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Amenorreia: Causas e Diagnóstico

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AMENORREIA
Amenorreia é um sintoma. O importante é que o desenvolvimento puberal tenha ocorrido de forma natural. Na menina é considerado normal o aparecimento dos caracteres sexuais secundários a partir dos 8 anos – um pouco antes, aos 6 anos, começam os picos noturnos do GnRH (hormônio hipotalâmico que estimula hipófise e ovário). A sequência mais comum é iniciar com telarca (8/9 anos) pubarca e estirão do crescimento menarca. Normalmente, depois que começa o botão mamário (telarca), as meninas menstruam uns 2 anos depois disso. 
A amenorreia é definida pela ausência de menstruação. É classificada em:
· Primária: 14 anos sem caracteres secundários ou 16 anos com caracteres secundários. Sempre se baseia pela telarca (mais relacionada ao estrogênio), enquanto a pubarca é mais relativa, dependendo mais dos hormônios suprarrenais e da genética.
· Secundária: ausência de menstruação por 6 meses ou 3 ciclos habituais. 
Fisiologia Endócrina e Diferenciação Sexual
O hipotálamo é responsável por secretar o GnRH, hormônio esse que exerce influência na hipófise, fazendo com que ela secrete os hormônios FSH e LH. Esses hormônios hipofisários atuam no ovário, estimulando a produção de estrogênio e progesterona. Esses hormônios estimulam o endométrio/ciclo ovulatório. A vagina e o útero íntegros fazem com que a menstruação aconteça – endométrio normal e exteriorização do fluxo. 
Diferenciação sexual masculina: necessita MIF e testosterona. Fator anti-mulleriano (MIF) e testosterona: genitália interna e externa masculinas. Caso a gônada for masculina, entra em ação o MIF, que provoca regressão dos ductos de muller e desenvolvimento da genitália masculina. 
Diferenciação sexual feminina: ocorre o contrário – ausência de MIF e testosterona. Vagina de terço inferior é formada junto com os caracteres externos da genitália; depois ainda deve ocorrer uma fusão do terço superior com o terço inferior da vagina. 
Anamnese
Questionar a paciente sobre seu ciclo menstrual – lembrar que é considerado normal um ciclo com intervalo de 25 a 35 dias (média de 28), contando do primeiro dia de uma até o primeiro dia de outra; duração de 7 a 8 dias (média de 4-5); fluxo em média de até 80ml/dia (avaliar pelo número de absorventes cheios por dia). Avaliar também histórico menstrual familiar, idade da menarca.
Investigar sobre estado nutricional, crescimento e desenvolvimento; disfunção fisiológica; anomalias genéticas; estilo de vida/estresse; exercícios; doenças e traumatismos prévios do SNC; galactorreia; medicações em uso; história de infecções ou manipulações pélvicas; possibilidade de gestação; antecedentes gineco-obstétricos. 
Classificação de Tanner: importante no diagnóstico diferencial da amenorreia primária. No estágio 2 é quando se inicia a telarca. A menarca costuma ocorrer em estágio M4P4 – o tecido glandular mamário já está aumentado, mas acontece a protusão do mamilo. 
Exame Físico
Avaliar estado nutricional (IMC) – gordura/massa magra; PA; caracteres sindrômicos (principalmente na amenorreia primária) – malformações e outras características; exame ginecológico completo; estágio de Tanner; sinais de disfunção tireoidiana/palpação da tireoide (todas as pacientes); manifestações de hiperandrogenismo (hirsutismo, acne, aumento de oleosidade). 
AMENORREIA PRIMÁRIA
Etiologias
Começar sempre a pensar em causas anatômicas – vulva, vagina, útero, para depois pensar nas gonadais – ovários, depois na hipófise e hipotálamo.
· Anatômicas: hímen imperfurado; ausência congênita de útero/vagina; septo vaginal transverso.
· Gonadal: síndrome X frágil; síndrome ovário resistente; destruição de tecido ovariano (auto-imune, infecções, radioterapia, quimioterapia); deficiência na síntese de estrógenos; disgenesias; pseudo-hermafroditismo masculino (insensibilidade androgênica, deficiência 5 alfa-redutase).
· Hipofisárias: deficiência isolada de gonadotrofinas; resistência ao GnRH; insuficiência hipofisária (infecções, Kernicterus neonatal, síndrome da sela vazia); tumores hipofisários.
