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J Bras Nefrol 2008;30(4):280-7 RESUMO Introdução: A doença renal crônica (DRC) é considerada um problema sócio-econômico relevante, gerando altos gastos em saúde pública e importante impacto na qualidade de vida dos pacientes. Objetivo: Avaliar e investigar a relação entre a função pulmonar, a força muscular respiratória (FMR) e o desempenho físico em portadores de doença renal crônica (DRC) submetidos à hemodiálise, correlacionando estas variáveis à adequação da hemodiálise. Métodos: 27 indivíduos participaram do estudo. O desempenho físico foi avaliado pelo teste de caminhada de 6 minutos (TC6), a função pulmonar através da ventilometria, e a pressão inspiratória máxima (PImáx) e pressão expiratória máxima (PEmáx) pela manovacuometria. A adequação da hemodiálise foi obtida pelo Kt/V. Para a análise estatística foram utilizadas a correlação de Pearson e Spearman, e o teste t de Student, considerando significativo p≤0,05. Resultados: O TC6 apresentou redução significativa da distância caminhada em relação aos valores preditos (p=0,0001). Dos indicadores relativos à função pulmonar, a capacidade vital (CV) mostrou-se abaixo do valor mínimo esperado (40,0 ± 14,5 ml/kg, p=0,001). Foi observado redução de 38,2% na PImáx e 29% PEmáx em relação aos valores preditos. Houve correlação significativa entre a distância percorrida no TC6 com: PImáx (r=0,39; p=0,04), CV (r=0,48; p=0,01). A CV também apresentou correlação com: PImáx (r=0,53;p=0,005), PEmáx (r=0,58;p=0,002). O Kt/V se correlacionou com o volume corrente (r=0,39;p=0,04). Conclusão: Os pacientes com DRC estudados apresentam comprometimento significativo e diretamente proporcional na capacidade muscular ventilatória, com repercussão e prejuízo no desempenho físico funcional. Descritores: Função pulmonar. Força muscular respiratória. Teste de caminhada de seis minutos. Doença renal crônica. Hemodiálise. ABSTRACT Introduction: Chronic kidney disease (CKD) is considered a serious socio-economic problem, resulting in high costs for public health and impacting patients’ quality of life. Objective: To assess and investigate the relation between lung function, respiratory muscle strength (RMS) and physical performance in individuals with CKD undergoing hemodialysis, correlating these variables with adequacy of hemodialysis. Methods: 27 individuals participated in the study. The physical performance was evaluated by the six-minute walk test (6MWT), the pulmonary function through ventilometry, and maximal inspiratory pressure (MIP) and maximum expiratory pressure (MEP) by manovacumetry. For the statistical analysis the correlation of the Pearson and Spearman and the Student’s T test were used, considering the significance level p≤0,05. Results: The 6MWT showed significant reduction in the distance covered on the predicted values (p=0,0001). Among the indicators of lung function, vital capacity (VC) proved to be below the minimum expected value (40,0 ± 14,5ml / kg; p=0,001). With respect to RMS, the study demonstrated a significant reduced percentage average below predicted MIP (38,2%) and MEP (29%). There was a significant correlation between the 6MWT with MIP (r=0,39; p=0,04) and VC (r =0,48; p=0,01). The VC also presented correlation with MIP (r=0,53; p=0,005) and MEP (r=0,58; p=0,002). The Kt/V indicates a positive correlation with the tidal volume (r=0,39; p=0,04). Conclusion: CKD patients had severe damage of the ventilatory muscle capacity and it has a proportional relation, with the impairment of the functional physical performance. Keywords: Pulmonary function. Respiratory muscle strength. Six-minute walk test. Chronic renal disease. Hemodialysis. Avaliação da Função Pulmonar, Força Muscular Respiratória e Teste de Caminhada de Seis Minutos em Pacientes Portadores de Doença Renal Crônica em Hemodiálise Assessment of the Pulmonary Function, Respiratory Muscular Strength and Six-Minute Walk Test in Chronic Kidney Disease Patients on Hemodialysis João Paulo Custódio