tão "deficiente" assim. Mas, até lá, até segunda ordem o "deficiente" é o” não eficiente”. Assim é que em qualquer sociedade existem valores Culturais que se consubstanciam no modo como a sociedade está organiza. São valores que se refletem imediatamente no pensamento e nas imagens dos homens, e norteiam as suas ações. São valoresque terminam por se refletir nas palavras com que os homens se exprimem. Assim sendo, em todas as sociedades a palavra "deficiente” adquire um valor Cultural segundo padrões, regras e normas estabelecidos no bojo de suas relações sociais. A realidade natural é diversa: nós homens não somos fisicamente todos iguais. E claro que fazemos parte da mesma espécie, mas cada um de nós tem altura diferente, cor de pele e de olhos diferentes, peso diferente etc. Somos todos homens, porém diversos. Fisicamente temos, portanto, características diferentes uns dos outros. As pessoas deficientes talvez sejam um pouco mais diferentes, já que podem possuir sinais ou sequelas mais notáveis. Mas a realidade social também é diversa: nós homens não somos também socialmente todos iguais. Acontece, todavia, que não podemos meramente transpor a realidade natural para a realidade social. Não é porque os homens são naturalmente diferentes entre si que devem ser socialmente diferentes. O fato de os homens se relacionarem quantitativa e qualitativamente diferente no plano social é uma construção sociocultural. E uma diferença que não nasce da Natureza: nós homens a construímos. Vivemos, assim, em sociedades em que os homens são socialmente desiguais. São sociedades problemáticas, com profundas divisões entre classes sociais. Muito mais crítica do que a divisão entre deficientes e não deficientes, a divisão estrutural entre classes permeia todas as demais divisões. Se a sociedade está dividida pela base entre ricos e pobres, empresários e trabalhadores assalariados, e, por extensão, ideologicamente, entre superiores e inferiores, melhores e piores, estas divisões vão acabar por permear todas as outras. Nesta medida, não se trata também de querermos nos convencer que todas as pessoas são socialmente iguais. Muitos dizem que, "no fundo, somos todos iguais". Alguns profissionais chegam a dizer que "pessoas deficientes e não deficientes são iguais perante a sociedade". Não, não são. Todos são de fato diferentes socialmente. São diferentes socialmente porque construíram e foram construídos neste mecanismo de relações sociais que os diferenciam. Entretanto, não é nessa realidade social dividida que pensamos viver. Não é nessa sociedade fraturada entre homens que dizemos pertencer. A realidade se nos apresenta como um todo que deve ser organizado, homogêneo, em ordem, e em que cada homem deve ser solidário um com o outro. Pode ser que neste ou naquele momento a sociedade não esteja neste pé de equilíbrio. Este pode ser um momento de transição que tenderá a de novo se organizar. Para, além disso, sempre nos é colocado que a sociedade deve ser um corpo estruturado, o qual tem órgãos, sendo que cada órgão tem uma função social muito precisa. Trata-se de pensarmos a nossa realidade social de um ponto de vista fisiológico, como um corpo humano, com órgãos que se relacionam entre si numa estruturação que deve trazer o equilíbrio e a harmonia para este corpo. Assim sendo, para que não se quebre o equilíbrio, não pode haver "órgãos estragados" ou em mau funcionamento. Um corpo com órgãos "deficientes" não é um "corpo social" bem-estruturado e em ordem. Desta forma, não é toda a sociedade que estaria fragmentada, mas apenas uma parte dela seria considerada "fora do normal". O nosso corpo individual tem íntima ligação com esse "corpo social". Todos nós nos expressamos através da realidade sociocultural. Esta realidade está tão presente em nosso corpo, como o nosso corpo está presente na realidade. Na medida em que a sociedade não é vista como uma realidade sociocultural fraturada, diversa, que apresenta contradições internas, mas sim vista como um "corpo social" que deve estar em ordem, o corpo humano também deve acompanhar a ordem social. Isso equivale a dizer que um corpo humano que apresente qualquer malformação (amputações, sequelas de qualquer tipo etc.) não é um corpo estruturalmente em ordem. A realidade natural é diversa: nós homens não A realidade natural é diversa: nós homens não somos fisicamente todos iguais. E claro que fazemos parte da mesma espécie, mas cada um de nós tem altura diferente, cor de pele e de olhos diferentes, peso diferente etc. Somos todos homens, porém diversos. Fisicamente temos, portanto, características diferentes uns dos outros. As pessoas deficientes talvez sejam um pouco mais diferentes, já que podem possuir sinais ou sequelas mais notáveis. Mas a realidade social também é diversa: nós homens não somos também socialmente todos iguais. Acontece, todavia, que não podemos meramente transpor a realidade natural para a realidade social. Não é porque os homens são naturalmente diferentes entre si que devem ser socialmente diferentes. O fato de os homens se relacionarem quantitativa e qualitativamente diferente no plano social é uma construção sociocultural. E uma diferença que não nasce da Natureza: nós homens a construímos. Vivemos, assim, em sociedades em que os homens são socialmente desiguais. São sociedades problemáticas, com profundas divisões entre classes sociais. Muito mais crítica do que a divisão entre deficientes e não deficientes, a divisão estrutural entre classes permeia todas as demais divisões. Se a sociedade está dividida pela base entre ricos e pobres, empresários e trabalhadores assalariados, e, por extensão, ideologicamente, entre superiores e inferiores, melhores e piores, estas divisões vão acabar por permear todas as outras. Nesta medida, não se trata também de querermos nos convencer que todas as pessoas são socialmente iguais. Muitos dizem que, "no fundo, somos todos iguais". Alguns profissionais chegam a dizer que "pessoas deficientes e não deficientes são iguais perante a sociedade". Não, não são. Todos são de fato diferentes socialmente. São diferentes socialmente porque construíram e foram construídos neste mecanismo de relações sociais que os diferenciam. Entretanto, não é nessa realidade social dividida que pensamos viver. Não é nessa sociedade fraturada entre homens que dizemos pertencer. A realidade se nos apresenta como um todo que deve ser organizado, homogêneo, em ordem, e em que cada homem deve ser solidário um com o outro. Pode ser que neste ou naquele momento a sociedade não esteja neste pé de equilíbrio. Este pode ser um momento de transição que tenderá a de novo se organizar. Para além disso, sempre nos é colocado que a sociedade deve ser um corpo estruturado, o qual tem órgãos, sendo que cada órgão tem uma função social muito precisa. Trata-se de pensarmos a nossa realidade social de um ponto de vista fisiológico, como um corpo humano, com órgãos que se relacionam entre si numa estruturação que deve trazer o equilíbrio e a harmonia para este corpo. Assim sendo, para que não se quebre o equilíbrio, não pode haver "órgãos estragados" ou em “mau funcionamento”. Um corpo com órgãos "deficientes" não é um "corpo social" bem-estruturado e em ordem. Desta forma, não é toda a sociedade que estaria fragmentada, mas apenas uma parte dela seria considerada "fora do normal". O nosso corpo individual tem íntima ligação com esse "corpo social". Todos nós nos expressamos através da realidade sociocultural. Esta realidade está tão presente em nosso corpo, como o nosso corpo está presente na realidade. Na medida em que a sociedade não é vista como uma realidade sociocultural fraturada, diversa, que apresenta contradições internas, mas sim vista como um "corpo social" que deve estar em ordem, o corpo humano também deve acompanhar a ordem social. Isso equivale a dizer que um corpo humano que apresente qualquer malformação (amputações, sequelas de qualquer tipo etc.) não é um corpo estruturalmente em ordem. Nesta nossa sociedade a ordem é por demais valorizada. Sempre ouvimos as pessoas dizerem que uma sociedade sem ordem jamais chegara ao progresso. Sempre ouvimos também que um órgão qualquer que esteja apresentando uma disfunção podecontaminar o resto do "corpo social". Estas são ideias facilmente transponíveis para o nosso corpo humano individual. Um corpo deficiente seria, sob este raciocínio, um corpo que apresenta necessariamente disfunções, incapacidades e não estaria em ordem. Um corpo que não está em ordem consequentemente não poderá alcançar o progresso tão desejado. Logo, será um corpo fadado a não ter realizações, não ter progressos, a ser sempre dependente. Além desses um outro valor muito cultuado em nossa sociedade é o valor do sucesso. A s pessoas se dispõem numa hierarquia tal que quem tem maior êxito nos seus papéis predeterminados maior status terá. Existe uma pré-noção que determina o que é o êxito e