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115 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS Unidade II 5 FISIOPATOLOGIA DOS DISTÚRBIOS DO SISTEMA DIGESTÓRIO No sistema digestório, o alimento é decomposto e seus nutrientes, absorvidos. Os produtos resultantes do processo de degradação são coletados e eliminados, ocorre a síntese de vitaminas e são produzidas inúmeras enzimas. O trato gastrintestinal (GI) também está sendo cada vez mais reconhecido como um órgão endócrino que produz e acrescenta hormônios, os quais contribuem para a regulação do apetite e a ingestão de nutrientes, além de atuarem no uso e armazenamento desses nutrientes. As principais funções fisiológicas do sistema GI consistem em digerir o alimento e absorver os nutrientes pela corrente sanguínea. O sistema GI executa essas funções pelos processos de motilidade, secreção, digestão e absorção. No trato digestório, o alimento e outros materiais movem-se lentamente ao longo de sua extensão, à medida que são sistematicamente degradados a íons e moléculas que podem ser absorvidos pelo organismo. No intestino grosso, os nutrientes não absorvidos e os produtos de degradação são coletados para eliminação posterior. Do ponto de vista estrutural, o trato GI é um tubo longo e oco, cujo lúmen é uma extensão do meio externo. Os nutrientes só se tornam parte do meio interno depois de terem atravessado a parede intestinal e penetrado no sangue ou nos canais linfáticos. Para melhor entendimento, separa-se o sistema digestório em três partes ou porções, a saber: porção superior formada pela boca, pelo esôfago e pelo estômago e que atua como local de ingestão, passagem e processos digestórios iniciais; porção média, na qual se encontram o duodeno, o jejuno e o íleo, sendo essa porção o local onde ocorre a maior parte dos processos de digestão e absorção; e na porção inferior situam-se o ceco, o cólon e o reto, que atuam como canais de armazenamento para a eliminação eficiente dos produtos de excreção. Os órgãos acessórios, incluem as glândulas salivares, o fígado e o pâncreas e são responsáveis por auxiliar no processo de digestão, por meio da produção de inúmeras enzimas, secreções Vale ressaltar que as doenças do sistema GI aparecem tipicamente como queixas muitas vezes inespecíficas, e o mesmo paciente pode vir a apresentar vários problemas associados ao GI de forma simultânea, como anorexia, constipação, diarreia, disfagia (dificuldade para deglutir), icterícia, náuseas e vômitos. Para melhor entendimento, inicialmente discutiremos as principais patologias que afetam o trato gastrintestinal, e na sequência abordaremos as características gerais e as principais patologias que envolvem os órgãos acessórios. 116 Unidade II Boca Reto Apêndice vermiforme Ceco Jejuno Cólon ascendente Vesícula biliar Cólon transverso Íleo Baço Cólon sigmoide Pâncreas Cólon descendente Estômago Glândula parótida Faringe Glândula sublingual Epiglote Fígado Esôfago Glândula submandibular Duodeno Figura 62 – Representação do sistema digestório e órgão associados 5.1 Distúrbios da boca e do esôfago O esôfago é um tubo muscular oco, altamente distensível, que se estende da epiglote, na faringe, até a junção gastroesofágica. As doenças do esôfago podem variar desde “azias” persistentes, que podem ser crônicas e incapacitantes ou meramente um incômodo ocasional, até cânceres altamente letais. Os distúrbios funcionais do esôfago mais importantes são causados por contração esofagiana anormal (hipermotilidade ou hipomotilidade, coordenação desordenada) ou insuficiência dos mecanismos protetores para enfrentar o refluxo (doença do refluxo gastroesofagiano). 5.1.1 Obstrução esofágica e acalásia Para que alimentos e fluidos sejam transportados de forma eficiente do esôfago até o estômago, a deglutição deve ser acompanhada por uma onda coordenada de contrações peristálticas. A imobilidade esofágica interfere nesse processo e pode tomar diversas formas determinando um processo de obstrução esofagiana. 117 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS Os espasmos esofágicos difusos podem resultar em obstrução e estresse da parede esofágica, levando à formação de pequenos divertículos (bolsas de mucosa). A passagem de comida também pode ser impedida pela estenose esofágica, ou estreitamento do lúmen. Isso geralmente é causado pelo espessamento fibroso da submucosa e está associado à atrofia da musculatura própria, assim como a danos epiteliais secundários. Embora ocasionalmente congênita, a estenose é, muitas vezes, decorrente de inflamação e cicatrização, que podem ser causadas por refluxo gastroesofágico crônico, irradiação ou injúrias cáusticas. A acalásia primária é causada pela falha dos neurônios inibitórios esofágicos distais e é, por definição, idiopática. Em suma, a liberação de óxido nítrico e polipeptídeos intestinais vasoativos dos neurônios inibitórios, junto à interrupção da sinalização colinérgica normal levam a um aumento do tônus do esfíncter esofágico inferior (EEI) como resultado do relaxamento prejudicado do músculo liso, uma causa importante da obstrução esofágica. A acalásia secundária pode surgir na doença de Chagas. Nesses casos, a injeção de neurotoxina botulínica (Botox®), para inibir os neurônios colinérgicos do EEI, também pode ser efetiva. 5.1.2 Esofagite Entende-se por esofagite o processo inflamatório multifatorial que atinge o esôfago de forma direta e compromete sobretudo a deglutição e o transporte do alimento até o estômago. São inúmeros os processos associados à esofagite, entre os quais destacam-se as lacerações, esofagite química e infecciosa, esofagite por refluxo, esôfago de Barret e varizes esofágicas. As dilacerações longitudinais no esôfago próximo à junção gastroesofágica são denominadas dilacerações de Mallory-Weiss e estão mais frequentemente associadas a ânsias e vômitos graves secundários à intoxicação aguda por álcool. Essas lacerações normalmente atravessam a junção gastroesofágica, e adicionalmente também podem se localizar na mucosa gástrica proximal. Estima-se que mais de 10% dos sangramentos do trato gastrointestinal superior, resultam de lacerações esofágicas superficiais, tais como aquelas associadas à síndrome de Mallory-Weiss. A esofagite decorrente de injúrias químicas, como as associadas a álcool, ácidos e álcalis corrosivos, fluidos excessivamente quentes e fumo intensivo ou até mesmo por pílulas medicinais as quais se dissolvem no esôfago antes de chegarem até o estômago geralmente causam somente dor autolimitante, particularmente disfagia (dor com a deglutição). Em casos mais graves, pode ocorrer o aparecimento de hemorragias, estrangulamentos ou perfurações, denominando-se tais quadros de esofagite química. As esofagites infecciosas são mais comumente observadas em indivíduos imunocomprometidos, ou debilitados por alguma doença de base, como nos casos de terapia contra o câncer, no entanto podem eventualmente atingir nesses pacientes, frequentemente causando infecção esofágica pelos vírus do herpes simples, citomegalovírus (CMV) ou organismos fúngicos. A morfologia das esofagites químicas e infecciosas varia conforme a etiologia. É característica desses quadros a presença de grande infiltrado neutrofílico, porém, quando provocadas por substâncias químicas específicas, podem estar ausentes, acarretando em necrose total da parede esofágica. 118 Unidade II Figura 63 – Esofagite viral; amostra pós-morte com múltiplas úlceras herpéticas no esôfago distal O refluxo de conteúdos gástricos no esôfago inferior é a causa mais frequente de esofagite, sendo o diagnóstico GI mais comum em pacientes ambulatoriais. A condição clínica associada é chamada doença do refluxo gastroesofágico (DRGE). Popularmente conhecida como azia, refere-se ao refluxo retrógrado do conteúdo gástrico ou duodenal ou até mesmo de ambos para o esôfago através do esfíncter esofagiano inferior (EEI).As causas mais comumente associadas a DRGE são a incontinência do esfíncter esofagiano inferior, aumento da pressão abdominal resultante da gravidez ou estados de obesidade mórbida, hérnia de hiato, etilismo e tabagismo. Normalmente o EEI mantém pressão suficiente na porção final do esôfago a fim de impedir o retorno do material deglutido, no entanto, na DRGE, o esfíncter permanece aberto pela falta da pressão do EEI, o que leva ao aumento da pressão retrógrada do estômago, empurrando seu conteúdo em direção ao esôfago. Dependendo da idade de início dos sintomas, o refluxo gastroesofágico (RGE) pode ter vários significados e cursos clínicos. Podem ser duas as formas de apresentação, a “da criança” e a “do adulto”. Na primeira, os sintomas aparecem nos primeiros meses de vida e melhoram até os 12 ou 24 meses de vida em 80% dos casos. A segunda pode ser prolongamento da primeira, ou aparecer mais tardiamente, tem sintomas persistentes e quase sempre necessita de tratamento. 