· Hipotalâmicas: neoplasias SNC; injúrias ao SNC (traumas, hidrocefalias, radiação); anorexia nervosa e bulimia; excesso de exercício físico; atraso constitucional; doenças crônicas; síndrome de Kallman.
Investigação
Inicialmente deve-se realizar uma boa anamnese e exame físico. Quanto aos exames complementares, pede-se FSH, estradiol, TSH e prolactina – de preferência esses hormônios, se a paciente tiver ciclos irregulares, devem ser colhidos entre o 3ºe 5º dia do ciclo (nas que não menstruam colher em qualquer dia). Além disso, pede-se USG pélvica para afastar causas obstrutivas e presença/ausência de útero, espessura do endométrio).
Causas Anatômicas
20% dos casos. Causam obstrução ao fluxo menstrual = criptomenorreia. Ou seja, a paciente tem tudo funcionando, mas o sangue não sai. Dentre as causas mais comuns de criptomenorreia, a primeira é o hímen imperfurado (já pode fazer o dx mesmo antes de menstruar, só fazendo o exame de genitália externa), septo vaginal transverso, agenesia de colo vagina ou Síndrome de Mayer-Rokitansky-Kuster-Hausar (agenesia de útero e terço superior da vagina).
Causas Gonadais (Ovário)
Na clínica da paciente, manifesta-se com amenorreia e quando for examinar a parte externa é normal, mas a paciente não está menstruando. Quando faz exames hormonais, vai ter alteração ovariana – o ovário não vai produzir o estrogênio e a progesterona. Isso faz com que, por feed back negativo, estímulo para aumento do FSH e LH. Por isso, quando tem alteração ovariana, chama-se de Hipogonadismo hipergonadotrófico. As causas mais comuns são as mal formações genéticas. Logo, é obrigatório que se peça o cariótipo. 
· Síndrome de Turner (45, X): ovários não funcionantes ou vida média curta; genitália pré-púbere; útero, vagina, trompas presentes, mas infantilizados; baixa estatura; pescoço alado; tórax em escudo; implantação baixa de cabelos; cubitus valgus. Raro ver a síndrome de forma tão característica. 
· Mistas (45,X / 46, XY): até tem alguns folículos, algumas pacientes fazem caracteres secundários normais, fazem menarca, mas tem vida fértil curta pois são poucos folículos. Manifesta alguns sintomas, mas não síndromes clássicas. 
· Pura (Sd. Swyer – 46, XY ou 46,XX)
Existem algumas outras manifestações genéticas que fazem o desenvolvimento de caracteres sexuais secundários, mas fazem amenorreia. É o caso da Síndrome de Morris (Síndrome de Insensibilidade Androgênica Completa), com cariótipo 46, XY. Quando tem desenvolvimento do embrião, tem testículo, mas tem insensibilidade na produção de testosterona (alterações nos receptores). Por não ter sensibilidade nos receptores, a paciente vai desenvolver caracteres sexuais externos femininos, porém o cariótipo é masculino, então tem tecido testicular. A genitália externa é feminina; mamas firmes (testosterona convertida perifericamente em androgênio), vagina fundo cego, ausência de útero; pilificação escassa ou ausente; gônadas inguinais ou labioescrotais; LH alto/testosterona normal ou aumentada. A partir do momento que se faz o diagnóstico, preconiza-se que a paciente tome ciência da doença e de seu cariótipo/fenótipo. O tratamento é feito através de exérese cirúrgica das gônadas, que pode ser após a puberdade na completa, e terapia hormonal após exérese das gônadas. Nessas pacientes jovens, que é feito o dx, no momento que a paciente começa a pensar em atividade sexual, a forma mais comum é através do uso de dilatadores vaginais – auxílio de fisioterapia – e, normalmente, essas pacientes conseguem ter uma vagina completamente funcionante. 
Outra alteração que causa o hipogonadismo hipergonadotrófico é a deficiência da 5-alfa-redutase. Durante a embriogênese, existe formação do testículo, mas a enzima que converte a testosterona em DHT está ausente. Isso pode levar a vários graus de ambiguidade. Altera também a puberdade. Nesses casos, o fenótipo pode ser confuso – pode não formar a genitália externa bem feminina. Isso faz com que, no momento do nascimento, seja necessário definir o sexo decriação. Nos exames laboratoriais tem testosterona aumenta, mas DHT diminuída. O tratamento é feito conforme a decisão do sexo, se masculino realiza-se orquidopexia e terapia com androgênios e, se feminino, retiram-se as gônadas e faz-se terapia hormonal com estrogênio. 
