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Direito da Saude

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NOME - LUCIANA VIEIRA ALVES / Cód.: 328977
CURSO - REGULAÇÃO, CONTROLE, AVALIAÇÃO E AUDITORIA NA SAÚDE - PÓS_IBF_01032019_5283
DISCIPLINA – DIREITO DA SAÚDE
DIREITO DA SAÚDE
Os registros históricos revelam que no Brasil até o final da década de 70, o sistema público de saúde se preocupava somente com o combate em massa de doenças infectocontagiosas, por meio de campanhas de saúde. Todavia, os resultados insatisfatórios motivaram na década seguinte à implantação de uma assistência pautada no modelo técnico-biologicista, que de modo semelhante ao anterior não garantiu resolubilidade do atendimento.
Em nível mundial, a Organização Pan-americana da Saúde (OPAS), descrevia na época um quadro sanitário preocupante que combinava baixa cobertura assistencial e disseminação de doenças marcadamente da pobreza, como as verminoses e aquelas de veiculação hídrica. 
No cenário nacional, a insatisfação generalizada com o sistema de saúde desencadeou uma série de discussões sobre políticas, que se voltaram para questões como extensão de cobertura dos serviços, reconhecimento do direito à saúde e a responsabilidade da sociedade em garantir os cuidados básicos aos seus cidadãos. Tais questionamentos representaram os primeiros passos para a universalização do acesso.
Finalmente, com a promulgação da Constituição Federal da República no ano de 1988, a saúde passou a ser um direito de todos os cidadãos e dever do Estado, não se limitando mais a uma parcela de contribuintes da previdência. A partir de então, todas as ações implantadas visaram elevar a qualidade de vida da população, controlar as doenças endêmicas e parasitárias, reduzir as enfermidades crônicas e investir na vigilância à saúde, substituindo gradativamente o modelo tradicional de assistência, orientado para a cura de doenças no espaço hospitalar.
Assim sendo, no Brasil, a saúde como um direito fundamental foi pioneiramente institucionalizada na Constituição de 1988, onde em seu artigo 6º a consagrou como um direito social e no artigo 196 disciplinou como direito de todos relacionado diretamente ao princípio da dignidade da pessoa humana. Posteriormente, a Lei N. 8.080/90 regulamentou este direito subjetivo em todo o território nacional, a ser concretizado por meio de ações e serviços de saúde, cabendo ao Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.
Segundo d’Ávila e Saliba (2017) trata-se de uma conquista resultante de décadas de luta pela redemocratização e pela Reforma Sanitária. Assim, pressupõe a saúde como bem-estar, capacidade e qualidade de vida, levando ao pleno exercício dos direitos civis, políticos, sociais, econômicos e culturais e tendo como meios condutores as diretrizes dos direitos humanos e o eixo de valores e direitos fundamentais para a justiça social enquanto liberdade, desenvolvimento e paz. 
Isso significa que compete ao Estado garantir a saúde, como direito constitucional do cidadão (individual) e da coletividade (pública) por meio, sobretudo, das políticas públicas que podem ser definidas como todas as intervenções de governo, divididas em atividades diretas de produção de serviços pelo próprio Estado e em atividades de regulação de outros agentes econômicos, também como conjunto de disposições, medidas e procedimentos que refletem a orientação política do Estado e regulam as atividades governamentais referentes às tarefas de interesse público.
No que diz respeito ao aspecto social, o direito à saúde privilegia a igualdade de todos que vivem em sociedade, que deverão preservar a sua saúde e também a de todos que necessitam. Esse é o motivo das normas jurídicas que obrigam a vacinação, o controle de epidemias ou até mesmo o tratamento e isolamento de determinadas doenças. A garantia dos cuidados de saúde no mesmo nível a todos também responde à exigência de igualdade. 
Em um consenso, ao longo dos anos 80 e 90, em relação à política de saúde, optou-se pela ampliação da participação democrática e da garantia dos direitos de cidadania, mediante conformação de um sistema público de saúde com características universalizantes, de cunho igualitarista, sustentado pela ideia de justiça social. 
As diferenças que distinguem o Sistema Único de saúde (SUS) do sistema anterior se referem basicamente a garantia da existência de um sistema articulado entre a união, os Estados e os municípios, a construção de bases em princípios norteadores únicos e a introdução de princípios doutrinários. Dentre estes destaca-se a universalidade, por romper com o excludente modelo anterior, além dos princípios de integralidade e equidade. Contudo, apesar dos avanços obtidos nas últimas décadas no modelo assistencial do sistema de saúde, a dificuldade em garantir o acesso do usuário aos serviços públicos de saúde, com uma assistência integral e resolutiva, persiste como um grande desafio, frequente em todos os cenários: municipal, regional, estadual e nacional.
Portanto, desde a sua criação o SUS vem enfrentando desafios relevantes, sobretudo em relação às questões acerca do financiamento e gestão, consideradas como dilemas que já poderiam ter sido resolvidas de maneira a proporcionar uma atenção mais digna, efetiva, justa, integral e de qualidade aos seus cidadãos.
Pensar a saúde como direito de todos é uma tarefa complexa, dadas as desigualdades de acesso a condições dignas de vida. Por essa razão, a aproximação entre o Direito e a saúde tem sido cada vez maior. Não é difícil observar tribunais, promotorias, defensorias, e outros espaços jurídicos que têm atuado cada vez mais na garantia do direito à saúde no Brasil, uma vez que os serviços do sistema público de saúde compreendem estruturas organizacionais e técnicas extremamente diversificadas, disponibilizando à população desde consultórios individuais e unidades básicas, até hospitais terciários e especializados. Tem-se, então, uma rede operada através de um conjunto de normas operacionais em que se define formas de financiamento e atribuições e competências de cada nível de governo, utilizando-se de prestadores públicos e privados de serviço e destinados a proporcionar, de forma gratuita e universal, cobertura a toda a população brasileira. 
