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CURSO FORMAÇÃO DE mediadores de leitura 8 FASCÍCULO Laiana Ferreira de Sousa PRÁTICAS LEITORAS E Contação de Histórias Gratuito! 114 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE ERA UMA VEZ... [...] palavras brincando ao ar, sons e imagens a se espalhar e um olhar curioso, ansioso pelo momento certo de estar no centro do palco a brilhar. Esse era o meu modo estra- nho de ler o mundo, de ver a textura das co- res, de ouvir os ruídos da praça, de sentir na pele o leve toque do vento me convidando para fazer parte daquele lugar. Ler deve ser isso. É caminhar pelos espaços percorridos, é se apropriar do vivido e ressignificá-lo diante daquilo que vemos e que somos. Ler é ouvir a voz do coração, do amigo, da famí- lia, do desconhecido e, mesmo assim, não se satisfazer. Ler também é decodificar as palavras, os símbolos e códigos instaurados pelo homem. Ler é saber, acima de tudo, relacionar o que existe dentro de nós com o que é construído do lado de fora. Ler é dar sentido às coisas, mesmo sabendo que o sentido pode ser outro. Ler é rememorar nossas construções ideológicas, sociais e culturais, que garantem a formação daquilo que somos. Ler é poder sonhar, fingir, ence- nar, improvisar ou viajar pelos campos da imaginação, para deixar fluir os efeitos que o sentido de ler causa na gente. Assim, caro cursista, iniciamos esse fas- cículo sobre práticas leitoras e contação de histórias. As histórias contadas tocam e aguçam a imaginação das crianças, mas também a de jovens e adultos, não se esqueça. Por- tanto, agora queremos convidá-los para embarcar conosco nessa aventura da me- diação da leitura por meio da arte de con- tar e de ouvir histórias. Aqui, neste módulo, conheceremos di- ferentes práticas de leituras e como fazer uso delas sem escolarizar o deleite. O nos- so objetivo é guiar o professor/bibliotecá- rio/agente de leitura/animador cultural/ mediador por entre os caminhos que le- vam à leitura por fruição, por desejo e pelo prazer, tendo em vista que há uma carência de subsídios para o planejamen- to de ações que acolham os leitores em formação, seja na escola, na biblioteca, na rua ou em casa. Vamos embarcar nessa viagem sem fim, na qual polvilhamos de sonhos o mundo inteiro? Você está conosco? Então aban- que-se, pois vamos começar agora. Acesse: ava.fdr.org.br CURSO FORMAÇÃO DE mediadores de leitura 115 1. EXPERIÊNCIAS DE LEITURAS E NARRATIVAS DA VIDA A leitura literária lhe permite ser quem você quiser: a princesa, o sapo, o prín- cipe ou até mesmo a bruxa. Basta fechar os olhos e deixar a imagina- ção fluir. Nesse exercício, deixamos nossa mente viajar pelas experiên- cias de leituras que já tivemos des- de a infância, perpassando sensações e sentimentos únicos, guardados num cantinho especial do coração. As nar- rativas de vida, assim como as histórias inventadas, podem ser a chave para co- nectar-se com o mundo e compreender nossas raízes. Vasculhando minhas memórias leito- ras, recordo facilmente a imagem da mi- nha mãe sentada na varanda, de óculos presos na ponta do nariz, lendo uma infinidade de livros. E, inconsciente- mente, questionava por que e como ela ficava tantas horas lendo livros se, ao final de tudo, não precisava fazer nenhuma prova. O que eu não sabia é que, a partir dali, começaria a vivenciar um processo de leitura antes mesmo de ser alfabetizada, associado ao desejo de ser como ela. Paulo Freire (2003) já dizia que a leitura de mundo precede a leitura da palavra, reafirmando a importância do mundo, do cotidiano, das pessoas e das relações so- ciais, cuja substância crucial é a experiên- cia. Vocês estão lembrados que já falamos sobre isso em módulos anteriores, não é? PUXANDO PROSA Você já parou para pensar que, ao revisitar nossas memórias leitoras de contato com as narrativas, quase sempre elas estão associadas a alguém que recordamos afetuosamente? Por isso, as experiências de leitura dependerão, em muitos casos, das relações pessoais e verbais vivenciadas na trajetória de vida, daí a importância de mediadores sociais de leitura. Você já parou para pensar quem foi o seu mediador de leitura? Quem o(a) apresentou ao universo encantado da literatura? 