Disgenesia gonadal pura: a gônada não funciona. Fenótipo feminino com cariótipo masculino (não produz testosterona), mamas escassas ou ausentes, presença de derivados dos ductos de Muller (podem ser hipoplásicos), pilificação normal, estatura normal ou elevada (XY). O tratamento envolve a retirada precoce das gônadas (XY) e terapia hormonal feminina. 
Causas Hipofisárias e Hipotalâmicas
O estrogênio e a progesterona estão baixos porque a hipófise não produz FSH e LH. Chama-se, então, de hipogonadismo hipogonadotrófico. Sempre que pegar uma paciente que tiver estrogênio e progesterona, bem como FSH e LH baixos, lembrar de sistema nervoso central. O ideal é que se exclua as lesões de SNC através de TC ou RNM. Faz-se exame de neuroimagem e de laboratório pede-se, também, prolactina e TSH.
Hipofisárias: lesões do SNC; radioterapia; deficiência isolada de gonadotrofias; pan-hipopituitarismo; síndrome da sela túrcica vazia; encefalite.
Hipotalâmicas: doenças crônicas; constitucional; desnutrição; exercício; estresse; Síndrome de Kallman; tumores. Mais comum que se faça na amenorreia secundária, mas algumas meninas podem fazer amenorreia primária principalmente relacionada a desnutrição, exercício e estresse. 
AMENORREIA SECUNDÁRIA
Acontece em pacientes que já menstruaram. Deve-se, também, prezar por uma boa anamnese e um bom exame físico. A causa mais comum é gravidez. Então, em toda paciente que para de menstruar, deve-se questionar atividade sexual, mesmo que esteja usando algum método contraceptivo. 
Exames de investigação inicial: B-HCG, TSH, Prolactina, FSH (ideal < 20 / boa reserva ovariana < 10), estradiol (entre 60 a 80), teste de progesterona, USG.
Prova da progesterona: teste de primeiro tempo. No posto de saúde, que pode demorar para conseguir outros exames hormonais, faz -se um exame físico que dá normal, não tem estigma, pede o B-HCG e os outros. Nesse meio tempo, pode fazer esse teste da progesterona para ver se o útero está sendo estimulado. Prescreve-se Acetato de Medroxiprogesterona 10mg durante 7 dias. Após 2 a 10 dias haverá uma hemorragia de privação. O teste positivo significa estrogênio normal, endométrio responsivo e trato genital competente. Então, elimina-se algumas causas já. Importante sempre lembrar do B-HCG antes.
Com prova da progesterona positiva: a causa mais comum é anovulação. Dentre as causas mais comuns de anovulação tem-se as de origem ovariana (Sd ovário policístico é a mais comum, tumores ovarianos), origem adrenal (Sd Cushing, hiperplasia adrenal congênita, tumores virilizantes), obesidade/baixo peso/exercícios físicos excessivos, doença tireoidiana. 
· Síndrome dos Ovários Policísticos: para o diagnóstico precisa de 2 dos 3 critérios (Critérios de Roterdam) – anovulação; sinais clínicos ou bioquímicos de hiperandrogenismo; ovários micropolicísticos ou volume ovariano > 10cm³ na ecografia. 
Com a prova da progesterona negativo ou na ausência do teste, pode-se fazer um teste com ciclo de estrógeno + progesterona. Prescreve-se Estradiol 2mg/dia por 21 dias e Acetato de Medroxiprogesterona 10mg/dia nos últimos 10 dias OU Pílula anticoncepcional combinada. O estrógeno vai causar proliferação do endométrio e o progestágeno a decidualização. Em caso de teste positivo, ou seja, que a paciente menstrua, sabe-se que a cavidade endometrial é normal. Se for negativo, pensa-se em causas uterinas. Dentre elas, é importante lembrar das pacientes que já menstruaram e começaram com amenorreia, sempre pensando nas manipulações uterinas - Síndrome de Asherman: caracterizada por sinéquias uterinas decorrentes de curetagem prévia, DIP, endometrite pós-parto, TB ou manipulação uterina. O diagnóstico, nesse caso, é feito por histeroscopia ou histerossalpingografia. O tratamento é através da ressecção das sinéquias. Se o teste for positivo, avalia-se a dosagem do FSH. 
