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psicoterapia_de_grupo_no_contexto_de_crise

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Brasília-DF. 
PsicoteraPia de GruPo no contexto 
de crise
Elaboração
Luciana Raposo dos Santos Fernandes
Produção
Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração
Sumário
APRESENTAÇÃO ................................................................................................................................. 4
ORGANIZAÇÃO DO CADERNO DE ESTUDOS E PESQUISA .................................................................... 5
INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 7
UNIDADE I
INFLUÊNCIAS SOCIOLÓGICAS NA RELAÇÃO SUJEITO-OUTROS ............................................................... 9
CAPÍTULO 1
O INDIVÍDUO E O COLETIVO .................................................................................................... 9
UNIDADE II
PSICOLOGIA DO SELF E A COMUNICAÇÃO ......................................................................................... 30
CAPÍTULO 1
A COMUNICAÇÃO ENTRE OS INDIVÍDUOS E A IMPORTÂNCIA DA PSICOLOGIA DO SELF .......... 30
UNIDADE III
A PSICOTERAPIA DE GRUPO ................................................................................................................. 59
CAPÍTULO 1
O GRUPO E SUA ATUAÇÃO NO PROCESSO PSICOTERÁPICO ................................................... 59
UNIDADE IV
A CRISE E AS POSSIBILIDADES DE SUPORTE EFICAZ ATRAVÉS DA PSICOTERAPIA DE GRUPO ..................... 96
CAPÍTULO 1
CARACTERIZANDO A INTERVENÇÃO GRUPAL PARA A DEMANDA DE CRISE .............................. 96
PARA (NÃO) FINALIZAR .................................................................................................................. 111
REFERÊNCIAS ................................................................................................................................ 112
4
Apresentação
Caro aluno
A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se 
entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade. 
Caracteriza-se pela atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela 
interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da 
Educação a Distância – EaD.
Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade 
dos conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos 
específicos da área e atuar de forma competente e conscienciosa, como convém 
ao profissional que busca a formação continuada para vencer os desafios que a 
evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo.
Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo 
a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na 
profissional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira.
Conselho Editorial
5
Organização do Caderno 
de Estudos e Pesquisa
Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em 
capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos 
básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam tornar 
sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta para 
aprofundar seus estudos com leituras e pesquisas complementares.
A seguir, apresentamos uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos 
Cadernos de Estudos e Pesquisa.
Provocação
Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes 
mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor 
conteudista.
Para refletir
Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita 
sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante 
que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As 
reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões.
Sugestão de estudo complementar
Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo, 
discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso.
Atenção
Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a 
síntese/conclusão do assunto abordado.
6
Saiba mais
Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões 
sobre o assunto abordado.
Sintetizando
Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o 
entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos.
Para (não) finalizar
Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem 
ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado.
7
Introdução
Ao longo da história, unir-se a outras pessoas para compartilhar os desafios da 
vida tem sido um meio importante de manter a saúde mental. Existem agora 
centenas de grupos de apoio mútuo disponíveis, e muitos desses grupos estão 
acessíveis na Internet. Nos últimos cem anos, os profissionais de saúde vêm 
desenvolvendo grupos formais de psicoterapia.
Grupos de terapia contemporânea podem ser amplamente classificados como 
grupos interacionais ou grupos psicoeducacionais. Os grupos interacionais 
concentram-se em aprender com as transações que ocorrem entre membros de 
um grupo. Grupos de psicoeducação ensinam habilidades de enfrentamento 
específicas para uma ampla variedade de preocupações pessoais.
Psicoterapia de grupo é o tratamento de problemas psicológicos, comportamentais, 
emocionais e interpessoais por um profissional de saúde mental que se reúne 
regularmente com clientes em um grupo, em vez de um contexto individual. A 
psicoterapia de grupo é usada para tratar uma variedade de distúrbios, incluindo 
vício, distúrbios cognitivos, distúrbios alimentares, distúrbios caracterológicos, 
depressão e muito mais, usando métodos que são tão variados quanto aqueles 
usados em abordagens individuais. Múltiplos fatores em nível de grupo, incluindo 
a instilação de esperança, aprendizado social, apoio social e autoconhecimento 
operam para promover ajustes em grupos de psicoterapia, e pesquisas sugerem 
que essa técnica de tratamento é tão eficaz quanto métodos mais individualizados 
quando administrada adequadamente.
O tratamento orientado para a crise é uma abordagem promissora para a resolução 
definitiva de crises que surgem como resultado da mudança de eventos da vida 
que interromperam um equilíbrio anterior. A patologia não é enfatizada e o foco 
está na identificação clara da cadeia de eventos que levou à crise. Juntamente 
com a formulação cognitiva, o tratamento de crises proporciona a expressão 
do afeto apropriado e a formulação conjunta do paciente e do terapeuta das 
estratégias de enfrentamento para lidar com o problema recém-definido.
A psicoterapia de grupo focada no contexto de crise trabalha para lidar com 
rupturas na coerência narrativa e na desregulação afetiva, explorando os significados 
psicológicos dos sintomas e suas relações com eventos traumáticos.
O terapeuta trabalha para identificar conflitos intrapsíquicos, efeitos negativos 
intensos e mecanismos de defesa relacionados aos sintomas apresentados por 
8
seu paciente em uma formulação psicodinâmica que fornece a estrutura para o 
tratamento. A transferência oferece um fórum para os pacientes lidarem com 
sentimentos de desconfiança, dificuldades com autoridade, medo de abuso e 
sentimentos/fantasias de raiva e culpa.
Objetivos
 » Ampliar o conhecimento teórico e prático sobre a Psicoterapia de 
Grupo enquanto modalidade da psicologia clínica.
 » Compreender a implicação do psicólogo diante do desenvolvimento 
sensorial do cliente a partir da vivência grupal. 
 » Aproximar-se da ação clínica do psicólogo que trabalha com 
Psicoterapia de Grupo no contexto de crise, sendo o foco desse 
profissional o cuidado com o paciente.
 » Contribuir para que os profissionais se sensibilizemfrente às 
necessidades que devem ser encaradas e acolhidas diante de 
situações de crise que as pessoas enfrentam. 
9
UNIDADE I
INFLUÊNCIAS 
SOCIOLÓGICAS NA 
RELAÇÃO SUJEITO-OUTROS
Nesta Unidade abordaremos as influências sociológicas na relação entre o sujeito e 
o outro. Nos seus escritos anteriores à Segunda Guerra Mundial, Lacan define essa 
relação em termos de identificação. No entanto, a partir de 1953, ele o define em 
termos do sujeito da fala e do Outro Simbólico. É uma noção popular caracterizar 
essa mudança em termos de uma quebra radical, influenciada pela leitura de 
Lévi-Strauss. Contudo, através de uma leitura atenta dos primeiros escritos de 
Lacan e de suas influências durkheimianas, demonstraremos que o que mudou é a 
conceitualização de Lacan da relação entre o indivíduo e o coletivo. Essa mudança 
foi gradual e não repentina. Além disso, pode situar-se na evolução teórica dos 
campos contíguos da sociologia, antropologia e psicanálise. Assim, rejeitamos a 
ideia de uma brecha dentro de seu próprio pensamento e com o que veio antes dele. 
Estabeleceremos o panorama da relação entre o indivíduo e o coletivo que foi teorizada 
antes de Lacan. Durkheim conceituou essa relação como dupla: o indivíduo e o 
coletivo são radicalmente separados. Mauss tentou unificar o campo da antropologia 
através do conceito holístico do homem total. Na formalização de Lévi-Straus, o 
indivíduo se torna uma função dentro de um sistema simbólico estruturado. Por fim, 
propomos uma reflexão sobre a noção de lógica do coletivo atestando as tentativas 
de formular uma noção do sujeito que se afirma contra esse coletivo, mantendo 
ao mesmo tempo a sua natureza de função lógica. 
CAPÍTULO 1
O indivíduo e o coletivo
Uma noção popular entre os estudiosos lacanianos é a ocorrência de uma mudança 
radical de um Lacan preocupado com a ordem imaginária para um Lacan focado 
no simbólico. O primeiro está centrado em torno de sua teoria no palco do 
espelho (LACAN, 2006 [1949]), o último surgiu através da leitura do antropólogo 
Claude Lévi-Strauss (ZAFIROPOULOS, 2001; ZAFIROPULOS, 2010 [2003]) 
e é inaugurado por sua apresentação intitulada A função e o campo da fala e da 
linguagem na psicanálise em 1953 (LACAN, 2006 [1953b]).
10
UNIDADE I │ INFLUÊNCIAS SOCIOLÓGICAS NA RELAÇÃO SUJEITO-OUTROS
Rejeitamos a noção de uma mudança radical do imaginário para o simbólico. 
Além disso, defendemos a ideia de que a estrutura conceitual em evolução 
de Lacan pode estar situada dentro de uma história intelectual mais ampla 
do pensamento antropológico e sociológico sobre a relação entre o indivíduo 
e o coletivo. Portanto, não aceitamos uma brecha dentro de seu próprio 
pensamento. 
A relação entre o indivíduo e o coletivo ocupa a psicanálise desde os escritos de 
Freud sobre psicologia de grupo (FREUD, 1955 [1921]) e tem sido mantida por 
psicanalistas como Bion e Rickman, que influenciaram Lacan (2001 [1947]) . No 
entanto, também tem sido um dos princípios da sociologia e da antropologia. A noção 
de individualidade e a influência do coletivo são centrais no trabalho de Durkheim, 
que terminou em um impasse em que ambos eram radicalmente separados. Marcel 
Mauss tentou resolver esse impasse com sua noção do homem total e Lévi-Strauss 
formalizou essa noção e suas implicações. Neste capítulo, focamos no período entre 
os escritos de Lacan sobre a família, onde essa relação é baseada na identificação e 
fortemente influenciada por Durkheim, e seus escritos sobre o simbólico, onde 
a relação é baseada na linguagem e fortemente influenciada por Mauss e Lévi 
Strauss.
Como Freud (1955 [1921]) e Lacan (2001 [1938]) observaram, os fundamentos da 
vida social do homem e, portanto, sua relação com o coletivo, são estabelecidos na 
família. Zafiropoulos (2001) afirma que Lacan foi influenciado por Durkheim em 
seus escritos sobre a família. 
