Buscar

4.1 Princípios Contratuais

Prévia do material em texto

Princípios Contratuais
Conceito. A expressão princípio exprime a noção de mandamento nuclear do sistema. No âmbito contratual, os princípios constituem os preceitos básicos da organização dos contratos. Os princípios são os postulados fundamentais que inspiram a elaboração das normas jurídicas. Estas são editadas em consonância com os princípios.
Esses princípios, às vezes, encontram-se contidos numa norma. Tal ocorre, por exemplo, com os da probidade e boa-fé, previstos no art. 422 do CC. A norma que contém um princípio é denominada NORMA DIRETIVA, exercendo importante papel na hermenêutica, pois na dúvida acerca da adoção de uma ou outra interpretação, o hermeneuta deve adotar a exegese que mais atenda ao princípio contido na sobredita norma.
Acrescente-se, contudo, que diversos princípios encontram-se implícitos, guardando valores fundamentais da ordem jurídica.
Distinção entre Princípio e Norma. O princípio lança sua força sobre todo ordenamento jurídico, atuando numa área muito mais ampla do que a norma, pois esta se limita a regular situações específicas.
Os princípios são as premissas éticas que inspiram a elaboração das normas jurídicas. São mais do que normas, pois sua função primordial é servir como critério de interpretação destas, devendo ser observados pelo legislador, quando elabora as leis; pelos juízes, quando as aplica; e pelo cidadão, quando realiza o negócio jurídico.
Classificação.
No sistema contratual, destacam-se os seguintes princípios:
Autonomia da vontade;
Supremacia da ordem pública;
Função social dos contratos;
Boa-fé;
Consensualismo;
Obrigatoriedade;
Relatividade.
Princípio da Autonomia da Vontade. De acordo com esse princípio, as partes são livres para estipular as cláusulas contratuais e o tipo de contrato. A autonomia da vontade compreende:
- a liberdade de escolher o tipo de contrato;
- a liberdade de escolher a pessoa com quem se irá contratar;
- a liberdade de contratar ou não contratar;
- a liberdade de escolher o conteúdo do contrato. Assim, os contratantes são livres para estipular o que lhes convenha, inclusive dispondo diversamente da lei. De fato, as normas contratuais, em regra, são supletivas ou subsidiárias, pois podem ser alteradas por vontade das partes. No silêncio do contrato, porém, essas normas do Código Civil são de aplicação obrigatória. 
O princípio da autonomia da vontade, porém, não é absoluto, pois a liberdade dos contratantes encontra-se limitada pelo princípio da supremacia da ordem pública e pelos dois princípios do contrato que traçam as diretrizes da noção de socialidade. Esses dois princípios são: o princípio da função social do contrato e o princípio da boa-fé objetiva.
Princípio da Supremacia da Ordem Pública.
O princípio da supremacia da ordem pública é o que limita a liberdade de contratar, vedando as convenções contrárias às normas cogentes e aos bons costumes.
As normas cogentes ou coativas são as que não podem ser modificadas pela vontade das partes. Podem ser:
Imperativas: são as que ordenam algum ato. Tal ocorre, por exemplo, com a lei que obriga o comerciante a vender mercadoria a quem quiser comprá-la.
Proibitivas: vedam algum ato. Tal ocorre, por exemplo, com a lei que proíbe o anatocismo (juros compostos). Outro exemplo é a vedação da cláusula leonina nos contratos de sociedade.
Assim, o chamado dirigismo contratual consiste na intervenção do Estado no conteúdo dos contratos para evitar o desequilíbrio entre as partes e o abuso do poder econômico. Essa intervenção se dá por meio da edição de leis de ordem pública, editadas pela União, pois os Estados-membros não podem legislar sobre contratos (art. 22, I da CF).
Nos dizeres de Maria Helena Diniz, ‘o Estado intervém no contrato, não só mediante a aplicação de normas de ordem pública, mas também com a adoção de revisão judicial dos contratos, alterando-os, estabelecendo-lhes condições de execução, ou mesmo exonerando a parte lesada, conforme as circunstâncias, fundando-se em princípios de boa-fé e de supremacia do interesse coletivo, no amparo do fraco contra o forte, hipótese e que a vontade estatal substitui a vontade dos contratantes, valendo a sentença como se fosse declaração volitiva do interessado’.