Jatobá1, Wesley Fernandes Amaro1, Ana Paula Alves de Andrade1,2, Flávia Perassa de Faria Cardoso1, Adriana Maria Húngaro Monteiro3, Maria Afonsina Montesuma Oliveira3 1 Curso de Fisioterapia da Universidade Católica de Brasília (UCB), Brasília, DF, Brasil; 2 Hospital Universitário de Brasília (HUB), Brasília, DF, Brasil; 3 Instituto de Doenças Renais (IDR), Brasília, DF, Brasil. Artigo Original Recebido em 21/09/08 / Aprovado em 28/10/08 Endereço para correspondência: João Paulo Custódio Jatobá QNL 6 bloco D, apto. 206 72155-614, Taguatinga, DF E-mail: jpjatoba@gmail.com 08-Jatoba-1758-30(4)-AF 03.12.08 15:37 Page 280 281 INTRODUÇÃO A doença renal crônica (DRC) é definida como a perda progressiva e irreversível das funções glomerular, tubular e endócrina do rim com uma taxa de filtração glomerular (TFG) < 60mL/min/1,73m2, por um período > 3 meses1. Quando essa doença atinge níveis de TFG < 15mL/min/1.73m2, é denominada insuficiência renal crônica na fase terminal (IRCT), ou dialítica1. A possi- bilidade de hemodiálise (HD), diálise peritoneal (DP) e transplante renal é o que diferencia a IRCT das outras formas de insuficiência terminal dos demais órgãos2. Segundo a Sociedade Brasileira de Nefrologia, o número de pacientes em diálise no Brasil, em janeiro de 2000, era de 42.695. Em janeiro de 2007, esse número aumentou para 73.605. Dentre estes, 66.833 estavam em hemodiálise (HD) e 6.772 em diálise peritoneal (DP), o que corresponde a 391 pacientes por milhão de habitantes3. Apesar de as técnicas, equipamentos e manuseio terapêutico passarem por marcantes avanços, a DRC não deixou de ser um problema complexo que envolve aspectos médicos, psicológicos e socioeconômicos. A submissão obrigatória ao tratamento representa um aspecto importante de impacto na qualidade de vida desses pacientes, sobretudo em relação à redução da capacidade física, com hábitos sedentários e conseqüente aumento da mortalidade4,5. A baixa capacidade funcional para atividades diárias é resultado de um conjunto de fatores como alte- rações cardiopulmonares, musculoesqueléticas, neuroló- gicas, hidroeletrolíticas e endocrinometabólicas, induzin- do à dispnéia, síndrome urêmica, fadiga, dor em membros inferiores, hipertensão arterial sistêmica, anemia e fraqueza muscular generalizada6. As alterações respiratórias, que ocorrem devido à doença e ao seu próprio tratamento, estão relacionadas, sobretudo, à hipotrofia muscular de fibras do tipo I e, em especial, à do tipo II, à alteração do transporte, extração e consumo de oxigênio, à deficiência de vitamina D, ao catabolismo protéico aumentado, à disfunção do metabo- lismo energético7-10 e ainda aos processos inflamatórios crônicos11. Estudos com indivíduos portadores de IRCT demonstram que a força muscular respiratória e as variáveis de função pulmonar estão abaixo dos valores de normalidade10,12-16. Entretanto, mesmo conhecendo-se as repercussões pulmonares advindas da DRC, com prejuízos na força muscular respiratória, a literatura atual é escassa em demonstrar se existe associação entre essas repercussões e a capacidade física funcional, o que justifica a realização desta pesquisa. O presente estudo teve como objetivo avaliar e investigar a relação entre a função pulmonar, a força muscu- lar respiratória e o desempenho físico através do teste de caminhada de seis minutos, em portadores de DRC sub- metidos à hemodiálise; correlacionando essas variáveis à adequação à hemodiálise e elucidando, dessa forma, os indicadores físico-funcionais para essa população. MATERIAIS E MÉTODOS O presente trabalho é um estudo analítico do tipo transversal, constituído de pacientes com DRC, de ambos os sexos e maiores de 18 anos, que freqüentavam, há pelo menos três meses, sessões regulares de HD no Instituto de Doenças Renais (IDR) do Distrito Federal, no 1º semestre de 2008. Os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para a realização desta coleta. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UniversidadeCatólica de Brasília (UCB), de acordo com o protocolo de nº 39/2008. Foram excluídos do estudo pacientes com cardiopatia, angiopatia ou pneumopatia grave, infecção aguda, hepatite, instabilidade hemodinâmica (representada por uma Pressão sistólica > 200mmHg e/ou Pressão diastólica >100mmHg ou <50mmHg), cefaléia intensa, aumento de peso entre diálises >2,5kg, distúrbios metabólicos descompensados, alterações neurológicas, neuromusculares, osteoarticulares ou amputações que os tornassem inaptos à realização dos testes. Protocolo de Avaliação As avaliações foram realizadas em apenas um encontro, no mesmo momento da HD e na semana de verificação do Kt/V, a fim de aproveitar o tempo de permanência do paciente na uni- dade de diálise. Os pacientes foram selecionados, obedecendo- se aos critérios de inclusão/exclusão, através de pesquisa prévia nos prontuários do IDR e após a liberação pela equipe médica. Conscientes da realização do estudo, os pacientes participaram de uma avaliação, contendo identificação, história da doença mórbida pregressa, história da doença atual, queixa principal, medicamentos, exames laboratoriais, tempo de HD, caracterís- ticas relacionadas ao tabagismo, pressão arterial (PA), freqüên- cia cardíaca (FC), peso (P), altura (A), índice de massa corpórea (IMC, calculado pela relação P/A2), análise da função pulmonar, da força muscular respiratória (FMR) e do teste de caminhada de 6 minutos (TC6). Análise dos volumes pulmonares: Os cálculos de volume corrente (VC), volume minuto (VE) e capacidade vital (CV) foram estabelecidos pelo ventilômetro Wright Respirometer Mark 8 Ferraris®, England, de dimensões 70mm x 60mm e conexão de 22mm ao tubo de plástico semiflexível que possuía fixado distalmente um bocal de plástico rígido. J Bras Nefrol 2008;30(4):280-7 08-Jatoba-1758-30(4)-AF 03.12.08 15:37 Page 281 Avaliação da Função Pulmonar, Força Muscular Respiratória e Teste de Caminhada em Pacientes com DRC282 O participante encontrava-se sentado na cadeira durante a HD. O bocal era preso entre os dentes; os lábios selavam-no, a fim de não haver fuga aérea, e um clipe nasal era fixado. A escala volumétrica era zerada a cada aferição. Foi solicitada uma respiração normal e tranqüila por um minuto, para o registro do VE e da FR, verificada através da observação direta dos movimentos torácicos. O VC foi calculado pela razão VE/FR. Para CV, pedia-se ao paciente que realizasse uma inspiração máxima e, em seguida, expirasse lentamente, até o volume residual. Essas variáveis funcionais ventilatórias foram comparadas com os valores normais descritos no III Consenso de Ventilação Mecânica de 200717. Análise da força muscular respiratória: Na iminência de não haver alteração nos volumes, a pressão inspiratória máxima (PImáx) e a pressão expiratória máxima (PEmáx) foram coletadas secundariamente, após os cálculos dos volumes. O participante permaneceu sentado na cadeira de HD, sendo utilizado um manovacuômetro (marca Suporte) aneróide capaz de medir pressões positivas e negativas com alcance de -300 a +300cmH2O. Conectado a ele havia um tubo cilíndrico de plástico semiflexível de 140mm de comprimento e 25mm de diâmetro, sendo fixado distalmente um bocal e um conector de plástico rígido de pequeno calibre, com orifício de 1mm. Para as medidas de PImáx e PEmáx, o participante segu- rava o tubo contra a face e usava um clipe para ocluir as narinas; os dentes prendiam o bocal, que também era envolvido pelos lábios, com intuito de não acontecer escape aéreo. Um conector com orifício de 1mm foi utilizado para evitar a influência da musculatura orofacial nos valores pressóricos18,19. Para medida da PImáx, expirava-se lenta e completamente o ar até o volume residual, de modo que, com o orifício do tubo ocluído, ocorreria um esforço inspiratório máximo (manobra de Muller)18,19. Já para a PEmáx, o paciente inspirava até a sua capaci- dade pulmonar total e, em seguida, efetuava um esforço expira- tório máximo contra o orifício do tubo ocluído (manobra de Valsalva)18. Todas as duas manobras foram sustentadas