Durkheim afirmou que a família é uma instituição social sujeita a uma evolução 
cultural, tendo a família conjugal sua conclusão final. Não é apenas um assunto 
biológico, mas tem implicações morais e judiciais que são protegidas pelo coletivo 
no qual a família está inserida. A evolução da instituição da família é determinada 
pelo que Durkheim (1975 [1892]) chama de lei da contração: ao longo da história, 
o número de parentes que constituem uma família diminuiu progressivamente. 
O ponto de partida histórico da família é o clã. Nessa estrutura social, um totem ou 
suposto antepassado é responsável pela criação da sociedade e forma o centro da 
vida familiar. Os membros de um clã eram parentes e concidadãos (LAMANNA, 
2002). Nessas sociedades, não havia noção de indivíduo e os diferentes membros 
do grupo dificilmente se distinguiam um do outro. Somente quando o clã deixou 
de ser nômade e começou a atribuir valor ao território em que vivia, a família e o 
clã se tornaram duas entidades separadas. Um sistema familiar amplo e amorfo 
se distinguiu de uma organização política e territorial de clãs (DURKHEIM, 1984 
[1893]). Famílias com uma estrutura patrilinear ou matrilinear originaram-se 
11
INFLUÊNCIAS SOCIOLÓGICAS NA RELAÇÃO SUJEITO-OUTROS │ UNIDADE I
no clã (DURKHEIM, 1975 [1892]). Uma contração adicional foi realizada pelas 
famílias agnáticas, que eram menores e mais igualitárias que as famílias baseadas 
em totens. Essas famílias estavam centradas em posses compartilhadas, em 
vez de religião e podiam ser patrilineares ou matrilineares.
Isso difere das famílias patriarcais romanas, que eram estritamente patrilineares 
e governadas pelo princípio de patria potestas. O pai representava o grupo e 
sua autoridade sobre os seus membros e posses era absoluta. Isso contrasta com 
a família paterna alemã, em que o domínio paterno era menos rigoroso. O filho 
poderia emancipar-se e deixar a família por sua própria vontade.
A família conjugal é a estrutura familiar discernida por Durkheim na sociedade 
francesa de sua época. É mais uma contração da família paterna do que da 
família patriarcal, pois esta era muito rígida para permitir qualquer contração 
adicional. Os únicos elementos permanentes dentro deste sistema são marido 
e mulher, embora ainda existissem zonas secundárias de parentesco (isto é, 
parentes até o sexto grau), como remanescentes das estruturas anteriores. 
Uma criança depende do pai até se casar. Como Zafiropoulos (2001) aponta 
corretamente, com a contração da família, os direitos disciplinares do pai 
diminuíram bastante. No entanto, a interferência do estado aumentou. Na 
França, a partir de 1889, o pai pode até ser expulso desses direitos paternos 
pelo Estado. Segundo Durkheim, a intervenção estatal era um pré-requisito 
necessário para a existência da família conjugal. Enquanto as relações de 
parentesco em sociedades constituídas por famílias patriarcais só poderiam 
ser rompidas sob a autoridade do pai, no caso daquelas baseadas na família 
conjugal, o Estado deve aprovar em caso de divórcio ou adoção. Durkheim nos 
adverte, porém, que com a contração da família, a individualidade e a busca 
de objetivos puramente individuais aumentaram. Quando o indivíduo “busca 
seu objetivo dentro de si mesmo, cai em um estado de miséria moral que o 
leva ao suicídio” (DURKHEIM, 1975 [1892], p. 236). No entanto, de acordo 
com Lamanna (2002), Durkheim não é necessariamente pessimista no que diz 
respeito ao aumento da individualidade e à diminuição da autoridade paterna. O 
primeiro deu origem à liberdade individual e o último consolidou os laços entre 
os membros da sociedade através da intervenção do Estado.
Segundo Zafiropoulos (2001), Lacan foi fortemente influenciado pelos escritos 
de Durkheim sobre a família quando ele escreveu sua própria contribuição sobre 
os complexos familiares (LACAN, 2001 [1938]). Lacan afirma que o processo 
de desenvolvimento subjetivo é estruturado por três complexos fundamentais, 
centrados em torno de três imagens: o complexo de desmame com a imagem da 
12
UNIDADE I │ INFLUÊNCIAS SOCIOLÓGICAS NA RELAÇÃO SUJEITO-OUTROSmãe, o complexo de intrusão com a imagem do rival e o complexo de Édipo com 
a imagem do pai . A estruturação desses complexos ocorre dentro da família 
como uma instituição historicamente determinada. Contudo, em nossas famílias 
ocidentais modernas (para as quais Lacan usa o termo “famílias conjugais”), o pai 
se tornou progressivamente ausente devido à “contração da instituição da família” 
(LACAN, 2001 [1938], p. 27). Como consequência, o complexo de Édipo na sociedade 
ocidental começou a vacilar, o que explica o surgimento de formas modernas de 
psicopatologia, como as neuroses do caráter.
O primeiro complexo que a criança humana encontra, o complexo de desmame, 
é “o complexo mais primitivo do desenvolvimento psíquico” e “forma a base dos 
sentimentos mais arcaicos e estáveis que unem o indivíduo e a família” (LACAN, 
2001 [1938], p. 30). Esse complexo se origina da separação do bebê do útero, 
que, para o homem, é sempre uma separação prematura. A repercussão de sua 
prematuridade é o apelo universalmente compartilhado do jovem humano ao 
grupo social e, em primeiro lugar, a família, que é de fato um apelo a algum tipo 
de função social que atenda às necessidades emanadas dessa insuficiência vital 
da sociedade. A primeira forma que essa conexão social apresenta com o mundo 
exterior é através da imagem da mãe, trazendo à forma e reconhecendo-a como 
uma resposta à insuficiência vital. É a primeira conexão com a outra que o bebê 
faz. É também a conexão na qual todas as conexões consecutivas serão feitas. 
Uma transição bem-sucedida do complexo de desmame é, portanto, fundamental 
para o desenvolvimento social.
A imagem da mãe é marcada por uma estranha e importante ambivalência. O 
anseio pela imagem materna pode se tornar um anseio pelo estado antes do 
nascimento e, como tal, instigar a pulsão de morte. Por causa dessa ambivalência, a 
atração da morte, de um retorno ao estado de vida tranquilo e inanimado antes 
do nascimento, permanece presente na forma ambígua da imagem da mãe. O 
complexo de intrusão oferece uma solução para essas convocações da morte 
através de um confronto com o duplo, representado arquetipicamente na forma 
do irmão. Esse complexo é despertado pela primeira percepção da presença 
de um irmão e dos sentimentos de ciúmes em relação à mãe que isso provoca. 
Lacan nos adverte que não devemos confundir ciúme humano com rivalidade 
biológica. Pois, na sua essência, o ciúme pressupõe a identificação mental. Lacan 
considera a identificação como primária, a agressividade que provoca como 
secundária. A descrição de Lacan do complexo de intrusão é uma forma inicial 
de sua teoria no estágio do espelho (LACAN, 2006 [1949]). Ele afirma que, 
através do reconhecimento de sua própria imagem no espelho, o bebê humano 
recupera a unidade que experimentou no útero.
13
INFLUÊNCIAS SOCIOLÓGICAS NA RELAÇÃO SUJEITO-OUTROS │ UNIDADE I
Ao mesmo tempo, o corpo é experimentado como unidade, o mundo, que foi 
igualmente percebido como fragmentado, é organizado refletindo as formas do 
corpo. Consequentemente, Lacan declara que a imagem no espelho é um bom 
símbolo para a realidade, como é vivida naquele momento no desenvolvimento 
humano. O mundo nesta fase é um mundo narcísico no qual a imagem do duplo 
é central e não há lugar para os outros (como verdadeiramente “outro”). De fato, 
a experiência do outro como imagem no espelho não ajuda o sujeito a romper o 
isolamento afetivo causado por sua prematuridade. No entanto, à medida que a 
formação do ego surge, através da identificação com uma imagem externa, ocorre 
o drama do ciúme e da rivalidade entre irmãos. A identificação com o irmão não 
desmamado provoca agressividade, porque desencadeia a imagem materna e, 
portanto, o desejo de morte. É por isso que Lacan afirma que a agressividade é 
secundária à identificação: a identificação com o outro desperta o masoquismo 
primário (isto é, o impulso da morte) do complexo de desmame. No entanto, 
esse masoquismo primário pode ser superado se for transformado em sadismo 
na forma de rivalidade. Através da identificação, o bebê pode consertar um dos 
pólos do masoquismo primário e transformá-lo em agressividade em relação ao 
irmão não desmamado. “Assim, a não-violência da forma primordial de suicídio 
gera a violência do assassinato imaginário do irmão” (LACAN, 2001 [1938], p. 40). 
Consequentemente, o outro é reconhecido como verdadeiramente outro. É por isso 
que Lacan afirma que o ciúme é o arquétipo de todos os sentimentos sociais. 
No entanto, o complexo de intrusão também pode terminar em um impasse 
imaginário em que o ego e o alter-ego não se distinguem. Isso pode levar a formas 
graves de psicopatologia (por exemplo, paranoia).
Finalmente, o complexo de Édipo instala duas instâncias psicológicas fundamentais: 
a repressão e o ideal do ego. Ao contrário da doutrina freudiana, que reconhece 
o pai como o principal agente de castração, Lacan afirma que a causa original da 
repressão decorre da atração da morte presente na imagem da mãe. Os desejos 
sexuais do complexo de Édipo reativam o desejo da mãe e, portanto, a antiga 
pulsão de morte que é então reprimida. O pai, como aquele que se opõe a esse 
desejo pela mãe, figura apenas como uma fonte secundária de repressão. Como 
tal, a repressão abre caminho para mais uma forma de identificação com o rival, 
mas desta vez como ideal do ego: “o ideal de virilidade no menino e na menina 
o ideal de virgindade” (LACAN, 2001 [1938], p. 56). No entanto, Lacan observa 
que nem toda sociedade concede o mesmo lugar ao pai e seu desenvolvimento 
bem-sucedido depende em grande parte da extensão em que as funções repressiva 
e sublimatória estão unidas na imagem do pai. No Trobriand da Melanésia, por 
exemplo, a função repressiva é atribuída ao tio materno, a função sublimatória ao 
14
UNIDADE I │ INFLUÊNCIAS SOCIOLÓGICAS NA RELAÇÃO SUJEITO-OUTROS
pai biológico. O efeito é uma relativa ausência de neurose e uma grande rigidez 
no nível das produções culturais. Em nossa sociedade ocidental “o pai [...] sempre 
está ausente de uma maneira ou de outra – ausente ou presente humilhando” 
(LACAN, 2001 [1938], p. 61) e a razão para isso Lacan encontra “no mesmo 
progresso social que faz a família evoluir em direção à forma conjugal que a 
submete cada vez mais a variações individuais” (LACAN, 2001 [1938], p. 74). 