119 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS Os sinais e sintomas incluem dor, queimação, na área epigástrica, sobretudo após a refeição e ao deitar-se, destacando-se de forma especial a sensação de gosto ácido ou amargo na garganta. O esôfago de Barrett é uma complicação da DRGE crônica, que é caracterizada por metaplasia intestinal dentro da mucosa escamosa esofágica. Sua incidência vem aumentando, e estima-se que ocorra em cerca de 10% dos indivíduos com DRGE sintomática. O esôfago de Barrett pode ser reconhecido por uma ou várias manchas vermelhas de mucosa aveludada se estendendo para cima a partir da junção gastroesofágica. Seu diagnóstico requer tanto evidências endoscópicas de mucosa anormal acima da junção gastroesofágica quanto da presença de metaplasia intestinal histologicamente documentada. Quando a displasia está presente, ela é classificada como de baixo grau ou de alto grau e carrega um risco significativo de progressão para carcinoma. As opções de tratamento incluem ressecção cirúrgica, ou esofagectomia, assim como novas modalidades, tais como terapia fotodinâmica, ablação por laser e mucosectomia endoscópica. A C B Figura 64 – Esôfago de Barrett: A) junção gastroesofágica normal; B) esôfago de Barrett; C) aparência histológica da junção gastroesofágica no esôfago de Barrett 120 Unidade II Saiba mais Você pode saber mais sobre a doença do refluxo gastroesofágico e suas consequências. Leia o artigo: NORTON, R. C.; PENNA, F. J. Refluxo gastroesofágico. Jornal de Pediatria, Rio de Janeiro, v. 76, s.2, p. s218-s223, 2000. Disponível em: https://bit.ly/3nzZjxR. Acesso em: 2 fev. 2021. As varizes esofágicas são outra patologia bastante importante decorrente sobretudo de hipertensão portal associada a pacientes com história de dano hepático por ação de álcool, drogas ou até mesmo processos infecciosos, como aqueles causados pelo vírus da hepatite C (HCV). A hipertensão portal resulta no aparecimento de canais colaterais nos locais onde os sistemas portal e caval se comunicam. Apesar de essas veias colaterais permitirem que ocorra alguma drenagem, elas acabam por favorecer o desenvolvimento de um conjunto venoso congestionado na camada subepitelial e submucosa do esôfago distal, as quais recebem o nome de varizes e se desenvolvem em cerca de 90% ou mais dos pacientes cirróticos. As varizes podem ser detectadas por exames específicos e revelam-se como veias dilatadas, tortuosas e localizadas, sobretudo na submucosa do esôfago distal e do estômago proximal. Embora sejam frequentemente assintomáticas, podem se romper, causando uma hematêmese massiva. Em qualquer caso, a hemorragia decorrente da ruptura das varizes é uma emergência médica que, entre vários métodos, pode ser tratada pela escleroterapia por injeção endoscópica de agentes trombóticos. 5.2 Distúrbios do estômago Os distúrbios do estômago são causa frequente de doenças clínicas, em que lesões inflamatórias e neoplásicas são particularmente comuns. O estômago é dividido em quatro regiões anatômicas principais: a cárdia, o fundo, o corpo e o antro. A cárdia e o antro são revestidos por células secretoras de mucina. As glândulas antrais são similares, mas também contêm células endócrinas, que liberam gastrina para estimular a secreção luminal de ácido pelas células parietais dentro do fundo e do corpo gástricos que produzem e secretam enzimas digestivas, tal como a pepsina. Entre os processos patológicos originados no estômago, atribui-se especial interesse às gastrites agudas e crônicas, bem como a úlcera péptica. 121 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS 5.2.1 Gastrite aguda e gastrite crônica A gastrite aguda é uma inflamação da mucosa transitória, a qual pode se estabelecer de forma assintomática ou até mesmo vir a causar graus variáveis de dor epigástrica, náusea e vômito. Em muitos casos graves pode haver erosão da mucosa, ulceração, hemorragia, hematêmese, melena, e, raramente, perda sanguínea massiva. O lúmen gástrico é fortemente ácido com um pH próximo de 1, mais que um milhão de vezes mais ácido do que o sangue. Esse ambiente favorece o processo digestório, no entanto pode ser responsável também por danificar a mucosa gástrica, apesar da existência de inúmeros fatores protetores da mucosa, entre os quais: • A mucina secretada pelas células foveolares que evita que partículas grandes de comida toquem diretamente o epitélio. • A camada de muco também promove a formação de uma camada “inerte” de fluido sobre o epitélio que protege a mucosa e tem pH neutro graças à secreção de bicarbonato pelas células epiteliais superficiais. • O rico suprimento vascular da mucosa gástrica libera oxigênio, bicarbonato e nutrientes enquanto remove o ácido que foi difundido de volta para a lâmina própria. A gastrite aguda ou crônica pode ocorrer como consequência do rompimento de um desses mecanismos protetores e são vários os fatores implicados diretamente no desenvolvimento da gastrite aguda, entre eles: • A síntese reduzida de mucina nos idosos. • As drogas anti-inflamatórias não esteroidais (DAINEs). • A lesão gástrica que ocorre nos pacientes urêmicos e naqueles infectados com H. pylori secretora de urease. • A ingestão de químicos agressivos. • A injúria celular direta também é implicada na gastrite em função de consumo excessivo de álcool além da radioterapia e quimioterapia para o tratamento de câncer. Sob o ponto de vista histológico, a gastrite aguda denominada leve ou branda pode ser de difícil diagnóstico, visto que a lâmina própria apresenta apenas edema moderado e congestão vascular leve. A superfície epitelial fica intacta, embora neutrófilos espalhados possam estar presentes entre as células epiteliais ou dentro das glândulas mucosas. 122 Unidade II A perda em parte do epitélio superficial pode acarretar processos erosivos e hemorrágicos a que se dá o nome de gastrite hemorrágica erosiva aguda. Em contraste à gastrite aguda, na gastrite crônica os sintomas associados são de menor intensidade, porém de maior duração e persistência. É comum aparecerem sinais de náusea e vômito condizendo com um quadro de desconforto abdominal superior, mas a hematêmese é incomum. A causa mais comum de gastrite crônica é a infecção com o bacilo Helicobacter pylori. A bactéria H. pylori pode ser encontrada nas fezes, na saliva e na placa bacterina dentária. Pode ser transmitida de pessoa para pessoa, especialmente se as infectadas pela bactéria não lavarem bem suas mãos após evacuarem. Uma vez que também podem transmitir as bactérias pelo beijo ou outro tipo de contato próximo, as infecções tendem a se concentrar em famílias e entre pessoas que vivem em asilos e outras instalações supervisionadas. A H. pylori se desenvolve na camada mucosa protetora do revestimento gástrico, local em que se encontra menos exposta aos sucos altamente ácidosproduzidos pelo estômago. Além disso, essa bactéria produz amoníaco, que ajuda a protegê-la do ácido gástrico e lhe permite romper e penetrar a camada mucosa. A doença se apresenta mais frequentemente como uma gastrite predominantemente antral com alta produção de ácido, com envolvimento ocasional da cárdia. O risco da úlcera duodenal é aumentado nesses pacientes. Em um subgrupo de pacientes, a gastrite progride para envolver o corpo gástrico e o fundo. A gravidade da doença também pode ser influenciada pela variação genética entre as linhagens de H. pylori. Normalmente a gastrite associada ao H. pylori se apresenta no antro, com infiltrado inflamatório constituído de neutrófilos e plasmócitos subepiteliais, podendo ser um fator importante para o aparecimento de pólipos hiperplásicos ou inflamatórios além de úlceras pépticas e adenocarcinoma. 5.2.2 Úlcera péptica As úlceras pépticas são descritas como lesões circunscritas da membrana mucosa que avançam para abaixo do epitélio, podendo projetar-se para a porção inferior do esôfago, estômago, piloro, duodeno e jejuno. A grande maioria das úlceras pépticas são duodenais e afetam a porção proximal do intestino delgado, ocorrendo mais frequentemente em homens na faixa etária de 30 a 50 anos de idade, associadas ao uso de drogas anti-inflamatórias não esteroidais, (NSAID) álcool e tabagismo. Os fatores causais mais comuns são a infecção pela bactéria H. pylori, uso de NSAID e distúrbios hipersecretórios patológicos. A presença da gastrite crônica pode contribuir para distinguir as úlceras pépticas da gastrite erosiva aguda ou das úlceras de estresse, já que a mucosa adjacente à úlcera é geralmente normal nas duas últimas condições. 123 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS As úlceras pépticas são quatro vezes mais comuns no duodeno proximal, como já mencionado, do que no estômago. As úlceras duodenais geralmente ocorrem a poucos centímetros da valva pilórica e envolvem a parede duodenal anterior. As úlceras pépticas gástricas são predominantemente localizadas junto à curvatura menor próxima à interface do corpo e do antro e são solitárias em mais de 80% dos pacientes. As úlceras pépticas são classicamente lesões crônicas recorrentes, com muito mais morbidade do que mortalidade, as quais, após um período de semanas a meses de doença ativa podem sofrer cicatrização com ou sem terapia A maioria das úlceras pépticas chama a atenção clínica em razão da queimação epigástrica ou dor forte, embora uma fração significativa apresente complicações como anemia por deficiência de ferro, hemorragia franca ou perfuração. A dor tende a ocorrer de uma a três horas após as refeições durante o dia, é pior à noite e é aliviada por álcalis ou certos alimentos. Entre os diversos exames que podem ser realizados a fim de se diagnosticar um quadro de úlcera péptica, destacam-se a pesquisa de sangue oculto nas fezes, os exames sorológicos para revelar a infecção, a contagem diferencial de leucócitos, o exame de ureia na respiração a fim de comprovar a atividade de H. pylori, a esofagogastroduodenoscopia, a qual permite a realização de exames citológicos e de biópsia confirmando a existência da úlcera, além de radiografia do trato GI, revelando alterações da mucosa. Figura 65 – Gastrite por Helicobacter pylori. Os H. pylori espiralados estão realçados nesta coloração argêntica de Warthin-Starry 5.3 Patologias do intestino delgado e cólon 5.3.1 Doença celíaca A doença celíaca é uma patologia manifesta pela ingestão de cereais à base de glúten, tais como trigo, centeio ou cevada, por indivíduos geneticamente predispostos. A doença acomete igualmente homens e mulheres, podendo apresentar má absorção ou sintomas atípicos, afetando 124 Unidade II quase todos os órgãos. Os pacientes que apresentam os sintomas clássicos da doença celíaca podem ser identificados pela presença de distensão abdominal, anorexia, diarreia crônica, insuficiência no crescimento, perda de peso ou danos musculares. O diagnóstico pode ser realizado mediante testes imunológicos principalmente pela detecção de IgA antitransglutaminase intestinal ou IgA ou IgG antigliadina desaminada. 