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SENAC PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTE-EDUCAÇÃO Tiago Augusto Rodrigues OS MEMES NO ENSINO DA ARTE SÃO PAULO 2020 Tiago Augusto Rodrigues OS MEMES NO ENSINO DA ARTE Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Pós-Graduação em Arte-Educação do Centro Universitário Senac. Orientador: Prof.ª Dra. Suzana Schmidt Viganó SÃO PAULO 2020 Ao meu futuro eu. AGRADECIMENTOS Aos professores que me guiaram nesta jornada. RESUMO Com base nos estudos de Ana Mae Barbosa e sua abordagem triangular, este trabalho propõe uma atividade educativa para refletir sobre a criação e circulação de imagens na contemporaneidade. A partir do estudo do meme Ecce Homo, são analisadas as origens e as consequências do compartilhamento viral de imagens remixadas na internet. Palavras-Chaves: 1. Arte; 2. Memes; 3. Remix de Imagens; 4. Ecce Homo; 5. Abordagem Triangular ABSTRACT Based on Ana Mae Barbosa's studies and the triangular approach, this paper proposes an educational activity to reflect on the creation and circulation of images in contemporary times. From the study of meme Ecce Homo, the origins and consequences of viral sharing of remixed images on the internet. Keywords: 1. Arts; 2. Memes; 3. Image Remix; 4. Ecce Homo. 5. Triangular Approach SUMÁRIO INTRODUÇÃO .................................................................................................. 8 JUSTIFICATIVA .............................................................................................. 10 OBJETIVOS .................................................................................................... 15 PLANO DE LEITURA/APRECIAÇÃO ............................................................. 15 Sobre o Ecce Homo “original” ................................................................. 18 O gênero Ecce Homo .............................................................................. 20 O Ecce Homo de Cecília Giménez e seu legado memético .................... 21 PLANO DE ATIVIDADE EDUCATIVA ............................................................ 24 MATERIAL EDUCATIVO ................................................................................ 27 MONITORAMENTO E AVALIAÇÃO ............................................................... 30 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................ 31 REFERÊNCIAS .............................................................................................. 33 ANEXOS – PRINCIPAIS LÂMINAS DO FOLHETO ....................................... 36 8 INTRODUÇÃO As relações entre a arte e a comunicação têm se estreitado cada vez mais. Entre as diversas hibridizações, uma delas tornou-se parte de nosso cotidiano e se firma como uma nova linguagem: os memes. Este código traduz-se em reações quase sempre imagéticas aos produtos da nossa cultura contemporânea, que carregam em si relações de intertextualidade e do remix. São coletâneas de imagens e/ou textos que remixam uma fotografia de uma notícia, quadros de um vídeo que se propagaram mais do que o próprio vídeo, imagens acompanhadas de frases, bordões, trejeitos de políticos e celebridades, mas sempre transmitem uma mesma ideia em comum. De acordo com o Museu de Memes1, os memes são uma nova forma de letramento midiático. Por isso, é necessário desenvolvermos maneiras de aprendermos e criarmos a partir desta nova linguagem. O termo meme foi introduzido em 1976 pelo biólogo evolucionista Richard Dawkins em seu livro “O gene egoísta”, a partir de uma abreviação do grego mimeme (μίμημα). Dawkins, buscava estabelecer um paralelo com o conceito de gene, apresentando o meme como uma unidade de transmissão cultural ou de imitação social. Para o autor, memes e genes compartilham uma mesma natureza: a capacidade de replicação. Uma unidade replicadora é uma molécula capaz de criar cópias de si mesma, atuando como um modelo, uma base. Desta forma, o autor entendia que, assim como um gene, um meme também é um replicador. Entretanto, alimentando-se da reprodução de ideias e valores sociais. Ao longo do tempo, a própria definição de meme também se transformou. Para a psicóloga Susan Blackmore (BLACKMORE, 2000), os memes não são somente ideias, mas também são comportamentos que se replicam socialmente. Deste modo, necessitam de uma ancoragem material, um suporte que facilite a sua reprodução de um “hospedeiro” humano para outro. Resumidamente, os memes se propagam por meio de uma mídia (a linguagem oral, um livro, uma notícia de jornal, uma fotografia). Na internet, de acordo com Lucena (2015), os memes se dão através das interações 1 O Museu de Memes é um site brasileiro que se dedica ao estudo, catalogação e preservação de memes. Trata-se de um web museu que respeita o suporte midiático inerente ao próprio meme. 9 mediadas no ambiente virtual das redes sociais, configurando uma cadeia circular de sentidos, fortemente marcada pela subjetivação virótica e espontânea. Nas redes sociais, o termo passou a se referir principalmente às frases, imagens estáticas ou animadas, comumente incluindo elementos textuais, sons e produtos audiovisuais que são massivamente compartilhados e modificados, contudo, ainda mantendo alguma característica que os identifique. Esta transformação é a característica fundamental dos memes. Para Shifman (2014), um meme da internet é sempre uma coletânea de textos (conteúdos), e nunca uma imagem ou texto isolado - não sendo possível analisá-lo sem observar também o contexto em que surgiu. A partir dos estudos de Ana Mae Barbosa (2014) sobre a imagem no ensino da arte, este trabalho pretende criar uma proposta de ensino/aprendizagem de arte, utilizando como objeto a linguagem dos