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MAGNETISMO Jessica Gloria Jorge Batista Campos elétricos induzidos e indutância Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Relacionar a lei de Faraday à indução de campo elétrico e correntes elétricas. � Definir o conceito de indutância. � Examinar a indutância de um solenoide. Introdução A transmissão de energia elétrica em corrente alternada, como idealizada por Nicola Tesla, venceu a batalha das correntes, travada com Thomas Edison, no final do século XIX, por conta do domínio do fenômeno de indução eletromagnética para o desenvolvimento de transformadores de energia. Neste capítulo, você estudará as leis de Faraday e de Lenz em sua forma mais completa, relacionando a força eletromotriz e as correntes induzidas ao surgimento de campos elétricos induzidos pela variação do campo magnético. Também verá o conceito de indutância e indutores, examinando como determinar a indutância de solenoides e outros dis- positivos elétricos importantes. Além de serem parte fundamental dos transformadores, os indutores estão presentes em circuitos elétricos e eletrônicos, atuando como filtros no processamento de sinais, dentre outras aplicações. 1 Lei de Faraday e campos induzidos Como você deve recordar-se, Michael Faraday desenvolveu uma série de experimentos que demostraram o fenômeno da indução eletromagnética: a variação do fluxo magnético que atravessa a área de uma espira é capaz de produzir uma força eletromotriz ( fem) e induzir uma corrente elétrica, cujo sentido é dado pela lei de Lenz. Mas o que causa a corrente? Se a espira for retirada, o agente que exerce as forças sobre as cargas ainda estará lá? Um candidato natural à vaga de promotor de corrente elétrica é o campo elétrico (E⃗). Uma partícula carregada de carga q em uma região de campo elétrico está sujeita a uma força elétrica, na mesma direção e no mesmo sentido do campo: F⃗ = qE⃗ Quando o campo magnético é variável, um campo elétrico induzido é produzido, independentemente da presença de um material condutor. Você deve lembrar-se de que uma carga elétrica é fonte de campo elétrico. Campo elétricos criados por cargas são chamados de campos coulombianos, que se afastam radialmente ao partirem de cargas positivas ou se aproximam de cargas negativas, como ilustrado na Figura 1a. Já o campo elétrico induzido, criado a partir da variação do campo magnético, é chamado de campo elétrico não coulombiano (KNIGHT, 2009), mostrado na Figura 1b, a seguir. O campo elétrico coulombiano tem suas linhas de campo iniciando e terminando em cargas elétricas. No entanto, o que ocorre com o campo elétrico induzido é diferente: suas linhas de campo necessariamente formam curvas fechadas. Como campos coulom- bianos são conservativos, você pode associar a ele um potencial elétrico V. Já o conceito de potencial elétrico não se aplica a campos induzidos, eles não são conservativos. Campos elétricos induzidos e indutância2 Figura 1. (a) Representação do campo elétrico gerado por cargas elétricas, cujas linhas de campo divergem, afastando-se de uma carga elétrica positiva, e apontam na direção de uma carga elétrica negativa. (b) Linhas de campo elétrico induzido pela variação do campo magnético que aumenta, apontando para dentro do plano da página. dB 0 dt B E induzido Campo magnético aumentando (a) (b) Para calcularmos o campo elétrico induzido pela variação do fluxo mag- nético, é preciso relacionar o campo elétrico E⃗ com a fem induzida. Pense em um solenoide, com uma corrente i(t) sendo conduzida pelos fios que for- mam a bobina e variando, como ilustrado na Figura 2a. Conforme a corrente que circula na bobina aumenta, o campo magnético (B⃗) e, em consequência, o fluxo magnético (ΦB) também aumentam. Ao posicionar uma espira na região interna do solenoide, observa-se corrente elétrica induzida. Da mesma 3Campos elétricos induzidos e indutância maneira, você observa corrente induzida na espira, se posicioná-la na região externa ao solenoide. Essa corrente é produzida pelo campo elétrico induzido, que circula formando uma curva fechada, na mesma direção da corrente, conforme as Figuras 2b e 2c, a seguir. Figura 2. (a) Ao ter percorrido pelos seus condutores uma corrente i(t) que está aumentando, o campo magnético B⃗ produzido pelo solenoide também aumenta. Essa variação do campo magnético gera campo elétrico induzido, e, ao colocar uma espira na região (b) interna ou (c) externa da bobina, a corrente é induzida no mesmo sentido de E⃗ . (a) (b) (c) Portanto, a soma do produto do