Quando isso acontece, a dialética da sublimação é negada e a energia libidinal é 
exaurida, o que acaba levando à neurose do caráter.
Zafiropoulos (2001) afirma que as visões de Lacan traem uma influência 
durkheimiana porque ele vincula a degradação do complexo de Édipo à 
contração da família. O autor afirma que Lacan é estritamente não-freudiano, 
desde que foi influenciado por Durkheim. Em Totem e Tabu, Freud (1953 [1912]) 
afirmou que a sociedade humana começou com o assassinato do pai primitivo. 
Como tal, o pai morto e degradado está na base de toda sociedade humana e 
não em uma contingência histórica. Somente com a descoberta da antropologia 
estrutural através dos escritos de Lévi-Strauss, Lacan seria capaz de reconhecer 
a função paterna estruturalmente ausente e iniciar seu retorno a Freud. 
Embora reconheçamos a presença de influências durkheimianas no texto de 
Lacan de 1938, encontramos os argumentos de Zafiropoulos sobre a sua transição 
de durkheimianos/não-freudianos para estruturalistas/freudianos, deixando 
muito a desejar. Primeiro, embora ele cite o trabalho de Lévi-Strauss como 
responsável por essa súbita mudança no pensamento de Lacan, Zafiropoulos 
nunca demonstra realmente como esse trabalho levou a uma interpretação do 
pai como estruturalmente ausente. Ao discutir essa mudança, sua principal 
referência é o escritor francês Paul Claudel e sua peça Le père humilié. Segundo, 
vimos que, com a contração da família, houve uma mudança na autoridade 
do pai para o Estado. Mesmo que Durkheim escreva sobre a degradação do 
pai, ele leva em conta outras formas de autoridade e lei. Ao discutir as visõesde Durkheim sobre a relação entre o indivíduo e o coletivo, vemos que essa 
mudança pode ser explicada por uma evolução nessa relação. Por último, mas 
certamente não menos importante, temos dificuldade em aceitar que um processo 
tão lento e árduo como a evolução do pensamento de alguém, de Lacan, neste 
caso, seja marcado por revoluções repentinas. Durante uma análise, algo pode 
acontecer com o paciente e criar uma nova percepção – mas todo analista sabe 
que revoluções são muito raras na sala de consultoria. Sempre há o processo de 
elaboração para levar em consideração. Portanto, é mais interessante observar 
o desenvolvimento histórico que liga Durkheim a Lacan por Lévi-Strauss, 
porque este último não seria possível sem Durkheim. A seguir, apresentaremos 
a evolução da conceitualização da relação entre o sujeito e o Outro (em termos 
sociológicos: entre o indivíduo e o coletivo) de Durkheim a Lacan. Este ponto 
de vista nos permitirá ligar melhor a evolução gradual do pensamento de 
Lacan aos desenvolvimentos da sociologia e antropologia que o precederam.
15
INFLUÊNCIAS SOCIOLÓGICAS NA RELAÇÃO SUJEITO-OUTROS │ UNIDADE I
Em The Division of Labor in Society, Durkheim (1984 [1893]) descreve duas 
formas de relação entre o indivíduo e o coletivo: solidariedade mecânica, uma 
relação baseada em similaridade e solidariedade orgânica, uma relação baseada 
em diferenças. Entre essas duas formas, ele descreve uma evolução. As sociedades 
primitivas são primariamente baseadas na solidariedade mecânica. Os membros 
dessas sociedades são dificilmente diferenciados. Essa forma de solidariedade é 
representada na “totalidade de crenças e sentimentos comuns aos membros comuns 
de uma sociedade” que então “forma um sistema determinado com uma vida 
própria” (DURKHEIM, 1984 [1893], p. 39). Este sistema é a consciência coletiva ou 
comum, que não pode ser localizada dentro de um único substrato físico, mas está 
presente na sua totalidade em todos os membros da sociedade. No entanto, existe 
independente desses indivíduos: “Os indivíduos passam adiante, mas permanecem” 
(DURKHEIM, 1984 [1893]). Não muda de uma geração para a outra, mas liga as 
diferentes gerações entre si. A origem do inconsciente coletivo reside no confronto 
de sentimentos e representações compartilhados. O ponto central da teoria de 
Durkheim sobre a consciência coletiva é a noção de vitalidade. A consciência, seja 
individual ou coletiva, deriva sua força, sua vitalidade, de representações fortes. 
O confronto de representações compartilhadas dentro de uma sociedade confere 
a essas representações coletivas uma vitalidade maior, que supera amplamente a 
vitalidade das representações individuais. Esse modo de conceituar a consciência 
tem várias consequências. Primeiro, Durkheim conclui uma divisão dentro da mente 
humana entre um indivíduo e uma consciência coletiva, onde o último aparece como 
“um eco que ressoa dentro de nós uma força que é estranha, além disso superior à 
que somos nós mesmos” (DURKHEIM, 1984 [ 1893], p. 56). Segundo, devido à sua 
maior vitalidade, a consciência coletiva aparece como uma força moral. É também a 
forma mais forte de autoridade. Quando uma determinada representação ou ato vai 
contra essas representações coletivas, contra a ordem moral e a maior autoridade, 
isso provoca uma forte resposta emocional do grupo. Portanto, Durkheim afirma que 
o direito penal é a expressão mais comum da consciência coletiva. Por fim, implica 
também que essa autoridade não é uma função social, que recebe uma importância 
relativa de acordo com a sociedade em que ocorre, mas representa a sociedade 
como um todo. Por exemplo, nas famílias patriarcais romanas, o pai não encarnava 
uma função social específica, mas representava o grupo e sua ascendência moral 
como tal.
Enquanto a solidariedade mecânica se baseia na semelhança, a solidariedade 
orgânica se baseia na diferença e na especialização. Mais especificamente, é baseada 
no que Durkheim chama de “divisão do trabalho”. À medida que a sociedade se 
torna maior e mais complexa, as funções que os diferentes membros cumprem se 
16
UNIDADE I │ INFLUÊNCIAS SOCIOLÓGICAS NA RELAÇÃO SUJEITO-OUTROS
tornam mais diversificadas. Isso, por sua vez, aumenta o grau de individualidade 
dentro dessa sociedade. Também muda radicalmente a relação entre os membros, 
porque agora todos eles dependem um do outro (como os órgãos que constituem um 
corpo), enquanto nas sociedades baseadas na solidariedade mecânica praticamente 
não havia diferenciação e cada membro poderia ser facilmente substituído por 
outro. Segundo Durkheim, a expressão padrão dessa forma de solidariedade não 
é o direito penal, mas o direito contratual. A relação entre os membros dessas 
sociedades é consolidada por contrato. No entanto, isso não significa que essas 
sociedades se baseiem apenas no livre comércio, onde as relações são passageiras 
e existem apenas durante o contrato. O Estado regula e harmoniza as diferentes 
relações (profissionais, domésticas, etc.) entre os indivíduos, oferecendo uma 
estrutura legal dentro da qual os contratos podem ser feitos, bem como depende da 
alternância dos diferentes membros da sociedade em relação ao papel do Estado. 
A sociedade não trata mais seus membros como coisas sobre as quais têm direitos, 
mas como membros cooperantes dos quais depende e com relação a quem tem 
certas obrigações. Desse modo, Durkheim explica a autoridade degradada do pai, 
na qual Lacan baseou suas teorias no complexo de Édipo em 1938, através de uma 
mudança na natureza da relação entre o indivíduo e o coletivo. Nas sociedades 
patriarcais de outrora, os membros eram pouco diferenciados e o pai representava 
o grupo como uma autoridade sobre-humana. Nas sociedades modernas, baseadas 
na divisão do trabalho, essa autoridade muda para o estado como uma instância 
governante que depende tanto dos indivíduos quanto do coletivo. É por isso que 
Durkheim afirma que “cada vez que nos encontramos diante de um mecanismo 
de governo dotado de grande autoridade, devemos buscar a razão não na situação 
particular dos que governam, mas na natureza das sociedades que governam” 
(DURKHEIM , 1984 [1893], pp. 143-144).
Mesmo discernindo uma evolução em direção à individualidade, Durkheim 
continua a enfatizar a importância das representações coletivas e os seus efeitos 
sobre o indivíduo. Em um artigo escrito com seu sobrinho, Marcel Mauss 
(DURKHEIM; MAUSS, 1903), ele descreve o impacto da morfologia social (isto é, a 
composição e estrutura de uma sociedade) nos sistemas de classificação usados 
pelos membros de uma determinada sociedade. Seja uma classificação primitiva 
de plantas baseada em uma crença animística ou uma classificação científica 
baseada em genética, o homem categoriza o mundo que o rodeia em sistemas 
representacionais que possuem uma certa estrutura e hierarquia. Durkheim 
afirma que esses sistemas de classificação são moldados por um processo 
influenciado por todos os tipos de elementos externos, o mais fundamental dos 
quais é a organização social de uma sociedade. Portanto, muitos dos sistemas de 
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INFLUÊNCIAS SOCIOLÓGICAS NA RELAÇÃO SUJEITO-OUTROS │ UNIDADE I
classificação primitiva refletem a morfologia da sociedade da qual se originam. 
No entanto, uma vez que esses sistemas representacionais conquistaram sua 
independência das estruturas sociais de onde surgiram, eles funcionam de acordo 
com a sua própria lógica.
Em conclusão, podemos afirmar que a consciência coletiva de Durkheim contém suas 
próprias representações coletivas, sua própria vitalidade e funciona de acordo com 
as suas próprias leis. Além disso, Durkheim (1924 [1898]) mantém uma separação 
estrita entre o coletivo e o indivíduo. O consciente coletivo existe tanto como uma 
entidade independente e reside na sua totalidade em todos os indivíduos, ainda que 
de forma inconsciente. Ele deduz isso do fato de que as representações coletivas 
parecem vir de fora do indivíduo e se impõem de maneira coercitiva,sob a forma de 
obrigações morais.