5.3.2 Síndrome da má absorção A síndrome da má absorção tende a atingir o intestino delgado distal. Os sintomas decorrentes de infecção entérica diarreica aguda sem causa etiológica definida, apesar de haver uma forte indicação de que pode estar associada a infecções por protozoário ou infecções entéricas, geralmente aparecem após alguns dias ou no máximo semanas. 5.3.3 Enterocolite infecciosa A enterocolite infecciosa pode se manifestar por uma ampla variedade de sinais e sintomas, incluindo cólicas abdominais, flatulência, borgorismos, diarreia, disenteria, náuseas, vômitos, desconforto perianal, incontinência fecal e, em situações mais graves, processos hemorrágicos. As infecções bacterianas são as mais fortemente associadas, apesar de não se excluírem os processos fúngicos principalmente associados à ingestão de micotoxinas e os processos virais, principalmente pelos enterovírus. Entre os agentes bacterianos mais comuns associados às enterocolites, destaca-se a Escherichia coli, que, por meio de várias espécies distintas, irão cursar com sinais e sintomas igualmente distintos. Entre suas principais espécies, destacam-se a EPEC (E. coli enteropatogênica clássica); ETEC (E. coli enterotoxigênica), EIEC (E. coli enteroinvasiva), EHEC (E. coli entero-hemorrágica) e EAEC (E. coli enteroagregativa). Os sinais e sintomas podem variar desde quadros simples de diarreias autolimitadas a enterocolites hemorrágicas. Outros microrganismos também se destacam, como a Shigella spp., Salmonella spp., Campylobacter jejuni, Vibrio cholerae, Yersinia spp. 5.3.4 Doença de Crohn A doença de Crohn pode atingir qualquer parte do trato gastrointestinal, porém é comum uma maior manifestação no íleo, sobretudo na porção terminal e no ceco. A lesão inicial dessa patologia normalmente surge como uma úlcera aftosa que evolui a uma situação de úlcera serpentiforme. Normalmente os sintomas iniciais envolvem quadros de diarreias leves, dores abdominais e febre leve a moderada. Pode haver como complicação anemia carencial do tipo ferropriva, podendo evoluir como hipoalbuminemia, deficiência de proteínas séricas e má absorção de vitaminas, sobretudo de B12. 5.3.5 Colite e retocolite ulcerativa É comum correlacionar o surgimento da colite ulcerativa com história pregressa de doença de Crohn. No entanto a colite ulcerativa é uma manifestação clínica limitada ao cólon e ao reto. Há frequentemente ataques hemorrágicos considerados violentos, com dor abdominal inferior e cólicas cuja dor tende a 125 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS diminuir quase por completo após a defecação. Não se sabe ao certo o fator causal da colite ulcerativa, no entanto nota-se a presença de enterite infecciosa e/ou de doença de Cronh de forma pregressa A retocolite ulcerativa, por sua vez, é uma doença idiopática, ou seja, não tem uma causa estabelecida, mas pode estar associada a diversos fatores, como alimentação, predisposição genética e estado nutricional e imunológico do paciente. A doença afeta homens e mulheres em iguais proporções e pode ocorrer em qualquer idade, embora o pico de incidência seja na média dos 30 anos de idade e em pacientes mais idosos. Tem baixa prevalência no Brasil sendo mais comum nos EUA e Reino Unido. A doença que se caracteriza por inflamação da mucosa do intestino grosso (cólon e reto) tem como principal sintoma diarreia, presença de sangue nas fezes, prisão de ventre e dor abdominal. Pode ser classificada em três grupos de acordo com as regiões afetadas: proctite: a inflamação está limitada ao reto causando prisão de ventre com sangramento nas fezes e pode ser confundida com hemorroida; proctossigmoidite: quando a inflamação afeta até a porçãomédia do sigmoide; colite esquerda: com envolvimento do cólon descendente até o reto. 5.3.6 Hemorroidas As hemorroidas atingem cerca de 5% da população geral e se desenvolvem secundariamente à pressão venosa persistentemente elevada no plexo hemorroidal. Os fatores predisponentes mais frequentes associam-se ao esforço na defecação devido à constipação e estase venosa na gravidez. A fisiopatologia das hemorroidas é similar à das varizes esofágicas, embora as varizes anais sejam mais comuns e menos graves. As dilatações varicosas dos plexos venosos anal e perianal formam colaterais que conectam os sistemas venosos portal e caval, aliviando, assim, a hipertensão venosa. As hemorroidas frequentemente se apresentam com dor e sangramento retal e raramente são encontradas em pessoas com menos de 30 anos de idade. Elas também podem se desenvolver como resultado da hipertensão portal, cujas implicações são mais perigosas. O sangramento hemorroidal geralmente não é uma emergência médica e pode ser tratado por escleroterapia, ligação por elástico ou coagulação por infravermelho. As hemorroidas internas ou externas, extensas ou graves, podem ser removidas cirurgicamente por hemorroidectomia. 5.3.7 Intolerância à lactose A deficiência da enzima lactase e a consequente incapacidade de digerir a lactose provoca diarreia e cólicas abdominais. A lactose predominante presente no leite e laticínios, é decomposta pela enzima lactase, em dois compostos: glicose e galactose. Posteriormente, esses açúcares são absorvidos pela parede intestinal e entram na corrente sanguínea. Sem lactase, a lactose não pode ser digerida nem absorvida pelo organismo. 126 Unidade II A elevada concentração de lactose resultante promove a passagem de líquido para o intestino delgado, provocando diarreia líquida. Em seguida, a lactose chega ao intestino grosso, onde é fermentada por bactérias, produzindo gases que causam flatulência, distensão e cólicas abdominais. Miyamoto et al., em estudo realizado em 2008 (p. 18-25), afirmavam que os índices de intolerância à lactose na população mundial eram correlacionados a aspectos culturais e tradicionais da pecuária leiteira, e que populações que não possuem em sua cultura o hábito de consumir leite e/ou derivados manifestavam maior número de sintomas de intolerância à lactose. No mundo, segundo vários estudos, atualmente, estima-se que cerca de 50% dos adultos sejam intolerantes à lactose, e estudos demonstram que a intolerância devida à má absorção é muito mais frequente em negros do que em brancos. 5.3.8 Constipação A constipação se caracteriza por defecações difíceis ou infrequentes, fezes duras ou pela sensação de que o reto continua preenchido por fezes mesmo após a defecação (evacuação incompleta). A constipação pode ser aguda ou crônica. A constipação aguda tem início de forma abrupta e perceptível. A constipação crônica pode começar de forma silenciosa e persistir por meses ou anos. Parâmetros normais preveem de 1 a 3 evacuações diárias por 2 a 3 vezes na semana. Defecar menos frequentemente não indica, necessariamente, que existem problemas, a menos que ocorram alterações substanciais relativas aos padrões anteriores. O mesmo vale para a cor, o tamanho e a consistência das fezes. As pessoas frequentemente culpam a constipação por muitos sintomas (como desconforto abdominal, náusea, fadiga e falta de apetite) que, na verdade, resultam de outros distúrbios (como síndrome do intestino irritável (SII) e depressão). As causas mais comuns da constipação incluem: • alterações na dieta (como menor ingestão de líquidos, dieta pobre em fibras e/ou alimentos favoráveis à constipação); • medicamentos que desaceleram o intestino; • defecação desordenada; • abuso de laxantes. 5.3.9 Síndrome do intestino irritável A síndrome do intestino irritável (SII) aplica-se a uma conjugação de sintomas que consistem mais frequentemente em dor, distensão abdominal, constipação e diarreia. Muitos pacientes com SII alternam períodos de diarreia com constipação. Caracteriza-se por uma doença funcional, cuja causa ainda não foi completamente esclarecida, acredita-se, no entanto, que haja uma hipersensibilidade visceral, responsável pelos sintomas, que pode ser agravada pela ingestão de certos alimentos. 127 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS A SII é normalmente descrita como uma desordem multifatorial relacionada com alterações neurológicas diretamente relacionadas ao intestino. Além da ingestão de certos tipos de alimentos, os sintomas podem ser precedidos de alterações psicossomáticas, principalmente o estresse. Pacientes portadores de SII relatam dor e desconforto abdominais recorrentes seguidos de um ou mais dos seguintes sintomas: • mudança do hábito intestinal (constipação ou diarreia); • melhora total ou parcial da dor após evacuação; • distensão abdominal e flatulências. 5.3.10 Disbiose Sabe-se que o organismo possui uma série de bactérias e fungos conhecidos popularmente como flora bacteriana (termo científico: microbiota bacteriana), que apresentam uma relação harmônica com nosso organismo, visto que nem todos são patógenos. Quando ocorre qualquer tipo de desequilíbrio dessa microbiota bacteriana, ocasionando o aumento de bactérias patogênicas, tem-se o que conhecemos pelo nome de disbiose, a qual pode afetar a capacidade de absorção dos nutrientes e causar diretamente situações de carência nutricional, sobretudo de vitaminas. Quando o indivíduo apresenta os sintomas típicos de disbiose, como náuseas, que podem ser constantes ou momentâneas, diarreia, eructação, conhecido por arroto, refluxo, cansaço constante, dor de cabeça, distensão abdominal, flatulência, e constipação intestinal, o gastroenterologista, clínico ou coloproctologista, pode solicitar alguns exames que facilitam o reconhecimento do problema, como a coleta de ou exame específico para a disbiose. Estudos sugerem que a perda de peso induzida pela cirurgia bariátrica e a remissão de algumas comorbidades podem estar relacionadas às mudanças no perfil da microbiota dos indivíduos submetidos a esse procedimento. Além disso, há indícios de que a manipulação da microbiota intestinal pode vir a ser abordagem terapêutica contra obesidade e doenças metabólicas Saiba mais Você pode saber mais sobre disbiose lendo o seguinte artigo: WAGNER, N. R. F. et al. Mudanças na microbiota intestinal e uso de probióticos no pós-operatório de bypass gástrico em Y-de-Roux e gastrectomia vertical sleeve: uma revisão integrativa. ABCD Arq Bras Cir Dig, 31(4), 2018. Disponível em: https://bit.ly/333dgL8. Acesso em: 2 fev. 2021. 