o que é o sucesso e como as pessoas terão de fazer para alcança-lo Muitas vezes, um corpo "bem-formado" essencial para conquista. Aliás, existem também pré-noções que determinam o que é a organização homogeneidade ordem... Isto é o estigma. Toda pessoa considerada fora das normas e das regras estabelecidas é uma pessoa estigmatizada. Na realidade, é importante perceber que o estigma não está na pessoa ou, neste caso, na deficiência que ela possa apresentar. Em sentido inverso, são os valores culturais estabelecidos que permitem identificar quais pessoas são estigmatizadas Uma pessoa traz em si o estigma social da deficiência. Contudo, é estigmatizada porque se estabeleceu que ela possui no corpo uma marca que a distingue pejorativamente das outras pessoas. Porque a nossa sociedade divide-se estruturalmente em classes sociais, aqueles considerados "iguais" colocam-se num polo da sociedade e aqueles considerados "diferentes" colocam-se no outro polo. Mais do que isso: muitos dos considerados "diferentes" introjetam essa divisão como se ela fosse absolutamente natural. Aceitam a consideração de "diferentes" e admitem até a condição de "inferiores". Pela lógica dos valores sociais dominantes, uma pessoa estigmatizada deve tentar se parecer como a mais "normal" possível. Até um educador de cegos, Wilhelm Heimers, em seu livro Como Devo Educar Meu Filho cego? afirma categoricamente: “Muitas deficiências físicas podem ser aliviadas por meio do uso de próteses que tornam defeito mais aceitável para as outras pessoas”. No caso da pessoa cega, o olho se apresenta deformado, como morto, e provoca repulsa, especialmente quando a pessoa esboça com o olho movimentos próprios dos videntes. Um olho artificial não ajuda a pessoa cega, mas permite-lhe disfarçar o defeito e elimina o aspecto desagradável da órbita ocular. Se por uma coincidência qualquer a aplicação de uma prótese se torna impossível, recomenda-se o uso de óculos escuros. A pessoa cega que se adapta ao ambiente e se comporta de um modo normal sem chamar a atenção sobre sua deficiência facilita enormemente o relacionamento com os outros e prestigia sua imagem no mundo dos "videntes". É interessante verificar que é incutido na pessoa deficiente que ela deve colocar um a prótese porque deve fazer tudo para se parecer com uma pessoa "normal". E o mais grave: o deficiente aceita isso. Quase nunca ele pensa que uma prótese se destina também à correção de uma situação física que se deixada para depois talvez venha a ser tarde. No conjunto dos valores culturais que definem o indivíduo "normal", estão incluídos padrões" de beleza e estética voltados para um corpo esculturalmente bem-formado. Aqueles que fogem dos "padrões", de certa forma agridem a "normalidade" e se colocam à parte da sociedade É por isso que se procura alcançar por qualquer meio e a qualquer preço estes "padrões". E isso não diz respeito somente às pessoas deficientes... As pessoas estigmatizadas são pessoas que, muito embora tenham sido criadas nesta sociedade e nesta cultura, não são reconhecidas nem por esta sociedade, nem por esta cultura. Então estas pessoas são excluídas da sociedade? Isto não é tão simples assim. Estas pessoas não são sumariamente excluídas da sociedade. O processo não é automático Existe um mecanismo social muito bem feito que pende para a "exclusão" e ao mesmo tempo pende para a "integração". O "diferente" é segregado, não obstante existe na sociedade uma "ideologia de integração", que consiste em apregoar que todos os cidadãos são iguais e que por isso ninguém deve ser excluído do convívio social. Já vimos que os cidadãos não são iguais na sociedade. Por isso dizer que são iguais é esconder uma realidade diversa. No fundo, este mecanismo social é altamente discriminador. Essa tentativa de integração acontece concretamente através das instituições, quais sejam, a escola, os hospitais psiquiátricos, as penitenciárias e mesmo os centros de reabilitação. São eles que na maior parte das vezes tentam preparar o indivíduo para que seja aceito e integrado no social. Os centros de reabilitação tentam preparar os deficientes para que a sociedade os aceite. A tendência da sociedade, por sua vez, é continuar em sua lógica de exclusão. Instaura-se o impasse. O mecanismo social que exclui e a um só momento pretende integrar o deficiente traz para ele e para todos nós uma confusão muito grande de pensamentos. O nosso raciocínio não entende por que fala-se tanto em integração e mesmo assim o deficiente é marginalizado. Não entende por que não é reconhecido por esta mesma cultura em que encontra-se inserido. Isso pode levá-lo a considerar-se um estranho em seu próprio mundo. Toda pessoa, deficiente ou não, que, submetida à engrenagem da estrutura sociocultural, não se encontra em seu próprio mundo tende a se desligar dele. Como única e última alternativa tenta procurar um outro mundo em que seja reconhecida. E preciso perceber que a busca de um outro mundo, a busca de reconhecimento e identidade, está muito ligada a um processo social ambíguo e contraditório. As tensões familiares, profissionais, sociais, podem levar um indivíduo a apresentar "comportamentos desviantes", estando ele à procura de um mundo cujos valores lhe sejam identificáveis. Nesta medida (tento mostrar que deficiência e doença mental não representam necessariamente a mesma coisa), não só o deficiente mental (em geral considerado como portador de baixo potencial intelectivo) pode apresentar "comportamentos desviantes". Há também pessoas não deficientes mentais que, por se verem imbuídas de várias tensões, podem apresentar os ditos "comportamentos divergentes" e assim serem considera das "doentes mentais" ou "loucas". Michel Foucault, importante filósofo francês contemporâneo, em Doença Mental e Psicologia, afirma: "De fato, quando homem permanece estranho ao que se passa na sua linguagem, quando as determinações econômicas e sociais o reprimem, sem que possa encontrar sua pátria nesse mundo, então ele vive numa cultura que torna possível uma forma patológica como a esquizofrenia; estranho num mundo real é enviado a um 'mundo privado', que objetividade nenhuma pode mais garantir; submetido, entretanto, ao constrangimento desse mundo real, ele experimenta este universo para o qual foge, como um destino". Neste sentido, procurando um novo mundo para encontrar-se, a pessoa que não se reconhece em sua própria cultura encaminha-se para o que Foucault chamou de um "mundo mórbido". Essa pessoa seguramente se distinguirá das outras, pois apresentará comportamentos próprios deste "mundo mórbido" em que encontra. Essa pessoa será, no mínimo, "anormal" e, no máximo, "louca". Não é preciso ser deficiente para não ser reconhecido pela sua própria sociedade. O negro, o homossexual, O louco e até qualquer um que divirja das normas e regras da ordem social podem ser considerados "desviantes" e assim situarem-se fora da sociedade. O "desviante" é aquele que não está integrado, que não está adaptado, que se apresenta física e/ou intelectualmente normal, e portanto encontra-se à parte das regras e das normas. Deste modo, o que mede o "desvio" ou a "diferença" social são os parâmetros estabelecidos pelaorganização sociocultural. Porém, esta organização sociocultural precisa ser por nós desmistificada. O que quero dizer é que não podemos fazer dela uma noção abstrata que encubra e obscureça todas as suas articulações e mecanismos concretos que se refletem no nosso dia-a-dia. É muito comum jogarmos a culpa de tudo o que nos acontece numa entidade abstrata chamada sociedade ou sistema. Sempre ouvimos falar que a sociedade não costuma reintegrar ex-presidiários nem integrar deficientes. Isto não é verdade. A verdade é que esta tal sociedade é assim, discriminadora e excludente, ela é assim porque os homens que nela habitam construíram historicamente e reproduz em divisões estruturais entre classes, divisões estas permeadas por conflitos inconciliáveis, com desdobramentos múltiplos, que determinam todas as exclusões e discriminações efetuadas. E aqui voltamos para a imagem que fazemos das pessoas deficientes. Vimos que a nível da Natureza todos nós, seres humanos, apresentamos características diferentes uns dos outros. Vimos que neste nível as pessoas deficientes têm as suas diferenças mais notáveis; são, de fato, portadoras não de sequelas diferenciadoras. Vimos também que estas diferenças biológicas não podem jamais ser transportadas para as diferenças sociais, as quais são construídas culturalmente pela organização social forjada pelos homens. São estas diferenças sociais valorativas - e não necessariamente as biológicas - que determinam que as pessoas deficientes são pessoas submissas. São estas diferenças sociais que fabricam mecanismos de exclusão e de tentativa incoerente de integração social. São estas diferenças sociais e estes mecanismos que fazem os considerados "diferentes" construir