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História da Filosofia Medieval O começo da Patrística Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Prof. Dr. Américo Soares da Silva Revisão Textual: Prof. Ms. Selma Aparecida Cesarin 5 • O começo da Patrística • O Gnosticismo • A escola de Alexandria Para um bom aproveitamento e desenvolvimento de seus estudos, é necessário começar com o acesso ao Material Didático. É lá que você poderá encontrar o Texto Teórico, cujo conteúdo corresponde à base das atividades desta Unidade. Leia-o com bastante atenção! Você pode verificar se houve uma boa compreensão do tema ao responder as questões da Atividade de Sistematização. São questões sobre os principais aspectos abordados no texto. O aprofundamento da discussão será obtido nos Materiais Complementares, da Apresentação Narrada e da Videoaula. Por fim, realize a Atividade de Aprofundamento da Unidade. Lá, você encontrará dicas para aprimorar ainda mais seus conhecimentos sobre o tema. A Idade Média foi um período impar para a história da Filosofia devido a um processo de aproximação do pensamento filosófico herdado dos gregos com o Cristianismo. A patrística marca o início dessa busca de articulação, muitas vezes tensa, entre a fé e a razão. O começo da Patrística 6 Unidade: O começo da Patrística Contextualização 7 O começo da Patrística A história da Filosofia traz desafios próprios enquanto disciplina filosófica. É difícil construir um consenso em torno, por exemplo, das áreas de corte e formar blocos históricos sobre o desenvolvimento de ideias. Estabelecer para fins didáticos um início e um fim para determinado período na história do pensamento sempre será uma construção artificial, construção esta sujeita ao olhar do autor do texto. Muitas vezes, diante desse dilema, o estudante de Filosofia se vê forçado a perguntar: Qual acontecimento histórico? Qual data? Ou ainda, e bastante relevante: A partir de qual autor? O fato de não haver consenso não retira a objetividade da história da Filosofia, pois grandes linhas mestras se formam de maneira tal que estudiosos importantes, que divergem sobre pontos específicos, convergem em torno desses aspectos mais gerais, como, por exemplo, situar Agostinho e Tomás de Aquino como grandes nomes e representantes da assim nomeada Filosofia Medieval. Não apenas esses – tidos como gigantes em suas épocas – deixaram suas contribuições, como diversos outros autores de menor renome, que são poucos citados na formulação de conteúdos para os manuais de Filosofia. O pensador, Auguste Rodin. Thinkstock/Getty Images Aliás, essa é uma peculiaridade que recai sobre a Filosofia Medieval como um todo. Infelizmente, não é incomum ela ser deixada em segundo plano – às vezes, tanto por estudantes, como por docentes – salvo nos casos em que a instituição de ensino por sua própria história guarda afinidades específicas com o tema (faculdades de Filosofia ligadas a seminários, por exemplo). Entendemos que muito dessa falta de apetite pelos estudos do período tem origem naquilo que dá à Filosofia Medieval sua própria identidade, a saber, a tensão entre a fé e a razão. Nos tempos modernos, o sentimento de que a Razão ganhou da Fé ajuda a explicar certo desinteresse por um período e pelos pensadores que dele fizeram parte e que tentaram, de diferentes formas, articular os domínios da fé e da Filosofia. Não é rara a referência ao período medieval como Idade das Trevas, em contraposição à Idade das Luzes do iluminismo. O chamado Mundo Medieval foi fortemente marcado pela questão da fé, isso é verdade; como também os historiadores não negam o forte componente de intolerância e de perseguições religiosas. Os Estados laicos modernos carregavam consigo a promessa de que os excessos cometidos em nome da fé não se repetiriam (ou pelo menos essa era a ideia). No entanto, o período apresenta riqueza de pensamento e cultura própria, que merece ser estudada. A história do pensamento e da cultura medieval não pode ser resumida à Inquisição, por exemplo. 