por dois segundos e medidas em três etapas intercaladas, com dois minutos de repouso. Entre as mensurações das PImáx e Pemáx, houve um intervalo de cinco minutos20. Dos três valores observados, tanto na PImáx e PEmáx, apenas o valor mais alto foi considerado. As manobras eram aceitas, desde que dois dados não diferissem entre si por mais de 10% do valor mais elevado. O incentivo verbal do pesquisador permitiu uma melhor execução da técnica18,20. O maior valor obtido foi considerado para a análise e comparado com a tabela descrita por Neder e colaboradores21, que prediz valores esperados para a população brasileira de acordo com o gênero e a idade. Teste de caminhada de 6 minutos - TC6 O TC6 é de simples realização, capaz de mensurar com segurança a capacidade funcional, e tem boa aceitação por parte dos pacientes. Ele foi reproduzido de acordo com a American Thoracic Society22 e realizado minutos antes da HD. O participante foi orientado a caminhar durante seis minutos o mais rápido possível, sendo encorajado por comandos verbais a cada minuto. Foi permitido que ele estabelecesse o passo da caminhada e fizesse interrupções quando necessário. Foram registrados os metros percorridos e avaliadas, antes do teste e após, a PA, freqüência respiratória (FR), percepção subjetiva de esforço (escala de Borg graduada de 6 a 20), FC e saturação periférica de oxigênio (SpO2), obtida pelo oxímetro de pulso (Handheld Pulse Oximeter Modelo 512, Novametrix®/ Respironics®, USA). Para estimar a distância ideal a ser percorrida, foram utilizadas as fórmulas de predição da distância percorrida, de acordo com o gênero, propostas por Enright e Sherrill23. Os critérios de interrupção foram: SpO2 < 87%, verti- gem, cefaléia, ânsia de vômito, angina significante, dispnéia intensa, fadiga considerável e cãimbras22. Índice de adequação à hemodiálise – Kt/V O método para medir o Kt/V foi o da fórmula de Daugirdas II24, considerado o melhor, sendo o mais utilizado pelos centros de hemodiálise25. Essa fórmula é verificada mensalmente na primeira semana, pela medida do peso do paciente e da concentração de uréia pré e pós-hemodiálise. Os dados foram lançados no software NefroData for Windows para obtenção dos resultados e comparados com o valor de referência de no mínimo 1,2, recomendado pela The National Kidney Foundation – Kidney Dialysis Outcomes Quality Initiative (NFK-KDOQI)26. Análise estatística Foi realizada uma análise exploratória inicial sobre os dados obtidos na amostra, através do teste de skewness (SKW), não sendo encontrado desvio de normalidade. Para a análise estatística, foram utilizadas a Correlação de Pearson, Correlação de Spearman e Teste t de Students pareado e simples, calculadas no SPSS 10.0 (Statistical Package for Social Sciences) for Windows, para correlacionar a função pulmonar, a força muscular respiratória, a capacidade física e a adequação à hemodiálise. O nível de significância adotado foi de p≤0,05. RESULTADOS Foram estudados 27 indivíduos, sendo 63% do sexo masculino. A média de idade foi de 44,8 ± 15,5 anos (18- 69), a média do peso foi de 66,9 ± 18,4 quilos (38 - 105), a média de altura 1,68 ± 0,10 metro (1,48- 1,86) e média de IMC 23,4 ± 5,1kg/m2 (15,8- 33,5). A média de hemoglobina foi de 10,9 ± 1,3mg/dL (8,6- 13,8), sendo que 19% apresentavam anemia. Noventa e seis por cento da amostra recebiam eritropoetina (EPO) pelo menos uma J Bras Nefrol 2008;30(4):280-7 08-Jatoba-1758-30(4)-AF 03.12.08 15:37 Page 282 283 vez por semana para correção anêmica. A média do tempo de hemodiálise foi de 44,3 ± 31,7 meses (03- 101). Cerca de 12% eram fumantes, 37% eram ex-fumantes e 51% nunca fumaram. Foi detalhada a prevalência das doenças de base e das doenças associadas presentes nos pacientes da amostra. Notou-se um alto índice de hipertensão arterial sistêmica (Tabela 1). A análise descritiva dos indicadores funcionais relativos à ventilometria, manovacuometria, aoTC6 e de hemodiálise está expressa em média, desvio padrão, valores mínimos e máximos na Tabela 2. Dentre