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Autor: Prof. Flávio Buratti Gonçalves Colaboradoras: Profa. Mônica Teixeira Profa. Carolina Kurashima Fisiopatologia das Doenças Endócrinas e Nutricionais Professor conteudista: Flávio Buratti Gonçalves Biomédico graduado pela Universidade de Mogi das Cruzes (1996), especialista em Diagnóstico Laboratorial de Doenças Tropicais pela FMUSP e em Acupuntura Tradicional Chinesa. Mestre em Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública da USP (2000). Doutor em Patologia Ambiental e Experimental pela Universidade Paulista (UNIP) (2017). Possui habilitação nas áreas de análises clínicas, microbiologia, imunologia, parasitologia, saúde pública e acupuntura. Atualmente é coordenador do curso de Biomedicina na modalidade semipresencial e docente da UNIP, nas áreas de Microbiologia, Imunologia, Parasitologia e Bioquímica. Atua nas linhas de pesquisa de Patologia Ambiental e Experimental (Neuroimunopatologia), Microbiologia e Imunologia. É membro do Banco de Avaliadores (BASis) do INEP. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) G635f Gonçalves, Flávio Buratti. Fisiopatologia das Doenças Endócrinas e Nutricionais / Flávio Buratti Gonçalves. – São Paulo: Editora Sol, 2021. 168 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230. 1. Patologia. 2. Distúrbios. 3. Sistemas. I. Título. CDU 613.2 U511.45 – 21 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcello Vannini Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Deise Alcantara Carreiro – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Auriana Malaquias Jaci Albuquerque Sumário Fisiopatologia das Doenças Endócrinas e Nutricionais APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................9 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................9 Unidade I 1 CONCEITOS BÁSICOS DE PATOLOGIA GERAL ....................................................................................... 11 1.1 Homeostase e saúde .......................................................................................................................... 11 1.2 História da patologia .......................................................................................................................... 12 1.3 Patologia e fisiopatologia – conceitos ....................................................................................... 13 1.4 Agentes causadores de doença – estresse e estímulos nocivos ........................................ 14 1.4.1 Agentes biológicos ................................................................................................................................ 16 1.4.2 Agentes físicos ........................................................................................................................................ 17 1.4.3 Agentes químicos .................................................................................................................................. 22 1.4.4 Herança genética .................................................................................................................................... 22 1.4.5 Desequilíbrio nutricional ..................................................................................................................... 23 2 FISIOPATOLOGIA DA OBESIDADE .............................................................................................................. 55 2.1 Obesidade - aspectos gerais ........................................................................................................... 55 2.2 Regulação da ingestão de alimentos ........................................................................................... 57 2.3 Índice de massa corporal (IMC), forma e composição corporal, e risco de doença ...................................................................................................................................................... 59 2.4 Avaliação médica de pacientes com obesidade ..................................................................... 61 2.5 Obesidade – conduta terapêutica ................................................................................................ 62 2.5.1 Hábitos alimentares saudáveis .......................................................................................................... 62 2.5.2 Atividade física e qualidade de vida .............................................................................................. 63 2.5.3 Tratamento medicamentoso .............................................................................................................. 64 2.5.4 Tratamento cirúrgico – a cirurgia bariátrica, tipos e aplicações ........................................ 65 2.6 Síndrome de dumping ...................................................................................................................... 71 3 FATORES DE RISCO ASSOCIADOS À OBESIDADE ............................................................................... 72 3.1 Dislipidemia ........................................................................................................................................... 72 3.2 Aterosclerose .......................................................................................................................................... 74 3.3 Hipertensão............................................................................................................................................. 76 3.3.1 Papel nervoso no controle da PA ..................................................................................................... 76 3.3.2 Controle renal da pressão arterial .................................................................................................... 78 3.3.3 Disfunção endotelial ............................................................................................................................ 79 3.3.4 Sensibilidade ao sal ............................................................................................................................... 80 4 FISIOPATOLOGIA DOS DISTÚRBIOS CIRCULATÓRIOS ....................................................................... 81 4.1 Edema ....................................................................................................................................................... 81 4.1.1 Equilíbrio de Starling ............................................................................................................................. 81 4.1.2 Mecanismos de edema tecidual ....................................................................................................... 83 4.1.3 Edema por aumento da permeabilidade vascular ..................................................................... 84 4.1.4 Edema por aumento da pressão hidrostática sanguínea .......................................................84 4.1.5 Edema na insuficiência cardíaca ...................................................................................................... 85 4.1.6 Edema na hipoproteinemia ................................................................................................................ 85 4.2 Hiperemia e congestão ...................................................................................................................... 86 4.3 Trombose .................................................................................................................................................. 88 4.3.1 Lesão endotelial ....................................................................................................................................... 89 4.3.2 Alterações do fluxo sanguíneo .......................................................................................................... 90 4.3.3 Hipercoagulabilidade ............................................................................................................................. 91 4.3.4 Trombose venosa (flebotrombose) ................................................................................................... 92 4.3.5 Coagulação intravascular disseminada ......................................................................................... 93 4.4 Embolia .................................................................................................................................................... 94 4.4.1 Tromboembolia pulmonar .................................................................................................................. 94 4.4.2 Êmbolos grandes ..................................................................................................................................... 94 4.4.3 Êmbolos de médio volume .................................................................................................................. 94 4.4.4 Êmbolos de pequeno volume ............................................................................................................. 95 4.4.5 Tromboembolia arterial ........................................................................................................................ 95 4.4.6 Embolia pulmonar ................................................................................................................................. 95 4.4.7 Embolia gasosa ....................................................................................................................................... 96 4.4.8 Embolia por líquidos ............................................................................................................................. 97 4.5 Hemorragia ............................................................................................................................................. 