Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
História da Arte Brasileira Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Profa. Ms. Sonia Leni Chamon Revisão Textual: Profa. Ms. Luciene Oliveira da Costa Santos O Brasil Colonial 1ª Parte – A Arte no Processo de Colonização e Catequização Brasileiro • As Primeiras Construções: Fortes, Engenhos, Arquitetura Bandeirista e as Primeiras Missões Jesuíticas • A Missão Artística Holandesa • A Estatuária Protobarroca • Conexões contemporâneas: Cildo Meireles – “Missão: Missões (como construir catedrais)” · Conhecer o contexto histórico e cultural brasileiro na época da che- gada dos colonizadores, observando as origens, os diálogos e a he- gemonia estética dos primeiros séculos de colonização. · Analisar características estilísticas na arquitetura, escultura e pinturas, incluindo a produção dos artistas viajantes do período. OBJETIVO DE APRENDIZADO O Brasil Colonial 1ª Parte – A Arte no Processo de Colonização e Catequização Brasileiro Orientações de estudo Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem aproveitado e haja uma maior aplicabilidade na sua formação acadêmica e atuação profissional, siga algumas recomendações básicas: Assim: Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e horário fixos como o seu “momento do estudo”. Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo. No material de cada Unidade, há leituras indicadas. Entre elas: artigos científicos, livros, vídeos e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você também encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados. Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discussão, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e aprendizagem. Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Determine um horário fixo para estudar. Aproveite as indicações de Material Complementar. Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma Não se esqueça de se alimentar e se manter hidratado. Aproveite as Conserve seu material e local de estudos sempre organizados. Procure manter contato com seus colegas e tutores para trocar ideias! Isso amplia a aprendizagem. Seja original! Nunca plagie trabalhos. UNIDADE O Brasil Colonial 1ª Parte – A Arte no Processo de Colonização e Catequização Brasileiro As Primeiras Construções: Fortes, Engenhos, Arquitetura Bandeirista e as Primeiras Missões Jesuíticas A época do descobrimento do Brasil pelos portugueses coincidiu com o período conhecido como “era oceânica” (SIMONSEN, 2005), início da expansão marítima devido ao comércio empreendido com a costa da África e com as Índias Orientais, em caríssimas naus, pertencentes à coroa em sua maior parte. naus: grandes navios que cruzavam os oceanos nos séculos XV e XVI. Ex pl or Ouro, marfim e escravos da costa africana; finas especiarias, louças, porcelanas, pérolas, rubis e diamantes da Índia – esses eram os tipos de produtos com os quais os portugueses se abasteciam para seu rico comércio. Era, portanto, um grande contraste com uma terra selvagem, com uma dimensão não totalmente definida, habitada por povos sem aparência civilizada. Os portugueses viram parco interesse comercial na então Terra de Santa Cruz. A caravela que aqui aportou, em 1500, levou ao El-Rei D. Manuel uma carta sobre a descoberta da nova terra e amostras de pau-brasil – madeira avermelhada cuja resina servia de excepcional tintura para tecidos luxuosos, substituindo os pigmentos minerais, de qualidade inferior. Era, junto com aves exóticas de interesse limitado, mercadoria de valor real que se apresentava fácil aos olhos dos mercadores portugueses. A comunicação sobre a descoberta da nova terra é a famosa Carta de Pero Vaz de Caminha. Que tal lê-la na íntegra? https://goo.gl/iC4xGnEx pl or Assim, a exploração da madeira pau-brasil, ao longo da costa brasileira, acon- teceu por cerca de trinta 30 anos após a chegada dos portugueses, através de feitorias. Indígenas coletavam o material: localizavam as árvores, derrubavam os troncos (alguns bastante largos), carregavam nos ombros até a praia (às vezes, em caminhadas de 15 a 20 léguas) e depois até as embarcações. Neste período, os exploradores