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Resumo crítico: Freud, S. O Ego e o Id. (1923). Em “O Ego e o Id” (“The Ego and the Id” em inglês, “Das Ich und das Es” em alemão), de 1923, Freud faz um estudo analítico da psique humana, delineando suas teorias acerca da psicodinâmica do id, ego e superego. O texto é iniciado com a afirmação de que “a diferenciação do psíquico em consciente e inconsciente é a premissa básica da psicanálise” (Freud, 1923/2016, p.15). Esse posicionamento é divergente das psicologias da época, que identificavam a mente à consciência. Se, como os estruturalistas e funcionalistas, considerarmos que todo fenômeno psíquico é consciente e a essência do psiquismo é a consciência, então tratar de um processo psíquico inconsciente seria uma contradição em termos. Para que seja possível discutir a existência de um psiquismo inconsciente, essa identidade, vigente até então, entre psiquismo e consciência, precisa dar lugar à ideia de que mente é mais que consciência. Sobre isso, Freud diz: “Para a maioria daqueles que têm cultura filosófica, é tão inapreensível a ideia de algo psíquico que não seja também consciente que lhes parece absurda e refutável pela simples lógica. Acho que isto se deve ao fato de não terem estudado os pertinentes fenômenos da hipnose e do sonho, que - sem considerar o dado patológico - obrigam tal concepção. A sua psicologia da consciência é incapaz de resolver os problemas do sonho e da hipnose.” (Freud, 1923/2016, p.15). Portanto, pelos fatos observados através dos fenômenos da hipnose e do sonho, Freud considera possível supor a existência de processos psíquicos inconscientes que influenciam ativamente na vida psíquica. Assim, Freud apresenta dois sentidos para o termo inconsciente. O primeiro, descritivo, para designar processos que são psíquicos e não-conscientes, e o segundo, dinâmico, para qualificar fenômenos inconscientes que são exercem influência ativa no psiquismo consciente. Em síntese, no sentido descritivo, possuímos dois tipos de ics: latente (pré-consciente), mas capaz de consciência, e o reprimido, que em si e sem dificuldades não é capaz de consciência. Esse impedimento à consciência sofrido pelos processos psíquicos inconscientes se deve às forças de repressão e resistência. Portanto, adquirimos o conceito de inconsciente a partir da teoria da repressão. De acordo com Freud, “o reprimido é, para nós, o protótipo do inconsciente” (Freud, 1923/2016, p.17). Contudo, Freud reporta que essa divisão entre inconsciente, pré-consciente e consciente é insuficiente à prática. Há algo além: “Formamos a ideia de uma organização coerente dos processos psíquicos na pessoa, e a denominamos o Eu da pessoa. A este Eu liga-se a consciência, ele domina os acessos à motilidade, ou seja: a descarga das excitações no mundo externo; é a instância psíquica que exerce o controle sobre todos os seus processos parciais, que à noite dorme e ainda então pratica a censura dos sonhos. Desse Eu partem igualmente as repressões através das quais certas tendências psíquicas devem ser excluídas não só da consciência, mas também dos outros modos de vigência e atividade.” (Freud, 1923/2016, p.20). Na análise, o que foi posto de lado pela repressão se contrapõe ao Eu, e o analista se defronta com a tarefa de abolir as resistências que o Eu opera sobre o reprimido. Assim, encontramos no próprio Eu algo que é também inconsciente e comporta-se exatamente como o reprimido, isto é, “exerce poderosos efeitos sem tornar-se consciente, e requer um trabalho especial para ser tornado consciente” (Freud, 1923/2016, p.21). Por conseguinte, deduz-se que o inconsciente não se restringe ao reprimido; ou seja, todo reprimido é inconsciente, mas nem todo inconsciente é também reprimido, pois há uma parte do Eu que é certamente inconsciente. Freud avalia que a investigação patológica exacerbou o interesse pelo reprimido, em detrimento do estudo do Eu. Em seguida, propõe que chamemos de Eu “a entidade que parte do sistema pcp e é inicialmente pcs, e de Id, segundo o uso de Groddeck, a outra parte da psique, na qual ela prossegue, e que se comporta como ics” (Freud, 1923/2016, p.29). Logo, na concepção freudiana, um indivíduo seria um Id (algo, em latim) psíquico, irreconhecido e inconsciente, em cuja superfície se acha o Eu, “desenvolvido com base no sistema PCp, seu núcleo” (Freud, 1923/2016, p.30). Freud conclui que o Eu é a parte do Id modificada pela influência direta do mundo externo, sob mediação da percepção, que se esforça em fazer valer a influência do mundo externo sobre o Id e os seus propósitos, e substituir o princípio de prazer ─ que vigora irrestritamente no Id pelo princípio ─ de realidade. Dessarte, a percepção tem, para o Eu, o papel que cabe ao instinto no Id. Freud prossegue utilizando a analogia do cavaleiro (Eu), sobre o cavalo (Id), e postula que a importância funcional do Eu “se expressa no fato de que normalmente lhe é dado o controle dos acessos à motilidade” (Freud, 1923/2016, p.31). Além disso, o Eu deriva, em última instância, das sensações corporais, sendo, sobretudo, “um Eu do corpo” (Freud, 1923/2016, p.34). O Eu que Freud elabora é como uma projeção mental da superfície do corpo (Naves e Carneiro, 2007). Subsequentemente, Freud aponta que, como sucede na melancolia, se um objeto sexual tem de ser abandonado, há concomitantemente a essa perda uma alteração do Eu, que é descrita como estabelecimento do objeto no Eu: “Foi-nos dado esclarecer o doloroso infortúnio da melancolia, através da suposição de que um objeto perdido é novamente estabelecido no Eu, ou seja, um investimento objetal é substituído por uma identificação. [...] Desde