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Criminologia: Definição e Origem

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS: DEFINIÇÃO, OBJETO. ORIGEM DA CRIMINOLOGIA. PERÍODO PRÉ-CLÁSSICO. ESCOLA CLÁSSICA.
Iniciar contando um exemplo prático de utilização da Criminologia: Meu primeiro júri/Alcino.
Criminologia é um nome genérico designado a um grupo de temas estreitamente ligados: o estudo e a explicação da infração legal; os meios formais e informais de que a sociedade se utiliza para lidar com o crime e com atos desviantes; a natureza das posturas com que as vítimas desses crimes serão atendidas pela sociedade; e por derradeiro, o enfoque sobre o autor desses fatos desviantes. (Shecaira, 31)
Cabe definir a Criminologia como ciência (a maioria dos autores entendem assim) empírica e interdisciplinar, que se ocupa do estudo do crime, da pessoa do infrator, da vítima e do controle social do comportamento delitivo, e que trata de subministrar uma informação válida, contrastada, sobre a gênese, dinâmica e variáveis principais do crime – contemplado este como problema individual e como problema social – assim como sobre os programas de prevenção eficaz do mesmo e técnicas de intervenção positiva no homem delinqüente e nos diversos modelos ou sistemas de resposta ao delito. (Molina, 39) 
A Criminologia é uma ciência porque reúne uma informação válida, confiável e contrastada sobre o problema criminal, que é obtida graças a um método (empírico) que se baseia na análise e observação da realidade. Não se trata, pois, de uma arte ou de uma práxis, senão de uma genuína ciência. Precisamente por isso a Criminologia dispõe de um objeto de conhecimento próprio, de um método ou métodos e de um sólido corpo doutrinário sobre o fenômeno delitivo, confirmado, por certo, por mais de um século de investigações. (Molina, 41)
A Criminologia é uma ciência do ser, empírica; o Direito, uma ciência cultural, do dever-ser, normativa. Em conseqüência, enquanto a primeira se serve de um método indutivo (processo de raciocínio pelo qual se parte de fatos particulares para estabelecer leis gerais), empírico, baseado na análise e observação da realidade, as disciplinas jurídicas utilizam um método lógico, abstrato e dedutivo. (Molina, 44) A Criminologia pretende conhecer a realidade para explicá-la. (Molina, 45)
A definição de crime para a Criminologia e Direito Penal é diferente. Para o Direito Penal crime é a conduta típica, ilícita e culpável. Para a Criminologia, no entanto, o crime deve ser encarado como um fenômeno comunitário e como um problema social. 
Não é unânime o momento histórico do surgimento da Criminologia. No entanto, muito são os autores que, de alguma forma, trataram da questão sem se dar conta de que faziam de seu objeto de estudo aquilo que, hoje, convencionamos chamar Criminologia. Lombroso, por exemplo, uma das mais lembradas referências para se indicar o termo inicial do estudo criminológico, intitulava-se da escola antropológica italiana e não se dizia criminólogo. (Shecaira, 73)
Deixando de lado a anedótica (em grande medida) discussão que poderia advir da briga para se ter um “pai” da ciência criminológica, poder-se-ia dizer, em duas grandes linhas de pensamento, que a Criminologia nasce com o positivismo seja sociológico ou biológico (ESCOLA POSITIVA); ou, ainda, que a Criminologia nasce com a escola clássica. (Shecaira,75)
Porém, antes de adentrarmos especificamente no pensamento de tais escolas, mister uma rápida explanação acerca do período que as antecederam.
A vingança sempre foi, e é ainda, o móvel da reação à ofensa, pois a reação contra o crime, não obstante as suas conseqüências, até hoje tem o caráter de vingança.
As tribos e clãs exerciam a vingança privada, quer individualmente, quer coletivamente, contra seus ofensores, dando origem, muitas vezes, a contra-rações em cadeia, que ultrapassavam os limites dos contentores para alcançar toda a coletividade, com extermínio genocida de grandes conseqüências.
Para obviar essas ilimitadas reações, passaram a adotar a justiça do talião – “olho por olho, dente por dente, vida por vida”. A uma ação ofensiva só podia corresponder uma ação defensiva igual, contra o ofensor.
Determinados povos da antiguidade cultivavam a crença de que a violação da boa convivência ofendia a divindade e que sua cólera fazia recair a desgraça sobre todos, todavia, se houvesse uma reação, uma vingança contra o ofensor, equivalente à ofensa, a divindade depunha a sua ira, voltava a ser propícia e a dispensar de novo a sua proteção a todos. Surgiu então a figura do juiz que, representando o povo perante a divindade, passou a exercitar a justiça retributiva, como modo de expiação da culpa e conseqüente aplacamento da ira divina. Tal vingança era pública. Generalizou-se com uso de juízes e tribunais com o objetivo de conter a criminalidade, mas por mais aterradores que fossem os castigos e os suplícios inflingidos contra os delinqüentes, por mais ostensiva que tenha sido a pretensa exemplaridade das execuções das penas corporais e infamantes, nunca houve eficaz efeito inibitório ou frenador da criminalidade.
Imperava o politeísmo, principalmente no mundo romano e grego, quando nasceu, na Galiléia, Jesus Cristo, que passou a pregar o amor e o monoteísmo. Naquela época as penas eram flagelação, amputação, morte pela fogueira, lançamento às fera, etc. O povo romano que tinha vastíssimo domínio sobre os outros povos da época, inclusive os palestinos, era politeísta e não aceitava a doutrina cristã. Jesus foi morto na cruz e muitos foram lançados às feras, no coliseu de Roma.
No ano de 325, o Imperador Constantino, pelo Concílio de Nicéia, se converteu ao Cristianismo e declarou reconhecida a Igreja pelo Estado, e daí por diante, a conduta contra a fé cristã foi sendo convertida em delito e o Estado foi, pouco a pouco, aceitando a formação de um poder punitivo pela Igreja sobre religiosos e profanos. O delito se confundia com o pecado. O livre arbítrio era fundamento comum da punibilidade. Assim, como todos os homens são iguais perante Deus, têm vontade livre, se cometerem pecado é porque querem e, neste caso, sofrerão implacavelmente a condenação.
A igreja passou a punir quem não confessasse a fé católica. Criou-se o Santo Ofício da Inquisição no século XIII que se estendeu até o século XIX. Muitos meios crudelíssimos de suplícios foram empregados. Milhões de infiéis que eram chamados de hereges e apóstatas foram queimados vivos. As prisões destinadas aos suplícios eram em geral subterrâneas e chamadas de Penitenciários, com celas individuais, escuras, imundas, porque segundo os inquisitores, só assim elas seriam propícias à penitencia, à expiação e à purgação.
Após a Idade Média, sobreveio o ciclo do terror, o período do absolutismo, do tiranismo e de muitos arbitrarismo, em que o rei era a lei, o rei era o Estado.Nesse período muitos inocentes foram condenados e muitos culpados ficaram impunes. As execuções tinham que seguir um ritual de teatralismo e de ostentação do condenado à execração, as carnes eram cortadas e queimadas com líquidos ferventes, os membros eram quebrados ou arrebentados na roda, ou separados do corpo através de tração de cavalos, o ventre era aberto para que as vísceras ficassem à mostra. Todos deveriam assistir as cenas horripilantes.
Era paranóia do suplício e do excesso de poder. Mas não obstante as atrocidades e a barbárie dos suplícios impostos aos delinqüentes, a criminalidade na França, tornou-se insustetável e intranquilizante, a tal ponto de intolerância, abominação e repúdio ao caótico regime, que o povo teve que se mobilizar e deflagrar o movimento que redundou na Revolução Francesa, e nas conseqüentes reformas institucionais. Mas, se de um lado, a Revolução Francesa concorreu para abolir as atrocidades, a barbárie dos suplícios e a teatralidade das execuções, extrema obsessão da vingança pública, por outro lado, nos legou a pena de prisão, que para a época foi um avanço.
Vale ressaltar também que a Antiguidade tem alguns poucos exemplos de questões que suscitaram discussões sobre os crimes, criminosos e suas correspondentes penas.O Código de Hamurabi, por exemplo, dispunha que pobres e ricos fossem julgados de modos distintos, correspondendo aos últimos a maior severidade, em razão das maiores oportunidades que tiveram de aceder a melhores bens materiais e culturais. No entanto é na Idade Média e no início da Idade Moderna que vamos encontrar as mais diferentes e curiosas manifestações acerca da criminalidade. Chegou-se a criar um cálculo numérico para os homicídios. A oftalmoscopia, por exemplo, pretendia estudar o caráter do homem pelo observação dos olhos, assim como a metoposcopia o fazia por meio da observação das rugas da fronte e a quiromancia pretendia prever o futuro, com base no passado, pela análise das linhas das mãos. (Shecaira, 77)
Todavia, a mais importante de todas essas pseudociências é a fisionomia. Os fisionomistass preocupavam-se com o estudo da aparência externa do indivíduo, ressaltando a relação existente entre o corpo e o psíquico. Para eles, dos dados fisionômicos de uma pessoa poder-se-iam deduzir seus caracteres psíquicos, relacionando-se desse modo os aspectos físico e moral do ser humano. Lavater (um seguidor) acreditava que o caráter e o temperamento do homem poderiam ser lidos pelos contornos da face humana. Para ele, tanto a beleza quanto a feiúra eram reflexos da bondade ou maldade da pessoa. Um juiz napolitano, conhecido como Marquês de Moscardi, decidia em última instância os processos que até ele chegavam e afirmava: quando se tem dúvida entre dois presumidos culpados, condena-se sempre o mais feio. (Shecaira 78/79)
A fisionomia deu origem à cranioscopia, desenvolvida por Franz Joseph Gall (1758-1828), por volta de 1800. Tal método permitia, mediante medições externas da cabeça, adivinhar a personalidade e o desenvolvimento das faculdades mentais e morais, com base na forma externa do crânio. (Shecaira, 79)
Embora o pensamento clássico, de uma forma acabada, possa ser identificado com o século XIX, é com Cesare Bonesana, Marquês de Beccaria, que se fincam os pilares que permitiriam construir o arcabouço teórico do classicismo. A investigação criminológica começa – como tudo em ciência – em uma busca do conhecimento racional e fundamentado. O livro Dos Delitos e das Penas, em 1764, abre as portas para esse período, objetivando limitar o arbítrio e a opressão de um poder centralizado e autoritário. Beccaria defendeu a existência de leis simples, conhecidas pelo povo e obedecidas por todos os cidadãos. Para ele só as leis poderiam fixar as penas, não sendo permitido ao juiz aplicar sanções arbitrariamente. Defendeu o fim do confisco e das penas infamantes, que recaem sobre a família do condenado, como ainda o fim das penas cruéis e da capital. A obra de Beccaria pe a pedra fundamental do direito penal liberal e da própria criminologia clássica.