portugueses abrigavam-se em tejupares. No período, cartas náuticas e uma incipiente cartografia definiam a representação da Terra Brasilis (fig. 1). tejupares: pequena cabana ou choupana feita de paus e palha seca. donatarias: sistema administrativo de divisão de terras, base do sistema colonial brasileiro, no qual alguns proprietários recebiam imensas porções de terras com a condição de prote- ger territórios e produzir riqueza. Ex pl or 8 9 Figura 1 – “Terra Brasilis”, 1519, mapa por Pedro Reinel e Lopo Homem, Atlas Miller, Biblioteca Nacional de Paris Fonte: Wikimedia Commons O conceito de terra incógnita, comum nos séculos XV e XVI, além da perspec- tiva cartográfica: Considerando a visão metropolitana e litorânea de muitos brasileiros, a Terra Brasilis segue sendo Terra Incógnita, um espaço relativamente vazio e não civilizado, dependente de políticas públicas formuladas a partir do seu exterior. (NOVAES, 2012). A Terra Brasilis como Terra Incógnita: https://goo.gl/UwD2W5 Ex pl or A possibilidade de existência de minas de ouro na região de Cananeia, a descoberta de prata no Peru, com um possível trajeto pelo interior brasileiro e principalmente a sustentação da soberania marítima portuguesa sobre os corsários franceses e a coroa espanhola levaram Portugal a promover expedições exploratórias, a estabelecer donatarias e, posteriormente, um governo-geral. Era a efetivação da colonização do Brasil por Portugal. Da primeira expedição, efetuada por Martim Afonso de Sousa, acontece a fun- dação de São Vicente, primeira vila no Brasil, no ano de 1532. Podemos observar, sob a iconografia histórica sempre passível de análise e reflexão, na pintura de Be- nedito Calixto, como seria esse empossamento: vegetação algo degradada, atitudes e afazeres dos indígenas, uniformes e roupas civis dos portugueses, a presença religiosa na figura de um padre, os tipos de embarcações na esquadra e forma dos tejupares no acampamento (fig. 2) 9 UNIDADE O Brasil Colonial 1ª Parte – A Arte no Processo de Colonização e Catequização Brasileiro Figura 2 Fundação da Vila de São Vicente, por Benedito Calixto. Coleção do Acervo do Museu Paulista da Universidade de São Paulo Fonte: Wikimedia Commons A partir de então, inicia-se a arquitetura dos fortes militares – arquitetura brasileira mais antiga, que permanece até os dias de hoje, em função da solidez de sua estrutura (não é à toa que se chama forte!) e por ser das poucas construções que não são destruídas por invasores – um forte é estrategicamente preservado para garantir a proteção territorial. Como afirma Tirapeli (2006, p.10): Logo após o Descobrimento do Brasil, as primeiras construções reali- zadas foram as fortalezas, erguidas com o objetivo de defesa das vilas e cidades litorâneas. Os arquitetos eram militares e, posteriormente, padres jesuítas, que fundaram vilas e construíram igrejas e conventos. Ao longo dos séculos, foram construídas fortificações militares em pontos estra- tégicos do litoral ou em pontos de fronteira. O de Bertioga, Forte São João ao sul do litoral paulista, é o mais antigo, datado de 1532 (fig. 3). Pedras, cal, argamassas à base de sedimento e argila eram algumas dastécnicas construtivas empregadas. O Maneirismo, ainda mais simplificado e austero que as linhas europeias, era o estilo predominante neste início de colonização, porém, traçados, estilos e materiais diferenciam-se entre si, entre cada fortificação. Figura 3 Forte São João, em Bertioga Fonte: bertioga.sp.gov.br 10 11 Atualmente, um conjunto de 19 fortes brasileiros estão na Lista Indicativa de Patrimônios Mundiais. São eles: Fortaleza de São José, em Macapá (AP) Forte Coimbra, em Corumbá (MS) Forte de Príncipe da Beira, em Costa Marques (RO) Fortaleza dos Reis Magos, em Natal (RN) Forte de Santa Catarina, em Cabedelo (PB) Forte de Santa Cruz (Forte Orange), em Itamaracá (PE) Forte São João Batista do Brum, no Recife (PE) Forte São Tiago das Cinco Pontas, no Recife (PE) Forte de Santo Antônio da Barra, em Salvador (BA) Forte São Diogo, em Salvador (BA) Forte São Marcelo, em Salvador (BA) Forte de Santa Maria, em Salvador (BA) Forte de N. S. de Mont Serrat, em Salvador (BA) Fortaleza