Buscar

Racismo no Futebol: A Ausência de Técnicos Negros

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 6 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 6 páginas

Prévia do material em texto

a) No esporte de forma geral e mais precisamente no futebol masculino, existem uma gama de atletas negros. Em contrapartida, no texto, até aquele momento de publicação, apenas dois tantos técnicos negros no Brasil. Ao que devemos atribuir esse fenômeno?
Trinta e duas seleções iniciaram a Copa do Mundo 2018, cinco eram africanas. E um só técnico negro – Aliou Cissé, do Senegal, que também tem o menor salário entre eles. Com cinco títulos conquistados, a Seleção brasileira só convocou homens brancos para comandar suas equipes em toda a história dos Mundiais.
No Campeonato Brasileiro, 20 equipes disputam a primeira divisão. Roger Machado, do Palmeiras, é o único negro no comando de um time da elite. O único negro no comando de um time da elite em um país negro (53% da população se autodeclarou preto ou pardo no último censo do IBGE) e dentro de um esporte com maioria de atletas negros. Nada disso faz muita diferença dentro dos clubes.
Lilian Thuram, ex-jogador da seleção francesa, campeão mundial em 1998, tem a resposta pronta para entender a questão: racismo. “É normal que existam muitos jogadores negros, eles podem ser atletas de alto nível porque têm capacidade física para isso. Mas para ser técnico precisa ser inteligente, disciplinado. E as pessoas duvidam que os negros podem ser isso”, disse em entrevistas anos atrás.
O futebol reflete a sociedade. E não é segredo para ninguém que a sociedade ainda guarda uma série de racismos – dos tempos escravocratas (e pós-escravocratas) em que negro era força física e nada mais. Em qualquer empresa, chefes negros são raridades.
No ano passado, o Instituto Ethos e o Banco Interamericano de Desenvolvimento avaliaram o quadro de funcionários e cargos das 500 maiores empresas do Brasil. Só 10% dos chefes (gerentes ou executivos do alto escalão) eram negros. Eles só são maioria em vagas para trainees e aprendizes.
No futebol não é diferente. “Não acham que eles têm capacidade para liderar um grupo, nem competência para traçar estratégias. É um racismo comum no futebol. Você vê uma grande proporção de jogadores negros que não se mantém no quadro de técnicos – e a maioria é ex-jogador”, explica Marcel Tonini, pesquisador da USP, que estudou casos de racismo no futebol em trabalhos de mestrado e doutorado.
Andrade, ex-jogador e ídolo do Flamengo, até conseguiu fugir da regra. Mas não por muito tempo. Em 2009, assumiu o comando do time carioca, debaixo de dúvidas de dirigentes sobre sua experiência e comentários racistas.
Tirou o Flamengo da zona intermediária e conquistou o campeonato brasileiro daquele ano. Durou só mais alguns meses – acabou demitido com 70% de aproveitamento. De lá, passou pelo modesto Brasiliense e outros times menores. Hoje está desempregado.
Lula Pereira, outro ex-Flamengo, largou a carreira de jogador e foi estudar. Fez estágios no Bayern de Munique (Alemanha), Ajax (Holanda) e Milan (Itália). Chegou a treinar o Flamengo e o Botafogo. “Uma das coisas que falo é que o negro, quando subalterno, é bem aceito. Ele se esmera para fazer tudo melhor que o branco. Mas, para chegar ao comando, a coisa pega. Aí, é seríssimo”, contou a Tonini. “É um processo sutil de eliminação. Será que nós, em um país tão grande, não temos três atletas negros com capacidade de ser treinador?”, questiona.
O preconceito não mostra as caras só entre dirigentes. Nas arquibancadas, torcedores se sentem confortáveis para falar qualquer absurdo – seja machista, homofóbico ou racista – para os profissionais que estão em campo.
Só no ano passado, o Observatório da Discriminação Racial no Futebol registro 49 casos registrados pela mídia ou em boletim de ocorrência de racismo no futebol (em 2016, foram 25) em estádios. E é um número bem menor do que a realidade.
Boa parte dos jogadores deixa a ofensa passar batida – Felipão, técnico da Seleção Brasileira em 2014, chegou a falar que “não adiantava punir racistas; babacas nunca aprendem”. Como se racismo fosse algo cultural e sem solução.
Lei do silêncio