Karsenti (1997) afirma que a conceitualização de Durkheim coloca a sociologia em 
uma posição embaraçosa. Ele materializou o coletivo (chosification) e transformou-o 
em uma consciência coletiva que é inconsciente no nível individual. Como tal, a 
sociologia só pode estudar o social à luz desse dualismo irredutível, onde o coletivo 
tem certa ascendência sobre o indivíduo. Isso se deve ao fato de que para Durkheim 
uma representação só pode existir se representar algo para alguém. Para permitir 
a ideia de uma representação inconsciente, ele precisa dissociar a noção de 
representação e consciência individual. Posteriormente, ele postula a existência 
de uma consciência coletiva que existe ao lado da consciência individual, porque 
somente então as representações coletivas podem ser inconscientes para nós, 
indivíduos, mas não como tais. Só depois é que essas representações coletivas 
aparecem, não como o produto de algum sujeito impessoal, mas como o efeito 
de sua inserção no nível da consciência individual limitada. Assim, a noção de 
representação leva Durkheim a um impasse em que o indivíduo e o coletivo são 
estritamente dissociados.
Mauss e o homem total
Mauss fornecerá à sociologia um novo objeto: o homem total (l’homme total). Em 
uma mudança da sociologia para a antropologia, que estuda o homem em todos os 
seus aspectos (social, individual, biológico etc.), ele retificará a descentralização de 
Durkheim do indivíduo e reunirá o indivíduo e o coletivo. De modo geral, as formas 
sociais representam mais um aspecto deste ‘homem total’ mencionado por Mauss. 
A de Maus não é mais uma abordagem dualística, mas que se concentra na relação 
complexa e dialética entre o indivíduo e o coletivo, em um esforço para expor suas 
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UNIDADE I │ INFLUÊNCIAS SOCIOLÓGICAS NA RELAÇÃO SUJEITO-OUTROS
regras e estruturas subjacentes, e não as suas representações. Mauss defende a noção 
de uma diferença gradual entre individual e coletivo. Representações individuais 
podem permear o coletivo e vice-versa. Todo indivíduo possui um fragmento da 
totalidade das representações coletivas, além disso marcadas pela singularidade 
do indivíduo.
Ele encontra um dos exemplos mais convincentes dessas transições entre coletivo 
e individual nos efeitos físicos e psicológicos no indivíduo da sugestão coletiva de 
morte. Mauss (1950 [1926]) descreve como, em certas culturas primitivas na Austrália 
e na Nova Zelândia, os indivíduos morrem por causas mágicas ou morais sugeridas 
por crenças compartilhadas coletivamente. O indivíduo morre não por causa de 
algum distúrbio físico, convicção ou ação pessoal, mas por conta da maneira como 
o coletivo se manifesta em um nível individual – ou, que se resume ao mesmo na 
visão de Mauss, da maneira como o indivíduo se posiciona dentro do coletivo. A 
consciência subjetiva e a vontade de viver pálida em comparação com a necessidade 
coletiva de morrer. No entanto, não é, como seria na lógica durkheimiana, porque as 
representações coletivas atuam no indivíduo como uma causa externa, mas porque 
o indivíduo assume uma determinada posição dentro da estrutura social da tribo. 
Portanto, esse estado geralmente coincide com uma violação da comunidade. 
Através da magia ou do crime, o indivíduo rompe com as forças que o apoiavam 
até então. Por exemplo, o Wakelbura que come caça proibida ficará doente, se 
consumir e, eventualmente, morrerá enquanto engasga os sons do animal em 
questão.
Segundo Mauss, o efeito destrutivo dessa sugestão coletiva ocorre na articulação 
entre a natureza social e biológica do homem, embora minimamente mediada 
por sua consciência individual. Karsenti (1997) afirma que isso só é possível 
se se supuser que o coletivo reside dentro do indivíduo, ao lado da vontade 
individual de viver. Mauss explica esse fenômeno partindo do pressuposto de que 
forças psicológicas, físicas e sociais coincidem no indivíduo e rejeita a ideia de 
uma dissociação estrita entre o coletivo e o indivíduo. Como tal, esse fenômeno 
está estruturado ao longo desses três eixos: (1) uma convicção de morrer com 
experiência individual responde a (2) uma sugestão coletiva compartilhada de 
morrer, sobre a qual (3) ocorre um evento físico.
Ao contrário de Durkheim, que considerou as representações coletivas como o 
principal objeto da sociologia, Mauss quer estudar o indivíduo total por meio da 
antropologia. Ele defende um retorno ao homem em sua forma mais concreta. É um 
indivíduo psicológico e biológico que se apropria de um fragmento do coletivo em 
um processo chamado socialização. O homem é totalmente individual e totalmente 
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INFLUÊNCIAS SOCIOLÓGICAS NA RELAÇÃO SUJEITO-OUTROS │ UNIDADE I
coletivo. Além disso, ambas as ordens estão sujeitas à mesma lógica e às mesmas 
leis. Essa totalidade pode ser encontrada igualmente na linguagem. A sociologia 
e a antropologia se beneficiariam da adaptação dos métodos linguísticos, porque 
eles formam uma ciência que estuda um fenômeno fisiológico, psicológico e social. 
Lévi-Strauss será quem irá assumir o desafio e aplicar os métodos da linguística 
às estruturas sociais.
Lévi-strauss e a função simbólica
Para nossa discussão da elaboração de Lévi-Strauss da estrutura simbólica de 
Mauss, basearemos-nos fortemente em sua Introdução ao trabalho de Marcel 
Mauss (LÉVI-STRAUSS, 1987 [1950]). Nesta análise sucinta do corpo de trabalho 
deste último, Lévi-Strauss aborda a questão da implicação subjetiva do antropólogo 
em suas observações de outras sociedades, que consideramos uma formulação 
específica no que diz respeito à relação entre o indivíduo e o coletivo. O conceito de 
Mauss do homem total implica que o antropólogo, como observador, é da mesma 
natureza que o seu objeto de observação. Ele não apenas aborda essa sociedade 
como objeto de estudo, mas também participa como sujeito desse chamado objeto. 
Além disso, ele precisa externalizar a sua experiência subjetiva para apresentá-la 
de maneira formalizada. Essa tarefa seria impossível se o subjetivo e o objetivo 
não se encontrassem em um determinado momento.
Polynesian settlement of New Zealand and the impacts of volcanism on early 
Maori society: an update
https://researchcommons.waikato.ac.nz/bitstream/handle/10289/2690/
Lowe%202008%20Polynesian%20settlement%20guidebook.pdf;jsessionid
=F3FE869683B251E868BE505706EFA3E5?sequence=1 
Lévi-Strauss é solicitado a formular uma resposta a essa pergunta por uma 
incongruência que ele percebe no ensaio de Mauss sobre o presente (MAUSS, 2011 
[1925]). Neste trabalho seminal, Mauss descreve os princípios da troca de presentes 
em diferentes culturas. O estudo produz vários princípios observados, que podem 
ser encontrados em culturas muito diferentes em todo o mundo: a obrigação de 
dar, receber e retribuir. Além disso, muitas culturas formulam uma explicação para 
esses princípios em termos de seus próprios sistemas de crenças. Por exemplo, os 
maoris da Nova Zelândia se referem ao hau. Esta é uma essência espiritual que segue 
o dom aonde quer que vá e tem a tendência de retornar às suas origens. Portanto, 
se A oferece um presente para B e B o transmite para C, C deve retribuir a A, pois 
https://researchcommons.waikato.ac.nz/bitstream/handle/10289/2690/Lowe%202008%20Polynesian%20settlement%20guidebook.pdf;jsessionid=F3FE869683B251E868BE505706EFA3E5?sequence=1
https://researchcommons.waikato.ac.nz/bitstream/handle/10289/2690/Lowe%202008%20Polynesian%20settlement%20guidebook.pdf;jsessionid=F3FE869683B251E868BE505706EFA3E5?sequence=1
https://researchcommons.waikato.ac.nz/bitstream/handle/10289/2690/Lowe%202008%20Polynesian%20settlement%20guidebook.pdf;jsessionid=F3FE869683B251E868BE505706EFA3E5?sequence=1
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UNIDADE I │ INFLUÊNCIAS SOCIOLÓGICAS NA RELAÇÃO SUJEITO-OUTROS
o hau presente no presente precisa ser devolvido à sua fonte original. No entanto, 
Lévi-Strauss salienta que nunca devemos considerar essas explicações indígenas 
pelo valor de face. Um conceito como o hau éum elemento dentro de um 
determinado sistema simbólico que governa a troca de presentes e, como tal, deve ser 
examinado quanto à sua função nesse sistema.
O hau
Aqui temos um termo interessante para tratar na cultura mauri, que possui 
aspectos diferentes quanto ao significado. Em primeiro lugar, no que diz respeito 
ao hau do homem, pode-se dizer que essa é uma qualidade que combina o que 
definimos pelos termos personalidade e aura. Ao mesmo tempo, o conceito inclui 
recursos que não são atendidos em nossas próprias crenças. O hau do homem 
é uma qualidade que permeia todo o seu ser, embora ele, ou parte dele, seja 
aparentemente destacável; não está localizado em nenhum órgão (GODELIER, 
1999).
Os significados comuns da palavra hau são “vento” e “ar”, e esse fato confundiu 
aqueles que procuraram descobrir o significado do hau do homem e expressões 
como whangai hau. Existe uma conexão mundial entre termos que denotam 
vento, ar, respiração e espírito. Esse conceito maori de hau é interessante, 
porque, ao usá-lo como meio, a vida de sua base física pode ser destruída. Por 
exemplo, uma parte do hau de uma pessoa adere a qualquer lugar em que ele se 
sentou ou caminhou. Outra pessoa poderia, “pegando” o hau invisível daquele 
assento, ou pegada, e realizando certas artes mágicas sobre ele, matar aquele que 
se sentou ou andou sobre ele. Em alguns casos, se alguém suspeitasse de seus 
vizinhos, ele pegaria o hau aderente de qualquer lugar em que estivera sentado 
antes de deixá-lo e o levaria consigo. O hau da pegada humana é denominado 
manea pelo povo Tuhoe, e um pouco de solo retirado da pegada serve como um 
excelente meio para a magia. Sabe-se que as pessoas evitam caminhos e andam 
na água sempre que possível, a fim de evitar deixar pegadas das quais o hau 
possa ser tomado pelos inimigos (MAUSS, 1966).
