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"' REGULAÇAO NO BRASIL DESENHO, GOVERNANÇA, AVALIAÇÃO Este livro reúne textos de especialistas que representam as mais diversas áreas acadê- micas que nos últimos anos têm se dedicado ao estudo e à pesquisa do marco regula- tório bra,sileiro: administração pública, direito, ciência política e economia. Dinâmicas contemporâneas na regulação de serviços públicos (Élvia Fadul) Regulação da economia: conceito e características contemporâneas (Alexandre Santos de Aragão) Regulação comparativa: uma (des)construção dos modelos regulatórios (Alketa Peci) Agências reguladoras independentes, poder econômico e sanções administrati- vas: reflexões iniciais acerca da conexão entre os temas (Egon Bockmann Moreira) A utilização dos contratos de gestão como instrumento de controle das agências reguladoras (Andreia Cristina Bagatin) Reflexos da regulação econômica na informação contábil prestada pelo ente re- gulado (Ricardo Lopes Cardoso) Accountability e governança do Estado regulador brasileiro (Marcelo Barros Gomes) APLICAÇÃO Livro destinado a profissionais envolvidos em processos de regulação e de privatização em diversos setores da economia brasileira. Leitura complementar para as disciplinas REGULAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS, FLEXIBILIZAÇÃO DA GESTÃO PÚBLICA e TEORIAS DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA dos cursos de Administração de Empre- sas e Economia. Recomendado também para programas de pós-graduação que enfocam a regulação, para candidatos de concursos públicos para agência reguladora e para o staff de ministérios, especialmente na área de infra-estrutura, saúde e fazenda. publicoçoo ~l:los www.EditoraAtlas.com.br ""' __ G LAÇAO NO BRASIL ,.., DESENHO, GOVERNANÇA, AVALIAÇAO Alexandre Santos de Aragão Alketa Peci Andreia Cristina Bagatin Egon Bockmann Moreira / Elvia Fadul Marcelo Barros Gomes Ricardo Lopes Cardoso 1 Dinâmicas contemporâneas na regulação de serviços públicos Élvia Fadul * 1.1 Introdução O debate contemporâneo sobre a regulação nasce a partir da construção de novos arranjos organizacionais para a prestação de serviços públicos, e se traduz em uma proposta de redefinição do papel do Estado na sua relação com a socie- dade e com o mercado. Em um cenário político e institucional marcado por am- plo processo de reestruturação, reduz-se a ação do Estado tradicionalmente pro- vedor, reforçando a sua função reguladora, e cria-se um novo padrão de relação entre setor público e setor privado, que vai afetar fundamentalmente os serviços públicos e seus usuários. É, port~nto, o surgimento de um novo modo de produção com a introdução da participação do setor privado que leva a uma redefinição de competências, reconceituando a função da regulação em novas bases. Ao ser redimensionada e atribuída ao Estado, a regulação emerge, nesse contexto, como o fiel da balança, em um espaço de cristalização de conflitos e contradições, para estabelecer rela- ções estáveis entre os atores, restringindo a força das empresas e do governo na manutenção do equilíbrio do mercado. A regulação se redesenha, assim, no país, como um corolário da necessida- de de promover e manter um ambiente competitivo para o mercado de serviços públicos e como um meio de estimular o investimento privado nacional e estran- * Doutora em Urbanisme et Aménagement pela Université Paris-XII, Institut d'Urbanisme de Paris, França, mestre em Administração e administradora pela Universidade Federal da Bahia. Coordena- dora do Mestrado de Administração Estratégica da UNIFACS. Professora e pesquisadora do Núcleo de Pós-Graduação em Administração da UFBA. Pesquisadora do CNPq. 10 Re gulação no Bras il • Alke ta Peci geiro nas concessionárias, protegendo esses investidores com garantias legais e c?nstitucionais para os investimentos em infra-estrutura. Esta foi a proposta ori- gmal do governo federal em meados da década de 90 no bojo da reforma do Esta- do e do setor público ao criar agências reguladoras e definir marcos regulatórios para os vários setores privatizados. A salvaguarda dos direitos dos usuários é, também, uma função da regulação e consta das finalidades das agências reguladoras, que devem garantir seguran- ça e qualidade dos serviços aos menores custos possíveis e dirimir conflitos entre consumidores e empresas, prevenindo o abuso do poder econômico. Entende-se, contudo, que essas finalidades asseguram apenas os direitos clássicos implícitos em qualquer relação puramente comercial que se estabelece entre empresa e cliente, independentemente do caráter público do serviço prestado. É a suposição de um atendimento correto na prestação de qualquer serviço. No entanto, trata-se da regulação de serviços públicos os quais, quando fo- ram criados, tiveram um papel social e institucional importante no desenvolvi- mento das sociedades contemporâneas, no sentido de viabilizar o funcionamen- to do aparato produtivo, estimular a reprodução da força de trabalho, manter a ordem social, de alguma forma contribuindo para a redução de desigualdades, para a eqüidade e justiça social. O novo modelo de organização que se estabelece afeta diretamente essas missões, fazendo com que estes serviços públicos passem a orbitar no centro de duas lógicas distintas que, a priori, podem ser percebidas como antagônicas: a lógica da rentabilidade e lucratividade, necessária e essen- cial à sobrevivência das empresas privadas e à reprodução do capital, e a lógica redistributiva positiva, da eqüidade e da justiça social. Como a atuação do setor privado repousa na perspectiva da rentabilidade, privilegiando mais os interesses econômicos do que os sociais, preservar os direi- tos dos usuários deve ir além do entendimento da regulação como um simples mecanismo de estabelecimento de tarifas, de quantificação de metas de aten- dimento, de definições de padrões de desempenho e de tamanho do mercado, como forma de zelar pela qualidade do serviço e assegurar a universalidade. Uma das funções da regulação deve ser a construção de um novo compromisso entre Estado e sociedade, protegendo os usuários para além da relação estritamente mercantil com as empresas concessionárias, fazendo com que serviços públicos e regulação caminhem juntos de forma intrinsecamente interdependente. Discu- tir a regulação implica, portanto, em entender como e por que, em determinado momento, o Estado assumiu certos serviços, o que o levou, em seguida, a trans- feri-los para a iniciativa privada, que papel assume a partir de então e como se redefine a sua relação com a sociedaae nesse novo modelo de provisão. .t;. proposta deste artigo é avançar na discussão do impacto que as transfor- maçoes na organização dos serviços públicos têm sobre a sua natureza e essên- cia, contribuindo para o aprofundamento do debate de como a regulação pode exercer uma função mais ampla na manutenção do seu papel social. O texto es- trutura-se de forma a mostrar, inicialmente, a natureza da relação que se estabe- Dinâmicas contemporâneas na regulação de serviços públicos • Élvia Fadul 11 lece .entre ~st~do e s?ciedade, .ao l~ngC: do século passado, com o surgimento dos semços pu.bhcos. Discute as Imphcaçoes das mudanças na lógica de produção desses semços, que vão além da simples repartição de espaços e papéis e da dis- tinção entre públ~co e privado, mas implicam numa redefinição de competências entre os atores cnando novos formatos de inserção ou de exclusão dos cidadãos. Recupera a forma como a regulação foi institucionalizada no contexto do Estado bras~leiro, par~, P?r fim, analisar alguns instrumentos institucionais gerados no âmbito das ~g.e?cias reguladoras que permitem a participação, procurando en- contrar possibilidades de se desenvolver um controle social sobre as agências re- guladoras, que possa corrigir os descompassos entre lucratividade e função social dos serviços públicos. 1.2 Os serviços públicos nas sociedades contemporâneas Chevallier (1987) mostra a importância dos serviços públicosna estrutura- ção das sociedades contemporâneas e sua influência na redefinição da concepção do Estado liberal do século XIX, até então dominado pela idéia de poder e sobe- rania. São as transformações econômicas, políticas e ideológicas do início do sé- cul~ ~· que pas~am a exigir uma intervenção mais ativa do Estado nas relações sociais e no funciOnamento da economia de mercado, para sustentar grandes se- tores, reduzir tensões e preservar a coesão social. O autor mostra, ainda, como a intervenção do Estado materializa-se em diferentes setores e de várias maneiras erigindo o que se conhece como État-providence, Welfare State, Wohlfahrstaat, Es~ tado do Bem-estar Social, Estado Nacional-desenvolvimentista. . No período contemporâneo, o Estado do Bem-Estar Social amplia-se através do mcremento de programas de proteção social, passando, também, a intervir no funcionamento da economia de mercado, substituindo a iniciativa privada na im- pl~ntação de inf:a-estruturas necessárias, produzindo bens e serviços indispensá- veis para o funciOnamento do aparato produtivo, para a produção e reprodução da força de trabalho e para a manutenção da ordem social. Tomando-se como r:ferência o Estado capitalista, os serviços públicos passam a exercer uma pJura- hdade de funções sociais nas sociedades contemporâneas e a ocupar um espaço estratégico na vida.social, significando, naquele momento, o abandono da lógica ~e mer_cado pura em favor dos direitos de cidadania, da defesa das idéias de jus- ttça social, de solidariedade e de universalismo. 