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MATERIA SOCIOLOGIA

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MOVIMENTOS SOCIAIS - A PROBLEMÁTICA DA MULHERCOMPARTILHE
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A SITUAÇÃO DA MULHER NA ANTIGUIDADE
 
Na Grécia antiga a mulher ocupava posição equivalente a do escravo no sentido de que tão-somente estes executavam trabalhos manuais, extremamente desvalorizados pelo homem livre. Tendo como função primordial a reprodução da espécie humana, a mulher não só gerava, amamentava e criava filhos, como produzia tudo aquilo que era diretamente ligado à subsistência do homem: fiação, tecelagem, alimentação. Exercia também trabalhos pesados como a extração de minerais e o trabalho agrícola.
A essa divisão concreta de atividades correspondiam valorizações diversas. O “fora de casa”, onde se desenvolviam as atividades consideradas mais nobres – filosofia, política e artes – era o campo masculino. Ao afirmar que “os Deuses” criaram a mulher para as funções domésticas, o homem para todas as outras, Xenofonte, no século IV a.C. assim se refere à educação das mulheres: “... que viva sob uma estreita vigilância, veja o menor número de coisas possíveis, ouça o menor número de coisas possíveis, faça o menor número de perguntas possíveis”.
Estando, assim, limitado o horizonte da mulher, era ela excluída do mundo do pensamento, do conhecimento, tão valorizado pela civilização grega. Quanto à civilização romana, no ano de 195 d.C, mulheres dirigiram-se ao Senado Romano protestando contra a sua exclusão do uso dos transportes públicos – privilégio masculino – e a obrigatoriedade de se locomoverem a pé. Diante deste protesto, assim se manifestou o senador Marco Pócio Catão: “Os senhores sabem como são as mulheres: façam-nas suas iguais, e imediatamente elas quererão subir as suas costas para governá-los.
Estas palavras expressavam com clareza a relação de poder entre os sexos. Não é de complementaridade e sim de domínio e submissão, de coerção e resistência, que Catão fala. O Direito aparece, assim, nitidamente como um instrumento de perpetuação deste desequilíbrio, legitimando a inferioridade da posição social da mulher.
Contra a ideia de que a sujeição da mulher seja um destino irrevogável, a-histórico e universal, levanta-se a experiência da relação entre os sexos existente na Gália e na Germânia; eram estas sociedades tribais, no qual o regime comunitário designava às mulheres um espaço de atuação semelhante ao dos homens. Conjuntamente, faziam a guerra, participavam dos Conselhos Tribais ocupavam-se da agricultura e do gado, construíam suas casas. As mulheres funcionavam, também como juízas, inclusive de homens. Os cronistas romanos, como Tácito e Estrabão, registram com surpresa a posição da mulher nessas sociedades. Da mesma forma, os cronistas europeus do século XVI, chegando à América, se surpreendem com a relevância da posição da mulher entre os Iroqueses e Hurons. Nestas sociedades de caçadores e coletores não havia uma divisão estrita entre economia doméstica e economia social. Inexistia o controle de um sexo sobre outro na realização de tarefas ou nas tomadas de decisões. As mulheres participavam ativamente das discussões em que estavam em jogo os interesses da comunidade.
 
A MULHER NA IDADE MÉDIA
Durante os primeiros séculos da Idade Média, enquanto não haviam sido reintroduzidos os princípios da Legislação Romana – o que ocorreu no século XII em diante – as mulheres gozavam de alguns direitos, garantidos pelas leis e os costumes. Assim, quase todas as profissões lhes eram acessíveis, bem como o direito de propriedade e de sucessão, mas o seu trabalho sempre recebia remuneração inferior ao do homem. E mais, a intensa participação da mulher do mercado de trabalho durante a Idade Média – os homens, envolvidos em constantes guerras e longas viagens, ou recolhidos à vida monástica, estavam frequentemente afastados da vida comunitária – não lhe conferia, no entanto, prestígio social, posto que o trabalho, bem como as artes e o conhecimento científico, não eram então considerados como valores em si, nem tampouco eram instrumentos de ascensão social. O poder, monopólio da nobreza e do clero, baseava-se na posse da terra e na ascendência espiritual.
Cabe ressaltas que o tribunal da Inquisição se instaura no século XIV, quando profundas transformações econômicas e políticas desestruturam as bases do modo de produção feudal, no qual, como foi dito, a mulher participava ativamente. Tais transformações – mercantilismo, formação dos Estados Nacionais, reintrodução do Direito Romano – afastam a mulher da vida pública. Ao mesmo tempo, o poder eclesiástico que se afirma pela Inquisição é essencialmente masculino, e no seu discurso estabelece estreita associação entre bruxaria e mulher, atribuindo conotações nitidamente sexuais aos ritos do sabá – “culto ao demônio”.
As milhares de mulheres queimadas não se distinguiriam das demais por possuírem uma “natureza diversa”; elas teriam, tão-somente, exercido determinados “malefícios” que seriam inerentes a qualquer mulher. Era, portanto, a “natureza feminina” que ardia nas fogueiras no final da Idade Média. “Se hoje queimamos as bruxas, é por causa do seu sexo feminino”, diz Jacques Sprenger, inquisitor que se remete aos textos sagrados para comprovar a inferioridade feminina: “A mulher é mais carnal que o homem; vemos isto por suas múltiplas torpezas... Existe um defeito na formação da primeira mulher, pois ela foi feita de uma costela curva, torta, colocada em oposição ao homem. Ela é, assim, um ser vivo imperfeito, sempre enganador”.
 