de Santa Cruz da Barra, em Niterói (RJ) Fortaleza de São João, no Rio de Janeiro (RJ) Fortaleza de Santo Amaro da Barra Grande, em Guarujá (SP) Forte São João, em Bertioga (SP) Fortaleza de Santa Cruz de Anhantomirim, em Governador Celso Ramos (SC) Forte de Santo Antônio de Ratones, em Florianópolis (SC) Leia mais sobre os fortes brasileiros que poderão tornar-se patrimônio mundial no portal do Iphan: https://goo.gl/ddIfMI Veja imagens de fortes em https://goo.gl/kWPq03 Ex pl or O sistema donatário de terras, instituído pela coroa portuguesa, fez prevalecer muito rapidamente a produção açucareira – o primeiro produto nacional cultivado com rentabilidade econômica. É o ponto central da economia – o chamado Ciclo do Açúcar, que permanece forte até o século XVII. Em torno de 1570, em oito capitanias, existiam cerca de 60 engenhos de açúcar. Ligadas a esta produção já havia mais de 50 mil pessoas, entre portugueses, indígenas livres que trabalhavam na produção e escravos negros, vindo da costa africana (SIMONSEN, 2006). Os engenhos eram propriedades com vários núcleos arquitetônicos. Basicamen- te, ainda no século XVI, ocupavam uma clareira na floresta, cercada de densa ve- getação com construções rústicas e plantação (HOLLANDA, 1993). Até o século XIX, os engenhos foram se ampliando e se sofisticando em materiais, técnicas construtivas e edificações. Havia casa grande, capela, moenda (o ‘engenho’ pro- priamente dito) e senzala – a escravidão de negros já era difundida no século XVI. 11 UNIDADE O Brasil Colonial 1ª Parte – A Arte no Processo de Colonização e Catequização Brasileiro Podemos observar nas pinturas de Frans Post, séc. XVII, figuras 4 e 5, algumas características destas construções. Capela sempre próxima à casa grande (muitas vezes conjugada), ambas em localização topográfica alta, local de vigilância e segurança; casa dos escravos – as senzalas normalmente eram uma construção retangular, sem janelas, apenas com as portas dos cubículos que saiam para um corredor e a moenda, fábrica, com sua roda movida a água ( engenho real) ou tração animal (trapiche) . As técnicas construtivas variavam do uso de pedras e cal, pau a pique, taipa, chegando a usar tijolos nas fábricas e nas casas grandes do século XVIII e XIX, com tipologia de solar e estilo neoclássico. A roda d’água, que designava o engenho real, era o verdadeiro centro da pro- priedade, uma obra de engenharia – daí a designação engenho. A princípio para a fábrica, edifício no qual se executava a moagem da cana; mas tornou-se, também, o nome da propriedade onde coexistiam plantação, manufatura (fábrica) e residência. Tem-se, assim, o princípio da sociedade brasileira, agrária, escravocrata, patriar- cal e religiosa – definidora de uma identidade que ainda nos segue. Pau a Pique: Técnica de construção em terra na qual as paredes são feitas com barro amassado e lançado simultaneamente dos dois lados de uma trama de varas verticais e horizontais, e dois alisados; inicialmente, pilares de madeira, os esteios ou pés direitos são fincados no chão, nas extremidades das paredes; os esteios são ligados entre si por vigas horizontais, os baldrames, que podem estar junto ao chão ou sobre alicerces de terra; em cima, a estrutura é travada com a colocação de outras vigas, os frechais, formando um sis- tema rígido de sustentação; nas faces superiores dos baldrames e nas faces inferiores dos frechais, são feitos furos onde são fixadas varas verticais e, a partir destas varas verticais, é feita uma trama com varas horizontais, amarradas com cipó ou com fibras vegetais; final- mente, é lançado o barro sobre a trama, o qual é depois alisado, fechando completamente os vãos; nas casas bandeiristas, a taipa de sopapo, quando aparece, é nas divisões internas; o pau a pique é também chamado de taipa de sopapo ou taipa de sebe. Taipa de Pilão: Principal processo de construção das paredes portantes das casas bandeiris- tas: na taipa de pilão, o barro era previamente amassado com fibras vegetais e restos orgânicos que serviam como aglutinantes, diminuindo as rachaduras da contração result- ante da secagem; em seguida, era socado com pilões dentro de formas