os indicadores de função pulmonar, foi observado que apenas a CV diferiu do valor de referência. Em média, a CV foi de 40,0 ± 14,5mL/kg, estando abaixo do valor mínimo esperado (65mL/kg), com diferença estatisticamente significativa (p=0,001). Em relação à análise comparativa entre a distância percorrida predita e a distância real realizada pelos pacientes avaliados, houve diferença estatisticamente significativa (p=0,0001). O valor médio predito foi de 640,1 ± 108,2m, enquanto o valor real foi de 492,5 ± 146,9m, ou seja, a distância real percorrida alcançou 76,9% da distância predita. Ao analisar a relação entre função pulmonar, FMR e distância percorrida no TC6, foi possível observar correlação positiva e significativa entre distância percorrida no TC6 com: PImáx (r=0,39; p=0,04), CV ml/kg (r=0,48; p=0,01) e tendência à correlação com a CV litros (p=0,06) (Gráficos 1 e 2). Em relação às variáveis da FMR, pode-se observar que a PImáx se correlacionou de forma positiva e significativa com a CV em litros (r=0,53; p=0,005). Na avaliação da PEmáx, foi observada correlação positiva e significativa com a CV em litros (r=0,58; p=0,002) (Gráficos 3 e 4). Ao se compararem as médias encontradas da FMR com o valor predito, independente do gênero e idade, foi observado que houve redução de 38,2% para PImáx e de 29% para a PEmáx. Apenas quatro indivíduos (14,8%) alcançaram o valor proposto para PImáx e somente dois (7,1%) atingiram o valor esperado para PEmáx. O índice de adequação à hemodiálise (Kt/V) apresentou correlação positiva com o VC ml/kg (r=0,39; p=0,04). DISCUSSÃO O sistema pulmonar é afetado pela doença renal e pela diálise. Alterações na função muscular respiratória, mecânica pulmonar e nas trocas gasosas são freqüentes J Bras Nefrol 2008;30(4):280-7 Tabela 1. Relação do diagnóstico clínico e das doenças associadas dos 27 pacientes estudados. DOENÇAS ASSOCIADAS % Hipertensão arterial sistêmica 96% Lupos eritematoso sistêmico 4% Diabetes e Hipertensão arterial sistêmica 19% Doença pulmonar obstrutiva crônica 4% Miocardiopatía 7% Rejeição pós transplante 7% Hiperparatiroidismo secundário 44% Acidente vascular encefálico isquêmico 4 % DIAGNÓSTICO CLÍNICO Glomerulonefrite crônica 38 % Nefroesclerose hipertensiva 31% Nefropatia diabética 19% Rins policísticos 4% Pielonefrite crônica 4% Nefrocalcinose 4% Nefropatia gotosa 4% Síndrome de Alport 4% Tabela 2. Variáveis descritivas da ventilometria, força muscular respiratória, teste de caminhada de 6 minutos e índice de adequação a hemodiálise dos 27 pacientes estudados. Variáveis Média ± DP Valores máximos Valores mínimos Ventilometria VC ml 468,8 ± 130,5 768,0 268,0 VC ml/Kg 7,4 ± 2,8 13,8 3,1 FR irpm 14,2 ± 3,3 20,0 9,0 VM litros 6,5 ± 1,9 10,6 3,2 CV litros 2,6 ± 0,98 4,3 1,1 CV ml/Kg 40,0 ± 14,5 74,6 12,5 Força muscular respiratória PI máx (cmH2O) 72,9 ± 36,0 165 25 PE máx (cmH2O) 90,7 ± 51,57 270 25 TC de 6 minutos Distância percorrida (m) 492,5 ± 146,9 912 259 Índice de adequação á hemodiálise Kt/V 1,24 ± 0,41 2,11 0,55 Legenda: VC: Volume Corrente (ml); FR: freqüência respiratória (irpm); VM: volume minuto (litros); CV: capacidade vital (litros e ml/kg); PImáx: pressão inspiratória máxima (cmH2O); PEmáx: pressão expiratória máxima (cmH2O), TC: teste de caminhada (m); Kt/V: índice de adequação à hemodiálise. 08-Jatoba-1758-30(4)-AF 03.12.08 15:37 Page 283 Avaliação da Função Pulmonar, Força Muscular Respiratória e Teste de Caminhada em Pacientes com DRC284 J Bras Nefrol 2008;30(4):280-7 Gráfico 3. Análise comparativa entre PImáx com a CV em litros. Gráfico 4. Análise comparativa entre PEmáx com a CV em litros. Gráfico 1. Análise comparativa entre distância percorrida no TC6 com a PImáx. Gráfico 2. Análise comparativa entre distância percorrida no TC6 com a CV em ml/Kg. 08-Jatoba-1758-30(4)-AF 03.12.08 15:37 Page 284 285 em DRC, se não for invariável. A disfunção pulmonar pode ser o resultado direto da circulação das toxinas urêmicas, ou indireto, a partir da sobrecarga do volume, anemia, supressão imunológica, calcificação