A MULHER NA SOCIEDADE INDUSTRIAL
Se durante a Idade Média a mulher atuou em praticamente todas as profissões, a partir da Revolução Industrial determinadas atividades vão gradativamente tornando-se do domínio masculino. É justamente durante este período, quando o trabalho se valoriza com instrumento de transformação do mundo pelo homem, que o trabalho da mulher passa a ser depreciado. Excluída concretamente de determinadas profissões, tece-se também toda uma ideologia de desvalorização da mulher que trabalha, atribuindo-se menor pagamento à mão-de-obra feminina que à masculina; tal fato encontra sua lógica no processo de acumulação de capital, onde a superexploração do trabalho da mulher (e do menor) cumpre função específica.
Não houve, portanto, um afastamento da mulher da esfera de trabalho, e sim, formas próprias de sua inclusão nelas. Ela é totalmente excluída de determinadas atividades, tal como o fabrico de cerveja, de velas, e os ofícios de serralheria e fundição. Ainda que permaneça de forma significativa em determinados ramos de produção, com a indústria da seda e têxtil em geral – em 1790 a mão-de-obra ocupada na indústria de lã na França se distribuía da seguinte forma: 45.6%25 de mulheres, 35%25 de crianças e 19,4%25 de homens –, desempenha as atividades menos qualificadas e de mais baixa remuneração. Em Paris, na época, os salários femininos eram em média de 2,14 francos e os masculinos, de 4,75; na Alemanha, na indústria do papel, os homens ganhavam de 18 a 20 marcos, e as mulheres de 9 a 12; em Massachusetts na indústria de calçados, os salários variavam de 37 dólares para as mulheres a 75 para os homens. A justificativa ideológica para esta superexploração era a de que as mulheres necessitavam de menos trabalho e menos salários do que os homens porque, supostamente, tinham ou deveriam ter quem as sustentasse.
 
A SITUAÇÃO DA MULHER HOJE
Hoje, parte das mulheres – organizadas em movimentos feministas – refuta a ideologia que legitima a diferenciação de papéis, reivindicando a igualdade em todos os níveis, seja no mundo externo, seja no âmbito doméstico. Revela que esta ideologia encobre na realidade uma relação de poder entre os sexos, e que a diferenciação de papéis baseia-se mais em critérios sociais do que biológicos. De acordo com Alves e Pitanguy (1983) “O ‘masculino’ e o ‘feminino’ são criações culturais e, como tal, são comportamentos apreendidos por meio do processo de socialização que condiciona diferentemente os sexos para cumprirem funções sociais específicas e diversas. Esta aprendizagem é um processosocial. Aprendemos a aceitar como ‘naturais’ as relações de poder entre os sexos. A menina, assim, aprende a ser doce, obediente, passiva, altruísta, dependente; enquanto o menino aprende a ser agressivo, competitivo, ativo, independente, como se tais qualidades fossem parte de suas próprias ‘naturezas’. Da mesma forma, a mulher seria emocional, sentimental, incapaz para as abstrações das ciências e da vida intelectual em geral, enquanto a ‘natureza’ do homem seria mais propícia a racionalidade.”
Esta “naturalização” que inferioriza um dos sexos é um argumento também utilizado pelas teorias racistas. Os negros, os índios, seriam “por natureza” inferiores e, como tal, deveriam ser mantidos sob comando, excluídos da participação política, econômica e social. Da mesma forma, os teóricos da discriminação de sexo apelam para a “natureza” da mulher para justificar sua posição social subalterna. Sendo ela, “por natureza”, um ser frágil e dependente, legitima-se a assimetria sexual; tal concepção camufla as raízes da opressão da mulher, que é fruto na verdade de relações sociais, e não de uma “natureza” imutável. O novo debate feminista demonstra que a hierarquia sexual não é uma fatalidade biológica e, como tal, pode ser combatida e superada. Sendo História, e não “natureza” e passível de transformação.
 