de madeira com altura aproximada de meia braça ou 1,10 m; a terra a ser socada era disposta em camadas de cerca de 15 cm de altura, que se reduziam à metade após a pilagem; essa operação era repetida sequencialmente em lanços, até que a parede atingisse a altura desejada; à me- dida que a parede subia, as formas iam sendo apoiadas em peças cilíndricas de madeira chamadas agulhas, cuja retirada deixava na taipa uma série de buracos chamados cabodás; a secagem da terra pilada era rápida e, no dia seguinte à feitura de uma fiada ou lanço, já se podia armar novamente o taipal e acrescentar mais um lanço à parede; evitavam-se os peri- gos da chuva cobrindo-se os blocos recém-acabados com sapé; a parede de taipa de pilão podia ser levantada sobre um alicerce de pedra, mas a melhor solução era levantá-la dentro de valas escavadas ao longo do perímetro da casa, pois a ausência de alicerces de pedra resultava em uma continuidade entre a parede e o solo, permitindo melhor escoamento da umidade e mesmo da água das chuvas, que corre do telhado para o solo através das fendas que a secagem produzia no barro. Ex pl or Extraído de: https://goo.gl/cn0vlp 12 13 Figura 4 Casa de fazenda, por Frans Post (1651) Fonte: tokdehistoria.com.br Figura 5 Paisagem com plantação (O Engenho), por Frans Post (1668) Fonte: historiailustrada.com.br A configuração geográfica paulista, tendo a Serra do Mar como um elemento de isolamento, o rio Tietê (que nasce no litoral e deságua no interior) servindo primeiramente de indicador de caminhos e depois como o próprio caminho, fez nascer um tipo único: o bandeirante. O isolamento distanciou esse homem das regras gerais da coroa, e o aproximou do mameluco e seus saberes e das possibilidades que o ambiente e a natureza propicia. O rio Tietê como indicador, levou esse bandeirante a adentrar cada vez mais o interior brasileiro. Primeiro, escravizando índios, depois, em busca de riquezas minerais e finalmente apossando-se de terras e mudando a geografia do Brasil. 13 UNIDADE O Brasil Colonial 1ª Parte – A Arte no Processo de Colonização e Catequização Brasileiro O bandeirante era um pequeno produtor rural e um grande aventureiro. Sua moradia tinha uma configuração característica, denominada bandeirista. Estas características foram levadas em suas andanças: Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais e as construções nessas localidades são chamadas de arquitetura bandeirante. Fique por dentro. Conheça construções históricas pertencentes ao Iphan, em todo o território nacional. São as Casas Patrimônio, descritas e analisadas nesse catálogo. https://goo.gl/Apwlmt Ex pl or As características da arquitetura bandeirista estão detalhadas nos dizeres do arquiteto pré-modernista Ricardo Severo: Em seu modelo ideal, a casa bandeiristase desenvolve a partir de uma planta retangular erguida em taipa de pilão e revestida de tabatinga, com paredes externas brancas com poucas aberturas, amplo telhado e um alpendre aberto na fachada principal. A cobertura de telhas em quatro águas, assentada sobre estrutura de madeira apoiada sobre uma grande vergam termina em largos beirais cujos cachorros estendem-se muito além das paredes, protegendo a taipa da ação erosiva das chuvas frequentes. A geometria da fachada é dominada por um amplo alpendre onde o patriarca recebia os visitantes. À direita de quem sai pela porta principal para o alpendre, fica a entrada para o quarto de hóspedes; e, à esquerda, o acesso à capela, disposição que evitava que estranhos adentrassem a área familiar. O amplo espaço interior, pouco iluminado e de aspecto austero, tem o chão de terra batida. A sala principal, contígua ao alpendre, impressiona por suas grandes dimensões. Em torno dela, estão distribuídos os quartos, zona restrita à família. Escassamente mobiliada, seu equipamento consistia basicamente de redes, esteiras, arcas, bancos, mesas e armários. Nos primeiros tempos da colônia, dormia-se em redes, raras vezes substituídas por catres de madeira e couro. Nas arcas, dos mais diversos tamanhos, guardavam tudo o que possuíam, e não era muito: ferramentas, armas, pólvora e roupas. Os gêneros alimentícios eram estocados