memes da internet, em uma sequência de oficinas proposta ao Sesc Sorocaba, ao longo de três encontros. Será trabalhado, com um público adolescente, através da abordagem triangular de Barbosa (2010), aspectos da criação, circulação, contextualização e principalmente da produção de sentidos destas imagens remixadas, a partir do estudo de um compêndio do meme “Ecce Homo”, catalogado no acervo do site “Museu de Memes” e também no site “Know your Meme2”, detalhado mais tarde neste trabalho. Para Rosa Iavelberg (2015, p.191), o aprender sobre arte hoje deve ser interdisciplinar, requerendo a leitura de diferentes tipos de textos (e imagens), nos mais variados suportes, como livros, internet, exposições, jornais, revistas, quadrinhos, grafites etc. Na arte-educação pós-moderna descontrói-se a ordenação cronológica no estudo dos movimentos artísticos ao longo da história, rompe-se com o ensino da arte europeia consagrada, se inclui a pluralidade cultural, se propõe a aula invertida dando abertura à voz e à interpretação do conhecimento pelos alunos em ações individuais ou colaborativas. (IAVELBERG, 2015, p. 190-191). 2 Know Your Meme é um dos mais importantes sites que documenta memes de internet, como vídeos virais, "macros" de imagens, frases populares, celebridades, entre outras coisas que se tornam meme. 10 Desta forma, ao se valer dos produtos contemporâneos da cultura de massas, o ensino da arte também pode se dar a partir do estudo dos memes, entendidos aqui como elementos da cultura popular nos ambientes virtuais e que funcionam como respostas à cultura de massas. JUSTIFICATIVA Ao falarmos das aproximações e convergências entre arte e comunicação, Santaella (2008) nos recorda que a história da arte se constitui de um extenso banco de imagensque o design gráfico, a publicidade, o cinema e a televisão sempre fizeram uso, cada um a seu modo. A partir dos anos 80, com a informatização, o resultado destes materiais passou a ser digitalizado e armazenado em computadores. Mais tarde, com o desenvolvimento das redes de comunicação global, passamos a ter acesso aos bancos de imagens, aos acervos inteiros de museus e aos sites de artistas em nossas próprias casas e que “além desse acesso, os programas de tratamento de imagens permitem a manipulação. Por essa e outras razões, a absorção das imagens artísticas pelas mídias constitui-se em um mercado em expansão” (SANTAELLA, p. 41, 2008). Henry Jenkins (2009), estudioso das novas mídias, aponta que a colisão (ou interação) entre novas e antigas mídias, vem reduzindo barreiras à expressão artística, aumentando o estímulo à criação e à produção de novas formas de conteúdo e, por consequência, novas maneiras de transmissão e de consumo. Neste novo contexto, reações pessoais, anteriormente isoladas ao serem expressas no ambiente da internet, podem se transformar em uma interação social ampliada. (JENKINS, 2006, p. 41). Além disso, o pesquisador defende que vivemos hoje em uma cultura participativa, na qual os consumidores das mídias de massa passam também a ter voz, a participar da cultura que consomem, inclusive se apropriando destes conteúdos e os fazendo circular de novas formas. O autor acrescenta que, quando um material é propagado, ele é refeito: seja literalmente, ao ser submetido aos vários procedimentos de remixagem e sampleamento, seja figurativamente, por meio de sua inserção em conversas em andamento e por meio de diversas plataformas (JENKINS, 2013, p. 54). Ainda para o autor, o sucessivo processo de transformação do propósito 11 original e de recirculação de conteúdos está borrando as linhas que dividem a produção e o consumo. Esta nova dinâmica de circulação pode ser observada na internet, sobretudo nos sites de comunidades virtuais, como Facebook, Twitter e Youtube e aplicativos de comunicação instantânea como o Whatsapp. Nestas plataformas encontramos textos, imagens e vídeos que circulam de maneira similarmente contagiosa e em constante transformação, dialogando e remixando a cultura de massas tradicional. Para os adolescentes de hoje, que são nativos digitais, estes conteúdos fazem parte do seu cotidiano e são consumidos e criados de maneira naturalizada, sem muitas vezes refletir sobre seus significados e origens. Muitos destes conteúdos são o que atualmente chamamos de memes. Apesar de Nestor Garcia Canclini não pensar exatamente sobre o tema, é possível traçar relações entre os memes e o que Canclini chama de gêneros impuros, como o grafite e os quadrinhos, obras da contemporaneidade que, assim como os memes, borram as linhas entre o visual e o literário, o culto e o popular, e aproximam o artesanal da produção industrial e da circulação massiva (CANCLINI, 2008, p. 336). O surgimento dos memes, como linguagem, pode também ser comparado aos movimentos de subversão e remixagem, característicos do modernismo do início do século XX, e que passou a ser uma linguagem típica da arte desta atualidade, reforçando as manifestações pós-modernas como especialmente referenciais e metalinguísticas. Para Nicolas Bourriaud, a pós-produção é o que define as imagens criadas na contemporaneidade, que tem a rede como um de seus pontos basais. De acordo com o curador e crítico de arte: [...] desde o começo dos anos 1990, uma quantidade cada vez maior de artistas vem interpretando, reproduzindo, reexpondo ou utilizando produtos culturais disponíveis ou obras realizadas por terceiros. Essa arte da pós- produção corresponde tanto a uma multiplicação da oferta cultural quanto – de forma mais indireta – à anexação ao mundo da arte de formas até então ignoradas ou desprezadas. Pode-se dizer que esses artistas que inserem seu trabalho no dos outros contribuem para abolir a distinção tradicional entre produção e consumo, criação e cópia, ready-made e obra original. Já não lidam com uma matéria-prima. Para eles não se trata de elaborar uma forma a partir de um material bruto, e sim de trabalhar com objetos atuais em circulação no mercado cultural, isto é, que já possuem uma forma dada por outrem. Assim as noções de originalidade [...] e de criação [...] esfumam-se nessa nova paisagem cultural [...]