128 Unidade II 6 FISIOPATOLOGIA DOS DISTÚRBIOS DO FÍGADO, VIAS BILIARES E PÂNCREAS 6.1 Cirrose A cirrose hepática é caracterizada por subversão difusa da arquitetura hepática normal por nódulos de hepatócitos em regeneração circundados por tecido conjuntivo. É o estágio final comum de uma grande variedade de doenças de causas diversas, sobretudo alcoolismo, hepatites virais (sendo hepatites B e C as mais comuns) e autoimunes, além de processos de natureza metabólica e vascular. Outras etiologias incluem doença biliar e sobrecarga de ferro. A cirrose, como estágio final da doença hepática crônica, é definida por três características morfológicas principais: fibrose em ponte dos septos, nódulos parenquimatosos e desorganização da arquitetura de todo o fígado. Sua origem depende da inter-relação de três elementos fundamentais: necrose hepatocelular, proliferação de componentes do tecido conjuntivo (fibrose e neoformação de vasos) e regeneração hepatocitária. A cirrose é desencadeada por agressões hepatocelulares de grande porte, como as causadas por mecanismos imunitários, vírus hepatotrópicos ou agentes químicos (por exemplo, álcool). A extensão das lesões leva ao comprometimento da arquitetura hepática, resulta em fibrose iniciada por colapsoda trama reticulínica, e, depois, por neoformação de colágeno. A associação de cirrose hepática com nódulos de regeneração é clássica. Quando sintomáticos, apresentam manifestações clínicas inespecíficas: anorexia, perda de peso, fraqueza, e, na doença avançada, sinais e sintomas de insuficiência hepática. Insuficiência hepática incipiente ou franca pode se desenvolver geralmente precipitada por uma carga metabólica superposta ao fígado, em geral decorrente de infecção sistêmica ou hemorragia gastrointestinal. A perda da função hepática afeta o organismo de diversas maneiras, sendo problemas comuns ou complicações causadas pela cirrose: edema e ascite, sangramentos, icterícia, prurido, toxinas no sangue ou cérebro, sensibilidade a medicamentos, hipertensão portal, varizes de esôfago e problemas em outros órgãos, por exemplo, insuficiência renal. Seu dano hepático geralmente é pouco reversível, mas o tratamento pode interromper a progressão da doença e reduzir suas complicações. O tratamento dependerá da causa e das complicações presentes. A cirrose causada por álcool, por exemplo, é tratada pela cessação do seu consumo, já o tratamento de cirrose decorrente de hepatites envolve medicamentos usados para o tratamento específico destas, como o interferon para as hepatites virais e corticoides para a hepatite autoimune. Ou seja, tudo dependerá da causa subjacente. 129 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS Nódulo de hepatocarcinoma Fígado cirrótico Figura 66 – Fígado cirrótico 6.2 Hipertensão portal O aumento da resistência ao fluxo sanguíneo portal pode se desenvolver em uma variedade de circunstâncias, que se dividem em causas pré-hepáticas, intra-hepáticas e pós-hepáticas. As principais condições pré-hepáticas consistem em trombose obstrutiva, estreitamento da veia porta antes da ramificação no interior do fígado ou esplenomegalia maciça com aumento do fluxo sanguíneo venoso esplênico. Na esplenomegalia ocorre o aumento significativo do baço, causando uma sensação de desconforto no quadrante superior esquerdo e, por meio da pressão no estômago, provoca desconforto depois da alimentação, além de aumentar o risco de rompimento do órgão após trauma. Pode ter manifestações consequentes ao hiperesplenismo, como leucopenia, trombocitopenia e anemia, e ser responsável por queixas relacionadas a anemia e sangramentos. O hiperesplenismo é atualmente conceituado como a associação de esplenomegalia, anemia, plaquetopenia e leucopenia com hiperplasia da medula óssea para compensar a pancitopenia do sangue periférico. As principais causas de esplenomegalia são: doenças hematológicas como leucemias agudas, leucemias crônicas, doenças mieloproliferativas crônicas, linfomas, mieloma múltiplo, doenças congestivas como obstrução da veia esplênica, trombose da veia porta, hipertensão porta (sobretudo por esquistossomose e cirrose hepática), hemocromatose, insuficiências cardíaca congestiva, doenças infecciosas como tuberculose, septicemia, brucelose, mononucleose infecciosa, hepatites, malária, paracoccidioidomicose, hidatidose, hiperplasias funcionais como anemia hemolítica, esferocitose, doenças de depósito, sarcoidose, lúpus e artrite reumatoide. Na esplenomegalia congestiva há a obstrução crônica do fluxo de saída venosa, gerando uma forma de dilatação esplênica. A obstrução venosa pode ser motivada por desordens intra-hepáticas que retardam a drenagem da veia porta ou originar-se a partir de doenças extra-hepáticas (cirrose hepática, insuficiência cardíaca congestiva e fibrose hepática da esquistossomose mansônica), que prejudicam diretamente as veias porta e esplênica. Todas essas desordens resultam em hipertensão das veias porta ou esplênica. 130 Unidade II A cirrose é a principal causa da esplenomegalia congestiva. A fibrose hepática em “haste de chumbo” na esquistossomose ocasiona particularmente uma esplenomegalia congestiva grave, enquanto a cicatrização fibrosa difusa na cirrose alcoólica e na cirrose pigmentar provoca, ainda, dilatação profunda. Outras formas de cirrose têm menor envolvimento. Diferentemente de outros órgãos do sistema hemolinfopoiético, a abordagem do baço por biópsia para a confirmação da doença é difícil pelos riscos de ruptura e hemorragia. Dessa forma, em esplenomegalias sem causa conhecida, quase sempre é necessária a esplenectomia para o diagnóstico definitivo da patologia 6.3 Icterícia A icterícia é definida como coloração amarelada da pele, das mucosas e dos fluídos corporais, devido ao aumento dos níveis plasmáticos de bilirrubina no organismo (hiperbilirrubinemia). Deve-se levar em conta que essa condição de amarelamento da pele e das mucosas pode ser ocasionada por outros fatores, como a fotoativação de carotenos ou o uso de medicamentos específicos, como antimaláricos. Os níveis de bilirrubina necessários para desenvolver icterícia variam de acordo com a cor da pele de cada indivíduo; em pessoas claras ela é clinicamente detectada quando a concentração sérica de bilirrubina total é em torno de 2,5 mg/dL a 3 mg/dL, uma vez que o valor normal varia de 0,3 a 1,0 mg/dL. No período neonatal, são outros os níveis de bilirrubina para diagnóstico de icterícia, que é um dos problemas mais frequentes desta fase; a hiperbilirrubinemia é definida como a concentração sérica de bilirrubina indireta (BI) maior que 1,3 a 1,5 mg/dL, ou de bilirrubina direta (BD) superior a 1,5 mg/dL, desde que ela represente mais do que 10% do valor de bilirrubina total (BT). A detecção da icterícia possui importante valor semiológico, pois é resultado de distúrbio de um ou mais níveis da via metabólica da bilirrubina, que é o produto final da degradação do heme. A maior parte da produção de bilirrubina diária (0,2 a 0,3 g), ou seja, 85%, deriva da decomposição de eritrócitos, principalmente no baço, no fígado e na medula óssea. A parte restante (15%) origina-se da destruição prematura de precursores dos eritrócitos na medula óssea por eritropoese ineficaz e do metabolismo do heme ou de hepatoproteínas hepáticas, a principal molécula na qual o ferro (Fe++) está presente. A quebra do grupo heme com a liberação do ferro e a quebra dos anéis da porfirina, os quais formam a proteína biliverdina, que sofre oxigenação, constituem a bilirrubina. A bilirrubina originada nesse último processo, fora do fígado, é insolúvel em soluções aquosas e pH fisiológico, assim requer ligação à albumina sérica para ser transportada. A bilirrubina não conjugada (BNC) ou indireta surge nos casos de hemólise, sobrecarregando as vias metabólicas pela grande quantidade de bilirrubina formada. Isto ocorre nas anemias hemolíticas, destacando a eritroblastose fetal, que leva ao risco de kernicterus (complicação da icterícia neonatal que provoca lesões cerebrais no RN). A BNC pode ainda derivar da destruição de precursores anormais de eritrócito, chamado eritropoese ineficaz. Também é encontrada nos fluidos corpóreos de acordo com seu conteúdo de proteína, o que explica sua maior concentração em exsudatos do que em transudatos, e liga-se reversivelmente à albumina para ser transportada no plasma. 