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“De permanente no universo só existem as mudanças.”
Heráclito
A frase acima chama a nossa atenção para a impermanência das coisas. Impermanência em
nossas vidas, empresas e mercado. Se algo marca a pós-modernidade é a velocidade dessas
mudanças, regras caem, novas surgem somente para cair depois. Fica a sensação de
caminharmos em solo movediço. Nossas ações devem ser implementadas nunca visando o
presente. As palavras de ordem são proatividade e criatividade, pois temos de criar e construir
em uma realidade ainda inexistente. Devemos ter a capacidade de fantasiar, reimaginar nossas
empresas e nossos negócios a todo instante, pois, como diria o poetinha carioca, “o tempo
não para” (Cazuza).
A questão preocupante é a seguinte: será que nossas almas suportam essa impermanência,
essa total flexibilidade? É importante para a alma ter previsibilidade em sua vida? Quais
consequências essa impermanência, velocidade e falta de previsibilidade podem trazer para o
ser humano? Responde a clínica de psicologia: depressão, TOC, ansiedade, estresse e medo,
muito medo. Vivemos em tempos adoecedores. Agora, por que tudo isso? Como isso tudo
começou?
O início da década de 1990 é marcado pelo encontro de duas forças determinantes no modus
operandi da vida: capitalismo flexível x tecnologia da informação.
O capitalismo flexível determina que nada mais é permanente, o bom consumidor será aquele
que compra um produto e rapidamente se livra dele, comprando outro antes que o primeiro lhe
provoque tédio (quantos celulares você já teve?). É preciso atender à demanda de produção
das fábricas que é muito grande. E como fazer isso se as coisas forem mais permanentes?
Daí, a doutrina do capitalismo flexível, “nada mais é permanente”.
E essa filosofia contamina as nossas vidas. Hoje, vivemos um tempo quando relacionamentos,
trabalhos e projetos de vida trocam a toda hora. Antigamente, namorávamos; hoje, ficamos.
Namorar aprisiona, ficar é mais leve, mais solto. No passado, o sujeito se formava, entrava em
uma empresa e de lá só saía para aposentadoria, após 30 ou 40 anos. Hoje, um jovem de 20
ou 30 anos já passou no mínimo por quatro ou cinco empresas. Nossos trabalhos e,
consequentemente, nossos relacionamentos no trabalho não duram muito. Durante a execução
de um projeto, temos amigos; após o término desse projeto, esses amigos deixam de existir. Se
vamos para outros projetos, temos novos amigos. Ou seja, nossas relações de amizade não
são permanentes. A pergunta é: quais consequências isso traz para a alma?
Imprevisibilidade: antigamente, tínhamos um trabalho duradouro.Sabíamos que todo mês,
durante 10 ou 20 anos, receberíamos “x” de salário e isso nos proporcionava previsibilidade e
segurança. Hoje, com o capitalismo flexível, ninguém sabe o que estará fazendo amanhã; se
terá seu emprego ou mesmo a sua empresa. A total impermanência das coisas, a necessidade
de se reinventar a todo dia sem saber o resultado que terá, diminui acentuadamente nossa
capacidade de previsibilidade, aumentando o medo, a insegurança e a ansiedade, gerando a
seguinte equação: medo + insegurança + ansiedade = depressão.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) nos fala que a depressão é a segunda causa de
morte no mundo, perdendo apenas para as doenças coronárias. É sabido que a depressão até
2020 será a primeira causa de morte no mundo.
Caráter: o caráter sempre foi algo importante no mundo dos negócios, desde os primeiros
mercadores fenícios até os dias de hoje. Porém, o caráter é algo na alma que precisa de
permanência, coagulação, chumbo e peso. O sociólogo Richard Sennet em seu livro, A
corrosão do caráter, afirma que, nestes tempos de capitalismo flexível e impermanência, o
caráter de homens de negócios está sendo corroído, deteriorando e esvaziando a força e a
alma no mundo das organizações.
Somando-se a tudo já citado, temos a tecnologia da informação que impõe uma velocidade
assustadora ao nosso modelo de vida, agravando ainda mais os sintomas na
pós-modernidade. Hoje, o adoecimento pode estar no trabalho, naquilo que fazemos para viver,
talvez a solução esteja em compreender qual o verdadeiro sentido do trabalho em nossas
vidas.
A maioria das pessoas, equivocadamente, entende que o trabalho serve apenas em nossas
vidas para garantirmos o sustento de nossas famílias, para podermos ter condições de realizar
nossos desejos e ambições, ledo engano, o trabalho tem função muito maior que essas em
nossas vidas. Ele é condição de saúde mental, ele nos dá uma identidade. Você já percebeu
como normalmente apresentamos uma pessoa? “Esse aqui é o Paulo, ele é médico”, “esse
aqui é o Fernando, ele é advogado”. O que a pessoa faz vem logo após o seu nome, marcando
a sua identidade, ou seja, o que se faz precisa ter relação com a sua alma, com a sua
subjetividade, com aquilo que os gregos chamaram de daimon, a sua essência psicoespiritual.
O trabalho deverá ser o prolongamento de sua alma no mundo, tem de ser uma questão de
realização pessoal, é condição de saúde mental.
E hoje, como está a coisa? Nossa ambição por somente lucro em detrimento de uma
autorrealização profissional pode estar na base do sofrimento psicológico em um número
assustador de pessoas, causa primária de transtornos mentais e dor, muita dor de alma.
Alguém deve estar pensando: então você está dizendo que o lucro, o progresso, o bem-estar
material são pecados? Não, nunca, jamais. O pecado está em priorizar o desejo, a ambição e o
egoísmo em detrimento da alma.
O número de pessoas realizadas profissionalmente e bem-sucedidas financeiramente é muito
maior do que você imagina. Urge a necessidade de melhorarmos a nossa relação com o
trabalho, pois esta relação mal-feita pode estar na base do sofrimento humano.
Por fim, talvez uma solução para o problema da pós-modernidade pode estar, mais uma vez,
no trabalho, mais o trabalho que permita que você seja você mesmo.
“Conheça-te a ti mesmo.”

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