116 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE Durante a formação do sujeito, são construídas, gradativamente, três relações conscientes e in- conscientes com a leitura, não necessariamente nessa ordem: uma relação de dependência, pois, através dela, tornamos possível a comu- nicação interpessoal, mecanismo fundamen- tal para convivência social; uma relação de acesso à informação, ao conhecimento e à sabedoria; e outra relação guiada pelo pra- zer da leitura literária composta por signifi- cados e sentimentos particulares. Assim, podemos constatar que existem di- mensões motivadoras para a leitura – a neces- sidade de comunicação, a busca por conheci- mento e o prazer/fruição – e, referindo-se a essa última, Fernando Pessoa, em seu o texto poético “Liberdade”, deixa vestígios de sua relevância: “Ai que prazer, não cumprir um dever. Ter um livro para ler e não o fazer!” (CAVALCANTE FILHO, 2015, p. 85). Ao lermos a referida frase, notamos que essa sensação de “prazer”, causada pela possibilidade de escolha guiada somente pelo desejo, resume de forma direta o sentido de leitura fruitiva. Ainda que esse “prazer” tenha acontecido em decorrência do descumprimento de normas, ele advém da sensação prazerosa de liberdade cau- sada por uma leitura realizada por fruição, pois foi consequência de uma escolha. É bem verdade que você já deve ter lido e ouvido muitas definições sobre leitura, mas tenho certeza de que nenhuma delas fará você conhecer melhor essa prática do que vivenciá-la. Se entendermos que pode- mos encontrar diferentes meios de ler, facilmente perce- beremos que existem muitas possibilidades para esti- mular a leitura. Nesse momento, ajustamos o foco da nos- sa temática e voltamos o nosso olhar para as leituras e narrativas literárias como substância primeira para ingressar o sujeito no mundo das leituras. CURSO FORMAÇÃO DE mediadores de leitura 117 2. PRÁTICAS LITERÁRIAS: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ACERCA DA MEDIAÇÃO Apesar de ser uma prática por vezes indivi- dual, a leitura pode ser compartilhada, en- volvida e relacionada com vivências coleti- vas, de modo que ela jamais será única, pois o leitor, quase sempre, pode ir além do texto escrito. Ao mesmo tempo, é preciso considerar os diferentes efeitos que o con- teúdo pode causar sobre o leitor, pois, ao modificar o sentido do autor, ele constrói e gera novos sentidos, traduzindo-os em con- ceitos originais, pois partiram de vivências individuais. São essas “novas criações” que fazem do ato de ler uma construção singu- lar, apesar de sempre incorrer em outras concepções pré-existentes. Há que se considerar também o contexto, pois a leitura é uma atividade interativa de caráter eminentemente social, tendo em vista que necessita fazer uso de diferentes conhecimentos e sentidos para ser concre- tizada. Por isso, a leitura não deve ser im- posta, nem tampouco escolarizada, pois a criança deve ver nela uma oportunidade de conhecer o outro lado da janela, de vi- ver experiências novas, de envolver-se com o desconhecido. A imposição, a obrigato- riedade de determinada leitura, sabemos, além de minar o seu trabalho, pode causar uma reação contrária à desejada, criando um não leitor. O modo como o leitor enxerga a leitura diz muito sobre como ela foi apresentada para ele. Ao proporcionar ao leitor alfabeti- zado novas chances de aprender com pra- zer, estamos dando a oportunidade de o sujeito buscar e explorar campos diversos dentrodaquilo que ele julgar necessário. É certo que muitas dúvidas surgirão duran- te esse processo, mas vale destacar que o contexto em que essas ações são pratica- das revela bastante sobre como elas deve- rão ser mediadas. CONTEXTO Conjunto de palavras, frases, ou o texto que precede ou se segue a determinada palavra, frase ou texto, e que contribuem para o seu significado; encadeamento do discurso. 