131 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS O fígado possui papel central no metabolismo da bilirrubina, sendo responsável por sua captação, conjugação e excreção, momento no qual a BNC é captada pelos hepatócitos, que adicionam duas moléculas de ácido glicurônico à bilirrubina por molécula, tornando-a hidrossolúvel; em seguida torna-se bilirrubina conjugada (BC) ou direta, que será secretada pelos hepatócitos para o interior dos canalículos biliares. A BC, ou direta, é polar e não absorvida no intestino delgado, mas, no íleo e no cólon, é hidrolisada por enzimas bacterianas (β-glicuronidases), formando os urobilinogênios, que, por sua vez, são incolores; estes são oxidados a compostos corados, chamados urobilinas, que dão cor às fezes.Parte das urobilinas são reabsorvidas pelo intestino (ciclo entero-hepático) e excretadas na urina, dando-lhe a coloração amarela. A excreção da bilirrubina é manifestação clínica de inúmeras doenças hepáticas e não hepáticas, podendo ser o primeiro ou o único sintoma de hepatopatias. Devido a tais fatores, é de suma importância que o paciente seja examinado em ambiente com luz natural, vez que ela favorece a escolha correta do procedimento que deve ser realizado, principalmente nos locais em que a icterícia é frequentemente evidenciada, como conjuntiva ocular, esclera, pele, língua e outras regiões que possuem elastina, devido à grande afinidade da bilirrubina e capacidade de o pigmento biliar se alojar nos tecidos. Alguns fluidos como urina, lágrima, suor, sêmen e leite podem apresentar coloração amarela em estágios avançados pelo acúmulo de bilirrubina conjugada, que refluem para a corrente sanguínea por obstrução mecânica das vias biliares, resultando na sua incapacidade de chegar ao intestino para ser excretada. Lembrete A icterícia é um dos principais sintomas sobretudo nos pacientes com hepatite do tipo A aguda e aguda fulminante. 6.4 Colestase A colestase é condição patológica resultante da redução da síntese dos ácidos biliares ou da interrupção do fluxo biliar para o intestino, com fluxo retrógrado ou refluxo de todos os componentes da bile para a corrente sanguínea, levando à retenção e/ou ao acúmulo de pigmento biliar e de outras substâncias excretadas na bile no parênquima hepático. É comum tanto na colestase obstrutiva quanto na não obstrutiva. Tal interrupção pode ser consequência da obstrução extra-hepática ou intra-hepática de canais biliares ou ducto hepático comum, bloqueios da secreção de bile pelos hepatócitos, por atresia, cálculos ou tumores. Trata-se da principal manifestação da doença hepatobiliar, no recém-nascido (RN), especialmente nos prematuros. A predisposição à colestase (hipercoleremia fisiológica) é maior, tendo como causa a imaturidade hepática relacionada ao metabolismo dos ácidos biliares, baixa capacidade de síntese de ácidos biliares 132 Unidade II hepatotóxicos, da redução de ácidos biliares decorrentes da síntese diminuída e da ausência de reabsorção pelo íleo. O total diário de secreção de bile é cerca de 600 mL, fenômeno osmótico que varia de acordo com a quantidade da secreção ativa de solutos, principalmente sais biliares, na luz dos canalículos biliares, seguido de atração osmótica de água. Os íons inorgânicos, em especial, o sólido e a água, passam para a bile por meio de difusão através de junções íntimas que podem permitir o refluxo da bile para dentro do hepatócito na colestase. Os pacientes diagnosticados com colestase apresentam icterícia, prurido, xantomas cutâneos (acúmulo de colesterol nas dobras e áreas de atrito da pele), má absorção intestinal com deficiências nutricionais das vitaminas lipossolúveis A, D ou K, colúria, hipocolia ou acolia fecal; essa última geralmente em atresia biliar extra-hepática. O diagnóstico das suas várias causas é demasiadamente complexo, vez que são inúmeras as possíveis etiologias a serem investigadas, e a pesquisa de cada uma delas pode ser um processo demorado; o ideal é que haja diagnóstico precoce e imediata conduta terapêutica para a resolução do problema e/ou para minimizar os agravos. A definição diagnóstica é realizada mediante exames laboratoriais, exames de imagem, e muitas vezes biópsia hepática; é um procedimento invasivo que não constitui o método padrão para o diagnóstico pré-operatório de uma doença hepática, principalmente quando realizado em crianças. A obstrução da árvore biliar, seja intra-hepática, seja extra-hepática, causa distensão dos ductos biliares pela bile antes do ponto da lesão. A obstrução extra-hepática é frequentemente sujeita à intervenção cirúrgica, no entanto a colestase procedente da obstrução da árvore intrabiliar ou de insuficiência secretora hepatocelular não recebe vantagem com a cirurgia, a não ser que ela seja de transplante, mas, em caso de intervenção cirúrgica, a condição do paciente pode se agravar Observação A reversibilidade não reduz a importância da identificação imediata da doença e do tratamento, e dos fatores que diminuem consideravelmente o potencial de morbimortalidade. Antes do início da doença clínica, o VHE pode ser detectado por PCR nas fezes e no soro. O período de transmissibilidade ocorre duas semanas antes do início dos sintomas até o fim da segunda semana da doença. 6.5 Colelitíase e colecistite Colelitíase é o termo usado para denominar os cálculos da vesícula, sendo a doença mais prevalente do trato biliar, afetando de 10% a 20% das populações adultas nos países desenvolvidos. Existem dois tipos principais de cálculos da vesícula, os cálculos de colesterol, contendo mais de 50% de colesterol 133 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS cristalino monoidratado, e os cálculos pigmentares, compostos predominantemente de sais de cálcio de bilirrubina. Os cálculos são formados quando o colesterol é solubilizado na bile pela agregação aos sais biliares hidrossolúveis e às lecitinas insolúveis em água, que atuam como detergentes. Quando as concentrações de colesterol excedem a capacidade de solubilização da bile (supersaturação), ele pode já não permanecer disperso e é nucleado em cristais monoidratados de colesterol sólido. Cálculos da vesícula pigmentar são misturas complexas de sais de cálcio insolúveis anormais de bilirrubina não conjugada com sais de cálcio inorgânicos. Os cálculos da vesícula biliar são constituídos por várias combinações de componentes insolúveis da bile, incluindo-se colesterol, bilirrubinato de cálcio, sais orgânicos e inorgânicos de cálcio, sais biliares e glicoproteínas. Os cálculos podem ser pequenos como um grão de areia e grandes como uma bola de golfe. Na vesícula, pode se desenvolver apenas um grande cálculo, centenas de cálculos pequenos, ou qualquer combinação deles. Os fatores de risco mais comumente associados ao desenvolvimento de cálculos da vesícula são: idade acima de 60 anos, sexo feminino, elementos ambientais, distúrbios adquiridos, fatores hereditários, obesidade, gestações, perda rápida de peso, diabetes melito, dieta rica em gordura e colesterol e pobre em fibras. Na minoria dos casos, os cálculos podem obstruir o fluxo normal de bile se eles se alojarem em qualquer dos ductos que levam a bile do fígado ao duodeno. Isso inclui os ductos hepáticos, que trazem a bile do fígado; o ducto cístico, que conduz bile à vesícula e pelo qual ela se esvazia; e o ducto biliar comum (ou colédoco), que transporta a bile ao duodeno. Se qualquer desses ductos persistirem bloqueados por um período significante de tempo, pode ocorrer a infecção das estruturas do sistema biliar; o que talvez seja grave e até mesmo fatal. Sinais de alarme de problemas séricos são febre, icterícia e dor persistente. Clinicamente, a maioria dos pacientes com colelitíase é assintomática. A principal manifestação é a cólica biliar, em consequência, sobretudo, de obstrução das vias biliares por cálculo impactado; a colecistite associada também contribui para a dor. O risco de obstrução biliar depende do tamanho do cálculo; quando pequeno, migra para as vias biliares e pode as obstruir. Muitos pacientes se queixam de dor no hipocôndrio direito e intolerância a alimentos gordurosos. A ultrassonografia é o método de escolha para seu diagnóstico, pois detecta virtualmente todos os cálculos maiores que 3 mm de diâmetro. Existe consenso de que a colecistectomia é o tratamento de escolha para a colelitíase sintomática. A colecistite aguda, sempre que possível, deve ser tratada de maneira conservadora, com antibióticos, hidratação, correção de distúrbios eletrolíticos e medidas gerais para o alívio dos sintomas. A colecistectomia éindicada logo após a fase aguda, a fim de evitar aderências ao redor da vesícula inflamada. Sugere-se a cirurgia de urgência nos casos de obstrução biliar. 134 Unidade II Observação A inflamação da vesícula biliar pode ser aguda, crônica, ou aguda superposta à crônica. Quase sempre ocorre em associação com cálculos de vesícula. A colecistite calculosa aguda é uma inflamação aguda da vesícula biliar, precipitada em 90% das vezes por obstrução do colo ou do ducto cístico. Esta é a complicação primária dos cálculos biliares e o motivo mais comum para colecistectomia de emergência. A colecistite sem cálculos, chamada colecistite acalculosa, pode ocorrer em pacientes com doenças graves e representa aproximadamente 10% dos pacientes com colecistite. Além de obstrução por cálculo impactado e contaminação secundária por bactérias (por exemplo, Escherichia coli, enterococos e alguns anaeróbios), a ação de fosfolipases do epitélio gera lisolecitina, a qual altera a camada de muco protetora da mucosa e expõe o epitélio à ação de sais biliares. A liberação de prostaglandinas também contribui para a inflamação. Em 10% dos pacientes, a colecistite aguda não é acompanhada por litíase. Nesses casos, a inflamação parece ser precipitada por isquemia. As principais condições associadas são traumatismos graves, cirurgias, parto, queimaduras, doenças sistêmicas (por exemplo, diabetes melito, câncer), transfusões sanguíneas múltiplas, septicemia, obstrução da vesícula biliar não calculosa (carcinoma, fibrose, anomalia congênita) e artrites. O paciente não costuma mostrar sintomas prévios de uma doença da vesícula biliar, até que experimenta dor repentina e agudíssima na parte superior do abdome, podendo surgir febre de origem desconhecida, leucocitose e hiperamilasemia, sem dor ou sensibilidade no hipocôndrio direito. A colecistite crônica pode ser uma sequela leve a severa de surtos repetidos de colecistites agudas, mas, em muitos casos, se desenvolve na ausência