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Centro de Ciências do Homem – CCH Licenciatura em Pedagogia – EAD / semipresencial Disciplina: Psicologia Social Aplicada à Educação Equipe: Gustavo Smiderle e Bianca Monteiro de Castro 2º Encontro: Socialização: o que pode significar isto? Meta: Apresentar diferentes conceitos de socialização. Objetivo: Ao final desta aula, você deve ser capaz de: 1. Explicar a tensão entre indivíduo e sociedade; 2. Aplicar a casos concretos teorias que enfatizam a sociedade determinando o comportamento do indivíduo e outras que focam o indivíduo na construção de sua própria trajetória. I – Para começo de conversa É provável que você tenha uma noção prévia do significado da palavra “socialização”, que não chega a ser estranha ao dia a dia da maioria de nós. Mas uma mesma palavra costuma ter significados diferentes conforme a corrente acadêmica em que esteja inserida, como, aliás, também ocorre no nosso cotidiano. Para conhecer um pouco destes significados, vamos nos guiar pelo artigo “Infância, mídias e educação: revisitando o conceito de socialização”, de Maria Luiza Belloni, uma autora contemporânea. Ela nos lembra que o conceito de socialização varia muito, abrangendo desde concepções mais deterministas (que enxergam a sociedade determinando o comportamento dos indivíduos) até abordagens mais abertas à consideração do papel do indivíduo na construção de sua própria personalidade e atuação no mundo (BELLONI, 2007). Comecemos, então, pelo que já sabemos. O que lhe vem à mente quando falamos em “socialização”? Provavelmente você pensou em algo como “socialização é o ato ou o processo de a gente se socializar, se tornar uma pessoa social, inserida na sociedade”. Imaginando um exemplo prático, você poderia estar pensando em socialização como um processo capaz de transformar dois bebês (um nascido no Brasil, outro no Japão) em um adulto tipicamente brasileiro e um adulto tipicamente japonês. Não é isso? II – Não tenho escolha: a sociedade me invade! A princípio, portanto, e fazendo uma comparação ainda pouco rigorosa, poderíamos pensar que um recém-nascido seja uma espécie de folha em branco a ser preenchida pelo processo de socialização. Se, por hipótese (como às vezes se vê nos romances e nas novelas), o bebê japonês crescesse no Brasil e o bebê brasileiro fosse educado do outro lado do mundo por uma família japonesa, o que aconteceria com os dois ao se tornarem adultos? Claro que, em termos de comportamento, valores e visão de mundo (traços físicos não contam aqui), o nascido no Japão seria muito mais brasileiro do que o nascido no Brasil, não é verdade? Sob este ponto de vista, poderíamos entender a socialização como se fosse um processo pelo qual a sociedade penetra o coração e a mente do indivíduo. Esta concepção — que ainda não é precisa nem consensual, mas também não é absurda — corresponde https://periodicos.ufsc.br/index.php/perspectiva/article/view/1629/1370 https://periodicos.ufsc.br/index.php/perspectiva/article/view/1629/1370 Juliana Realce Aproximadamente (não exatamente, pois estamos abordando de forma didática) a um grupo de teorias sociais que enfatizam a força da sociedade sobre a formação dos indivíduos. Há várias vertentes neste campo, mas poderíamos citar, a título de exemplo, a sociologia de Durkheim (1858-1917), autor francês da segunda metade do século XIX, considerado um dos pais da sociologia. “Para Durkheim (1958), o indivíduo socializado é o produto das influências múltiplas da sociedade, e o objetivo da socialização é a manutenção do consenso que torna possível a vida social.” (BELLONI, 2007, p. 64). Para o autor francês, [...] o antagonismo entre indivíduo e sociedade não corresponde a nada nos fatos. [....] O indivíduo, ao querer a sociedade, quer-se a si mesmo. A ação que ela exerce sobre ele, notadamente por meio da educação, não tem por objeto e por efeito de comprimi-lo, de diminuí-lo, de desnaturalizá-lo, mas, ao contrário, de engrandecê-lo e de fazer dele um ser verdadeiramente humano.(DURKHEIM, 1958, apud BELLONI, 2007, p. 65). Na mesma linha, a antropóloga estadunidense Margaret Mead (1901-1978), em seus trabalhos sobre os ritos de iniciação e diferenças de gênero em tribos de Samoa, na Oceania, aponta o caráter cultural do processo de socialização. Suas pesquisas evidenciam algo que hoje é mais tranquilamente aceito no senso comum: não existiriam personalidades femininas e masculinas naturais, já que os comportamentos típicos do homem ou da mulher são definidos culturalmente. Nesta concepção típica da Antropologia Culturalista, está muito claro que (...) a personalidade e, no exemplo específico, os comportamentos relativos à maternidade, à parentalidade e à criação das crianças são amplamente determinados pela ação da sociedade sobre os indivíduos. (BELLONI, 2007, p. 64). Talvez você esteja achando razoável a argumentação dos que enfatizam a força da sociedade sobre o comportamento dos indivíduos, mas um problema pode ocorrer na sua mente: o que estamos chamando de “a sociedade” é algo muito marcado por diferenças de classe, renda, nível de