1 Com isso, forma-se um círculo vicioso de reforço mútuo entre intervenção do Estado e ampliação dos serviços públicos, numa dinâmica que favorece a ex- pansão da esfera pública situada fora do mercado e o crescimento gradual da máquina burocrática. Este fenômeno ocorre na maior parte dos países liberais, por pressões circunstanciais, por transformações do capitalismo, ou, ainda, numa 1 Ver Chevallier (1987). 12 Regulação no Brasil • Alketa Peci abordagem marxista, para assegurar a preservação das condições gerais de pro- dução. Ao se multiplicarem, durante o último século, os serviços públicos con- solidam a idéia de que o Estado é capaz de atender a todas as necessidades das populações e responder a todos os seus problemas. Os serviços públicos, tradicionalmente, procuravam corrigir as deficiências, carências e inaptidões do mercado, mas, acima de tudo, buscavam minimizar desigualdades, atenuar tensões ligadas às diferenças de condições econômicas e sociais, gerando externalidades positivas, desenvolvendo uma capacidade in- tegradora e procurando satisfazer objetivos de solidariedade. Parecia, portanto, natural e evidente para todo cidadão que esses serviços fossem assegurados pelo Estado, de forma que contribuíssem na luta contra a exclusão social e promoves- sem a coesão social. Passam a ser tão familiares nas sociedades contemporâneas que sua existência e disponibilidade são percebidas como um fato natural e evi- dente, um direito de todos e um dever do Estado. De modo geral, os serviços públicos eram produzidos pelo Estado, através de empresas constituídas com capital público (administração pública indireta) ou por repartições do próprio corpo público (administração pública direta); ou, então, em regime de concessão à empresas de capital privado, mas submetidas à regulação, regulamentação e controle públicos. Ainda que esse modelo tradicio- nal comportasse discriminações e exclusão, dada a carência crônica de recursos financeiros para proporcionar uma taxa aceitável de cobertura dos serviços, pare- cia claro o direito de acesso de todos os cidadãos aos serviços públicos, os quais se qualificavam como indispensáveis ao exercício dos próprios direitos fundamen- tais de cada um, de modo a fazer funcionar a sociedade. 1.2.1 Revisitando os serviços públicos A idéia de serviço público repousa, portanto, no fato de que certas ativida- des sociais, em função da natureza dos seus objetivos e dos interesses que estão em jogo, não podem se submeter à lógica comercial e à busca do lucro, porque devem ser gerenciadas dentro de critérios específicos, permitindo o acesso de to- dos a certos bens e serviços, concorrendo para o equilíbrio social (BAUBY, 1991). Chegando-se a esta constatação, pode-se considerar que certos serviços não pode- riam obedecer à chamada lógica do mercado, mas seriam instrumentos de liberda- de, igualdade e solidariedade, indispensáveis ao equilíbrio social, pois o mercado não tem resposta para todas as necessidades coletivas. Há certos casos em que a missão dos serviços públicos justificou a presença do Estado para tornar acessíveis de forma adequada aos usuários, ameaçados de exclusão por situações críticas ou por insuficiência de recursos, os serviços essenciais dos quais eles têm necessida- de, e que contribuem, mesmo que de maneira simbólica, para a coesão social. A sua gênese, seu crescimento e a construção desta noção constituem um tema amplamente discutido por diversas correntes de pensamento que procuram Dinâmicas contemporâneas na regulação de serviços públicos • Élvia Fadul 13 compreend~r e interpretar ~eu p~oc~sso de evolução. Para Chevallier (1987, p. 61), o crescimento dos semços pubhcos pode ser explicado por pressões sobre 0 Esta~o, estando, também, relacionado à conjuntura econômica, a forças políticas que Impelem o Estado a intervir para corrigir desequilíbrios do mercado e desi- g~aldades s?ciai~. Si?n~fic~ dizer que ?ode se entender a criação de serviços pú- blicos associada a eXIstencm de necessidades sociais e a intervenção do Estado se justifica para os casos em que não pode haver regulação pelo mercado. Pode-se entender, também, o serviço público como um direito social, e as ra- zões de sua criação encontram-se na própria sociedade, nas relações sociais do passado e do presente, na forma de acumulação, na natureza e na intensidade das lutas sociais. Numa visão marxista, segundo Chevallier (1987, p. 63), a oferta de serviços ou dos meios de consumo coletivo pelo Estado, condicionada à lógica do capital, objetiva, também, viabilizar a acumulação capitalista garantindo as con- dições de infra-estrutura para sua reprodução, incluindo a reprodução da força de trabalho. O Estado assume a produção direta do serviço, não apenas para garantir indistintamente o direito ao serviço, mas para definir um modo de consumo. Vi~to~ sob u~ . pris~a jurídico, os serviços públicos são instituições regidas pelo direito admmistrativo que envolvem estruturas e atividades colocadas sob a depe~d~ncia d,ir_et~. ou indireta da esfera pública. A criação de um serviço público estana hgada a Idem de que certas atividades sociais, devido à sua natureza não d~vem se sujei~ar à lógica comercial, mas devem ser gerenciadas segundo p;incí- pws que permitam o acesso de todos. Os serviços públicos seriam os instrumen- tos de liberdade, igualdade e solidariedade, indispensáveis ao equilíbrio social. Mas, na perspectiva jurídica, a decisão concreta de criação de um serviço público é, também, subjetiva e passa através do filtro político. Segundo Laubadere (apud CHEYAL~I~R, 1987; p.105), une activité devient service public lorsque les pouvoirs publzcs decldent de l assumer pour donner satisfaction à um besoin dont ils estiment qu'il serait, sans cesse pris en main, insatisfait ou insuffisamment satisfait. Para alêm das considerações sobre as razões da criação dos serviços públicos e sobre a forma como os mesmos moldaram, durante décadas, a relação do Es- tado com seus cidadãos, a noção de serviços públicos é, ainda, uma noção difícil de con:preen~er, s?bretudo no momento em que eles próprios passam por uma evoluçao consideravel. Dada a complexidade e diversidade das suas missões tor- na-se _difícil delimitar o seu universo e conceituá-los. Deve-se admitir que' este conceito se formou e se deformou ao longo de sua evolução, que não é absoluta- mente linear, sofrendo mutações no curso da história,adquirindo nuances diver- sificadas e novas características. _!'Ja l;gi~lação brasileira, serviço público é todo aquele prestado pela adminis- traçao pubhca. ou por seus ~e~egados, sob ,n?rmas e co~t~oles estatais, para satis- f~~er ~ necessidades essenciaiS ou secundanas da coleTIVIdade ou simples conve- n~en~m do ~stado; e. se c~assificam em serviços públicos e serviços de utilidade p~blzca. Servlços QUblzcos sao os gue a administração presta diretamente à comu- mdade, por reconhecer sua essencialidade e necessidade para a sobrevivência do 14 Regulação no Brasil • Alketa Peci grupo social e do próprio Estado. São considerados serviços privativos do poder público, pois só a administração deve prestá-los, sem delegação a terceiros (defesa nacional, polícia, saúde pública) . Serviços de utilidadey ública são os que a admi- nistração, reconhecendo sua conveniência para a coletividade (não essencialida- de, nem necessidade), presta-os diretamente ou permite que sejam prestados por terceiros, nas condições regulamentadas e sob seu controle, por conta e risco dos prestadores, mediante remuneração dos usuários. Objetivam facilitar a vida do in- divíduo na coletividade, pondo à sua disposição utilidades que lhe proporcionarão mais conforto e bem-estar (transporte coletivo, energia elétrica, gás, telefone).2 Ao longo do seu processo de evolução, nos diversos países, em diferentes épocas e nos vários serviços coletivos, as formas de articulação com o setor pri- vado na sua produção modificaram-se radicalmente, quer seja na totalidade do processo de produção do serviço, quer seja em alguns dos segmentos da cadeia de produção do mesmo. Em outras palavras, serviços inteiramente produzidos pela iniciativa privada no início do século XX, por exemplo, passaram a ter a sua produção inteiramente pública, em um período seguinte. No Brasil, muitas das atividades denominadas serviços públicos de infra-estrutura, por serem setores rentáveis foram, na sua origem, alvo do interesse e da ação de empresas privadas. Atividades como limpeza pública, transporte urbano e abastecimento de água, organizadas em nível local, foram criadas por pequenos empreendedores priva- dos, enquanto que os serviços de transporte ferroviário, de energia elétrica, de correios e das telecomunicações foram estruturados, inicialmente, por empresas estrangeiras. O Estado vai intervir, em seguida, nesses setores, chegando a assu- mir parcial ou totalmente a responsabilidade da produção e da oferta dos servi- ços, até que a crise revela os limites do projeto do Estado prestador de serviços e as relações Estado/sociedade ensaiam um novo desenho, aparentemente em um movimento cíclico. 