extra-óssea, desnutrição, desordens eletrolíticas e desequilíbrio ácido- base10. Muitos estudos demonstram que pacientes porta- dores de DRC sob tratamento hemodialítico apresentam redução da capacidade funcional, o que pode prejudicar o desenvolvimento de atividades básicas, além de lazer, trabalho e convívio social, deteriorando a qualidade de vida27-32. Frente às interferências nas alterações funcionais, estudos têm sido realizados no intuito de investigar e conhecer o impacto ocorrido na distância percorrida ava- liada pelo TC6, por ser um indicador da capacidade fun- cional29-32. O estudo realizado por Coelho e col., no ano de 2008, demonstrou redução significativa na distância caminhada, por crianças e jovens portadores de DRC, em relação ao grupo controle, sem comprometimento da função renal12. Mesmo o presente estudo apresentando perfil de amostra distinta, sendo composta de 27 indivíduos adultos jovens e idosos, foi possível observar que 24 desses pacientes com IRC apresentaram redução significativa da distância percorrida em relação ao valor predito, o que corrobora com os dados descritos pela literatura atual, observados nessa população, referente ao desempenho no TC6 e o desenvolvimento da baixa capacidade funcional28-32. Os prejuízos observados na capacidade física de doentes renais também têm sido avaliados por meio do teste cardiopulmonar ergoespirométrico, com o qual é pos- sível notar o comportamento dos indicadores funcionais metabólicos frente a uma situação de exercício máximo. Vale ressaltar que, apesar da ampla aplicabilidade dos testes cardiopulmonares em pneumopatas e cardiopatas, tem sido observada a relação significativa entre o VO2max e indicadores do TC6 em indivíduos renais crônicos, no que diz respeito à avaliação da capacidade física fun- cional30. Esse achado sugere que a associação de indica- dores funcionais, obtidos por meio do teste ergospi- rométrico com TC6, torna esse teste submáximo um instrumento seguro para avaliar a capacidade funcional na população em questão30-32. Além da redução da distância percorrida no TC6, identificamos diminuição na FMR (PImáx e PEmáx) dos portadores de IRC estudados. Esse resultado corrobora com os estudos de Bohannon e col.33 e Kettner- Melsheimer e col.34, que confirmaram redução da força muscular, em pacientes submetidos à diálise, de 30% a 40%, quando comparadas com indivíduos normais. Entretanto, o que diferencia o presente trabalho dos demais, em portadores de IRCT, é a correlação signi- ficativa entre a distância percorrida no TC6 e a PImáx, até então não encontrada por outros estudos, demonstrando que o desempenho no TC6 é proporcional ao encontrado em relação à capacidade muscular inspiratória. É de extrema importância a investigação dos indicadores relativos à função pulmonar nessa população. Nesse sentido, alguns estudos têm demonstrado a existên- cia de alterações na função pulmonar, por meio da espiro- metria, em indivíduos com DRC sem doença pulmonar, e consideram que a diminuição das variáveis espirométricas é atribuída aos recorrentes edemas pulmonares e a obstruções das pequenas vias aéreas, com evolução para fibrose intersticial pulmonar e redução do volume de reserva pulmonar15,35. Além disso, o estudo de Herrero e col.36 demons- trou que o desenvolvimento de distúrbio ventilatório res- tritivo pode ocorrer em pacientes submetidos à hemo- diálise regular de longo prazo e considerou que os efeitos agudos na microcirculação podem potencializar a redução da capacidade de difusão pulmonar, adquirida por conse- qüência do desenvolvimento da fibrose pulmonar36. Este trabalho é precursor na utilização do venti- lômetro para avaliar a função pulmonar em DRC durante a hemodiálise. A ventilometria é um método simples e de baixo custo, amplamente utilizado pela fisioterapia para identificação das alteraçõesda mecânica ventilatória, atra- vés de determinados volumes e da CV, que corresponde a aproximadamente 80% da capacidade pulmonar total37. Identificamos redução significativa