instrução, e assim por diante. Você pode estar se perguntando: voltando ao exemplo inicial do japonês criado no Brasil, será que aquele menino se tornaria um adulto mais ou menos igual independentemente de ser criado por uma família rica ou pobre? Será que daria no mesmo ser socializado em uma família de brasileiros instruídos ou Juliana Realce Juliana Realce Juliana Realce Juliana Realce Juliana Realce em um lar de pessoas que nunca tiveram acesso à escola? Ser criado no interior da Amazônia ou no bairro mais nobre do Rio de Janeiro? Claro que faz diferença, não é? Pois é. De que sociedade, então, estamos falando? Uma resposta possível a este problema nos é oferecida por Pierre Bourdieu, um sociólogo francês contemporâneo, falecido em 2002. Um dos conceitos mais difundidos de sua obra é o de habitus. Faz lembrar a palavra hábito, em português, mas não é a mesma coisa. Em Bourdieu (1989, p. 61), o conceito de habitus é entendido como um “conhecimento adquirido, um haver, um capital” e indica “a disposição incorporada” para a ação, ou seja, uma forte predisposição para agir de determinada maneira de acordo com o grupo social no qual o indivíduo tenha sido socializado. Na perspectiva de Bourdieu, que se move em uma teoria da dominação, faz toda a diferença se uma criança é socializada em um grupo dominante ou dominado. (Note que ainda estamos em uma vertente que enfatiza o quanto a sociedade condiciona os indivíduos.) Vamos deixar claro um ponto, que pode evitar confusões em encontros futuros ou em outras disciplinas: não é que Durkheim, Margaret Mead ou Bourdieu negassem a existência dos traços tipicamente individuais, mas a ênfase destes estudiosos está na evidência do quanto a sociedade se impõe aos indivíduos. Lembra aquela história do copo meio cheio ou meio vazio, dependendo do ponto de vista de quem observa? Não é que os otimistas acreditem que o copo esteja completamente cheio, nem que os pessimistas acreditem que ele esteja completamente vazio. Trata-se de uma questão de ênfase. Atividade 1 Considere que você esteja participando de um amigo oculto (também chamado de amigo secreto) onde o sorteio é feito na hora em que ele acontece, e não com antecedência. Cada um leva um presente genérico, que possa servir para qualquer pessoa. O método é o seguinte: cada participante deve escrever em um papelzinho algumas de suas próprias características. Na hora do sorteio, a pessoa deve descobrir quem é o seu amigo a partir das características descritas no papel. Escreva quatro características suas e destaque pelo menos uma que você considere ser uma imposição da sociedade sobre o seu jeito de ser. Explique por que você entendecomo determinação da sociedade a(s) característica(s) destacada. A sociedade condiciona os indivíduos Juliana Realce Juliana Realce Juliana Realce Juliana Realce Juliana Realce __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ III – Para me invadir, tem que pedir licença! Agora veremos autores que veem a socialização de outra maneira. Por exemplo, o sociólogo contemporâneo William Corsaro prefere usar, em lugar do conceito de socialização, o de “reprodução interpretativa”. Segundo esse autor, as crianças não assimilam pura e simplesmente a informação vinda do adulto, mas se apropriam criativamente dela para criar suas próprias culturas de pares (CORSARO, 2005, apud BELLONI, 2007). Percebe a diferença? Também George Herbert Mead (1863-1931) — que tinha o mesmo sobrenome de Margaret, mas um pensamento oposto — propôs uma teoria da socialização reconciliando sociologia (que, nos autores clássicos, enfatizava a influência da sociedade) e psicologia (que focava o aspecto individual). Como nos aponta Belloni (2007), para G.H. Mead a Juliana Realce Juliana Realce Juliana Realce socialização não é somente o processo de transmissão e interiorização da cultura, mas também o processo de constituição do ser social, de construção da identidade pessoal, do eu (self), no contato com o outro. O elemento mais importante, aponta Belloni, é a compreensão do processo de socialização como construção da identidade que ocorre na interação. O autor aponta a importância do jogo na socialização e a ocorrência de três momentos fortes: (a) na primeira infância (até os seis anos de idade), a criança aprende imitando inconscientemente os adultos; (b) em um momento seguinte, a criança se torna capaz de participar de jogos com regras explícitas (já não se trata de imitar alguém, mas de se enquadrar em regras abstratas e impessoais, que simbolizam o “outro generalizado”); (c) por fim, o indivíduo se apropria, a seu modo, do espírito da sociedade (mind), no momento em que adquire o reconhecimento do grupo e se identifica com os papéis sociais, aprendendo a desempenhá-los de modo pessoal (MEAD, 2006, apud BELLONI, 2007). Sob este ponto de vista, a socialização não é um processo “de cima para baixo” (apenas da sociedade para o indivíduo), mas sim algo que se constitui na interação entre os indivíduos. Esta perspectiva envolve “o reconhecimento social do personagem que se constrói, a consideração do outro e a incorporação de papéis