98 4.5.1 Hemorragia por rexe .............................................................................................................................. 98 4.5.2 Hemorragia por diapedese .................................................................................................................. 99 4.6 Infarto ....................................................................................................................................................... 99 4.7 Insuficiência cardíaca ......................................................................................................................102 4.8 Endocardite, miocardite e pericardite ........................................................................................102 4.9 Choque circulatório ...........................................................................................................................106 4.10 Doenças arteriais coronariana e oclusiva associadas à aterosclerose ......................110 Unidade II 5 FISIOPATOLOGIA DOS DISTÚRBIOS DO SISTEMA DIGESTÓRIO ...................................................115 5.1 Distúrbios da boca e do esôfago ..................................................................................................116 5.1.1 Obstrução esofágica e acalásia .......................................................................................................116 5.1.2 Esofagite ...................................................................................................................................................117 5.2 Distúrbios do estômago .................................................................................................................120 5.2.1 Gastrite aguda e gastrite crônica ...................................................................................................121 5.2.2 Úlcera péptica ....................................................................................................................................... 122 5.3 Patologias do intestino delgado e cólon ..................................................................................123 5.3.1 Doença celíaca ...................................................................................................................................... 123 5.3.2 Síndrome da má absorção ............................................................................................................... 124 5.3.3 Enterocolite infecciosa ...................................................................................................................... 124 5.3.4 Doença de Crohn ................................................................................................................................. 124 5.3.5 Colite e retocolite ulcerativa ........................................................................................................... 124 5.3.6 Hemorroidas ......................................................................................................................................... 125 5.3.7 Intolerância à lactose ........................................................................................................................ 125 5.3.8 Constipação............................................................................................................................................ 126 5.3.9 Síndrome do intestino irritável ..................................................................................................... 126 5.3.10 Disbiose .................................................................................................................................................. 127 6 FISIOPATOLOGIA DOS DISTÚRBIOS DO FÍGADO, VIAS BILIARES E PÂNCREAS .....................128 6.1 Cirrose .....................................................................................................................................................128 6.2 Hipertensão portal ............................................................................................................................129 6.3 Icterícia ..................................................................................................................................................130 6.4 Colestase ...............................................................................................................................................131 6.5 Colelitíase e colecistite ...................................................................................................................132 6.6 Pancreatite aguda .............................................................................................................................135 6.7 Pancreatite crônica ...........................................................................................................................136 7 FISIOPATOLOGIA DOS DISTÚRBIOS DO SISTEMA ENDÓCRINO ..................................................137 7.1 Hipófise, tireoide e paratireoide ...................................................................................................1377.1.1 Hipopituitarismo ................................................................................................................................. 137 7.1.2 Hipertireoidismo ................................................................................................................................... 137 7.1.3 Hipotireoidismo .................................................................................................................................... 138 7.1.4 Hiperparatireoidismo .......................................................................................................................... 139 7.1.5 Hipoparatireoidismo ........................................................................................................................... 139 7.2 Pâncreas endócrino e glândulas suprarrenais .......................................................................139 7.2.1 Diabetes melito e síndrome metabólica .................................................................................... 139 7.2.2 Insulinoma (hiperinsulinemia) .........................................................................................................141 7.2.3 Síndrome de Cushing ..........................................................................................................................141 7.2.4 Insuficiência adrenocortical ............................................................................................................141 8 ALTERAÇÕES ANATOMOPATOLÓGICAS E APRESENTAÇÃO DE CASOS .....................................141 8.1 Sistema cardiovascular (coração) ................................................................................................141 8.2 Sistema gastrointestinal (estômago, intestino, fígado, pâncreas e vesícula biliar) ..............................................................................................................................................143 8.3 Sistema endócrino (tireoide) .........................................................................................................146 8 9 APRESENTAÇÃO Objetivamos com este livro apresentar os principais tópicos que norteiam a patologia geral, a patologia específica, bem como os conceitos fundamentais da anatomia patológica. Por meio do estudo dos processos patológicos básicos, será possível compreender os elementos celulares e todos os processos fisiológicos que regulam as funções normais dos nossos órgãos, tecidos e sistemas cuja função é manter a homeostase no nosso organismo. Uma vez que nos apropriarmos desses conhecimentos, é possível reconhecer os principais processos patológicos. Enfatizamos, portanto, os aspectos comuns a diferentes doenças quanto as suas causas, mecanismos patogênicos, lesões estruturais (microscópicas e macroscópicas) e alterações da função que envolvem com base no entendimento. Para melhor compreensão do leitor, abordamos inicialmente os processos básicos e, na sequência, os principais processos patológicos envolvendo os diferentes sistemas orgânicos, como os sistemas circulatório, digestório e endócrino e as principais alterações macroscópicas perceptíveis no exame anatomopatológico. INTRODUÇÃO Neste livro-texto, estudaremos os principais processos fisiopatológicos associados a distúrbios endócrinos e nutricionais. A fisiopatologia é entendida como uma quebra da homeostasia caracterizada por processos celulares, teciduais e orgânicos que não são revertidos por mecanismos fisiológicos, resultando em lesão (inicialmente celular, que se manifesta no tecido como um todo), que, se não for revertida, levará à instalação da doença propriamente dita. A patologia como ciência se baseia na observação do órgão ou sistema que apresenta funções padronizadamente fora do seu funcionamento normal (fisiológico). Assim, o estudo dessa ciência é fundamental no conhecimento da fisiologia, para que se compreenda as alterações causadas pela quebra da homeostasia que caracteriza a patologia. Desse modo, devemos nos atentar aos estudos não só da fisiologia, mas também de histologia e biologia celular (de forma geral e específica de cada tecido), para que possamos aplicar as possíveis alterações de forma assertiva em cada doença, aumentando a incidência de diagnósticos e tratamentos bem orientados a fim de reestabelecer a homeostasia. A patologia é a disciplina médica que descreve condições normalmente observadas durante um estado de doença, enquanto a fisiologia é a disciplina biológica que descreve processos ou mecanismos que operam dentro de um organismo. A primeira descreve uma condição anormal ou indesejada, enquanto essa última procura explicar as alterações funcionais que estão ocorrendo em um indivíduo devido a uma doença ou estado patológico. Este livro busca ser atrativo e didático destinando-se a servir como instrumento da aprendizagem para os estudantes de nutrição no estudo da fisiopatologia. Os conteúdos selecionados buscam atender de forma objetiva, clara e concisa os conceitos mais relevantes da patologia geral, da patologia específica e da anatomia patológica. Com esse aprendizado, o estudante deverá adquirir as habilidades e competências necessárias à formação de nutricionista, estando apto a reconhecer as alterações do estado de saúde, interpretar a evolução das doenças e elaborar um plano preventivo, além de propostas terapêuticas. Bons estudos! 