um mundo próprio "mórbido", na medida em que não se "encaixam" e não se reconhecem neste mundo que também é deles. Vemos, enfim, que ao imaginarmos em nossa mente um "inválido", um "ceguinho" um "defeituoso" ou um "maluco", é imprescindível que busquemos os elementos que constituem essa imagem nas articulações concretas da estrutura sociocultural. Esta é uma breve introdução num breve livro. Muitas das questões que dizem respeito às pessoas deficientes foram e vão ser daqui por diante quase que apenas levantadas. Evidentemente não há espaço para uma discussão mais profunda. Gostaria apenas de indagar se não cabe, hoje, a todos nós, repensar a imagem que elaboramos com relação às pessoas deficientes. Uma imagem dominante, que incide arbitrariamente sobre interpretações subjetivas e que leva a ações paternalistas, assistencialistas e caritativas. Acredito que caiba a todos nós, deficientes ou não deficientes, reavaliarmos esta imagem, analisando a sua origem e sua articulação com a organização sociocultural em que vivemos. OS MEANDROS DA DEFICIÊNCIA No Brasil não existem pesquisas para sabermos quantos deficientes existem ao certo e quais são suas deficiências. No mundo, a Organização Mundial de Saúde afirma que uma entre dez pessoas é portadora de deficiência física, sensorial ou mental, congênita ou adquirida. Isto equivale a dizer que por volta de 10% dos habitantes da Terra são pessoas deficientes. Aqui no Brasil, segundo a ONU, a porcentagem estatística deveria ser, por estimativa, a mesma: 10% da população seria deficiente. No entanto, acredito que aqui a porcentagem é maior. Primeiro, porque a OMS diz que nos países do Terceiro Mundo esta porcentagem pode chegar a 15% ou até 20%. Depois, porque aqui as regiões pobres são imensas (principalmente Norte e Nordeste), locais de maior incidência de deficiência, cujos meios de vida e prevenção são insatisfatórios. A rigor, existem três tipos de deficiência, sendo que um deles divide-se em dois. Existem as deficiências físicas (de origem motora: amputações, malformações ou sequelas de vários tipos etc.), as deficiências sensoriais, que se dividem em deficiências auditivas (surdez total ou parcial) e visuais (cegueira também total ou parcial), as deficiências mentais (de vários graus, de origem pré, peri ou pós-natal). Deixe-me trocar em miúdos. Vamos, porém por partes. Primeiro, vamos dividir a origem das deficiências em pré-natal, em que se incluem as congênitas, de um lado, e peri e pós-natal, de outro. Quanto à primeira origem, após a concepção, o embrião leva três meses para se formar definitivamente. É nesta época de formação que podem ocorrer as malformações. Aqui encontram-se basicamente duas causas: 1) doença da mãe ou do feto, ou 2) distúrbios genéticos. Se a mãe contrair alguma doença infecciosa (por exemplo: rubéola, toxoplasmose, sífilis) ou alguma doença metabólica (por exemplo: tireopatia) nos três primeiros meses de gravidez, o feto pode ser acometido de uma malformação. É neste primeiro trimestre de gestação que o feto se forma por inteiro: cabeça, braços, pernas, órgãos sexuais etc. A doença infecciosa metabólica da mãe pode acabar sendo transmitida para o filho em seu ventre, acarretando a malformaç5o. Há casos em que a mãe já é portadora da doença, mas não sabe por que não existem sintomas. No entanto, a doença está sendo transmitida ao filho e este pode nascer com alguma malformação. Por outro lado, a ingestão de drogas também pode ser responsável por malformações. Não é aconselhável a qualquer mulher grávida tomar qualquer tipo de remédio (principalmente calmante) sem orientação médica. Na década de 50, existiam calmantes considerados muito fracos, contendo talidomida, que foram responsáveis por um número muito grande de crianças deficientes. Até hoje existe uma associação chamada Associaç5o das Vítimas da Talidomida. Existem ainda os efeitos da radiação. O Raio-X, por exemplo, pode acarretar malformações no espermatozóide do pai, no óvulo da mãe, ou no embrião, o que pode gerar o nascimento de um filho deficiente. É por isso que as mães que estão gerando filhos não devem tirar radiografias. Dentro das malformações de origem pré-natal, encontramos também as causas congênitas. Estas dizem respeito à carga genética transmitida hereditariamente ao feto. Genes altera dos de antepassados podem ocasionar malformações. O feto pode adquirir um gene deletério (degenerado) de parte da família do pai ou da família da mãe, o que vai interferir na sua constituição. As malformações ocorridas no período dos primeiros três meses de gravidez podem trazer qualquer dos três tipos de deficiência. A deficiência física, a sensorial e a mental, e até mesmo a combinação de algumas deficiências (chamadas deficiências múltiplas) podem ser geradas por doenças da mãe ou do feto, por disfunç5o causada por radiação ou por transmissão hereditária de genes alterados. Podem nascer crianças portadoras da síndrome de Down (mongolismo), distrofia muscular progressiva, mielomeningocele, surdez, cegueira, hidrocefalia, microcefalia etc. Mas as deficiências não têm somente origem pré-natal. Elas também podem ter origem peri ou pós-natal, às quais chamamos deficiências adquiridas. Podem ocorrer por acidentes ou doenças. As doenças infecciosas que atacam crianças ou adultos podem ser responsáveis por sequelas. As doenças infecciosas mais comuns suo: varíola, meningite, encefalite, sarampo, tracoma, poliomielite, hanseníase etc. Estas doenças, se não são tratadas no início e com presteza, podem trazer qualquer dos três tipos de deficiência. As crianças prematuras, por possuírem menor defesa contra agentes agressores, podem vir a ser acometidas por doenças que acarretem deficiências. Em geral, são tomados os cuidados necessários. Existem, por outro lado, as doenças não infecciosas, que acometem mais os adultos. Estas são, na maioria, a hipertensão, que pode ocasionar o derrame e consequentemente a hemiplegia, e as doenças das artérias, que levam a amputações. As deficiências adquiridas podem ainda ter origem nos acidentes de parto, de trabalho, de trânsito etc. Em geral, a paralisia cerebral e aepilepsia, por exemplo, são deficiências ocorridas devido a um acidente no momento do parto. Um acidente de automóvel pode fazer deslocar alguma vértebra da coluna vertebral, atingindo a medula espinhal, trazendo a paraplegia ou até a tetraplegia. Um acidente de trabalho, o qual pelo menos aqui no Brasil é muito frequente, pode ocasionar uma amputação ou uma doença grave que traga algum tipo de sequela. Todas as pessoas deficientes são iguais? Claro que não. O estigma da deficiência acaba por fazer com que a população acredite que todos os deficientes são iguais. Isso não é verdade. Certamente teremos deficientes com graves limitações incapacitadoras, mas também teremos indivíduos cuja deficiência não lhes traz nenhuma (ou quase nenhuma) incapacidade. Um portador de deficiência mental severa tem limitações. Um portador de paralisia cerebral leve não tem limitações. Mas, então, novamente, podemos chamar de "deficientes" aqueles que não possuem nenhuma (ou quase nenhuma) limitação? O que me parece importante é que um deficiente físico que "transe" muito bem com o seu aparelho ortopédico, com a sua cadeira de rodas e com a vida, sem dúvida poderá ter as suas limitações atenuadas. Ao passo que um deficiente qualquer, que deixe a deficiência ou a vida comandá-lo mais do que a medida mesma em que ele comanda a deficiência ou a vida, um deficiente desses estará sujeito a ter mais limitações. Eu sei que isto não é fácil. Sei que quando o deficiente está posicionado numa classe social que o impede pela pobreza material de comprar aparelho, cadeira de rodas, aprender o alfabeto Braille ou o manual, fazer reabilitação etc., ele estará sentenciado a ser sempre comandado pela vida. Sei também que quando se tem tudo isso, mas faltam perspectivas que não surgem porque existe o paternalismo, o estigma, o preconceito e a sua própria cabeça, ele estará também fadado a ser comandado pela vida. O que estou querendo mostrar, apenas, é que a deficiência é relativa. Relatividade esta que se apresenta tanto a nível sociocultural, como também exclusivamente a nível físico. Aliás, nem a OMS conseguiu uma definição matematicamente precisa de quem é ou quem não é deficiente neste nosso mundo. De minha parte, acredito que precisar corretamente quem é e quem não é deficiente não é a coisa mais importante. A coisa mais importante são as implicações que decorrem a partir de um processo que engloba a deficiência. Mas, mesmo não dando muita importância para as definições exatas, acredito ser fundamental desmistificar algumas coisas. Dois pontos importantes, até porque eles se refletem nas relações sociais que se entabulam na nossa sociedade, precisam ser na medida do possível corretamente explicitados. Um deles diz respeito à diferenciação entre doença e deficiência. O outro