8 Unidade: O começo da Patrística Tendo isso em vista, a recomendação a todo aquele que se debruça sobre o pensamento do período é desarmar-se de reservas intelectuais que o impeçam de perceber a interessante sutileza e a busca pela sabedoria feita pelos pensadores da época. Estudar um determinado conjunto de ideias não garante, necessariamente, conversão ou afastamento das convicções existenciais dos indivíduos. Ateus estudam autores influenciados pela fé e pesquisadores cristãos ou mulçumanos de diferentes vertentes podem ler autores que foram convictos ateus em seu tempo. Assim sendo, vamos assinalar um ponto de partida para a discussão que faremos em torno da Filosofia Medieval. A perseguição aos cristãos patrocinada pelo império romano foi intensa. Todavia, por mais violentas que tenham sido, não conseguiram desarticular ou sufocar por completo aquele movimento religioso. No início do século IV (do calendário cristão), o império estava às voltas com uma grave crise militar e com lutas internas pelo poder. Constantino, filho de Constâncio, combatia para reunificar o império. E como bem lembra Cláudio de Cicco: Segundo rezava antiga tradição, Constantino implorou o auxílio divino na batalha da Ponte Mílvio, pois sua mãe, Santa Helena, era cristã. Apareceu-lhe então uma cruz luminosa com as palavras In hoc signo vinces – Com este sinal vencerás (...) Após derrotar seu concorrente, Maxêncio, Constantino se tornou o único imperador romano e, pelo Edito de Milão (313), considerou o Cristianismo religião permitida no Império, oficializada depois por Teodósio, como religião do Estado (Édito de Tessalônia, 28-2-380) (DE CICCO, 2013, p. 76). Como dissemos antes, é difícil estabelecer fronteiras rígidas quando se trata de história do pensamento. Contudo, o momento em que o Cristianismo deixou para trás a condição clandestina para poder professar suas ideias abertamente abriu espaço ainda maior para o seu enraizamento na cultura europeia. Tataryn77/Wikimedia Commons 9 Outro fator que não deve ser desprezado é que sem o Edito de Milão, no cair das luzes do império romano, a vitória de Constantino não seria capaz de dirimir completamente as crises do império, que começou uma marcha de decadência do poder central e de transformações políticas que o fariam gradualmente se metamorfosear no mundo medieval. Na época, já existia uma batalha cultural cujo prêmio seria, nos anos seguintes, os corações e mentes da maioria da Europa. De um lado, o Cristianismo, que ganhava forças, mesmo quando na clandestinidade, e que alcançaria um vigor muito maior com a suspensão das barreiras impostas pelo império. De outro lado, a herança cultural grega, que os romanos assimilaram ao longo dos séculos, uma tradição que remetia aos filósofos gregos de outrora. As escolas de pensamento deles derivadas eram epicuristas, estoicas, sofistas, neoplatonistas, pitagóricas etc. Estavam postas as condições para as tensas relações entre fé e Filosofia, que estariam na pauta das discussões dos séculos seguintes. Etienne Gilson expressou com aguda lucidez essa dicotomia: O cristianismo se dirige ao homem, para aliviá-lo da sua miséria, mostrando- lhe qual a sua causa e oferecendo-lhe remédio para ela. É uma doutrina da salvação, e é por isso que é uma religião. A filosofia é um saber que se dirige à inteligência e lhe diz o que são as coisas; a religião se dirige ao homem e lhe fala de seu destino, seja para que se submeta a ele, como no caso da religião grega, seja para que o faça como no caso da religião cristã. É por isso, aliás, que, influenciadas pela religião grega, as filosofias gregas são filosofias da necessidade, ao passo que as filosofias influenciadas pela religião cristã serão filosofias da liberdade (GILSON, 1995, XVI). Essa fórmula de Gilson traz um grande subsídio para o debate em torno da evolução das ideias