. (BOURRIAUD, 2009, p.7-8) 12 As intersecções entre arte e tecnologia têm se cruzado há algum tempo. Em 2012, o Museu de Arte Moderna (MoMa) de Nova York anunciou a inclusão dos primeiros games em seu acervo e dividiu opiniões. Passados quatro anos, emojis3 também foram incorporados à exposição permanente do museu. Para alguns estudiosos, o Brasil já é reconhecido como uma potência na criação de memes. Por exemplo, desde 2017, a Universidade Federal Fluminense (UFF) segue alimentando um espaço virtual auto definido como “o maior acervo de memes brasileiros do país”, onde arquiva, cataloga e contextualiza os memes nacionais e, de maio a agosto de 2019, inaugurou sua primeira exposição off-line: “A política dos memes e os memes da política” no Museu da República no Rio de Janeiro. Também no mesmo ano, o coletivo de memeiros “Saquinho de lixo” participou com uma obra na exposição “À Nordeste”, no Sesc 24 de Maio, em São Paulo. Ações como estas confirmam a potencialidade desta forma de linguagem. Utilizar a linguagem do meme como tema para se trabalhar com o ensino/aprendizagem de arte com adolescentes, especificamente, pode ser interessante não apenas por sua familiaridade e natividade com as ferramentas digitais, mas também para melhor entender os discursos presentes nestes objetos. A adolescência é uma etapa da vida que possibilita uma abertura para as mais variadas expressões. De acordo com Freitas, Pinto e Ferronato, nesta fase os jovens estão em plena vivência de suas novas possibilidades e autonomias, e espera-se que busquem formas alternativas de expressar seu próprio mundo. Essa particularidade deve ser aproveitada pelo educador que trabalha com adolescentes, cabendo a ele proporcionar momentos de encontro com novas linguagens e novas expressões, já que o valor maior é a autonomia física, cognitiva e social dos adolescentes (FREITAS, PINTO E FERRONATO, p. 132, 2016). Para além do campo da arte, atualmente o neologismo “memeiro”, que se refere às pessoas que criam memes, ganha destaque até mesmo como profissão. Parlamentares criam departamentos específicos para trabalhar com esta linguagem 3 Emoji é um neologismo vindo da junção das palavras japonesas e+moji, respectivamente imagem+letra; correspondem as imagens que acompanham ou substituem palavras em mensagens eletrônicas, podem representar desde expressões faciais, objetos, lugares, animais até tipos de clima. Sua popularização se deu juntamente a popularização de smartphones por serem acessado em um teclado virtual nativo nestes aparelhos. Em 2015, um emoji (rosto amarelo com lágrimas de alegria) foi eleito como a palavra do ano pelo dicionário Oxford. 13 na internet, como o caso do deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP), que em março de 2019, criou em seu gabinete o “departameme”, em que a função principal dos memeiros é “monitorar” a atuação de Kataguiri e demais notícias sobre política com a finalidade de criar publicações em vídeo e imagens para as suas redes sociais. De acordo com a sua assessoria, em resposta a revista Exame: “a ideia é transmitir as diretrizes do deputado para o público através de memes”4. Memes geralmente são efêmeros, funcionando e sendo replicados às vezes por poucas horas, dias, ou, no máximo, algumas semanas. Porém, alguns se tornam clássicos e são constantemente relembrados e utilizados como ready-made de novos memes. A escolha do meme para este trabalho se deu por grande parte de sua coletâneaversar sobre assuntos ligados à história da arte. O meme “Ecce Homo” (Figura 1) também conhecido como “Jesus restaurado” ou ainda “Potato Jesus” surgiu a partir de uma notícia de agosto de 2012, que narrava como a senhora Cecilia Gimenéz, de 81 anos, decidiu restaurar por conta própria um 4 “Departameme”: conheça o novo departamento de Kim Kataguiri. Disponível em: <https://exame.abril.com.br/brasil/departameme-conheca-o-novo-departamento-de-kim-kataguiri>. Acesso em: 06 nov. 2019. Figura 1 - A pintura original, sua versão antes da restauração de Cecília e, por fim, a pintura que deu origem ao meme “Ecce Homo” Fonte: Museu de Memes, 2019 14 afresco “Ecce Homo”, do século XX, que ornamentava um dos pilares do Santuário de Misericórdia da comunidade de Borja, província de Zaragoza, na Espanha. Cecília acabara por alterar completamente o rosto pintado na obra original e a desastrosa restauração se tornou um dos assuntos mais comentados na época. Ainda que a igreja tivesse se pronunciado informando que contrataria um outro restaurador para corrigir o erro, uma petição online pediu que sua versão de Cecília para “Ecce Homo” fosse mantida. A repercussão foi tamanha que causou impacto positivo real em Borja. Houve um incremento do fluxo turístico no local, fomentando a economia e divulgando o patrimônio cultural e artístico da cidade. De acordo com o site Museu de Memes, o próprio Santuário posteriormente chegou a criar o primeiro Museu Internacional do “Ecce Homo”, que conta com obras sobre o tema, de diversas partes do mundo. Mais de 140 mil pessoas passaram pelo local desde então para conhecer a pintura restaurada. Mais um apontamento de que conversas no ambiente digital podem produzir profundos impactos na realidade off-line. Na sequência será desenvolvido um pouco mais sobre o meme criado iniciado por Cecília e sobre a obra original. Figura 