diz respeito a se existe ou não a possibilidade de transmissão ou contágio da deficiência. Estes são dois pontos muito nebulosos que não raro, devido até à má informação reinante entre a população, são objeto de confusão, acarretando preconceitos infundados. Vamos, então, por partes. Quanto ao primeiro item - doença/deficiência - é preciso esclarecer a relação existente. As pessoas deficientes, salvo algumas poucas exceções, não são pessoas doentes. Ao contrário, como quaisquer outras pessoas, devem gozar de boa saúde. A relação existente entre doença e deficiência é que algumas deficiências se originam em doenças. A deficiência, neste caso, é a sequela trazida pela doença. A poliomielite, por exemplo, é uma doença infecciosa que traz como consequência urna sequela: a paralisia de um ou mais membros. E importante frisar que passada a fase da doença (pólio), a pessoa pode se tornar deficiente. Não obstante, esta mesma pessoa pode também gozar de boa saúde para o resto da vida. E verdade que existem algumas exceções, que são os casos em que a doença muito forte atingiu a pessoa de forma grave a ponto de trazer complicações como, por exemplo, complicações respiratórias. Mas é verdade também que grande parte (eu diria a maior parte) dos que tiveram pólio hoje são pessoas que gozam de muito boa saúde e, portanto, são apenas deficientes. A consideração de que todo (sem tirar nenhum) deficiente é um doente vai muito mais longe. Mesmo aqueles que se dizem especialistas consideram as pessoas deficientes como doentes. Peter Herriot, psicólogo inglês, organizador dos livros do Curso Básico de Psicologia, na introdução do livro de Rosemary Shakespeare, Psicologia do Deficiente, afirma: "À maneira da sociedade, é provável que nos congratulemos com o fato de termos começado a pensar nas pessoas deficientes como doentes e não como vítimas da punição divina". Doença é um processo. Deficiência é um estado físico ou mental eventualmente limitador. Existem, é verdade, alguns casos - mais incomuns - de simultaneidade. Nestes as pessoas são portadoras de uma doença que se associa à deficiência. Três exemplos devem ser o bastante: a distrofia muscular progressiva (tipo de doença muscular), a hanseníase (mal-de-Hansen, indevidamente chamada de lepra) e os distúrbios cardiovasculares. Mesmo assim, a maioria destas doenças pode ser curada, restando somente a deficiência ou nem isso. Com tratamento médico adequado, a hanseníase é curada, deixando na pessoa apenas as sequelas advindas da doença. Por outro lado, uma cirurgia cardíaca pode eliminar a doença, eliminando também a deficiência, pois, como os distúrbios cardiovasculares são responsáveis por algumas incapacidades físicas pessoais, uma vez eliminados estas são também eliminadas as incapacidades e a deficiência. Estes casos requerem cuidados médicos, já que a deficiência está associada a uma doença. Mas, sanada a doença, não há mais por que considerar como ainda sendo doente ou no mínimo "ex-doente" a pessoa que agora está completamente curada ou apenas deficiente. Contudo, preciso sublinhar que com isso não estou querendo minimizar uma doença ou dizer que consultar médico é bobagem. Isso nunca. Assim como o excesso de cuidado desnecessário pode ampliar a deficiência, a falta de cuidado também pode aumentá-la. Existe m casos de crianças que nascem deficientes e, por ignorância dos pais ou absoluta carência de condições financeiras, acabam por não consultar médicos especialistas ou por não fazer a reabilitação necessária. Além disso, existem também casos (e não são poucos) em que os pais deixam de consultar médicos e vão consultar milagreiros, pais-de-santo, benzedeiros etc. Acredito que. cada um tem a sua fé, o que leva as pessoas a procurar alternativas para o que consideram poder ser consertado. Mas nesta crença deve estar incluída também a fé no médico e nos profissionais de reabilitação que, em tese, saberão tratar da deficiência. Por outro lado, isto não exime de responsabilidade estes médicos e profissionais de reabilitação. Muitos pais procuram alternativas por se cansarem de ver o filho passar por vários médicos e não ter melhora significativa. O rosto dos pais sentados à porta dos consultórios dos médicos do INAMPS traduz um misto de esperança, desorientação, conformismo e desolação. Em geral estão mal informados acerca da deficiência e da viabilidade de reabilitação de seus filhos. São despachados de um posto do INAMPS para um outro local, muitas vezes longe, onde fazem exames clínicos, e depois para ambulatórios ou hospitais. São atendidos grosseiramente por algumas atendestes. São inseguros quanto ao futuro. Pior do que isto existe casos provados de pessoas deficientes que ao longo do caminho trilhado por consultórios e hospitais, foram acrescentando para si deficiências e incapacidades. Muitas cirurgias ou tratamentos equivocados levaram à aquisição de novas deficiências e não à superação delas. Alguns deficientes chegam até a se considerar como "cobaias". Alguns profissionais chegam até a confundir deficiências. Num trabalho apresentado no V Congresso Brasileiro de Prevençãoda Cegueira (1982), Júlia K. Hori, Nely Garcia e Tomázia Dirce P. Lara afirmam logo na primeira página: "A experiência no trabalho com crianças portadoras de deficiência mental ou visual tem demonstrado que algumas crianças que frequentam classes especiais para deficientes mentais são portadoras de dupla deficiência (mental e visual), ou apenas de deficiência visual; sendo diagnosticadas como deficientes mentais por interferências comportamentais, e por não poderem responder satisfatoriamente aos instrumentos convencionais de avaliaç5o psicológica". Por incrível que pareça, neste trabalho realizado em Garça, Marília e Quintana (municípios de São Paulo) foram encontradas crianças deficientes visuais cujo diagnóstico constava como deficiência mental. Sei que este é um assunto delicado. Sei também que vivemos num País pobre de recursos, que aqui o campo médico da fisiatria ainda é incipiente, e que muitas deficiências se configuram numa incógnita, devido muitas vezes à dificuldade de se encontrar a origem, as causas e o método mais adequado de reabilitação. Todavia, estamos muito acostumados a respeitar e aceitar sem questionamento um diagnóstico que consideramos legítimo porque foi proferido por um especialista autorizado e com competência suficiente para atar de doenças. Desta forma, se algo não der certo, aceitamos que o diagnóstico e/ou tratamento falharam, e não que a autoridade falhou. Os médicos e profissionais de reabilitação não estão também acostumados a fazer a integração médico/equipe/pais e/ou família/deficiente. Esquece-se que na ausência do médico ou da equipe de reabilitação são os pais que se tornam os terapeutas principais. Muitos médicos chegam a se ver completamente perdidos em algumas deficiências que a eles se apresentam e, ao invés de debater o caso com a família e com o próprio deficiente, se escondem atrás de diagnósticos confusos e abstratos e excluem os pais das terapias. Deste modo, pais e deficientes estarão desinformados, desorientados e impotentes para a total reabilitação. Nesta medida, pode ser que percamos a fé que nos move e nos incentiva a procurar no médico e nos profissionais de reabilitação a cura de uma doença ou a correção de uma deficiência. Perdemos a confiança e procuramos alternativas em milagreiros e pais-de-santo. Estes são também mais acessíveis, menos distantes, falam mais a nossa língua. Acredito que caiba a todos nós repensar a relação médico/paciente e profissionais de reabilitação/deficiente em todos os aspectos. Não só no aspecto da autoridade competente, como também na falta de comunicação que frequentemente se estabelece. Para tanto, é preciso rediscutir a visão médica e de reabilitação. É preciso notar que, muito mais do que "pacientes" ou "reabilitandos" as pessoas situam-se diferentemente em classes sociais, posicionam-se politicamente de diversas formas e possuem variadas crenças religiosas. O segundo ponto que chamei de nebuloso diz respeito à diferenciação entre transmissibilidade e contágio. A ignorância e o senso comum dizem que "deficiência pega". "A hanseníase (mais conhecida por lepra) é contagiosa." "Não se pode encostar no epilético, se não se quiser ser também um." Ou, por outro lado, dizem que "todo filho de deficiente será também um deficiente". Isto tudo não é bem verdade. Quanto à transmissibilidade já cheguei a tocar no assunto. E verdade que as deficiências causadas por disfunção de genes podem ser transmissíveis hereditariamente. Porém – e isso é importante -, essa transmiss5o é condicional, ou seja, pode ser que aconteça e pode ser que não aconteça. Dependendo da carga genética do deficiente, seu filho poderá ou não herdar seus genes responsáveis pela deficiência. Assim, não é regra geral que todo filha de deficiente será deficiente. Acredito que um aconselhamento