A IDEOLOGIA DA FEMINILIDADE
A mesma ideologia (Conjunto de ideias, de imagens, de crenças, que legitima e reproduz a hierarquização social) que interdita o exercício da sexualidade feminina, restringe as potencialidades do desenvolvimento da mulher, colocando-a, na prática, numa posição desigual frente ao homem. Essa ideologia é transmitida, desde muito cedo, pela família, escola, meios de comunicação, religião, literatura e outros agentes socializadores.
O que é importante reafirmar, em nome da clareza, é que esta hierarquização entre o masculino – “superior” – e o feminino – “inferior” – é uma construção ideológica e não o reflexo da diferenciação biológica, pois esta diferenciação – cientificamente falando – não implica desigualdade.
No entanto, o discurso que afirma a naturalidade da discriminação está de tal forma internalizado, que é difícil à própria mulher romper com a imagem de desvalorização de si mesma por ela introjetada. Ela própria, enquanto mãe e professora, desenvolve um papel importantíssimo na transmissão desses valores tradicionais e, portanto, na sua perpetuação. Ao aceitar como natural sua condição de subordinada, vê-se, assim, por meio dos olhos masculinos, incorporando e retransmitindo a imagem de si criada pela cultura que a discrimina.
E não é tão-somente no âmbito doméstico que se atualiza a ideologia da feminilidade. Ela ultrapassa a porta de casa e se verifica também no tipo de formação e de atividade profissional da mulher. Determinadas carreiras ou funções seriam próprias à mulher, na medida em que se adequariam a sua “natureza”. No Brasil, por exemplo, o trabalho profissional da mulher encontra-se, majoritariamente, no setor de prestação de serviços, quer seja como empregada doméstica, onde ela substitui outra mulher nas tarefas que seriam específicas ao seu sexo, quer seja nos serviços de escritório, no magistério, na enfermagem, ela cuida, serve, atende, ensina. Também na atividade fabril, ela exerce frequentemente tarefas que exigem maior paciência, minúcia, imobilidade, sacrifícios que supostamente seriam melhor suportados por mulheres, tendo em vista suas “qualidade intrínsecas”. A esta demarcação de funções corresponde uma desvalorização de tarefas e uma diferenciação de níveis salariais entre homens e mulheres. Acrescentam-se ainda os obstáculos que se contrapõem a sua ascensão profissional, resultando na ausência – quase completa – de mulheres exercendo cargos de chefia, quaisquer que sejam as esferas de atividade.
As mulheres que trabalham fora se veem ainda cumprindo um duplo papel: assumem com o homem o sustento da família, mas não partilham com ele os encargos domésticos.
Desta feita, a luta contra a discriminação da mulher na sociedade implica o levantamento de bandeiras de luta, imprescindíveis para o processo de conscientização da mulher acerca de seu próprio valor e para que ela mesma se coloque como agente de sua própria libertação:
 
– para funções iguais, salários e direitos iguais;
– igualdade de oportunidades no acesso ao mercado de trabalho e à ascensão e ao aprimoramento profissional;
– superação da “dupla jornada de trabalho” – que obriga a mulher a acumular os encargos profissionais e os de dona-de-casa – com a reivindicação da divisão com o homem dos encargos domésticos;
– criação de creches nos locais de moradia e de trabalho;
– denúncia de violência machista da qual a mulher é vítima, tanto aquela que se atualiza na agressão física – espancamentos, estupros, assassinatos – quanto a que a coisifica enquanto objeto de consumo;
– autodeterminação quanto ao exercício da sexualidade, procriação e da contracepção;
– direito a informação e ao acesso a métodos contraceptivos seguros, masculinos e femininos.
A luta contra a discriminação implica, assim, a recriação de uma identidade própria, que supere as hierarquias do forte e do fraco, do ativo e do passivo. Identidade esta em que as diferenças entre os sexos sejam de complementaridade e não de dominação.
O que é Sociologia?
Quando alguém pergunta "o que é Sociologia", geralmente a resposta obtida é: "o estudo da sociedade". Esta resposta se refere apenas ao significado etimológico da palavra, isto é: sócio = social; log(o) + ia = estudo; portanto, estudo do social.
Dessa forma, poucos se lembram de dizer — de início — que se trata de uma ciência.
Afirmar que a Sociologia é uma ciência implica dizer que ela possui um objeto de estudos próprio, analisado por meio de determinados métodos reconhecidos como científicos.
O objeto de estudos é o problema da investigação que demarca um ramo de conhecimento ou disciplina científica, ou seja, o conjunto de fenômenos especificamente estudados por ela.
Assim, se a Sociologia estuda o social, seu objeto é o conjunto dos fenômenos sociais, isto é, os vários aspectos da vida em sociedade e, sendo uma ciência, o conhecimento por ela produzido não se confunde com simples opiniões ou informações que possuímos sobre esse objeto.
Deste modo, para que o conhecimento sobre a sociedade seja reconhecido como científico, deve resultar de uma análise cuidadosa, metódica e aprimorada da realidade social concreta.
Portanto, podemos dizer que a Sociologia constitui um conjunto de conceitos, de métodos e de técnicas de investigação, produzidos para explicar a vida social, ou, em outras palavras, é o estudo científico da formação, da organização, da manutenção e da transformação da sociedade humana.
A Sociologia não se limitou ao estudo das condições de existência social dos seres humanos. De acordo com o sociólogo Costa Pinto (1965), as transformações econômicas e sociais que assinalam a primeira metade do século XIX e o desenvolvimento do método científico noutros setores do conhecimento humano, paralelos à Sociologia, criaram, a esse tempo, as condições práticas e teóricas, históricas e filosóficas, para a organização da Sociologia como disciplina.
O momento histórico em que a Sociologia começou a destacar-se como setor especializado de conhecimento, sistematizando-se como ciência, somente pode ser compreendido no quadro que liga a evolução intelectual às condições sociais do fim do antigo regime feudal e ao início da era industrial.
Assim, não se pode separar a Sociologia das condições histórico-sociais de existência humana, nas quais ela se tornou intelectualmente possível e necessária.
 
CONTEXTO HISTÓRICO DO SURGIMENTO DA SOCIOLOGIA
A formação da Sociologia constituiu um acontecimento complexo para o qual concorreram uma conjunção de circunstâncias históricas e intelectuais e determinadas intenções práticas. O seu surgimento ocorre num contexto histórico específico, que coincide com os derradeiros momentos da desagregação da sociedade feudal e com a consolidação dacivilização capitalista.
A sua criação não é obra de um único filósofo ou cientista, mas representa o resultado da elaboração de um conjunto de pensadores que se empenhavam em compreender as novas situações de existência que estavam em curso. (MARTINS, 1982).
A Revolução Industrial foi um marco de uma nova era na história da humanidade, pois deu início a uma etapa de acumulação crescente da produção de bens e serviços, em caráter permanente e sistemático, sem precedentes, que ultrapassou o crescimento da produção das fábricas, envolvendo mudanças de ordem cultural, política e social, em uma verdadeira evolução social.
 