1.2.2 Impacto das mudanças organizacionais na lógica de produção dos serviços públicos Quando se fala em regulação de serviços públicos, nos dias atuais, essa no- ção vem fortemente associada à crise do Estado3 e aos conseqüentes processos de reforma que permearam as agendas dos governos nos anos 80 e 90, no Brasil na América Latina, e nos demais países capitalistas envolvidos com o ajuste es~ 2 Ver particularmente Hely Lopes Meirelles, 1997. 3 Esta crise é entendida a partir de diversos prismas- crise financeira, crise fiscal, crise de paradig- mas, de métodos e de instrumental de gestão, crise de legitimidade, crise do modo de intervenção estatal, crise do modo burocrático de administrar, crise de govemabilidade e de govemança, crise de identidade, crise das formas políticas estatais, crise de proteção institucional, crise das formas de provisão de serviços públicos-, e é discutida por vários autores, como Przeworski e Wallerstein, 1982; Habermas, 1987; Jaramillo, 1988; King, 1988; Draibe e Henrique, 1988; Fagnani et al., 1989; Bresser Pereira, 1992 e 1996; Benko, 1996; Ferreira, 1996; Rosanvalon, 1997; Fedele, 1998, entre outros. Dinâmicas contemporâneas na regulação de serviços públicos • Élvia Fadul 15 trUtural. A crise do Estado, ou a crise do modelo de Estado intervencionista foi 0 grande fant~s~a do fina! ~o século XX,' q~e circundou decisões e ações de' go- vernantes, pohtlcos e admm1stradores pubhcos, assustou a sociedade e permeou 0 pensamento de pesquisadores, de cientistas políticos e sociais. As discussões que se processam, agora, acerca da regulação e das transfor- mações operadas nos serviços públicos, são resultantes desses eventos- crise e reforma do Estado-, que no Brasil estiveram associados às privatizações de em- presas e serviços públicos nos diversos setores da infra-estrutura. Com o discurso da prestação de um melhor serviço ao cidadão, através da redução da rigidez da racionalidade burocrática, a reforma de 1995 opôs sistematicamente a suposta inflexibilidacle do Estado protecionista e redistribuidor às virtudes do mercado. Na perspectiva dos governos brasileiros ao longo da década de 90, reformar o Es- tado significou, antes de tudo, reduzir o seu tamanho, privatizando bens e servi- ços coletivos até então produzidos pelo setor público. Esta apologia e dogmatismo do mercado tomam-se o fio condutor funda- mental dos discursos reformistas do final do século passado, sob o postulado da superioridade da regulação pelo mercado, como sendo o meio mais eficaz, mais racional e mais justo de harmonização de comportamentos e ações. A proposta foi aliviar a intervenção do Estado para deixar atuar os mecanismos de mercado, suprimindo a maior parte dos dispositivos que podiam entravar ou falsear o seu funcionamento (regulamentações, subvenções) , aliviando os constrangimentos (desregulamentação) e privatizando empresas e serviços públicos. O discurso do- minante foi o da redução do tamanho do Estado, do enxugamento de sua máqui- na administrativa e da revalorização extrema das virtudes do mercado pelo enga- jamento de empresas privadas na oferta de serviços tradicionalmente produzidos e gerenciados pelo setor público. As privatizações vão redefinir relações contratuais entre tutela do Estado e os operadores, implicar na introdução da competição nos mercados e mudar o pa- drão de financiamento dos serviços. Os serviços públicos saem de uma lógica do Estado de direito, consolidada pelo direito público, voltando a orbitar em tomo de uma lógica econômica. Quanto à organização dos serviços, esta parece articular-se a uma nova referência, que não aquela associada ao desenvolvimentismo, mas a uma outra que tem como palavra-chave a competitividade. A lógica de organiza- ção anterior, baseada na oferta extensiva de infra-estruturas de base, é substituída por outra, baseada na demanda diferenciada por serviços estratégicos, fatores de competitividade, fazendo surgir novos segmentos de serviço. Agora já parece na- tural e evidente que muitos desses serviços sejam passados à execução da inicia- tiva privada, sob a crença de que as leis do mercado são capazes de atender, com eficiência e eficácia, às necessidades das comunidades por serviços coletivos, quer sejam eles essenciais, apenas facilitem a vida dos cidadãos nessas comunidades. Sem resolver completamente as questões de eficiência, esse novo modo de organização dos serviços públicos pode estar colocando alguns usuários cada vez mais distantes do acesso regular e contínuo a certos serviços básicos e do- 16 Regulação no Brasil • Alketa Peci miciliares. De fato, como assinala Rabi (1996), diversas experiências em países latino-americanos mostram que a privatização de serviços públicos resultou na combinação de monopólios privados, sujeitos às mesmas ineficiências anteriores, associados a estruturas governamentais centralizadas, e esta combinação teria criado uma distância ainda maior entre os cidadãos usuários e seus provedores. Trata-se, portanto, de manter as missões de interesse coletivo, de universali- dade, de solidariedade dos serviços públicos, até então garantidas pelo Estado, já que a produção privada de serviços públicos não comporta uma lógica de justiça social. É nesse cenário que a regulação surge e passa aser, de fato, necessária e indispensável para impedir que a lógica econômica se sobreponha a critérios de eqüidade social e territorial. O Estado passa a ser o agente de equilíbrio dessas relações através de órgãos públicos - agências reguladoras -, devendo controlar a atuação do prestador privado do serviço público. 1.3 A complexidade da regulação: interação, equilíbrio ou forma de dominação? Com o objetivo de compreender a noção de regulação utilizada no âmbito das ciências humanas e da sociedade, e de encontrar as possibilidades de sua aplicabilidade ao contexto da organização e do funcionamento de serviços públi- cos de infra-estrutura privatizados, procurou-se esboçar um conceito que pudes- se funcionar, ao mesmo tempo, como um instrumental de análise de um sistema complexo, aberto e em movimento constante, e que traduzisse a dinâmica dos diversos componentes desse sistema. A regulação é, também, um termo difícil de conceituar e a dificuldade em conceituá-lo reside na própria complexidade que ela encerra em si mesma. O fato de constituir-se em um conjunto de dispositivos que se interligam e determinam uma pluralidade de atos diversos e sucessivos sobre um objeto ou um fenômeno com vistas ao seu ajustamento, faz da regulação uma idéia fluida, oscilante, qua- se utópica. Efetivamente ela é, apenas, o estado de equiUbrio de um sistema em um deter- minado momento. Ou seja, o equilíbrio de um sistema regulado é um estado de referência no qual as relações de força encontram-se momentaneamente sob con- trole. A regulação implica, portanto, na existência prévia de tensões, de um con- flito, de um desajuste de comportamentos dos diversos elementos e, em seguida, em uma adaptação (temporária), como forma de encontrar coerência e regulari- dade na interação dos seus diversos componentes. O termo tem, ainda, significados múltiplos e pode ser utilizado por diversas disciplinas. Segundo Lemoigne (1988, p. 6), "O próprio termo é moderno e os di- cionários aceitam-no, ainda, com prudência, buscando suas origens no século XV onde ele expressava, muito mais, a idéia de dominação" [tradução do autor]. O Di- Dinâmicas contemporâneas na regulação de serviços públicos • Élvia Fadul 17 cionário de Ciências Sociais não registra o termo e o Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa traduz a regulação como ato ou efeito de regular(se) e regular como sujeitar a regras; dirigir; regrar. Já Le Nouveau Petit Robert, Dictionnaire de la Langue Française constrói a definição de regulação a partir de várias considera- ções de ordem mecânica: "ação de regular; de ajustar um aparelho"; ou de manter em equilíbrio, de assegurar o funcionamento correto (de um sistema complexo _ como uma estrada de ferro, por exemplo); cibernética: "regulação e auto-regu- lação em cibernética"; econômica: "regulação de fenômenos econômicos"; biológica: "regulação de nascimentos, controle da natalidade" e ainda, fisiológica e térmica. Existem, historicamente, várias abordagens e diversas formas de conceituar a regulação: a biológica (o conceito de homeostase), a mecanicista (o conceito de sujeição, submissão), a estruturalista (a idéia de auto-regulação) e, mais tarde, Piaget (1968) introduz o conceito de equiUbrio, reunindo todas as formas de ajus- tamento, aplicado também aos sistemas econômicos, no qual as duas formas