genético não deve ser desprezado. Quanto ao contágio isto trata-se mais de um mito do que de uma argumentação verdadeira. Não sendo infecto-contagiosa nenhuma doença pode passar pelo contágio de pessoa para pessoa. Além do mais, para que a doença passe é preciso uma certa convivência com o doente, além de uma certa predisposição para pegar a doença. O hanseniano é portador de uma doença infecto-contagiosa. Não obstante, só se pega a doença se se conviver com ele um período suficientemente longo para que ela passe para o outro organismo. Caso contrário, pode-se tranquilamente ficar perto de um hanseniano sem correr nenhum risco. Por outro 1ado, quando a doença estiver em fase negativa (livre de contágio) ou quando restarem apenas às sequelas e a doença já tiver ido embora definitivamente, aí então é que nem convivendo com o agora ex-hanseniano se contrairá a doença. Existe também um mito muito grande que circunda a figura do epilético. Dizem que a saliva do epilético é contagiosa. Com efeito, a epilepsia é uma lesão cerebral e como tal não pode jamais passar para qualquer indivíduo pelo contágio. O indivíduo saliva por urna consequência da crise. Não se pega epilepsia pela saliva do epilético. Novamente: som ente doenças infecto-contagiosas podem ser passíveis de transmissão pelo contágio de um indivíduo doente para outro são. E preciso ficar claro, portanto, que sequela não pega em ninguém. A deficiência não é contagiosa: ela não contamina. As sequelas de qualquer doença, incluindo a hanseníase, bem como a epilepsia, e mesmo a distrofia muscular progressiva, que consiste numa doença aliada a uma deficiência, não são contagiosas. Pode-se tranquilamente conviver com as pessoas deficientes, usar suas roupas, beber e comer nos mesmos utensílios. No Brasil, a deficiência nos leva de chofre para a questão social. Nós somos considera dos um "país em desenvolvimento" (Terceiro Mundo). Nestes países a incidência de deficiência é maior: existem pelo menos 300 milhões de deficientes (num total de 500 milhões no mundo inteiro). E, como afirma a Rehabilitation lnternational (entidade internacional de reabilitação, com sede em Nova York), os deficientes do Terceiro Mundo são "gente para quem as únicas condições de vida são a pobreza, a fome, a ignorância, a miséria e a falta de perspectiva". De fato, aqui no Brasil grande parte da população é subnutrida, o que leva à carência dos mais diversos tipos de proteínas e calorias, imprescindíveis para o organismo e para a geração de filhos sadios. Só no Nordeste o índice de cegueira causada pela falta de vitamina A é alarmante. Segundo os dados da RAIS (Relação Anual de Informações Sociais) e do Censo IBGE de 1980, 49,8% da população brasileira economicamente ativa recebe até 2 salários mínimos por mês, o que não dá para sustentar uma qualquer doença, incluindo a hanseníase, bem como a epilepsia, e mesmo a distrofia muscular progressiva, que consiste numa doença aliada a uma deficiência, não são contagiosas. Pode-se tranquilamente conviver com as pessoas deficientes, usar suas roupas, beber e comer nos mesmos utensílios. No Brasil, a deficiência nos leva de chofre para a questão social. Nós somos considera dos um "país em desenvolvimento" (Terceiro Mundo). Nestes países a incidência de deficiência é maior: existem pelo menos 300 milhões de deficientes (num total de 500 milhões no mundo inteiro). E, como afirma a Rehabilitation lnternational (entidade internacional de tação?). No conceito de reabilitação está incluída a parte física, a parte psíquica (emocional) a parte social. Quando uma pessoa portadora de deficiência congênita ou nos casos mais frequentes adquirida por acidente entra num centro de reabilitação, a filosofia que a envolve é a de que ela é um ser humano que será reconhecido em sua totalidade. A sua reabilitação será, portanto, integral. Ela será reabilitada física, psíquica, profissional, socialmente etc. Acontece, todavia, que, no mais das vezes, isso não ocorre. Por quê? Porque existem vários fatores que podem estar dentro e/ou fora da instituição de reabilitação, eque impedem a total reabilitação do deficiente. Vamos por partes. Primeiro, vejamos o que ocorre por dentro da instituição. Os centros de reabilitação existentes esforçam-se para reabilitar as pessoas deficientes. Da equipe de reabilitação devem fazer parte o pessoal médico - fisiatra, neurologista, pediatra, urologista etc. - e o pessoal clínico - fisioterapeuta, fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional, psicólogo, assistente social, enfermeiro, técnico em órteses e próteses, pedagogo etc. E essencial que haja um entrosamento muito grande no interior da equipe. Mas isso não é sempre o que acontece. Dentre outros problemas, existe um que me parece ser muito sintomático. Trata-se da hierarquia existente no interior da equipe de reabilitação. Ao invés de um entrosamento de todos os membros da equipe, o que ocorre muitas vezes é uma relação autoritária entre um membro e outro, cada um querendo se colocar um degrau acima na escala hierárquica. Isto infelizmente ocorre em detrimento do reabilitando. E ele que, em última instância, sofre as consequências do mau entrosamento interno da equipe, o que redunda muitas vezes num empecilho para a sua completa reabilitação. Como já disse, a reabilitação deve levar necessariamente em conta que o reabilitando é um ser humano total. A meu ver, este deve ser o espírito não só da equipe de reabilitação, como também o das instituições. No entanto, aliado aos problemas suscitados na escala hierárquica, existe o fato de que os profissionais e algumas instituições enxergam a reabilitação segundo algumas "linhas" e "escolas" que entram em choque entre si. A princípio, não deveria haver problema. As várias "linhas" e "escolas" poderiam, numa discussão salutar, fazer trocas de experiências e expectativas, o que resultaria num benefício para o reabilitando. O que causa problema é que, ao que parece, o choque entre as diversas abordagens não se traduz na troca de experiências, mas, sim, na tentativa deste ou daquele profissional e deste ou daquele centro de reabilitação (ainda que inconscientemente) de querer impor "a melhor abordagem". Assim, é de extrema importância citar aqui algumas linhas do texto de José Geraldo Silveira Bueno, Excepcional: Integração ou Segregação. Diz assim: "O que não podemos deixar ocorrer é que profissionais fiquem se digladiando e tentando provar que seus procedimentos são os mais adequados e eficazes, porque se baseiam num corpo de princípios teóricos mais corretos. Esta disputa é altamente salutar quando ocorre a nível teórico, em estudos e polêmicas que têm como objetivo conhecer cada vez mais a problemática dos excepcionais. Mas quando ela ocorre em nível prático, com instituições querendo, de qualquer modo, manter toda a sua clientela dentro de seu esquema e recusando a verificar se muitos de seus educandos não seriam melhor atendidos através de outros processos, esta disputa acarretará, seguramente, grandes prejuízos aos indivíduos que dizemos ser a razão de nosso trabalho". Estes são alguns dos problemas internos apresentados pelos centros de reabilitação. Infelizmente, aqui não tenho espaço para tratar da vida cotidiana da instituição. Vejamos, agora, o que ocorre por fora da instituição. A que papel ela tem se prestado? Existem centros de reabilitação oficiais e particulares. A nível federal, existem os Centros de Reabilitação Profissional (CRPs) ligados ao INAMPS. Aqui em São Paulo, a nível estadual, só existe um: a Divisão de Reabilitação Profissional de Vergueiro, do Hospital das Clínicas da FMUSP. A nível municipal, a capital de São Paulo não conta com nenhum centro de reabilitação. Quanto aos particulares, estes estão mais voltados para o aspecto assistencial, de abrigo (asilo) e médico. Poucos são os que têm também caráter profissional. São centros em que o reabilitando paga por sua reabilitação, ou é encaminhado pelo INAMPS, ou entra na parte assistencial. Para suprir as defasagens orçamentárias, a Legião Brasileira de Assistência (LBA) ajuda a manter, através de verbas, os centros particulares. Há pessoas que dizem que são poucos os centros de reabilitação. Mas alguns dos que existem não estão com a sua lotação esgotada. Talvez os critérios de avaliação para atendimento de "pessoas deficientes reabilitáveís" sejam subjetivos a ponto de não superlotar os centros existentes. O fato é que a situação parece ser no mínimo controvertida: de um lado, os centros existem e, de outro, uma enorme parte das pessoas deficientes no Brasil é carente dos serviços de reabilitação. O Estado não tem uma política de reabilitação. A Comissão Estadual (São Paulo), que fez um relatório sobre pessoas deficientes no Ano Internacional das Pessoas Deficientes (1981), após afirmar que "reabilitação, ou habilitação Para alguns casos, é uma das necessidades básicas de toda pessoa deficiente", "considerou