2 – Coletânea com algumas entradas do meme “Ecce Homo” Fonte: Know Your Meme (2019) 15 OBJETIVOS Geral: Discutir o conceito de meme e a ideia de remix na história da arte e na cultura de massas contemporânea. Específicos: Analisar as contribuições criadas para o meme estudado, identificando as obras que os originaram e os diversos remix feitos a partir deles; possibilitar aos alunos a criação de suas próprias versões do meme estudado, utilizando como ferramentas computadores e aparelhos celulares. PLANO DE LEITURA/APRECIAÇÃO A oficina terá início com um acolhimento realizado em uma roda de conversa, para levantar o conhecimento prévio dos alunos sobre memes; eles se apresentarão e contarão sonbre o interesse pelo tema. Além disso, serão abordados com questões como: Você usa memes no seu dia a dia? Você conversa usando alguma imagem? Você apenas compartilha imagens ou também cria seus próprios memes? Espera-se uma maioria de respostas que confirmem a familiaridade com o assunto. Os participantes também serão questionados sobre o porquê de algumas imagens viralizarem tanto. Acredita-se que aqui possa haver maior discordância e multiplicidade nas respostas. Em seguida, os alunos observarão uma sequência de imagens de memes populares, conforme a Figura 3, indagando-os se já haviam as visto anteriormente. Por último o professor projetará uma sequência de imagens do meme “Ecce Homo” e a conversa se orientará ao conhecimento que os alunos têm desta imagem. A partir 16 daqui a aula se torna mais expositiva, mas com grande convite à participação dos alunos. Será feita uma apreciação estética da imagem. Coletivamente, o grupo descreverá o que observa. Após algumas respostas livres, o professor poderá auxiliar com perguntas como: Vocês acham que esta imagem é uma pintura? Que tipo de tinta pode ter sido usada? Acham que é uma tela ou outro tipo de material? Quais cores predominam? O que ela retrata? Após este percurso, espera-se que os alunos cheguem à conclusão de que se trata de uma representação de Jesus, mas de uma maneira peculiar - pode ser que alguns já conheçam um breve histórico sobre a imagem. Entretanto, esta contextualização será feita em breve. Na sequência os alunos observarão a imagem anterior ao meme da restauração e, e poderão contar sobre as representações de Jesus, a que estão habituados a ver. Neste momento, o diálogo se voltará ao conhecimento que têm de restaurações de obra de arte, se sabem por que restauramos quadros, prédios e outros objetos de valor histórico; quem os alunos acreditam que é o profissional que realiza este trabalho e outras questões. Na sequência, voltando ao meme, os alunos tentarão responder porque Cecília Giménez acabou decidindo restaurar a obra por si mesma e se acreditam que ela foi bem-sucedida nesta feitura. Partindo destas respostas, será observada a noção que o grupo tem sobre história e sobre imagens e objetos que nos ajudam a narrá-las, além do julgamento estético que fazem sobre o material. Finalmente, os alunos serão indagados sobre o porquê acreditam que a imagem da restauração de Cecília Giménez se tornou mais famosa que a obra original. Diante da inusuabilidade da representação de Cristo por Cecília, podemos Figura 3 – Alguns memes populares: Gloria Maria no Oscar, namorado distraído e Nazaré confusa Fonte: Google Imagens (2019) 17 seguir o roteiro de Samuel Messik e Phillip Jackson (BARBOSA, p.14, 2014) para descobrir se um objeto representa uma resposta estética. Assim os alunos responderão as seguintes perguntas: Esta imagem muda alguma coisa na forma de representar o que ela pretende representar? Esta obra muda algo em você? Esta obra muda algum conceito de arte? Esta obra traz alguma mudança na arte hoje? Qual a mudança que ela significa para a arte de outros tempos ou para a arte em diversos outros tempos? - Como estas perguntas podem parecer um pouco mais complexas, nem todas precisarão ser respondidas nesta hora. Entretanto, almeja-se que ao final do primeiro dia da oficina, os alunos possam ter compreendido que a imagem se tornou famosa por subverter de uma maneira engraçada a imagem clássica de Jesus a que estamos habituados. E, por isso, acabou se tornando um meme. No segundo dia de oficina, a aula continuará mesclando a abordagem expositiva com as conversas junto aos alunos, novamente se utilizando de imagens projetadas como apoio. Será apresentado um breve histórico sobre a obra, seu (possível) autor e um panorama do gênero “Ecce Homo” na história da arte. Em seguida, os alunos serão apresentados às diversas imagens derivadas do retrato restaurado por Cecília. Neste momento, o diálogo se voltará ao porquê eles acreditam que estas novas imagens foram criadas a partir da restauração de Giménez. Espera- se as mais variadas respostas e, a partir delas, tentará se descobrir semelhanças entre as imagens de maneira que se possa separá-las em alguns grupos. Para esta classificação, nos basearemos nas tipologias apresentadas por Chagas e Toth que levam em consideração categorias que dividem os memes em: image macros (fotografias com legendas), exploitables (montagens com sobreposição de imagens), look-alikes (justaposição de retratos de personagens lado a lado para fins de comparação), selfies5, snowclones (fórmulas textuais, como “você pode substituir X por Y” ou “in Brazilian Portuguese, we don’t say X we say Y and I think that’s beautiful”), e outras várias denominações (CHAGAS, TOTH, 2016, p. 216). Ao final do segundo dia, ainda de forma expositiva, com auxílio de imagens projetadas, os alunos tomarão conhecimento de como estes remixes e a restauração 5 Selfie é neologismo em inglês para autorretrato, é uma foto tirada e compartilhada pela própria pessoa na internet. Selfies com expressões ou gestos específicos e de momentos como o Oscar de 2014 também frequentemente tornam-se memes. 