118 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE Então, agora apresentaremos algumas possibilidades: Como trabalhar o texto literário, como incentivar e orientar a leitura sem escolarizar essa prática? Sendo o foco deste módulo as prá- ticas leitoras e as narrativas literárias, não podemos fazer essa abordagem sem tratar sobre as funções da litera- tura na formação do sujeito. De acor- do com Antônio Candido (1972, p. 95), a literatura como força humanizadora perpassa três dimensões: a psicológica, a qual atende a necessidade universal de fruição e fantasia, levando o indivíduo ao devaneio; a formadora, que educa, mas não de modo escolarizado e sim como a própria vida; e a social, em que o sujeito reconhece a realidade social através das vi- vências na obra literária. Nem sempre essa função humanizadora da literatura é respeitada. Deve-se reconhe- cer que há muitos anos se atribuiu à litera- tura infanto-juvenil um caráter educativo, formador, por isso sua vinculação com a escola. De acordo com Magda Soares (1999), esse fenômeno é chamado de escolarização da literatura, ou seja, a apropriação dessa literatura pela es- cola, para atender a seus fins forma- dores e educativos. Para essa autora, essa escolarização é inevitável. O que se pode criticar é a “inadequada es- colarização literária” que, por vezes, afasta o aluno das práticas literárias, desenvolvendo nele resistência ou aver- são ao livro e ao próprio ato de ler, como já dissemos aqui. CURSO FORMAÇÃO DE mediadores de leitura 119 Não nos cumpre tratar das questões históricas e sociais que geraram esse pro- cesso de escolarização da literatura, mas apontar práticas inadequadas e evidenciar meios de torná-la propícia para a forma- ção de leitores, ou seja, maneiras de como devemos trabalhar o texto literário, como podemos incentivar a leitura de livros ou de outras linguagens, sem transformar essa prática em uma atividade enfadonha, mecânica e/ou punitiva. Para a criança que se encontra no pro- cesso de aquisição de escrita, por exemplo, o exercício de reescrita pode ser extrema- mente cansativo e desmotivante. Primeiro que, ao solicitar essa atividade, o professor descaracteriza por completo o momento de apreciação literária que existe, simples- mente para instigar o encantamento com o faz de conta. Segundo, que a criança es- crever o “E-R-A U-M-A V-E-Z” durante o processo de aquisição de escrita já se torna complexo, imagine ter que construir aquilo ao seu modo. Outra prática inadequada que vale mencionar é o uso de textos literários para trabalhar os códigos linguísticos, as sílabas, fonemas e tantas outras sistematizações da língua portuguesa. É extremamente recor- rente encontrarmos nos livros didáticos tre- chos literários nos exercícios de português/ gramática, quase sempre associados ao estudo da fonética ou da fonologia. Na ver- dade, essas obras não foram escritas para esse fim, de modo que apresentá-las dessa maneira para as crianças só irá afastá-las da possibilidade de ler por prazer. Os livros de leitura literária deverão ser usados na esco- la para aguçar o imaginário infantil, para trabalhar com o simbólico e com a riqueza das histórias. Essas práticas não estão restritas à sala de aula e à biblioteca escolar. Pelo contrá- rio, existe uma série de instâncias de es- colarização da literatura, dentro e fora da escola. Para tratar sobre isso, podemos mencionar o uso inadequado das narrati- vas orais como meio de impor às crianças questões moralizantes. “Ah, mas não pode pegar nas coisas do coleguinha. Pode, gente?” (História da Cachinhos Dourados) / “A chapeuzinho Vermelho se perdeu na es- trada porque desobedeceu a mamãe dela, que feio fazer isso!” (História da Chapeuzi- nho Vermelho) É comum ouvir esse tipo de comentário equivocado após a realização de uma con- tação de histórias ou a leitura em voz alta de uma obra literária. Isso porque a litera- tura não foi feita para o juízo de valor, ou seja, não existe necessariamente para en- sinar o lado certo e errado de agir diante de uma situação, não antes de oportunizar um espaço de reflexão para as crianças. Agindo dessa forma, você estará apresen- tando um sentido para as crianças sobre aquela história que, provavelmente, elas nem notariam. Percebe a sutileza da coisa? PARA ALÉM DO TEXTO Antes de abordar questões específicas do texto a ser mediado é importante criar um momento de reflexão do enredo. Por exemplo: Vocês já ouviram uma história parecida com essa? Vocês já viram acontecer isso com alguém conhecido? Isso já aconteceu com vocês? O que vocês sentiram quando ouviram essa história? 