“Já ouvi da minha própria torcida ‘vá embora, negro não sei o que’. Eles não disseram: vá embora, treinador! Disseram ‘vá embora, negro’. Como posso gostar disso?”, relata Lula Pereira. “Ninguém quer botar o dedo nesse vulcão. Está bom para quem está em cima, mas para quem sofre as consequências não está bom. Só que, se a gente abrir a boca, quem vai ouvir? Quem já foi punido? Não vejo nada”, completa.
CartaCapital tentou ouvir profissionais negros do futebol e eles preferiram não falar sobre o assunto. Tonini conta que levou um ano para negociar a entrevista com seus personagens. “Há um receio de que a porta do futebol vai se fechar. Quem fala acaba caindo no ostracismo”, conta Marcelo Carvalho, diretor executivo do Observatório da Discriminação Racial no Futebol.
Esse esquecimento não vale só para técnicos. Quando jogava pelo Santos, o goleiro Aranha sofreu xingamentos racistas de torcedores do Grêmio. E não deixou quieto, falou sobre o assunto na mídia, entrou com processos judiciais. O clube e a torcida o apoiaram. No fim das contas, saiu do Santos, esquentou o banco na reserva de Fernando Prass, no Palmeiras, passou por Ponte Preta e, atualmente, joga no Avaí, da série B.
“Em geral, é isso que acontece com quem fala sobre o assunto, vão para times menores, são esquecidos. E os jogadores sentem isso. Negro precisa ser duas vezes melhor que o branco sempre. Se falar sobre racismo, precisa ser três vezes melhor”, afirma Carvalho. “Em um primeiro momento o cara é aplaudido. Depois as pessoas se cansam, ‘de novo isso?’. Muito mimimi”, conclui. E nessa a torcida entoa o discurso do “futebol ficou muito chato” e jogam o profissional no limbo do vitimismo, no tom “agora tudo é racismo com ele também”.
Essa história toda só dá outra mostra de como as coisas funcionam – no futebol ou em qualquer lugar. Em um estudo, pesquisadores da Universidade do Colorado, nos Estados Unidos, pediram a 350 executivos para avaliar decisões favoráveis à diversidade no escritório.
Quando homens brancos se preocupavam com isso viravam gênios admirados. Mas se a iniciativa partia de mulheres ou homens não brancos, aí a avaliação mudava, passavam a ser julgados como menos competentes – punidas e esquecidas, como os técnicos e jogadores negros vítimas de racismo.
Em datas comemorativas, os comandantes do futebol preparam faixas e bandeiras para derrubar preconceitos em campo. Fim do dia, página virada. E os negros voltam a receber insultos e dispensados de cargos de liderança.
“O homem deveria ter as oportunidades pela sua competência, independentemente da sua cor. Ninguém é melhor do que ninguém pela cor, não é? Espero que um dia isso passe para que possamos ter negros, brancos, índios, pobres, ricos, ou seja, a sociedade de uma forma geral vivendo em paz com as mesmas oportunidades. Porque, de certa forma, a gente vive em paz, tendo o branco as melhores condições e oportunidades. O negro, não…”, afirma Lula Pereira.
b) Na opinião do jornalista Breiler Pires, o Brasil perdeu muitas oportunidades em discutir racismo no esporte. Supondo que você, Psicólogo(a) do esporte, tenha a oportunidade de contribuir para a mudança desse cenário com uma palestra, escolha um tema e os objetivos para a sua suposta fala:
Racismo no Brasil: todo mundo sabe que existe, mas ninguém acha que é racista.
Tanto no Brasil como nos EUA, a violência racial é um tema que tem sido debatido historicamente pelos movimentos negros, mas nos EUA, o que tem acontecido nos últimos tempos — as manifestações, as reações em relação ao assassinato do George Floyd — pelo que acompanhei, só teve uma manifestação dessa magnitude na época do movimento dos direitos civis, mas isso não quer dizer que as pessoas não estivessem se manifestando.
No Brasil, às vezes a gente faz umas comparações 'ah, mas nos Estados Unidos as pessoas estão nas ruas e no Brasil, não', como se no Brasil a gente não tivesse uma série de lutas e resistências contra esse sistema de opressão. Não podemos reduzir resistência somente a manifestações.
Claro queas manifestações são fundamentais: é importante ir às ruas, denunciar o que está acontecendo, mas às vezes a gente limita isso à questão das manifestações e muitas vezes no Brasil as pessoas apoiam o que está acontecendo lá sem enxergar a realidade do que está acontecendo no Brasil. Esse é um dos pontos mais críticos pra mim, de ver pessoas se manifestando nas redes sociais, muito indignadas, sendo que Brasil é um dos países que mais mata, tem uma das polícias mais violentas.