campo elétrico pelo elemento de linha, ao longo de uma curva fechada, é a própria força eletromotriz. Em termos matemáticos, podemos escrever a lei de Faraday-Lenz em termos de campo elétrico: onde a curva γ de integração delimita a superfície Γ utilizada para o cálculo do fluxo magnético. Você pode estar achando muito confuso, mas verá, pelos exemplos a seguir, que o cálculo é simples quando aproveitadas as simetrias do problema. Campos elétricos induzidos e indutância4 Um solenoide longo, com densidade linear de espiras n e seção transversal circular de raio R, é construído. Quando uma corrente que varia linearmente com o tempo — i(t) = i0t [A] — é transportada pelos seus enrolamentos, como o campo elétrico induzido comporta-se no espaço? Resposta: O campo magnético gerado por um solenoide pode ser calculado pela lei circuital de Ampère: ∮B⃗ ⋅ dl⃗ = μ0ienv. Escolhendo uma curva adequada, tem-se que: Para determinar o campo elétrico induzido, é necessário dividir o problema em duas partes: uma região interna ao solenoide (r < R) e outra externa ao solenoide (r > R). Para r < R: Como observado na figura, você pode escolher uma curva γ centrada no eixo do solenoide, aproveitando a simetria cilíndrica do problema. O fluxo magnético que atravessa a superfície Γ delimitada pela curva γ é facilmente calculado: Aplicando a lei de Faraday: 5Campos elétricos induzidos e indutância O sinal negativo indica que o campo elétrico circula no sentido contrário ao consi- derado como fluxo positivo pela regra da mão direita, opondo-se à variação do fluxo magnético. A definição do sentido do campo é feita exatamente da mesma maneira que você já estudou para a determinação da corrente induzida. Para r > R: Para determinar o campo na região externa, você deve novamente escolher uma curva γ, aproveitando a simetria cilíndrica do solenoide. Como você pode observar, apenas da curva fechada ter raio r > R, o fluxo magnético está restrito à área delimitada por r = R. Desse modo: Aplicando a lei de Faraday: Campos elétricos induzidos e indutância6 Avaliando o módulo do campo elétrico, você observa que, no interior do solenoide, ele cresce com o raio, enquanto na região externa, ele decresce com o raio. Dessa forma, o gráfico a seguir pode ser confeccionado para representar o comportamento do campo elétrico induzido por um solenoide em função da distância do seu eixo. Nesta seção, você compreendeu que a corrente e a fem induzidas em uma espira, quando um campo magnético variável a atravessa, estão associadas ao campo elétrico induzido. Os campos induzidos sempre percorrem curvas fechadas, e você aprendeu a calculá-lo utilizando a lei de Faraday-Lenz e aproveitando a simetria do problema. Compreender o comportamento do campo elétrico fez com que você entendesse que ele está presente sempre que há variação do campo magnético, não sendo necessária a presença de um material condutor para que ele exista. O princípio da indução eletromagnética é fundamental para diversas apli- cações tecnológicas, desde motores e geradores de corrente alternada, ao funcionamento de guitarras elétricas, do sistema de ignição de automóveis, de freios magnéticos e, principalmente, dos chamados transformadores de energia. Para compreender de forma ampla as aplicações dos indutores, in- cluindo sua utilização em circuitos elétricos e transformadores,você precisará aprofundar-se em mais um conceito importante: a indutância. 7Campos elétricos induzidos e indutância 2 Indutância e indutores Você deve lembrar-se da existência de dispositivos que produzem campo elétrico uniforme: os capacitores. Capacitores são dispositivos muito utilizados em diversas aplicações práticas por serem capazes de armazenar energia (e liberá-la rapidamente quando desejável). A capacitância C de um capacitor, que mede o quanto de carga ele consegue armazenar, é definida como a razão entre a carga Q e a diferença de potencial (ΔV) entre as placas. Temos que: Você também deve recordar-se de que a capacitância depende exclusiva- mente da geometria do dispositivo, e a energia armazenada é: Em circuitos elétricos, podemos armazenar energia na forma de campo magnético utilizando um indutor. Indutores podem ter vários formatos, mas o mais comum é o solenoidal. Assim como você precisará aumentar a área da placa de um capacitor para ter um aumento na capacidade de armazenamento de energia e um campo elétrico mais intenso, para aumentar o fluxo magnético por um solenoide, bastaria aumentar o seu raio. Para um indutor de N espiras, o equivalente ao conceito de