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CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI INTRODUÇÃO À FILOSOFIA GUARULHOS - SP SUMÁRIO 1 O ESTUDO DA FILOSOFIA ................................................................................................................... 3 2 A FILOSOFIA............................................................................................................................................ 4 2.1 O que é Filosofia ............................................................................................................................ 5 2.2 Surgimento da Filosofia .................................................................................................................. 7 2.3 A Filosofia para alguns filósofos .................................................................................................. 10 3 HISTÓRIA DA FILOSOFIA ................................................................................................................... 19 3.1 A Filosofia Antiga ......................................................................................................................... 25 3.2 As principais características da Filosofia ..................................................................................... 27 3.3 A importância de ensinar Filosofia ............................................................................................... 29 3.4 Questões de estudo da Filosofia .................................................................................................. 34 3.5 Empirismo..................................................................................................................................... 37 3.6 Ceticismo ...................................................................................................................................... 39 3.7 Liberalismo ................................................................................................................................... 41 3.8 Dialética ........................................................................................................................................ 43 3.9 Modernidade: Descartes e Hume ................................................................................................ 49 3.10 Transcendental: Kant ................................................................................................................... 52 3.11 Fase Contemporânea: Quine, Popper, Kuhn, Feyerabend ......................................................... 55 3.12 Contexto Histórico ........................................................................................................................ 61 3.13 Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino ................................................................................ 62 3.14 Nietzsche ...................................................................................................................................... 64 4 PRÉ-SOCRÁTICOS ............................................................................................................................. 65 4.1 Filosofia pré-socráticas ................................................................................................................ 67 4.2 Aristóteles ..................................................................................................................................... 69 4.3 Jean Jacques Rousseau .............................................................................................................. 71 4.4 Sofistas ......................................................................................................................................... 73 5 FILOSOFIA NO CÍRCULO DE VIENA ................................................................................................. 75 5.1 Início da Filosofia Contemporânea .............................................................................................. 78 6 FILOSOFIA NO BRASIL ...................................................................................................................... 79 6.1 História da Filosofia no Brasil ....................................................................................................... 82 7 FILOSOFIA POLÍTICA ......................................................................................................................... 83 8 NÃO SE ENSINA FILOSIFA, MAS A FILOSOFAR.............................................................................. 86 8.1 O pensamento crítico ................................................................................................................... 89 9 BIBLIOGRAFIA BÁSICA ...................................................................................................................... 92 3 1 O ESTUDO DA FILOSOFIA Fonte: slideplayer.com.br "A Filosofia contribui para o estudo da Ética e Moral, demanda social negligenciada na formação do cidadão brasileiro" - Arthur Meucci. Desde 2006, Filosofia é disciplina obrigatória no Ensino Médio brasileiro. Para muitos, perda de tempo, pois exige maturidade intelectual que a maioria dos alunos não tem. Mas há defensores fervorosos de sua inclusão no currículo, caso do filósofo e psicanalista Arthur Meucci. "É a única disciplina da grade escolar que faz a ponte entre o português, a sociologia, a história e a matemática, além de contribuir para o estudo da Ética e Moral, demanda social negligenciada na formação do cidadão brasileiro", destaca. 