A Sociologia surgiu nessa época, com a sociedade industrial, ou melhor, com os seus esboços. Surgiu quando do seu ventre nasceu o proletariado, e essa circunstância, quase sempre esquecida, é de importância decisiva para a compreensão de sua história, de seu método e de seus problemas de hoje.
A profunda transformação da estrutura da sociedade ocasionada pela Revolução Industrial levou a mudanças na sociedade rural, com a destruição sistemática da servidão e da organização rural, centralizada na vila e na aldeia camponesa, e a consequente migração da população rural para os centros urbanos. Ela representou o triunfo da indústria capitalista dirigida pela burguesia, que foi pouco a pouco concentrando as máquinas, as terras e as ferramentas sob seu controle, convertendo grandes massas humanas em simples trabalhadores assalariados, sem quaisquer direitos ou garantias trabalhistas.
Cada avanço com relação à consolidação da sociedade capitalista implicava a desintegração de costumes e instituições, até então existentes, e na introdução de novas formas de organizar a vida social.
 
CRISES ECONÔMICAS
Como ressalta Albertine, a Revolução Industrial começou sob a bandeira da liberdade, que tinha um significado particular: permitir aos empresários industriais que se desenvolvessem e criassem novas formas de produzir e de enriquecer. Lutava-se contra os regulamentos, os costumes, as tradições e as rotinas, a fim de submeter a organização da sociedade aos desejos e interesses da burguesia. Progressivamente predominava o grupo dos empresários industriais.
O nascimento do capitalismo foi marcado por graves crises econômicas e sociais, que atingiram, inicialmente, a Inglaterra, país onde se iniciou o capitalismo industrial, generalizando-se, em seguida, pela Europa.
As primeiras crises sociais do capitalismo inglês evidenciaram problemas sem precedentes no setor rural, de onde os camponeses foram expulsos das terras nas quais trabalhavam há gerações. Os artesãos encontravam-se arruinados pelo crescimento da indústria e encontrava-se instalada uma luta social entre operários e capitalistas.
É importante lembrar que grande parte dos operários era constituída por camponeses e artesãos que haviam sido expulsos das terras e das aldeias e amontoavam-se nas cidades em péssimas condições, vivendo em grande promiscuidade. A burguesia os considerava perigosos, embora úteis.
 
A SOCIEDADE COMO OBJETO DE ESTUDO
A profundidade das transformações em curso colocava a sociedade num plano de análise, ou seja, passava a se constituir em “problema”, em “objeto de estudos”, que deveria ser investigado. Os pensadores ingleses que testemunhavam estas transformações e com elas se preocupavam não eram homens de ciência ou sociólogos que viviam dessa profissão. Eram, antes de tudo, homens voltados para a ação, que desejavam introduzir determinadas modificações na sociedade. Tal fato significa que os precursores da Sociologia destacaram-se entre militantes políticos e entre indivíduos que participavam e se envolviam profundamente com os problemas de suas sociedades.
Pensadores como Owen (1771-1851), William Thompson (1775-1853), Jeremy Benthan (1748-1832), só para citar alguns daquele momento histórico, podiam discordar entre si ao julgarem as novas condições de vida provocadas pela Revolução Industrial e as modificações que deveriam ser realizadas na sociedade, mas todos eles concordavam que ela produzira fenômenos inteiramente novos que mereciam ser analisados. O que eles refletiram e escreveram foi de fundamental importância para a formação de um saber sobre o social.
 