Princípio da Função Social do Contrato. 
Dispõe o art. 421 CC que “a liberdade de contratar será exercida e razão e nos limites da função social do contrato”. O combate ao individualismo, que já era feito pelo princípio da supremacia da ordem pública, com o advento do Código de 2002 passou a ser reforçado pela função social do contrato, limitando ainda mais a autonomia da vontade, sem, porém, suprimi-la.
A lei não define o que vem a ser função social do contrato, de modo que não poderá ser interpretada de forma diversa, propiciando a declaração de nulidade de cláusulas ou de todo o contrato. Decerto o legislador inspirou-se no art. 5º, XXIII da CF, que limita o direito de propriedade ao atendimento de sua função social. Sendo o contrato um meio natural de promover a circulação de riquezas, urge que os interesses individuais das partes sejam compatibilizados com os interesses sociais, sempre que estes se apresentem.
Assim, o princípio da função social do contrato consiste na prevalência do interesse coletivo sobre os interesses individuais dos contratantes.
O contrato como salienta Nelson Nery Júnior ‘tem que ser entendido não apenas como as pretensões individuais dos contratantes, mas como verdadeiro instrumento de convívio social e de preservação dos interesses da coletividade, onde encontra sua razão de ser e de onde se extrai a sua força, pois o contrato pressupõe a ordem estatal para lhe dar eficácia’.
O ilustre civilista ainda esclarece que ‘o contrato estará conformado à sua função social quando as partes se pautarem pelos valores da solidariedade (art. 3º, I da CF) e da justiça social (art. 170, caput da CF), da livre iniciativa, for respeitada a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da CF), não se ferirem valores ambientais, etc’.
Haverá desatendimento da função social quando:
A prestação de uma das partes for exagerada ou desproporcional, extrapolando a álea normal do contrato;
Quando houver vantagem exagerada para uma das partes;
Quando se quebrar a base objetiva ou subjetiva do contrato e etc.
Assim o contrato só cumprirá a sua função social quando for simultaneamente útil e justo. A utilidade e a justiça social devem ser analisadas sobretudo em face dos interesses metaindividuais, do interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana e de outros preceitos constitucionais.
Finalmente, alguns autores sustentam que a desconformidade do contrato com sua função social pode ser corrigida pela via de revisão judicial do contrato. Outros, ao revés, preconizam que não é cabível essa revisão judicial, pois violaria o princípio da autonomia da vontade, de modo que o juiz, em vez de alterar a cláusula contratual, deverá simplesmente anulá-la, e, em casos extremos, decretar a nulidade do próprio contrato.
Princípio da Boa-fé.
A boa-fé pode ser dividida em:
Objetiva também chamada de concepção ética da boa-fé;
Subjetiva também denominada concepção psicológica da boa-fé.
Desde logo, cumpre ressaltar que a boa-fé subjetiva exerce função preponderante na interpretação dos contratos, ao passo que a boa-fé objetiva atua mais como fonte integrativa, isto é, criando direitos e obrigações não previstos expressamente.
Acrescente-se que tanto a boa-fé objetiva quanto a subjetiva exercem função social sobre o contrato.
O princípio da boa-fé objetiva é o que impõe aos contratantes a obrigação de agir corretamente, nos padrões do homem comum, segundo usos e costumes do lugar. É, pois, fonte de direito e obrigações, assim como a lei, porquanto ordena aos contratantes que ajam com probidade, honestidade e lealdade. Portanto, como ensina Nelson Nery Júnior, reputa-se celebrado o contrato com todos esses atributos que decorrem da boa-fé objetiva.
A jornada STJ 24 preceitua: “Em virtude do princípio da boa-fé, positivadono art. 422 do Código Civil, a violação dos deveres anexos constitui espécie de inadimplemento, independentemente de culpa”.
O art. 422 CC dispõe que “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios da probidade e boa fé”.