4 2 A FILOSOFIA A filosofia não é um conjunto de conhecimentos prontos, um sistema acabado, fechado em si mesmo. A filosofia é uma maneira de pensar e é também uma postura diante do mundo. Antes de mais nada, ela é uma forma de observar a realidade que procura pensar os acontecimentos além da sua aparência imediata. Ela pode se voltar para qualquer objeto: pode pensar sobre a ciência, seus valores e seus métodos; pode pensar sobre a religião, a arte; o seu cotidiano, o próprio homem em sua cultura e imagem. A filosofia em síntese não é tão somente uma interpretação do já vivido, daquilo que você possa estar objetivando, mais também a interpretação das aspirações e desejos do que ainda está por vir e do que está para chegar. Para iniciar o exercício de filosofa, a primeira coisa a fazer é admitir que vivemos e vivenciamos valores e que é preciso saber quais são eles. Filosofia é inventariar os valores que explicam e orientam nossa vida e a vida da sociedade, e que dimensionam as finalidades da prática humana. O segundo momento é o momento da crítica que é um modo de penetrar dentro desses valores, descobrindo -lhe a sua existência. A filosofia e educação estão vinculadas no tempo e no espaço. A pedagogia inclui mais elementos do que o pressuposto filosófico da educação, tais como os processos socioculturais, a concepção psicológica do educando e a forma do processo educacional. Para que possamos compreender ainda mais essa filosofia e como ela é parte de uma educação inteiramente possuída pela realidade e construção cultural, segundo o filósofo e educador Demerval Saviani, a reflexão filosófica deve possuir as seguintes características: 5 2.1 O que é Filosofia Fonte: www.i.ytimg.com 6 A pergunta pelo que é a Filosofia é, em si, uma investigação filosófica cujas tentativas de resposta ocorrem desde Pitágoras, que cunhou o termo. O que é isto: a Filosofia? Se essa pergunta continua a ser feita é porque é um desafio a tentativa de respondê-la. Não há uma definição simples que consiga resolver a questão, pela própria extensão do conteúdo produzido que se convencionou chamar de “filosofia” e pelas diferentes respostas que os filósofos deram a elano decorrer da história, muitas vezes refutando as interpretações de outros. Ou seja, a própria questão “O que é Filosofia” é aquilo que chamamos de “problema filosófico”: problemas que só podem ser resolvidos por meio da investigação racional, pois não podem ser constatados por meio de uma experimentação, como faz a Matemática, através de cálculos, ou de análise de documentos, como faz a História, por exemplo. Vamos tomar a palavra “Justiça” como exemplo, pelo método histórico, nós podemos fazer uma investigação de quando essa noção aparece, em qual contexto, quais foram seus antecedentes, qual o sentido essa palavra teve em determinada época. Se dois sócios querem dividir os lucros da empresa de forma justa, ou seja, dividindo igualmente o lucro e os custos, a Matemática pode nos ajudar a partir de cálculos. No entanto, se tentarmos responder “O que é a justiça?” ou: “Faz parte da condição humana a noção de justiça?”, o único recurso que teremos será a nossa razão, a nossa capacidade de pensar. Desde a invenção da palavra “filosofia”, por Pitágoras, temos diversos problemas filosóficos e diversas respostas a cada um deles. Para os pré-socráticos: a physis; para a Filosofia Antiga: a atividade política, técnicas e ética do homem; para a Filosofia Medieval, o conflito entre fé e razão, os Universais, a existência de Deus, a conciliação entre Presciência divina e Livre-arbítrio; para a Filosofia Moderna, o empirismo e o racionalismo, para a Filosofia Contemporânea,diversos problemas a respeito da existência, da linguagem, da arte, da ciência, entre outros. Temos também uma diversidade de formas literárias da filosofia: Parmênides escreveu em forma de poema; Platão escreveu diálogos; Epicuro escreveu cartas; Tomás de Aquinodesenvolveu o método “questio disputatio” em suas aulas que foram transcritas por seus alunos;Nietzsche escreveu em forma de aforismos. Por esses exemplos, que não esgotam a pluralidade da escrita e da atividade filosófica, podemos 7 compreender que as formas de se fazer filosofia vão muito além dos tratados e das dissertações. A compreensão que temos por vezes da Filosofia como uma atividade reservada a gênios e que, portanto, não precisa se preocupar em se fazer entendida aos demais humanos é baseada em uma compreensão da atividade do pensamento sendo superior à atividade da linguagem, como se elas estivessem dissociadas. Ora, não podemos ainda, por mais desenvolvidas que estejam as nossas tecnologias, expressar o pensamento sem linguagem e nem exercitar a linguagem sem que ela seja, antes, elaborada pelo pensamento. 