Um nativo costuma explicar o hau do homem dizendo que é sua ahua, que é sua 
aparência (“forma, em oposição à substância” é a definição dessa palavra). A 
palavra hau também é empregada para denotar caráter. O termo hau parece ser 
frequentemente usado em sentido anagógico e é usado em conexão com coisas 
imateriais. Assim, os nativos falam do hau de um discurso ou observação. Seria um 
erro crasso descrever o hau como um espírito, pois isso causaria uma impressão 
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INFLUÊNCIAS SOCIOLÓGICAS NA RELAÇÃO SUJEITO-OUTROS │ UNIDADE I
errada, e o leitor o confundiria com o wairua. O hau é uma qualidade intangível 
e sempre invisível, mesmo para videntes talentosos, uma qualidade auditiva. A 
mesma palavra é empregada para denotar fama. O hau do homem representa 
a sua vitalidade ou essência vital, embora não seja o seu princípio de vida. A 
palavra hauora carrega os significados de saúde, vigor, espírito de vida, saudável 
(MACCORMACK, 1982).
Quando um nativo desejava usar o hau de uma pessoa como um meio para suas 
artes mágicas, por meio do qual ele poderia matá-lo ou afetá-lo de outras maneiras, 
esforçava-se por obter algum objeto material que estava impregnado por ele. Poderia 
ser a terra em que a sua pegada havia sido impressa, uma mecha de cabelo, um 
fragmento de suas roupas, um pouco de cuspe, qualquer coisa a que alguns de seus 
hau aderissem. Esse meio material costuma ser chamado de hau, mas o nome exato 
para ele é ohonga. Sobre esse objeto foram realizados os terríveis rituais do bruxo 
que afetavam o original, a base física do hau imaterial (MAUSS, 1966).
O mesmo termo é aplicado a várias formas de mídias. Quando uma vitória foi 
conquistada sobre um inimigo, um dos primeiros atos do partido vitorioso foi tomar 
o hau ou ahua dessa vitória. Este era um meio material, como uma mecha de cabelo 
da cabeça de um inimigo morto, e costuma ser chamado de mawe. Isso foi levado para 
a casa da vila e para o local sagrado daquela vila, onde foi realizada uma cerimônia 
chamada whangai hau. Esse rito parece ter sido em homenagem aos deuses, 
uma oferta do hau da vitória a eles. A mecha de cabelo é o ahua da vitória, como o 
ohonga descrito acima é o ahua do hau humano (MAUSS, 2011 [1925]).
Antigamente, era costume entre os navegadores tomar todas as precauções para 
proteger suas vidas e seu bem-estar quando estavam prestes a partir em uma 
viagem, além de garantir a segurança de seus navios. O procedimento era transmitir 
o hau ou aparência de uma embarcação e de sua tripulação para um local sagrado 
e ali realizar um ritual que colocava a embarcação e a tripulação sob os cuidados 
dos deuses. O hau pode ser representado por algo material, por menor que seja o 
objeto (MAUSS, 2011 [1925]).
No mito de Maui transportando terra das profundezas do oceano, somos 
informados de que ele transmitiu o mauri de seu peixe ao local dos ritos 
em que especialistas sacerdotais poderiam realizar uma cerimônia. Não é 
usual empregar a palavra mauri nesse sentido, mas o termo hau ou mawe. 
Geralmente, esse é um objeto material usado como meio para representar 
objetos mediúnicos usados na magia negra (MAUSS, 2011 [1925]).
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UNIDADE I │ INFLUÊNCIAS SOCIOLÓGICAS NA RELAÇÃO SUJEITO-OUTROS
Os mauri materiais, como a pedra talismã que preserva a produtividade de uma 
floresta, são frequentemente mencionados como hau. Esses mauri representam os 
poderes dos deuses que conservam essa produtividade e vigor saudável, ou seja, que 
protegem o hama imaterial da floresta. São feitas oferendas na floresta invocando os 
deuses mauri. O primeiro pássaro capturado da estação é oferecido como oferenda 
ao hau da floresta. Agora, há algum raciocínio entrelaçado aqui na mente maori. O 
mauri é responsável pela presença dos pássaros na floresta, e os poderes de um 
especialista sacerdotal dotaram o mauri de seus poderes; portanto, diz-se que os 
pássaros pertencem a esses deuses. Certos pássaros da primeira captura são cozidos 
no fogo e comidos pelos especialistas sacerdotais, de modo que o hau ou essência 
vital ou aparência dos pássaros mortos possa retornar à floresta e ao seu mauri. Na 
verdade, a pessoa infeliz que tenta sondar a mente maori e compreender os seus 
caminhos e manifestações erráticas trilha um caminho tortuoso (MACCORMACK, 
1982).
O ohonga ou meio material que representa o hau humano em rituais mágicos 
parece ser conhecido como maunu nas ilhas havaianas. Infelizmente, nenhum 
colecionador parece ter investigado profundamente os conceitos espirituais dos 
nativos da Polinésia; o assunto registrado é extremamente escasso (GODELIER, 
1999).
O hau do homem e das florestas precisava de proteção, na medida em que ambos 
poderiam ser destruídos ou afetados de maneira prejudicial pelas artes mágicas. 
Portanto, essa qualidade imaterial era protegida, frequentemente por meio de 
material mauri, de tais perigos. Todas essas medidas de proteção, sejam mauri ou 
encantos, extraíam a sua virtude dos deuses (MACCORMACK, 1982).
A cultura maori (maori: maoriitanga) envolve os costumes, práticas culturais 
e crenças do povo maori indígena da Nova Zelândia. Originou-se e ainda faz 
parte da cultura da Polinésia Oriental. A cultura maori também forma uma 
parte distinta da cultura da Nova Zelândia e, devido a uma grande diáspora 
e à incorporação dos motivos maori na cultura popular, é encontrada em 
todo o mundo. Dentro do Māoridom, e em menor escala em toda a Nova 
Zelândia como um todo, a palavra Māoritanga é frequentemente usada 
como sinônimo aproximado da cultura Maori (PAENGA; DAWN TE, 2016).
A história cultural maori está inextrincavelmente ligada à cultura da Polinésia 
como um todo. A Nova Zelândia é o canto sudoeste do Triângulo Polinésio, 
uma região do Oceano Pacífico com três grupos de ilhas nos seus cantos: 
Ilhas Havaianas, Rapa Nui (Ilha de Páscoa) e Nova Zelândia (Aotearoa em 
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INFLUÊNCIAS SOCIOLÓGICAS NA RELAÇÃO SUJEITO-OUTROS │ UNIDADE I
Maori). As muitas culturas insulares do Triângulo Polinésio compartilham 
línguas semelhantes derivadas de uma língua proto-malaio-polinésia usada 
no sudeste da Ásia há 5.000 anos. Os polinésios também compartilhamtradições culturais como religião, organização social, mitos e cultura material. 
Os antropólogos acreditam que todos os polinésios descendem de uma 
protocultura do Pacífico Sul criada por um povo austronésio (malaio-polinésio) que 
havia migrado do sudeste da Ásia. As outras principais culturas polinésias são 
Rapa Nui (agora conhecida como Ilha de Páscoa), Havaí, Marquesas, Samoa, 
Tahiti, Tonga e Ilhas Cook. Nos últimos cinco milênios, uma sequência de 
trilhas transoceânicas complicadas e notáveis foi feita em uma realização sem 
precedentes de navegação e curiosidade. Os segmentos finais desses feitos 
foram através de distâncias extremas e inigualáveis: para o Havaí, Rapa Nui 
e Aotearoa (LIMITED, MAORI TOURISM, 2017; ENCYCLOPEDIA BRITANNICA, 
 2017; SOMERVILLE, 2009).
Os marítimos polinésios eram navegadores oceânicos e astrônomos. Os 
polinésios viajariam longas distâncias por mar. A forte presença feminina 
entre os primeiros colonos da Nova Zelândia sugere que as viagens de 
migração da Polinésia não foram acidentais, mas deliberadas. A evidência 
confiável mais atual indica fortemente que o assentamento inicial da 
Nova Zelândia ocorreu por volta de 1280 d.C., nas Ilhas da Sociedade. 
Em 1769, o experiente navegador da Society Island, Tupaia, juntou-se ao 
capitão Cook no Endeavour em sua viagem ao sul. Apesar de uma lacuna 
de centenas de anos, Tupaia foi capaz de entender a língua maori, que 
era muito semelhante à língua que ele falava. Sua presença e capacidade 
de traduzir evitavam grande parte do atrito entre outros exploradores 
europeus e os Maori na Nova Zelândia. Marinheiros europeus, incluindo 
Cook, encontraram marinheiros polinésios perdidos no mar, sugerindo 
que em meados do século 18 o conhecimento da navegação de longa 
distância não era onipresente (LOWE, 2008).
Lévi-Strauss compara o hau e conceitos semelhantes com noções algébricas, que 
representam um valor indefinido de significado, mas são completamente desprovidos 
de significado. Sua função é conciliar a lacuna entre significante e significado. Eles 
são uma tentativa de restaurar uma unidade anteriormente perdida. Como tal, eles 
não representam um valor afetivo, como argumenta Mauss, mas têm uma função 
lógica e devem estar situados no mesmo nível da relação que tentam construir, 
que é um nível simbólico. Se algo, um objeto, pertence a uma pessoa ou a outra é 
apenas um derivado do caráter relacional original da realidade subjacente. De fato, 
de acordo com Lévi-Strauss e de acordo com a abordagem holística de Mauss do 
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UNIDADE I │ INFLUÊNCIAS SOCIOLÓGICAS NA RELAÇÃO SUJEITO-OUTROS
homem total, a realidade subjacente a essas obrigações e seu princípio unificador 
do hau é a totalidade da troca. Essa totalidade se reflete em certas expressões 
linguísticas usadas por algumas culturas primitivas, em que dar e receber, ou pedir 
empréstimos e emprestar, são designados por uma mesma palavra. Como em 
qualquer forma de comunicação, os diferentes termos implícitos (isto é, remetente, 
destinatário, presente ou mensagem) são apenas elementos secundários que dividem 
uma realidade unificada e subjacente.