sociais que significam a aprendizagem de modelos” (BELLONI, 2007, p. 67). Vamos assinalar também aqui: não se trata de negar a influência da sociedade (tanto que se reconhece a existência de papéis sociais a serem incorporados e de modelos a serem aprendidos), mas sim de enfatizar a importância do indivíduo em interação no processo de socialização. Um comentário de Peter L. Berger à obra de Mead, transcrito por Belloni (2007), mostra como estamos na interface entre o nível coletivo e o individual: A análise teórica mais penetrante deste processo é sem dúvida a de (G.H.) Mead, onde a gênese do eu aparece como se confundindo com a descoberta da sociedade: a criança descobre quem ela é aprendendo o que é a sociedade. Ela aprende a desempenhar os papéis que são os seus aprendendo (...) a “assumir o papel do outro” — o que (...) é a função psicossociológica do jogo, no qual as crianças brincam de desempenhar todo tipo de papéis sociais e, ao fazê-lo, descobrem a significação dos papéis que lhes são atribuídos. Toda esta aprendizagem ocorre e só pode ocorrer em interação com outros seres humanos, pais ou quem quer que crie a criança. A criança assume primeiro os papéis em relação com o que Mead chama os “outros privilegiados”, isto é, as pessoas de seu círculo familiar, cujas atitudes são determinantes para a formação de sua concepção de si mesma. Mais tarde a criança aprende que os papéis desempenhados têm sentido não apenas para seu círculo íntimo, mas têm a ver com as expectativas da sociedade em geral com relação a ela (criança). Este nível superior de Juliana Realce Juliana Realce abstração na resposta social, Mead designa como a descoberta do “outro generalizado. (BERGER, 2006, apud BELLONI, p. 68-69, grifos nossos). Atividade 2 Suponha que o casal Adriana e Marcio seja muito religioso. Eles tiveram cinco filhos — três meninas e dois meninos. Todos foram educados com forte ênfase nos ensinamentos da religião dos pais. Isto acontecia não apenas em casa, mas também na escola (todos frequentaram escolas confessionais) e por meio de frequência regular às atividades religiosas. O mundo deles girava em torno da religião. Tudo o que acontecia de importante, na família ou nos registros do noticiário, era compreendido por eles pelas lentes da religião. A grande preocupação dos pais era evitar que seus filhos, na adolescência ou na juventude, abandonassem a fé. Apesar da centralidade da religião na vida da família, seria impossível impedir que os meninos tivessem contato com outras visões de mundo com o decorrer do tempo. No ensino médio, todos tiveram que trocar a escola confessional por uma escola pública, e depois todos ingressaram na universidade. Dos cinco, quatro permaneceram “fiéis” à religião dos pais, mas o mais novo trilhou outros caminhos. Quando perguntado a respeito, dizia que não tinha religião, embora tivesse assumido na prática vários dos ensinamentos de sua infância (por exemplo, a importância de perdoar e dar uma nova chance aos que erram). Na visão dos pais, a participação do rapaz em uma banda de música “do mundo” (profana) teria contribuído fortemente para a mudança nas suas concepções. Como você explicaria, à luz do nosso material de estudo, o fato de quatro filhos terem seguido o estilo dos pais e apenas um ter se diferenciado? __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ IV - Um alô final A essa altura, tendo conversado sobre diferentes perspectivas a respeito do conceito de socialização (algumas enfatizando o peso da sociedade, outras chamando a atenção para a atuação dos próprios indivíduos frente às influências sociais), podemos destacar uma frase de Belloni que sintetiza nosso encontro: “A socialização como categoria sociológica básica podeser compreendida dialeticamente em seu duplo aspecto como a ação da sociedade sobre as crianças e a apropriação do universo de socialização pela ação das crianças.” (BELLONI, 2007, p. 63). Procure dialogar com esse texto, entendendo o que ele tenta dizer, discordando do que lhe parecer pouco convincente. Desafie o texto com problemas que ele não abordou. Se quiser um diálogo efetivo, converse com a gente na sala de tutoria. Tendo dominado a ideia central, leia o artigo que serviu de guia para nossa reflexão. No próximo encontro, ao tratar da socialização, vamos nos deter na perspectiva funcionalista, que se enquadra naquele ponto de vista que enfatiza o quanto a sociedade determina a condição dos indivíduos. Até lá! Referências bibliográficas: BELLONI, Maria Luiza. Infância, Mídias e Educação: revisitando o conceito de socialização. Perspectiva, Florianópolis, v. 25, n. 1, 41-56, jan./jun. 2007. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/perspectiva/article/view/1629. Consulta em: 30/01/19 BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico: memória e sociedade. Lisboa: Difel, 1989 LANE, Silvia T. Maurer. O que é psicologia social - 1ªed. – São Paulo: Brasiliense, 1981 -(Coleção primeiros passos; 39) https://periodicos.ufsc.br/index.php/perspectiva/article/view/1629 Juliana Realce
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