120 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE PUXANDO PROSA Você já parou para pensar como as crianças podem aprender com as histórias e o quanto nós, educadores e mediadores, podemos privá-las de desenvolverem a capacidade crítica e de reflexão quando levamos o resultado pronto de cada conto? Vamos refletir sobre isso? Vamos pensar nesse momento como um diálogo, cientes de que para que haja esse diálogo é importante saber e querer ouvir? Como a obra literária é simbólica, ela permite leituras plurais e, por isso, a partir das diferentes possibilidades de combinações dos signos, é possível in- terpretar um fato ou evento sempre de um modo novo. Por essas vias, o leitor pode ter suas expectativas atendidas ou contrariadas, podendo variar em maior ou em menor grau. (AGUIAR, 1999). Con- tudo, o certo é que ele tem o direito de descobrir – ou não! – as particularidades escondidas nas entrelinhas do texto. De qualquer forma, o leitor não continuará o mesmo depois da leitura. O que muda, certamente, é o modo como aquele caminho até as leituras foi traçado. Ao tratar sobre esse assunto, surge, de modo natural, a necessidade da figura de um(a) mediador(a), que deverá proporcionar o encontro com as diferen- tes possibilidades de leitura, sem tornar aquele momento um dever a ser cumpri- do. Afinal, todo aprendizado é necessa- riamente mediado, o que torna o papel do educador e do mediador de leitura mais ativo e determinante. Ao refletir sobre a mediação de leitura, muitos chegam a pensar que essa função é somente dos professores e que apenas ocorrerá no âmbito escolar, quando, na verdade, um mediador social de leitura, imbuído de amor pelas leituras, é capaz de promover o acesso ao livro e desenvolver o gosto por literatura em qualquer lugar e fase da vida (AGUIAR, 1996; PETIT, 2009; YUNES, 2002). PARA ALÉM DO TEXTO Quem é o(a) mediador(a) de leitura? Qual o seu papel na formação leitora do leitor contemporâneo? Olhe para dentro de si e reflita sobre que tipo de mediador(a) de leitura você é e/ou que tipo de mediador(a) você quer ser. CURSO FORMAÇÃO DE mediadores de leitura 121 Esses mediadores, sejam eles professo- res, bibliotecários, pais, mães, avós, artistas ou animadores, incorporam o papel de so- cializadores da memória e da história, mas, sobretudo da leitura como meio de apro- priação e acesso ao conhecimento. Nas prateleiras estão histórias, lugares, acontecimentos e pessoas. É preciso res- gatá-las, de modo a seduzir os leitores para o mundo literário. Para tanto, os mediado- res de leitura precisarão considerar alguns aspectosprimordiais para a concretização dessa prática. Vamos conhecê-los: a) Tornar a leitura uma prática pre- sente em suas vidas. É comum ouvirmos dos professores, pais e adultos que “as crianças precisam gostar de ler”, quando eles mesmos não possuem interesse pela leitu- ra. Não é bem assim? Como pode- mos formar leitores ou incentivar a leitura se não somos leitores? Daí, é imprescindível que o mediador construa uma rotina de leitura, que conheça as produções literárias e se interesse em descobrir novas leituras e, ainda, seja visto com um livro de- baixo do braço ou comentando sobre uma peça teatral ou filme, por exemplo. Vale salientar que essa prática deve ser, antes de qualquer outra coisa, verda- deira, pois a criança percebe quando não há sentimento, quando a palavra não condiz com a ação. Lembrem-se de que a leitura não está só no livro- -texto. Outras formas de leitura po- dem ser apresentadas. b) Preparar o ambiente para o aco- lhimento do leitor. Os espaços de realização das práticas de leituras, sejam eles na escola, na biblioteca ou na comunidade, devem mobilizar diferentes sentimentos no leitor, de modo que criem um clima de expec- tativa e interesse. Para isso, o cuidado com o aspecto físico e estético fará toda a diferença para a realização de atividades dessa natureza. Ao encon- trar um