11 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS Unidade I 1 CONCEITOS BÁSICOS DE PATOLOGIA GERAL 1.1 Homeostase e saúde Para que seja possível o entendimento dos seus processos fisiopatológicos, é de fundamental importância que revisemos os conceitos básicos da fisiologia, de modo a melhor compreender o pleno e normal funcionamento do organismo. A célula normal é condicionada a manter-se em uma faixa razoavelmente estreita de função e estrutura por seu estado de metabolismo, diferenciação e especialização, por limitações das células vizinhas e pela disponibilidade de substratos metabólicos. Porém vale ressaltar que a mesma célula é capaz de sustentar as demandas fisiológicas, mantendo um estado normal chamado homeostasia. Nesse sentido cada célula que constitui nosso organismo está diretamente envolvida na manutenção de um estado dinâmico de equilíbrio, o qual denominamos homeostase. Qualquer alteração ou lesão, por menor que seja, eventualmente pode comprometer o organismo como um todo. A manutenção da homeostase é, de certa forma, uma responsabilidade integrada entre três estruturas cerebrais importantes, sendo elas a medula oblonga, que corresponde à parte do tronco cerebral ligada à manutenção das funções vitais, como respiração, circulação, entre outras; a hipófise, que regula a função de outras glândulas, estando diretamente associada ao crescimento, maturação e reprodução de um indivíduo; e o sistema reticular, que se configura como uma intrincada rede de núcleos e fibras provenientes de células nervosas no tronco cerebral e na medula espinal, diretamente associado ao controle dos reflexos vitais, como na função cardiovascular. A homeostase é sustentada por mecanismos de autorregulação que também são retroestimulados, sendo conhecidos, como: • Retroestimulação positiva: responsável por ampliar a alteração sistêmica, interferindo na homeostase. Exemplo disso é quando o coração bombeia sangue com maior velocidade e mais força numa situação de choque. Nessas situações, se houver evolução, a ação do coração pode demandar mais oxigênio do que a quantidade normalmente disponível, o que pode acarretar uma insuficiência cardíaca. • Retroestimulação negativa: o processo, estimulado pelas alterações no organismo, restaura a homeostase corrigindo deficiências. Pode-se exemplificar que, quando há alterações provocadas pela elevação da glicose, é desencadeado o aumento na produção de insulina pelo pâncreas, o que leva esse mecanismo a efetuar a redução dos níveis de glicose aos patamares normais, vindo a restaurar oequilíbrio sistêmico. 12 Unidade I Cada mecanismo de retroestimulação, independentemente se positivo ou negativo, apresenta três componentes básicos, sendo estes: um sensor responsável por detectar as mudanças na homeostase, normalmente expressa por alterações dos impulsos nervosos ou de níveis hormonais; um centro de controle no sistema nervoso central (SNC), o qual recebe sinais advindos do sensor e regula a resposta do organismo perante as alterações; dando início ao mecanismo de execução o qual é diretamente responsável por restabelecer a homeostase. O Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA, no documento Healthy People 2020 (CENTERS FOR DISEASE…, 2019), descreve os parâmetros para as condições de saúde como: • Alcançar uma vida livre de doenças, incapacidade, lesões e morte prematura passíveis de prevenção. • Alcançar a equidade em saúde e eliminar as disparidades. • Promover a boa saúde para todos. • Promover comportamentos saudáveis por toda a vida. O desenvolvimento de doenças é denominado patogênese, e, a menos que sejam identificadas e tratadas com brevidade e eficiência, sua maioria evolui de forma sintomática bastante conhecida. Algumas são autolimitadas, o que determina uma evolução rápida com a necessidade de pouca ou nenhuma intervenção, outras podem ser crônicas e acabam por estabelecer longos períodos de eventuais manifestações sintomáticas conhecidas como remissões e/ou exacerbações. Observação Em 1948, o preâmbulo da Constituição da Organização Mundial da Saúde (OMS) definiu saúde como um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não exclusivamente a ausência de doenças e enfermidades. 1.2 História da patologia Entre tantos pesquisadores que contribuíram para o crescimento da patologia, destaca-se o alemão Rudolf Ludwig Karl Virchow (1821-1902). Suas contribuições científicas serviram de base para a integração dos métodos experimentais mais avançados da sua época. Virchow colocou a patologia no centro da prática da medicina, o que lhe valeu o reconhecimento como fundador da patologia científica moderna. Em 1858, publicou a sua obra principal, A patologia celular, baseada em histologia, fisiologia e patologia. Nela, apresentou a teoria celular, em clara oposição às teorias anteriores a sua, que defendiam que o nível básico de manifestação das doenças era o dos tecidos. Segundo Virchow, as doenças são causadas pela alteração das células do corpo, que constituem as unidades vitais das funções biológicas e da morfologia. Ao seu conceito de patologia, integrou descobertas e métodos da histologia e da fisiologia, e, para embasar seu estudo, o uso do microscópio foi primordial. 13 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS A partir de seus achados, a atividade dos patologistas adquiriu grande relevância no campo da medicina, colocando em destaque o valor dos resultados das análises histológicas e citológicas para o diagnóstico das doenças e o desenvolvimento da atividade clínica. Virchow ainda contribuiu na identificação das células cancerosas da leucemia e no estudo sobre circulação e coagulação sanguínea, cunhou o termo trombose e descreveu o fenômeno da embolia. Rudolf Virchow é considerado o pai da patologia moderna e da medicina social. Em 1856, assumiu a cadeira de anatomia patológica na Universidade de Berlim. Durante a Guerra Franco-Prussiana, liderou o primeiro hospital móvel para atender os soldados no front. Preocupado com os aspetos sociais da medicina e da higiene, participou na fundação de vários hospitais e defendeu a necessidade de sistemas de esgoto para a eliminação das águas residuais das grandes cidades. Em 1847, junto a seu colega Benno Reinhardt, criou sua própria revista médica, hoje conhecida como Virchow’s Archiv. A revista aceitava apenas trabalhos originais, e diferentemente da maioria das outras revistas científicas, focadas num público especializado, sua revista era para todos, incluindo leigos, pois acreditava que não adianta mostrar os avanços científicos apenas na forma de teses. Tendo em vista uma vida dedicada à ciência, sem nunca negligenciar as causas sociais, podemos afirmar que Virchow foi um homem comprometido com o seu tempo. 1.3 Patologia e fisiopatologia – conceitos Patologia significa estudo das doenças (do grego pathos, doença, sofrimento, e logos, estudo). Essa ciência estuda as causas das doenças, os mecanismos que as produzem, os locais onde ocorrem e as alterações moleculares, morfológicas e funcionais que apresentam. Também fornece bases para compreender seus fatores essenciais, como manifestações clínicas, diagnóstico, prevenção, tratamento, evolução e prognóstico. Os quatro aspectos de um processo de doença que formam o cerne da patologia são sua causa – etiologia –, os mecanismos do seu desenvolvimento – patogenia – as alterações bioquímicas e estruturais induzidas nas células e nos órgãos do corpo – alterações moleculares e morfológicas – e as consequências funcionais dessas alterações – manifestações clínicas. Etiologia ou causa. A ideia de que as doenças eram causadas é extremamente antiga, datando desde 2500 a.C. Por meio de relatos históricos antigos, percebe-se que se alguém adoecesse, a culpa era do próprio paciente (por ter pecado) ou por obra de agentes externos, como maus odores, frio, maus espíritos ou deuses. Atualmente, surgiram duas principais classes de fatores etiológicos, sendo os de origem genética (por exemplo, mutações herdadas e doenças associadas com variantes genéticas, ou polimorfismo) e os adquiridos (por exemplo, infecciosos, nutricionais, químicos, físicos). O conceito de que um agente etiológico seja a causa de uma doença – desenvolvido a partir do estudo de infecções e distúrbios monogênicos – não é aplicável à maioria das doenças. Sabe-se que parte dos problemas de maior importância hoje, em termos de saúde pública, que afetam boa parcela da população, é em sua maioria multifatorial e surge dos efeitos de vários estímulos a um indivíduo susceptível. 