em sacos e barricas, dispostos em plataformas elevadas ou em sótãos entre o forro e o telhado. Para sentar, havia bancos e banquetas, sendo raras as cadeiras mais pomposas. Quando existiam, era, privilégio do patriarca ou, em suas frequentes ausências, de sua esposa. Usualmente, as mulheres se sentavam no chão, sobre esteiras, tendo raramente o conforto de almofadas. Comia-se à mesa. Nos armários de prateleiras, guardavam-se tigelas, gamelas, cuias e canecas; e, às vezes, alguma porção de alimento. Com exceção das facas de todos os tipos e tamanhos, os talheres eram um luxo. 14 15 Cozinhava-se na área livre aos fundos da casa, a céu aberto nos dias bons, ou debaixo de tendas de couro cru, quando chovia. Rezava-se na capela, onde havia um altar adornado segundo as posses da família. Quando eram muitos os assistentes à missa, ocupava-se também o alpendre. Nos arredores da casa, havia plantações e instalações auxiliares, como moendas de cana de açúcar, estábulos, oficinas e vivendas para os serviçais. Vivia-se uma vida austera e despojada. (SEVERO, Ricardo. A ARTE TRADICIONAL DO BRASIL: DA ARQUI- TETURA. Revista do Brasil: vol. IV, p. 394-424. Conferência realizada no dia 31 de Março de 1917, a convite do Grêmio Politécnico de São Paulo. São Paulo, Propriedade de uma Sociedade Anônima, Janeiro-Abril de 1917). Fonte: https://goo.gl/2UHw8Z Quando estudar o Pré-Modernismo e o próprio Modernismo, você verá o quanto o período colonial, com sua arte e principalmente arquitetura, foi importante na formação da identidade estética nacional. Tabatinga: barro de tonalidade clara que substituía a cal para acabamento de construções. Alpendre: cobertura à frente de uma porta que cria um lugar de destaque. No caso das casas bandeiristas, o alpendre é reentrante, isto é, ele encontra-se recuado em relação à fachada. Quatro águas: telhado com inclinações nos quatros lados. Vergam: (verga) viga fl exível colocada sobre vãos. Cachorros: peça em balanço (apoiada em um lado apenas) que sustenta beirais dos telhados. Altar-mor: altar principal de uma igreja, do lado oposto à entrada. Volutas: elemento decorativo curvilíneo. Ex pl or Figura 6 Sítio Mandu Fonte: casasbandeiristas.com.br 15 UNIDADE O Brasil Colonial 1ª Parte – A Arte no Processo de Colonização e Catequização Brasileiro O sítio Mandu (fig. 6), em Cotia, é autêntica arquitetura bandeirista do séc. XVII, assim como o Sítio Sto. Antônio (fig. 7), em São Roque, ambos no interior paulista. Caráter geométrico, simétrico em taipa de pilão, telhados com beirais, treliças nas janelas, alpendre reentrante. A perfeita austeridade paulista encontra na capela de Santo Antônio um contraponto requintado em sua decoração (fig. 8). Mário de Andrade adquiriu esta propriedade na década de 1940. Hoje pertence ao Iphan e é gerido pela Universidade de São Paulo. Figura 7 Casa e Capela do Sítio de Santo Antônio Fonte: casasbandeiristas.com.br Figura 8 Tocheiros Antropomórficos originalmente pertencentes à capela de sto Antônio. Acervo do Museu Paulista da Universidade de São Paulo Fonte: casasbandeiristas.com.br Os séculos XVI e XVII viram a Contra-Reforma da Igreja Católica transformar a arte e as relações religiosas intercontinentais. Na arte, ao estilo maneirista sobrepõe-se o barroco e, posteriormente, o rococó. Na questão religiosa, os jesuítas – os soldados de Cristo – tinham sobre si o dever de propagar a fé cristã 16 17 entre as colônias, convertendo os habitantes locais e ampliando o contingente de fiéis católicos, perdidos na Reforma. O instrumento de propagação desta fé é a arte, primeiramente, maneirista – e assim é instaurada a arte religiosa no Brasil. De acordo com Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira, [...] o termo maneirismo é hoje aplicado à arquitetura e às artes visuais do século XVII, anteriores às primeiras manifestações do barroco, já no final da centúria, de preferência a outros que vigoraram no passado como arte jesuíta ou estilo chão. (OLIVEIRA; BARCINSKI, 2015, p.97) A arquitetura religiosa maneirista é profundamente austera, tem despojamento e contenção formal. Não nega a ornamentação, mas a rigidez formal prevalece. Podemos