The Gift é livro do sociólogo francês Marcel Mauss (1966) que é a base das 
teorias sociais da reciprocidade e da troca de presentes.
A peça original de Mauss foi intitulada Essai sur le don. Forme et raison du 
changement dans les sociétés archaïques – em postuguês Forma e razão de 
mudança nas sociedades arcaicas - (“Um ensaio sobre o presente: a forma 
e a razão da troca nas sociedades arcaicas”) e foi publicado originalmente 
em L’Année Sociologique em 1925 (FOURNIER, 2006). O ensaio de Mauss 
concentra-se na maneira como a troca de objetos entre grupos constrói 
relações entre seres humanos; analisando as práticas econômicas de várias 
sociedades ditas arcaicas, descobre que elas têm uma prática central comum, 
centrada no intercâmbio recíproco. Nelas, ele encontra evidências contrárias 
às suposições das sociedades ocidentais modernas sobre a história e a 
natureza da troca. Ele mostra que os primeiros sistemas de intercâmbio 
se concentram nas obrigações de dar, receber e, o mais importante, em 
retribuir. Eles ocorrem entre grupos, não apenas indivíduos, e são uma parte 
crucial dos “fenômenos totais” que trabalham para construir não apenas 
riqueza e alianças, mas também solidariedade social, porque “o presente” 
permeia todos os aspectos da sociedade. Ele usa um método comparativo, 
com base em bolsas de estudos secundárias publicadas sobre povos de 
todo o mundo, mas especialmente o noroeste do Pacífico.
Depois de examinar as práticas recíprocas de presentear cada uma, ele 
encontra nelas características comuns, apesar de algumas variações. A partir de 
evidências díspares, ele constrói um argumento para a fundação da sociedade 
humana baseada em práticas de intercâmbio coletivo (versus individual). 
Ao fazer isso, ele refuta a tradição inglesa do pensamento liberal, como o 
utilitarismo, como distorções das práticas de intercâmbio humano. Ele conclui 
especulando que os programas de assistência social podem estar recuperando 
alguns aspectos da moralidade do presente nas economias de mercado 
modernas.
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INFLUÊNCIAS SOCIOLÓGICAS NA RELAÇÃO SUJEITO-OUTROS │ UNIDADE I
Lévi-Strauss enfatiza o caráter relacional do simbólico. Através do uso de elementos 
discretos, ele tenta diferenciar essa realidade anteriormente indiferenciada. Termos 
como sujeito e objeto, individual e coletivo, eu e outros, são diferenciados pelo uso 
do sistema simbólico. Isso é especialmente palpável nos princípios presentes na 
troca de presentes. No entanto, em tal sistema, dificilmente existe lugar para um 
indivíduo separado do coletivo. Realmente Lévi-Strauss enfatiza o fato de que, 
no estudo de Mauss da noção de pessoa (MAUSS, 1938), o indivíduo é relegado 
a uma função lógica dentro do sistema simbólico – que só pode ser coletivo.
Lacan: a lógica do coletivo e a afirmação do 
sujeito
Já abordamos a visão de Lacan acerca da relação com o outro em termos de 
identificação, o que é onipresente em seu artigo sobre os complexos familiares. No 
entanto, os eventos da Segunda Guerra Mundial trouxeram os efeitos terríveis da 
identificação à atenção de Lacan (ROUDINESCO, 1997 [1993]). Além disso, uma 
visita à Inglaterra em 1947 o familiarizou com a abordagem de Rickman e Bion ao 
trabalhar com grupos de pacientes com transtornos mentais durante a Segunda 
Guerra Mundial. Seus pontos de vista sobre terapia de grupo foram baseados em uma 
conceituação do grupo em termos de identificação horizontal (BION; RICKMAN, 
1943).
Em 1953, Lacan escreveu uma carta ao seu ex-analista, Rudolph Loewenstein, 
onde afirma que chegou a um ponto em que se sente “um homem mais seguro 
de seus deveres e seu destino”, que tem uma garantia crescente do que tem a dizer 
em “uma experiência da qual apenas os últimos anos lhe permitiram reconhecer a 
natureza” (LACAN, 1976 [1953a], p. 132). Isso também marca o ano de seu Discurso 
de Roma (LACAN, 2006 [1953b]), um texto em que a influência de Lévi-Strauss 
quase pode ser negada. No entanto, nos anos anteriores, vemos Lacan como um 
buscador, tentando não apenas conceituar uma relação entre o sujeito e o outro 
que não depende apenas da identificação, mas também formalizar essa relação em 
um sistema lógico. Traços de sua busca podem ser encontrados em seus trabalhos 
sobre a lógica do coletivo (LACAN, 2001 [1945-1946], 2006 [1945]).
Em um artigo denso, Lacan (2001 [1945–1946]) nos apresenta um enigma 
matemático que revela o princípio de uma conexão lógica entre um grupo e 
os indivíduos que o constituem. Nos são oferecidas 12 moedas visualmente 
idênticas, entre as quais se pode discernir com base em seu peso. Não sabemos 
se essa moeda, a “moeda ruim”, é mais leve ou mais pesada que as outras. Sua 
26
UNIDADE I │ INFLUÊNCIAS SOCIOLÓGICAS NA RELAÇÃO SUJEITO-OUTROS
qualidade não nos preocupa, a única coisa que nos preocupaé a noção de sua 
diferença absoluta. Além disso, temos à nossa disposição um par clássico de 
balanças. Nossa tarefa é discernir a “moeda ruim” com no máximo três pesagens 
separadas. 
Depois de ilustrar a solução para o problema conforme é apresentado, Lacan 
aumenta a aposta adicionando outra moeda à coleção. Ainda podemos resolver o 
enigma se tivermos de discernir a “moeda ruim” entre as 13 moedas? Isso pode 
realmente ser feito, desde que utilizemos outro procedimento que não o aplicado 
a uma coleção de 12 peças. Além disso, esse novo procedimento permite que Lacan 
elabore uma fórmula que permita encontrar a “peça ruim” entre uma quantidade 
máxima de moedas com o auxílio de uma quantidade mínima de pesagens. Basta 
seguir três princípios simples: primeiro, é preciso isolar uma peça livre de qualquer 
suspeita; a seguir, produz-se uma discórdia na distribuição da suspeita (por exemplo, 
a quantidade de moedas que se suspeita ser mais leve que as outras é maior que a 
quantidade que se suspeita ser mais pesada); finalmente, discriminamos as peças 
restantes até encontrar a “peça ruim”.
Sem a solução completa à sua disposição, isso sem dúvida parecerá complicado – e 
é. No entanto, o importante a reter é o fato de que essa coleção não pode ser 
definida com a ajuda de qualquer critério externo. Não há outra característica 
unificadora além da uniformidade da coleção. A única maneira de discernir a 
“moeda ruim” é através da comparação com as outras moedas. Mesmo quando, 
no primeiro passo, isolamos uma moeda que serve como norma com a qual 
comparar as outras moedas, isso é feito através de uma comparação com as 
moedas já presentes. Em outras palavras, a diferença absoluta que constitui 
o indivíduo nesse coletivo só pode ser alcançada através da comparação com 
os demais. Além disso, essa relação entre o indivíduo e o coletivo pode ser 
formalizada através de uma fórmula lógica. Como tal, Lacan pode sustentar 
a noção de separação entre o indivíduo e o coletivo (que era radical demais 
no caso de Durkheim) e, ao mesmo tempo, formalizar essa relação como uma 
função lógica (que era o objetivo de Lévi-Strauss). Num artigo que precede 
cronologicamente a este, mas que logicamente forma sua consequência, Lacan 
(2006 [1945]) formula como o sujeito se afirma contra o coletivo.
Lacan nos apresenta mais um enigma. Três prisioneiros são convocados pelo 
diretor que promete conceder liberdade a um, se ele passar por uma prova. Ele 
os apresenta com cinco discos: três brancos e dois pretos. Cada prisioneiro terá 
um disco preso às costas, de modo que ele próprio não possa ver a cor de seu 
próprio disco, mas poderá observar perfeitamente os discos que os outros dois 
27
INFLUÊNCIAS SOCIOLÓGICAS NA RELAÇÃO SUJEITO-OUTROS │ UNIDADE I
estão usando. Além disso, eles não têm permissão para se comunicar. O objetivo 
do teste é inferir que disco colorido está sendo usado com base na razão lógica. 
Então, o diretor distribui os discos brancos entre os prisioneiros. Depois de se 
encararem por algum tempo, os três prisioneiros se dirigem ao diretor. O que 
aconteceu? (DURKHEIM, 1975 [1892]).
Na solução ideal, um prisioneiro, A, parte da hipótese de que ele é negro. Dentro 
dessa condição, outro prisioneiro, B, poderia fazer a mesma hipótese e facilmente 
chegar à conclusão. Se ele fosse de fato negro, o terceiro prisioneiro, C, veria dois 
discos pretos e partiria de uma só vez. No entanto, C não se move de uma só vez. 
Portanto, B pode concluir que ele não é preto e sair. No entanto, B também não 
sai. Assim, A só pode concluir que sua hipótese inicial (“eu sou negro”) era falsa. 
E porque, na realidade, todos os três prisioneiros seguiram o mesmo caminho de 
raciocínio, todos eles partem quando chegam a essa conclusão.
Lacan é pressionado a apontar a natureza sofisticada dessa solução. Pois, se todos 
partem ao mesmo tempo, todos devem duvidar de sua conclusão inicial, baseada 
no fato de que os outros permaneceram parados. Portanto, depois que todos 
saírem, suas dúvidas farão com que todos parem. Esse cenário lembra Aquiles e 
a tartaruga, e podemos imaginar se eles chegarão ao diretor. Lacan argumenta 
que sim, e que eles só precisam de duas paradas para chegar a uma certeza 
lógica e absoluta. Pois a primeira parada objetiva a conclusão de B: se C tivesse 
visto dois discos pretos, ele nunca faria uma pausa. A segunda parada objetiva a 
conclusão de A: se B pausa uma segunda vez, isso significa que a primeira pausa 
não foi conclusiva para ele (o que seria se A fosse preto). Assim, conclui Lacan, 
essas hesitações temporais são uma necessidade para se chegar a um argumento 
logicamente sólido.