Para a escola criminológica clássica a pena era a reparação do dano causado pela violação de um contrato (o contrato social de Rousseau). No direito civil, quando uma parte viola o contrato, surge a reparação como resultado inevitável daquele descumprimento. No direito penal de uma sociedade baseada metaforicamente nesse mesmo contrato, não há como evitar a necessária reparação do dano por meio da pena. Daí que surgem penas certas e determinadas, como decorrência dessa matemática reparatória fixa.
Quanto ao criminoso, a primeira grande perspectiva era a dos clássicos, que entendiam ser o mesmo um pecador que optou pelo mal, embora pudesse e devesse respeita a lei. (Shecaira, 47). O mundo clássico partiu de uma imagem sublime, ideal, do ser humano como centro do universo, como dono e senhor absoluto de si mesmo, de seus atos. O dogma da liberdade – no esquema clássico – tornou iguais todos os homens (não há diferenças qualitativas entre o homem delinqüente e o não-delinquente) e fundamenta a responsabilidade: o absurdo comportamento delitivo só pode ser atribuído ao mau uso da liberdade em uma concreta situação, não a razões internas nem a influências externas. O crime, pois, possui suas raízes em um profundo mistério ou enigma. Para os clássicos, o delinqüente é um pecador que optou pelo mau, embora pudesse e devesse respeitar a lei (livre arbítrio) (Molina,75)
 Tal concepção foi duramente criticada pelos autores positivistas, que representam uma segunda ordem de visão sobre o mesmo tema. Para eles o livre-arbítrio era uma ilusão subjetiva, algo que pertencia à metafísica (estudo que procura determinar a natureza essencial da existência, da realidade e do conhecimento). O infrator era um prisioneiro de sua própria patologia (determinismo biológico), ou de processos causais alheios (determinismo social). Era ele escravo de sua carga hereditária: um animal selvagem e perigoso, que tinha uma regressão atávica (herdado ou transmitido aos descendentes por atavismo-reaparecimento, num descendente, de um caráter desaparecido de sua linhagem há várias gerações) e que, em muitas oportunidades, havia nascido criminoso. (Shecaira, 48)
O positivismo criminológico destronaria o homem, privando-lhe de seu cetro e de seu reinado, ao negar-lhe a possibilidade de livre controle sobre seus atos e seu protagonismo no mundo natural, no universo e na história. O homem, dirá Ferri, não é o rei da Criação, como a Terra não é o centro do universo e o livre arbítrio é uma “ilusão subjetiva”. Em conseqüência, o positivismo criminológico insere o comportamento do indivíduo na dinâmica de causas e efeitos que rege o mundo natural ou o mundo social: em uma cadeia de estímulos e respostas, fatores determinantes internos, endógenos (biológicos) ou externos, exógenos (sociais) explicam sua conduta inexoravelmente. Para o positivismo criminológico, o infrator é um prisioneiro de sua própria patologia (determinismo biológico) ou de processos causais alheios ao mesmo (determinismo social): um ser escravo de sua carga hereditária, enclausurado em si e separado dos demais, que mira o passado e sabe, fatalmente escrito, seu futuro: um animal selvagem e perigoso. (Molina,75/76) A pessoa do delinqüente alcançou seu máximo protagonismo como objeto das investigações criminológicas durante a etapa positivista.
ESCOLA POSITIVA/ANTROPOLOGIA CRIMINAL
1) INTRODUÇÃO
O alheamento natural dos clássicos, em função de suas idéias, criou uma certa incapacidade explicativa de alguns fenômenos da época. A começar pelo postulado da racionalidade pura (livre arbítrio), capaz de supor uma homogeneidade absoluta de todos os homens no que toca aos processos pessoais, biopsicológicos , de motivação do ato delituoso. Em contrapartida, o suposto efeito dissuasório (desestimulador da prática criminosa) não se mostrou efetivo, não obstante os contra-estímulos penais serem concretos. Da mesma forma, a aplicação rigorosamente igual da lei é impossível de ser alcançada. Na realidade, a ideologia da burguesia em ascensão, quando submetida às falências das expectativas otimistas depositadas nas mudanças de paradigmas do capitalismo, que não só diminuíram a dimensão da criminalidade, como ainda foram incapazes de entender o grave momento histórico e criminal decorrente da Revolução Industrial, fez com que surgisse uma aguda, considerável e irrespondível crítica em relação ao pensamento denominado clássico. Foi exatamente nesse clima que surgiu a crítica positivista. Independentemente de suas hipótese serem, ou não, adequadas, também não se pode deixar de considerar a existência de um amplo flanco aberto às críticas deixado pelos clássicos. (Shecaira 94/95)
Assim, com o despontar da filosofia positivista e o florescimento dos estudos biológicos e sociológicos, nasce a escola positiva. Essa escola, produto do naturalismo, sofreu influência da doutrina evolucionista; materialista; sociológica; frenológica(estuda o caráter e as funções intelectuais humanas, baseando-se na conformação do crânio); fisionômica.
Para a Escola Clássica, o homem criminoso é dotado de livre arbítrio. Não há que se cogitar das causas ou fatores criminógenos ou de influxos exógenos ou endógenos influenciadores docomportamento criminoso, mas para a Escola Positiva, o determinismo desse comportamento é o centro gravitacional de toda a sua doutrina. Por que o homem é criminoso? Quais os fatores que o levam a ser criminoso? Como se pode desvendar esses fatores? Só a partir da obra de LOMBROSO, em 1876, sob o título O HOMEM DELINQUENTE, é que as respostas passaram a ser dadas, e só a partir dessa obra é que se pode considerar a existência tanto da Criminologia (para alguns autores) como da Escola Positiva. (apostila)
Segundo a Escola Positiva, há duas ordens de fatores criminológicos: os externos ou exógenos e os internos ou endógenos. Os fatores exógenos, como os sócio-econômicos, sócio-ambientais, sócio-ético-pedagógicos, etc, ou seja, são aqueles pela vida de relação, pela situação ambiental, a convivência, pelas manifestações comportamentais e por outras circunstâncias evidentes, permitem determinar as razões de um comportamento criminoso.
Pela concepção positivista, não há vontade humana; o pensamento, o querer não são mais que manifestações físicas de um processo físico-psicológico que se desenvolve por meio de condutores no sistema nervoso (determinismo positivo), sendo, portanto, o homem um irresponsável.