observar essa simplicidade e rigor nas capelas primitivas que têm formas e partidos muito diferenciados em todo o território, ou ainda nos mosteiros beneditinos, como o de Salvador (1584), Rio de Janeiro (1586) – fig. 9, Olinda (1590), Paraíba (1596) e São Paulo (1598). Figura 9 Fachada do Mosteiro de São Bento, Rio de Janeiro Fonte: Wikimedia Commons A arquitetura jesuítica deste período encontra-se mais conservada pelo uso de materiais mais resistentes. Influenciada pelo maneirismo italiano, há volumes retangulares, vastos espaços internos, altar-mor elevado. Na fachada, torres baixas, frontões clássicos e um início de volutas. A Igreja de Salvador (1692), atual Catedral Metropolitana de Salvador, é um exemplo desta arquitetura (fig. 10). 17 UNIDADE O Brasil Colonial 1ª Parte – A Arte no Processo de Colonização e Catequização Brasileiro Figura 10 Antigo Colégio Jesuíta, atual Catedral Metropolitana de Salvador, BA Fonte: Wikimedia Commons Mas é do século XVIII uma das mais significativas construções jesuítica, por seu caráter histórico e artístico também. O Sítio Arqueológico de S. Miguel das Missões, no Rio Grande do Sul, deriva de uma época em que essa parte de nosso território pertencia à América Espanhola (LEAL, 1984). Foi declarado Patrimônio Mundial da Humanidade pela UNESCO em 1983. Dentro do processo de catequização empreendido pelos padres jesuítas, a Missão compreendia milhares de indígenas guaranis. Cerca de 1.000 pedreiros e carpinteiros guaranis, a partir do traçado e sob a responsabilidade do padre jesuíta italiano Gian Battista Primoli, construíram a igreja e núcleos arquitetônicos. Destes, ainda existem vestígios dos aposentos dos padres e da prisão, o colégio, os armazéns, arsenais e as oficinas, a ruínas do hospital, a casa das viúvas e o cemitério. Só a igreja levou 10 anos para ser construída. Em cantaria, com blocos de are- nito sobrepostos, a igreja tem 20 m de altura e uma torre com 25m, que abrigava cinco sinos. A decoração do interior possuía altares em talha dourada e inúmeras esculturas feitas pelos índios em madeira, muitas atualmente no Museu das Missões, construído por Lúcio Costa na década de 1940. Leia mais sobre o Sítio Arqueológico de São Miguel das Missões na Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, nº 19, 198;4, p 71 a 96. https://goo.gl/LJlwur Ex pl or 18 19 Figura 11 Igreja de São Miguel , no sítioarqueológico de São Miguel das Missões, RS Fonte: Wikimedia Commons A Missão Artística Holandesa O lucrativo comércio do açúcar na Europa trouxe invasores de diversos países ao Brasil. Em 1621, a Holanda criava a Companhia das Índias Ocidentais para controlar as rotas comerciais pelo Atlântico. Fortalecidos, os holandeses invadiram e se instalaram no Nordeste, tomando Recife e Olinda em 1630. O Conde Maurício de Nassau foi nomeado governador do Brasil holandês e trouxe à “Nova Holanda” – uma Recife totalmente reurbanizada e ajardinada – ar- tistas, cientistas, arquitetos e cartógrafos. Como explica Valéria Picolli: No período em que foi governador (1637 a 1644) Nassau transformou Recife numa cidade capital, à maneira das cortes principescas europeias. Incentivou uma urbanização mais racional da cidade [...]. Construiu os palácios da Boa Vista (ou Schoonzit) e de Friburgo (Vrijjburg), este cercado de extensos jardins de plantas nativas e espécies estrangeiras aclimatadas, além de possuir um zoológico com animais exóticos [...]. Totalmente destruída após a reconquista da cidade pelos portugueses a Recife de Nassau ainda permanece na imaginação local como uma espécie de testemunho de uma era de ouro perdida. (PICOLLI; BARCINSKY, 2015) fig. 12 Figura 12 Vista da Cidade Maurícia e Recife , 1657 . óleo sobre madeira , 46 x 83 cm . Coleção Particular Fonte: Wikimedia Commons 19 UNIDADE O Brasil Colonial 1ª Parte – A Arte no Processo de Colonização e Catequização Brasileiro Entre os ilustres membros da comitiva de Nassau, a chamada Missão Artística Francesa contou com dois artistas que se tornaram referência Frans Post e Albert Eckhout, os pintores de Nassau. Ambos retrataram o Brasil, com abordagens diferenciadas, com minúcia científica ou força simbólica. Frans