fun- damentais e dialéticas de adaptação são: a acomodação e a assimilação. É através desta dialética da acomodação como uma forma defensiva e da assimilação como uma forma ofensiva que Piaget (1975) vai discutir a problemática da epistemolo- gia e da psicologia genética. A definição de Canguilhem (1968), elaborada num contexto da epistemolo- gia da biologia, considera que O conceito de regulação encerra, no mínimo, três idéias:- a idéia de rela- ção de interação entre elementos instáveis; -a idéia de critério ou de re- ferência;- a idéia de instrumento de comparação.4 A regulação é o ajusta- mento determinado por certas regras, de uma pluralidade de movimentos ou de atos, e de seus efeitos ou produtos, os quais sua diversidade ou sua sucessão os torna independentes uns dos outros. É uma definição que permite avançar num desenvolvimento teórico capaz de isolar o conceito de regulação das considerações cibernéticas, biológicas e es- truturalistas através das quais ele é normalmente compreendido. Contém, ainda, aspectos metodológicos e instrumentais que permitem construir uma engenharia da regulação, ou seja, a discussão do como esses ajustamentos de uma pluralidade de movimentos e atos diversos e sucessivos ocorrem em função de certas regras e normas. Essa concepção de Canguilhem (1968) tem o mérito de evidenciar a complexidade do conceito de regulação de um sistema vivo. Para facilitar a comunicação entre os diversos especialistas que se preocupam com a estabilidade de processos, Lemoigne (1988) introduz uma tipologia que pode ser resumida em quatro conceitos através dos quais se expressa, atualmen- te, a função de regulação: (a) o sistema se regula por seus próprios meios, articu- lando seus componentes; (b) o sistema desenvolve um certo número de parâme- 4 Tradução e grifos do autor. 18 Regulação no Brasil • Alketa Peci tros que permitem modificar os comportamentos de seus componentes, de modo a fazer surgir uma nova configuração interna e, assim, um novo comportamento global melhor ajustado; (c) o sistema reestrutura e reorganiza a combinação de suas interações, em geral, enriquecendo-as, ou seja, ele desenvolve, ao mesmo tempo, suas redes de conexão internas e uma variedade de fluxos que determi- nam essas redes; (d) o sistema tem que estar permanentemente em equilíbrio e nesta ação permanente ele desenvolve estratégias combinando regulação, aco- modação e assimilação, que fazem emergir novas morfologias sem, contudo, sa- crificar sua identidade original. Ele se equilibra muito mais na sua ação ou no seu projeto do que na sua natureza ou na sua forma. Esta tipologia de regulação supõe, em primeiro lugar, que o sistema tem uma dinâmica própria e que, dentro de uma lógica própria, ele cria seus próprios mecanismos de ajustamento e de interação e estes determinam sua morfologia, cujos contornos são moldados sem se deformarem, nem se desfigurarem, conser- vando suas propriedades gerais. Objetivando chegar a um conceito de regulação que possa ser aplicável à ges- tão e à produção social de serviços públicos, retêm-se, desta tipologia, que se con- sidera ainda genérica, alguns elementos essenciais, associando-os a duas idéias que parecem fundamentais para definir regulação no contexto deste artigo: uma é a idéia de equihôrio (de estabilidade): a regulação de um sistema (complexo) compreende a manutenção do equilíbrio deste sistema e a finalidade primordial da regulação é assegurar seu funcionamento correto. A outra remete ao conceito primitivo de regulação, que expressava a dominação: é a idéia de controle. Assim, se o termo regulação encerra, a priori, a noção de equilíbrio e de esta- bilidade traz, também, subjacente, a noção de controle e de dominação, sugerindo que o ato de regular implica na sujeição de todos os elementos de um sistema, atra- vés de mecanismos de ajustamento - regras e normas - e na subordinação de um elemento a outro. A estabilidade seria alcançada pela subordinação do mais fraco ao mais forte, constituindo-se numa configuração transitória, num estado de refe- rência em que as relações de força encontram-se momentaneamente sob controle. Nesses termos, a regulação de serviços públicos de infra-estrutura, conside- rados como sistemas complexos, abertos, em transformação constante, significa- ria a sucessão dos diversos atos, traduzidos em "regras e normas, critérios e re- ferências", para a harmonização de comportamentos que, num dado momento, privilegiam um ou alguns dos seus elementos, e cujo objetivo é não apenas o de controlar, mas equilibrar e fazer funcionar corretamenté o sistema. Esta noção moderna de equilíbrioconduz à percepção de que a regulação não se limita ape- nas ao conceito primitivo que expressava a dominação, traduzida pela aplicação de dispositivos para o exercício do controle, mas remete à idéia da possibilidade 5 Compreende-se como funcionamento correto do sistema aquele que é adaptado, ou que é com- patível com a estrutura e os comportamentos que lhe foram atribuídos. Dinâmicas contemporâneas na regulação de serviços públicos • Élvia Fadul 19 de ajustamento dos comportamentos, para alcançar harmonia entre interesses gerais da sociedade, interesses políticos do governo, interesses privados e econô- micos do setor ao qual a regulação se aplica. Significa dizer que a regulação pode ser vista como uma forma de controle e de dominação, fundamentada em dispositivos jurídicos formais (normas, con- tratos, acordos) precisos estabelecidos de forma vertical, normativa e unilateral, que podem ajudar a reduzir as incertezas, permitindo que as empresas prevejam seus investimentos em função da duração de um contrato. Mas, também, sugere um sentido novo ao termo regulação, de recomposição das relações entre Estado, mercado e cidadãos. Nesses termos, a noção de equilíbrio não fica restrita apenas ao sentido de equilíbrio do mercado, mas se desdobra no intento da manutenção do interesse público, 6 respondendo às demandas quantitativas por serviços, satis- fazendo às exigências qualitativas dos usuários, ouvindo as suas expectativas de modo a reconhecer o seu lugar central na finalidade do serviço público. A regulação poderia ser utilizada como uma forma de coordenação baseada em mecanismos coletivos, que procuram criar relações estáveis entre os atores, que não sejam baseadas apenas no dinheiro, nem na competição ou no antago- nismo. Seriam relações que culminam num acordo tácito, que permitiria condu- zir de forma harmoniosa a ação coletiva. Este equilíbrio entre interesses privados e o interesse público, que significa preservar o caráter público de serviços essen- ciais independentemente das condições de competitividade e de rentabilidade que os mercados exigem, não tem sido ressaltado no contexto brasileiro, que en- fatiza apenas a idéia de controle exercido sobre as empresas. 1.3.1 O controle no modelo brasileiro de regulação Embora esta noção de controle, que permeia as especificidades da função de regulação, seja muito mais ressaltada do que a idéia de equilzôrio (mediação) que ela deve proporcionar ao sistema que regula, o controle, no âmbito das agências reguladoras, ainda não é um instrumento completamente compreendido e desen- volvido nos seus vários sentidos e nas suas várias dimensões. O controle, na regu- lação, é, ainda, bastante enfatizado como uma forma administrativa de expressar o poder e a dominação, demonstrando o domínio que o Estado pode exercer so- bre os regulados. Isto porque, na relação público/privado no contexto brasileiro, não há indícios de possibilidade do surgimento autônomo de um compromisso tácito e recíproco entre as partes, de forma que as suas estratégias, ainda que mo- 6 Com o advento do Estado moderno, ao procurar-se separar do domínio total do Estado o que era propriedade privada do príncipe, ou seja, o domínio privado do Estado, nasce o conceito de domínio público. O domínio público era o domínio que servia e deveria ser preservado aos usos públicos. O domínio público são as coisas públicas das quais o Estado dispõe com base no direito público e que se constituem no que se chama, hoje, de interesse público, o qual o Estado é obrigado a defender e sobre o qual se fundamenta o conceito jurídico de serviço público. 