lugar abarrotado de caixas ou amontoados de livros, o leitor criará em seu imaginário um conceito de leitura relacionado ao descaso ou abandono. É imprescindível produzir uma atmosfera diferenciada e de encantamento, inserindo elemen- tos que demonstrem que algo dife- rente acontecerá naquele espaço. Por exemplo, podemos dispor tape- tes coloridos ou almofadas no chão, organizar cadeiras em círculo, distri- buir livros pelo ambiente de modo que fiquem à altura dos olhos e das mãos, estabelecer um espaço para as discussões literárias e narrações orais etc. Além disso, vale conside- rar aspectos como iluminação e ventilação para garantir um espaço adequado e confortável para as lei- turas individuais. c) Conhecer o público que será aten- dido. De modo geral, para que ocorra uma mediação efetiva e de qualidade, ela precisa estar de acor- do com os interesses do leitor. Co- nhecer suas características, desde o contexto social e econômico, até seus desejos e níveis de aprendiza- gem, facilita no planejamento das ações de leitura. Sabe-se, entretanto, que os estágios de desenvolvimento não são pontualmente marcados e cada momento é sempre permeado por especificidades do contexto so- cial. Assim, o que podemos fazer é oferecer aproximações e referências pautadas em estudos dessa natu- reza. Vale destacar que esse estudo é inteiramente contínuo e também bastante específico. d) Elaborar estratégias para media- ção de leitura. Ao conhecer o per- fil de seus leitores e não leitores, o mediador de leitura deverá propor- cionar o encontro com as diferentes possibilidades de leitura a partir da elaboração de atividades de media- ção literária. Para tanto, é preciso organizar estratégias para tornar possível o acesso aos livros e à lei- tura, buscando meios de chamar a atenção do leitor. 122 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE Um dos modos mais eficazes para o planejamento de atividades integradoras é a elaboração de projetos de leitura, ou seja, a produção de ações de leituras contextualizadas com as vivências de determinada comunidade, com enfoque em temáticas específicas. Um projeto de leitura deve conter, basicamente, os seguintes elementos: apresentação, objetivos, justificativa, descrição das atividades e um plano de ação que reúna as práticas pedagógicas que serão realizadas a curto ou longo prazo. A seguir, um pequeno roteiro para estruturar essas informações: 1 IDENTIFICAÇÃO Definir o tema da atividade e o perfil do público-alvo 2 DIAGNÓSTICO Descrição do contexto social, histórico e cultural da instituição (escola, biblioteca, espaço de vivências etc.) e da comunidade participante, apresentando a problematização 3 ATIVIDADES DESENVOLVIDAS “O que fazer?” Descrição das atividades que serão desenvolvidas 4 JUSTIFICATIVA “Por quê?” Apresentação das razões para justificar as atividades a serem realizadas 5 OBJETIVOS “Para quê?” Descrição dos objetivos específicos a serem alcançados 6 ENVOLVIDOS “Pra quem? Com quem? Quantos? Quais os envolvidos?” Informações do público-alvo e organizadores 7 ESTRATÉGIAS “Como?” Estratégias metodológicas envolvem os caminhos a serem percorridos, considerando as múltiplas e diferentes abordagens, bem como os diferentes atores. (Ex.: interações grupais, fóruns e debates, oficinas pedagógicas e de arte etc.) 8 RESULTADOS ESPERADOS: “Aonde se quer chegar?” Previsão dos resultados a serem obtidos a partir dos objetivos e das metas Bom, agora que já conhecemos os principais aspectos que o(a) mediador(a) de leitura deverá considerar antes de realizar uma atividade integradora e as estratégias para sua implementação, trataremos dos tipos de práticas de leitura que poderão ser implementados nos ambientes de mediação literária. Geralmente, essas práticas são ações pontuais, dirigidas a determinado público, mas podem fazer parte de um projeto de leitura a ser desenvolvido a médio e longo prazo. PARA ALÉM DO TEXTO Quais são as práticas de leitura possíveis de serem realizadas em seu cotidiano? Que ações poderemos realizar para incentivar e mediar a leitura literária? Você conhece ou participa de algum projeto assim? CURSO FORMAÇÃO DE mediadores de