A Sociologia constituiu uma resposta intelectual às novas situações colocadas pela Revolução Industrial. Boa parte de seus temas de análise e de reflexão foi retirada da realidade vigente, como, por exemplo, a situação da classe trabalhadora, o surgimento da cidade industrial, as transformações tecnológicas, a organização do trabalho na fábrica etc. A formação da sociedade capitalista, que era uma estrutura social muito específica, impulsionou uma reflexão sobre a sociedade, suas transformações, suas crises, seus antagonismos de classe. As sociedades pré-capitalistas, bastante estáveis, apresentavam um ritmo lento de mudanças e não destacavam a sociedade como 'um problema' a ser investigado. 
Gostaríamos de salientar que, embora seja comum fixar o período da Revolução Industrial (supremacia do modo de produção capitalista na Inglaterra) como o compreendido entre meados do século XVIII até período semelhante do século XIX, as transformações econômicas ocorriam no ocidente europeu desde o século XVI, provocando desde essa época profundas modificações na forma de conhecer a natureza e de pensar a realidade. A partir desse período, os pensadores vão paulatinamente substituindo a visão sobrenatural por explicações racionais para os fatos.
O uso da observação e da experimentação na exploração dos fenômenos da natureza possibilitava um grande acúmulo de registros dos fatos. Num espaço de cento e cinquenta anos – de Copérnico a Newton – a ciência passou por um notável progresso, mudando, até mesmo, o entendimento da localização do planeta Terra no cosmo. O estabelecimento de relações entre estes fatos ia possibilitando aos homens, dessa época, um conhecimento da natureza que lhes abria possibilidade de controlá-la e dominá-la.
Hélio F.L.N. Gama
A efervescência dos movimentos sociais urbanos marca a sociedade capitalista contemporânea. Abordaremos o fenômeno como manifestações contestatórias da ordem social estabelecida – via reivindicações que, num primeiro momento, referem-se aos aspectos organizacionais da cidade – compreendendo a questão urbana mediante análise da lógica estrutural do desenvolvimento capitalista. Em outras palavras, a crise da cidade como matriz dos movimentos sociais urbanos.
De acordo com Manuel Castells, em Cidade, Democracia e Socialismo, a crise urbana provém “da crescente incapacidade da organização social capitalista para assegurar a produção, gestão e distribuição dos meios de consumo coletivos necessários à vida cotidiana” (CASTELLS,1980:20) em seus múltiplos aspectos, como a questão dos transportes, saúde, moradia, educação etc. Essa crise não seria uma simples “deficiência” do sistema econômico; antes uma consequência necessária da lógica do sistema capitalista.
O crescimento das cidades, nas sociedades capitalistas avançadas, está intimamente ligado à acumulação e concentração do capital monopolista, na medida em que os grandes centros urbanos desempenham duas funções básicas, ou sejam, a de mercado consumidor e de reserva de força de trabalho. No entanto, o desenvolvimento de um verdadeiro complexo econômico-social, que constitui a estrutura urbana, exige a disponibilidade de uma ampla gama de bens e serviços – transporte, saúde, moradia, educação – necessários à reprodução da força de trabalho e à viabilidade do sistema em seu conjunto.
Esta é justamente a contradição estrutural, segundo Castells, que provoca a crise urbana. Os serviços requeridos pelo desenvolvimento do modo de produção capitalista não são suficientemente rentáveis para serem produzidos pelo próprio capital, com vista à obtenção de lucro. Daí a crise urbana como crise de serviços coletivos necessários à vida das cidades, a emergência e a natureza das reivindicações dos movimentos sociais e a intervenção do Estado para viabilizar o capitalismo em suaetapa avançada.
 
A INTERVENÇÃO DO ESTADO
A intervenção do Estado, portanto, não se constitui um mecanismo regulador neutro aplicado a um sistema em desequilíbrio. Pelo contrário, na medida em que a tendência histórica nas sociedades capitalistas refere-se ao controle do aparelho de Estado por classes sociais econômica e ideologicamente dominantes, sua ação privilegiará aqueles setores essenciais à viabilização do desenvolvimento do modo de produção capitalista, em detrimento do conjunto dos interesses populares.
No entanto, em que pese ser essa a tendência, a intervenção do Estado na questão urbana não é tão simples nem mecânica. Há necessidade de um invólucro da ação estatal, para que ela se apresente à população como “neutra”, acima dos interesses de classes. A forma como ela se apresenta e atua está intimamente ligada à correlação de forças das diversas classes em luta – na medida em que todos os setores da sociedade são atingidos pela ação do Estado como gerente dos serviços públicos estruturadores da vida cotidiana – e à natureza do sistema político dominante. Em uma democracia liberal, o Estado seria mais “sensível” às aspirações populares do que em regimes totalitários, como nas finadas ditaduras militares da América Latina, onde a instrumentalização do Estado pelo capital revelou-se de forma mais clara e ostensiva, bem como a utilização do poder coercitivo repressivo.
Portanto, a intervenção do Estado no setor urbano, em vez de superar a crise estrutural que o desenvolvimento capitalista provoca, politiza e globaliza os conflitos urbanos, ao articular diretamente as condições materiais de organização da vida e do conteúdo de classes das políticas do Estado.
 
A intervenção do Estado no tecido urbano das grandes cidades brasileiras ocorre de maneira diferenciada dos meios urbanos dos países centrais. Enquanto nas sociedades capitalistas avançadas a intervenção estatal se faz segundo critérios de não rentabilidade para o capital privado. no Brasil, a decisão é politicamente dependente.
Francisco de Oliveira salienta tal aspecto em Seu ensaio:
 
 
 ESPECULAÇÃO IMOBILIÁRIA
O fenômeno de especulação imobiliária, longe de se constituir em um entrave ao dinamismo do sistema, encaixa-se perfeitamente no plano mais geral do binómio Estado/capital. O ritmo rápido do desenvolvimento urbano está condicionado pelas exigências de reprodução do capital, isto é, do ponto de vista espacial, as necessidades básicas dos trabalhadores — habitação, transportes, equipamentos coletivos, etc — dependem da lógica capitalista de localização e rentabilidade das empresas. Isso porque as variações dos terrenos se explicam, em grande parte, pela proximidade dos equipamentos públicos (ou a expectativa de sua implantação). Como consequência, assiste-se a segregação espacial da classe trabalhadora para a periferia da cidade, em condições de existência precária. Como destaca Sérgio de Souza Lima, em "Processo de urbanização e política urbana" , 
 