20 Regulação no Brasil • Alketa Peci tivadas por interesses divergentes, possam convergir sobre os mesmos objetivos de eficácia do sistema regulado, numa espécie de regulação espontânea. Isso faz com que o controle que as agências podem exercer sobre as concessionárias seja, ainda, o único dispositivo capaz de manter o sistema regulado em equilíbrio. As agências reguladoras, criadas em um contexto de grande efervescência tan- to no campo econômico, quanto político, foram, de fato, concebidas com a fina- lidade de controlar os serviços públicos delegados, ordenar o seu funcionamento e perseguir a sua eficiência. Estabelecer controle significa, portanto, estabelecer padrões e avaliar desempenhos, corrigindo os rumos da ação do concessionário através de regulamentos e normas e através da fiscalização do cumprimento da~ metas e da aplicação de sanções. O controle aparece na atuação das agências nos termos em que estas devem e~ercer severa e rigorosa fiscalização sobre as concessionárias. Identificam-se, amda, aspectos de controle dos mercados significando a utilização de métodos regulatórios para controlar e disciplinar a entrada e a saída de agentes e investi- dores no mercado, de forma a evitar prejuízos para os consumidores (ver SALGA- DO, 2003). Para cumprir essas atribuições as agências contam, na sua estrutura organizacional, com órgãos de acompanhamento e controle, com a finalidade de desenvolver estudos para avaliar tarifas, qualidade, desempenho econômico e fi- nanceiro das empresas concessionárias. Um sistema regulatório é, sem dúvida, um instrumental técnico construído para exercer o controle sobre as concessionárias, mas é, também, ou antes de tudo, um compromisso social e político, que se consolida através de instituições e regras para articular os interesses das esferas produtivas com os dos cidadãos ou seja, para conciliar objetivos sociais com economia de mercado. Nesses term;s, o processo de regulação vai se colocar em um plano muito mais amplo, que é o de desenvolver a responsabilização (accountability), definindo padrões de transpa- rência, de ampla publicidade das normas pertinentes ao ente regulador, de seus procedimentos, decisões e de seus relatórios de atividade. 1.3.2 Controle social e autonomia O marco regulatório, que nasce em 1996 criticando o aparato regulatório exis- tente como sendo enorme, obsoleto, burocratizante e, em essência, intervencionista, insiste na perspectiva de criação de um modelo de regulação democrática, com plena transparência nas suas decisões. No entanto, a transparência, bem como o controle social, ou, como expresso no vocabulário anglo-saxão, accountability, não apenas no sentido da prestação de contas à sociedade do processo de tomada de deci~ão, mas no sentido de preservar e proteger o interesse público, embora sejam, no discurso, potencialmente significativos, na prática têm sido colocados como uma preocupação secundária no universo da regulação dos serviços públicos. Dinâmicas contempo râneas na regulação de serviços públicos • Élvia Fadul 21 Por outro lado, o marco regulatório insiste em que as agências reguladoras deveriam ter ampla autonomia gerencial, financeira e operacional e independên- cia decisória. A independência ou autonomia decisória e financeira desses orga- n~s~os é c.oloca~a como requisito necessário para reduzir as incertezas regula- tonas dos mvestidores e, ao mesmo tempo, criar as condições para a defesa dos usuários, de modo a reduzir os efeitos das assimetrias de informação e eliminar eventuais riscos de captura da agência reguladora pelas empresas reguladas ou por grupos políticos de pressão. Em outras palavras, as agências reguladoras fo- ram constituídas de forma a gozar de independência, devendo o seu processo de tomada de decisão ser protegido da captura por pressões políticas de curto prazo pela indústria regulada ou outros grupos de interesse. ' A ausência histórica de uma cultura regulatória desenvolvida no contexto brasileiro fez com que as agências reguladoras enfrentassem problemas no iní- cio da sua atuação, fazendo com que a autonomia passasse a ser a pedra angular para o sucesso do modelo de regulação instituído. Esta autonomia passa a cons- tituir não apenas a sua característica essencial, mas também se transforma em um traço polêmico, no momento em que o executivo federalconsidera que as agências 9ozam de uma autonomia excessiva que inviabiliza seu controle pelo governo. E, contudo, consenso geral entre aqueles que discutem a autonomia das agências que conceder substancial discrição ao executivo no que diz respeito à regulação pode levar à captura regulatória quando permite a diferentes grupos de interesse auferirem benefícios, preterindo o processo regulatório (ver VILLE- LA; MACIEL, 1999). No discurso, a justificativa do executivo federal para impor limites à auto- nomia das agências reguladoras assenta-se, justamente, na idéia de ampliar o c?nt~ole ~ocial, com mecanismos que permitam a responsabilização e a transpa- rencia, tais como a prestação de contas e as audiências públicas, apresentação de relatórios anuais ao ministério ao qual a agência esteja vinculada e ao Congresso Nacional; a. obrigatoriedade de contrato de gestão entre o ministério e a agência e a criação de ouvidorias em todas as agências. Mas, na prática, a natureza da discussão parece indicar que a ênfase do go- verno federal em tomo da autonomia das agências tem uma conotação muito mais política do que técnica e operacional. A preocupação não parece estar cen- trada em exercer um controle sobre as agências na perspectiva de proteção dos usuários ou da manutenção do interesse público. O controle pretendido é um controle sobre as ações das agências e não sobre a essência e a natureza dos ser- viços que por elas são regulados. . Os questionamentos do governo federal acerca da independência e autono- mia das agências ganhariam muito mais sentido e pertinência se levassem em co~ta. que é necessário manter o equilíbrio entre autonomia e responsabilização, ~efmmdo padrões de transparência que permitam o controle social. A excessiva ~nfase que vem sendo imprimida sobre a questão da autonomia, pela impossibi- lidade do poder executivo "regular" as agências aparentemente num retorno ao 22 Re gulação no Brasil • Alketa Peci passado e à forma burocratizante e, em essência, intervencionista de administrar, mascara uma questão fundamental na atuação das agências reguladoras, que re- side na ampla publicidade das normas pertinentes ao ente regulador e de seus procedimentos, ou seja, na transparência das decisões. Se, por um lado, a autonomia requerida pelos organismos de regulação se apresenta como condição necessária para reduzir as incertezas dos investidores, criar condições para a defesa dos usuários e eliminar riscos de captura, por outro lado, um dos princípios fundamentais da atuação dos organismos de regulação reside, também, na transparência e responsabilização. A questão que deve ser co- locada é, justamente, saber se a autonomia das agências de regulação, do modo como foi preconizada na lei, permite a transparência ou, ao contrário, pode ainda restringir as possibilidades de controle social. 1.3.3 Formas possíveis de controle social no modelo de regulação Com as perspectivas abertas pela Constituição de 1988, considerada como a "Constituição cidadã", foram instituídos, na administração pública brasileira, al- guns mecanismos que permitiram criar canais de participação democrática dos cidadãos em questões sociais. Neste conjunto inclui-se, também, a participação dos cidadãos no controle dos serviços públicos agora concedidos à execução pri- vada. A legislação que criou as agências reguladoras a partir do processo de re- forma iniciado em 1995, por sua vez, estabeleceu certos dispositivos que podem ser entendidos como mecanismos de participação e controle social, tais como audiências públicas, conselhos consultivos e as ouvidorias, que são formas de viabilizar a transparência nas ações e têm um caráter educativo, servindo de ins- trumento de aprendizagem e de desenvolvimento de uma cultura de regulação na sociedade. Segundo Di Pietro (1998), quando se transfere ares publica para a gestão da iniciativa privada, o controle tem que ser permanente. A autora aponta, ainda, al- guns tipos de controle social já existentes neste contexto: o exercido pelo próprio usuário com denúncia de irregularidades para ouvidorias, o Tribunal de Contas, o Ministério Público, Comissões de Ética, Procon entre outros; o controle exercido pela mídia exigindo transparência no trato com a coisa pública; o controle exer- cido pelas organizações não governamentais. 