leitura 123 Assim, existem diferentes maneiras de promover o acesso ao livro e à leitura, seja através das narrativas orais, dramatizando ou contando histórias, formando grupos de discussão em torno da leitura, propor- cionando momentos em que o leitor possa ter voz, onde apresente sua opinião sobre os personagens de uma história ou sobre o seu desfecho, refletindo sobre a produção literária. Conheceremos, a seguir, algumas dessas ações: • Rodas de Leitura/ Clube de leitu- ra/Leituras coletivas/Histórias de leitura: São atividades que visam a reunião de pessoas em determi- nados grupos com o objetivo de compartilhar leituras, discutir sobre autores, ler conjuntamente e dividir histórias de vida. • Saraus literários/ Festivais de arte/ Encontro com autores/Feira de livros: Essas iniciativas contam com a participação de um público mais heterogêneo e abrem espaço para conhecer personalidades do mundo literário. O intuito é demo- cratizar o acesso ao livro, à leitura e ao entretenimento literário. • Oficinas de produção literária/ Gincanas literárias/Estante de leitura itinerante: São ações que visam ao desenvolvimento de práti- cas literárias e contam com a partici- pação ativa do público para produzir material literário. • Contação de histórias: É a narração oral de contos literários. Teremos um tópico especial para descrição des- sa atividade. Ficaram animadinhos, não foi? 3. Narrativas literárias na voz de contadores de histórias Narrar ou escrever uma história não é um produto exclusivo de um sujeito, nem da voz de quem narra ou do domínio das téc- nicas de escrita. É um ato que perpassa o coração de quem se deixa tocar a alma através dos sentidos, para então encontrar no olhar do outro o cenário que dá vida à história. Suscitado pela memória e ligado pela respiração, o narrar não concebe a divisão entre corpo e voz. Essa prática torna-se ainda mais espe- cial quando paramos para refletir sobre sua origem, quando o homem ainda pintava nas cavernas registros do seu cotidiano, contando em imagens histórias de luta, de superação, de descobertas. Ou quando os mais velhos se encarregavam de transmitir,por meio das palavras, os acontecimentos cotidianos e o conhecimento acumulado por seus ancestrais. A memória, naquela época, era fundamental para os povos, pois, sem a existência da cultura escrita, era pela oralidade e memorização dos fatos que se tornava possível a sua narração. Ainda que o costume de sentar ao redor da fogueira tenha se perdido com o tempo, todo o povo possui histórias para contar sobre suas tradições, raízes e legado. Isso é demonstrado com o reaparecimento dos contadores de histórias no século XX, que, apesar do desenvolvimento e moderniza- ção da sociedade, retomaram as suas prá- ticas narrativas de tradição oral, trazendo novos artifícios, criando novas histórias. A arte de contar histórias ressurgiu com uma proposta pedagógica e de apropria- ção da leitura literária, como processo de mediação em espaços culturais. Além do encantamento pessoal que a arte de contar histórias pode proporcionar, ela alcança o fascínio de aproximar o leitor da literatura escrita e da capacidade interpretativa da informação, pois, ao ouvir as narrativas, o ouvinte passa a perceber que muitas des- sas histórias contadas estão disponíveis 124 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE em outros suportes de leitura, além da me- mória. Evidenciam-se, assim, não somente a importância da memória oral, mas o in- centivo ao gosto pela literatura, a aproxi- mação com o objeto livro. Por esse motivo, muito se presencia a narração oral atrelada ao contexto educacional. Analisando dessa forma, podemos con- siderar o poder das histórias na formação do leitor e os feitos atingidos por essa arte: • estímulo ao prazer de ler; • conhecimento da literatura; • aproximação do livro e da biblioteca; • desenvolvimento da atenção e do gosto literário; • fixação e ampliação do vocabulário; • desenvolvimento da linguagem oral e escrita; • estímulo a imaginação e criatividade. Vale lembrar que, hoje, o contador de histórias contemporâneo subirá num pal- co e encontrará uma plateia desconheci- da, de