filosóficas, de maneira mais geral, e da Filosofia dita medieval,em particular. Não condiz com o espaço de discussão formulado neste texto polemizar sobre as escolhas existenciais de abraçar ou rejeitar a ideia da salvação, mas sim, focarmos em questões de como os valores culturais de uma determinada época e o pensamento filosófico se interpenetram. Enquanto a visão grega de mundo considerava o homem integrado à natureza (phyisis), num sentido amplo, podemos reencontrar essa percepção em diferentes escolas de pensamento posteriores, em que a harmonia ganha destaque. Por outro lado, outras linhas de pensamento irão lançar-se na ideia das escolhas e na consequência dessas escolhas. Ao longo dos séculos, a história da Filosofia encontra e reencontra a discussão sobre o predomínio da Razão (inclinando-se para as escolhas racionais) ou o predomínio das Paixões (dando-lhes livre curso). Essa disputa está presente em autores como Aristóteles, Descartes, Rousseau, Kant e Nietzsche, entre outros. Obviamente, não é o advento do Cristianismo que inicia essa discussão no Ocidente, mas o surgimento dele contribuiu diretamente ou indiretamente para o debate, pois é assim que nos deparamos com pensadores cristãos como Tomás de Aquino e ferrenhos opositores da ideia cristã de salvação, como Nietzsche. 10 Unidade: O começo da Patrística Thinkstock/Getty Images Porém, para nos mantermos nos limites propostos, direcionaremos a discussão para o início do processo em que os pensadores medievais puderam operar uma aderência do pensamento herdado da cultura grega e os valores do Cristianismo. Como bem apontam Giovanni Reale e Dario Antiseri (ver. REALE; ANTISERI, 2002), formou-se uma urgência em se defender os fundamentos da fé cristã dos constantes ataques e objeções patrocinadas por pagãos (principalmente de origem grega) e por infiéis (neste momento, por judeus e grupos considerados heréticos com interpretação própria dos textos bíblicos e, muito mais tarde, pelo mulçumanos, que seriam relacionados ao hall dos infiéis). Os autores destacam três fases principais de movimento do pensamento. Primeiramente, durante o século I, figuras históricas como Inácio de Antióquia e Policarpo de Esmirna, chamados também de Padres apostólicos, por serem ligados ao Cristianismo primitivo e estarem centrados em questões de ordem mais teológica e da ascese. O momento seguinte foi a defesa organizada do Cristianismo, já ao longo do século II, tendo em vista obter o reconhecimento do Cristianismo por parte do império. Neste período, a Filosofia é adversária, mas também fornece aos Padres apologistas armas de defesa e, no um início desse amálgama entre filosofia grega/teologia cristã, tal prática ganha força no século III, principalmente a partir de matizes de origem platônica, pelos Padres da Igreja. Ainda segundo os autores, em definição mais geral: “Os Padres da Igreja, portanto, são todos aqueles homens que contribuíram de modo determinante para construir o edifício doutrinário do cristianismo, que a Igreja acolheu e sancionou” (REALE; ANTISERI, 2002, p. 400). Neste contexto, entre os apologistas do século II, é importante destacar o papel desempenhado por Justino Mártir, filho de pais pagãos, que teria se convertido em período anterior ao ano de 132 d.C. e martirizado por volta do ano 165 d.C. - é preciso recordar que neste período o Cristianismo não gozava da simpatia do Império Romano. Gilson faz uma narrativa sintética da busca do jovem Justino pela sabedoria (GILSON, 1995): o mártir, buscando consolação e sabedoria primeiramente da Filosofia, não encontrou resposta que o satisfizesse entre os sábios e estoicos e, tampouco, teve melhor sorte com os peripatéticos; já o pitagorismo, exigia que o aprendiz conhecesse outras artes como Geometria e Música. Por fim, encontrou no platonismo algo que, até aquele momento, fornecia as respostas que ele buscava. Contudo, era uma religião natural que Justino buscava na Filosofia e, portanto, não é de se espantar que mais tarde ele tenha trocado o platonismo por outra religião (GILSON, 1995, p. 04). Outro episódio marcante na vida de Justino Mártir foi o caminho da sua própria conversão ao Cristianismo. Ele teria se deparado com um ancião cujas objeções às suas convicções filosóficas suscitaram grande efeito em Justino e despertariam nele o desejo de conhecer o pensamento cristão. 