A orientação positivista apresenta três grandes fases, tendo cada qual um aspecto predominante e um expoente máximo. São elas: a) fase antropológica: César Lombroso (L’uomo delinqüente, 1876); b) fase sociológica: Eurico Ferri (Sociologia criminae (1892); e c) fase jurídica: Rafael Garofalo (Criminologia, 1885) (apostila)
2) ANTROPOLOGIA CRIMINAL
Em 1876, mais de um século depois da publicação da obra de Beccaria, Dos delitos e das penas, o livro de Cesare Lombroso (1835-1809). L’uomo delinqüente, é publicado, inaugurando-se com ele um novo período da criminologia, denominado “científica”. Lombroso não foi um criador de uma novíssima teoria; foi sim, alguém que teve a capacidade de recolher o pensamento esparso que vicejava à sua volta para articula-lo de forma inteligente e convincente. Se para o olhar de nossos dias seu pensamento pode ser considerado um tanto quanto bizarro, suas idéias eram muito aceitas entre seus contemporâneos. Lombroso emprestou algumas dos fisionomistas para fazer seu próprio retrato do delinqüente. Examinava profundamente as características fisionômicas com dados estatísticos que verificava desde a estrutura do tórax até o tamanho das mãos e pernas. A quantidade de cabelo, estatura, peso, incidência maior ou menor de barba, enfim, tudo era circunstancialmente analisado. Adotou dezenas de parâmetros frenológicos para examinar as cabeças, pesando-as, medindo-as e conferindo grande sentido científico nos estudos do criminoso nato. Suas pesquisas envolviam tópicos como capacidade craniana, capacidade cerebral, circunferência, formato, diâmetro, feição, índices nasais, detalhes da mandíbula, fossa occipital (diferente nos criminosos natos). (Shecaira,95/96)
Dos antropólogos que lhe precederam extraiu o conceito de atavismo e de espécie não evolucionada, além de utilizar o conceito de criminoso nato. Quanto ao atavismo, por exemplo, seus estudos compreendiam até mesmo um cotejo das tatuagens existentes nos criminosos com os desenhos encontrados em cavernas pré-históricas do Egito, Assíria, Fenícia, etc. Por derradeiro, da psiquiatria emprestou a análise da degeneração dos loucos morais, muito útil para construir seu pensamento e explicar a existência dos primeiros delinqüentes. É verdade que Lombroso também apresentou seu gênio criador. O fator aglutinante do positivismo criminológico em torno de suas idéias decorreu em grande medida de ter sido ele o primeiro desses autores, além de trazer seu pensamento como um todo articulado, a fazer a defesa do método empírico-indutivo ou indutivo-experimental que era sustentado pelos seus representantes perante a análise filosófico-metafísica, eles que reprovavam na filosofia clássica. O método indutivo ajustava-se ao modelo causal explicativo que o positivismo propôs como paradigma de ciência. Lombroso afirma ser o crime um fenômeno biológico e não um ente jurídico (como sustentavam os clássicos), razão pela qual o método que deve ser utilizado para o seu estudo havia de ser o experimental (indutivo). Nunca é demais lembrar que suas pesquisas foram em grande parte feitas em hospitais, manicômios e penitenciárias. Lombroso afirmava ser o criminoso um ser atávico que representa a regressão do homem ao primitivismo. É um selvagem que já nasce delinqüente. A causa da degeneração que conduz ao nascimento do criminoso é a epilepsia, que ataca os centros nervosos dele. (Shecaira, 95/96)
Médico, psiquiatra, antropólogo, político, Lombroso foi um homem genial. Sua contribuição principal para a Criminologia, segundo MOLINA, não reside tanto em sua famosa tipologia (onde destaca a categoria do “delinqüente nato”) ou em sua teoria criminológica, senão no método que utilizou em suas investigações: o método empírico. Sua teoria do delinqüente nato foi formulada com base em resultados de mais de quatrocentos autópsias de delinqüentes e seis mil análises de delinqüentes vivos; e o atavismo (reaparecimento num descendente, de um caráter desaparecido de sua linhagem há várias gerações) que, conforme seu ponto de vista, caracteriza o tipo criminoso – ao que parece -, contou com o estudo minucioso de vinte e cinco mil reclusos em prisões européias. (Molina,191)
Assim, César Lombroso, inspirando-se nos precussores da Antropologia Criminal e nos estudos da evolução da espécie humana, desenvolvidos por DARWIN, aproveitava-se da condição de médico do sistema penitenciário italiano, para autopsiar cadáveres dos presos e concluir sobre estigmas criminógenos. Após necropsiar vários cadáveres, deparou-se com o defunto do famoso facínora (indivíduo perverso e criminoso), o assaltante Vilela. Dissecando-o, teve a grata surpresa de encontrar, em seu crânio, a fosseta occipital média que era a característica do homem primitivo. Tal vestígio levou LOMBROSO a concluir que havia uma relação entre o instinto sanguinário e a regressão atávica. Mais tarde, ao examinar os crimes de sangue praticados pelo soldado Misdea, constata que o ataque epilético, que causa convulsões, podia ser substituído por impulsos violentos, especialmente nas situações em que a pessoa fosse portadora da chamada “epilepsia larvar”. Com isso passa a explicar os impulsos criminosos. Assim, lançam-se as bases para a sua teoria básica: atavismo, degeneração pela doença e criminoso nato, com certas características: fronte fugidia, assimetria craniana, cara larga e chata, grande desenvolvimento das maças do rosto, lábios finos, criminosos na maioria vezes canhotos, cabelos abundantes, barba rala; ladrões com olhar errante, móvel e obliquo; assassinos com olhar duro, vítreo, injetado de sangue. O criminoso nato era considerado uma espécime retardatário de forma que a humanidade já superara. Existem tais formas em face da existência do atavismo, em vista de certas anomalias anatômicas e psicológicas serem características desses criminosos. Por ser o delinqüente um subtipo humano, seu estudo é prioritário, estando a análise do criminoso acima do relevo que se possa atribuir ao estudo do crime, abstratamente considerado. Lombroso afirmava que o mundo circundante era motivo desencadeador de uma predisposição inata, própria do sujeito em referência. Ele não nega os fatores exógenos, apenas afirma que estes só servem como desencadeadores dos fatores clínicos (endógenos). Para Lombroso, o criminoso sempre nascia criminoso. O positivismo lombrosiano é marcadamente de um determinismo biológico, em que a liberdade humana – o livre-arbítrio – é uma mera ficção. (Molina,191 - + Shecaira, 97/98)
Não é preciso falar muito dessa teoria para imaginar a quantidade torrencial de críticas a que foi submetida. Censura-se Lombroso por seu particular evolucionismo carente de toda base empírica. Se for verdade que o criminoso era um selvagem, involuído, as tribos primitivas, por ele denominadas de selvagens, deveriam ter altosíndices de criminalidade. Não tinham. Ademais, encontrar alguns dos traços anatômicos dos criminosos natos em pessoas tidas como normais era fato comum, evidência que nem todos os delinqüentes apresentam tais anomalias que pudessem amoldá-lo ao retrato criminoso pintado pelos positivistas. Também há de ser criticada a visão segundo a qual o criminoso é analisado exclusivamente por seus fatores biológicos. Há centenas de milhares de epiléticos que jamais cometeram crimes, mesmo sendo portadores de uma doença que, ainda hoje, é controlada. Portanto, os fatores biológicos só poderiam ser admitidos se compatibilizados com os sociais. Foi o que Ferri fez, na defesa de seu mestre. (Shecaira, 98)
Cesare Lombroso classificava os criminosos consoante se segue:
1. Criminoso nato;
2. Falso delinqüente ou pseudo delinqüente, ou delinqüente ocasional, como hoje é conhecido. Para Lombroso, esse não era verdadeiramemente um delinqüente, por isso o chamou de “falso delinqüente”;
3. Criminalóide, classificação ou conceito exclusivamente lombrosiano e que refere a existência do “meio delinqüente”, assemelhado ao “meio louco”. Hoje chamado fronteiriço. (Fernandes,84)
ESCOLA POSITIVA/SOCIOLOGIA CRIMINAL. NOTAS CONCLUSIVAS ACERCA DAS ESCOLAS
1) INTRODUÇÃO
Dando continuidade à explanação acerca da Escola Positiva, passamos ao posicionamento de Enrico Ferri e posteriormente de Garófalo. Vale frisar que ambos deram uma visão diferente da daquela proposta por Lombroso, sem, no entanto, negá-lo, mas antes complementá-lo.
2) SOCIOLOGIA CRIMINAL 
Enrico Ferri (1856-1929), professor universitário, célebre advogado, político militante e reputado cientista, costuma ser considerado como “pai da moderna Sociologia Criminal”, foi um dos mais importantes pensadores de seu tempo. Teve a difícil incumbência de ser o grande orientador da escola na árdua polêmica que travou referente à reação dos clássicos. A ele devem a criminologia e o direito penal, se mais não for por ser o criador da chamada sociologia criminal. Diferentemente de Lombroso, sua perspectiva de análise voltava-se para as ciências sociais, com uma compreensão mais larga da criminalidade, evitando-se o reducionismo antropológico do iniciador da escola positivista italiana. (Shecaira,99 e Molina, 194)
Dizia Ferri que o fenômeno complexo da criminalidade decorria de fatores antropológicos, físicos e sociais. Dentro desse sistema de forças condicionantes é que criará uma nova classificação dos criminosos, superando os pensamentos anteriores. O delito para Ferri, não é produto exclusivo de nenhuma patologia individual (o que contraria a tese antropológica de Lombroso), senão – como qualquer outro acontecimento natural ou social - resultado da contribuição de diversos fatores: individuais, físicos e sociais. Distinguiu, assim, fatores antropológicos ou individuais (constituição orgânica do indivíduo, sua constituição psíquica, características pessoais como raça, idade, sexo, estado civil, etc), fatores físicos ou telúricos (clima, estações, temperatura, etc) e fatores sociais (densidade da população, opinião pública, família, moral, religião, educação, alcoolismo, etc). (Molina,195)
Ferri critica o livre-arbítrio como fundamento da imputabilidade, a responsabilidade moral deve ser substituída pela responsabilidade social, já que o livre-arbítrio é uma mera ficção. A razão e o fundamento da reação punitiva é a defesa social, que se promove mais eficazmente pela prevenção do que pela repressão aos fatos criminosos. (Shecaira, 99)
Em sua renovada classificação, Ferri visualiza cinco principais categorias de delinqüente: o nato, o louco, o habitual, o ocasional e o passional.
Nato era o criminoso conforme classificação original de Lombroso. Eram precoces e incorrigíveis, com grande tendência à recidiva (reaparecimento de uma doença depois da recuperação aparentemente completa da saúde).
O louco é levado ao crime não somente pela enfermidade mental, mas também pela atrofia do senso moral, que é sempre a condição decisiva na gênese da delinqüência. 
O habitual preenche um perfil urbano. É a descrição daquele que nascido e crescido num ambiente de miséria moral e material começa, de rapaz, com leves faltas (mendicância, furtos pequenos, etc) até uma escalada obstinada no crime. Pessoa de grave periculosidade e fraca readaptabilidade, preenche um perfil dos criminosos mais perigosos. Faz do crime uma profissão.
O delinqüente ocasional está condicionado por uma forte influência de circunstâncias ambientais: injusta provocação, necessidades familiares ou pessoais, facilidade de execução, comoção pública, etc.; sem tais circunstâncias não haveria atividade delituosa que impelisse o agente ao crime. No delinqüente ocasional é menor a periculosidade e maior a readaptabilidade social; e, porque ele, na massa dos autores de verdadeiros e próprios crimes, representa a grande maioria, que se pode computar aproximadamente na metade do total dos criminosos. 