modo que é preciso envolver essas pessoas com sua dinâmica e desenvoltura cênicas. Por isso, é imprescindível buscar aperfeiçoamento técnico, tanto para me- morização e apropriação da história, como para as escolhas de figurino e movimenta- ção corporal. O bom desempenho da per- formance do contador de histórias estará condicionado ao modo como ele se prepa- rou para aquele momento. PUXANDO PROSA É importante ressaltar que para ser um contador de histórias é preciso, acima de tudo, gostar de ler e de ouvir, sobretudo de evocar emoções. O sentimento está muito relacionado à atuação do contador de histórias, pois, para emocionar seus ouvintes, é preciso acreditar na sua arte e no seu poder transformador. Uma história nunca é escolhida por acaso. Ela vem ao encontro do contador, permitindo-lhe se deparar com um pouco de si mesmo. É preciso gostar muito da história para poder contá-la. CURSO FORMAÇÃO DE mediadores de leitura 125 E então, você pode nos perguntar: Mas como preparar uma prática de contação de histórias? Como dominar o interesse do público? Por isso, elaboramos este pas- so a passo para você conhecer o que preci- sa para preparar a narração de um conto e como buscar artifícios para manter a aten- ção do seu público. Vamos lá? 1. Escolha do texto e desejo de con- tá-lo: é muito importante definir o estilo de narrativas que deseja con- tar. Essa escolha está atrelada, prin- cipalmente, ao público que você irá atender. Portanto, se o seu público for de crianças, por exemplo, a his- tória terá que fazer parte da literatu- ra infantil e o gênero textual poderá variar de acordo com a faixa-etária dessas crianças. 2. Análise da obra e conhecimento do autor: independentemente do público ouvinte, é imprescindível conhecer o estilo literário do autor da obra. Lembre-se de que um dos grandes objetivos da contação de histórias é a aproximação do ouvinte às leituras, por isso saiba falar sobre as histórias e tenha sempre em men- te livros para indicar. 3. Estudo e memorização da obra: o contador de história empresta a sua voz para os autores literários. Portan- to, é muito importante que ele estu- de a obra e seja fiel ao enredo. Por isso, ao final da apresentação/conta- ção, é imprescindível mencionar o título e o autor do livro. Além disso, a preparação do narrador é crucial para um bom desempenho no palco. 126 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE 4. Seleção de gestos, vozes, entona- ção e pausas: toda história possui suas pontuações, ou seja, os pontos altos, médios e baixos do enredo. É preciso conhecê-los e definir uma per- formance para cada situação. Os ges- tos fazem o público envolver-se com a situação narrada, a voz e a entonação imprimem o sentimento do texto e as pausas dão um ar de suspense ao es- petáculo. Essa atuação faz a diferença na conquista do seu público. 5. Ensaiar: qualquer que seja a apre- sentação, o narrador precisa ensaiar. Por isso, não se superestime e mui- to menos subestime o seu público. ENSAIE! Explore o espelho, conheça seus trejeitos e expressões. Além dis- so, conte para alguém – de preferên- cia bem crítico – antes de apresentar- -se à plateia. Esse exercício fará com que você ganhe mais confiança, que amplie seu repertório de atuação, além de ter a oportunidade de co- nhecer o feedback do ouvinte. Enfim, a boa memória, o bom improviso e a espontaneidade – a capacidade de inter- pretar e se expressar – o poder de concentra- ção e abstração – o amor e encantamento pelas histórias são ingredientes infalíveis para formar um bom contador de histórias. 