18 de Cecilia influenciarama realidade da sua cidade. Os alunos serão interrogados se lembram, por exemplo, quando e onde viram pela primeira vez o meme estudado, se conhecem mais memes que não têm origem no Brasil, se já ouviram falar sobre a Espanha, e/ou sobre a cidade de Borja, e se também conhecem alguma manifestação de meme no mundo off-line – aqui não há respostas certas ou erradas, mas prepara- se o terreno para que os alunos sejam apresentados à cidade de Borja e ao templo onde a pintura de Giménez está exposta. Por fim, o terceiro encontro será o dia para o fazer artístico, em que os alunos aplicarão os conhecimentos adquiridos para a criação dos memes. A seguir, neste texto, serão apresentados os conteúdos utilizados para a etapa de apreciação e contextualização do meme estudado. Sobre o Ecce Homo “original” Na época do surgimento da imagem e dos memes relacionados, em agosto de 2012, as reações foram as mais diversas. Em um primeiro momento, defendeu-se uma intervenção para que se devolvesse o “estado original” da obra, pois, em interpretação extrema, a senhora havia vandalizado um patrimônio da cidade. Ironicamente, apesar da obra versar sobre um tema comum na história da arte ocidental, a peça em si não era amplamente conhecida antes do meme. Como aponta o arquiteto especialista em restaurações Moreno-Navarro, nem mesmo o Santuário ou as autoridades locais haviam se atentado para a sua deterioração, justamente porque a obra era considerada mais como uma homenagem de um devoto do que uma peça de arte. Esta conclusão se daria porque a pintura foi feita a óleo diretamente sobre o gesso que cobre o pilar, sem aplicar previamente qualquer preparação, explica o autor (MORENO-NAVARRO, 2017). Moreno-Navarro acrescenta ainda que esta pintura teria ao redor de 100 anos (sendo no máximo de 1930) e que não se sabe com plena certeza quem a realizou, mas que provavelmente tenha sido o valenciano Elías García Martínez. O pintor foi aluno da Escola de Bellas Artes de Valência, viveu em Barcelona e em Zaragoza, onde lecionou na Escola de Artes e Ofícios. Como pintor era relativamente 19 desconhecido, mas cultivou o retrato, a paisagem, a naturezas morta, as flores, os animais, as cenas da vida cotidiana, arquitetura e a religiosidade como temas de suas obras (MORENO-NAVARRO, p. 2, 2017). O sociólogo e pesquisador, Paulo Peixoto, conta que Martínez costumava passar férias de verão com a família em Borja, onde aproveitava para treinar suas habilidades, reproduzindo pinturas, em especial as de temas religiosos como o gênero “Ecce Homo” que, à época, eram largamente reproduzidos em estampas religiosas e em cartões-postais (PEIXOTO, p.6, 2016). Desta forma, tanto Peixoto quanto Moreno-Navarro apontam que o “Ecce Homo” de Martínez é uma reprodução de uma obra do pintor barroco italiano Güido Reni, que viveu nos séculos XVI e XVII, e que também já havia sido consideravelmente copiado ou reproduzido pelos trabalhos do alemão William French no século XIX (PEIXOTO, p.6, 2016). Também acrescenta o estudioso que “Martínez, na sua devoção e na tentativa de melhorar sua técnica, teria pintado vários “Ecce Homo”. E seu trabalho mais bem conseguido não terá sido o que pintou na Igreja de Borja, mas quadros que ficaram na posse da família” (PEIXOTO, p.6, 2016). Fonte: Composição criada pelo autor com imagens do Museu de Memes (2019) e MORENO-NAVARRO (2017) Figura 4 – Ecce Homo de Martínez e Ecce Homo de Güido Reni 20 O gênero Ecce Homo A expressão em latim Ecce Homo, de acordo com o Dicionário enciclopédico de teologia (2002) significa: "Eis o Homem" e, na narrativa judaico-cristã, são as palavras ditas por Pôncio Pilatos ao apresentar Jesus (flagelado e com a coroa de espinhos) aos judeus. Na iconografia judaico-cristã e na História da Arte Ocidental, Ecce Homo tornou-se um sinônimo de representar Jesus com estas características, como pode ser observado nas imagens a seguir: Figura 5 – Ecce Homo de German Dominguez, sec. XV. Fonte: Google Arts & Culture (2019) Figura 6 – Ecce Homo de Caravaggio, 1605. Fonte: Google Arts & Culture (2019) Figura 7 – Ecce Homo de Albrecht Durer, 1490 Fonte: Google Arts & Culture (2019) Fonte: Google Arts & Culture (2019) Figura 8 – Ecce Homo de Hieronymus Bosch, 1500. 21 O Ecce Homo de Cecília Giménez e seu legado memético A notícia sobre a restauração de Cecília começou a se espalhar em 21 de agosto de 2012, quando um usuário da rede social Reddit fez uma postagem intitulada "Uma igreja antiga na Espanha precisava restaurar uma pintura desgastada. Eles contrataram a pessoa errada" (tradução do autor), que incluía fotografias da pintura antes e depois de alterada. Em dois dias, o post recebeu mais de 11.000 votos positivos e 750 comentários. Um outro usuário da rede respondeu ao post com uma versão editada da restauração, feita para parecer como se fosse uma ilustração de um leão (Figura 9, à esquerda). No dia 22 de agosto, usuários da rede social 4chan apelidaram a pintura "Potato Jesus" (Figura 9, à direita), que referenciava a um outro meme da época. Uma das dificuldades de se estudar memes é que nem todas as imagens podem ser encontradas. Entretanto, a fim de contornar esta irrastreabilidade, sites como o Museu de Memes e o Know Your Meme agrupam as diversas e incontáveis entradas justamente para que possamos mais tarde poder estudar estes fenômenos. Figura 9 – Primeiros remixes do meme Ecce Homo Fonte: Know Your Meme (2019) 22 Em 22 de agosto de 2012 foi criado um grupo no Facebook intitulado “Beast Jesus Restoration Society”, recebendo 4.050 membros em pouco menos de duas semanas. Os criadores