Por derradeiro, o criminoso passional, categoria que inclui os criminosos que praticam crimes impelidos por paixões pessoais, como também políticas e sociais. (Classificação Shecaira, 100)
Interessante é a teoria dos “substitutivos penais”, com a qual sugere Ferri um ambicioso programa político-criminal de luta e prevenção ao delito, menosprezando e dispensando o Direito Penal. Sua tese é a seguinte: o delito é um fenômeno social, com uma dinâmica própria e etiologia específica, na qual predominam os fatores “sociais”. Em consequência, a luta e a prevenção do delito devem ser concretizadas por meio de uma ação realista e científica dos poderes públicos que se antecipe a ele e que incida com eficácia nos fatores (especialmente nos fatores sociais) criminógenos que o produzem, nas mais diversas esferas (econômica, política, científica, legislativa, religiosa, familiar, educativa, administrativa, etc.), neutralizando-os. A pena, conforme Ferri, seria, por si só, ineficaz, se não vem precedida ou acompanhada das oportunas reformas econômicas, sociais, etc., orientadas por uma análise científica e etiológica do delito. Por isso é que ele propugnava, como instrumento de luta contra o delito, não do Direito Penal convencional, senão uma Sociologia Criminal integrada, cujos pilares seriam a Psicologia Positiva, a Antropologia Criminal e a Estatística Social. (Molina, 196)
Uma última reflexão obriga ressaltar as contradições e debilidades de Ferri. Ele lamentou sempre o excessivo “individualismo” dos clássicos e sua contínua remissão “aos direitos do indivíduo” (delinqüente), em detrimento da defesa eficaz da sociedade. Propugnou, como bom positivista, pela justiça da ordem social (da ordem social da burguesia que estava nascendo, em última análise) e pela necessidade de sua defesa a todo custo, incluindo o sacrifício dos direitos individuais, da segurança jurídica e da própria humanidade das penas. (Molina, 197)
3) ESCOLA POSITIVA/RAFAELE GAROFALO
Rafaele Garofalo (1851-1934) foi o terceiro grande nome do positivismo italiano. Garófalo foi o criador do termo Criminologia. Imaginou-a e construiu-a com a tríplice preocupação de torná-la uma pesquisa antropológica, sociológica e jurídica. Segundo ele, a Criminologia é a ciência da criminalidade, do delito e da pena. (Shecaira, 100 e Fernandes, 93)
Garófalo sustentou um positivismo moderado. Boa parte do êxito e da difusão da Escola Positiva deve-se à prudência deste autor, que foi jurista, magistrado, politicamente conservador, e que soube reformular os postulados da referida escola pensando, antes de tudo, na melhor difusão dos mesmos e na possibilidade de sua recepção pelas leis, sem dogmatismos e nem excessos doutrinários. (Molina, 198)
Embora fosse fiel às premissas metodológicas do positivismo (método empírico), caracterizaram-no, não obstante, a moderação e o equilíbrio, que o distanciaram tanto da Antropologia lombrosiana como do sociologismo de Ferri. Vejamos os três aspectos fundamentais de seu pensamento: seu conceito de “delito natural”. Sua “teoria da criminalidade” e o “fundamentodo castigo ou teoria da pena”.(Molina 198)
Para Garófalo os positivistas, até então, haviam se esforçado para descrever as características do delinqüente, do criminoso, em lugar de definir o próprio conceito de “crime” como objeto específico da nova disciplina (Criminologia). Por isso, ele pretendeu criar uma categoria, exclusiva da Criminologia, que permitisse, segundo seu juízo, delimitar autonomamente seu objeto, mais além da exclusiva referência ao sujeito ou às definições legais. Referida categoria consiste no “delito natural”, com o qual se distingue uma série de condutas nocivas per se, em qualquer sociedade e em qualquer momento, com independência inclusive das próprias valorações legais mutantes. Sua definição, no entanto, decepcionou, já que dificilmente se pode elaborar um catálogo absoluto e universal de crimes, sobretudo quando se vale de conceitos tão ambíguos como os de “piedade” e “probidade”, prescindindo de normas penais. (Molina, 198). 
Sua grande contribuição criminológica, no entanto, foi a tentativa de conceber um conceito de delito natural. Sua proposta básica era saber se “entre os delitos previstos pelas nossas leis atuais, há alguns que, em todos os tempos e lugares, fossem considerados puníveis. A resposta afirmativa parece impor-se, desde que pensamos em atrocidades como o parricídio (assassinato do próprio pai), o assassínio com o intuito de roubo, o homicídio por mera brutalidade. Seu conceito de delito natural passa a ser apresentado como a violação daquela parte do sentido moral que consiste nos sentimentos altruístas fundamentais da piedade e probidade, segundo o padrão médio em que se encontram as raças humanas superiores, cuja medida é necessária para adaptação do indivíduo à sociedade. Tal conceito influenciou inúmeros autores nacionais. (Shecaira, 101)
A explicação da criminalidade dada por Garófalo, por sua vez, tem sem nenhuma dúvida conotações lombrosianas, por mais que conceda alguma importância (escassa) aos fatores sociais e que exija a contemplação do fato e não somente das características do seu autor. Nega, certamente, a possibilidade de demonstrar a existência de um tipo criminoso de base antropológica. Mas reconhece o significado e a relevância de determinados dados anatômicos (o tamanho excessivo das mandíbulas ou o superior desenvolvimento da região occipital em relação à frontal), ainda que diminua ou inclusive negue a interpretação lombrosiana dos estigmas. O característico da teoria de Garófalo é a fundamentação do comportamento e do tipo criminoso em uma suposta anomalia – não patológica – psíquica ou moral. Trata-se de um déficit na esfera moral da personalidade do indivíduo, de base orgânica, endógena, de uma mutação psíquica (porém não de uma enfermidade mental), transmissível por via hereditária e com conotações atávicas e degenerativas. (Molina, 199)
Garófalo distinguiu quatro tipos de delinquentes (o assassino, o criminoso violento, o ladrão e o lascivo), sendo o primeiro deles o mais fácil de identificar, inclusive pelas características do próprio fato. (Molina, 199)
Mas a principal contribuição da Criminologia de Garófalo foi sua filosofia do castigo, dos fins da pena e sua fundamentação, assim como das medidas de prevenção e repressão da criminalidade. Parte este autor de um determinismo moderado que contrasta com a dureza e o rigor penal que o próprio Garófalo propugna para a eficaz defesa da ordem social, que goza da supremacia radical frente aos direitos do indivíduo. Do mesmo modo que a natureza elimina a espécie que não se adapta ao meio, também o Estado deve eliminar o delinqüente que não se adapta à sociedade e às exigências da convivência. Esta defesa radical da ordem social leva-lhe a aceitar a pena de morte em certas hipóteses (criminosos violentos, ladrões profissionais e criminosos habituais, em geral), assim como penas de particular severidade que, a seu juízo, formam parte do catálogo ou repertório de penas de um sistema racional (v.g., envio do delinqüente por tempo indefinido para colônias agrícolas). (Molina 199/200)
Para Garófalo, a pena deve estar em função das características concretas de cada delinqüente (princípio da personalidade/individualização da pena), sem que sejam válidos outros critérios convencionais como o da retribuição ou expiação, a correção ou inclusive a prevenção. Descartou, pois, a idéia de proporção como medida da pena, do mesmo modo que descartou a idéia de responsabilidade moral e liberdade humana como fundamento daquela. Se opôs à suposta finalidade correcional ou ressocializadora do castigo, por considerar que o impede o substrato orgânico e psíquico, inato, que existe na personalidade criminosa. Tampouco estimou acertada a idéia da prevenção como fundamento da pena, porque, conforme seu juízo, esta não permite determinar o quantum do castigo. (Molina, 200)
4) CONSIDERAÇÕES FINAIS ACERCA DAS ESCOLAS
Superadas as diferenças pontuais entre os principais autores do positivismo, algumas importantes idéias comuns podem ser identificadas entre eles. O crime passa a ser reconhecido como um fenômeno natural e social, sujeito às influências do meio e de múltiplos fatores, exigindo o estudo da criminalidade a adoção do método experimental. A responsabilidade penal é responsabilidade social, por viver o criminoso em sociedade, tendo por base a periculosidade. A pena, será , pois, uma medida de defesa social, visando à recuperação do criminoso. Tal medida, ao contrário do que pensavam os clássicos, defensores da pena por tempo determinado, terá denominação de medida de segurança e será por tempo indeterminado, até ser obtida a recuperação do condenado. O criminoso será sempre psicologicamente um anormal, temporária ou permanentemente. (Shecaira 102/103)
CURIOSIDADE: Curiosas eram as classificações cerebrais conforme seu peso. A idéia dominante era relacionar a inteligência ao peso do encéfalo. As grandes inteligências da época tinham, supostamente, cérebro mais pesado que aqueles seres involuídos, dentre os quais estavam os delinqüentes e as mulheres. Chegou-se a estabelecer uma escala desses pesos, relacionando-os à categoria profissional: o cérebro de um trabalhador rural pesava, em média, 1.400 gramas; o de um operário artífice, 1.433; o de um zelador de um prédio, 1.436; o de um homem de negócios, 1.468; de um médico, 1.472; e de um professor, 1.500. Tal classificação não foi por ninguém contestada. Sabia-se que isso era uma verdade tão absoluta quanto a deficiência intelectual feminina decorrer do menor peso de seu encéfalo (1.275 gramas contra os 1.400 gramas dos crânios masculinos). Morto Lombroso, em 18.10.1909, criou-se uma certa ansiedade quanto ao peso cerebral daquele que concebera as mais criativas “teorias científicas” que deram ensejo ao positivismo. Seu cérebro, após a necropsia, constatou-se um peso bastante medíocre: 1.308 gramas(muito mais próximo de cérebro feminino do que masculino!!!). (Shecaira, 115/116)
Para a Criminologia, sem qualquer dúvida, não obstante as considerações de natureza penal dos clássicos terem sido importantes, são os positivistas que trazem as principais contribuições. Primeiro porque construíram seu pensamento em um momento de eclosão de várias ciências, em que se afirmaram, dentre outras, a antropologia, a sociologia, psiquiatria criminal. O trânsito para essas diferentes formas de conhecimento permitiu a criação da Criminologia como uma ciência multidisciplinar que congrega diversas formas de conhecimento. Nesta polidisciplinaridade sobre o fenômeno criminal está o germe da complexa e sempre atual natureza interdisciplinar da Criminologia. Sem dúvida, a contribuição metodológica foi, pois, o grande avanço trazido pr essa perspectiva de pensamento, para esta nova ciência, posto que autorizou intelectualmente a superação da visão exclusivamente dedutiva, de raciocínio lógico-abstrato, para a adoção de um posicionamento indutivo, empírico, de constatação da realidade para a obtenção de sua efetiva explicação. Ademais, foi o positivismo italiano, principalmente,que mudou o foco do delito para o estudo mais aprofundado do delinqüente, o que por si só já constituiria uma relevante contribuição para a ciência.