7 7 De fato, as agências reguladoras estão submetidas a alguns tipos de controle: (a) um controle de gestão, exercido pelos Tribunais de Contas e que se refere à aplicação dos recursos disponíveis; (b) um controle pelo Poder Legislativo, que se refere ao cumprimento das políticas públicas esta- belecidas na sua área de competência, realizado através de relatórios semestrais e argüições em comissões específicas do legislativo; (c) um controle contra abusos e ilegalidades, exercido pelo Poder Judiciário; (d) um controle relativo ao alcance de suas metas e consecução de suas atividades de regulação, exercido pelo Legislativo, pelo Executivo e, de certa forma, pela sociedade em geral. (Ver ABAR, p. 50.) Dinâmicas contemporâneas na regulação de serviços públicos • Élvia Fadul 23 Campello (2003) faz algumas considerações acerca da noção de controle so- cial e das diferentes formas de conceituação através dos autores Carvalho (1996) , Abramovay (2001), Simionatto (s. d.) e Barbosa (2001). A concepção de Carva- lho (1996) considera que o significado original do termo estabelecido pela socio- logia e pela psicologia foi invertido, visto que originalmente era utilizado para demonstrar o domínio do Estado sobre os grupos sociais, passando, atualmente, a traduzir o controle que uma sociedade pode exercer sobre o Estado. Abramo- vay (2001) considera que instrumentos normativo-legais são insuficientes para garantir o controle social que depende da cooperação e de um aprendizado con- tínuo. Já o conceito de Simionatto (s. d.) talvez seja o mais abrangente e 0 que mais se aproxima da perspectiva deste capítulo. A autora considera que "o contro- le social, também denominado de democracia direta, refere-se às formas organi- zativas formais e informais da sociedade, necessárias à fiscalização das organiza- ções públicas e privadas". De certa forma, Barbosa (2001) aproxima-se, também, dessa concepção, quando considera que o controle social é uma inovação porque prescinde ou se distancia da democracia representativa, e surge como forma de manutenção e ampliação do espaço do público, que deve ir além do estatal. É importante sublinhar a conceituação de Simionatto (s. d.) , porque a maio- ria dos textos que tratam de controle social, sobretudo aqueles que se dedicam à análise de mecanismos de controle externo exercidos pela via de entidades de fiscalização superiores (Tribunais de Contas) e de outras formas de controle no campo da regulação, enfatiza o controle que deve ser exercido sobre as agências de regulação ou sobre os órgãos da administração pública de modo geral. A idéia de participação popular é sempre conduzida para a atuação no processo político, nas decisões governamentais e no controle da gestão pública. A preocupação do exercício de um controle sobre as empresas privadas, que hoje prestam serviços públicos, é um tema ainda obscuro, o que mostra a atuali- dade e a pertinência do debate. No momento em que a res publica é privatizada ou transferida para a gestão privada em setores que afetam os direitos dos cida- dãos, esta gestão deveria ser também controlada pela própria sociedade: atra- vés da atuação das agências reguladoras, através dos mecanismos legítimos da democracia representativa, mas, também, através da participação do usuário do serviço em conselhos das próprias empresas. Nesses termos, a inversão de significado apontada por Carvalho (1996) teria que ser ampliada com a perspectiva de Simionatto (s. d.), para chegar-se a uma compreensão do controle ou da regulação social - que é a proposta utilizada no âmbito deste capítulo - como aquele que é exercido pelo cidadão sobre agestão da coisa pública (res publica), qualquer que seja o agente responsável por sua gestão. Felder e López (1999), discutindo a participação dos usuários no controle dos serviços públicos privatizados aplicada na telefonia na Argentina, apontam como iniciativas de institucionalização de canais de participação as pesquisas de opinião e as audiências públicas. No entanto, ainda que os resultados das pesqui- sas não obrigassem as empresas a modificarem os padrões de serviços questiona- 24 Regulação no Brasil • Alketa Peci dos, as empresas telefônicas não quiseram aceitar os resultados como base para elaboração de um indicador de qualidade dos serviços de telefonia na Argentina. Segundo as autoras, a Telefônica de Argentina considera que "no existe correlación necesaria entre la adecuada tutela de los derechos de la clientela y los usuarios y la implementación de un sistema como el que se propone", e interpus o un recurso de amparo contra la obligación de cumplir con este procedimiento. Por su parte, Telecom sostiene que los estudios de opinión no deben constituir un mecanismo paralelo de evalua- ción de las metas y, en coincidencia con Telefônica, manifiesta serias reti- cencias a la posibilidad de difusión de los resultados. Já as audiências públicas na Argentina funcionam exclusivamente como ins- tâncias de consulta, sem comprometimento dos reguladores de acatar as reco- mendações ou de funcionar como um espaço de negociação com os usuários, opinião sustentada por Rodríguez Pardina (1998, p. 12, apud FELDER e LÓPEZ, 1999). No entanto, López (2000) demonstra que a audiência pública no caso do grande black-out ocorrido em fevereiro de 1999 na Argentina mostrou-se funda- mental para modificar a posição da empresa privada de energia elétrica Edesur S.A. com relação ao ressarcimento de perdas sofridas pelos usuários. La audiencia pública convocada ante el "gran apagón" demostró ser un mecanismo de enorme potencial para la participación de los usuarios y sus asociaciones en la evaluación y el control del funcionamiento de los servi- cios públicos. Dicha instancia se transformá en el escenario propicio para el ejercicio de una suerte de accountability "cruzada", en la medida en que las responsabilidades por el siniestro recayeron tanto en el sector privado como en la clase política y en la propia administración, expresada en la fi- gura del ente regulador (LÓPEZ, 2000, p. 18). Na Argentina há ainda as associações de usuários e consumidores que co- meçaram a se organizar na segunda metade da década de 90 e funcionam como intermediárias entre usuários, empresas e administração pública (FELDER; LÓ- PEZ, 1999, p. 11). Oszlak e Felder (2000), também discutindo a capacidade de regulação estatal na Argentina e a relação que deve existir entre as responsabili- dades da regulação e a capacidade institucional, concluem que os entes criados pelo governo argentino para regular os serviços públicos privatizados apresentam importantes déficits de capacidade institucional para o exercício desta missão, so- bretudo para proteger o interesse público envolvido e o dos usuários. Os autores afirmam ainda: Um recente estudo financiado pelo Banco Mundial (Chisari, Estache e Ro- mero, 1997) analisa o impacto das privatizações sobre a eqüidade [ ... ]. Esse estudo demonstra que, se as regulações e controles funcionassem cor- retamente, as empresas privatizadas deveriam transferir aos usuários qua- se 1 milhão de dólares, o qual equivale a um "sobre preço" de 16% sobre o Dinâmicas contemporâneas na regulação de serviços públicos • Élvia Fadul 25 consumo desses usuários. A porcentagem chega a 20% quando a estimati- va efetua-se para os usuários de menor renda relativa (OSZLAK; FELDER, 2000, p. 30) . Estudos relativos à regulação de serviços públicos concedidos, que tratam da proteção do usuário, no Brasil, têm dado ênfase nas ouvidorias como forma pos- sível de controle e como um canal de acesso dos usuários aos reguladores. As ou- vidorias representam um instrumento para a comunicação direta do cidadão com a administração pública. A função da ouvidoria (ou do ouvidor, o ombudsman8) é receber a reclamação do cidadão, procurar identificar as causas, a procedência e encontrar os meios para solucioná-la. A ouvidoria é uma instituição que auxilia o cidadão em suas relações com o Estado, funcionando como uma crítica interna da administração pública referente aos serviços públicos prestados aos usuários, seja direta ou indiretamente. Percebe-se, no entanto, que o papel da ouvidoria fica restrito aos casos de reclamações mais complexas ou aos problemas já notificados, porém não resol- vidos, funcionando como uma espécie de controle de qualidade dos serviços pú- blicos, apontando falhas e auxiliando na busca de soluções para os problemas. Apesar da figura do ouvidor ser considerada uma figura-chave neste processo de controle social e um espaço importante que deve ser estimulado e ampliado, suas funções parecem restringir-se, ainda, a investigar queixas, escolher quais são mais importantes, ouvir testemunhas, produzir registros e propor soluções, caso a caso, ou seja, dirimir conflitos e solucionar problemas individuais. A intervenção da ouvidoria não se manifesta em proposições no sentido de zelar pela manuten- ção de certas características que tinham os serviços públicos em uma coletivida- de, relativas à redução de desigualdades, eqüidade e justiça social. As audiências públicas começam, também, a ser utilizadas como mecanis- mo de participação dos usuários, o que pode aumentar a transparência dos atos decisórios das agências, permitindo que se possa acompanhar o julgamento de processos, bem como o processo de tomada de decisões das agências. A ANEEL, por exemplo, vem fazendo suas reuniões da Diretoria abertas ao público desde 2004, o que pode ser um passo para aumentar a transparência dos atos decisórios da agência, permitindo que qualquer pessoa possa acompanhar o julgamento de processos, bem como o processo de tomada de decisões da agência. Ainda assim, considera-se que a figura do usuário dos serviços públicos, que representa o ator principal para o qual o serviço foi criado, no contexto brasilei- 8 "A palavra OMBUDSMAN é de origem sueca e significa 'representante', ou 'pessoa que administra de dentro para fora'. Muitas outras designações são usadas para identificar essa função. Por exem- plo, 'defensor del pueblo' é o título usado em países de língua espanhola (Espanha, Argentina, Peru e Colômbia), 'parlamentary commissioner for administration' (Sri Lanka e Reino Unido), 'médiateur de la république' (França, Gabão, Mauritânia e Senegal), 'public protector' (África do Sul), 'protec- teur du citoyen' (Quebec-Canadá), 'volkswaltschaft' (Áustria), 'provedor de justiça' (Portugal), são algumas de outras designações para a função de Ouvidor no mundo" (SILVA; BAJAY, 2000). 