J. Post Nascido em Haarlen, Holanda (1612-1680), foi pintor, desenhista e gravador. A série de pinturas que produz em sua estada no Brasil é considerada uma série de obras- primas. Nassau presenteou, em 1678, Luís XIV, soberano francês, com cerca de trinta obras de Post. Oito delas encontram-se no acervo do Louvre. Suas pinturas retratam ou evocam a paisagem brasileira, em grandes planos riquíssi- mos de detalhes. Fauna, flora, topografias, construções retratam o Brasil açucareiro dominado pelos holandeses. Observe as figuras 4, 5 e 12- a representação minuciosa evoca um cientificismo possível nos pintores barrocos protestantes – que, impossibili- tados de retratar temáticas religiosas, buscam a representação do profano. Ao voltar para a Europa, continuou, por toda sua vida, a retratar um Brasil de memória, com luzes e cromatismos cada vez mais holandeses, mas que determinou um imaginário brasileiro ao europeu. Albert Eckhout Nascido em Groninger, Holanda (1610- 1666), foi artista e botânico, veio para o Bra- sil em 1637 e permaneceu até 1644, como pintor contratado por Maurício de Nassau. As pinturas de Eckhout, grande telas de pla- nos aproximados de espécies botânicas, ani- mais e de etnias, são alvo de inúmeros estudos e reflexões. Essas pinturas poderiam ter sido feitas para decorar o palácio Friburgo, em Re- cife. Poderiam, também, ter forte simbolismo político: cada casal pintado por Eckhout es- taria relacionado com um continente no qual a Holanda teria colônias (BELLUZZO, 1994) ou apenas compõem um registro etnográfico que retrata a formação e a identidade do povo brasileiro. As pinturas também têm um cará- ter científico – próximo às figuras humanas, a proporção exata das espécies de fauna e flo- ra são asseguradas. Eckout pintou uma gran- de tela retratando uma dança tapuia; quatro casais que representam o indígena, o negro, o mulato e o mameluco, retratos e inúmeras naturezas mortas. Fig. 13. Figura 13 Albert Eckhout. Mulher Tapuia. 1641-43. Óleo sobre tela. 274 x 170 cm. Nationalmuseet, Copenhagem Fonte: Wikimedia Commons 20 21 A Estatuária Protobarroca A estatuária sacra ocupa, via de regra, os retábulos e nichos das igrejas e ora- tórios, ou tem lugar em procissões. São denominadas, de forma geral, imaginária. No século XVII, esta estatuária que antecede a opulência e expressividade do barro- co, caracteriza-se pela rigidez formal, linhas e cromatismos sóbrios, panejamentos verticais, quando produzidas por artistas religiosos. Uma grande quantidade de artistas anônimos – devotos, discípulos, autodidatas, mestiços criados nas igrejas – produzem trabalhos de qualidade e, eventualmente, de forte expressividade – dada por desproporções ou interpretações livres. Fig. 14. Figura 14 Autor desconhecido. Imaginária Santo Antônio, século XVII. Barro cozido. Procedência desconhecida. Acervo Museu de Arte Sacra de São Paulo Fonte: museuartesacra.org.br As ordens religiosas (apêndices da igreja secular com vocações específicas) que instalaram-se no Brasil nos primeiros séculos de colonização, estenderam suas ca- racterísticas às formas, tanto na arquitetura, quanto na estatuária. Assim, [...] se o século XVII maneirista determinou características gerais nas es- culturas, como as posturas e as expressões severas e os planejamentos retos e com pouca movimentação, por outro lado é possível observar que as imagens jesuítas são mais retóricas, já que destinadas a apoiar as pre- gações; as beneditinas, mais concentradas, como convém a uma ordem contemplativa; e as franciscanas mais conviviais e familiares, como os populares frades franciscanos. (OLIVEIRA; BERCINSKY, 2015, p.129) O escultor beneditino Frei Agostinho da Piedade, de origem portuguesa, produ- ziu obras importantes em diversos mosteiros entre Bahia e São Paulo fig. 15. Foi mestre do brasileiro Frei Agostinho de Jesus. 