Claro que o que acontece lá tem que gerar nossa indignação, mas eu fico refletindo sobre o racismo à brasileira, que a gente tem muito mais uma tendência de olhar pra fora e não olhar pra nossa própria realidade, a não enxergar o que acontece no Brasil.
Sinto um cinismo por parte de muitas pessoas que quando a gente convoca atos no Brasil essas pessoas não vão ou naturalizaram esses assassinatos e depois elas ficam muito chocadas ou muito surpresas com o que acontece nos EUA sem enxergar nossa realidade aqui.
É importantíssimo a gente refletir, parar de naturalizar aqui no Brasil esses assassinatos de jovens negros no Brasil — a cada 23 minutos um jovem negro é assassinado no Brasil. E o quanto a gente precisa pensar esses desafios aqui dentro do nosso país, sobretudo num momento de muita repressão aos movimentos sociais, num momento de corte de políticas públicas para populações negras.
Acho extremamente importante o que acontece nos Estados Unidos, mas chamo atenção para que as pessoas tenham mais consciência sobre o que se passa aqui no Brasil, na nossa realidade, que as pessoas negras historicamente vêm denunciando, mas que infelizmente as pessoas parece que não enxergam quão grave é esse problema ético que temos no país, de assassinato de pessoas negras.
 Historicamente, desde o período da escravidão, os próprios quilombos, que foram organizações políticas de resistência e enfrentamento à escravidão, o Quilombo dos Palmares teve mais de cem anos de existência incomodando a Coroa Portuguesa. As próprias revoltas, como Balaiada e dos Malês, diversas revoltas indígenas.
No Brasil, a gente às vezes é privado da nossa própria história de resistência. O que nos contam é que os negros foram escravizados e ponto, não falam que existiram resistências. É muito importante saber que os quilombos foram organizações políticas de resistência e até hoje temos comunidades descendentes de quilombos, os quilombolas, ainda lutando para ter direito à titulação das suas terras.
A gente tem movimento negro, frente negra brasileira, movimento negro que lutou por ações afirmativas quando foram adotadas no Brasil - a primeira universidade a adotar cotas foi UERJ em 2001, a segunda foi a UnB em 2004 e depois teve a lei federal de cotas em 2012. Essas conquistas são reivindicações históricas dos movimentos negros.
A própria questão de hoje ter aumentando o número de pessoas que se declaram negras no Brasil é luta dos movimentos negros. A gente vive num país que foi fundado sob esse mito da democracia racial, de que aqui não existiria racismo e quanto isso dificultou a construção de uma identidade negra, o fato de a gente não ter acesso aos nossos ancestrais, no sentido de que documentos referentes à escravidão foram destruídos, então eu não sei, por exemplo, se meus ancestrais vieram da Nigéria ou de Guiné Bissau. Isso gera um abismo, uma lacuna na construção da nossa identidade. O descendente de italiano sabe de onde o tataravô veio, a cidade na Itália. A gente não sabe.
Essas construções todas — e não foram a toa, são deliberadas —, essa ideia de que no Brasil somos todos mestiços, de que não tem como saber quem é negro, mas na hora de discriminar todo mundo sabe quem é, dificultou uma construção de identidade negra e os movimentos negros vêm denunciando isso, e isso também é forma de resistência.
E vieram conscientizando a população negra a respeito da nossa ancestralidade. As próprias religiões de matriz africana no Brasil, historicamente criminalizadas. Houve época em que as pessoas negras não podiam cultuar seus orixás — e aí vem o sincretismo, que muitas pessoas veem como negativo, mas pelo sincretismo conseguiram continuar cultuando seus orixás.
Se hoje ainda existem terreiros das diversas denominações de religiões de matriz africana, isso é uma prova de resistência também. É importante a gente visibilizar isso pra gente não resvalar nessa visão de que não existe luta. Se a gente olhar quantos líderes quilombolas foram assassinados nos últimos anos, lutando pelo direito à terra, quantos líderes indígenas, em regiões do Brasil que muitas vezes a gente não noticia porque não é Sudeste, não é Sul.
Então, existem várias formas de resistência, de lutas políticas de diversas organizações do movimento negro, que é importante ressaltar: se estamos ainda hoje no Brasil e somos maioria, é porque o povo negro vem resistindo, mesmo com tantas ações que visam o extermínio desse povo.

Continue navegando

Outros materiais