11 Segundo Gilson, o ancião teria, por exemplo, argumentado que: [...] se as almas que veem Deus devem esquecê-lo em seguida, sua felicidade não é mais que miséria, e se as que são indignas de vê-lo permanecem ligadas a corpos em punição por sua indignidade, como não sabem (que estão sendo) punidas, essa punição é inútil (GILSON, 1995, p.4). Lembremos que no fundo da discussão estaria a teoria platônica da alma e que, entre outros aspectos, a alma ao encarnar esqueceria a Verdade contemplada no mundo das Ideias. Embora o debate entre as teorias platônicas da alma e o entendimento cristão sobre o tema possa despertar discussão interessante, para Justino a disputa havia se inclinado para o Cristianismo. Mais tarde, ele se tornaria protagonista de Apologias em defesa da fé cristã, inclusive contra objeções que fossem oriundas da filosofia grega. Uma linha de argumentação interessante do mártir foi pavimentar o caminho para que o pensamento cristão pudesse absorver o pensamento filosófico pagão. Haveria uma revelação universal anterior ao advento do próprio Cristo. Da sua própria maneira, judeus, gregos e outros povos teriam tido contato com os desígnios de Deus, apenas teriam se aproximado mais ou menos dessa Verdade que ainda não estava tão claramente revelada. Gilson bem resume essa fórmula do pensamento do mártir: Houve, pois, cristãos e anticristãos antes de Cristo; logo, também méritos e deméritos. Acrescentemos a isso que os filósofos gregos tomaram amiúde suas ideias emprestadas dos livros do Antigo Testamento, e teremos o direito de concluir que a revelação cristã é o ponto culminante de uma revelação divina tão antiga quanto o gênero humano (GILSON, 1995, p. 5). É evidente que, do ponto de vista propriamente filosófico, a ideia de uma razão seminal por si só suscita muito debate, ainda mais se aplicada de maneira a inverter uma possível condição percursora de certas ideias. Para o sábio apologista, não foram os sábios antes do Cristianismo que contribuíram para o próprio entendimento cristão, mas o pensamento cristão que, na condição de Verdade revelada, é anterior a qualquer arquitetura do pensamento racional, sendo ainda que este último – o pensamento racional – apenas resvalou no sentido daquela Verdade, mostrando-se incapaz de compreendê-la. Tal pendência teria se resolvido com o advento de Cristo. Assim, o pensamento de Justino Mártir deu um passo firme na direção da incorporação de elementos da filosofia grega ao arcabouço propriamente cristão, não apenas contradizendo as linhas de pensamento divergente, mas também assimilando aquilo que estivesse alinhado às suas próprias concepções, sem precisar lhe render méritos autorais aos antigos, pois, afinal, o que eles pensaram já faria parte da Verdade revelada. Como afirma Gilson: Os apologistas do século II nunca se preocuparam em construir sistemas filosóficos; apesar disso, sua obra interessa diretamente à história da filosofia. Ela nos faz saber, primeiro, quais problemas deviam reter, mais tarde, a atenção dos filósofos cristãos: Deus, a criação, o homem considerado sua natureza e seus fins (GILSON, 1995, p. 23). 