capacitância chama-se indutância (L), também conhecido como autoindutância e definido pela razão: ou seja, a indutância é a razão do fluxo magnético ΦB que o dispositivo cria sobre si mesmo (fluxo concatenado) pela corrente I conduzida. Campos elétricos induzidos e indutância8 Por conta do cientista americano Joseph Henry, que descobriu e definiu o conceito de indutância, a unidade de medida para essa grandeza recebeu seu nome como homenagem (BAUER; WESTFALL; DIAS, 2012). Um indutor convencional tem indutâncias que variam entre valores na escala de μH à mH. Como você viu, quando a corrente I varia em um componente como um solenoide, o fluxo varia também. De acordo com a lei de Faraday, essa varia- ção de fluxo magnético pode induzir uma fem em um indutor próximo, mas também sobre o próprio indutor. Considerando um enrolamento de Nespiras, a fem pode ser facilmente calculada por: onde εL é a fem autoinduzida, a qual depende da autoindutância (L) e da taxa de variação da corrente que o atravessa. O sinal negativo expressa a polaridade do indutor, opondo-se ao sentido de variação da corrente elétrica. Apesar de não ser possível definir um potencial elétrico para um campo elétrico induzido, você pode definir uma diferença de potencial nos terminais do dispositivo. Para um indutor considerado ideal, a resistência dos fios é nula, e a VL (diferença de potencial autoinduzida) é igual ao valor de εL. No entanto, você sabe que qualquer fio condutor, por menor que seja sua resistividade, possui uma resistência interna r, assim como em uma bateria: VL = εL – r · I [V]. O exemplo que você verá a seguir mostra a aplicação de um indutor em um circuito eletrônico. 9Campos elétricos induzidos e indutância Um circuito elétrico RL é formado por uma fonte (bateria) e um indutor em série com uma resistência R. Uma chave permite que o circuito seja ligado em determinado instante t = 0, ou descarregado à terra. Sendo a fonte de tensão contínua ε, quando o circuito é ligado, como a corrente e a tensão nos terminais de indutor comportam-se? Resposta: Umas das leis mais utilizadas para análise de circuitos elétricos é a lei de Kirchhoff das malhas, que diz que a soma das tensões terminais de uma malha fechada deve ser nula. Na malha formada pelo circuito em questão, temos a tensão ε da fonte consi- derada ideal, a queda de tensão no resistor (VR = RI) e a queda de tensão no indutor (εL = L dI/dt), também considerado ideal. Desse modo, quando a chave do circuito está conectando os componentes à fonte: Essa é uma equação diferencial ordinária (EDO). Para determinar a expressão para a corrente, é necessário solucioná-la. Sua solução não é difícil de ser obtida, mas requer conhecimento dessa técnica de cálculo. Busque descobrir como resolvê-la! A solução dessa EDO é tal que: onde τL = L/R é chamada de constante de tempo de carga e descarga do circuito RL. Como εL = L dI/dt, temos que: Campos elétricos induzidos e indutância10 Analisando as equações obtidas, você pode compreender o funcionamento do indu- tor. Quando a chave é fechada, a corrente é nula, e a tensão é máxima, comportando-se como um circuito aberto. Conforme o tempo passa, a corrente atinge seu valor máximo, e a diferença de potencial do indutor é nula, comportando-se como um curto-circuito. Ao mudar a chave para a posição de descarregamento, temos uma nova equação diferencial para analisar, já que não há mais a fonte conectada: A solução dessa EDO é: e (a) Corrente e tensão no indutor na carga. (b) Corrente e tensão no indutor na descarga. 11Campos elétricos induzidos e indutância Energia armazenada em um campo magnético Como você estudou no exemplo anterior, a equação diferencial que rege a dinâmica da corrente no circuito RL é: Multiplicando os dois lados da equação pela corrente, você obterá a se- guinte expressão: Se você analisar cada termo da equação, perceberá que: � representa a potência fornecida pela fonte; � taxa de armazenamento de energia no indutor está na forma de campo magnético (dUB/dt); � potência é dissipada no resistor. Logo, se: UB é a energia potencial armazenada por um indutor de indutância L per- corrido por uma corrente I. Perceba a semelhança na forma da expressão da energia armazenada no indutor e no capacitor. Nesta seção, você definiu um importante conceito relacionado a condu- tores, circuitos e dispositivos que concatenam fluxo magnético: a indutância – também chamada de autoindutância, de modo análogo à capacitância de um capacitor. Você também conseguiu deduzir uma expressão para a energia armazenada