PRECARIEDADE DOS SERVIÇOS PÚBLICOS
 
No entanto, a precariedade dos serviços públicos urbanos no Brasil, como o de transporte é latente, e tal situação vai engendrar movimentos sociais, por parte da população atingida, que vão colocar em xeque a própria legitimidade do Estado. José Álvaro Moisés e Verena Martinez-Alier, em seu ensaio "A revolta dos suburbanos", analisam as chamadas depredações "espontâneas" dos terminais ferroviários no Rio e São Paulo e orientam suas análises nessa direção, pois, de fato, esses movimentos representam uma clara reação das massas suburbanas diante da deterioração de suas condições de existência. 
Leia o que dizem esses autores:
“Subordinadas ao domínio do Estado, é precisamente na prática da ação direta, mas coletiva, única forma de expressão possível no momento atual, que essas massas populares aprendem os limites e também as possibilidades de sua atuação. Cada explosão espontânea é seguida de controle, pelas forças de repressão; ao mesmo tempo, porém (e talvez por isso mesmo), constitui o ponto de partida para novas ações do mesmo tipo. Dessa perspectiva, a questão de sua espontaneidade se recoloca, mas de forma nova. Na medida que essa espontaneidade viabiliza alguma forma de ação, essas massas começam a experimentar sua própria potencialidade como força social e política. É a sua prática, desorganizada ou não, que coloca para elas a possibilidade de se fazerem presentes, com algum grau de vontade própria, diante do resto da sociedade”.
(MOISÉS e MARTINEZ-ALIER, 1978:55)
 
A precariedade das condições de vida das populações periféricas vai ensejar outras formas de manifestações peculiares e ampliar o seu leque de reivindicações (lote, água, luz, esgoto, escolas, postos médicos etc). Podemos notar que todos esses movimentos, explosivos ou não, põem em xeque o desempenho dos detentores dos aparatos estatais encarregados da gestão dos serviços públicos e, em efeito, o próprio Estado e sua natureza histórica de classe. O Estado tem que dar uma resposta imediata às reivindicações e revoltas das massas populares, mas o que ocorre, geralmente, é uma protelação do atendimento dessas necessidades e o emprego dos aparatos repressivos como elementos de persuasão à alteração da "ordem pública" e à política vigente. Nesse momento, cai a máscara ideológica do "Estado acima das classes", de "provedor" do conjunto da nação, e esta percepção da realidade não escapa às massas excluídas, na medida em que as contradições urbanas se tornam agudas e o potencial de contestação e insatisfação aumentam. 
Castells propõe a “via democrática para o socialismo” como proposta política mais consequente a ser encampada pelos movimentos sociais urbanos na formulação de um projeto político e em alinhamento com outras forças políticas que se batem na luta sindical.
E em que consiste a “vida democrática para o socialismo?”
Tratar-se-ia de chegar ao poder via os instrumentos que o Estado liberal democrático “burguês” considera legítimos, como o sufrágio universal. Seria a luta pela hegemonia ideológica no seio da sociedade, ou “(...) tomar o poder político para transformar o aparelho do Estado” nas palavras de Santiago Carrilo (apud CASTELLS, 1980:23).
 
Em resumo,
“A estratégia do socialismo em democracia consiste, precisamente, em apoiar-se nesses elementos progressistas que existem no Estado democrático (mesmo que sua presença seja hoje em dia subordinada à lógica da classe dominante) para combater e modificar uma estrutura geral dos aparelhos do Estado que carrega, implicitamente, uma série de mecanismos tendentes a desviar o exercício do poder a favor da classe capitalista”.
(CASTELLS, 1980:29-30)
 
Ao perceber os movimentos sociais urbanos como produtos da crise urbana segundo a lógica de um sistema social ancorado em valores de mercado, dialeticamente potencializa-se a possibilidade e a necessidade de atuação política e cidadã da sociedade organizada. Assim, apenas radicalizando os conceitos de democracia, cidadania e – por que não? – socialismo como utopia libertária, se faz possível conceber um Estado efetivamente justo, democrático e solidário em nível da concepção, formulação e execução de suas políticas públicas.
MOVIMENTOS SOCIAIS - CAMPESINATO, CAPITALISMO E REFORMA AGRÁRIA NO BRASIL
 
Campesinato são grupos sociais de base familiar que, com graus diversos de autonomia, dedicam-se a atividades agrícolas.
Hélio F. L. N. Gama
O campesinato, como classe social, tem desempenhado ao longo da História um papel de vital significância pela sua função econômico-produtiva, pelo seu peso social e por suas potencialidades como sujeito político.
Alvo de “táticas” e “estratégias” por parte de sujeitos sociais que lhe são exteriores, sua inserção social varia conforme a formação social considerada e, no seu interior apresenta uma ampla gama de relações sociais.
A compreensão da questão agrária no Brasil torna necessária uma análise do papel social e político do campesinato brasileiro que estabeleça uma ruptura com a concepção do “feudalismo no Brasil”. Assim, adotaremosuma corrente sociológica contemporânea, que vê o camponês não como um resquício de um modo de produção feudal, mas como um trabalhador para o capital, dado o grau e a natureza de sua inserção ao sistema capitalista.
Essa nova concepção implica um redimensionamento do campesinato como ator político e um novo sentido na luta pela terra, em torno da bandeira da reforma agrária.
 
MATRIZES TEÓRICAS
Karl Marx, em O Capital, desvendando "a assim chamada acumulação primitiva" do capital como o processo de dissociação do trabalhador dos meios de produção, mediante a expropriação das terras ocupadas pelos camponeses, tem como objeto de análise o processo histórico que precede a Revolução Industrial na Inglaterra do século XVIII. Sua análise da conjuntura do período é bastante detalhada, ao mesmo tempo em que aponta certas tendências gerais do desenvolvimento das relações sociais de produção na fase de transição do feudalismo ao capitalismo. Em suas palavras, em fins do séc. XV e nas primeiras décadas do século XVI.
 