A introdução do tempo para chegar a uma conclusão lógica não concorda com a 
natureza espacial da lógica clássica, que se baseia na universalidade de certas 
formas. Não precisamos de tempo: ou vemos a solução ou não a vemos. No 
entanto, Lacan afirma que nessa lógica do coletivo três tempos lógicos podem 
ser discernidos. O primeiro é o que ele chama de instante do olhar. O enigma 
seria limitado a esse tempo se dois discos pretos fossem distribuídos, sua 
solução resumida na seguinte declaração: “Sendo opostos a dois negros, sabe-se 
que um é branco” (LACAN, 2006 [1945], p. 167). O assunto desta afirmação é o 
“único” impessoal de toda afirmação lógica. Esse também é o assunto presente 
na solidariedade mecânica de Durkheim: a “única” que representa a consciência 
coletiva e é expressa através do direito penal. De fato, segundo Durkheim, este 
último não implica que “eu não pratique um determinado ato porque é punível”, 
28
UNIDADE I │ INFLUÊNCIAS SOCIOLÓGICAS NA RELAÇÃO SUJEITO-OUTROS
mas sim que “é punível, porque não se pratica tais atos”. No entanto, esse assunto 
também está presente no raciocínio de Mauss e Lévi-Strauss e pode ser comparado 
a noções como o hau. Ele serve apenas uma função lógica dentro de um sistema 
simbólico fechado. No entanto, Lacan tem algo diferente em mente, a saber, um 
sujeito que se afirma contra o coletivo. Para chegar a essa afirmação, o sujeito 
precisa encontrar o outro.
De fato, a situação em que um prisioneiro vê dois discos pretos não se apresenta. 
Portanto, é inaugurada uma segunda vez com a seguinte declaração (intuitiva): 
“Se eu fosse negro, os dois brancos que vejo não perderiam tempo percebendo 
que são brancos” (LACAN, 2006 [1945], p. 168). Nesse momento, um prisioneiro 
(A em nosso exemplo) se torna objeto do olhar dos outros dois e se coloca em 
sua posição. Nesse caso, é necessário tempo para os outros dois chegarem a uma 
conclusão, porque se baseia no fato de o outro ficar parado (o que é interpretado 
como uma hesitação). Lacan chama isso de tempo para compreender. O assunto 
desse tempo é determinado pela reciprocidade do outro. A relação entre esses 
sujeitos é de natureza imaginária, o que significa que os prisioneiros se espelham 
(AUCREMANE, 1985).
O tempo para compreender também coloca todos os sujeitos sob pressão 
lógica. De fato, quanto tempo essa compreensão leva? Se A hesitar em chegar 
a uma conclusão e os outros dois o precedem, ele nunca será capaz de chegar 
a nenhuma conclusão sólida, porque ela só pode se basear em permanecerem 
parados. Portanto, um momento necessário de conclusão interrompe o tempo 
de compreensão através da seguinte afirmação: “Eu me apresso em me declarar 
branca, para que esses brancos, a quem eu considero assim, não me precedam 
em reconhecer a si mesmos pelo que são ”(LACAN, 2006 [1945], p. 168). Esta 
afirmação é a afirmação subjetiva. O tempo para compreender leva a uma 
conclusão, mas somente se o sujeito antecipar a certeza de sua conclusão e a 
apreender em um momento de urgência.
Lacan opera uma mudança da espacialidade para a temporalidade, de um sujeito 
apreendido por uma lógica intersubjetiva para um sujeito que se afirma em um 
ato baseado em um julgamento que carece de fundamento lógico suficiente. 
Este assunto é o assunto pessoal, aquele que pronuncia “I” (em francês: “je”). 
Só podeexistir com a condição de que ele tenha assumido as outras formas de 
subjetividade (isto é, o impessoal “um” e o sujeito recíproco). A afirmação desse 
sujeito é diferente do sujeito como mera função do sistema simbólico – e, no 
entanto, Lacan afirma que esse sujeito também tem uma forma lógica e deriva 
de um processo lógico.
29
INFLUÊNCIAS SOCIOLÓGICAS NA RELAÇÃO SUJEITO-OUTROS │ UNIDADE I
Segundo Lacan, a lógica temporal desse enigma pode ser aplicada a grupos de 
tamanho indefinido, uma vez que sempre há um disco preto menor do que o 
de prisioneiros. Como no caso das 13 moedas, o grupo não é constituído por 
uma característica comum. A característica é definida retroativamente pelo 
grupo através da afirmação do sujeito. O coletivo se baseia na reciprocidade 
da diferença. Como tal, a lógica coletiva pode ser expressa de acordo com os 
seguintes princípios: “(1) um homem sabe o que não é um homem; (2) os homens 
se reconhecem entre si como homens; (3) declaro-me homem por medo de ser 
convencido pelos homens de que não sou homem ”(LACAN, 2006 [1945], p. 
174). Assim, Lacan formaliza a relação entre o indivíduo e o coletivo. Nesta 
formalização, o indivíduo é um sujeito e, como tal, dentro de um processo 
lógico. No entanto, através da antecipação de sua verdade, pode afirmar-se 
contra esse coletivo e escapar da relação recíproca em que foi capturado.
As visões de Lacan sobre a relação entre o sujeito e o outro mudam gradualmente 
entre 1938 e 1953. Inicialmente, essa relação é concebida como estritamente 
baseada no princípio da identificação. Tal foi o caso em seu artigo sobre os 
complexos familiares, em que o processo de socialização é descrito como uma série 
de identificações consecutivas. A partir de 1953, Lacan conceitua o Outro não mais 
como uma imagem com a qual se identificar, mas como um sistema simbólico 
governado pelas leis da linguagem. Essa nova conceituação é realizada através das 
ferramentas entregues a ele pela antropologia estrutural de Lévi-Strauss. Neste artigo, 
demonstramos que, entre 1938 e 1953, Lacan tentou formular o indivíduo como uma 
função, o sujeito, dentro de uma lógica do coletivo. Assim, embora Lévi-Strauss lhe 
tenha entregue a metodologia, esse encontro não constitui uma brecha radical no 
trabalho de Lacan – é apenas um refino do trabalho que ele já havia iniciado.
Além disso, demonstramos que as afirmações de Lacan sobre a lógica do coletivo 
podem estar situadas dentro de um quadro de referência mais amplo. Enquanto 
Durkheim terminou em uma situação em que individual e coletivo são radicalmente 
separados, Mauss e Lévi-Strauss relegaram o indivíduo a uma mera função lógica 
dentro de um sistema simbólico coletivo. Lacan, por outro lado, conceituou um 
assunto que pode afirmar-se um contra o outro enquanto ainda permanece parte de 
um sistema lógico. Esse é o enigma que Lacan enfrentará repetidamente ao longo 
de seus ensinamentos e que precisa ser levado em consideração quando se deseja 
estudar a influência adicional de Lévi-Strauss em Lacan. O sujeito, uma função 
lógica dentro do simbólico, fala e se afirma.
30
UNIDADE IIPSICOLOGIA DO SELF 
E A COMUNICAÇÃO
A psicoterapia do self, e suas aplicações clínicas, foi concebida por Heinz Kohut 
nas décadas de 1960, 1970 e 1980 e ainda está se desenvolvendo como uma forma 
contemporânea de tratamento psicanalítico. Nesta abordagem é realizado um 
esforço para entender os indivíduos de dentro de sua experiência subjetiva por 
meio da introspecção vicária, baseando as interpretações no entendimento de si 
como a agência central da psique humana. Os conceitos de empatia, auto-objeto, 
espelhamento, idealização, alter ego/gêmeo e eu tripolar são essenciais para a 
compreensão da psicologia do eu. Embora a psiologoa do self também reconheça 
certos impulsos, conflitos e complexos presentes na teoria psicodinâmica freudiana, 
eles são entendidos dentro de uma estrutura diferente. A abordagem foi vista 
como uma ruptura importante da psicanálise tradicional e é considerada o começo 
da abordagem relacional da psicanálise (KOHUT, 1971).
CAPÍTULO 1
A comunicação entre os indivíduos e a 
importância da psicologia do self
Heinz Kohut (1966) propôs inicialmente um auto bipolar comprometendo dois 
sistemas de perfeição narcísica: 1) um sistema de ambições e 2) um sistema 
de ideais. Kohut chamou o pólo das ambições de eu narcísico – mais tarde, 
o eu grandioso (KOHUT, 1971) – enquanto o polo dos ideais foi designado 
como imago ou a imagem parental idealizada. Segundo Kohut, esses polos do 
eu representavam progressões naturais na vida psíquica de bebês e crianças 
pequenas.
As visões atuais do self na psicologia posicionam o self como desempenhando 
um papel integral na motivação humana, cognição, afeto e identidade social 
(SEDIKIDES; SPENCER, 2007). Pode ser o caso de podermos agora tentar 
31
PSICOLOGIA DO SELF E A COMUNICAÇÃO │ UNIDADE II
utilmente basear a experiência do eu em um processo neural com consequências 
cognitivas, o que nos dará uma visão dos elementos dos quais se compõem os ‘Eus’ 
complexos da identidade de cada pessoa.
O self tem muitas facetas que ajudam a compor suas partes integrantes, como 
a autoconsciência, a autoestima, o autoconhecimento e a autopercepção. Todas 
as partes do eu permitem que as pessoas alterem, acrescentem e modifiquem 
aspectos de si mesmas, a fim de obter aceitação social na sociedade.
Uma explicação útil dos fatores que contribuem para o que chamamos de 
“individualidade” é que o eu emerge gradualmente e surge na interseção entre: os 
hábitos em nossos processos biológico-metabólicos, os hábitos socioculturais da 
cultura local inculcados em nós, nossos modelos de papel, bons e maus, quanta 
responsabilidade o indivíduo leva para fazer com que as escolhas saudáveis 
ganhem e, novamente, desenvolvam e fortaleçam o seu próprio Eu.
Sobre o imago
A palavra latina imago significa simplesmente “imagem”, mas adquiriu várias 
conotações poderosas ao longo do tempo. A teologia cristã se refere à “imago 
Dei”, a imagem de Deus com base na qual os seres humanos foram criados e 
deveriam se esforçar para seguir. Carl Gustav Jung (1952) introduziu o termo em 
psicologia; para Jung, o indivíduo forma uma personalidade, identificando-se com 
imagens que emergem do inconsciente coletivo, um reservatório compartilhado 
de figuras e cenários míticos. Lacan adota o termo para se referir à imagem que 
a criança vê no espelho (ou à imagem do cuidador) e com a qual a criança se 
identifica (LACAN, 1984). Na experiência ah-ha que caracteriza o estágio do espelho, 
o bebê apreende a conexão entre a imagem e sua própria existência. A criança 
experimenta a imago como uma Gestalt, uma forma significativa.