fundamental a criação de uma Coordenadoria de Atividades de Reabilitação que tenha a responsabilidade de planejar, incrementar e coordenar as atividades de atendimento a pessoas deficientes em todos os seus aspectos". Até hoje esta Coordenadoria não foi fundada. Aliás, diga-se de passagem, quase nada do que foi proposto num "plano de ação" pelas Comissões Nacional e Estadual para o Ano Internacional foi realizado. Para não dizer que nada se fez, em julho de 1982 foi montado, através da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, "um Grupo de Trabalho para estudar e propor o Plano de Operacionalização, visando o cumprimento, de imediato, da Proposta de Atuação no campo da Secretaria da Saúde, do recomendado pela Comissão Estadual de Apoio e Estímulo a o Desenvolvimento do Ano Internacional das Pessoas Deficientes" (Diário Oficial nº 1 14, de 22/06/1982). Este Grupo de Trabalho apresentou um relatório extremamente sumário, com sugestões muitas vezes vagas, e em nenhum dos itens consta qualquer proposta de implantação da tão esperada Coordenadoria de Atividades de Reabilitação. Nenhum dos itens foi até hoje plenamente executado. Por mais que a filosofia interna dos centros de reabilitação seja a de reabilitar a pessoa deficiente, levando em conta que se está diante de uma pessoa total, a realidade social adversa de fora dos muros da instituição, para onde o "reabilitando" se dirige, vai fazer com que ele volte ao estágio em que se encontrava antes de ingressar no centro. Sei de exemplos de pessoas deficientes que saem de favelas, vão para o centro de reabilitação, se "reabilitam", mas voltam para a favela de onde vieram. Ora, voltar para a favela significa que novamente o "reabilitado" vai sofrer necessidades materiais, econômicas, psicológicas etc., que o farão regredir ao ponto em que se encontrava antes de ir para o centro. Muitas dessas pessoas, quando retornam ao centro, voltam com escaras, debilitados fisicamente, oprimidos psicologicamente, duplamente frustrados e sem perspectivas de vida. Imaginem uma pessoa que sai de uma favela (e não são poucas), vai para o centro de reabilitação e parte de lá cheio de expectativas, fazendo planos, acreditando que irá ser integrada ou reintegrada na sociedade. Imagine o baque que esta pessoa leva ao voltar para casa, passar necessidades materiais, não encontrar emprego, não poder estudar... A realidade em que se encontrava dentro da instituição é uma, e a realidade de fora é outra bem diferente. O mundo dentro da instituição é um, o mundo fora da instituição é outro. A sua vida dentro da instituição é estruturada, homogênea, em ordem; a sua vida fora da instituição é dividida, contraditória, incoerente e adversa. A instituição tenta integrá-lo, a realidade social tende a desintegrá-lo. Aqui se encontra, concretamente, aquilo de que falei, ainda que de forma um pouco abstrata, no capítulo anterior. O indivíduo, antes de ir para a instituição, vivia num mundo do qual era sempre excluído. Ao entrar na instituição, trabalha-se no sentido de integrá-lo. Mas ao sair depara-se novamente coma realidade social que mais uma vez tentará segregá-lo. A cabeça deste indivíduo não deve entender nada. E por isso que ele volta sistematicamente para a instituição. A instituição trabalha com ele e não com a sociedade. A instituição muitas vezes não percebe que aquele reabilitando é fruto do social. A instituição trabalha com o reflexo do social e não com o social propriamente dito. A instituição se fecha em si mesma. Às vezes tenho a impressão de que a instituição ajuda a manter este social. Muito embora alguns profissionais estejam cônscios do papel desempenhado pela instituição na sociedade e façam da sua consciência seu instrumento de trabalho. Hoje em dia fala-se muito em "reabilitação simplificada". Na verdade, este conceito ainda não está muito nítido. Mas, a grosso modo, trata-se do seguinte: seria a tentativa de descentralizar os serviços de atendimento de reabilitação, atendendo as pessoas deficientes na própria região onde moram, contando, para isso, com as técnicas e recursos próprios da região e com a colaboração da família e da comunidade enquanto um todo. Esta proposta está calcada no pressuposto de que os centros de reabilitação localizam-se apenas nas grandes cidades e que, assim, são de difícil acesso para os que moram no interior. Além disso, existe também a proliferação de clínicas que não são especialistas no atendimento à reabilitação (fisioterapia, fonoaudiologia etc.) e que, desta maneira, não estão essencialmente preocupadas com a reabilitação integral do indivíduo. O ponto central da "reabilitação simplificada" prende-se ao fato de que os países ditos em desenvolvimento deveriam adequar a necessidade de reabilitação de todas as pessoas deficientes à sua realidade social de países pobres. As notícias dizem que o México e alguns países da África já começaram a implementar a "reabilitação simplificada". Seria ela uma alternativa? É difícil dizer por enquanto. O que me parece claro, não obstante, é que se a "reabilitação simplificada" for a campo e se deparar com a diversidade e a adversidade social em que se encontram as pessoas deficientes que moram em subúrbios, periferias, favelas, cortiços, meio rural desprivilegiado etc., se deparará também com uma questão que é política. AS PESSOAS DEFICIENTES NOS BASTIDORES A família nuclear é a unidade mais próxima do indivíduo. Todos os valores culturais, estabelecidos pela forma de organização social (econômica, política etc.), passam pelo indivíduo, através da unidade familiar. A formação da personalidade é, sem dúvida alguma, influenciada pela família que detém e faz circular em seu interior o reflexo do social maior e mais abrangente de toda a organização. Nesta medida, a educação dispendida na criação de um filho, seja ele deficiente ou não deficiente, vai ter necessariamente que passar pelos valores culturais que envolvem todos os habitantes desta formação sociocultural. Esta, na realidade, não é uma relação mecânica. Não se trata de pensar a criança ou o adulto como um mero reprodutor daqueles valores que constam na organização cultural. De outra forma, as pessoas interagem com todos os valores culturais que a elas se apresentam, e se compõem, em si mesmas, numa rede de sentimentos, preocupações e consequentes ações. Existe, evidentemente, uma dominância da interferência de certos valores culturais estabelecidos pela divisão social. Mas a realidade é dinâmica, sempre em transformação, sempre se metamorfoseando em novas realidades e, assim, ou fazendo os valores dominantes se adequarem para continuarem dominantes, ou ocasionado uma ruptura que engendraria novos e transformados valores. De um modo ou de outro, as pessoas, os valores e a realidade estarão sempre em constante superação. Isto para mim é importante, pois o que vai neste capítulo (e, claro, o que vai no livro todo) não é aquilo que eu penso de como deve ou deveria ser uma pessoa deficiente. Jamais pensei em construir um "modelo" de deficiente. Modelos não existem. Todas as pessoas são aquilo que a sua história, sua condição social e seu eu permitem. Todas as pessoas devem ser exatamente como são, sem que ninguém possa dizer como deveriam ser. Existem circunstâncias na vida das pessoas - e a deficiência pode ser uma delas - que as levam a assumir atitudes perante a vida. Sempre assumimos atitudes. É verdade, porém, que eu não sei até que ponto segurei a minha interpretação sobre as pessoas deficientes. Este parágrafo eu escrevo depois do trabalho todo terminado, e decido encaixá-lo aqui, antes que você leia o resto. A minha intenção foi a de fazer apenas um relato crítico do que acontece cotidianamente, em geral, com as pessoas deficientes e aqueles que as cercam. Não quis construir modelos mas quero ser sincero, acho que não consegui deixar de lado a minha imagem das pessoas deficientes. Acredito que grande parte das famílias não estão preparadas para receber um membro deficiente. Acredito mais: que não estão preparadas, principalmente porque receberam toda carga ideológica que reina no interior de nossa cultura. Deste modo as reações podem ser as mais variadas: rejeição simulação segregação superproteção paternalismo exacerbado, o mesmo piedade. Em geral, um casal nunca tem a ideia de que um dia Poderá ter um filho que nasça com qualquer tipo de deficiência Uma família não tem a ideia de que um membro poderá um dia sofrer um acidente que o faça deficiente. A palavra deficiente adquire uma conotação negativa Deficiente será aquele membro que dará sempre muito trabalho, que viverá encostado às custas da família. Pode ser que o deficiente congênito ou adquirido seja realmente portador de uma limitação ou incapacidade grave. Porém, uma enorme parte dos casos é passível de reabilitação a ponto de conseguir que, mesmo com graves lesões, uma pessoa deficiente leve uma vida independente e