12 Unidade: O começo da Patrística Trata-se menos de um desenvolvimento linear (apesar do que parecem sugerir implicitamente os autores apologistas) e mais de um deslocamento de perspectiva. Uma mudança da pauta de discussão filosófica. Muito ainda haveria a ser formulado. Por enquanto, para os autores cristãos do século II, não havia tanto o que descobrir, mas sim buscar novas e melhores maneiras de exprimir aquilo que já haviam descoberto. O Gnosticismo Há outras facetas dessaefervescência do pensamento em busca de respostas. O pressuposto de uma Verdade revelada não gera consenso e diferentes fontes vão compreender a Verdade a ser buscada de maneira muito distinta – como haviam feito os gregos. Pode ser mencionado, por exemplo, que na busca de encontrar equivalências entre pensamento racional e fé, os gnósticos sincretizam elementos diferentes do pensamento filosófico grego e do Cristianismo, obtendo um resultado diferente dos apologistas. Enquanto Justino Mártir formula uma supremacia da sabedoria cristã em face do conhecimento racional grego, a Gnose procura estabelecer essa relação com destaque maior para o pensamento racional: Os gnósticos fazem sua a tese plotiniana que o mundo emana de Deus através do degradar-se gradual da plenitude e da unidade da substância divina até em formas inferiores de existência, na qual ao elemento divino se mistura o elemento material. Este último é causa do mal, princípio de corrupção. Jesus, um dos seres sobrenaturais (eones) emanados da substância de Deus, assume corpo humano e opera a redenção do mundo. Revela ele Deus através da gnose, conhecimento religioso superior ou de iniciados (mas não revelação sobrenatural), que nos faz comunicar diretamente com o Transcendente. A gnose ou conhecimento do divino é o caminho da salvação (SCIACCA, 1962, p. 173). Ao defender a ideia – de origem grega – de que a fonte do mal está na matéria, o gnosticismo complica fundamentos do Cristianismo como os da encarnação de Cristo e da salvação da humanidade por seu sacrifício. A própria criação é substituída pela emanação. Essa tentativa de transformar a fé em um tipo de sabedoria desembocaria numa tentativa de racionalizar a própria crença. 13 A escola de Alexandria Na antiga cidade de Alexandria, por volta do ano 180 d.C, floresceu uma interessante escola de pensamento que buscou articular fé e filosofia por um caminho diferente do gnosticismo. Clemente de Alexandria focou sua atenção em desenvolver uma forma da gnose (conhecimento) diferente da gnose herética do gnosticismo, que se esforça para sobrepor a razão sobre a fé, por uma forma de gnose mais alinhada com o Cristianismo. Clemente procura mostrar que é a concordância da fé (pistis) com o conhecimento (gnosis) que faz o perfeito cristão e o verdadeiro gnóstico (REALE; ANTISERI, 2002, p. 411). Não seria por meio da Filosofia que a Verdade da fé se tornaria mais verdadeira. Contudo, a fé poderia se servir dos serviços do pensamento filosófico como muralha de defesa das objeções dos amigos da Verdade. A Filosofia estaria fundamentada na fé e o conhecimento oriundo da Filosofia abriria o caminho para que o cristão pudesse melhor compreender sua fé. Clemente nomeou como Logos o conceito que serviria de base para seu pensamento. Como assinalam Reale e Antiseri, a abordagem clementina de Logos, pressupõe três componentes: [...] a) princípio criador do mundo, b) princípio de toda forma de sabedoria, que inspirou profetas e os filósofos, e c) princípio da salvação (Logos encarnado). O Logos é verdadeiramente o princípio e o fim, o alfa e o ômega, aquilo de que tudo provêm, e para onde tudo retorna (REALE; ANTISERI, 2002, p. 411). No plano da conduta acética, o pensamento de Clemente ecoa princípios gregos como a harmonia e/ou o equilíbrio; a ideia da justa medida se mescla aos ensinamentos do Cristianismo. Como lembram Reale e Antiseri, Clemente destaca o papel salvador do Logos, na medida em que deu aos homens ferramentas racionais com as quais eles podem barrar o vício e os excessos das paixões e dos desejos, deixando espaço para que a razão contribua para apontar o caminho da salvação. No que se refere à criação do mundo, Clemente defende a ideia da criação do mundo por Deus. Aliás, ele considera o mundo como sendo coeterno em relação a Deus (ver. SCIACCA, 1962), tanto o