21 UNIDADE O Brasil Colonial 1ª Parte – A Arte no Processo de Colonização e Catequização Brasileiro Figura 15 Frei Agostinho da Piedade. Imaginária Santo Amaro, século XVII. Barro cozido e policromado. Proveniência Igreja Matriz de Santana de Parnaíba Fonte: museuartesacra.org.br Figura 16 Frei Agostinho de Jesus. Imaginária Nossa senhora da Purificação. Século XVII, barro cozido policromado. Acervo Museu de Arte Sacra de São Paulo. Proveniente da Igreja da Matriz de Santana do Parnaíba, SP Fonte: museuartesacra.org.br Conexões contemporâneas: Cildo Meireles – “Missão: Missões (como construir catedrais)” A importância de Cildo Meireles na arte contemporânea é imensa. Sua trajetória, fortemente conceitual, ideológica, experimental, produziu obras emblemáticas para a história – não só da arte – brasileira. Cada obra, ação artística, objeto ou instalação de Meireles proporciona experiência singular, reflexão ideológica, formação ou destruição de conceitos. Um dos mais importantes artistas contemporâneos, vale conhecer toda a sua obra. Para começar a conhecer trajetória de Cildo Meireles, leia a entrevista concedida à Revista Carbono: https://goo.gl/HDHRyQEx pl or No contexto deste capítulo, foi escolhida a instalação intitulada Missão/Missões – Como Construir Catedrais (fig. 17), de 1987, para uma conexão. No chão, 600 moedas de um centavo da época (equivalente a 5 dólares, como explica o artista); um teto com 2 mil ossos de gado; entre os dois uma fina coluna feita de 800 hóstias empilhadas, um canal conector entre os ossos e o dinheiro, entre céu 22 23 e terra, entre vida e morte. Missão/Missões – Como construir Catedrais, é uma referência às Missões Jesuíticas que ocorreram no Brasil, Argentina e Paraguai no século XVII e XVII. Qual o custo humano da conversão das comunidades indígenas ao Cristianismo? Quais as conexões e desdobramentos entre as ações religiosas e o colonialismo? As respostas tangenciam os ritos e os conflitos de nossa história. Com uma visualidade poderosa, que se aproxima da teatralidade barroca e força simbólica dos materiais, Missão/Missões – Como construir Catedrais, foi exposta na exposição Magiciens de la Terre, organizada em 1989 pelo curador francês Jean Hubert Martin, no Centro Georges Pompidou, em Paris, França.Figura 17 Missão/ Missões ( Como construir catedrais) - Cildo Meireles, 1987. Aproximadamente 600.000 moedas, 800 hóstias, 2000 ossos, 80 pedras de pavimento e tecido negro. 235 x 600 x 600 cm. Fotografi a: Trudo Engels Fonte: revistacarbono.com 23 UNIDADE O Brasil Colonial 1ª Parte – A Arte no Processo de Colonização e Catequização Brasileiro Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Sites Museu de Arte Sacra de São Paulo Navegue no ótimo site do Museu de Arte Sacra de São Paulo http://www.museuartesacra.org.br/pt/ Livros O Brasil dos Viajantes Conheça a Missão Artística Holandesa lendo o extraordinário O Brasil dos viajantes, Ana Maria de Morais Beluzzo. No primeiro volume, a arte dos holandeses que aqui aportaram é analisada de forma maravilhosa. Filmes A Missão Assista ao drama histórico A Missão. 1986. Direção de Roland Joffé, com Jeremy Irons e Robert De Niro. O filme trata da questão dos jesuítas que buscam a conversão de índios guaranis fundando uma Missão. Ganhou a Palma de Ouro, em Cannes e o Oscar de Melhor Fotografia. Visite Museus de Arte Sacra Visite os museus de arte sacra de sua região, independente da sua fé, a arte sacra brasileira é rica demais! Leitura A Terra Brasilis como Terra Incógnita Artigo de André Reyes Novaes na Revista Carbono, 2012. Interessante reflexão sobre cartografia e representação. https://goo.gl/UwD2W5 Casas do Patrimônio Uma análise das casas tombadas que pertencem ao Iphan. https://goo.gl/Apwlmt 24 25 Referências BARCINSKI, F. W. Sobre a Arte Brasileira. São Paulo: Martins Fontes, 2015. BELLUZZO, A. M. de M. O Brasil dos viajantes. 3 vol. São Paulo: Odebrecht, 1994. HOLLANDA, S. B. de. História Geral da Civilização Brasileira. Tomo 1. São Paulo: Records,1993. PEREIRA, S. G., OLIVEIRA, M. A. R., LUZ, A. A História da Arte no Brasil: textos de síntese. Rio de Janeiro: UFRJ, 2008. SILVA, R. M. Da Pré-História ao fim do Período Colonial (livro 1). Rumo Certo. (e-Book). SIMONSEN, R. C. História econômica do Brasil: 1500-1820. Brasília: Senado Federal, 2005. http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/1111 TIRAPELLI, P. Conhecendo os Patrimônios da Humanidade no Brasil. São Paulo: Metalivros, 2001. 25
Compartilhar