· FSH aumentado: causa ovariana (Hipogonadismo hipergonadotrófico). Lembrar da falência ovariana prematura, quando os ovários deixam de produzir estrogênio antes dos 40 anos. Isso ocorre por vários mecanismos – cromossômicos/genéticos, infecciosos (caxumba), iatrogênicos (QT, RDT, cirurgia), metabólicos (galactosemia), autoimunes (30% - ooforite auto-imune). Associação com Hashimoto, hipoparatireoidismo, doença de Addison, Miastenia Gravis.
· FSH normal ou diminuído: causa hipofisária ou hipotalâmica (hipogonadismo hipogonadotrófico). Quando se suspeita de causa do SNC, para distinguir entre causa hipofisária x Causa Hipotalâmica, faz-se o Teste do GnRH. Administra-se GnRH EV 100mcg e dosa o LH e FSH 30 e 60 min após a administração. Ocorre aumento de cerca de 200% das gonadotrofinas se a hipófise é funcionante. É um teste caro e de mais difícil acesso, mas serve como recurso na investigação. 
A causa hipofisária mais comum são os prolactinomas, que causam hiperprolactinemia – tumores benignos que crescem na hipófise e produzem prolactina, tendo ação direta no hipotálamo, reduzindo a secreção de GnRH. 
A hiperprolactinemia também pode ter origem medicamentosa (estrogênios, antagonistas da dopamina como a metoclopramida e antipsicóticos, inibidores da MAO, ISRS, antidepressivos tricíclicos, metildopa, bloqueadores de canal de cálcio), neurogênica (lesão da parede torácica – cx mama com muita manipulação, herpes zoster), por hipotireoidismo, insuficiência renal, cirrose hepática ou idiopática. É um hormônio que se altera muito facilmente por várias coisas – no dia anterior da dosagem deve-se orientar a ficar tranquila, sem consumir álcool, sem estresse, dormir cedo. 
Outras causas hipofisárias são o pan-hipopituitarismo, outros tumores hipofisários (adenomas secretores de ACTH ou GH, craniofaringiomas, carcinoma metastático), lesões hipofisárias por anóxia, trombose ou hemorragia (Sd de Sheehan- hipotensão por hemorragia no parto). 
Na suspeita de causas hipofisárias pede-se exames de imagem (preferência por RNM, mas pode ser TC ou na ausência delas o Rx de Sela túrcica) dosagem dos hormônios hipofisários (ACTH, GH, TSH, PRL). O tratamento usualmente é reposição hormonal, mas cirurgia ou radioterapia podem ser utilizadas em certos casos. 
Dentre as causas hipotalâmicas, temos as lesões anatômicas – craniofaringiomas, Sd de Kallmann, tuberculose, sarcoidose, sequelas de encefalite- ou por bloqueio prolongado do eixo hipotálamo-hipófise – causado por gestação ou anticoncepção hormonal (o acetato de medroxiprogesterona injetável pode fazer até 18 meses de anovulação) – bastante comum. As causas hipotalâmicas também podem estar relacionadas a atividade do dia a dia, sobretudo com atividade física intensa e estresse psicossocial. O aumento das betaendorfinas e catecolestrógenos, fazendo alteração e inibindo o hipotálamo. Perdas de peso importantes ou restrição dietética importante, bem como desnutrição e anorexia nervosa, também podem ser causa. A diminuição da gordura corporal causa diminuição da secreção de GhRH, o que diminui a frequencia dos pulsos de LH. A tríade da atleta é composta por amenorreia + osteoporose + transtornos alimentares. Nesses casos é importante um tratamento multidisciplinar, diminuindo o ritmo de atividade física, 17% de gordura corporal para menarca, 22% para manutenção das menstruações, suplementação de cálcio e vitamina D, terapia hormonal. 
Conclusão
Anamnese e exame físico adequados a fim de guiar a investigação diagnóstica. O tratamento visa corrigir a causa primária da amenorreia, desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários, prevenção de osteoporose e de doenças cardiovasculares.

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