aparente de ataques antecedentes. Uma vez que está associada à colelitíase em mais de 90% dos casos, as populações de pacientes são as mesmas observadas para os cálculos de vesícula. A origem da colecistite crônica é pouco conhecida. Ao contrário da aguda, a obstrução biliar não é necessária. Os microrganismos são isolados em cerca de 30% dos casos. A maioria das vesículas removidas por colelitíase apresenta algum grau de inflamação crônica. Os sintomas da colecistite calculosa crônica são semelhantes aos da forma aguda e variam desde cólica biliar até uma dor indolente no quadrante superior direito e desconforto epigástrico. A colecistite crônica não apresenta as manifestações notáveis das formas agudas e geralmente é caracterizada por ataques recorrentes de dor estáveis ou em cólica no epigástrio ou no quadrante superior direito. Náusea, vômitos e intolerância a alimentos gordurosos são frequentes. O diagnóstico das colecistites aguda e crônica é importante pelas seguintes complicações: superinfecções bacterianas com colangite ou sepse, perfuração da vesícula biliar e formação local de abscesso, ruptura da vesícula com peritonite difusa, fístula entérica biliar (colecistérica), com drenagem 135 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS de bile nos órgãos adjacentes, entrada de ar e bactérias na árvore biliar e possível obstrução intestinal induzida por cálculo (íleo), agravamento de condições médicas preexistentes, com descompensação cardíaca, pulmonar, renal ou hepática e vesícula em porcelana com maior risco de câncer. 6.6 Pancreatite aguda A pancreatite aguda é uma lesão reversível do parênquima pancreático associada à inflamação. As doenças dos tratos biliares e o alcoolismo são responsáveis por aproximadamente 80% dos casos da doença. Os cálculos estão presentes entre 35% a 60% dos eventos de pancreatite aguda, e cerca de 5% dos pacientes com cálculos biliares desenvolvem pancreatite. Trata-se de uma doença desencadeada pela ativação anômala de enzimas pancreáticas e liberação de uma série de mediadores inflamatórios, cuja etiologia corresponde, em cerca de 80% das situações, à doença biliar litiásica ou à ingestão do álcool. Na maioria das vezes, essa doença é autolimitada ao pâncreas e com mínima repercussão sistêmica. Sua forma leve se caracteriza por apresentar boa evolução clínica e baixos índices de mortalidade. A magnitude das lesões pancreáticas, geralmente, se correlaciona com a gravidade da doença, podendo-se a classificar em branda ou grave. Na forma branda, que inclui a grande maioria dos casos, as manifestações cursam com mínima repercussão sistêmica, que melhora com a reposição de líquidos e eletrólitos. Por outro lado, na forma grave, além das complicações locais, há falência de órgãos e sistemas distantes, o que, via de regra, não responde às medidas iniciais e pode ter duração de semanas ou meses. As causas menos comuns de pancreatite aguda incluem obstrução do sistema de ductos pancreáticos por cálculos, neoplasias periampulares, pâncreas divisum, coledococeles e parasitas; medicações como furosemida, azatioprina, estrogênios etc.; infecções, incluindo caxumba; distúrbios metabólicos como hipercalcemia, hipertrigliceridemia, hiperparatireoidismo, entre outros; lesões isquêmicas por choque, trombose vascular, embolia pulmonar e vasculite, e traumas como os abdominais; e as alterações herdadas nos genes que codificam as enzimas pancreáticas e seus inibidores, com mutações genéticas que ocasionam a pancreatite hereditária. Na chamada pancreatite hereditária, que é uma lesão associada a anormalidades genéticas, os defeitos mais comuns são alterações nos genes do tripsinogênio (PRSS1) ou do inibidor de proteases tipo 1 (SPINK1). No primeiro caso, a tripsina torna-se resistente à inativação, enquanto no segundo, a tripsina não sofre inibição. Nos dois eventos, a maior atividade de tripsina leva à autodigestão pancreática. A pancreatite aguda geralmente começa com dor no abdome superior e pode durar por poucos dias. A dor se acentua e se torna constante – só no abdome ou se irradia para as costas e outras áreas. Ela pode ser súbita e intensa ou começar como uma dor fraca, que se torna pior durante a ingestão do alimento. Outros sintomas relacionados são: abdome distendido e sensível, náuseas, vômitos, febre, pulso rápido; nos casos graves podem causar desidratação e queda da pressão sanguínea. A dor abdominal é a principal manifestação da pancreatite aguda. Caracteristicamente, a dor é constante e intensa, sendo muitas vezes referida na parte superior das costas, e ocasionalmente está associada a uma dor no ombro esquerdo. Sua gravidade pode variar de leve e desconfortável à grave e incapacitante. 136 Unidade II As consequências e complicações da pancreatite aguda são: hipertensão arterial, choque, dano alveolar difuso (Sara), coagulação intravascular disseminada, insuficiência renal aguda, abscesso pancreático, pseudocisto e obstrução duodenal e do colédoco (icterícia). As bases do tratamento são o suporte clínico e a suspensão da ingesta oral, já que ainda não há tratamento específico para a pancreatite. O suporte clínico consiste em manutenção da perfusão tecidual por meio de reposição volêmica vigorosa e manutenção da saturação de oxigenação, analgesia e suporte nutricional. 6.7 Pancreatite crônica A pancreatite crônica é definida como uma inflamação do pâncreas com destruição irreversível do parênquima exócrino, presença de fibrose, e, na fase tardia, destruição do parênquima endócrino. De acordo com a extensão das lesões, pode ser classificada como discreta, moderada ou grave. Habitualmente, evolui com quadro doloroso abdominal e insuficiência pancreática, acompanhada ou não de crises repetidas de pancreatite aguda. A maioria das pessoas com pancreatite crônica tem dor abdominal, porém algumas não apresentam sintomas. A dor podese tornar pior ao beber ou comer, espalhando-se para as costas ou tornando-se constante e incapacitante. Em certos casos, a dor abdominal desaparece com a progressão da doença, provavelmente porque o pâncreas não está mais produzindo enzimas digestivas. A doença pode se desenvolver silenciosamente, até que a insuficiência pancreática e o diabetes melito sejam notados; esse último devido à destruição das ilhotas de Langherans. Em outros casos, ataques recorrentes de icterícia ou esporádicos ataques de ingestão podem sugerir doenças pancreáticas. A causa mais comum da pancreatite é o alcoolismo. Os pacientes com pancreatite crônica têm geralmente histórico de consumo alcoólico prolongado (10 a 15 anos), são homens em sua maioria e situam-se preferencialmente na 4ª década de vida. A pancreatite crônica pode ainda ser hereditária, estar associada a outras doenças (por exemplo, hiperparatireoidismo) ou representar complicações de radioterapia abdominal. Embora comum, o alcoolismo não é a única causa da pancreatite crônica. As outras principais causas são o ducto pancreático estreitado ou bloqueado em virtude de traumatismo ou formação de pseudocisto, e as causas hereditárias e idiopáticas. Suas causas menos comuns incluem as obstruções em longo prazo nos ductos pancreáticos causadas por cálculos, as neoplasias, o pâncreas divisum, a pancreatite tropical, que é encontrada na Ásia e na África, sendo que alguns casos apresentam base genética e mutações no gene CFTR, que diminuem a secreção de bicarbonato pelas células dos ductos pancreáticos, promovendo a adesão de proteínas e o desenvolvimento de pancreatite crônica. A origem da pancreatite crônica ainda não é bem compreendida. Quase todos os indivíduos com repetidos episódios de pancreatite aguda acabam a desenvolvendo posteriormente. Tem sido proposto que a pancreatite aguda inicia uma sequência de fibrose perilobular, distorções ductais e alterações nas secreções pancreáticas. Os múltiplos episódios ao longo do tempo podem provocar fibrose e levar à perda do parênquima pancreático. Os eventos sugeridos para a explicação do desenvolvimento da pancreatite crônica incluem 137 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS a obstrução ductal por concreções, os efeitos tóxicos e o estresse oxidativo. O objetivo do tratamento do paciente é o alívio da dor para que ela não interfira nas atividades laborais e na vida familiar. Como regra geral, o controle deve seguir uma abordagem sequencial e escalonada, começando com a eliminação de fatores exógenos tóxicos como o álcool, seguido pela suplementação de enzimas pancreáticas e uso criterioso de analgésicos. A abstinência do consumo de álcool é imprescindível, especialmente quando este é o pilar da causa da doença, vez que a manutenção de sua ingestão excessiva exacerba o dano pancreático e aumenta a mortalidade. Pacientes com sintomas persistentes após essa abordagem inicial podem ser candidatos a tratamentos mais invasivos. Estima-se que até 50% deles desenvolvam sintomas progressivos ou intratáveis clinicamente e que se tornem, portanto, candidatos ao tratamento cirúrgico. A principal indicação cirúrgica é a dor abdominal intratável. A opção pelo tratamento cirúrgico também é indicada nas complicações da pancreatite crônica, tais como pseudocistos, fístulas pancreáticas, estenoses, comprometimento de órgãos adjacentes ou suspeita de neoplasia. 