começaram um blog com um único tópico na rede social Tumblr no dia seguinte, dedicado às imagens e fotomontagens apresentadas na página do Facebook. Ainda de acordo com o site Know Your Meme, no dia 23 de agosto, foi criada uma conta na rede social Twitter, intitulada @FrescoJesus que alcançou quase 7.000 seguidores em duas semanas. Em meados de setembro, a pintura restaurada havia sido apresentada pelos principais veículos de notícias em inglês e por outros jornais em 160 países em todo o mundo. Em 22 de agosto, foi criada uma petição no site Change.org, pedindo às autoridades que não removessem a restauração de Giménez, chamando sua pintura de "ousada" e encarando-a como um exemplo do expressionismo contemporâneo. Em 31 de agosto, a petição havia alcançado 22.185 assinaturas dentre as 25.000 solicitadas. A própria petição também se tornou notícia sendo amplamente divulgada na época. Em 24 de agosto de 2012, a agência publicidade BBH London, lançou uma competição online intitulada “Cecília Prize” (Prêmio Cecília) para receber e premiar os Figura 10 – Imagens enviadas para o Prêmio Cecília Fonte: Know Your Meme (2019) 23 melhores remixes do meme. As submissões de imagens foram organizadas em um painel na rede social Pinterest (Figura 10) e sob a hashtag #ceciliaprize no Twitter, o concurso foi coberto por diversos veículos de comunicação novamente espalhando a imagem de Ecce Homo. Em setembro de 2012, o grupo artístico Wallpeople apresentou centenas de versões retrabalhadas da nova imagem em uma parede perto do Centro de Cultura Contemporânea de Barcelona. Todo este legado foi convertendo tanto Cecília quanto sua obra em ícones pops. Figura 11 – Mais entradas na competição do Prêmio Cecília A repercussão online foi tamanha que, o que poderia ter sido um desastre - e em termos de restauração talvez realmente tenha sido, como aponta Moreno-Navarro, (2017) - se converteu em forma de divulgação positiva à pequena comunidade. Ao verem o fluxo de turistas aumentando na cidade para conhecer a obra de Cecília, os responsáveis pela administração do pequeno templo decidiram pormantê-la desta forma. De acordo com o site Know Your Meme, desde a ocorrência, o pequeno santuário já atraiu mais de 140 mil visitantes e levantou mais € 50.000 euros. O fluxo turístico favoreceu Borja, fomentando a economia local e divulgando o patrimônio Fonte: pinterest.com (2019) 24 artístico e cultural da cidade, assim como o próprio santuário, que mais tarde criou o primeiro Museu Internacional do “Ecce Homo”, contando com obras sobre o tema de diversas partes do globo. Atualmente, Giménez detém royalties sobre a imagem de sua pintura, que é comercializada em uma série de suvenires no santuário e na cidade, existindo até mesmo um rótulo de vinho gravado com sua obra. Mais tarde, chegou- se ainda a produzir um documentário chamado Fresco Fiasco (2016) e um filme intitulado Behold the Monkey (2016), ambos sobre a restauração. Por todo este legado, “Ecce Homo” é um dos memes mais lembrados da década, sendo constantemente revisitado. Em 2019, o meme chegou a ser transformado até mesmo em um filtro para selfies na rede social Stories da plataforma Instagram. Todo este contexto nos confirma a necessidade de se estudar a linguagem dos memes e, sobretudo, o impacto destas imagens na cultura contemporânea. PLANO DE ATIVIDADE EDUCATIVA Em razão da transversalidade do tema abordado, propõe-se uma oficina em um espaço de aprendizagem não formal de Sorocaba. Sugere-se que esta atividade ocorra no Espaço de Tecnologias e Artes (ETA) do Sesc Sorocaba, que é um laboratório e espaço de convivência para o desenvolvimento criativo, a partir do uso de tecnologias compartilhadas. Este espaço conta com diversos materiais, ferramentas e componentes eletrônicos para uso compartilhado e também com recursos para captação e edição de áudio e vídeo, bem como máquinas de costura, Figura 12 – Visitantes do santuário Fonte: Know Your Meme (2019 25 equipamentos de marcenaria, materiais de desenho, pintura e escultura, tablets, computadores, e plataformas de prototipagem, como o Arduino. Desta forma, a atividade ganha força e integraria o calendário da unidade. A partir da abordagem triangular de Ana Mae Barbosa (2014), a proposta de ensino/aprendizagem deste trabalho se dará em uma oficina de três dias, em que cada um dos encontros terá duração de duas horas. Doze alunos, de 14 a 19 anos, previamente inscritos, conhecerão aspectos da criação, circulação, contextualização e principalmente da produção de sentidos de imagens remixadas. Objetivando uma aprendizagem significativa, os dois primeiros encontros estarão focados no “aprender a ver” e na contextualização das imagens estudadas, e o último reservado ao fazer artístico. As aulas se darão combinando conteúdo expositivos, com auxílio de slides e projetores; e atividades práticas com o uso de aparelhos celulares, computadores e o material didático do curso, detalhado mais adiante neste trabalho. No primeiro dia será realizado um acolhimento com levantamento das informações prévias que os alunos têm sobre o tema, e feita uma primeira apreciação estética do meme “Ecce Homo”, conforme conteúdo apresentado no capítulo anterior deste tralho. No segundo dia, se trabalharam as imagens prévias que influenciaram a pintura de Elías García Martínez e os memes a partir da imagem restaurada de Cecília Giménez. Será explorada a teoria e algumas fórmulas de se criar memes. O professor apresentará, como exemplo as tipologias descritas por Chagas e Toth (2016) e como elas produzem diferentes sentidos. Como exemplifica a Tabela 1 abaixo: 26 Tabela 1 – Exemplo de algumas divisões de entradas para os remixes do meme estudado Image Macro (fotografia com