No entanto, se boas contribuições foram trazidas pelos positivistas, também não se pode deixar de reconhecer neles visões distorcidas da sociedade e da criminalidade, que trouxeram conseqüências prejudicais significativas. A patologização do fenômeno delituoso, traduzida pela assertiva segundo a qual todo criminoso tinha um viés patológico e não podia ser curado, demonstrou-se um cabal engano. Outro erro grave, especialmente de Lombroso, foi subvalorizar o entorno social como mero fator desencadeante da criminalidade. Os fatores circundantes não se constituíam sequer em vetores criminais. Mesmo com as contribuições posteriores de Ferri e Garófalo, tal pensamento não foi de todo superado. É certo que há delinqüentes que apontam os traços lombrosianos; mas também encontramos esse traços em homens inteligentes, em débeis mentais não delinqüentes, etc., como também há criminosos que não apresentam tais traços. Não é difícil encontrar em qualquer indivíduo alguns desses traços, sem que isso tenha uma explicação atávica e ancestral, nem muito menos criminógena. Pelo contrário, é uma evidência que nem todos os delinqüentes apresentam tais anomalias e, de outro lado, nem os não delinqüentes estão livres delas. Não existe, pois, o “tipo delinqüente”, como de resto não há criminosos “habituais” ou “loucos” (na acepção lombrosiana do termo), ou por tendência. Por outro lado, a ideologia do tratamento proposta pelos positivistas, que produziu uma inversão do pensamento clássico, em vez do recuo do poder sancionatório na sociedade, significou, em nome da defesa da comunidade, uma expansão do sistema punitivo, algo que chegou a ser considerado uma idéia natural, em face da inexistência de alternativas curativas para certos delinqüentes. Este entendimento deu fundamento às doutrinas da prevenção especial nas suas mais extremas manifestações. Deste mito científico da possibilidade do alcance explicativo dos fatores desencadeantes da criminalidade é que nasce a crise de paradigmas, a que aludem alguns autores por não visualizarem perspectivas de prevenção para grande parte do fenômeno criminal; especialmente quanto àquela parte do fenômeno criminal que se traduz na crítica do “feio”, do “mau”, do “anormal”, do “louco”, do “primitivo”, do “selvagem”, ainda voz corrente no pensamento jurídico nacional em muitas questões do direito criminal. Um último erro metodológico dos positivistas é preciso destacar. Os sujeitos que eram observados clinicamente para formação da teoria das causas da criminalidade tratava-se de indivíduos caídos na engrenagem judiciária da justiça penal, sobretudo os clientes do cárcere e manicômios judiciários, indivíduos já selecionados pelo complexo filtro sucessivos que é o sistema penal. Assim, os mecanismos seletivos já tinham atuado, exercendo seu papel de seleção da clientela que viria a ser identificada com algumas características pessoais, quando estas já foram determinantes para a seleção pelo sistema punitivo. Mas pior que isto é acreditar, ainda hoje, que tais parâmetros criminológicos podem ser referência dogmática para a atuação perante os tribunais, ou mesmo para o desenvolvimento das idéias doutrinárias mais recentes. É essa superação que ainda está a se exigir dos operadores do direito. (Shecaira, 129/130)
A CRIMINOLOGIA DA REAÇÃO SOCIAL 
1) INTRODUÇÃO
Várias são as teorias criminológicas que se encartam dentro da perspectiva macrocriminológica. O objetivo é examinar as diferentes visões justificadoras do delito, explicáveis ou críticas, não tendo por escopo examinar a interação entre os indivíduos e pequenos grupos, mas sim fazer uma abordagem da sociedade como um todo, do seu complexo sistema de funcionamento, de seus conflitos e crises, de modo a obter, mediante o estudo do fenômeno delituoso, as diferentes respostas explicativas da criminalidade. (Shecaira, 133)
Vale salientar que uma idéia nunca é resultado de um gênio criador, mas sempre é um produto do seu tempo. As condições de existência de um pensamento decorrem das múltiplas relações humanas condicionantes daquele momento. (Shecaira,133) 
Podemos agrupar duas visões principais da macrossociologia que influenciaram o pensamento criminológico. À primeira visão, de corte funcionalista, mas também denominada de teorias da integração, daremos o nome mais amplo de teorias do consenso. À segunda visão, argumentativa, pode-se intitular, genericamente, de teorias do conflito. A escola de Chicago, a teoria da associação diferencial, a teoria da anomia e a teoria da subcultura delinqüente podem ser consideradas teorias do consenso. Já as teorias do labelling approuch e crítica partem de visões conflitivas da realidade. (Shecaira, 133)
Para a perspectiva das teorias consensuais a finalidade da sociedade é atingida quando há um perfeito funcionamento das suas instituições de forma que os indivíduos compartilham os objetivos comuns a todos os cidadãos, aceitando as regras vigentes e compartilhando as regras sociais dominantes. Para a teoria do conflito, no entanto, a coesão e a ordem na sociedade são fundadas na força e na coerção, na dominação por alguns e sujeição de outros; ignora-se a existência de acordos em torno de valores de que depende o próprio estabelecimento da força. A visão do consenso, na realidade, não postula que a ordem é baseada em um consenso geral em torno de valores, mas sim que ela pode ser concebida em termos de um tal consenso, e que, se ela for concebida nestes termos, são possíveis certas proposições que resistem ao teste de observações específicas. De maneira análoga, para os defensores da visão conflitiva da sociedade, o pressuposto da natureza coercitiva da ordem social é um princípio heurístico, e não um juízo factual. Do ponto de vista da teoria consensual, as unidades de análise social (os chamados sistemas sociais) são essencialmente associações voluntárias de pessoas que partilham certos valores e criam instituições, com vistas a assegurar que a cooperação funcione regularmente. Do ponto vista da teoria do conflito, por outro lado, tais unidades de análise social configuram uma situação bastante diferente. Para ela, não é a cooperação voluntária ou o consenso geral, mas a coerção imposta que faz com que as organizações sociais tenham coesão. (Shecaira, 134/135)
Assim, seja na visão da teoria do consenso, em que as funções sociais são atividades das estruturas sociais, dentro do processo de manutenção do sistema – perspectiva em que as disfunções são atividades que se opõem ao funcionamento do sistema social – e em que toda mudança social é uma disfunção, uma falha no sistema, que não consegue mais integrar as pessoas em suas finalidades e valores, seja na visão da teoria do conflito que admite existir dentro da própria sociedade uma permanente luta pelo poder, que só se mantém pela coerção, não se tem dúvida do papel desempenhado pelo crime dentro desse processo. A partir de seu cometimento, pode-se entender ser ele uma manifestação natural, porém atípica de uma sociedade sadia, ou mesmo pode-se fazer uma crítica mais generalizada de toda a sociedade. Qualquer que seja a visão adotada para a análise criminológica, a sociedade é como a cabeça de Janus, e suas duas faces são aspectos equivalentes da mesma realidade.