 
A transformação de terras de lavoura em pastagens de ovelhas, para tender à demanda por lã da indústria de Flandres, só foi possível pela "(...) expulsão violenta do campesinato da base fundiária, sobre trabalho a qual possuía o mesmo título feudal que ele, e usurpação de sua terra comunal" (MARX, 1984, p. 264), e a conquista do campo para a agricultura capitalista incorporou a base fundiária ao modo capitalista de produção, oferecendo a mão-de-obra livre para a indústria urbana.
Observe que os camponeses, que até então, possuíam autonomia econômica viram-se despojados de suas posses, restando-lhes a alternativa de se empregarem nas indústrias nascentes.
Entretanto, os que foram expropriados de suas terras não eram absorvidos pela manufatura nascente com a mesma rapidez, indo formar um exército industrial de reserva de mão-de-obra nas cidades, o que contribuiu para o achatamento salarial e o prolongamento das mais duras condições de trabalho. Essa seria a raiz da acumulação primitiva do capital: a intensificação da mais valia absoluta, ou seja, da exploração da força de trabalho.
Partindo, portanto, de uma situação histórica bem delimitada no tempo e no espaço, Marx formula leis gerais sobre trabalho a "tendência histórica da acumulação capitalista". Analisando a pequena produção artesanal e camponesa como situações intermediárias entre o feudalismo e o capitalismo propriamente ditos, afirma que o modo de produção feudalista pressupõe o parcelamento do solo e dos outros meios de produção.
 
 
Diz ainda:
 
A persistência da teoria marxista como tentativa de explicação científica da realidade, ao longo dos anos, tem sido observada dado o grau de generalização da teoria e de seus conceitos, passíveis assim de serem aplicados nas análises das mais distintas formações sociais. No entanto, se transpostos mecanicamente, sem a devida mediação com o meio histórico-social em questão, esses conceitos resultam em flagrantes fracassos.
Essa tendência histórica de acumulação do capital, delineada por Marx, de uma contínua e progressiva separação do trabalhador dos meios de produção e a sua consequente proletarização, dá origem a diversas interpretações.
Dada a constatação de que a pequena produção camponesa no Brasil ocupa uma considerável força de trabalho e uma função econômico-produtiva significativa, esse campesinato constituiria um modo de produção feudal – ou vestígios dele – subordinado e articulado ao modo capitalista de produção e em processo de extinção, conforme defendem Alberto Passos Guimarães, em Quatro Séculos de Latifúndio e Paul Singer em Agricultura e Desenvolvimento Econômico, dentre outros.
Em oposição, trabalharemos com a perspectiva de José Graziano da Silva, em A Modernização Dolorosa e Maria Rita Garcia Louzeiro, em Parceria e Capitalismo, que compreendem a pequena produção rural no Brasil como nem feudalista nem tipicamente capitalista, mas sim como criada e recriada pelo capital e extremamente funcional a este; a proletarização do homem no campo, portanto, não seria uma tendência inexorável nem o único modo de se extrair o sobre trabalho-trabalho para o sistema capitalista em seu conjunto.
 