14 Unidade I Patogenia. É a sequência de eventos na resposta das células ou tecidos ao agente etiológico, partindo da compreensão do estímulo inicial à forma como se apresenta no final da doença. Mesmo nas situações em que a priori a causa inicial de uma doença seja conhecida, como nas infecções, por exemplo, o estudo da patogenia continua a ser um dos principais domínios da patologia, destacando-se também os eventos bioquímicos e morfológicos eventualmente associados. As novas tecnologias vêm apresentando a possibilidade de abordagens inovadoras, sobretudo sobre aspectos terapêuticos, e, por essas razões, o estudo da patogenia nunca foi tão desafiador e estimulante aos profissionais da área da saúde. Alterações moleculares e morfológicas. São alterações estruturais nas células ou tecidos características de uma doença e que favorecem o diagnóstico de um processo sobre aspectos etiológicos. Nesse sentido, a utilização da patologia diagnóstica identifica os fatores causais, ou seja, a natureza do processo e de sua progressão, e, para isso, a patologia diagnóstica vale-se do estudo das alterações morfológicas nos tecidos e alterações químicas nos pacientes. Manifestações clínicas. As alterações e ou anormalidades funcionais são o resultado final das alterações genéticas, bioquímicas e estruturais nas células e tecidos, as quais acabam por gerar as manifestações clínicas (sinais e sintomas) da doença, bem como sua progressão (curso clínico e consequência). De forma geral, as doenças iniciam-se com alterações moleculares ou estruturais nas células, conceito formulado primeiramente, no século XIX, por Rudolf Virchow. Como já dito, as doenças têm causas que atuam por mecanismos variados, os quais produzem alterações moleculares e/ou morfológicas nos tecidos, resultando em alterações funcionais no organismo ou em parte dele produzindo manifestações subjetivas (sintomas) ou objetivas (sinais). A patologia cuida dos aspectosde etiologia (estudo das causas), patogênese (estudo dos mecanismos), anatomia patológica (estudo das alterações morfológicas dos tecidos que, em conjunto, recebem o nome de lesões), fisiopatologia (estudo das alterações funcionais de órgãos e sistemas afetados) e semiologia (estudo dos sinais e sintomas das doenças). Todas essas áreas objetivam determinar, de forma conjunta, o diagnóstico (propedêutica) a partir do qual se estabelecem o prognóstico, o tratamento e a prevenção da doença. Para ser mais bem compreendida e estudada, a patologia pode ser dividida em dois grupos ou temáticas, denominadas assim de patologia geral e patologia especial. A patologia geral estuda os aspectos comuns às várias doenças em relação as suas causas, patogênese, lesões estruturais e alterações funcionais; já a patologia especial, também conhecida como sistêmica, estuda as doenças de determinado órgão ou sistema (por exemplo, sistema respiratório, cavidade oral), ou as doenças agrupadas por suas causas (por exemplo, infecciosas, causadas por radiações etc.). 1.4 Agentes causadores de doença – estresse e estímulos nocivos Os agentes responsáveis pelo aparecimento de doença são conhecidos como fatores ou agentes etiológicos. Entre eles estão os biológicos (por exemplo, bactérias e vírus), os físicos (por exemplo, traumatismo, queimaduras, radiação), os químicos (por exemplo, pesticidas e nicotina), a herança genética (por exemplo, síndromes cromossômicas) e os excessos ou déficits nutricionais (por exemplo, obesidade e avitaminose). 15 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS A maioria dos agentes etiológicos são inespecíficos, e agentes diferentes podem causar doenças em um mesmo órgão. Por outro lado, um único agente ou trauma pode desenvolver uma doença em diferentes órgãos ou sistemas. Na fibrose cística, por exemplo, um único aminoácido produz uma doença generalizada. Embora um agente patológico isoladamente possa afetar mais de um órgão e diferentes agentes patológicos possam afetar um único órgão, a maioria das doenças não tem apenas uma única causa, muitas têm origem multifatorial, ou seja, várias causas, por exemplo, o câncer e as doenças cardíacas. Os diversos elementos que predispõem o organismo a alguma doença são chamados fatores de risco. Em geral, as doenças evoluem em inúmeros estágios: • Exposição ou lesão: o tecido denominado alvo é exposto ao agente causal ou lesado por este. • Latência ou período de incubação: período em que o indivíduo não manifesta sinais e/ou sintomas da doença. • Período prodrômico: surgem os primeiros sinais e sintomas, no entanto, em sua maioria, são inespecíficos e não permitem uma clara identificação do agente causal. • Fase aguda: período em que normalmente apresentam-se sinais e sintomas em sua forma mais expressiva, podendo inclusive acarretar complicações. Pode ser denominada forma aguda subclínica se o paciente continuar a se comportar como se a doença ainda não estivesse instalada. • Remissão: uma nova e eventual fase de latência que deverá ser seguida por outra fase aguda. Remissões acontecem muitas vezes por falha no processo terapêutico, trazendo por vezes situações de maior agravamento quando comparadas à fase aguda inicial. • Convalescença: o paciente apresenta sinais compatíveis com o processo de recuperação. O objetivo é que ao término desse processo o paciente esteja completamente recuperado e apto a restabelecer suas atividades normais. • Recuperação: O paciente encontra-se completamente recuperado, em plena capacidade funcional, sem a presença de sinais e/ou sequelas do processo de doença ocorrido. A exemplo das situações de mudança de vida, como o término de um relacionamento, a perda de um emprego ou até mesmo algo positivo, como o nascimento de um filho, o indivíduo busca formas de se adaptar de maneira adequada a elas, e, quando há a incapacidade de adaptação, pode resultar em estresse. A dificuldade de uma pessoa motivada por esse estresse em responder de maneira positiva promove ou agrava uma doença ou condição (ABREU et al., 2002, p. 22-29). O quadro a seguir apresenta algumas condições por vezes consideradas bastante comuns associadas ao estresse. 16 Unidade I Quadro 1 – Condições favoráveis ao estresse Alterações menstruais Erupções cutâneas Angina Etilismo Ansiedade e ataques de pânico Fraqueza ou espasmo muscular Cefaleias (enxaquecas ou do tipo tensional) Hipertensão Depressão Insônia Desmaio Palpitações cardíacas Disfunção sexual (impotência) Síndrome do intestino irritável Distúrbios alimentares (bulimia, anorexia, entre outros) Úlcera péptica Hans Selye, grande pesquisador sobre estresse e doenças, define alguns estágios presentes na adaptação em face de algum evento estressante, conhecidos como alarme, resistência e recuperação ou exaustão. Na situação de alarme, o corpo detecta o agente ou a situação estressante e aciona o sistema nervoso central à liberação de substâncias químicas para o que conhecemos como resposta de luta e fuga. A liberação de epinefrina ocorre mediante a ação da medula simpática adrenal e a liberação de glicocorticoides pelo eixo hipotálamo-hipófise e adrenal. Esses sistemas, de forma integrada, executam uma resposta mais adequada do corpo ao estresse; tal evento é por muitos denominado liberação adrenérgica do pânico ou da agressão. No estágio de resistência, o corpo responde ao estresse e tenta se adaptar. Os mecanismos de cobertura são acionados e, se o corpo não conseguir se adaptar, inicia-se o estado de exaustão. Os hormônios não são mais produzidos como ocorria no estado de alarme, e em decorrência ocorre lesão de órgãos e tecidos, acarretando o aparecimento dos sinais e sintomas das doenças. 1.4.1 Agentes biológicos Os agentes biológicos incluem vírus, bactérias, fungos, protozoários, helmintos e artrópodes. Todos eles podem invadir e/ou colonizar o organismo a fim de encontrar condições ideais de abrigo e nutrição e em inúmeros casos acabam por produzir doenças, conhecidas em conjunto como doenças infecciosas. Um agente biológico pode produzir lesão por meio de inúmeros mecanismos, a saber: • Ação direta, por invasão de células, nas quais se multiplicam podendo ocasionar a morte e/ou destruição delas. A presença de um microrganismo no interior de uma célula pode ser definida com efeito citopático, e pode ocorrer associada a infecção celular por muitos microrganismos, especialmente vírus e alguns tipos de riquétsias, bactérias e protozoários. • Substâncias tóxicas (toxinas) liberadas pelo agente infeccioso: são as exotoxinas de bactérias, de micoplasmas e de alguns protozoários. Pode-se citar como exemplos as toxinas produzidas pelas espécies de Clostridium spp., como C. tetani e Clostridium botulinum, bactérias que podem provocar respectivamente o tétano e o botulismo. 17 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS • Componentes estruturais ou substâncias armazenadas no interior do agente biológico e liberados após sua morte e desintegração: são as toxinas endógenas, ou endotoxinas. • Antígenos/componentes do agente agressor os quais podem aderir à superfície celular ou de outras estruturas teciduais, tornando-se alvo da ação de anticorpos e da imunidade celular dirigida aos epítopos desses microrganismos. • Antígenos do microrganismo, que podem ter epítopos semelhantes a moléculas dos tecidos humanos. A resposta imunitária contra esses epítopos faz-se também contra componentes similares existentes nos tecidos (autoagressão), a exemplo do que pode vir a ocorrer após sucessivas infecções de repetição por Streptococcus pyogenes e o aparecimento posterior de febre reumática, glomerulonefrite de Bruton e endocardite estreptocócica, por similaridade antigênica entre a estreptolisina O e proteínas do tecido cardíaco. • Integração ao genoma celular (por exemplo, vírus) e alterações na síntese proteica, o que pode levar a neoplasias. Inúmeros vírus, por exemplo, apresentam o chamadopotencial oncogênico, como o já conhecido vírus do papiloma humano (HPV), causador de casos de neoplasia como os de útero e ovário, e o vírus de Epstein Barr, causador de linfomas, como o de Burkitt, e carcinomas como o de nasofaringe. Todos esses mecanismos agem com maior ou menor intensidade de acordo com a constituição genética do organismo. São também importantes as condições do organismo no momento da invasão pelo microrganismo (estado nutricional, lesões preexistentes etc.). 