da CV (40,0mL/kg) que, em média, apresentou-se abaixo do valor mínimo esperado. Valores inferiores a 65mL/kg de peso ideal são indicativos de processo restritivo ventilatório, presumíveis de baixos volumes pulmonares, fraqueza muscular e/ou doenças do parênquima pulmonar37,38. Observou-se que a PImáx e a PEmáx estão 38,2% e 29% inferiores aos valores mínimos preditos respec- tivamente. Quando essas variáveis foram correlacionadas à CV, encontramos diferença significativa, demonstrando que a capacidade pulmonar é proporcional à FMR. Repercussões semelhantes foram detectadas por Schar- dong e col.39, através da espirometria e manovacuometria, realizadas em 30 pacientes portadores de DRC subme- tidos à hemodiálise, constatando que a capacidade vital forçada (CVF), o volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1) e o índice Tiffeneau (VEF1/CVF), assim como a FMR, apresentavam valores muito abaixo do previsto e, em média, inferiores aos dos outros estudos, atribuindo essas mudanças secundárias às alterações restritivas pulmonares desses indivíduos39. J Bras Nefrol 2008;30(4):280-7 08-Jatoba-1758-30(4)-AF 03.12.08 15:37 Page 285 Avaliação da Função Pulmonar, Força Muscular Respiratória e Teste de Caminhada em Pacientes com DRC286 Vale ressaltar que a redução da FMR pode culminar com a fraqueza muscular periférica. Apesar de suas causas serem pouco esclarecidas, são comumente multi- fatoriais e complexas, atribuindo-se à síndrome urêmica, redução da hemoglobina, deficiência de carnitina, anor- malidades mitocondriais e do metabolismo energético28,29, hiperparatiroidismo10, supressão da síntese protéica e aumento do catabolismo (advindos da acidose metabó- lica), má nutrição, complexos inflamatórios e diminuição da atividade física7,9,40. O termo adequação à hemodiálise refere-se à quantidade ideal oferecida rotineiramente, de verificação possível e que minimiza a morbidade e a mortalidade. O Kt/V é o principal método de quantificação da hemo- diálise. Ele representa o clearance fracional de uréia (K) de uma hemodiálise por um tempo (T), dividido pelo volume total de água do paciente (V), ou seja, é a relação de quantas vezes é depurada a uréia durante a diálise, pelo seu volume total de distribuição25. O estudo atual obteve correlação significativa entre o Kt/V e o VC em mL/kg. Possivelmente, um Kt/V com valor mais elevado possibilitasse uma remoção eficaz de líquido corporal e metabólitos, que poderia interferir na função e na mecânica do sistema respiratório, favorecendo o processo ventilatório pulmonar. CONCLUSÃO Os pacientes portadores de DRC submetidos à HD possuem redução na capacidade funcional, com diminuição da FMR, da CV e da distância percorrida no TC6. Além disso, foram encontradas correlações entre os indicadores relativos a essas funções, demonstrando que os pacientes com DRC estudados apresentam comprome- timento significativo e diretamente proporcional na capacidade muscular-ventilatória, com repercussão e prejuízo no desempenho físico funcional. Vale ressaltar que esses achados servem para alertar os profissionais que atuam diretamente com esses pacien- tes, tanto na avaliação e determinação dos distúrbios fun- cionais, quanto na adoção de programas de condiciona- mento físico especializado, devendo ser incorporados aos tratamentos complementares dos indivíduos com DRC. REFERÊNCIAS 1. Romão Junior JE. Doença renal crônica: definição, epidemiologia e classificação. J Bras Nefrol. 2004; 26(3 Supl 1):1-3. 2. Martins MRI, Cesarino CB. Atualização sobre programas de educação e reabilitação para pacientes renais crônicos submetidos à hemodiálise. J Bras Nefrol. 2004;26:45-50. 3. Sociedade Brasileira de Nefrologia. Censo SBN nos centros de diálise do Brasil. São Paulo; 2007 [acesso em 19 abr. 2008]. Disponível em: http://www.sbn.org.br/. 4. Madeira EPQ, Lopes GS, Santos SFF. A investigação epidemiológica na prevenção da insuficiência renal terminal. Ênfase no estudo da agregação familiar. 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