26 Regulação no Brasil • Alketa Peci ro, é ainda colocada em um plano secundário. Preocupadas com eficiência e lu- cratividade, as empresas de serviços públicos têm uma tendência a negligenciar o usuário e seus direitos constitucionais, esquecendo-se de que há uma relação política forte entre os serviços públicos e os usuários. Os primeiros devem contri- buir para ampliar o espaço político dos cidadãos, na medida em que ampliam as suas liberdades. Os serviços públicos só adquirem utilidade pelas respostas que conseguem dar às necessidades concretas e específicas em todas as formas de atividade social. Não se trata apenas de responder às demandas quantitativas, mais qualitativas, pois as demandas dos usuários têm evoluído tanto ao nível da cobertura do servi- ço (quantidade fornecida) quanto da sua qualidade, fazendo dos serviços públicos não somente uma questão de políticas públicas, mas uma questão política. 1.4 Conclusão Procurou-se, neste artigo, refletir sobre o fato de que, durante quase um sé- culo, a noção de serviços públicos recobria duas exigências básicas:a exigência de um Estado soberano e as necessidades coletivas dos cidadãos. Na origem de um serviço público havia um interesse público reconhecido pela coletividade, ao qual a iniciativa privada não conseguia satisfazer. Os serviços públicos surgem modificando a estrutura de legitimação estatal, criando um Estado funcional que se justifica pela ação concreta que tem ao servi- ço do bem comum. Contribuem, também, para modificar a relação Estado/socie- dade, construindo uma relação "congênita" entre Estado e serviços públicos. Es- tes últimos existem enquanto tal, porque foram criados pelo Estado como forma de legitimar sua ação sobre a vida econômica e social, e serviram de base para sua ampliação. Os serviços públicos entram em crise, exacerbando a crise do próprio Esta- do, levando-o a processos de reforma apoiados em privatizações, determinando transformações substantivas nos seus modelos organizativos e gerenciais, na sua natureza, no papel do próprio Estado e nas suas relações com a sociedade. Estes novos modelos organizacionais traduzem-se em uma proposta de redefinição do papel do Estado e do setor privado neste campo, estabelecendo uma configuração organizativa articulada a uma nova categorização de serviços, baseada em princí- pios que devem nortear a ação dos atores para assegurar a execução dos objetivos básicos da reforma - ampla e justa competição, e universalização dos serviços-, criando uma instância regulatória independente. Esta transformação atual altera toda a estrutura anterior de organização dos serviços, sustentando que, para alcançar os objetivos de melhoria na prestação dos mesmos era imperativo consolidar um ambiente competiti- vo, sem intervenção governamental direta e com extensiva participação Dinâmicas contemporâneas na regulação de serviços públicos • Élvia Fadul 27 de empresas privadas. A intenção foi descentralizar decisões, diversificar e atualizar tecnologicamente alguns serviços e garantir o aporte adequa- do de investimentos mediante a entrada do capital privado. O novo dese- nho organizacional articula um mercado competitivo (naturalmente afeito às oportunidades de maior rentabilidade) com metas de universalização (nem sempre rentáveis), e parece dispor de uma racionalidade interior de estímulo ao desenvolvimento de serviços segmentados, diferenciados e li- mitados, com foco na demanda e na lógica de mercado. No entanto, mesmo em contextos onde as metas de cobertura e universaliza- ção dos serviços já foram satisfatoriamente conquistadas, são grandes as preo- cupações com os fatores que geram incertezas, considerando-se que o que está em jogo é a redefinição de setores estratégicos do ponto de vista da sociedade. Levando-se em conta o caráter ciclotímico e o poder das corporações privadas que entram nesse mercado, a regulação, nesse contexto, não é, portanto, tarefa simples que dependa tão-somente da institucionalização de órgãos e leis que dis- ciplinem os setores. A regulação passa a ser entendida como uma arena política onde os principais atores (governos, políticos, concessionárias, usuários, dentre outros) se envolvem em um jogo permeado por interesses, conflitos e disputas de poder, numa intrincada rede de relações, na qual o foco passa a ser o setor regulado. A reorganização contemporânea dos serviços públicos, cujo marco foram as privatizações e a conseqüente regulação, é um processo ainda em curso, e seus impactos são ainda incertos. O aperfeiçoamento do arcabouço regulatório, da atuação dos organismos de regulação de modo a terem uma noção real de seu papel e a ampliação e solidificação de mecanismos de transparência e controle social nas agências reguladoras parecem ser, no momento atual, as melhores pos- sibilidades de controle e equilíbrio das novas relações que aí se estabelecem. Sem prescindir dos mecanismos formais da democracia representativa e sem esquecer que o Legislativo - órgão legítimo para a formação das políticas - é o locus onde se forja legitimamente a vontade popular, é preciso criar instrumentos que possibilitem o controle social abrindo múltiplos canais de comunicação entre as agências reguladoras e os conselhos de regulação, que congreguem represen- tantes do governo, dos consumidores e dos empresários, de caráter consultivo e deliberativo, para que se possa desenvolver, nos modelos de agências de regula- ção, a accountability. Nos termos em que se coloca a questão da regulação, nos dias atuais, o controle social só pode ser conseguido se, nas diretrizes de funcio- namento das agências de regulação, a noção de accountability como obrigação do Estado de responder publicamente pelas responsabilidades que afetam a coleti- vidade for claramente definida e estiver fortemente relacionada à transparência de suas ações. Esses dois mecanismos podem ser viabilizados através de um conselho que reúna representantes de consumidores e que seja, efetivamente, um instrumento 28 Regulação no Brasil • Alketa Peci para o exercício do controle social. É preciso, também, criar dispositivos que re- forcem o controle dos usuários sobre as prestadoras privadas de serviços públicos, regulamentando o direito à participação das associações de usuários nos conse- lhos de controle das empresas prestadoras. O grande desafio das agências é, en- tão, garantir o investimento necessário em infra-estrutura, a correta remuneração das empresas com uma tarifa justa que o usuário seja capaz de suportar, ou seja, compatibilizar lucratividade e eqüidade na regulação de serviços públicos privati- zados. Preconiza-se assim, que governo, sociedade e empresas devem procurar es- tabelecer uma agenda política governamental que contemple a definição de uma política de regulação de serviços públicos, pautada pelos princípios de justiça so- cial, eqüidade e universalidade, eficiente e condizente com as perspectivas e ne- cessidades de crescimento e desenvolvimento econômico e social para o país. Referências bibliográficas ABAR. Agências reguladoras: instrumentos do fortalecimento do Estado. São Paulo, sld. ABRAMOVAY, Ricardo. O capital social dos territórios: repensando o desenvolvimento ru- ral. Economia Aplicada, v. N, nº 2, p. 379-397, abr./jun. 2000. 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Trata-se do con- ceito de regulação da economia, que tem sido utilizado inclusive para qualificar uma série de entidades da Administração Pública, incumbidas de regular deter- minados setores da economia - as Agências Reguladoras. * Professor adjunto de Direito Administrativo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro- UERJ. Professor do Mestrado em Regulação e Concorrência da Universidade Cândido Mendes. Professor da Pós-graduação em Direito da Administração Pública da Universidade Federal Fluminense - UFF. Professor visitante do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. Professor de Pós-graduação da Fundação Getulio Vargas- FGV (Rio de Janeiro e São Paulo). Doutor em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo- USP. Mestre em Direito Público pela UERJ. Procurador do Estado do Rio de Janeiro, advogado ( <alexaragao@zipmail.com.br> ) . 1 Prefacio à Sª edição do Teoria do direito e do Estado, Saraiva, São Paulo, 2000, p. XVII. 32 Regulação no Brasil • Alketa Peci O conceito de regulação, portanto, longe de possuir interesse meramente acadêmico, é imprescindível para que seja definida a competência dos múltiplos órgãos e entidades públicas que, por força da sua própria denominação, exercem a função reguladora. O termo "regulação" tem causado mal-entendidos menos pela sua suposta no- vidade e mais pela às vezes difícil distinção em relação a outros institutos do Direito Público da Economia, tais como a regulamentação, o poder de polícia, a ordenação da economia, a auto-regulação, a desregulação, a desregulamentação e outros. Primeiramente, trataremos, sucintamente, da questão geral das relações en- tre o Estado, o Direito e a economia, tomando em conta inclusive os desafios colocados pela globalização econômica. Em seguida, adentraremos no conceito propriamente dito de regulação estatal da economia e o distinguiremos dos insti- tutos e fenômenos normativos afins. Por fim, abordaremos as características que a regulação da economia vem assumindo em nossa sociedade cada vez mais com- plexa e globalizada. 