4. INTERROMPENDO A LEITURA: A HISTÓRIA NÃO TERMINOU Durante o fascículo, vimos que é necessário repensar o conceito tradicional de leitura, sobretudo aquele restrito à escolarização, pois ler é bem mais do que traduzir có- digos linguísticos. O leitor, ao praticar a leitura, age sobre aquilo que compreende, misturando percepções, opiniões, memó- rias e experiências na construção de uma teia de significações. Conhecemos diferentes formas de traba- lhar as práticas de leituras e refletimos sobre o processo de mediação dessas práticas. Afinal, não basta conhecermos as ações de leitura; é necessário saber conduzir e fazer uso de uma abordagem consciente. Além disso, revisitamos algumas dicas para contar histórias e discutimos sobre essa arte milenar que coloca a oralidade no centro do palco. O narrador, protagonista dessa magia, usufrui do privilégio de poder escolher o seu papel, a sua fala, a sua histó- ria e o fim dela. Mas ele sempre precisará da voz para surpreender os seus ouvintes e do olhar para envolvê-los naquilo que acredita. Para finalizar, retornamos as nossas im- pressões iniciais para reforçar que a media- ção de práticas de leitura jamais perderá o vínculo com o amor que a magia lite- rária transmite, pois não se vivencia essa arte sem percorrer às entrelinhas infinitas do coração. Não é apenas um papel a ser cumprido, é uma história a ser vivida, con- tada e recontada. REFERÊNCIAS AGUIAR, Vera Teixeira de. O leitor competente à luz da teoria da literatura. Revista TB, n. 124, p. 23-24, jan./mar. 1996. CANDIDO, Antônio. A literatura e a formação do homem. Ciência e Cultura, São Paulo v. 24, n.9, p. 803-809, set, 1972. CAVALCANTE FILHO, José Paulo. Fernando Pessoa: o livro das citações. Rio de Janeiro: Record, 2015. PETIT, Michéle. A arte de ler. Ou como resistir à adversidade. Tradução de ArthurBuenos e Camila Boldrini. São Paulo: Editora 34, 2009. SOARES, Magda Becker. 1999. A escolarização da Literatura Infantil e Juvenil. In EVANGELISTA, Aracy, BRINA, Heliana, MACHADO, Maria Zélia(orgs). A escolarização da Leitura Literária: O Jogo do Livro Infantil e Juvenil. Belo Horizonte: Autêntica, p 17-48 YUNES, Eliana. Pensar a leitura: complexidade. São Paulo: Loyola, 2002. CURSO FORMAÇÃO DE mediadores de leitura 127 DESAFIO Chegou o momento mais do que esperado. Hora de praticar o que aprendeu. Que tal escolher um texto literário e prepará-lo para contar? Depois conte-nos como foi a sua experiência como contador de histórias. Exponha para seus colegas, no Grupo de Facebook do curso, as suas impressões, as suas experiências. Laiana Ferreira de Sousa (Autora) É professora e contadora de histórias, formada em Biblioteconomia pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Mestre e doutoranda em Ciência da Informação pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Especialista em Educação a Distância e em Teorias da Comunicação e Imagem pela UFC. Tem vasta experiência como formadora e contadora de histórias. Atualmente, atua como supervisora pedagógica e de monitoramento do Núcleo de Tecnologias e Educação a Distância em Saúde da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (Nuteds/Famed/UFC). Rafael Limaverde (ilustrador) É ilustrador, chargista e cartunista (premiado internacionalmente) e xilogravurista. Formado em Artes Visuais pelo Instituto Federal de Educação, Ciências e Tecnologia do Ceará (IFCE). Escreve e possui livros ilustrados nas principais editoras do Ceará e em editoras paulistas. RealizaçãoApoio EXPEDIENTE: FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA (FDR) João Dummar Neto Presidente André Avelino de Azevedo Diretor Administrativo-Financeiro Raymundo Netto Gestor de Projetos Emanuela Fernandes Analista de Projetos Tainá Aquino Estagiária UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE Viviane Pereira Gerente Pedagógica Luciola Vitorino Analista Pedagógica CURSO FORMAÇÃO DE MEDIADORES DE LEITURA Raymundo Netto Coordenador Geral e Editorial Lidia Eugenia Cavalcante Coordenadora de Conteúdo Emanuela Fernandes Assistente Editorial Amaurício Cortez Editor de Design e Projeto Gráfico Marisa Marques de Melo Diagramadora Rafael Limaverde Ilustrador ISBN: 978-85-7529-893-0 (Coleção) ISBN: 978-85-7529-901-2 (Fascículo 8) Este fascículo é parte integrante do Programa Fortaleza Criativa, em decorrência do Termo de Fomento celebrado entre a Fundação Demócrito Rocha e a Secretaria Municipal da Cultura de Fortaleza, sob o nº 05/2018. Todos os direitos desta edição reservados à: Fundação Demócrito Rocha Av. Aguanambi, 282/A - Joaquim Távora Cep 60.055-402 - Fortaleza-Ceará Tel.: (85) 3255.6037 - 3255.6148 - Fax (85) 3255.6271 fdr.org.br fundacao@fdr.org.br
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