Observe-se que o legislador acrescentou à boa fé o atributo da probidade, que consiste no comportamento moral das partes. Desses dois princípios, boa fé e probidade, decorrem as expectativas de atitudes dos contratantes, no sentido de eles cooperarem reciprocamente pelo cumprimento dos deveres anexos, cuja análise deve ser conforme o padrão do homem médio e uso e costumes locais.
O princípio da boa fé subjetiva fundamenta-se numa crença ou ignorância. De acordo com esse princípio, nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem (art. 112 do CC).
Assim a boa fé subjetiva atua como fonte de interpretação da declaração de vontade. Aliás, o art. 113 do CC dispõe que “ os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa fé e os usos do lugar de sua celebração”.
A boa fé é a crença de estar agindo corretamente. Esta é presumida de modo que a alegação de má fé deve ser comprovada pelo contratante que arguí-la.
A boa fé exerce tripla função, a saber: interpretativa, integrativa e de controle.
A função interpretativa que é típica da boa fé subjetiva consiste em revelar a vontade dos contratantes segundo os preceitos de lealdade e confiança.
A função integrativa, ao revés, consiste na explicitação dos direitos e deveres anexos, isto é, não previstos expressamente no contrato. Assim, a despeito da omissão do contrato, compete ao vendedor colaborar com a retificação no Registro de Imóveis fornecendo os documentos necessários por exemplo.
A função do controle contratual consiste na delimitação dos direitos que uma parte pode exercer contra a outra, é baseada na boa fé subjetiva e na boa fé objetiva. Assim, as obrigações assumidas nos contratos devem ser seguidas, desde que prevaleça o equilíbrio contratual.
Princípio do Consensualismo. 
De acordo com o princípio do consensualismo, o acordo de vontades é suficiente para gerar a formação válida do contrato. Mas esse princípio comporta duas exceções. A primeira é referente aos contratos solenes, isto é, que exigem a forma escrita. Nesse caso, enquanto o ajuste não for reduzido a escrito, o contrato não estará concluído validamente. A segunda exceção é atinente aos contratos reais, isto é, aqueles que só se formam com a entrega da coisa. Dentre esses contratos, tem-se como exemplo: mútuo, comodato, penhor, depósito, doações de coisas móveis de pequeno valor.
Princípio da Força Vinculante dos Contratos ou “Pacta sunt Servanda” ou Princípio da Obrigatoriedade.
De acordo com o princípio da obrigatoriedade, o contrato deve ser fielmente cumprido pelos contratantes, sendo, pois, lei entre as partes. Desse princípio decorre a intangibilidade do conteúdo do contrato, que não pode ser alterado unilateralmente por uma das partes.
A revisão judicial do contrato, em regra, não é admitida, devendo o magistrado limitar-se a anular as cláusulas abusivas, em vez de alterar o seu conteúdo. Excepcionalmente, porém, o magistrado pode modificar o conteúdo contratual para fazer preservar os princípios da função social e da boa fé objetiva, outrossim, para aplicar a chamada teoria da imprevisão (arts. 478 a 480 do CC), cujo estudo será desenvolvido mais a frente. Adiante-se que a teoria da imprevisão prevê a revisão como forma de devolver o equilíbrio contratual.
Por último, tem-se os casos de caso fortuito e força maior, casos que justificam a exceção também ao princípio da obrigatoriedade.
Princípio da Relatividade.
De acordo com o princípio da relatividade, o contrato só produz efeitos entre as partes. Não beneficia nem prejudica terceiros. Assim, em regra, não se pode, por meio de um contrato, criar direitos e obrigações para terceiros.
Todavia, o princípio da relatividade comporta as seguintes exceções:
As estipulações em favor de terceiros (arts. 436 a 438 do CC);
A responsabilidade de os herdeiros cumprirem os contratos do de cujus, até as forças da herança (art. 1792, CC);
O poder de o consumidor acionar judicialmente o fabricante, produtor, construtor ou importador, mesmo não tendo contratado diretamente com eles, na hipótese de reparação de danos causados por defeitos ou informações insuficientes do produto (art. 12 do CDC). A compra e venda do Código Civil, porém, é irremediável em relação a essas pessoas, de modo que o comprador não pode acioná-las judicialmente.

Continue navegando