legenda) Exploitables (montagens com sobreposição de imagens) Look-alikes (justaposição de retratos para comparação) Selfie (retrato junto ao meme ou de alguém se caracterizando como o meme) Fonte: Elaborada pelo autor (2019) Assim, os alunos serão indagados, por exemplo, sobre o que eles percebem ou entendem quando determinado texto é sobreposto à imagem; que relação é estabelecida quando se coloca uma imagem específica lado a lado com o meme estudado; ou ainda quando tiramos uma selfie imitando a expressão da imagem. Aqui objetiva-se que os alunos percebam a pluralidade de sentidos que um mesmo meme pode tomar. As respostas poderão ser as mais diversas possíveis e espera-se que entendam que um meme nunca é apenas uma imagem isolada, mas sim uma coletânea de discursos imagéticos e textuais combinados que podem produzir novos sentidos, muito além da imagem original que conhecemos. O encontro final será o dia para o fazer artístico, em que os alunos aplicarão conhecimentos adquiridos para a criação dos memes. Com o auxílio de computadores oferecidos pela própria unidade do Sesc, bem como o uso dos celulares dos próprios alunos, se utilizarão aplicativos, programas de edição de imagens e sites, como o memecreator.org, para a criação de imagens remixadas. Será proposto aos alunos que, além de criarem contribuições ao meme estudado, também utilizem as imagens 27 analisadas e o folheto da oficina (detalhado adiante) para criarem novas propostas e novas narrativas com base em suas próprias vivências. Para esta atividade os alunos trabalharão em quatro bancadas com três alunos em cada, com um computador e um folheto. A proposta é que os alunos tenham autonomia para criar suas próprias montagens, o professor mostrará o funcionamento do site e auxiliará os alunos caso tenham dúvidas específicas. O professor ficará responsável por coletar estas imagens e, no período final, se organizará uma nova roda de conversa para que todos os alunos possam conhecer a imagens criadas pelos colegas. Os alunos serão comentarão o que a nova imagem criada os provoca, os lembra, ou pode significar. O criador da peça comentará sobre ela e compartilhará suas dificuldades durante o processo criativo. Ao final, todo o material desenvolvido será exposto em um perfil criado na rede social Instagram. MATERIAL EDUCATIVO Será desenvolvido um folheto de 20cm x 20cm, com um conteúdo explicativo sobre o que são memes e como podem ser criados. Ainda neste folheto haverá uma interação com uma faca especial, que permitirá a combinação de imagens de forma lúdica, para que o público possa criar rostos combinando as imagens entre si, ou com seu próprio rosto. As lâminas terão três cortes dividindo cada imagem na altura dos olhos, nariz e boca. Dentre as imagens escolhidas, teremos a obra original de Elías García Martínez, a restauração de Cecília Giménez, alguns outros espécimes do gênero “Ecce Homo”, citado neste trabalho, além de algumas entradas do compêndio do meme. 28 Figura 13 – Simulação do material: capa e páginas internas Fonte: Material elaborado pelo autor (2019) 29 Como estamos falando de imagens típicas da internet, o material estimulará a produção e o compartilhamentos de novas imagens criadas pelo público. Como o gênero selfie é uma das possibilidades estudadas durante a oficina, este material permitirá ao aluno combinar seu próprio rosto com as imagens do material. Entre os textos do material, haverá uma chamada para ação, convidando seus leitores a publicarem as fotos criadas com o folheto nas redes sociais utilizando a hashtag #eccememe, para que as imagens compartilhadas possam ser localizadas e compiladas para eventuais análises posteriores. Propõe-se ainda que este material tenha três usos: divulgação para inscrições da oficina; material didático da própria oficina e também como material para o público que seja frequentador da unidade, mas que não venha a realizar a oficina. Figura 14 – Simulação de uso do material Fonte: Material elaborado pelo autor (2019) 30MONITORAMENTO E AVALIAÇÃO Como prática convencionada e sistematizada, a avaliação no processo de ensino/aprendizagem é realizada em todos os momentos do trabalho pedagógico. Ela o inicia, transpassa todo o processo e o conclui. Todo o processo é monitorado, tendo como norte os objetivos definidos no planejamento do projeto. Segundo Villas-Boas (1998, p. 21), as práticas avaliativas podem servir à manutenção ou à transformação social. Este processo compreende não apenas análise de desempenho do aluno, mas também do professor e de toda a situação de ensino que se realizará no projeto. Portanto, neste projeto a avaliação será contínua, ocorrendo em todos os momentos do processo de ensino-aprendizagem. Nos dois primeiros encontros, onde a aula é mais expositiva, a participação nas respostas constituirá importante parâmetro para mensurar o sucesso dos métodos escolhidos e, assim, adequar o projeto às dificuldades encontradas. No último encontro, destinado ao fazer artístico, se valorizará a autonomia dos alunos. Ainda que o professor seja uma figura central nas primeiras etapas do projeto, no terceiro dia seu papel se dará como facilitador do processo de criação dos alunos. Conseguirem criar e executar suas próprias imagens/memes será apenas um indicativo do grau de sucesso do projeto, porém, o que se espera é que os alunos comecem a ter um olhar mais crítico em relação às imagens e memes que consomem e criam no seu dia a dia. Em relação às principais dificuldades que poderão ser encontradas, acredita-se que, por exemplo, no último dia de oficina, alguns alunos poderão apresentar maior ou menor familiaridade com as ferramentas digitais. Contudo, o uso do material didático se fará presente como maneira de