até com contribuições para a família e a sociedade. Existem casos de pessoas portadoras de síndrome de Down (mongolismo) e de deficiência mental (principalmente os mais próximos da condição limítrofe) que brincam, passeiam, trabalham em serviços simples, e até fazem compras sozinho s Quanto às deficiências físicas e sensoriais, estas são muito mais passíveis de reabilitação o que quer dizer que estas pessoas têm muito mais condições de nunca serem dependentes da família .Eu sei que pensar assim não é tão fácil quanto parece. As mães, principalmente, se abatem muito ao perceber que têm um filho deficiente. Muitas mães e país se esquivam de ler bons livros sobre deficiência ou de consultar médicos ou especialistas em reabilitação para não sofrerem ou (o que acreditam) não verem o seu filho sofrer Mas é importante dizer que esta parada tem que ser enfrentada. Se ela não for enfrentada, a tendência é a estagnação, o aprofundamento da deficiência e a consideração de que o filho é cada vez mais "anormal" Pelo contrário se a parada for assumida e enfrentada - e o enfrentamento pode muitas vezes ser mais ameno do que o esperado - os pais terão tudo para no futuro - e o futuro pode também estar mais próximo do que o esperado - conseguir enxergar a conquista do enfrentamento da parada. A imagem pejorativa da deficiência na cabeça das famílias repercute na educação que os pais oferecem aos filhos. J. Espínola Veiga (cego), em seu livro A Vida de Quem Não Vê, tem uma passagem primorosa sobre a atuação tradicional dos pais com relação ao filho deficiente: "O filho vai de 3 para 4 anos, e nada se lhe ensina. 'Coitadinho, deixa!...' Mexem-lhe o café, picam-lhe o pão, põem-lhe a comida na boca, descascam-lhe a banana, deixam-no que meta a mão no prato. 'Coitadinho! Já basta o que ele sofre!...' E a criança não sofre nada com a falta da vista (. . .). Sofrera, sim, mais tarde, a conseqüência dessa educação mal dirigida". O que Espínola Veiga quer dizer com isso? Lá no fundo, ele quer dizer que a família as sume que tem um filho incapaz até de comersozinho. Quer dizer que a família subestima o filho a ponto de não permitir que as suas potencialidades aflorem naturalmente. Mais do que isso, a família acaba por querer sentir pela criança, além de imputar-lhe um sofrimento do qual ela não padece. Porque, em, geral, uma criança com deficiência congênita não sofre absolutamente nenhum constrangimento por ser deficiente. Na verdade, a criança deficiente nunca teve outro modelo a não ser o da deficiência. Ela nunca foi uma criança não-deficiente para saber o que é sê-lo. Ela, de início, não sofre por não ser um "normal". Uma criança que nasceu cega, nunca enxergou e por isso não tem por que sofrer. Uma criança paraplégica, que sempre andou com aparelho ortopédico, dificilmente sofrerá por não andar sem ele. Somente a partir de uma certa idade, quando o mundo descobrir que ela é deficiente e começar a mostrar-lhe que ela é "diferente", então sim esta criança se verá mal com a sua deficiência e provavelmente sofrerá. Ninguém sofre com a deficiência, todos sofrem com o estigma. Deste modo, a atuação dos pais ou familiares, que no fundo é acreditar numa "anormalidade" do filho, incide diretamente na constituição física e intelectual, bem como na personalidade da criança deficiente. Muitos testes têm constatado que as pessoas deficientes têm tendência para terem um atraso ou mesmo um déficit cognitivo. Isso quer dizer que a interpretação de dados tem levado os profissionais (principalmente psiquiatras e psicólogos) a concluir que existe um "padrão" de desenvolvimento físico e intelectual, e que as pessoas deficientes estão sempre atrasadas para chegar neste "padrão". Rosemary Shakespeare, psicóloga inglesa, considerada especialista em pessoas deficientes, em Psicologia do Deficiente, afirma: "Muitas deficiências envolvem problemas de desenvolvimento cognitivo - progresso irregular nos processos pelos quais Percebemos o nosso meio circundante aprendemos, compreendemos e recordamos fatos sobre o mundo e atuamos apropriadamente". Mais adiante a autora conclui insofismável; "A deficiência motora, a cegueira e a surdez têm um e feito comprovadamente retardador em alguma fase do desenvolvimento". Os motivos causadores do retardamento cognitivo estariam na seguinte seqüência. 1) comprometimento do cérebro na deficiência ou seja, possuem retardamento pessoas com lesão cerebral estrutural; 2) "falta de experiência, quer resultante das limitações da própria deficiência, quer do ambiente em que a pessoa vive". Mesmo levando em consideração que o ambiente Pode causar o retardamento ainda assim a autora parece priorisar a deficiência em si mesma como motivo do retardamento. Pois ela afirma com todas as letras: "Sejam quais forem os fatos envolvidos, é evidente que a deficiência quer o cérebro esteja afetado ou não, está relacionada com o reduzido aproveitamento educacional". A questão, acredito eu, não está em saber se as pessoas deficientes são Portadoras de um retardamento cognitivo. Pode até ser que, na realidade, muitas delas, assim como também muitas outras pessoas não-deficientes sejam portadoras desse retardamento. A questão está em saber por que estas pessoas apresentam o atraso. Qualquer pessoa, quer seja ela deficiente ou não-deficiente, está sujeita a não conseguir passar pelas experiências cotidianas que todas as crianças passam. Isto pode decorrer da conjunção de fatores biológicos com fatores culturais. Uma criança portadora de um nível grave de deficiência sensorial, talvez, principalmente se não lhe derem os meios e métodos adequados, deixe de aprender a ler com a mesma idade de uma criança não-deficiente. No entanto, qualquer criança não- deficiente, mas que seja subnutrida, que viva numa condição social precária, ou mesmo que viva num ambiente repressivo, pre conceituoso, autoritário, pode não apresentar a mesma resposta. Além disso, e aprofundando essa linha de raciocínio, se uma criança deficiente vive num ambiente em que é considerada como um "diferente", com toda a carga ideológica que essa palavra possui, e que assim precisa ser tratada pela família e pela sociedade como uma "anormal", esta criança está destinada a efetivamente não aprender a ler no tempo previsto para todas as crianças além de ter a sua deficiência acentuada ou multiplica da. Velamos, novamente, uma importante passagem do livro de J. Espínola Veiga, em que ele demonstra com muita pertinência como o ambiente familiar e Sociocultural pode propiciar o surgimento de uma defasagem cognitiva: "Mundo precário e mesquinho, ainda mais amesquinhado pela própria mãe atemorizada com a ideia do filho machucar-se. 'Tira a mão daí, meu filho, não mexe aí, isso faz dodói' (...). Enquanto o cérebro dos outros de contínuo se povoa de imagens, o dele se estiola na aridez que há de atormentar toda a vida. (...) Mas, pouquíssimas vezes o ambiente facilita-lhe o desenvolvimento dessas atividades. As amuações da casa, os receios da mãe, a compaixão dos que o cercam, manietam-no desde logo. (...) Essa estreiteza de mundo, essa falta de variedade nos brinquedos, essa repetição contínua das mesmas atividades, acaba por criar no cego O defeito mental que o acompanhará pela vida toda". Se a forma escolhida pelos pais para criar um filho deficiente estiver imbuída de valores negativos, esta criação Poderá até afetar outros filhos não-deficientes. As coisas precisam ser levadas naturalmente, mas nem sempre é isto O que acontece. Até que todos os valores culturais estejam, inculcados na cabecinha do irmão não deficiente, ele enxergará aquele irmão que nasceu com alguma deficiência apenas como uma pessoa que tem alguma coisa em seu corpo que não é igual ao dele. Ele fará distinções biológicas e estas evidentemente vão existir. Mas as distinções pessoais - como por exemplo, não querer brincar com o irmão deficiente, não querer falar com ele, ter vergonha dele etc, - não serão feitas porque neste nível para ele o irmão não é distinto. Mas, se no processo de crescimento os país e familiares separarem valorativamente um irmão do Outro, então aí poderá nascer a rejeição entre eles. Um irmão, por não ser deficiente, não terá que ter mais valor do que o deficiente. É claro que os cuidados dispendidos poderão ser eventualmente diferentes. Afinal, o irmão deficiente poderá solicitar maior atenção ou algum tipo de cuidado especial. Isso não quer dizer que tenha menos valor do que o outro. O não deficiente saberá entender de forma natural que seu irmão é diferente biologicamente mas não necessariamente a nível pessoal. Por outro lado, o que também não se pode deixar ocorrer é exatamente o inverso: o estigma de "diferente" passar para o filho não- deficiente. Se houver numa casa dois filhos, sendo um deficiente e o Outro não-deficiente, e nesta casa estiver presente o estigma valorativo, então um vai ser diferente do outro e o outro vai ser diferente