então compreendemos que tal substituição participa enormemente na configuração do Eu e contribui de modo essencial para formar o que se denomina seu caráter.” (Freud, 1923/2016, p.35). Essa transformação de uma escolha erótica de objeto numa alteração do Eu é também um meio pelo qual o Eu pode controlar o Id e aprofundar suas relações com ele. A mutação de libido objetal em narcísica provoca uma dessexualização, sendo, por isso, uma espécie de sublimação. Na saída do complexo de édipo, o investimento objetal na mãe tem que ser abandonado, e, em seu lugar, pode surgir uma identificação com a mãe ou um fortalecimento da relação com o pai. Freud propõe que “o desenlace da situação edípica numa identificação com o pai ou a mãe parece depender, em ambos os sexos, da relativa força das duas disposições sexuais”. Em síntese, esta é uma das maneiras como a bissexualidade intervém no destino do complexo de édipo, ao passo que a outra forma é concernente à ambivalência em relação aos pais (édipo negativo e positivo). Freud sumariza que: “Podemos supor, então, que o resultado mais comum da fase sexual dominada pelo complexo de Édipo é um precipitado no Eu, consistindo no estabelecimento dessas duas identificações, de algum modo ajustadas uma à outra. Essa alteração do Eu conserva sua posição especial, surgindo ante o conteúdo restante do Eu como ideal do Eu ou Super-eu.” (Freud, 1923/2016, p.42). O Super-eu é, portanto, herdeiro do complexo de Édipo, e produz o que há de mais rico na subjetividade humana: as múltiplas faces dos sentimentos de culpa, moralidade, dever e ideais (Laender, 2005). A partir daí, Freud sobrescreve críticas de que a psicanálise não se preocuparia com o que há de elevado no homem. A isso, Freud responde que o ideal do Eu ou o Super-eu seria esse algo elevado, intimamente conectado à moral e a à religiosidade humana. O ideal do eu tem amplos laços com a aquisição filogenética, a herança arcaica do indivíduo. Tendo estabelecido a forma geral e as condutas da mente, Freud prossegue para elucidar as forças que agem dentro dessa estrutura ─ a saber, o instinto de vida e o instinto de morte. O primeiro é a tendência para criar; o último, a tendência a destruir. Ele apóia seu argumento para essas forças invocando implicitamente ideias de entropia e terceira lei domovimento de Newton (de forças iguais e opostas). Usando esses instintos opostos como base para investigações posteriores, Freud observa que há casos em que o amor parece se transformar em ódio e vice-versa. Isso parece indicar que não há, de fato, dois instintos opostos. No entanto, Freud resolve a questão afirmando a presença de uma energia neutra, que pode ser aplicada para promover o instinto. E, quando o fluxo de energia muda, ele pode criar o que parece ser a transformação de um instinto em seu oposto. Contudo, Freud se questiona de onde viria essa energia neutra, e conclui que a resposta pode estar na sexualidade ─ em um reservatório narcísico da libido, que seria dessexualizado de Eros. Esse processo de dessexualização ocorre, segundo Freud, quando a energia libidinal passa do Id (sua origem) para o Eu ─ que, através da sublimação, abandona os objetivos sexuais originais e utiliza a energia para alimentar o pensamento e a motilidade interessada. A libido é, portanto, transformada em energia que pode ser aplicada a objetivos criativos ou destrutivos. Isso parece indicar que Eros é a principal motivação do Id. Mas Freud observa que, na verdade, a compulsão do Id em obedecer à pulsão de Eros é, na verdade, uma manifestação do princípio do prazer. Na última parte do texto, Freud percebe que, se suas premissas são verdadeiras, então o Eu, na verdade, se vê vítima do Super-eu e do Id ─ que tendem a trabalhar juntos. O Super-eu está sempre em contato íntimo com o Id e pode agir como seu representante em relação ao Eu. Freud cita suas experiências na psicanálise, nas quais as pessoas exibem um sentimento de culpa que as torna resistentes à conquista de sua patologia. Sua explicação é que o Super-eu condena o Eu, dando-lhe um profundo e misterioso sentimento de culpa. Isso é o que acontece quando a pulsão de morte se apodera do Super-eu e ativa o Eu. Durante o processo de sublimação, o instinto de vida e o instinto de morte (anteriormente fundidos) se separam; e o segundo acaba no Super-eu fazendo com que ele se posicione contra o Eu. Às vezes, a posição do Eu pode resultar em neuroses obsessivas, neuroses histéricas e até suicídio ─ dependendo da reação do Ego ao Superego. No caso da melancolia, por exemplo, o Eu se identifica com um objeto de amor proibido tão fortemente, que não pode suportar a crítica do Super-eu e apela ao suicídio. Em outros momentos, como nas neuroses obsessivas, o objeto ainda é externo ao Eu, mas seus sentimentos por ele são reprimidos, resultando em atos de agressão externa. E, finalmente, em casos de histeria, o objeto, os sentimentos por ele e a culpa resultante (causada pela crítica do Super-eu) são reprimidos, causando sintomas histéricos. Em síntese, o Eu se encontra na sede da ansiedade, assediado por perigos potenciais a partir de três direções: Super-eu, Id e o mundo externo. Lista de Referências Freud, S. (2016). O Ego e o Id. In Obras completas. (Paulo César de Souza, trad., Vol. 16). São Paulo: Companhia das Letras. (Trabalho original publicado em 1923). Laender, Nadja Ribeiro. (2005). A construção do conceito de superego em Freud. Reverso, 27(52), 63-68. Naves, José Otávio de Vasconcellos, & Féres-Carneiro, Terezinha. (2007). O eu na obra de Freud e a corporalidade. Psicologia USP, 18(3), 31-54.
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