1.4.2 Agentes físicos Dependendo da intensidade e duração de sua ação, qualquer agente físico pode causar lesão. Entre os agentes físicos, estão a força mecânica, as variações da pressão atmosférica, as variações de temperatura, a eletricidade, a radiação e as ondas sonoras (ruídos). 1.4.2.1 Força mecânica A ação da força mecânica sobre o organismo produz vários tipos de lesões, denominadas lesões traumáticas (ou impropriamente chamadas trauma mecânico, já que esse é o agente causal, e não a consequência). Estas são as características das feridas: • desprendimento ou remoção de células da epiderme; • laceração, separação de tecidos, por excessiva força de estiramento (laceração de tendões ou vísceras); • contusão, na qual o impacto é transmitido da pele aos tecidos subjacentes, levando à ruptura de pequenos vasos, com hemorragia e edema; • incisão ou corte, lesão produzida por ação de instrumentos cortantes; 18 Unidade I • perfuração, produzida por instrumentos pontiagudos sobre os tecidos, sendo a ferida mais profunda do que extensa; • fratura, caracterizada por ruptura de tecidos duros, como ósseo e cartilaginoso. 1.4.2.2 Variações de pressão atmosférica O organismo humano suporta melhor o aumento da pressão atmosférica do que sua diminuição. Veja a seguir. Síndrome de descompressão A doença por descompressão ou barotrauma é causada por uma diminuição rápida da pressão do meio circundante, ocorrendo algumas vezes em mergulhadores. Essa condição se desenvolve devido à formação de bolhas de nitrogênio na corrente sanguínea e nos tecidos do corpo, normalmente quando o mergulhador se desloca de águas profundas para a superfície num curto espaço de tempo. Os sintomas da descompressão variam de acordo com a localização de formação das bolhas no corpo, sendo frequentes dores de cabeça ou vertigens, cansaço ou fadiga, erupções cutâneas, dor nas articulações, fraqueza muscular ou paralisia. Cerca de 50% dos mergulhadores com problemas de descompressão desenvolvem sintomas na primeira hora após o mergulho ou dentro das primeiras 24 horas. Em casos mais graves, podem desenvolver dificuldades respiratórias, choque ou perda de consciência. Efeitos de grandes altitudes A doença da altitude ocorre em indivíduos não adaptados que se deslocam para grandes altitudes. Até uma altura de 2.500 m, geralmente, não ocorrem manifestações; entre 3.000 m e 4.000 m, as alterações são frequentes, mas pouco importantes; e acima de 4.000 m, podem aparecer alterações graves. À medida que a altitude aumenta, a pressão atmosférica diminui e menos moléculas de oxigênio encontram-se disponíveis no ar rarefeito. A diminuição do oxigênio disponível afeta o corpo de várias maneiras: a frequência e a profundidade da respiração aumentam, alterando o equilíbrio de gases nos pulmões e no sangue, elevando a alcalinidade do sangue e prejudicando a distribuição de sais, como o sódio e o potássio nas células. Como consequência, a água é distribuída de modo diferente entre o sangue e os tecidos. Nas altitudes elevadas, o sangue contém menos oxigênio, produzindo coloração azulada na pele, nos lábios e nas unhas. Depois de alguns dias, o organismo produz mais hemácias, transportando então mais oxigênio aos tecidos. Muitas pessoas que vivem no nível do mar, quando ascendem a uma altitude moderada (2.400 m), em um ou dois dias apresentam falta de ar, aumento da frequência cardíaca e cansaço fácil. A maioria melhora em poucos dias. 19 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS 1.4.2.3 Variações de temperatura O organismo submetido a baixas temperaturas tenta se adaptar produzindo maior quantidade de calor. A adaptação é temporária, e, se não há proteção adequada, a temperatura corporal começa a baixar, instalando-se a hipotermia (considera-se hipotermia a temperatura corporal abaixo de 35 °C). Quando a temperatura cai, ocorre vasoconstrição periférica, palidez acentuada e redução progressiva da atividade metabólica de todos os órgãos, especialmente do encéfalo e da medula espinal. A causa de morte no resfriamento é, geralmente, falência cardiorrespiratória por inibição dos centros bulbares de controle da respiração e da circulação. A ação local do calor produz queimaduras, cujas lesões podem ser por: • liberação de histamina pelos mastócitos, que produz vasodilatação e edema; • liberação de substância P das terminações nervosas aferentes; • ativação das calicreínas plasmática e tecidual, com liberação de bradicinina, que aumenta a vasodilatação e o edema; • lesão direta da parede vascular, que pode aumentar o edema, produzir hemorragia e levar à trombose de pequenos vasos, resultando em isquemia e necrose. Se o indivíduo é submetido a temperaturas elevadas (excesso de sol, proximidade de caldeiras), pode haver elevação progressiva da temperatura corporal, a hipertermia. Quando a temperatura corporal atinge ou ultrapassa 40 °C, ocorre vasodilatação periférica, abertura dos capilares e sequestro de grande quantidade de sangue na periferia, iniciando quadro de insuficiência circulatória periférica (choque térmico clássico). 1.4.2.4 Radiações ionizantes As lesões causadas por radiações ionizantes em humanos decorrem de inalação ou ingestão de poeira ou alimentos que contenham partículas radioativas, o que ocorre em: • trabalhadores de minas em que são abundantes os minerais radioativos, como o rádio; • exposição a radiações com fins terapêuticos ou diagnósticos; • contato acidental com radiações emanadas de artefatos nucleares, como reatores, aparelhos de radioterapia ou de radiodiagnóstico; • bombas nucleares. A radiação ionizante de uma forma dose-dependente pode causar mutação nas células e as matar por múltiplas vias, incluindo morte celular por apoptose, necrose ou redistribuição de células para outros compartimentos. A radiação ionizante interage com alvos intracelulares produzindo radicais livres e causando uma ruptura no DNA. 20 Unidade I O dano tecidual é dependente da radiossensibilidade dos diferentes tecidos, com o efeito particularmente alto em espermatócitos nos testículos, linfócitos circulantes, células hematopoiéticas na medula óssea e células da cripta nos intestinos. O dano nas células é em grande parte dependente das doses de radiação. A ruptura do DNA geralmente é reparada por uma variedade de mecanismos. Esse reparo pode levar a pequenas mutações, enquanto falhas de cadeia dupla podem levar a translocações cromossômicas, inversões e fusões de telômeros. Embora as translocações cromossômicas, inversões e mutações pontuais sejam tipicamente lesões não letais, tais aberrações cromossômicas induzidas por radiação podem ser as lesões iniciais que levam ao efeito atrasado de carcinogênese. 1.4.2.5 Efeitos da luz solar A luz solar contém amplo espectro de radiações. A radiação infravermelha produz calor, sendo responsável em parte por queimaduras solares. As radiações ultravioletas são potencialmente mais lesivas. Os raios UVC são absorvidos pela camada de ozônio e não chegam à superfície da Terra (a proteção da camada de ozônio tem, pois, grande importância para as pessoas). Os raios UVA e UVB são os responsáveis pelas lesões provocadas pela luz solar, que podem ser agudas ou crônicas. Insolação e queimaduras são lesões agudas, caracterizadas por eritema, edema e formação de bolhas; em seguida, surgem descamação e hiperpigmentação. Os efeitos crônicos são mais relevantes. Os raios UVB têm ação melanogênica, que induzemà pigmentação, são responsáveis principais por fenômenos de fotossensibilização, aceleram o envelhecimento e provocam lesões proliferativas, incluindo neoplasias. As reações de fotossensibilização são induzidas por substâncias que se depositam na pele e, por absorverem raios UV, podem ser ativadas, originar radicais livres e ter efeitos tóxicos sobre células epidérmicas; podem surgir erupções, com coceira, área de vermelhidão e inflamação nas manchas de pele expostas ao sol. A luz pode provocar reações do sistema imunológico, visto que determinadas doenças, como lúpus eritematoso sistêmico, podem provocar reações cutâneas mais sérias se houver exposição à luz solar. Os raios UVA causam degenerações dos ceratinócitos e alterações no seu DNA, o que pode provocar lesões proliferativas benignas ou malignas (carcinoma basocelular e melnomas). UV-A Provoca bronzeamento. Acumulação sobre um período de tempo pode levar a cataratas UV-B Causa queimaduras solares. Sobre-exposição aos raios UVB pode causar danos à córnea UV-C Absorvido e bloqueado pela camada de ozônio antes de alcançar a Terra Figura 1 – Tipos de radiações ultravioletas e seus efeitos 21 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS Saiba mais Você pode saber mais sobre câncer de pele no site do Inca. INSTITUTO Nacional do Câncer (INCA). Tipos de câncer. Câncer de pele não melanoma. Brasília: Ministério da Saúde, 2021. Disponível em: https://bit.ly/3dUqe44. Acesso em: 9 fev. 2021. 1.4.2.6 Som (ruído) Observações epidemiológicas indicam que uma pessoa submetida a ruídos intensos (no ambiente de trabalho, em casa, nas ruas) apresenta distúrbios de audição caracterizados por perda progressiva da capacidade de distinguir sons de frequência mais alta. Admite-se que ruídos muito altos induzam a lesões nas células ciliadas do órgão de Corti, responsáveis pela acuidade auditiva. É notório que indivíduos idosos da zona rural tenham audição mais conservada do que os de grandes centros urbanos, onde o nível de ruídos é maior. Membrana tectorial Células ciliadas internas Estereocílios Células ciliadas externas Membrana basilar Célula de suporte Célula de Deiter Nervo auditivo Túnel Célula pilar Nervo Figura 2 – Estrutura do ouvido interno O ultrassom, gerado pela transformação de energia elétrica em ondas sonoras com frequência acima de 20.000 Hz, é muito utilizado no diagnóstico por imagens (ultrassonografia). Até o momento não há relatos de efeitos deletérios decorrentes da ultrassonografia, inclusive na vida embrionária. 