em um indutor. Para fechar o desenvolvimento deste capítulo, você aprenderá como calcular a indutância de um solenoide e outros dispositivos. Campos elétricos induzidos e indutância12 3 Indutância em um solenoide Você aprendeu o conceito de indutância e que o campo magnético gerado por um indutor sobre si mesmo é capaz de gerar uma fem induzida. Assim como a capacitância de um capacitor depende de seus parâmetros geométricos, você pode calcular a indutância de solenoides e toroides, cabos e outros dispositivos, utilizando a definição de autoindutância. Como você viu no exemplo do circuito, a indutância é um parâmetro que afeta a dinâmica de um circuito elétrico, principalmente quando está operando em corrente alternada. Compreender esses conceitos a fundo ajudará no processo de modelagem de circuitos mag- néticos, com a presença de transformadores, e de linhas de transmissão. Esses são poucos exemplos dentre a variedade de aplicações em que o fenômeno de indução eletromagnética tem papel fundamental. Para um solenoide longo, formado por N espiras, núcleo de ar, de com- primento l e área A, o campo magnético produzido em seu interior ao ser percorrido por uma corrente i é facilmente determinado pela lei de Ampère: O fluxo magnético no interior da bobina é: Logo, usando a definição de indutância que você acabou de aprender: Portanto, a indutância do solenoide por unidade de comprimento é dada pela expressão: 13Campos elétricos induzidos e indutância Como você já esperava, a indutância depende apenas dos seus parâmetros de construção, como o número de espiras, o comprimento e a área de seção transversal. No exemplo a seguir, você acompanhará o cálculo da indutância de um indutor no formato toroidal. Determine a autoindutância de um toroide formado por 200 espiras em um núcleo de ar, de raio médio a = 2 cm e raio interno b = 1 cm. A figura ilustra apenas um corte transversal, para facilitar a visualização. Utilize: Resposta: Para determinar a indutância de um toroide, é necessário conhecer o campo magnético em qualquer ponto em seu interior e, em seguida, o fluxo magnético ΦB que o atravessa. Para estabelecer o campo magnéticodentro de um toroide enrolado por N espiras e corrente i, é necessário utilizar a lei de Ampère: Campos elétricos induzidos e indutância14 Mas qual é a distância r do ponto P ao eixo de simetria? Como você deve ter reparado, o campo magnético dentro do toro depende do ponto de aplicação. Calcular o fluxo magnético nesse caso exigirá uma integração. Utilizando o elemento diferencial de superfície em coordenadas toroidais, dA = ρdρdα: Resolvendo por substituição de variáveis, faça: � x = a2 – ρ2 � dx = –2ρdρ Deu um pouco de trabalho, mas, finalmente, você tem a expressão do fluxo magnético no interior do toro. Calcular a indutância passa a ser tarefa fácil: Substituindo os valores indicados no problema: 15Campos elétricos induzidos e indutância Ao longo deste capítulo, você absorveu algumas informações novas, mas de fundamental relevância para sua carreira profissional. Você compreendeu que a fem induzida e a corrente induzida em uma espira surgem como resultado do campo elétrico induzido pela variação do campo magnético. O campo elétrico induzido tem algumas características particulares, já que não surge a partir de cargas elétricas, como é o caso dos campos coulombianos. Esse entendimento lhe possibilitará compreender como se dão as perdas de energia por correntes parasitas em núcleos de transformadores e buscar soluções para mitigar esse problema, além de ser essencial para a definição de onda eletromagnética, base de todo o nosso sistema de telecomunicações. Por fim, você definiu o conceito de indutância e indutores e examinou a indutância de solenoides e toroides, estando apto a determinar esse parâmetro para dispositivos de diferentes geometrias. Foram grandes avanços que lhe possibilitarão projetar, analisar e modelar dispositivos eletrônicos e eletromecânicos. BAUER, W.; WESTFALL, G. D.; DIAS, H. Física para universitários: eletricidade e magnetismo. Porto Alegre: AMGH, 2012. KNIGHT, R. D. Física: uma abordagem estratégica. 2. ed. Porto Alegre: Bookman, 2009. (Eletricidade e Magnetismo, v. 3). Leituras recomendadas HAYT JR., W. H.; KEMMERLY, J. E.; DURBIN, S. M. Análise de circuitos em engenharia. 8. ed. Porto Alegre: AMGH, 2014. WENTWORTH, S. M. Eletromagnetismo aplicado: abordagem antecipada das linhas de transmissão. Porto Alegre: Bookman, 2008; Campos elétricos induzidos e indutância16
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