2.2 Economia e direito O próprio surgimento de ordenamentos jurídicos gerais decorreu de razões econômicas, como a necessidade dos povos dos grandes rios (Nilo, Tigre, Eufrates etc.) disciplinarem o uso da água, mormente para a atividade agrícola, o estabe- lecimento das medidas de tempo, de pesos e medida, e o financiamento das obras de infra-estrutura de elevado custo. 2 A economia não é o único elemento da realidade social que afeta a estrutura e a normatização estatal, mas, "em uma sociedade capitalista, certamente é deci- siva, e sem o seu conhecimento não é possível levar a cabo uma frutífera investi- gação sobre o Estado".3 É importante, inclusive, destacar a certa autonomia quea economia possui em relação ao Direito e ao Estado, 4 cujas constituições, inicialmente, procuraram 2 Massimo Severo Giannini, Diritto pubblico dell'economia, Il Mulino, 1995, p. 21/22. Tratando es- pecificamente do Egito, Maurice Duverger assinala que "as condições geográficas deram ao Egipto um avanço considerável na evolução dos sistemas políticos: o excepcional rendimento das terras inundadas pelo rio permite manter um aparelho de Estado centralizado, o qual era indispensável, por outro, para uma irrigação racional" (Sociologia da política, Almedina, Coimbra, 1983, trad. António Gonçalves, p. 348). 3 Hermann Heller, Teoría deZ Estado, Fondo de Cultura Económica, México, 2ª ed., 1998, trad. Luis Tobio, p. 143. Entre nós, Washington Peluso Albino de Souza observou que "não é possível estudar os problemas econômicos sem analisar a organização do Estado, nem a estrutura e o funciona- mento dos órgãos deste, sem se debruçar sobre os problemas econômicos" (Enciclopédia Saraiva de Direito, coordenada por Limongi França, Saraiva, São Paulo, 1977-1982, v. 31, p. 250). 4 Essa característica da regulação estatal, como observa Norbert Reich, não se dá apenas em re- lação à economia, mas também a outros aspectos da vida social, como a família, a ciência, as artes etc. (Mercado y derecho, Ariel, Barcelona, 1985, trad. Antonio Fonti, p. 29). Regulação da economia: conceito e características contemporâneas • Alexandre Santos de Aragão 33 apenas assegurar o natural funcionamento do mercado, tendo, mais tarde, insti- tuído mecanismos de correção das suas falhas e de direcionamento para determi- nados objetivos acolhidos pelo ordenamento jurídico. Para Max Weber, à racionalidade do mercado corresponde o Direito do Esta- do moderno como forma de domínio racional. As situações econômicas não ge- ram automaticamente novas formas jurídicas, mas tão-somente contêm a possibi- lidade de que uma criação técnico-jurídica possibilite a sua expansão. 5 Assim, para esse pensador, não é o Direito, mas o mercado, que cria os seus próprios meios de comunicação, que são protegidos e aplicados pelo Estado. O Di- reito, na sua opinião, não lhes dá o conteúdo, mas apenas as formas. No dizer de L. Baudin, citado por Georges Ripert, 6 "o Direito é uma cristalização da economia". Se, por um lado, o mercado é decorrência natural e espontânea do dinamis- mo social, por outro, é uma criação jurídica, vez que apenas pode se desenvolver caso existam os veículos e as garantias jurídicas necessárias. 7 Não podemos ter a ingenuidade de achar que o Direito tem inteira disponibi- lidade sobre o mercado. Malgrado as suas inegáveis possibilidades de ingerência, os aspectos de maior dinamismo do mercado são dificilmente apreensíveis pelo Direito. É neste sentido que Jürgen Habermas afirma que, "ainda que os merca- dos possam ser organizados e controlados politicamente, obedecem a uma lógica própria que se distancia dos controles estatais".8 A relação entre o Estado e a economia é dialética, dinâmica e mutável, sempre variando segundo as contingências políticas, ideológicas e econômicas. Inegável, assim, uma relação de mútua ingerência e limitação: o Direito tem possibilidades, ainda que não infinitas, de limitar e de direcionar as atividades econômicas; e estas influenciam as normas jurídicas não apenas na sua edição, como na sua aplicação, moldando-as, também limitadamente, às necessidades do sistema econômico. Recentemente, alguns atores, inspirados pela globalização econômica e pelo chamado "pós-modernismo", têm retomado as críticas à visão estatocêntrica da regulação. Criticam o irrealismo da concepção tradicional pela qual o Estado te- ria o monopólio da regulação jurídica. J. J. Gomes Canotilho, por exemplo, afirma que as mudanças estruturais da sociedade, tornam clara a necessidade de o di- reito não ser considerado como regulador heterônomo de relações sociais, 5 Apud Norbert Reich, ob. cit., p. 33. 6 Apud Georges Ripert,Aspectosjurídicos do capitalismo moderno, Freitas Bastos, 1947, trad. Gilda G. de Azevedo, p. 13. 7 Exemplos eloqüentes são os títulos de crédito e as sociedades comerciais, fenômenos que pree- xistiam à sua regulamentação pelo direito. Todavia, a estabilização e a segurança a eles atribuída pelo Direito Positivo certamente propiciou o desenvolvimento hoje alcançado. 8 La Inclusión Del Otro - Estudios de teoría política, Paidós, Barcelona, 1999, trad. Juan Carlos Velasco Arroyo, p. 84-85. 34 Regulação no Brasil • Alketa Peci mas como instrumento de trabalho para auto-regulação das relações sociais. Conseqüentemente, o problema das fontes de direito deve ter em conside- ração não apenas as questões tradicionalmente ligadas às regulações le- gais, mas também as normações jurídicas de qualquer gênero, como, por exemplo, contratos, sentenças, convenções coletivas de trabalho, normas privadas de empresas e de associações (ex.: federações desportistas) e até o "direito achado nas ruas".9 Não discordamos das assertivas do autor lusitano, mas, como veremos, as diretrizes por ele traçadas para a regulação jurídica da sociedade e do mercado, caracterizadas pela autonomia normativa dos autores sociais (não estatais), cons- tituem apenas uma das possibilidades, recomendável em alguns casos, mas que, em muitos deles, deve ser excluída ou combinada com os mecanismos tradicio- nais - verticais, coercitivos e estatais - de regulação jurídica. 2.3 Regulação: um instituto multifacetário A regulação da economia é um fenômeno multifacetário, dotado de grande heterogeneidade, não apenas ao longo da história, mas também dentro dos Es- tados singularmente considerados, que empregam distintas estratégias regula- tórias em função das necessidades concretamente verificadas na sociedade e na economia. 10 Do conceito de regulação está excluída a atividade direta do Estado como produtor de bens ou serviços e como fomentador das atividades econômicas pri- vadas, 11 que, junto com a regulação, constituem espécies do gênero da intervenção do Estado na economia. 12 CALIXTO SALOMÃO FILHO observa que a teoria da regulação pode repre- sentar a contribuição mais útil de um Estado que decide retirar-se da intervenção econômica direta [ ... ] para sua função de organizador das suas funções de organizador das relações sociais e econômicas e que, por outro lado, reco- 9 Direito constitucional e teoria da constituição, Almedina, Coimbra, 3ª ed., p. 653-654 (os itálicos são do próprio autor). 10 Reinhold Zippelius, Teoria geral do Estado, Fundação Calouste Gulbenkian, 3ª ed., 1997, trad. Karin Praefke-Aires Coutinho, Coordenação de J. J. Gomes Canotilho, p. 466. 11 Alguns autores chamam esta intervenção de regulação operativa, em contraposição à regulação normativa, aqui por nós denominada simplesmente de regulação (cf. Conrado Hübner Mendes, Re- forma do estado e agências reguladoras, constante da obra coletiva Direito administrativo econômico, coordenada por Carlos Ari Sundfeld, Malheiros, São Paulo, 2000, p. 117). 12 Daí se falar hoje na passagem do Estado produtor ao Estado regulador; interventor, no entanto, em ambos os casos. Regulação da economia: conceito e características contemporâneas • Alexandre Santos de Aragão 35 nhece para tanto ser insuficiente o mero e passivo exercício do poder de polícia sobre os mercados. Por estas razões, a regulação engloba todas as formas de organização da atividade econômica através do Estado, seja a intervenção através da concessão de serviço público ou o exercício do poder de polícia. [ ... ] Na verdade, o Estado está ordenando ou regulando a atividade econômica tanto quando concede ao particular a prestação de serviços públicos e regula sua utilização - impondo preços, quantidade produzida etc. -como quando edità regras no exercício dopo- der de polícia administrativo. É, assim, incorreto formular uma teoria que não analise ou abarque ambas as formas de regulação. 13 A noção de regulação implica a integração
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