criador como sua criação (o mundo) seriam eternos. Outro representante que se sobressaiu na escola de Alexandria foi Orígenes (ver. REALE; ANTISERI, 2002), que defendeu que as sagradas escrituras teriam três níveis de entendimento: um entendimento literal, outro moral e – o mais difícil de ser alcançado – um entendimento espiritual. Também foi Orígenes um férreo defensor do livre-arbítrio das criaturas que, mergulhadas no amor de Deus, farão sua adesão a Ele. O livre-arbítrio pode ter sido a fonte da queda, mas como lembra Gilson (1995), Orígenes assinalava que, diferente dos seres inanimados que são movidos, os seres animados podem se mover por si próprios por força das sensações pelas quais estão submetidos, mas apenas o homem como ser provido de racionalidade é capaz de juízos. 14 Unidade: O começo da Patrística Nesta condição, apesar das diferentes influências advindas do mundo externo, o homem é autor de suas próprias ações. Portanto, responsável se elas ações boas ou ruins. Se de um lado as escolhas podem eventualmente conduzir ao mal, também são elas condições necessárias para verdadeiramente se alcançar o bem. Mesmo que a ortodoxia da exegese atual venha a condenar certos aspectos da interpretação desses antigos cristãos, a leitura atual é de que eles, à sua maneira – e dentro dos limites do seu momento histórico – tentaram levar sua vida conforme a inspiração cristã. A Escola de Alexandria foi um ponto de equilíbrio entre a rejeição total ao pensamento filosófico ou a tentativa de fazê-lo se sobrepor à fé (como no gnosticismo). Essa perspectiva assumirá um vigor ainda maior com a patrística, cujo representante mais renomado foi Agostinho de Hipona, que a Igreja mais tarde chamaria de Santo Agostinho. 15 Material Complementar A bibliografia complementar irá ajudá-lo(a) no aprofundamento dos seus estudos. Sugerimos iniciar sua pesquisa de aprofundamento a partir dos “manuais mais gerais” e depois dedicar sua leitura aos textos específicos dos autores estudados na Unidade. Neste contexto, indicamos como leitura introdutória o livro O que é Filosofia Medieval, do professor Carlos Arthur Nascimento, que faz um apanhado geral bem apropriado para introdução ao tema. Já para leituras mais aprofundadas, o livro A filosofia medieval, de Etienne Gilson, é mais apropriado. Importante também, estudante, é recorrer a um vocabulário filosófico. Essa abordagem facilita o movimento de investigação partindo dos textos mais introdutórios em direção aos mais complexos, o que permitirá ampliar a discussão principal da Unidade que envolve o começo da Patrística. Bibliografia • GILSON, Etienne. A filosofia na Idade Média. Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 1995. • REALE, Giovani; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: Antiguidade e Idade Média. 7.ed. São Paulo: Paulus, 2002. • SCIACCA, Michele Federico. História da Filosofia. Tradução de Luís Washington Vita. São Paulo: Mestre Jou, 1962. • NASCIMENTO, Carlos Arthur. O que é Filosofia Medieval. São Paulo: Brasiliense, 2004. Sugestão de vídeo • História da Idade Média: https://www.youtube.com/watch?v=q0ME7RLaUSs https://www.youtube.com/watch?v=q0ME7RLaUSs 16 Unidade: O começo da Patrística Referências DE CICCO, Cláudio, GONZAGA, Álvaro de Azevedo. Teoria Geral do Estado e Ciência Política. 4.ed.rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. GILSON, Etienne. A filosofia na Idade Média. Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 1995. REALE, Giovani, ANTISERI, Dario. História da Filosofia: Antiguidade e Idade Média. 7.ed. São Paulo: Paulus, 2002. SCIACCA, Michele Federico. História da Filosofia. Tradução de Luís Washington Vita. São Paulo: Mestre Jou, 1962. 17 Anotações www.cruzeirodosulvirtual.com.br Campus Liberdade Rua Galvão Bueno, 868 CEP 01506-000 São Paulo SP Brasil Tel: (55 11) 3385-3000 http://www.cruzeirodosulvirtual.com.br
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