REDIMENSIONANDO O DEBATE: O “NOVO” CAMPONÊS
José Graziano da Silva, em Estrutura Agrária e Produção de Subsistência na Agricultura Brasileira, analisando as transformações capitalistas na agricultura brasileira, a partir da década de setenta do século XX, aponta uma relativa “debilidade” no caráter dessas transformações. Ou seja, o capital não tinha conseguido realizar a expropriação completa do trabalhador rural, nem revolucionar o processo de produção propriamente dito, de maneira ampla; pelo contrário, o campo brasileiro era o reflexo de avanços e recuos de uma lenta e “dolorosa modernização” em alguns setores específicos, sustentada “artificialmente” por subsídios estatais. Essa “debilidade” seria uma forma específica de dominação da agricultura pelo capital comercial e usuário.
Em documento posterior, Graziano observa que, no campo, em apenas uma minoria de casos – grandes empresas agrícolas à base de trabalho assalariado e técnica avançada – a extração do trabalho excedente se revela como extração de mais-valia no nível do processo produtivo.
Na grande maioria dos casos, no entanto, o que se observa ainda hoje é a presença de pequenas unidades familiares, mas quais os produtores se organizam com base no trabalho familiar e com a ajuda de trabalhadores, contratados apenas temporariamente, em épocas determinadas do ciclo produtivo, e com um nível muito baixo de conhecimento técnico. Para Silva (1980), esse tipo de participação no mercado – tanto na venda de produtos como na compra de insumos – é bastante elevado. É justamente nessa vinculação crescente ao mercado que se materializam as formas concretas de extração do excedente ou sobre trabalho-trabalho desses camponeses de base familiar. O que significa que os camponeses são trabalhadores para o capital, isto é, para o grande empresário-latifundiário, para os bancos que lhe hipotecam a terra em troca do financiamento da produção, para as multinacionais que fabricam tratores e adubos, para as fábricas (de conservas, de alimentos enlatados, de bebidas naturais etc.) que lhe compram a produção etc.
Essas modificações ocorridas na agricultura visam tornar o camponês mais dependente do mercado. Como afirma Juarez R. B. Lopes, a unidade camponesa nas regiões do Centro-Sul passou a especializar-se em determinados tipos de produto, por imposição dos grandes grupos econômicos (comerciantes ou industriais) e, em função disso, tornaram-se mais técnicas. Em suas palavras, não parece haver dúvidas existirem mecanismos, ligando as pequenas unidades agrárias familiares e o grande capital comercial e industrial (e ainda as cooperativas), os quais canalizam para o capital os excedentes produzidos no setor familiar.
Obtém-se tal resultado num contexto em que as relações mercantis penetram completamente o setor familiar e no qual a força de trabalho desse setor, embora não remunerada, tenha que ter o seu rendimento referenciado que no mercado de trabalho. Decorre daí a unificação do mercado de trabalho urbano e rural que o desenvolvimento capitalista no campo criou na sua forma específica de empresa agrária capitalista. Segundo Lopes (1980), a tecnifização do setor familiar, portanto, menos que um resultado da formação de poupança, é uma imposição decorrente das vinculações das unidades familiares ao capital industrial e comercial.
Como observa José Vicente Tavares dos Santos (1978), em Colonos do Vinho, a reprodução da força de trabalho familiar é coberta em sua maior parte pela produção direta dos meios de vida, não sendo necessários gastos monetários com a subsistência da família camponesa. Assim, o camponês absorve, por meio da produção direta dos meios de vida e da utilização extensa da força de trabalho familiar, os rendimentos negativos da sua produção mercantil. Pois, se a família camponesa não apresenta um rendimento monetário para cobrirsequer a sua força de trabalho, significa que está havendo uma transferência de lucro para o conjunto de sistema produtivo e uma contribuição à acumulação capitalista.
Na verdade, o desenvolvimento capitalista provoca a ampliação das contradições sociais, na medida em que reproduz o personagem não especificamente capitalista do camponês. Assim como afirma Maria Rita Garcia Loureiro (1977), em Parceria e Capitalismo, a reprodução de relações de produção não capitalistas na agricultura poderia ser explicada pela necessidade de superar a baixa rentabilidade do empreendimento agrícola em relação ao empreendimento industrial, devido ao processo de transferência de rendimentos por meio da deterioração dos preços dos produtos agrícolas diante dos produtos industriais.
Ademais, o desenvolvimento do capitalismo no Brasil, em sua dificuldade de gerar, além da renda da terra, o lucro para certos produtos agrícolas (especialmente os gêneros alimentícios de primeira necessidade) tem que recriar no campo o pequeno estabelecimento camponês, portanto relações de produção que, embora apareçam na base da economia capitalista, não são capitalistas.
O novo camponês, portanto, deixa de ser um mero personagem, para ser um sujeito social que ganha novas determinações gerando novas ambiguidades e contradições, o que lhe confere novos papéis políticos.
 
 O NOVO SENTIDO DA REFORMA AGRÁRIA
Esta nova concepção implica um redimensionamento do campesinato enquanto sujeito político. A luta pela terra deixa de ser mera reivindicação de acesso à propriedade e parcelamento do solo para exigir uma reordenação geral do sistema e das estruturas do poder, em aliança com os trabalhadores urbanos, em torno da bandeira da reforma agrária.
Nas palavras de Graziano da Silva, (1980. p. 67)
(...) também a antiga bandeira de luta — a reforma agrária - ganha uma nova dimensão. Deixa de ser uma simples reivindicação de acesso à terra, para ser fundamentalmente uma luta por novo sistema de organização social e econômica da produção agrícola. O inimigo já não é apenas o latifúndio, mas também o grande monopolista e seus aliados, de modo geral. A reforma agrária passa a ser vista não como uma reforma para o fortalecimento do sistema capitalista, mas como o primeiro passo que pode levar a sua própria superação. 
Para enfrentar o quadro de exploração, miséria e dependência dos trabalhadores rurais em relação à grande propriedade capitalista, logo após a sua fundação, a Central Única dos Trabalhadores formulou o seu projeto alternativo para a questão do campo no Brasil. Afirma, em seu jornal, os princípios gerais de reforma agrária que pretende:
A reforma agrária é um conjunto de medidas voltadas para a modificação radical das relações de produção no campo, que envolveria não só a distribuição de terras. Teria, além disso, que eliminar as reformas de exploração do trabalhador do campo. Isto significa concretamente, modificar as relações de trabalho e o direito à propriedade, de modo a que só tenha o direito à terra, aquele que puder trabalhá-la, viver nela, necessitar para a sua sobre trabalhovivência (...) A reforma agrária, portanto, não, é fundamentalmente uma questão técnica, mas uma questão política. Isto porque, alterar estas relações no campo, exige-se que se tenha um poder político capaz de realizá-las... A reforma agrária dos trabalhadores, só poderá ter seu conteúdo realizado plenamente, com a transformação da sociedade, quando os trabalhadores assumirem o Poder. Jornal da CUT (dez/1984).
 
Mesmo respeitando essa concepção, fazemos nossa a ressalva de Eric R. Wolf (1976), em Sociedades Camponesas, quando afirma que a reforma agrária e os esquemas voltados à melhoria da parcela do agricultor na terra com frequência surtiram efeito contrário ao desejado pelos revolucionários. Para o autor, a reforma agrária não é a solução para todos os problemas. Ela deve ocorrer em paralelo a projetos de industrialização e outras medidas de retirada de pessoas da terra.
A reforma agrária pretendida deve vir acompanhada de alterações em toda a sociedade, sendo uma questão técnica e eminentemente política. Não é uma palavra de ordem vazia, antes sintetiza as aspirações dos trabalhadores da cidade e do campo, rumo à efetiva democratização da formação social brasileira.

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