7 FISIOPATOLOGIA DOS DISTÚRBIOS DO SISTEMA ENDÓCRINO 7.1 Hipófise, tireoide e paratireoide 7.1.1 Hipopituitarismo O hipopituitarismo corresponde a uma secreção menor dos hormônios produzidos pela hipófise e que podem resultar em doenças tanto no nível hipotalâmico quanto hipofisário. Sabe-se que a grande maioria dos casos que acarretam diminuição na função decorre de processos lesivos, destrutivos da adenoipófise, no entanto inúmeros outros mecanismos foram associados, como tumores, lesões cerebrais causadas por traumas ou cirurgias, necrose isquêmica, entre outras. As manifestações clínicas podem variar a depender dos hormônios que estiverem em concentrações diminutas. As crianças que apresentarem deficiência poderão apresentar retardo no crescimento, devido à falta de hormônio do crescimento. A deficiência de LH e FSH podem acarretar em amenorreia e infertilidade feminina e nos homens impotência e ausência de pelos pubianos. A ausência ou concentração diminuída de TSH e de ACTH podem resultar em hipotireodismo e hipoadrenalismo. A ausência de prolactina acarreta problemas com a amamentação, ou seja, lactação no período pós-neonatal. 7.1.2 Hipertireoidismo O hipertireoidismo é caracterizado pela elevação sanguínea de T3 e T4 livres, indicando um hiperfuncionamento da tireoide. Inúmeras doenças podem estar associadas com o hipertireoidismo, entre estas podem-se destacar a doença de Graves e o bócio multinodular. Pacientes tirotóxicos, normalmente apresentam pele macia, quente e avermelhada promovida pela vasodilatação e pelo aumento do fluxo sanguíneo, com sudorese aumentada e perda de peso, apesar da 138 Unidade II ingesta por vezes excessiva de alimentos. Também podem apresentar tremores e palpitações, dificuldade de concentração, hipertensão sistólica, taquicardia, amenorreia. Entre as complicações possíveis, incluem-se o desgaste muscular, a atrofia e paralisia, a perda visual, a insuficiência cardíaca e arritmias e o hipoparatireoidismo após a remoção cirúrgica da tireoide. 7.1.3 Hipotireoidismo O hipotireoidismo é causado por qualquer alteração estrutural ou funcional que interfira na produção de níveis adequados do hormônio tireoidiano. As principais causas associadas são a tireoidite de Hashimoto, doença autoimune, a deficiência de iodo, a disgenesia tireoidiana e a falência hipofisária. O hipotireoidismo associado à tireoidite de Hashimoto é considerado sua forma mais comum; neste caso, anticorpos circulantes, sobretudo anticromossomais, antiperoxidase tireoidiana e antitireoglobulina, são produzidos e direcionados contra a tireoide normalmente associando-se ao aparecimento do bócio. É comum na tireoidite de Hashimoto notar o aumento indolor da tireoide, bastante comum em mulheres na meia-idade. Entre os principais sinais e sintomas do hipotireoidismo, destacam-se fraqueza, fadiga, sinais da presença de mixedema, como pele áspera, seca, descamativa, sem elasticidade, rouquidão, anorexia, distensão abdominal e nistagmo. Figura 67 – Bócio indicando hipofunção tireoidiana 139 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS 7.1.4 Hiperparatireoidismo O hiperparatireoidismo pode ocorrer de forma primária, secundária e raramente terciária. Na forma primária, há uma superprodução independente de paratormônio (PTH), as formas secundária ou terciária dão-se normalmente em decorrência de complicação da insuficiência renal crônica. O hiperparatireoidismo primário é bastante comum, incluindo a hipercalcemia, e é resultante de uma secreção excessiva do paratormônio. Os sinais e sintomas de hiperparatireoidismo primário incluem poliúria, noctúria, dor lombar crônica, pancreatite e fraqueza muscular. Em razão do hiperfuncionamento das glândulas paratireoides podem surgir várias lesões subjacentes como adenoma, hiperplasia primária (difusa ou nodular) e carcinoma paratireoidiano. As características clínicas do hiperparatireoidismo secundário são geralmente manifestas pelos sintomas da falência renal crônica. O hiperparatireoidismo secundário pode promover as mesmas complicações observadas nas situações de desequilíbrio de cálcio, com deformidades esqueléticas, sobretudo de ossos longos, como no raquitismo. 7.1.5 Hipoparatireoidismo O hipoparatireoidismo é essencialmente muito mais comum que o hiperparatireoidismo, existindo inúmeras causas genéticas associadas. Essa condição pode ser induzida cirurgicamente quando, da tireoidectomia, ocorre a remoção por vezes negligente das paratireoides.Também pode decorrer de doença autoimune, por mutação autossômica dominante atrelada a uma maior sensibilidade ao cálcio com diminuição da síntese de PTH associada. Entre os sinais e sintomas, destacam-se hipocalcemia, irritabilidade neuromuscular, formigamento nas extremidades dos dedos, laringoespasmo e má absorção intestinal. Vale ressaltar que o hipoparatireoidismo pode ser assintomático. As possíveis complicações incluem arritmias, catarata, déficit do crescimento, retardo mental e sintomas parkinsonianos. 7.2 Pâncreas endócrino e glândulas suprarrenais 7.2.1 Diabetes melito e síndrome metabólica Não se trata de uma simples patologia, mas de um grupo de distúrbios de origem metabólito-regulatórios associados com a elevação dos níveis glicêmicos, conhecida como hiperglicemia. No diabetes, a hiperglicemia é resultado do defeito na secreção de insulina, na ação desta ou num defeito combinado tanto de secreção quanto de ação. O diabetes melito, pode ser classificado resumidamente em tipo 1 e tipo 2. 140 Unidade II O diabetes tipo 1 é caracterizado como uma doença autoimune, cujas células β de Langerhans são destruídas, ocasionando uma deficiência absoluta de insulina, que promove a necessidade da administração da insulina sintética pelos indivíduos portadores. É comum surgir em indivíduos abaixo dos 20 anos de idade. O diabetes tipo 2, por sua vez, é causado por uma associação de fatores, entre os quais a resistência periférica à ação da insulina e uma diminuição de secreção da insulina pelas células β pancreáticas. Normalmente o diabetes melito tipo 2 surge em populações mais idosas acima dos 60-65 anos de idade. A resistência à insulina é uma incapacidade dos órgãos e dos tecidos alvo de responder à ação da insulina, acarretando diminuição da captação da glicose no músculo, glicólise e incapacidade de suprimir a gliconeogênese. Associa-se hoje o crescente número de indivíduos obesos e o diabetes melito tipo 2. Evidências indicam que o diabetes melito é doença multicausal, incluindo hereditariedade, fatores ambientais, dieta, estresse, alterações de estilo de vida, sedentarismo, gravidez. Os sinais e sintomas do diabetes incluem poliúria, polidipsia, anorexia, perda de peso, fadiga, cefaleia, cãibras musculares, alterações visuais, dormência e formigamentos, náuseas, cicatrização anormal e infecções da pele. O diagnóstico do diabetes é realizado por meio de exames de glicemia de jejum, curva glicêmica, hemoglobina glicada, entre outros. A chamada síndrome metabólica corresponde a um conjunto de doenças cuja base é a resistência insulínica. Não existe um único critério aceito universalmente para definir a síndrome. Os dois mais aceitos são o da Organização Mundial de Saúde (OMS) e do National Cholesterol Education Program (NCEP) americano. O Brasil, porém, também dispõe do seu Consenso Brasileiro sobre Síndrome Metabólica, documento referendado por diversas entidades médicas. Segundo os critérios brasileiros, a síndrome metabólica ocorre quando estão presentes três dos cinco critérios a seguir: • obesidade central – circunferência da cintura superior a 88 cm na mulher e 102 cm no homem; • hipertensão arterial – pressão arterial sistólica 130 e/ou pressão arterial diastólica 85 mmHg; • glicemia alterada (glicemia 110 mg/dL) ou diagnóstico de diabetes; • triglicerídeos 150 mg/dL; • HDL colesterol £40 mg/dL em homens e £50 mg/dL em mulheres. 141 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS 7.2.2 Insulinoma (hiperinsulinemia) Tumores de células β são neoplasias endócrinas comuns. A presença desses tumores pode acarretar uma produção excessiva de insulina a ponto de induzir hipoglicemia clinicamente. O quadro clínico característico é dominado por episódios hipoglicêmicos, os quais ocorrem com níveis de glicose sanguínea abaixo de 50 mg/dL do soro; consistem principalmente em manifestações do sistema nervoso central, como confusão, estupor e perda de consciência; são precipitados pelo jejum ou exercício e prontamente aliviados pela alimentação ou administração parenteral de glicose 7.2.3 Síndrome de Cushing A síndrome de Cushing é causada por inúmeras situações que acarretem níveis aumentados de glicocorticoides. Ela pode ser dividida em causas endógenas e exógenas. Nos estágios iniciais é comum ocorrer hipertensão e aumento de peso. Os portadores da síndrome de Cushing estão sob risco para uma variedade de infecções, porque os glicocorticoides suprimem a resposta imunológica. As manifestações adicionais incluem diversos distúrbios mentais, incluindo mudanças de humor, depressão e psicose franca, assim como hirsutismo e anormalidades menstruais. 7.2.4 Insuficiência adrenocortical A insuficiência adrenocortical, ou hipofuncionamento pode ser causada tanto por doença primária da suprarrenal (hipoadrenalismo primário) quanto pela estimulação diminuída das suprarrenais decorrente da deficiência de ACTH (hipoadrenalismo secundário). 8 ALTERAÇÕES ANATOMOPATOLÓGICAS E APRESENTAÇÃO DE CASOS 8.1 Sistema cardiovascular (coração) Miocárdio normal: aspecto carnoso, consistência firme Infarto: miocárdio de espessura reduzida, consistência flácida Figura 68 – Trombose coronariana e infarto do miocárdio 142 Unidade II Na figura exibida, nota-se coração aberto pela frente, mostrando o ventrículo esquerdo (VE) e a saída da aorta. A parede do VE do lado esquerdo apresenta uma área de infarto que se estende até a ponta. O miocárdio normal é mais espesso e firme que o infartado. Este sofreu redução de espessura devido à necrose e (presumivelmente) reabsorção do produto necrótico. A causa do infarto foi um trombo no ramo descendente anterior da aorta coronária esquerda, ainda visível in situ observando-se a peça pela margem superior esquerda. O motivo da trombose foi provavelmente aterosclerose coronariana. Na figura adiante, nota-se alterações celulares em áreas infartadas e não infartadas em cujas áreas infartadas evidencia-se a ausência dos núcleos celulares. Trombo Aterosclerose Figura 69 – Aterosclerose aórtica com trombose Há intensa aterosclerose, caracterizada como placas elevadas e de cor amarela. Nestas, histologicamente, é possível encontrar macrófagos que fagocitaram lípide proveniente do sangue. A aterosclerose é um importante fator que favorece a trombose, por acarretar lesão do endotélio. Infarto com múltiplas pequenas rupturas Figura 70 – Infarto do miocárdio com múltiplas áreas de rupturas Nesta figura, nota-se áreas escuras indicando rupturas provocadas por infarto. Normalmente os infartos no tecido cardíaco, são anêmicos, porém não é incomum notarmos áreas de infiltração de sangue para dentro da área de necrose. 