22 Unidade I 1.4.3 Agentes químicos Quer sejam substâncias tóxicas, quer sejam medicamentos, ambos podem provocar lesões a partir de dois mecanismos distintos: • Ação direta sobre células ou interstício, mediante transformações moleculares que resultam em degeneração ou morte celular, alterações do interstício ou modificações no genoma, induzindo transformação maligna (efeito carcinogênico). Quando atuam na vida intrauterina, podem induzir a erros do desenvolvimento (efeito teratogênico). • Ação indireta, atuando como antígeno (o que é muito raro), induzindo resposta imunitária humoral ou celular responsável pelo aparecimento de lesões. Seja um medicamento, seja uma substância tóxica, o efeito do agente químico depende de vários fatores: dose, vias de penetração e absorção, transporte, armazenamento, metabolização e excreção; depende também de particularidades do indivíduo: idade, gênero, estado de saúde, momento fisiológico e constituição genética. As substâncias químicas capazes de danificar as células estão no ar, por toda parte do ambiente. Algumas das substâncias mais prejudiciais existentes são gases como o monóxido de carbono, os inseticidas e os metais pesados como o chumbo. Muitas drogas, como o álcool, os medicamentos e seus excessos e as drogas ilícitas são capazes de danificar os tecidos, direta ou indiretamente. O álcool etílico danifica a mucosa gástrica, o fígado, o feto em desenvolvimento e outros órgãos. As drogas antineoplásicas (anticâncer) e imunossupressoras podem danificar diretamente as células. Outras drogas produzem produtos finais metabólicos tóxicos às células. O acetaminofeno, droga analgésica bastante usada, é detoxificado no fígado, onde pequenas quantidades da droga são convertidas em metabólitos altamente tóxicos. Esse metabólito é detoxificado por uma via metabólica que se utiliza de uma substância (por exemplo, glutationa) normalmente presente no fígado. Quando grandes quantidades da droga são ingeridas, essa via é superada e os metabólitos tóxicos se acumulam, causando intensa necrose hepática. 1.4.4 Herança genética Herança genética ou biológica é o processo pelo qual um organismo ou uma célula adquire ou se torna predisposto a adquirir características semelhantes à do organismo ou célula que o gerou, por meio de informações codificadas (código genético) que são transmitidas à descendência. A combinação entre os códigos genéticos dos progenitores (em espécies sexuadas) e os erros (mutações) na transmissão desses códigos são responsáveis pela variação biológica que, sob a ação da seleção natural, permite a evolução das espécies. A ciência que estuda essa herança é a genética. As doenças genéticas são aquelas que envolvem alterações no material genético, ou seja, no DNA. Algumas delas podem possuir o caráter hereditário, sendo repassadas de pais para filhos. Entretanto nem toda doença genética é hereditária. Um exemplo é o câncer, ele é causado por alterações no material genético, podendo ser transmitido aos descendentes. 23 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS Existem três tipos de doenças genéticas: • monogenéticas ou mendelianas: quando apenas um gene é modificado; • multifatorial ou poligênicas: quando mais de um gene é atingido e ocorre ainda a interferência dos fatores ambientais; • cromossômicas: quando os cromossomos sofrem modificações em sua estrutura e número. As doenças de origem genéticas mais comuns no Brasil são a síndrome de Down, a anemia falciforme, o diabetes, o câncer e o daltonismo. 1.4.5 Desequilíbrio nutricional São considerados o estado nutricional geral as condições alimentares individuais, ou seja, o tipo de alimento ingerido, a qualidade, a quantidade e os intervalos de tempo entre uma refeição e outra. De forma geral o estado nutricional é diretamente influenciado pela ingestão de alimentos e o consumo de energia fornecida por estes. Assim, considera-se um estado nutricional desequilibrado quando há diminuição ou ausência da ingestão de um ou mais dos diversos grupos alimentares e o gasto energético que de alguma forma se mostra comprometido. Considera-se adequada a ingestão alimentar quando esta corresponde às necessidades nutricionais individuais equivalentes ao consumo energético. As necessidades individuais devem levar em consideração fatores como fase da vida (fase de crescimento ou gestação, por exemplo); prática de atividades físicas regulares (o que altera o consumo de energia – metabolismo basal) e a presença de doenças crônicas ou agudas. O corpo precisa de mais de sessenta substâncias orgânicas e inorgânicas em quantidades que variam de microgramas a gramas. Esses nutrientes consistem em minerais, vitaminas, alguns ácidos graxos e aminoácidos específicos. As deficiências dietéticas podem ocorrer sob a forma de inanição, na qual há deficiência de todos os nutrientes e vitaminas, ou por deficiência seletiva de um único nutriente ou vitamina. A anemia por deficiência de ferro, o escorbuto, o beribéri e a pelagra podem causar lesões pela falta de vitaminas específicas ou minerais. Os excessos e as deficiências nutricionais predispõem a uma série de alterações metabólicas que podem causar direta ou indiretamente diferentes tipos de lesões celulares. Tendo em mente que um estado nutricional balanceado é aquele em que a ingestão de alimentos se equipara ao consumo energético proveniente deste, pode-sepresumir que, quando houver um desequilíbrio nutricional, uma série de doenças ou de fatores que predispõem a doenças se faz presente. Uma das doenças que apresentam alto risco à saúde de maneira ampla é a obesidade, patologia que vem se disseminando de forma alarmante e que coloca todo o organismo em um estado de predisposição a outras doenças crônicas que abrangem todos os órgãos e sistemas. 24 Unidade I Condições especiais (ex.: doença, febre, estresse)Fatores sociais e culturais Manutenção das necessidades corporais Fatores físicos (ex.: doenças, má-absorção) Fatores emocionais Desenvolvimento e crescimento Fatores econômicos Necessidade de nutrientes Ingestão de nutrientes Figura 3 – Equilíbrio nutricional e ingesta de alimentos 1.4.5.1 Calorias, macronutrientes e micronutrientes A definição de caloria está relacionada a uma representação métrica (unidade de calor) gerada por certos nutrientes quando sofre a ação da digestão e somente assim é utilizada como fonte de energia para o funcionamento fisiológico do corpo. Cada tipo de nutriente fornece variadas quantidades de unidades calóricas, e quanto maior a diversidade de nutrientes nos alimentos, maior e melhor será seu aproveitamento pelo organismo como energia, estrutura e manutenção do funcionamento do corpo. A obtenção de calorias se dá, então, pela ingestão de nutriente que são divididos em macronutrientes, micronutrientes e vitaminas. Os macronutrientes são considerados os maiores fornecedores de energia e representados pelos carboidratos, proteínas e lipídeos. Os carboidratos ou glicídios são a principal fonte de fornecimento de energia utilizada para manutenção das atividades vitais. Geralmente recomenda-se que a ingestão desse tipo de macronutriente seja de aproximadamente 50% a 60% do total diário de calorias ingeridas. A partir da década de 1970, o surgimento de técnicas avançadas de cromatografia, eletroforese e espectrometria permitiu ampliar a compreensão das funções dos carboidratos. Hoje, sabe-se que os carboidratos participam da sinalização entre células e da interação entre outras moléculas, ações biológicas essenciais para a vida. Além disso, sua estrutura química se revelou mais variável e diversificada do que a das proteínas e dos ácidos nucleicos. Os carboidratos são formados fundamentalmente por moléculas de carbono (C), hidrogênio (H) e oxigênio (O), por isso recebem a denominação hidratos de carbono. Alguns carboidratos podem possuir outros tipos de átomos em suas moléculas, como é o caso da quitina, que é composta de átomos de nitrogênio em sua fórmula. Classificação dos carboidratos De acordo com a quantidade de átomos de carbono em suas moléculas, os carboidratos podem ser divididos em monossacarídeos, dissacarídeos e polissacarídeos. 25 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS Os monossacarídeos, também chamados de açúcares simples, consistem em uma única unidade cetônica. O mais abundante é o açúcar de seis carbonos D-glucose, monossacarídeo fundamental do qual muitos são derivados. A D-glucose é o principal combustível para a maioria dos organismos e o monômero primário básico dos polissacarídeos mais abundantes, tais como o amido e a celulose. São os carboidratos mais simples, dos quais derivam todas as outras classes. Quimicamente, são poli-hidroxialdeídos (aldoses), ou poli-hidroxicetonas (cetoses), sendo os mais simples monossacarídeos compostos de no mínimo três carbonos: o gliceraldeído e a di-hidroxicetona. Com exceção da di-hidroxicetona, todos os outros monossacarídeos, e por extensão todos os outros carboidratos, possuem centros de assimetria e fazem isomeria ótica. A classificação dos monossacarídeos também pode ser baseada no número de carbonos de suas moléculas; assim, as trioses são os monossacarídeos mais simples, seguidos das tetroses, pentoses, hexoses e heptoses. As hexoses mais importantes são a glicose, a galactose, a manose e a frutose. OHH C2 OHH C4 C6H2OH O H C1 HHO C3 OHH C5 Figura 4 – Estrutura química da D-glucose São carboidratos glicosídeos os dissacarídeos, pois são formados a partir de dois monossacarídeos por meio de ligações especiais denominadas glicólicas. Esta ligação se dá entre o carbono anomérico de um monossacarídeo e qualquer outro carbono do monossacarídeo próximo, por meio de suas hidroxilas e com a saída de uma molécula de água. Também podem ser formados pela ligação de um carboidrato a uma estrutura não carboidrato, como uma proteína. Os principais dissacarídeos incluem a sacarose, a lactose e a maltose. Os polissacarídeos são carboidratos complexos, macromoléculas formadas por milhares de unidades monossacarídicas ligadas entre si por ligações glicosídicas, unidas em longas cadeias lineares ou ramificadas. Os polissacarídeos possuem duas funções biológicas principais, como forma armazenadora de combustível e como elementos estruturais. Os polissacarídeos mais importantes são os formados pela polimerização da glicose, em número de três e incluem o amido, o glicogênio e a celulose. 