Por conta da grande demanda de atendimento, hoje tem-se a indispensabilidade do direito ao atendimento à saúde, o que vem exigindo do Judiciário ser um garantidor deste direito fundamental. Trata-se do fenômeno da “judicialização da saúde” ou “judicialização da medicina”, que consiste em um evento sociojurídico que se manifesta notadamente nos processos judiciais que visam a concessão de medicamentos ou procedimentos médicos e assistenciais. 
Necessário se faz esclarecer que as vias da judicialização são basicamente três formas possíveis: ações judiciais em casos como de medicamentos e prestações de serviços de saúde de alto custo; reclamações por responsabilidade profissional médica, ou seja, casos de erros médicos por negligência, imperícia, má-conduta, entre outros; e conflitos éticos, que terminam se resolvendo, muitas vezes, na Justiça.
Especificamente o fornecimento de medicamentos denominados “de alto custo” ou excepcionais, não incorporados às listas do SUS, vem fazendo com que o fenômeno da judicialização em saúde alcance grandes proporções, devido ao aumento no número de ações com base no direito constitucional à saúde, com reflexos em todos os entes federativos, considerando os elevados custos envolvidos.
Wang et al. (2014) informam em seu estudo que o custo das ações e os limites até os quais o Estado pode gastar sem prejudicar outras políticas públicas são grandes problemas, já que no ano de 2005, o custo do Ministério da Saúde para atendimento de ações judiciais em saúde foi de R$ 2,5 milhões. No ano de 2009, essas ações resultaram num gasto de R$ 83 milhões, o que representou cerca de 1% do orçamento total da saúde. Em 2010, somaram gastos de R$ 132,6 milhões (1,8% do total do orçamento destinado ao departamento) passando para aproximadamente R$ 266 milhões em 2011. Tais dados representaram um crescimento de 5000% em seis anosno que concerne à dispensa orçamentária relativa a essas demandas. 
Dados mais recentes mostram que os gastos do Ministério da Saúde com a judicialização cresceram 4.600% no período de 2007 a 2018. Levantamento publicado por este órgão revelou que os dez medicamentos mais caros para tratamento de doenças raras representaram 87% do total de R$ 1,4 bilhão gasto com a “judicialização da Saúde” em 2018, o equivalente a 1% do orçamento. Para atender a 1.596 pacientes, o governo desembolsou R$ 1,2 bilhão (um custo médio de R$ 759 mil por paciente) (MOROZOWSKI, 2019).
A maior demanda judicial brasileira no âmbito da saúde é constituída por pedidos, de caráter individual ou coletivo, de medicamentos de alto custo, que se respaldam em uma prescrição médica e na suposta urgência para solucionar determinado “problema de saúde”, em muitos casos raro. Seja pela negativa em fornecer o medicamento ou pelo tempo imposto ao indivíduo, os órgãos do Poder Executivo vêm falhando na prestação da assistência farmacêutica, especialmente na dispensação de medicamentos, que tem sido resolvida nesses casos pela busca ao Poder Judiciário.
Andrade e Andrade (2010), ao analisarem o SUS e o direito à saúde do brasileiro, a partir dos seus princípios, sobretudo da universalidade da cobertura, concluem que na teoria o sistema de saúde público é inclusor, generoso e utópico. Busca em seus propósitos fazer justiça distributiva, igualando as pessoas e buscando proporcionar a todos uma assistência digna e de qualidade. Entretanto, na realidade, permanece favorecendo a política neoliberal de estado mínimo, já que aproximadamente 20% da população busca a assistência suplementar, por entender ser o SUS de difícil acesso e baixa qualidade. A universalidade proposta pelo SUS, para ser real, deve contemplar não apenas a intenção, mas principalmente a efetividade.
Em face ao exposto constata-se que a saúde caracterizada como direito social garantida constitucionalmente no Estado Democrático de Direito, quando tratada de modo individual, corre o risco de perder esta sua premissa social e adquirir o aspecto individual e, sobrecarregar o Poder Judiciário com ações, como, por exemplo, o acesso e custeio de medicamentos e tratamentos. 
Portanto, é urgente a efetivação do direito à saúde no cenário nacional por ser um instrumento de justiça social, pois, além de permitir o exercício de outros direitos, exige o repensar de estruturas e comportamentos enraizados, levando ao estabelecimento de novas relações entre as instâncias de poder e promovendo a inclusão social.
Referências
ANDRADE, E.N.; ANDRADE, E.O. O SUS e o direito à saúde do brasileiro: leitura de seus princípios, com ênfase na universalidade da cobertura. Rev. Bioética, v. 18, n. 1, p. 61-74, 2010. 
D’ÁVILA, L.S.; SALIBA, G.R. A efetivação do direito à saúde e sua interface com a justiça social. Rev. Direito Sanitário, v. 17, n. 3, p. 15-38, 2017.
MOROZOWSKI, A. Judicialização da saúde – Valor Econômico. 2019. Disponível em: https://www10.trf2.jus.br/comite-estadual-de-saude-rj/judicializacao-da-saude-valor-economico-12619/. Acesso em: 10 jun. 2020. 
PRADO, A.P.B.S.P. Direito fundamental à saúde: direito social tratado como direito individual no Brasil. 2012. 126f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito do Sul de Minas. Programa de Pós-Graduação em Direito, Pouso Alegre, 2012. 
WANG, D.W. et al. Os impactos da judicialização da saúde no município de São Paulo: gasto público e organização federativa. Rev. Administração Pública, v. 48, n. 5, p.1191-1206, 2014.

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