É importante notar que a imagem é externa ao bebê. O “eu” passa a existir não 
como uma emanação do indivíduo, mas como resultado de um encontro com o 
outro.
Em Psicologia, Imago é definido como um protótipo inconsciente de 
personas. A imago determina a maneira pela qual o sujeito apreende os 
outros. É elaborada com base nas primeiras relações intersubjetivas reais 
e fantásticas com os membros da família.
O termo imago apareceu pela primeira vez na obra de Carl Gustav Jung em 
1912, e a mesma palavra latina foi adotada em várias línguas. O conceito 
32
UNIDADE II │ PSICOLOGIA DO SELF E A COMUNICAÇÃO
foi emprestado de um romance de mesmo nome de Carl Spitteler (2016) 
publicado em 1906. Na psicologia junguiana, o termo imago acabou 
substituindo o termo complexo.
O imago está vinculado à repressão que, na neurose, por meio da 
regressão, provoca o retorno de um antigo relacionamento ou forma de 
relacionamento, a reanimação de um imago parental. Essa regressão está 
ligada a uma qualidade particular do inconsciente, a de ser construída 
através da estratificação histórica. Intencionalmente Jung deu primazia 
à expressão imago sobre o complexo de expressões, pois desejou dotar 
o fato psíquico, escolhendo o termo técnico, com independênciaviva na 
hierarquia psíquica, ou seja, a autonomia que as múltiplas experiências 
mostraram ser a particularidade essencial do complexo imbuído de afeto, e 
que é lançada em alívio pelo conceito de imago.
Mais tarde, Jung substituiu o termo imago por arquétipo, a fim de expressar a 
ideia de que ele envolve motivos impessoais e coletivos, mas, na verdade, essa 
ideia já estava presente em suas primeiras descrições de imagens. Ele novamente 
explicou a escolha deste termo afirmando que a imagem intrapsíquica vem de 
duas fontes: a influência dos pais, por um lado, e as relações específicas da 
criança, por outro. É, portanto, uma imagem que apenas reproduz o seu modelo 
de maneira extremamente convencional. Por fim, ele situou a imagem entre o 
inconsciente e a consciência traçando um paralelo entre o claro e o escuro. É 
um complexo parcialmente autônomo que não está completamente integrado à 
consciência.
Sigmund Freud et al. (1912), “esquecendo” que o romance de Spitteler havia 
inspirado Jung, usaram o mesmo título, Imago, para a crítica intitulada The 
dynamics of transference que foi apresentada em Viena, em março de 1912.
O conceito de imago, muito raramente usado por Freud, apareceu em seus 
escritos pela primeira vez no mesmo ano, no texto supracitado The dynamics of 
transference – em português A dinâmica da transferência (1912), onde escreveu: 
“Se o ‘pai-imago’ usar o termo apropriado introduzido por Jung [...] é o fator 
decisivo para isso, o resultado corresponderá às relações reais do sujeito com o 
médico” (p. 100). Nos raros textos em que ele usou esse termo, o imago se refere 
apenas a uma fixação erótica relacionada a traços reais de objetos primários. 
No entanto, em outros lugares, Freud já havia demonstrado a importância 
dos vínculos da criança com seus pais e explicado que o mais importante é a 
maneira pela qual a criança percebe subjetivamente seus pais; essas ideias estão 
contidas na noção de imago. Ele também distinguira certas representações que 
33
PSICOLOGIA DO SELF E A COMUNICAÇÃO │ UNIDADE II
tinham o status da imago (a imagem mnêmica da mãe ou a imagem da mãe 
fálica na obra de Leonardo da Vinci). No entanto, em O problema econômico do 
masoquismo (1924), ele usou o termo imago no sentido junguiano, em relação 
ao masoquismo moral e ao superego. De fato, ele escreveu que por trás do poder 
exercido pelos primeiros objetos dos instintos libidinais (os pais) estava oculta 
a influência do passado e das tradições. Na sua opinião, a figura de Destiny, 
a última figura de uma série que começa com os pais, pode ser integrada à 
agência do superego se for concebida “de maneira impessoal”, mas, na maioria 
das vezes, de fato, permanece diretamente vinculada às imagens dos pais.
Na época em questão, o termo imago era comumente usado na comunidade 
psicanalítica, mas era particularmente desenvolvido no trabalho de Melanie 
Klein. Além das imagens clássicas, ela descreveu “imagens parentais 
combinadas” que provocam os estados mais terríveis de ansiedade. Ela os 
vinculou ao “estágio do apogeu do sadismo”, que em 1946 se tornou a “posição 
esquizóide-paranóica”. O trabalho do analista é trazer à tona a ansiedade ligada 
a essas imagens aterrorizantes, facilitando a passagem para o “amor genital” 
(que em 1934 se tornou a “posição depressiva”), transformando essas imagens 
aterrorizantes em imagens úteis ou benevolentes. Para ela, a criança desenvolve 
fantasias cruéis e agressivas sobre os pais. A criança então projeta essas fantasias 
nos pais e, portanto, tem uma imagem distorcida, irreal e perigosa das pessoas 
ao seu redor. A criança então introjeta essa imagem, que se torna o superego 
inicial. Assim, Klein descreveu o superego inicial mais como uma imagem do 
que como uma agência (KLEIN, 1996).
Melanie Klein (Viena, 30 de março de 1882 - Londres, 22 de setembro de 
1960), nascida Melanie Reizes, foi uma psicanalista austríaca. Em geral, é 
como uma psicoterapeuta pós-freudiana. Em 1916, em Budapeste, teve o 
primeiro contato com uma obra de Sigmund Freud e fez uma análise com 
Sándor Ferenczi. Estimulada por ele, iniciou o atendimento de crianças. Em 
1919, tornou-se membro da Sociedade de Psicanálise de Budapeste. No ano 
seguinte conheceu Freud e Karl Abraham, no Congresso Psicanalítico de 
Haia. Abraham convidou-a para trabalhar em Berlim. Em 1921, o marido se 
transferiu para a Suécia e Melanie permaneceu em Berlim com os filhos. A 
partir de 1923, passou a dedicar-se integralmente à Psicanálise e, aos 42 anos, 
iniciou uma análise de 14 meses com Abraham. Em 1924, no VIII Congresso 
Internacional de Psicanálise, Klein apresentou o trabalho A técnica de análise 
de crianças pequenas. Em 1927, Anna Freud publicou o livro O tratamento 
psicanalítico de crianças e Melanie criticou suas idéias, dando início a um 
34
UNIDADE II │ PSICOLOGIA DO SELF E A COMUNICAÇÃO
subgrupo kleiniano na Sociedade Britânica de Psicanálise. No mesmo ano, 
tornou-se membro da Sociedade. De 1929 a 1946, Melanie Klein realizou 
uma análise em Dick, um menino autista com cinco anos. Em 1930 começou 
como análises didáticas e o atendimento de adultos. Em 1932 publicou 
sua obra A psicanálise da criança, simultaneamente em inglês e alemão; em 
1936, durante a conferência sobre O desmame explicou a relação entre o seio 
bom e o seio mau; em 1937 publicou Amor, ódio e recuperação, com Joan 
Rivière; entre 1942 e 1944 elaborou, com discípulos, a sua teoria. Em 1945, a 
Sociedade Britânica de Psicanálise foi dividida em três grupos: annafreudianos 
(freud contemporâneo), kleiniano e independente. Em 1947, aos 65 anos, 
publicou Contribuições à psicanálise. Em 1955 foi fundada a Fundação 
Melanie Klein. No mesmo ano foi publicado o artigo A técnica psicanalítica 
através do brinquedo; sua história, sua significação, escrita a partir de uma 
conferência de 1953. Em 1960, ficou anêmica e em setembro foi operada por 
um câncer de cólon. Morreu no dia 22 de setembro, aos 78 anos de idade 
(LUZES, 1978).
Klein deixou para Susan Isaacs definir o que ela queria dizer com imago: uma 
imagem, ou imago é o que é introjetado durante o processo de introjeção. 
Envolve um fenômeno complexo que começa com o objeto externo concreto 
para se tornar aquilo que foi “levado para o eu” (p. 89), ou seja, um objeto 
interno, explicou Isaacs em A Natureza e a Função da Fantasia (1948), 
acrescentando: “No pensamento psicanalítico, ouvimos mais ‘imago’ do que 
imagem. As distinções entre ‘imago’ e ‘imagem’ podem ser resumidas como: (a) 
‘imago’ refere-se a um imagem inconsciente; (b) ‘imago’ geralmente se refere a 
uma pessoa ou parte de uma pessoa, os objetos mais antigos, enquanto ‘imagem’ 
pode ser de qualquer objeto ou situação, humana ou não e (c) ‘imago’ inclui 
todos os elementos somáticos e emocionais na relação do sujeito com a 
pessoa fotografada, os vínculos corporais na fantasia inconsciente com o id, a 
fantasia de incorporação subjacente ao processo de introjeção; enquanto na 
“imagem” os elementos somáticos e muitos dos emocionais são amplamente 
reprimidos” (ISAACS, 1986, p. 93).
Em seu artigo de 1938, intitulado Les Complexes familiaux in the formation of 
l’individu (Os complexos familiares na formação do indivíduo), Jacques Lacan 
traçou a conexão entre imago e complexo. Foi nessa época que ele avançou sua 
primeira teoria do imaginário. A imago é o elemento constitutivo do complexo; 
o complexo permite compreender a estrutura de uma instituição familiar, presa 
entre a dimensão cultural que a determina e os elos imaginários que a organizam. 
Lacan descreveu três estágios: o complexo de desmame, o complexo de intrusão 
35
PSICOLOGIA DO SELF E A COMUNICAÇÃO │ UNIDADE II
(no qual o estágio de espelho é descrito) e o complexo de Édipo. Essa estrutura 
imago complexa prefigurava o que se tornaria sua topologia do Real, do Imaginário 
e do Simbólico.
A psicologia do self
Kohut argumentou que, quando as ambições e os esforços exibicionistas da criança

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