garantir que todos consigam realizar pelo menos algum remix/montagem de maneira analógica. Como produto do projeto, para documentar os processos e os resultados da oficina, também se criará um perfil da oficina no Instagram, que será alimentado ao longo de toda a oficina. Nesta página serão compartilhadas fotografias dos bastidores da oficina e as imagens criadas pelos alunos. Sincronicamente, se utilizando da dinâmica da própria plataforma (Instagram), as imagens poderão também ser compartilhadas pelos alunos em seus próprios perfis, alcançando ainda mais pessoas que também poderão conhecer o trabalho realizado. De igual maneira, o sucesso do 31 material didático também poderá ser mensurado pela quantidade de fotos publicadas e marcadas com a hashtag #eccememe, criando assim uma exposição virtual organizada nas próprias plataformas digitais. Após a oficina, o perfil criado no Instagram continuará ativo, e poderá ser utilizado novamente em futuras oficinas. Pretende-se, também, que após a oficina desenvolva-se um relatório sobre o projeto, acompanhado de algumas imagens, para ser publicado no site da organização e em sua revista mensal, narrando a experiência da oficina. CONSIDERAÇÕES FINAIS Se nos anos 80 Ana Mae Barbosa (2014) já nos alertava sobre mais de 25% das profissões do nosso país estarem ligadas direta, ou indiretamente, às artes, no contexto atual, em que muito se fala sobre preparar os alunos para as profissões que ainda nem sabemos que existirão, atentar-nos sobre as relações estéticas que estabelecemos com a tecnologia é uma das nossas saídas para criarmos propostas de ensino/aprendizagem significativas. As plataformas digitais são, sem dúvida, um campo que deve ser usufruído pela educação, não somente no ensino da arte. Prestar atenção em como os discursos, os processos criativos e as relações acontecem mediadas por este terreno nos prepara para entender qual o caminho estamos tomando enquanto sociedade. Sobretudo porque nem sempre os memes trazem apenas discursos de humor, ou são “bonzinhos”, ou democráticos. As propostas educativas com memes podem permitir, portanto, entendermos como são recebidos os produtos culturais da nossa sociedade. Conhecer os memes que circulam a respeito de um determinado produto, de uma marca, de um candidato político, de uma telenovela, de um artista ou de sua obra, permite ao arte-educador estudar de forma mais apurada sobre a forma como criamos imagens para nos comunicar e como funciona a sua fruição na contemporaneidade. O campo memético é uma vasta seara a ser explorada pela arte-educação. Aos educadores futuros e contemporâneos fica o desafio de como se fixar nos memes do agora, nas plataformas atuais, enquanto elas ainda estão acontecendo. O profissional que se aventurar por este caminho tem que levar em conta a efemeridade 32 destes fenômenos. Em se tratando de projetos baseados em mídias sociais, estamos sujeitos aos termos de uso definidos pelos administradores das plataformas, que podem, inclusive, alterar suas regras internas, ou até mesmo encerrar a própria plataforma. Além disso, é sempre possível que um novo tipo de imagem digital ou meme nos surpreenda, exigindo o desenvolvimento de novas formas de estudá-lo e aplicá- lo como objeto de ensino/aprendizagem. Durante o desenvolvimento deste trabalho, por exemplo, observou-se o surgimento de um interessante novo tipo de meme sonoro, com a criação dos grupos de Whatsapp exclusivos para compartilhar áudios imitando determinado som, que pode ser desde um jargão de uma celebridade ao som de um instrumento musical. Ótima oportunidade para arte-educadores do campo da música, pedagogos focados em alfabetização e comunicólogos especialistas em redes sociais. Ficar atento a manifestações como estas é antecipar as flutuações de ânimo, interesse e criatividade da sociedade. Em tempo, ainda em novembro de 2019, foi lançado o site memensina.com.br, que coleciona propostas educativas brasileiras que se valem de memes para o ensino de diversas disciplinas. Desta forma, principalmente em escolas públicas, este é um ótimo ponto de partida para professores que queiram levar o tema para as suas aulas. Desta forma, os memes necessitam ser compreendidos não como conteúdos fluidos e desambiciosos, mas como interessantes indicadores da leitura que os internautas fazem de um determinado tema ou personagem. Nesse sentido, o meme não se trata de um objeto em si mesmo, mas um meio, uma ferramenta. Uma oficina de seis horas pode não levar jovens a se tornarem memeiros profissionais - e este realmente não é o objetivo deste trabalho. Entretanto, pode ser um primeiro passo para levá-los a refletir sobre o conteúdo que consomem e compartilham nas redes. Não se estuda memes para se tornar um excelente criador de memes, mas para entender os possíveis significados pensados e até mesmo os não pensados pelos seus autores. 33 REFERÊNCIAS AZENHA, Elis; FIGUEIREDO, Mireira. Memensina. Disponível em: <https://www.memensina.com.br>. Acesso em: 3 jan. 2020. BARBOSA, Ana Mae. A imagem no ensino da arte: anos 1980 e novos tempos. 9 ed. São Paulo: Perspectiva, 2014. BLACKMORE, S. Susan Blackmore sobre memes e "temes". Ted.com. Disponível em:<https://www.ted.com/talks/susan_blackmore_on_memes_and_temes?language =pt-br#t-419680> Accesso em 20 mai 2019. ______, S. The power of memes. In: Scientific American, v. 283, n. 4, 2000. BOURRIAUD, Nicolas. Pós-produção. Como a arte reprograma o mundo contemporâneo. São Paulo: Martins Fontes, 2009 ______, Nicolas. Estética Relacional. CANCLINI, Néstor García. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. 4. ed. São Paulo: Edusp, 2008. CHAGAS, Viktor ; TOTH, Janderson. 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