É, pois, necessário explorá-la. (Shecaira, 137)
2) LABELLING APPROACH (tradução literal:método de classificação) 
O movimento criminológico do labelling approach, (também chamado teoria da rotulação social ou etiquetagem - conforme as diferentes fontes de tradução da expressão americana labelling approach – ou ainda conforme parte da doutrina o faz, teoria interacionista ou Criminologia da Reação Social) surgido nos anos 60, principalmente nos Estados Unidos, é o verdadeiro marco da chamada teoria do conflito. Ele significa, desde logo, um abandono do paradigma etiológico-determinista e a substituição de um modelo estáticoe monolítico de análise social por uma perspectiva dinâmica e contínua de corte democrático. (Shecaira, 271) Na realidade nos anos 60, muitos chamaram tais autores de críticos, pois a nova perspectiva introduzida era, de fato, crítica ao direito penal e à criminologia tradicionais. (Shecaira, 288)
As questões centrais do pensamento criminológico, a partir desse momento histórico, deixam de referir-se ao crime e ao criminoso, passando a voltar sua base de reflexão ao sistema de controle social e suas conseqüências, bem como ao papel exercido pela vítima na relação delitual.(Shecaira, 271)
Assim, genuinamente norte-americana, a presente teoria surge com a modesta pretensão de oferecer uma explicação científica aos processos de criminalização, às carreiras criminais e à chamada desviação secundária (delinqüência que resulta do processo causal desencadeado pela estigmatização), adquirindo, sem embargo, com o tempo, a natureza de mais um modelo teórico explicativo do comportamento criminal (Molina, 385)
De acordo com esta perspectiva interacionaista, não se pode compreender o crime prescindindo da própria reação social, do processo social de definição ou seleção de certas pessoas e condutas etiquetadas como delitivas. Delito e reação social são expressões interdependentes, recíprocas e inseparáveis. A desviação não é uma qualidade intrínseca da conduta, senão uma qualidade que lhe é atribuída por meio de complexos processos de interação social, processos estes altamente seletivos e discriminatórios. (Molina, 385)
O labelling approach, em conseqüência, supera o paradigma etiológico tradicional, problematizando a própria definição da criminalidade. Esta, se diz, não é como um pedaço de ferro, como um objeto físico, senão o resultado de um processo social de interação (definição e seleção): existe somente nos pressupostos normativos e valorativos, sempre circunstanciais, dos membros de uma sociedade. Não lhe interessam as causas da desviação (primária), senão os processos de criminalização e sustenta que é controle social que cria a criminalidade. Por isso, o interesse da investigação se desloca do desviado e do seu meio para aquelas pessoas ou instituições que lhe definem como desviado, analisando-se fundamentalmente os mecanismos e o funcionamento do controle social ou a gênese da norma e não os déficits e carências do indivíduo, que outra coisa não é senão vítima dos processos de definição e seleção, de acordo com os postulados do denominado paradigma de controle. (Molina, 385/386)
O labelling desloca o problema criminológico do plano da ação para o da reação, fazendo com que a verdadeira característica comum dos delinqüentes seja a resposta das audiências de controle. A explicação interacionista caracteriza-se, assim, por incidir quase exclusivamente sobre a chamada delinqüência secundária, isto é, a delinqüência que resulta do processo causal desencadeado pela estigmatização. (Shecaira, 290)
No plano do controle social punitivo constatou-se que as diferenças entre as instâncias de controle social informais – família, escola, profissão, opinião pública, etc – são flagrantes se comparadas ao controle social formal exercido pela esfera estatal (polícia, justiça, administração penitenciária, etc). Este é seletivo e discriminatório, primando o status sobre o merecimento. O princípio geral é bastante simples. Quando os outros decidem que determinada pessoa é non grata, perigosa, não confiável, moralmente repugnante, eles tomarão contra tal pessoa atitudes normalmente desagradáveis, que não seriam adotadas com qualquer um. São atitudes a demonstrar a rejeição e a humilhação nos contatos interpessoais e que trazem a pessoa estigmatizada para um controle que restringirá sua liberdade. É ainda estigmatizador, porque acaba por desencadear a chamada desviação secundária e as carreiras criminais. Estabelece-se, assim, uma dialética que se constrói por meio de que Tannenbaum denominou a dramatização do mal, que serve para traduzir uma mecânica de aplicação pública de uma etiqueta a uma pessoa. (Shecaira, 292)
É Howard S. Becker, no entanto, o primeiro autor a aprofundar a problemática das condutas desviadas, em seu livro Outsiders. Em tradução livre pode-se dizer que um outsiders é uma pessoa que não é aceita como membro de uma sociedade, de um grupo, de um clube, etc. Becker, na primeira página de seu livro, afirma que quando uma regra é posta em vigor, aquele que, supõe-se, a tenha quebrado pode começar a ser encarado como um tipo especial de pessoa, não confiável para viver com as regras acordadas pelo grupo. Essa pessoa é o outsiders. Pode alcançar um traficante de drogas ou alguém que bebeu em excesso em uma festa e que se porta de maneira inconveniente. Surgido a intolerância, haverá uma espécie de estigmatização desse agente. Obviamente que crimes mais graves, como roubo, assassinato, estupro, acabam por formar uma figura que os identificará como desviantes. Observe-se, desde logo, que os autores do labelling tentam evitar a tradicional terminologia (crime, criminosos, delinqüentes, bandidos, etc) por entenderem que a forte carga valorativa – e pejorativa – é negativa e adere àquele que se envolveu com a justiça criminal. Assim, o primeiro problema é construir um conceito de desviante que não perpetue o desvalor do rótulo que se agrega a alguém. (Shecaira, 292)
Para os autores do labelling a conduta desviante é o resultado de uma reação social e o delinqüente apenas se distingue do homem comum devido à estigmatização que sofre. Daí o tema central desta teoria ser precisamente o estudo do processo de interação, no qual o indivíduo é chamado de delinqüente. (Shecaira, 293)
Para Becker, a conduta desviante é originada pela sociedade. Os grupos sociais criam a desviação por meio do estabelecimento das regras cuja infração constitui desviação, e por aplicação dessas regras específicas é que são rotuladas como outsiders. Dentro dessa linha de raciocínio, a desviação não é uma qualidade do ato que a pessoa comete, mas uma conseqüência da aplicação pelos outros das regras e sanções para o ofensor. O desviante é alguém a quem o rótulo social de criminoso foi aplicado com sucesso; as condutas desviantes são aquelas que as pessoas de uma dada comunidade aplicam como um rótulo àquele que comete um ato determinado. As definições de atos desviantes são relativas e, pois, variáveis. O comportamento que permite mandar alguém à prisão é o mesmo que autoriza a qualificar outro como honesto, já que a atribuição valorativa do ato depende das circunstâncias em que ele se realiza e do temperamento e apreciação da audiência que o testemunhou. (Shecaira, 293/294)
É portanto, a partir do labelling que a pergunta feita pelos criminólogos passa a mudar. Não mais se indaga o porquê de o criminoso cometer os crimes. A pergunta passa a ser: por que é que algumas pessoas são tratadas como criminosas, quais as conseqüências desse tratamento e qual a fonte de sua legitimidade? (Shecaira, 295)
Praticado o ato inicial, uma nova relação advirá da relação social. A mais importante conseqüência é uma drástica mudança na identidade pessoal que o indivíduo tem diante da sociedade. Surge um novo status que revelará o agente desviado como alguém que supostamente deveria ser. Para ser rotulado como criminoso basta que cometa uma única ofensa criminal e isto passará a ser tudo que se tem de referência estigmatizante dessa pessoa. Imagine-se, por exemplo, um crime de furto praticado em uma residência. A polícia (especialmente), assim como outras agências de controle, sempre partirá de uma premissa segundo a qual é aquele agente um “ladrão”, o que gerará um rótulo com o qual o desviante será identificado. As rotinas diárias farão com que ele busque a aproximação com os iguais, o que gera o início de uma carreira criminal. A pessoa que chega à corte criminal sendo tachado de “ladrão” ou “drogado” pode ter gasto não mais do que um momento nessas atividades. Mas a sociedade destaca alguns detalhes do comportamento de tal pessoa e declara que eles refletemo tipo de pessoa que realmente é. “Ele é um ladrão” ou “Ele é um drogado” parece indicar imediatamente uma descrição de sua posição na sociedade e o perfil do seu caráter. (Shecaira, 296)
Outro aspecto relevante apontado pelos teóricos do labelling são as chamadas cerimônias degradantes: são os processos ritualizados a que se submetem os envolvidos com um processo criminal, em que um indivíduo é condenado e despojado da sua identidade, recebendo uma outra degradada. Há inúmeros exemplos de como uma cerimônia degradante, que em grande parte das vezes acontece antes mesmo de um processo criminal ser iniciado, pode atingir a identidade de alguém. (Exemplo: quando a imprensa noticia determinado fato sem investigar se realmente o ato foi praticado. Há situações em que a imprensa “condena” determinada pessoa e tal nem é formalmente processado). (Shecaira, 299)
Assim, a decorrência lógica da criminalização de condutas e da persecução penal não é outra que o surgimento de um processo estigmatizante para o condenado. A pena atua como geradora de desigualdades. Ela cria uma reação dos círculos familiares, de amigos, de conhecidos, que acaba por gerar uma marginalização no âmbito do mercado de trabalho e escolar. Levar uma conduta desviada para a esfera da reprovação estigmatizante tem uma função reprodutora do sistema social. O que é uma conduta social desviada, o mais das vezes cometida por um agente primário, transforma-se, pela repercussão que encontra na sociedade em face da pena, em uma carreira delitiva permanente e irreversível. A repressão punitiva – em especial a prisão – passa a funcionar como elemento de criminalização que gera um processo em espiral para a clientela do sistema penal. A criminalização primária produz rotulação, que produz criminalizações secundárias (reincidência). O rótulo criminal (cristalizado em folhas de antecedentes, certidões criminais, ou surgido mediante a divulgação sensacionalista da mídia) produz a assimilação de suas características pelas pessoas rotuladas, a geração de expectativas sócias de condutas correspondentes ao seu significado, a perpetuação do comportamento criminoso e a aproximação recíproca de indivíduos estigmatizados. (Shecaira, 300/301)