143 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS Dilatação global do coração Face anterior Aspecto em moringa Face posterior Figura 71 – Miocardite crônica chagásica 8.2 Sistema gastrointestinal (estômago, intestino, fígado, pâncreas e vesícula biliar) Figura 72 – Úlcera gástrica Na figura exibida, nota-se o aspecto provocado pela ulceração, com dimensão em diâmetro e profundidade de cerca de 2 cm da lesão localizada na região pré-pilórica e circundada por extensa área de fibrose no entorno da ulceração. Figura 73 – Múltiplos pólipos em intestino grosso 144 Unidade II Na figura mostrada, destaca-se a presença de múltiplos pólipos de origem familiar, com alto risco de malignidade. A doença é de origem genética autossômica dominante, por mutação no gene adenomatous polyposis coli (APC) presente no cromossomo 5, que controla a proliferação celular e, caso alterado, favorece o surgimento dos pólipos em número e frequência crescente desde a juventude/ adolescência. É comum associar o aparecimento de câncer de intestino em pacientes portadores de polipose antes dos 35 anos de idade. Saiba mais Você pode saber mais sobre pólipos lendo o artigo: TORRES NETO, J. R.; ARCIERI,J. S.; TEIXEIRA, F. R. Aspectos epidemiológicos dos pólipos e lesões plano-elevadas colorretais. Rev Bras Coloproct, 30(4): 419-429, 2011. Disponível em: https://bit.ly/3t4J7py. Acesso em 2 fev. 2021. Ramos intra-hepáticos da veia porta Fibrose periportal Figura 74 – Esquistossomose hepática A figura exibida apresenta os efeitos provocados pela disseminação do Schistossoma mansoni (helminto intestinal), responsável pela doença denominada esquistossomose, de característica endêmica em várias regiões do Brasil. Os parasitas adultos vivem nos ramos intra-hepáticos da veia aorta, causando 145 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS processo inflamatório crônico, com lesão e que acabam por evoluir para quadro de fibrose periportal. Como consequência pela presença maciça de vermes e ovos, podem causar obstrução da veia porta, acarretando processo de hipertensão portal. A figura a seguir apresenta quadro de pancreatite crônica esclerosante, com atrofia dos lóbulos pancreáticos, podendo ser observada pelas alterações de coloração amarelada. Note-se que a pancreatite crônica está fortemente associada com o etilismo crônico, o qual promove adaptações celulares muitas vezes irreversíveis e que predispõem ao câncer. Por sua vez, a figura seguinte apresenta o detalhamento microscópico da atrofia esclerosante, com redução dos acinos em número e tamanho, e da área de fibrose Figura 75 – Pancreatite crônica esclerosante Fibrose Ácinos pancreáticos atróficos Figura 76 – Pancreatite crônica esclerosante – detalhe microscópico 146 Unidade II Cálculo de colesterol Figura 77 – Cálculo de colesterol em vesícula biliar O cálculo presente na vesícula é um achado fortuito e comum. Seu aspecto morfológico sugere um cálculo que habitualmente é único, arredondado ou ovalado e com cor entre branca e amarelada. Os cálculos mais comuns na vesícula são os mistos (de colesterol e pigmento biliar), que geralmente são múltiplos e têm formato facetado. 8.3 Sistema endócrino (tireoide) A figura a seguir apresenta o detalhe macroscópico de uma tireoide normal e de uma tireoide proveniente de paciente com tireoidite de Hashimoto. No detalhamento, verifica-se a tireoide normal de cor âmbar com folículos contendo coloide, enquanto na tireoide acometida pela tireoidite de Hashimoto, percebe-se uma cor clara com parênquima substituído por infiltrado inflamatório. Nota-se também um ligeiro aumento no tamanho da glândula favorecendo o aparecimento do bócioite Tireoide normal Tireoidite de Hashimoto Figura 78 – Comparação entre a tireoide normal e a tireoidite de Hashimoto A figura a seguir apresenta um adenoma de glândula suprarrenal. O adenoma é um tumor benigno do córtex suprarrenal, sendo a população adulta a mais suscetível para seu aparecimento. 147 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS Adenoma Suprarrenal Suprarrenal Superfície de corte Adenoma Figura 79 – Adenoma de glândula suprarrenal Lembrete A observação patológica é fundamental para o melhor entendimento em muitas das causas de óbitos e contribui significativamente para inúmeros estudos científicos. Exemplo de aplicação De que forma seriam notados macroscopicamente e microscopicamente processos vasculares associados a aterosclerose? Vamos investigar a esse respeito? Resumo Nesta unidade estudamos os principais aspectos de doenças e distúrbios associados ao sistema gastrointestinal, ao fígado, às vias biliares, ao pâncreas, e ao sistema endócrino. Por meio de uma leitura cuidadosa pudemos compreender que inúmeros processos se correlacionam, de maneira que os conhecendo melhor atenderemos às necessidades de nossos pacientes. Os estudos de casos apresentados no item 8 demonstram com clareza a importância do estudo anatomopatológico, para o desenvolvimento do conhecimento acerca dos processos de saúde e doença, importantes para a formação do nutricionista. 148 Unidade II Exercícios Questão 1. Leia o texto a seguir. A infecção pelo Helicobacter pylori (H. pylori) induz inflamação persistente na mucosa gástrica com diferentes lesões orgânicas em humanos, tais como gastrite crônica, úlcera péptica e câncer gástrico. Em relação à infecção pela bactéria Helicobacter pylori, avalie as afirmativas. I – A bactéria Helicobacter pylori pode colonizar o fundo e o corpo do estômago, porém é encontrada em maior densidade no antro. II – A bactéria H. pylori é adaptada para colonizar a mucosa gástrica, pois apresenta afinidade com a composição neutra do muco gástrico. III – A bactéria H. pylori produz a enzima urease, responsável pela hidrólise da ureia e consequente produção de amônia. A amônia induz o pH neutro no interior da bactéria, que confere ao H. pylori resistência à acidez gástrica. IV – A presença da bactéria H. pylori induz a resposta inflamatória em que neutrófilos, macrófagos e eosinófilos geram radicais livres em resposta a mediadores pró-inflamatórios. Os radicais livres podem induzir danos no DNA direta ou indiretamente e estão relacionados ao carcinoma gástrico. É correto o que se afirma em: A) I, II e III, apenas. B) I, II e IV, apenas. C) II, III e IV, apenas. D) II e IV, apenas. E) I, II, III e IV. Resposta correta: alternativa E. Análise das afirmativas I – Afirmativa correta. Justificativa: o H. pylori é encontrado principalmente na região do antro do estômago. A figura a seguir mostra as regiões do órgão. 149 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS ENDÓCRINAS E NUTRICIONAIS Esôfago Parte pilórica Corpo Duodeno Incisura angular Incisura cardíaca Cu rv at ur a m en or Piloro Antro pilórico Cárdia Canal pilórico Fundo Cu rv at ur a m aio r Disponível em: https://bit.ly/338Mq4m Acesso em: 9 fev. 2021. II – Afirmativa correta. Justificativa: o H. pylori apresenta grande capacidade de aderência e é adaptado para colonizar somente a mucosa gástrica (e raramente áreas de metaplasia intestinal). A afinidade pelas células mucíparas gástricas ocorre pela composição neutra do muco gástrico. III – Afirmativa correta. Justificativa: a resistência ao ácido clorídrico é essencial para a sobrevivência da bactéria. O H. pylori produz a enzima urease que promove a hidrólise da ureia, levando à produção de amônia. A amônia atua como receptor de íons H+, que gera o pH neutro no interior da bactéria e confere resistência à acidez gástrica. IV – Afirmativa correta. Justificativa: a presença da bactéria H. pylori induz resposta inflamatória. Diferentes fagócitos (neutrófilos, macrófagos e eosinófilos) geram radicais livres em resposta a mediadores pró-inflamatórios. As espécies reativas de oxigênio e nitrogênio reagem com o DNA e podem induzir alteração da expressão de proto-oncogenes, gerar produtos genotóxicos que podem interagir com alvos moleculares no DNA ou converter pró-carcinógenos em cancerígenos. A infecção pelo H. pylori pode ser o denominador comum entre a gastrite crônica e o carcinoma gástrico. 150 Unidade II Questão 2. Leia o texto a seguir. A doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) é uma das mais importantes afecções digestivas, tendo em vista as elevadas e crescentes incidências, a intensidade dos sintomas e a gravidade das complicações. É definida como a condição que se desenvolve quando o refluxo do conteúdo gástrico causa sintomas e/ou complicações. Em relação à doença do refluxo gastroesofágico, avalie as afirmações a seguir. I – Em recém-nascidos, o refluxo gastroesofágico geralmente é um processo benigno, parte da fisiologia e da maturação gastrointestinal nessa fase da vida. II – Um dos fatores relacionados à fisiopatologia da doença do refluxo gastroesofágico é o relaxamento transitório do esfíncter inferior do esôfago que ocorre quando há distensão do fundo gástrico por alimento ou gás. III – Os sintomas apresentados pelos pacientes incluem pirose e regurgitação ácida. IV – A doença do refluxo gastroesofágico
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