26 Unidade I O amido é o polissacarídeo de reserva da célula vegetal, formado por moléculas de glicose por meio de numerosas ligações entre si, α (1,4) e poucas ligações (1,6), ou “pontos de ramificação” da cadeia. Sua molécula é muito linear, e forma hélice em solução aquosa. Função dos carboidratos no organismo Os carboidratos são a principal fonte de energia do organismo, a qual deve ser suprida regularmente e em intervalos frequentes de modo a satisfazer as necessidades energéticas do organismo. Em um homem adulto, 300 g de carboidratos são armazenados no fígado e nos músculos na forma de glicogênio e 10 g estão em forma de açúcar circulante. Essa quantidade total de glicose é suficiente apenas para meio dia de atividade moderada, por isso os carboidratos devem ser ingeridos a intervalos regulares e de maneira moderada. Cada grama de carboidrato fornece 4 Kcal, independentemente de sua fonte (monossacarídeos, dissacarídeos ou polissacarídeos). Os carboidratos regulam o metabolismo proteico, poupando proteínas. Uma quantidade suficiente de carboidratos impede que as proteínas sejam utilizadas para a produção de energia, mantendo-se em sua função de construção de tecidos. A quantidade de carboidratos da dieta determina como as gorduras serão utilizadas para suprir uma fonte de energia imediata. Se não houver glicose disponível para a utilização das células (jejum ou dietas restritivas), os lipídeos serão oxidados, formando uma quantidade excessiva de cetonas, que poderão causar acidose metabólica, podendo levar ao coma e à morte. Os carboidratos são necessários para o funcionamento normal do sistema nervoso central. O cérebro não armazena glicose, então necessita de suprimento de glicose sanguínea. Sua ausência pode causar danos irreversíveis ao cérebro. A celulose e outros carboidratos indigeríveis auxiliam na eliminação do bolo fecal, estimulam os movimentos peristálticos do trato gastrointestinal e absorvem água para dar massa ao conteúdo intestinal. Os carboidratos apresentam função estrutural nas membranas plasmáticas das células. Proteínas (estrutura e função) Aminoácidos Os aminoácidos e as proteínas são os integrantes das primeiras formas de vida organizada. Houve uma combinação nos primórdios da História entre nucleotídeos e nucleosídeos dando origem a estruturas estáveis capazes de cumprir as funções básicas da vida. Atualmente, sabe-se que a principal fonte de aminoácidos é proveniente da ingestão de proteínas que, após sofrerem ações digestórias e metabólicas, fornecem o suficiente para a manutenção de todas as funções para as quais estas são necessárias. Assim, consideramos os aminoácidos como as menores estruturas provenientes da degradação proteica. Geralmente são compostos por C, N, H e O, sendo que alguns tipos específicos apresentam em suas composições enxofre (S). Entre as diversas funções que esses compostos apresentam,estão a 27 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS constituição de proteínas, hormônios e neurotransmissores. A estrutura básica dos aminoácidos pode ser vista na figura a seguir. Grupo RH H H O C S Carbono α Grupo amina Figura 5 – Molécula de aminoácido demonstrando o grupo amina, cadeia lateral R A estrutura geral dos aminoácidos contém um grupo amina (NH2) e um grupo carboxila (-COOH) unidos a um carbono α que os conecta à cadeia lateral (R), que, de fato, determina a “identidade” do aminoácido. Existem 20 tipos diferentes de aminoácidos encontrados na natureza, porém apenas 10 são considerados essenciais para o homem e são exclusivamente obtidos mediante a dieta. São eles: isoleucina, leucina, lisina, metionina, fenilalanina, treonina, triptofano, valina, histidina e arginina. Grupo amina Ácido carboxílicoH2N CH C R O O H Figura 6 – Fórmula geral dos aminoácidos indicando os grupos carboxila e amina Existem 20 aminoácidos principais denominados aminoácidos primários. Cada um tem um tipo de comportamento, e cada sequência de aminoácidos pode sintetizar uma proteína diferente. Um gene pode codificar uma ou várias proteínas (splicing alternativo). Uma mesma proteína pode ser codificada por mais de um gene. Além de DNA codificador, existe o DNA não codificador, o qual tem função incerta, porém alguns cientistas acreditam que possua função estrutural ou reguladora. Os 20 aminoácidos são formados por três nucleotídeos. Existem 64 códons diferentes para codificar um aminoácido. O processo que extrai o gene do DNA e o transforma em proteína ocorre da seguinte maneira: o RNA mensageiro (mRNA) é transcrito a partir do DNA, a diferença entre DNA e RNA é que o DNA possui fita dupla e timina, enquanto o RNA possui fita simples e a timina dá lugar à uracila (U); o RNA mensageiro sai do núcleo e vai ao encontro dos ribossomos (codificantes de proteínas) que possuem o RNA ribossômico (rRNA); nos ribossomos, o RNA será lido gerando proteína. Esse processo, realizado pelo RNA transportador (tRNA), é conhecido como tradução. 28 Unidade I Os aminoácidos são classificados de acordo com os seguintes critérios: Classificação nutricional • Aminoácidos não essenciais: também são conhecidos como dispensáveis sob o aspecto nutricional, pois o corpo é capaz de sintetizar esse tipo de aminoácido. Ex.: ácido aspártico e ácido glutâmico. • Aminoácidos essenciais: são considerados os mais importantes sob o ponto de vista nutricional, pois é uma classe de aminoácidos não sintetizados pelo organismo, sendo a dieta sua única fonte. Fazem parte das principais funções bioquímicas do organismo. Ex.: fenilalanina, metionina, isoleucina, leucina, triptofano, valina e lisina. • Aminoácidos essenciais específicos: são aminoácidos que, em condições normais, são sintetizados pelo corpo, porém, em algumas patologias específicas, este se torna incapaz de os sintetizar, tornando necessária a ingestão pela dieta ou até medicamentosa. Ex.: arginina, glicina e cisteína. Quadro 2 – Classificação dos aminoácidos de acordo com a necessidade nutricional Aminoácidos nutricionalmente essenciais Aminoácidos nutricionalmente não essenciais Nome Símbolo Nome Símbolo Arginina Arg Alanina Ala Histidina His Asparagina Asn Fenilalanina Phe Aspartato/ácido aspártico Asp Isoleucina Ile Cisteína Cys Leucina Leu Glutamato/ácido glutâmico Glu Lisina Lys Glutamina Gln Metionina Met Glicina Gly Treonina Thr Prolina Pro Triptofano Trp Serina Ser Valina Val Tirosina Tyr Adaptado de: Galante et al. (2012, p. 136). Classificação estrutural (relacionada às cadeias laterais) • Aminoácidos com cadeia R apolar: podem apresentar em suas cadeias laterais um grupo hidrocarboneto alifático (alanina, valina, leucina). • Aminoácidos com cadeia R polar neutra: possuem cadeia lateral de caráter eletricamente neutro em pH neutro, em alguns exemplos deste grupo (serina, treonina), sua cadeia polar é uma hidroxila (-OH) ligada a hidrocarbonetos alifáticos. 29 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS • Aminoácidos com cadeia R polar ácida: esta classe possui uma carboxila (-COOH) em sua cadeia lateral. Ex.: ácido glutâmico e ácido aspártico. • Aminoácidos com cadeia R polar básica: possuem carga eletricamente positiva em pH neutro. Ex.: histidina, lisina e arginina. H H H H H H H H H H H H H H H H H H H H C C C C C C C C C C C CC C C C C C C N N N N N N N N N H H H H H H H H O O O O OH2N O O O O O O N H HO HO HO HO HO HO HO HO HO OH OH CH CH2 CH2CH CH CH2 H CH3 CH3 CH3 H3C H3C H3C Alanina Valina Leucina Isoleucina Glicina Serina Tirosina Histidina Asparagina Lisina Cisteína Ácido glutâmico Treonina Ácido aspártico Glutamina Arginina Prolina Metionina Fenilalanina Triptofano H H H HH H H H H H H H C C C CC C C CN N N N O O OO O O HO HO OH OH HO HO HN CH2 CH2 NH2 H2N CH2 CH2 CH2 CH2CH2 CH2 CH2 CH2 CH2CH2 CH2 CH2CH2 CC CH2 OO H2NNH2HOHO NH HOHO HO HO HO CC C C CCC C C C C C C N N NN N N N HH H H H HH H H H H H H HH H H HOO O O O NH C CH3 S CH3 CH CH2 CH2 CH3HO SH Aminoácidos apolares Aminoácidos polares Aminoácidos ácidos Aminoácidos básicos Figura 7 – Classificação dos aminoácidos em polares, apolares, ácidos e bases Classificação de acordo com o produto de degradação Como todos os compostos, os aminoácidos também sofrem processo de degradação levando à formação de resíduos, e, dependendo do tipo de aminoácido, esse resíduo deverá ser excretado ou reaproveitado. Os resíduos tóxicos gerados a partir da degradação dos aminoácidos são conhecidos como corpos cetônicos, já os resíduos reaproveitados costumam ser na forma de piruvato, fumarato e outros, conhecidos como glicogênios, os quais participam de processos como a glicogenólise – formação de glicose em estados de jejum prolongado. 