Se a permanência do condenado é longa na instituição total ele passa a sofrer um processo gradativo de desculturamento, isto é, ele sofre progressivamente uma série de rebaixamentos, humilhações, degradações pessoais e profanações do eu. Esse mecanismo mortificador inicia-se com o processo de recepção do condenado. Ele passa a ser desculturado, inicialmente, pela perda do nome e com a atribuição de um número de prontuário que passará a ser sua nova identidade. (Shecaira, 302)
Breve recapitulação: a desviação primária é poligenética e se deve a uma variedade de fatores culturais, sociais, psicológicos e sociológicos. A desviação secundária traduz-se numa resposta de adaptação aos problemas ocasionados pela reação social à desviação primária. Surge a teoria do estigma, etiqueta ou rótulo, status diferenciado que vai aderir ao autor do crime e com o qual ele interagirá. Toda reação à conduta criminal passa por cerimônias degradantes, processos ritualizados a que é submetido o réu e que atinge a auto-estima do agente do delito. Quando a reação à conduta criminal é uma pena privativa de liberdade, nasce um processo institucionalizador que recolhe o condenado a um local isolado de moradia com rotina diária e administração formal. As conseqüências disso serão, sempre, a acentuação da carreira criminal e a institucionalização do condenado, potencializando-se a recidiva. A interação e a auto-imagem tendem a polarizar-se em torno do papel desviante. (Shecaira,306)
Pode-se resumir o modelo explicativo seqüencial dos atos do labelling approach da seguinte forma: delinqüência primária -> resposta ritualizada e estigmatização -> distância social e redução de oportunidades -> surgimento de uma subcultura delinqüente com reflexo na auto-imagem -> estigma decorrente da institucionalização -> carreira criminal -> delinqüência secundária. (Shecaira, 306/307)
A grande dúvida dos teóricos a ser formulada é: como é que se poderia quebrar a inexorável conseqüência produzida pela delinqüência primária? Desencadeado o processo referido no modelo explicativo, seria possível obstar a continuidade dos passos subseqüentes ali previstos? Há algum elo da cadeia que poderia ser retirado para impedir a delinqüência secundária? (Shecaira, 307)
Para que se posa responder a essas indagações necessário seria repensar a própria teoria. É impossível eliminar a delinqüência primária dada a multiplicidade de valores existentes a fomentar o desencadeamento da conduta desviada. Isto só seria possível, ad argumentandum, se todos os problemas sociais, culturais, existenciais e psicológicos fossem eliminados. Aí estar-se-ia diante de uma situação ideal ensejadora dessas hipóteses; mas seriam apenas hipóteses. (Shecaira, 307)
O segundo elo da corrente é a resposta ritualizada e estigmatizante. Este elo poderá ser rompido, se as cerimônias degradantes que envolvem um processo criminal forem repensadas. Seria necessário dar garantias protetivas para não-divulgação da reação estatal junto aos órgãos de imprensa (problemas deveras difícil de ser equacionado) ou eliminar o processo por meio de um mecanismo pensado pelos adeptos dessa teoria e chamado de diversion. A diversão ou diversificação constitui uma maneira de desviar os agentes de delito do sistema estigmatizante da justiça criminal, o que projeta a discussão para soluções informais e não institucionais. (Shecaira, 307)
O terceiro ponto a ser atacado é a distância social que cria uma redução de oportunidades para as pessoas que se envolvem com o sistema de justiça criminal. Para tanto seria necessário eliminar todas as marcas de um processo, como folha de antecedentes criminais, documentos informativos indicativos de processos anteriores, etc., para que tais pessoas não encontrassem dificuldades no processo de reinserção social. (Shecaira, 308)
Evitar uma subcultura delinqüente com reflexos na auto-imagem do agente do delito significa investir em uma terapia social emancipadora que atue sobre o ego do acusado, permitindo uma reconsideração em seus mecanismos pessoais de autocrítica. Este sistema é possível em termos teóricos, mas de difícil viabilização prática pelo seu custo altíssimo. (Shecaira, 308)
Para acabar com a institucionalização decorrente do recolhimento prisional só mesmo com o seu fim. A solução seria, pois, diminuir o encarceramento proveniente de um processo penal, por meio de medidas alternativas à prisão, ou ainda com a eliminação de alguns crimes do rol previsto no Código Penal. (Shecaira, 308)
Por fim, para que se tenha a diminuição das carreiras criminais, necessário se faz criar um mecanismo de facilitação da transição entre a prisão fechada e a sociedade aberta, proporcionando, ainda, condições ao egresso para concretização desta transição com ofertas de emprego, atividades remuneradas lícitas, etc. (Shecaira, 308)
Aplicado esse receituário, poder-se-ia ter uma sensível redução desse processo em espiral diagnosticado pelo labelling e que inevitavelmente leva à criminalização secundária, à reincidência e ao cometimento de novos crimes. (Shecaira, 308)
Um dos principais legados criminológicos da teoria do labelling é, sem qualquer dúvida, a chamada prudente não-intervenção que decorre da necessidade de repensar o ordenamento penal no contexto de uma sociedade aberta, democrática e pluralista, ampliando as margens de tolerância para superação dos conflitos e das tensões sociais. (Shecaira, 310)
Um legado relevante, no plano científico, foi a acentuação da multidisciplinaridade com a introdução de novas técnicas investigativas, de uma nova linguagem não-estigmatizante e especialmente de novas variáveis criminógenas até então desconhecidas. Foi uma espécie de alargamento de horizontes que permitiu desenvolvimentos ulteriores pelos adeptos da teoria crítica. (Shecaira, 310)
3) INFLUÊNCIA DOLABELLING APPROACH NO PENSAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
Não é muito fácil identificar, de forma imediata, quais as principais modificações doutrinárias ou legais decorrentes da teoria do labelling approach em nosso pensamento jurídico. E muito disso advém de, não obstante tal teoria ter sido criada há cerca de 40 anos, ainda ter dela um desconhecimento profundo a doutrina jurídica brasileira, em grande parte em face de seu dogmatismo arraigado. (Shecaira, 311)
No plano jurídico, nossa doutrina penal bem recepcionou os postulados teóricos daquela teoria. A prudente não-intervenção foi acolhida com o nome de direito penal mínimo. A intervenção penal, diz de forma quase unânime a moderna doutrina brasileira, deve restringir-se a alcançar somente os bens jurídicos relevantes. (Shecaira, 311)
A reforma de 1984, trazida pelas Leis 7.209/84 e 7.210/84, inaugurou em nosso ordenamento uma ampla modificação que acolheu as idéias centrais do labelling. Houve a instituição do regime progressivo de cumprimento da pena privativa de liberdade. Por meio desse mecanismo instituído pelos artigos 33 e seguintes do CP reformado, o condenado que inicia sua pena no regime fechado, ao cumprir 1/6 dela, e desde que preencha determinados requisitos objetivos e subjetivos, poderá progredir para o regime semi-aberto – em uma primeira etapa – e para o regime aberto em uma derradeira fase. O sistema progressivo de cumprimento da pena privativa de liberdade foi concebido para atenuar o choque da reinserção social quando o preso está institucionalizado. Acolheu a lei, pois, uma idéia do labelling que propugna mecanismos mitigadores à institucionalização da pena privativa de liberdade. Criou-se, pois, uma espécie de desinstitucionalização progressiva, mecanismo inteligente para fazer com que o condenado passe – gradativa e progressivamente – a conviver com parcelas de liberdade e que não sofra aquela síndrome gerada pelo afastamento social dos homens livres. (Shecaira, 313)
Também constitui-se uma política desinstituicionalizadora a adoção das penas substitutivas (ou alternativas à prisão) adotadas em 1984 e reformuladas em 1998 pela Lei 9.714. Por meio dela, toda vez que se puder evitar o recolhimento prisional (institucional), adotar-se-ão medidas alternativas à prisão. (Shecaira, 314)
Os artigos da Lei de Execução Penal que prevêem os direitos do preso – 40 a 43 – são flagrantemente calcados nas idéias suscitadas pelos teóricos do labelling. Aqui, diferentemente de medidas alternativas à prisão, têm-se alternativas na prisão. Há inúmeros dispositivos ensejadores do contato do condenado com o mundo externo, com a criação dos Conselhos da Comunidade que permitem o fluxo permanente entre o mundo livre e o institucionalizado mediante visitas permanentes, entrevistas com os presos, etc. (Shecaira, 315)
A Constituição Federal de 1988, também para evitar o estigma da identificação criminal estatuiu, por exemplo, que o civilmente identificado não será submetido à identificação criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei. Tal dispositivo teve como precípua finalidade atenuar a mudança da concepção do indivíduo sobre o seu próprio eu, algo que o faria interagir com o atributo que lhe seria posto pelo Estado. (Shecaira, 317/318)
A Lei 9.099/95, no plano da legislação ordinária, regulamentou o artigo 98, I, da Constituição Federal, estabelecendo os Juizados Especiais Criminais. Seu artigo 2.° enfatiza que o processo, nas infrações de menor potencial ofensivo, além da simplicidade, oralidade, economia processual e celeridade, deve buscar a conciliação e a transação. (Shecaira, 318)
Em 1995, a maior parte da doutrina brasileira saudou a nova lei como uma “nova filosofia político-criminal”. A boa recepção se deu por vários motivos: primeiro, porque eliminou da esfera penal e punitiva inúmeros crimes (aqueles com penas inferiores a um ano), livrando de um processo criminal e propiciando que os envolvidos chegassem a um acordo que seria homologado pela Justiça, evitar-se-ia a esfera penal, sem que o acusado do fato delituoso carregasse os estigmas das cerimônias degradantes inerentes ao processo criminal; segundo, por despenalizar fatos, isto é, adotar processos ou medidas substitutivas ou alternativas, de natureza penal ou processual, que visam dificultar a aplicação da pena de prisão e sua execução; terceiro, porque adotou posturas descarcerizadoras de forma a evitar a decretação ou manutenção da prisão cautelar, ou permitir que ela seja executada posteriormente à decisão. De certa forma a nova lei conseguiu atender à recomendação de autores do labelling e também dos abolicionistas, adotando um movimento parecido com o diversion, pela abdicação de instâncias formais na resolução dos conflitos penais, podendo atribuir tarefas conciliatórias a juízes leigos. Por fim, a lei foi igualmente elogiada, pois atendeu aos reclamos dos vitimologistas por dar especial atenção à vítima no processo de realização dos acordos a serem homologados em juízo. (Shecaira, 319/320)
4) CONSIDERAÇÕES CRÍTICAS À CRIMINOLOGIA DA REAÇÃO SOCIAL