do primeiro. Complicado, não? Deixe-me explicar. Pode ser, por exemplo, que o primeiro filho de um casal tenha nascido sem deficiência, mas o segundo filho tenha nascido deficiente. Neste caso, pode ocorrer que a atenção dada ao filho não-deficiente se volte toda para o deficiente, mais a carga valorativa. Em primeiro lugar, o filho não-deficiente se sentirá, com toda a razão invadido. "Pronto, acabou-se o que era doce, este moleque nasceu assim e se tornou o centro das atenções." Em segundo lugar, o ir mão não-deficiente poderá correr o risco, por paradoxal que isto possa parecer, de não ter os seus feitos e ações observados em seu devido mérito. Na medida em que seu irmão é deficiente, ele que é "normal" e "sadio" não fará mais do que a obrigação de fazer as coisas bem-feitas. Assim sendo, por mais que seja fantástica, não haverá merecimento algum em sua ação. E o irmão deficiente que deverá fazer as coisas malfeitas, o irmão não- deficiente deverá obrigatoriamente fazer as coisas bem-feitas. Passada a fase de criação,a criança deficiente entra na adolescência. Costuma-se dizer que a adolescência é a fase crítica das pessoas deficientes. Ora, a adolescência é a fase crítica de qualquer pessoa. Por ser crítica ela pode, na verdade, acrescentar alguns "grilos" na cabeça dos deficientes. Um deles é a "transa" com seu corpo. Existem na nossa sociedade valores culturais que dizem que o homem "perfeito" deve ser musculoso e viril e a mulher "ideal" possuir boas curvas. Até os 13 ou 14 anos um jovem qualquer não precisa necessariamente estabelecer relações valorativas de seu corpo com a sociedade. Até esta idade os jovens usam seu corpo para brincar, correr, nadar etc., e, salvo as pessoas portadoras de limitações muito fortes, as demais, de um jeito ou de outro, se quiserem, podem fazer tudo isso. Mas chegada a fatídica "idade da puberdade", os jovens são cobrados a fazer o seu corpo corresponder à carga de valores culturais. Nesta ocasião um corpo que não estiver em "ordem" (física e intelectualmente) encontrará as primeiras barreiras para interagir com o social. Até este momento, até os 13 ou 14 anos, as pessoas são "crianças". Até esta idade, as pessoas não devem ter responsabilidades, não precisam pensar direito (porque têm quem pense por elas), não precisam ter físico muito bem arranjado (até porque têm quem cuide delas). Ao atingir a adolescência, o jovem é iniciado a uma fase pré- adulta. Agora ele aprenderá a interagir com o mundo, a estudar de forma mais efetiva, a querer exprimir a sua sexualidade, a responder a uma série de responsabilidade a "começar a ser gente". Para tanto, este social em ordem não admitirá um a pessoa em desordem Uma pessoa "fisicamente diminuída" (expressão infeliz que consta de alguns livros sobre deficiência) ou "intelectualmente retardada" não poderá responder a todas as solicitações da formação sociocultural. Muita gente, inclusive alguns considerados especialistas, costumam dizer que as pessoas deficientes apresentam um comportamento próprio. Isso é como se existisse o "comportamento do deficiente". Equivale dizer todo o deficiente físico, sensorial e (até) mental apresentaria comportamentos análogos decorrentes, em última instancia, da sua própria deficiência. O cego seria desconfiado por natureza. O deficiente físico (principalmente o paraplégico) seria complexado por natureza. O deficiente mental se masturbaria por natureza. Todos os deficientes seriam sempre revoltados ou resignados por natureza. Sempre por natureza. Este é um outro aspecto que não está delineado. Vamos por partes. Aqui, acredito eu, precisamos verificar com muito cuidado os dois casos de deficiência - congênita e adquirida - em separado. Cabe lembrar, também, que à semelhança do que foi colocado anteriormente acerca da virtual presença de atraso e déficits cognitivos nas pessoas deficientes, aqui também não me parece que a questão está em saber se o deficiente apresenta ou não um tipo específico de comportamento. Pode ser que apresente, como também pode ser que muitas pessoas não-deficientes também apresentem, um tipo específico de comportamento. Na realidade, a questão está em saber por que um tipo específico de comportamento pode surgir. Vejamos os deficientes congênitos. Como já falei, as pessoas que nascem com deficiências crescem percebendo-se como pessoas que biologicamente possuem alguma diferença notável, a qual os outros não possuem. Muito provavelmente, não será isso que a fará ter um tipo qualquer de comportamento considerado "desviante". No que decorrer disto é que poderemos talvez encontrar o elemento gerador que faz apresentar este eventual comportamento. Quando criança, o deficiente não chega a ligar se aquela velhinha lhe disse que "Nosso Senhor Jesus Cristo, que para todo o sempre seja louvado, fará um dia você ficar bom". Ele também não chega a se preocupar quando a molecada da rua, o chama de "ceguinho", "aleijado", ou alguma coisa que o valha. Quando criança, ele como que adapta o mundo às suas limitações e, se não houver restrições, sairá por aí brincando correndo ao seu modo. É quando ele chega na adolescência que começará a ser cobrado por todos os valores socioculturais. Neste momento se apresentará para ele a divisão estrutural da sociedade. Ela o marcará e estigmatizará na subdivisão entre "iguais" e "diferentes". Ele a incorporará. Pode ser que se revolte ou se resigne ao se dar conta de que é um "deficiente". Pode ser que em fuga acredite que não é deficiente e inversamente assuma uma condição de "normal". Provavelmente, será aqui que se configurará seu primeiro "problema". Ao meu ver, é somente quando a pessoa deficiente introjecta as noções e regras socioculturais, que distinguem as pessoas em deficientes e não-deficientes, somente neste momento nascem de fato os "problemas". "Problema" é uma coisa relativa e também cultural. Para muitos deficientes as soluções possíveis e viáveis para a sua deficiência já foram encontradas. Não se trata mais, portanto, de um problema no sentido literal da palavra. As vezes, parece que as pessoas querem imputar um "problema" aos deficientes. As vezes, eles mesmo se imputam " problemas". O que estou querendo dizer é que esta palavra tem uma conotação pejorativa que indica que a pessoa tem um "problema" porque é deficiente. Não, não é bem assim. A não ser em casos de incapacidades gravíssimas, a deficiência em si não traz necessariamente "problemas" perpétuos e insolúveis. O que traz de fato "problemas" para as pessoas deficientes são as coisas que decorrem de seu meio social de vida. Eles estão muito mais ligados à organização sociocultural, do que à capacidade física das pessoas. Algumas mães de deficientes mentais chegam a dizer que têm um "problema crucial": nunca haverá quem cuide de seus filhos com a mesma paciência e atenção que elas lhes dão e que eles necessitam. Por isso, sequer podem morrer... Mas, esquecem-se que não é porque o filho é deficiente mental que elas não podem morrer. Elas não podem morrer porque a organização social em que vivemos não está preparada para acolher os deficiente s mentais. Assim, "problema" é não ter como melhorar a condição física e intelectual deste deficiente mental. "Problema" é os deficientes não conseguirem emprego, escola, não terem dinheiro para fazer reabilitação, não serem aceitos nos centros de reabilitação, morarem em favelas, não terem dinheiro sequer para comprar um aparelho ortopédico, uma cadeira de rodas, um aparelho auditivo ou uma bengala. Existem muitas maneiras de resolver " problemas" advindos exclusivamente da deficiência biológica. Existem talvez poucas maneiras de resolver "problemas" advindos de uma condição de vida precária. Mas, às vezes, alguns deficientes encontram outro tipo de "problema". Existem deficientes que não gostam muito de responder perguntas. As crianças são as mais perguntadeiras que existem. Aproxime-as de um deficiente e elas logo o puxarão pelo braço para perguntar: "por que você é assim?" Ou: "o que é que você tem?" E se o deficiente se constrange - o que muitas vezes ocorre - a criança logo diagnostica: "já sei, você não tomou vacina quando era pequenininho que nem eu". Mas isto não acontece só com as crianças. Quantas vezes não vemos um deficiente passando na rua e uma pessoa o olhando com uma expressão facial exatamente igual a um ponto de interrogação? Quando a pessoa que olha é mais desinibida, ela chega até o deficiente e pergunta: "como é que foi isso aí, ô meu?" Porém, quase sempre o deficiente se esquiva da pergunta. Talvez lhe seja difícil falar sobre. Lembro-me do caso de um rapaz deficiente que, perguntado numa roda de bate-papo se queria dar alguma opinião sobre um assunto diverso, mas que se relacionava com deficiência, disse um "não" em alto e bom som. Estas pessoas não se expõem. Não acredito sinceramente que a simples curiosidade seja danosa ou mesmo ofensiva. Acho que ela não
Compartilhar