30 Unidade I Degradação e excreção de aminoácidos O processo de síntese de proteína acontece de forma dinâmica utilizando e reutilizando os aminoácidos constantemente, assim como a quebra dessas proteínas (proteólise) de acordo com a necessidade, dando origem à presença de aminoácidos livres que não são armazenados em forma de estoque, ou seja, o organismo apenas mantém o que é necessário, excretando o excedente. O grupo amina (NH3) de um aminoácido quando sobra degradação, libera o nitrogênio que é convertido na forma de ureia (CH4N2O) e representa a forma mais significativa de excreção deste metabólito. O restante da cadeia acaba sendo reaproveitado para usos energéticos. O processo de degradação dos aminoácidos envolve três fases: transaminação, desaminação oxidativa e ciclo da ureia. • Transaminação: nesta fase ocorre a transferência do grupo amina para um cetoácido (ka). Como dito anteriormente, dependendo do tipo de aminoácido em questão, é nessa fase que ocorre a formação dos corpos cetônicos, em que há atividade enzimática representada pelas transferases ou aminotransferases (tema abordado com mais detalhes adiante). • Desaminação oxidativa: o termo desaminação significa, grosso modo, eliminar uma amina. Nesse processo, a amina do aminoácido é liberada em forma de amônia (NH3 +) também por meio de atividade enzimática. Nesse caso, as enzimas fazem parte da classe das desidrogenases. • Ciclo da ureia: a ureia é o composto nitrogenado mais abundante encontrado na urina, pois é altamente hidrossolúvel. O ciclo de formação da ureia é complexo e envolve inúmeras etapas, metabólitos e enzimas. Importância biológica dos aminoácidos Os aminoácidos participam de praticamente todas as funções vitais originando as proteínas que possuem importância biológica incontestável, tanto do ponto de vista microscópico quanto macroscópico. Sendo assim, podemos citar alguns deles e suas funções biológicas a fim de obter a real compreensão da relevância desses compostos. Quadro 3 – Exemplos de alguns aminoácidos e suasfunções biológicas Aminoácido Função biológica Triptofano Envolvido na síntese de serotonina, um importante neurotransmissor Lisina Proteína transportadora ligada a absorção de cálcio Fenilalanina Base para formação de neurotransmissores Arginina Faz parte da estrutura de anticorpos e outras células de defesa Histidina Presente na molécula de hemoglobina responsável pelo transporte de oxigênio pelo sangue Alanina Manutenção do tecido muscular, formação de anticorpos e metabolismo de carboidratos Adaptado de: Galante et al. (2012, p. 138-139). 31 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS Proteínas globulares e fibrosas As proteínas são macromoléculas biológicas formadas por sequências específicas de aminoácidos essenciais para a vida. A palavra proteína se origina do grego (primeiro). Além disso, elas podem unir-se a outras moléculas, como carboidratos (glicoproteínas), lipídeos (lipoproteínas) ou até mesmo a outras cadeias de aminoácidos, formando dímeros, trímeros ou tetrâmetros. Existem, ainda, grupos não proteicos que podem ser unidos à estrutura da proteína (grupos prostéticos). A hemoglobina, por exemplo, é um tetrâmetro com um grupo prostético heme, importante para a ligação do oxigênio. Esse tetrâmetro se concentra principalmente dentro das células vermelhas do sangue, sendo responsável por conduzir o oxigênio proveniente da respiração até os órgãos e tecidos. Um grupo especial de proteínas são as enzimas que, por definição, são as proteínas com a capacidade de catalisar reações químicas. É por meio de várias enzimas que o alimento ingerido “se transforma” em energia. No interesse diagnóstico, as proteínas e as enzimas são utilizadas como marcadores da situação metabólica. São consideradas substâncias sólidas, incolores e têm solubilidade variável de acordo com a solução e a própria conformação da molécula de proteína. Algumas das principais funções das proteínas podem ser demonstradas na figura a seguir. Nucleoproteínas Proteínas Membrana Reserva Estruturais Transporte Anticorpos Enzimas Hormonais Motoras Figura 8 – Funções biológicas das proteínas Sendo as proteínas uma sequência específica de aminoácidos ligados entre si, atribui-se a essa ligação o nome de ligação peptídica. A ligação entre um aminoácido e outro acontece entre o grupo carboxila (COO-) de um e o grupo amina (NH3) do outro (figura 9). Essa ligação sempre gera como resíduo uma molécula de água. H3N + H2O H3N +N+ H H Cα Cα CαCα H H H R2 R1 R2H Ligação peptídica R1 H C C CN OC O O OO O- OH Figura 9 – Demonstração de uma ligação peptídica 32 Unidade I Nos seres humanos, a organela celular responsável por capturar e unir esses aminoácidos de maneira específica e eficiente são os ribossomos presentes no retículo endoplasmático rugoso (RER), sendo um processo extremamente complexo que demanda a interação de material nucleico (DNA e RNA) e enzimas específicas. Quando ocorre a ligação entre 2 até 40 aminoácidos, o produto dessa ligação recebe o nome de peptídeo (monômero), e devido à característica intrínseca dessa molécula de gerar polímeros (união espontânea e em sequência de várias moléculas quimicamente semelhantes), estes vão se unindo formando polipeptídeos (polímeros) e somente quando há formação de cadeias polipeptídicas atribuímos a estas o nome de proteínas. A) B) Figura 10 – Demonstração da união entre um peptídeo (A), e a formação de um polipeptídeo (B) Os peptídeos são classificados de acordo com o número de aminoácidos unidos entre si. • Dipeptídeo: ligação de apenas 2 aminoácidos unidos por uma ligação peptídica. • Tripeptídeo: ligação de 3 aminoácidos unidos por ligações peptídicas. • Oligopeptídeos: polímero contendo de 4 a 40 aminoácidos unidos por ligações peptídicas. • Polipeptídeos: polímero contendo mais de 40 aminoácidos unidos por ligações peptídicas. As proteínas são classificadas de acordo com sua estrutura molecular em proteínas de estrutura primária, secundária, terciária e quaternária. • Proteína de estrutura primária: representa uma ligação linear de aminoácidos. • Proteína de estrutura secundária: pode-se dizer que essa estrutura é formada por duas moléculas de estrutura primária unidas entre si por pontes de hidrogênio. Essa conformação dá origem a dois tipos de estruturas, as α-hélice e β-hélice. 33 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS • Proteína de estrutura terciária: é a classe de proteínas formadas pelo “enovelamento” de polímeros de proteínas secundárias. • Proteína de estrutura quaternária: é a forma mais complexa e também a mais encontrada no organismo. Consiste em uma união de cadeias proteicas de estrutura terciária unidas por força iônica e pontes de hidrogênio. As proteínas podem ser distribuídas de acordo com as suas funções: • Enzimas: proteínas especializadas que catalisam a formação de um produto a partir de um substrato. Ex.: sacarase, amilase. • Proteínas transportadoras: se ligam a certos componentes carreando-os até seus destinos. Podem transportar hormônios, vitaminas, oxigênio ou lipídios. Ex.: hemoglobina, apoproteínas. • Proteínas de defesa: as imunoglobulinas são proteínas capazes de reconhecer e de neutralizar as estruturas estranhas ao organismo. • Fibrinogênio e trombina: são proteínas que atuam na coagulação sanguínea. • Proteínas estruturais: são capazes de dar sustentação ou suporte às estruturas biológicas. Ex.: queratina, colágeno, elastina. • Proteínas reguladoras: os hormônios são um grupo especial de proteínas que regulam várias atividades metabólicas. Ex.: insulina e glucagon. • Proteínas de armazenamento: a ferritina, responsável por armazenar ferro em sua estrutura. • Proteínas de motilidade: atuam na movimentação das células ou contração produzindo um movimento, como no caso da actina e miosina, na contração muscular. • Proteínas globulares: formadas por cadeias polipeptídicas que originam um formato esférico. São hidrossolúveis e formadoras de algumas enzimas, moléculas transportadoras, como a hemoglobina que transporta oxigênio no sangue, anticorpos e outras. • Proteínas fibrosas: formadas geralmente pela associação de moléculas de estrutura secundária e terciária e têm funções biológicas relacionadas a estruturas como o colágeno e a queratina, por exemplo. São insolúveis em água e têm um formato alongado e fibroso. Um exemplo de proteínas fibrosas são as alfa-queratinas ricas em aminoácidos hidrofóbicos. As alfa-queratinas são produzidas pelas células epiteliais de vertebrados e os principais constituintes da pele e estruturas relacionadas, como cabelos, unhas, chifres, cascos, bicos e penas. 34 Unidade I • Proteínas plasmáticas: o sangue total é composto de plasma (70% água), células vermelhas (eritrócitos ou hemácias), células brancas (leucócitos) e proteínas circulantes, sendo que a albumina representa cerca de 60% de todas as proteínas plasmáticas. O restante se divide entre as globulinas, fatores de coagulação e fibrinogênio (que também é um fator de coagulação, porém com função diferenciada quando comparado aos outros de sua categoria). • Albumina: proteína hidrossolúvel, pouco solúvel em soluções salinas e sofre intensa desnaturação com calor. É sintetizada no fígado (hepatócitos) e possui inúmeras funções: — transporte de íons, hormônios, ácidos graxos, medicamentos; — atuante na coagulação sanguínea; — manutenção da pressão intravascular; — equilíbrio ácido-base; — efeito antioxidante. • Globulinas: proteínas insolúveis em água, porém solúveis em soluções salinas, ácidas ou básicas. Quando expostas ao calor sofrem o processo de coagulação. São divididas em globulina – α1, globulina – α2, β-globulina e γ– globulina. Essa última classe, as gamaglobulinas, são conhecidas também como imunoglobulinas (anticorpos) e possuem cinco classes (IgG, IgM, IgE, IgA e IgD). Com exceção das imunoglobulinas que são produzidas pelos linfócitos B (plasmócitos), as outras classes também são produzidas
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