Algumas críticas são tradicionalmente formuladas à escola da rotulação social. Ao deslocar o centro das atenções da desviação primária para a desviação secundária, deixou em segundo plano as causas primeiras da criminalidade. (Shecaira, 325)
Da mesma maneira, pode-se dizer que, ao superar-se o tal determinismo ainda imperante naquele momento dos estudos criminológicos, criou-se perversamente um certo determinismo da reação social. Nunca se disse que, havendo a desviação primária e existindo o modelo explicativo definido por E. Schur, certamente haveria desviação secundária. No entanto, os estudos desta perspectiva teórica não deixam de apontar para tal caminho como inexorável. (Shecaira, 325)
Também há que dizer que a teoria interacionista não foi uma verdadeira escola criminológica. Com efeito, melhor seria se descrevêssemos tal pensamento como um enfoque criminológico de algo que consegue dar conta com absoluta precisão do que sucede e de como sucede. Em outras palavras, deve-se reconhecer no enfoque interacionista a mais sofisticada análise criminológica não adstrita ao velho modelo de cunho positivista. No entanto, as velhas interrogações de fundo da criminologia não podem achar por esta via uma única resposta, ainda que se possa, seguindo seu caminho, encontrar um fundamento mais correto de estudo da criminalidade. (Shecaira, 326)
Não há que ignorar, no entanto, que a partir desta perspectiva de pensamento, o próprio Direito Penal – além da Criminologia em si mesma – passou a ter uma nova perspectiva, superadora das tradicionais teorias do consenso e inauguradora de uma rica visão transformadora que irá desaguar, cerca de dez anos depois, nas várias visões críticas e radicais. (Shecaira, 326)
A CRIMINOLOGIA CRÍTICA 
1) INTRODUÇÃO
A teoria critica – também denominada por muitos de radical, ou ainda “nova criminologia” – tem sua origem nos anos 70 do século XX. Ela surge quase ao mesmo tempo nos Estados Unidos e na Inglaterra, irradiando-se por vários outros países europeus. Os dois primeiros movimentos que nasceram foram o da Universidade de Berkeley (Califórnia, USA), surgido precipuamente entre professores e alunos da sua escola de criminologia e o movimento inglês. De outra parte, considerando a corrente abolicionista como uma das vertentes da teoria crítica, há que se levar em conta a publicação da então inovadora obra de Thomas Mathiesen, que lança, por meio de vários ensaios, as bases do pensamento abolicionista que a partir da Escandinávia se irradia por toda a Europa. (Shecaira, 327/328)
O Grupo de Berkeley surge como reação aos objetivos básicos da escola de criminologia que se consubstanciava na formação de técnicos e profissionais treinados para “a luta contra o crime”. Tratava-se do confronto entre os interesses básicos do Estado, em sua política de criação de novos profissionais para o exercício do controle funcional da criminalidade, e os teóricos universitários que queriam a redefinição do próprio objetoda criminologia. (Shecaira, 328)
O grupo inglês, por seu turno, parte de uma premissa segundo a qual deve-se buscar a abolição das desigualdades sociais em riqueza e poder, afirmando que a solução para o problema do crime depende da eliminação da exploração econômica e da opressão política de classe. Ademais, seus compromissos são com a radical transformação social, e não com uma mera “moralização” ou “reabilitação pessoal” que acaba por identificar crime com patalogia, e, nas formas mais liberais, propõe reformas de superfície, ou mais serviços sociais, tendentes a modificar as coisas para deixá-las como estão, de maneira preservacionista. (Shecaira, 328)
A linha abolicionista tem suas origens na Escandinávia, com a criação, nos idos de 1966, do Krum, sigla cujo significado expressava a criação da Associação Sueca Nacional para a Reforma Penal. A crítica à prisão iniciara-se em um grande encontro em Stromsund, chamado “O Parlamento dos Ladrões”, pois tinha a participação de egressos do sistema penitenciário discutindo ao lado de advogados, psiquiatras, assistentes sociais e sociólogos. Pela primeira vez na Escandinávia, ex-internos publicamente anunciavam sua visão sobre a condição das prisões e o tratamento destinado ao preso. As atividades humanitárias do krum motivaram a criação de entidades assemelhadas em países vizinhos, como o Krom na Noruega e o Krim na Holanda. (Shecaira, 329)
Estas três vertentes radicais acabam por divulgar idéias novas em sucessivos congressos que têm repercussão nos Estados Unidos, Canadá e em toda a Europa, fazendo com que inúmeros estudiosos passem a integrar grupos de pensadores críticos.(Shecaira, 329)
2) IDÉIAS CENTRAIS DA CRIMINOLOGIA CRÍTICA
As bases desta linha de pensamento se materializam na crítica acerba (árdua) às posturas tradicionais da criminologia do consenso, incapazes de compreender a totalidade do fenômeno criminal. A premissa de pensamento estava inescondivelmente ancorada no pensamento marxista, pois sustentava ser o delito um fenômeno dependente do modo de produção capitalista. Segundo afirmação de Marx, com sua proverbial ironia, o crime produziria professores e livros, todo o sistema de controle social – juízes, policiais, promotores, jurados -, métodos de tortura; teria feito evoluir procedimentos técnicos, datiloscópicos, químicos e físicos, para detectar falsificações; favoreceria, assim, fabricantes e artesãos, rompendo a monotonia da vida burguesa; enfim, daria, desta maneira, um estímulo às forças produtivas. Vale dizer, o centro das atenções do marxismo em relação à criminalidade é o seu caráter de crítica ao funcionalismo do pensamento criminal. A lei penal nada mais é do que uma estrutura (também designada superestrutura) dependente do sistema de produção (infra-estrutura ou base econômica). O direito, ao contrário do que afirmam os funcionalistas, não é uma ciência, mas sim uma ideologia que só será entendida mediante uma análise sistêmica denominada método histórico-dialético. O homem, por sua vez, não tem o livre-arbítrio que lhe atribuem, pois está submetido a um vetor econômico que lhe é insuperável e que acaba por produzir não só o crime em particular, mas também a criminalidade como um fenômeno mais global, com as feições patrimoniais e econômicas que todos conhecem. (Shecaira, 331)
Conforme asseveram Figueiredo Dias e Cosa Andrade na obra QUESTÕES FUNDAMENTAIS DO DIREITO PENAL REVISITADAS (RT:1999), “a criminologia radical é, em grande parte, uma criminologia da criminologia, principalmente a discussão e análise de dois temas: a definição do objeto e do papel da investigação criminológica”. Ou, ainda em outras palavras, a criminologia crítica é a crítica final de todas as outras correntes criminológicas, fundamentalmente por recusar assumir este papel tecnocrático de gerenciador do sistema, pois considera o problema criminal insolúvel dentro dos marcos de uma sociedade capitalista. Ademais, a aceitação das tarefas tradicionais de gerenciamento da criminalidade é absolutamente incompatível com as metas da criminologia radical. Como poderiam, afinal, os estudiosos críticos se propor a auxiliar a defesa da sociedade contra o crime, se o seu propósito último é defender o homem contra este tipo de sociedade? (Shecaira, 332/333)
Em um texto da coletânea intitulada Criminologia crítica, William J. Chambliss traça um paralelo entre as posturas radicais e as posturas por ele denominadas de funcionalistas. Dizia ele que, para Durkheim, a mais importante função do crime na sociedade foi estabelecer e preservar os limites morais da comunidade. Para Marx, ao contrário, o mais importante é a sua contribuição para uma estabilidade econômica temporária em um sistema econômico que é intrinsecamente instável. Vale dizer, Marx via o crime como uma contribuição para a estabilidade política, pela legitimação do monopólio do Estado sobre a violência, e justificativa para o controle político legal das massas. Na seqüência, traça o referido autor um quadro mostrando o paralelo entre as hipóteses funcionais, fitas do crime, e as que ele denomina de dialéticas (ou, como estamos utilizando, críticas). Para os primeiros autores os atos são criminosos porque ofendem a moralidade do povo. Para os críticos os atos são criminosos porque é do interesse da classe dominante assim defini-los. Uma das hipóteses da criminologia mais tradicional é que as pessoas são rotuladas criminosas porque seu comportamento foi além dos limites de tolerância da consciência da comunidade. Para os radicais, as pessoas são rotuladas criminosas porque, assim as definindo, serve-se aos interesses da classe dominante. Estes afirmam que as pessoas das classes mais baixas são rotuladas criminosas e as da burguesia não são, porque o controle da burguesia sobre os meios de produção lhes dá o controle do Estado, assim como da aplicação da lei. Aqueles, ao contrário, sustentam que as pessoas das classes mais baixas são mais propensas a ser presas porque cometem mais crimes. Funcionalistas asseveram que o crime é uma constante na sociedade. Todas as sociedades precisam de sua produção. Radicais refutam tal assertiva, afirmando que o crime varia de sociedade para sociedade, de acordo com cada estrutura econômica e política. Funcionalistas entendem que, à medida que as sociedades se tornam mais especializadas na divisão do trabalho, cada vez mais as leis vão refletir disputas contratuais e as leis penais vão se tornar cada vez menos importantes. Para os radicais, ao contrário, à medida que as sociedades capitalistas se industrializam, a divisão entre as classes sociais vai crescendo e as leis penais vão, progressivamente, tendo que ser aprovadas e aplicadas para manter uma estabilidade temporária, encobrindo confrontações violentas entre as classes sociais. Por fim, funcionalistas acreditam que o crime faz as pessoas mais conscientes do interesses que têm em comum e que estabelece um vínculo mais firme, o que leva a uma maior solidariedade entre os membros da comunidade. Críticos, por seu turno, afirmam que definir certas pessoas como criminosas permite um controle maior sobre o proletariado e que o crime orienta a hostilidade do oprimido para longe dos opressores e em direção à sua própria classe. (Shecaira, 334)
A partir desse diagnóstico distintivo entre propostas funcionalistas e radicais, a teoria crítica propõe uma ampla reflexão do próprio conceito de crime. Passam seus diversos autores, pois, a asseverar que a redefinição de crime depende de uma ampla reflexão crítica sobre a realidade, de modo a enfrentar a questão de um sistema legal baseado no poder e privilégio. Aceitar a definição legal de crime é aceitar a ficção da neutralidade do direito. Sob a definição legal de crime, as soluções são primariamente destinadas a controlar as vítimas da exploração (pobres, terceiro mundo, jovens, mulheres) que, como uma conseqüência de sua opressão, são canalizados através do sistema de justiça criminal. Sob uma definição radical de direitos humanos, a solução para o crime consiste na transformação

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