2.2 Surgimento da Filosofia : Fonte: image.slidesharecdn.com 8 Como qualquer outra proposta educativa, a EAD tem diferentes perspectivas de opção filosófica, onde princípios e valores estão postos. Entre a individualização extremada e a massificação determinada pela padronização dos comportamentos, coloca-se uma terceira possibilidade, que se estabelece pela individualização voltada para a integração e cooperação social (KRAMER, 1999, p.34). A Filosofia, como conhecemos hoje, ou seja, no sentido de um conhecimento racional e sistemático, foi uma atividade que, segundo se defende na história da filosofia, iniciou na Grécia Antiga formada por um conjunto de cidades-Estado (pólis) independentes. Isso significa que a sociedade grega reunia características favoráveis a essa forma de expressão pautada por uma investigação racional. Essas características eram: poesia, religião e condições sociopolíticas. A partir do século VII a.C., os homens e as mulheres não se satisfazem mais com uma explicação mítica da realidade. O pensamento mítico explica a realidade a partir de uma realidade exterior, de ordem sobrenatural, que governa a natureza. O mito não necessita de explicação racional e, por isso, está associado à aceitação dos indivíduos e não há espaço para questionamentos ou críticas. É em Mileto, situado na Jônia (atual Turquia), no século VI a.C. que nasce Tales que, para a Aristóteles é o iniciador do pensamento filosófico que se distingue do mito. No entanto, o pensamento mítico, embora sem a função de explicar a realidade, ainda ecoa em obras filosóficas, como as de Platão, dos neoplatônicos e dos pitagóricos. A autoria da palavra “filosofia” foi atribuída pela tradição a Pitágoras. As duas principais fontes sobre isso são Cícero e Diógenes Laércio. Vejamos o que escreve Cícero: “O doutíssimo discípulo de Platão, Heráclides Pontico, narra que levaram a Fliunte alguém que discorreu douta e extensamente com Leonte, príncipe dos fliúncios. Como seu engenho e eloquência tivessem sido apreciados por Leonte, este lhe perguntou que arte professasse, ao que ele respondeu que não conhecia nenhuma arte especial, mas que era filósofo. Admirado Leonte diante da novidade daquele termo, perguntou que tipo de pessoas eram os filósofos e o que os distinguia dos outros homens. 9 (...) [Pitágoras respondeu] Outrossim, os homens (…) comparam-se com os que vão da cidade a uma festa popular: alguns vão em busca de glória enquanto outros de ganho, restando, todavia, alguns poucos que desconsiderando completamente as outras atividades, investigam com afinco a natureza das coisas: estes se dizem investigadores da sabedoria - quer dizer filósofos - e como é bem mais nobre ser espectador desinteressado, também na vida a investigação e o conhecimento da natureza das coisas estão acima de qualquer outra atividade”. Percebe-se que por meio desse fragmento de Cícero que: 1) A fonte na qual ele se baseia para escrever sobre Pitágoras é Heráclides Pontico, discípulo de Platão, mas que era também influenciado pelos pitagóricos. No entanto, não se sabe da veracidade a respeito dessa informação, como nota Ferrater Mora que também observa que não é possível saber se “filósofo” para Pitágoras significa o mesmo que significaria para Platão ou Aristóteles. 2) Pitágoras em vez de se denominar como “sábio”, prefere se denominar “filósofo”, ou seja, aquele que tem amor pela sabedoria. Também percebemos que aparece nome “filósofo” e não “Filosofia” que, como atividade, tem origem posterior. Como se pode ver no fragmento, não havia na época uma “arte especial”. 10 2.3 A Filosofia para alguns filósofos Fonte: 1.bp.blogspot.co Aristóteles (384 a.C. - 322 a.C.): “A admiração sempre foi, antes como agora, a causa pela qual os homens começaram a filosofar: a princípio, surpreendiam-se com as dificuldades mais comuns; depois, avançando passo a passo, tentavam explicar fenômenos maiores, como, por exemplo, as fases da lua, o curso do sol e dos astros e, finalmente, a formação do universo. Procurar uma explicação e admirar-se é reconhecer- se ignorante." Epicuro (341 a . C. - 270 a . C.): "Nunca se protele o filosofar quando se é jovem, nem o canse fazê-lo quando se é velho, pois que ninguém é jamais pouco maduro nem demasiado maduro para conquistar a saúde da alma. E quem diz que a hora de filosofar ainda não chegou ou já passou assemelha-se ao que diz que ainda não chegou ou já passou a hora de ser feliz." Edmund Husserl (1859-1938): "O que pretendo sob o título de filosofia, como fim e campo de minhas elaborações, sei-o naturalmente. E contudo não o sei... Qual o pensador para quem, na sua vida de filósofo, a filosofia deixou de ser um enigma?" Friedrich Nietzsche (1844-1900): “Um filósofo: é um homem que experimenta, vê, ouve, suspeita, espera e sonha constantemente coisas extraordinárias; que é atingido pelos próprios pensamentos como se eles viessem de fora, de cima e de baixo, como por uma espécie de acontecimentos e de faíscas de que só ele pode ser alvo; que é talvez, ele próprio, uma trovoada prenhe de relâmpagos novos; um homem fatal, em torno do 11 qual sempre tomba e rola e rebenta e se passam coisas inquietantes”. (Para alémdo bem e do mal, p. 207) Kant (1724-1804): “Não se ensina filosofia, ensina-se a filosofar”. Ludwig Wittgenstein (1889-1951): "Qual o seu objetivo em filosofia? - Mostrar à mosca a saída do vidro." Maurice Merleau-Ponty (1908-1961): "A verdadeira filosofia é reaprender a ver o mundo." Gilles Deleuze (1925-1996) e Félix Guattari (1930-1993): "A filosofia é a arte de formar, de inventar, de fabricar conceitos... O filósofo é o amigo do conceito, ele é conceito em potência... Criar conceitos sempre novos é o objeto da filosofia." Karl Jaspers (1883-1969): “As perguntas em filosofia são mais essenciais que as respostas e cada resposta transforma-se numa nova pergunta” (Introdução ao pensamento filosófico, p. 140). García Morente (1886-1942): “Para abordar a filosofia, para entrar no território da filosofia, é absolutamente indispensável uma primeira disposição de ânimo. É absolutamente indispensável que o aspirante a filósofo sinta a necessidade de levar seu estudo com uma disposição infantil. (…) Aquele para quem tudo resulta muito natural, para quem tudo resulta muito fácil de entender, para quem tudo resulta muito óbvio, nunca poderá ser filósofo”. (Fundamentos de filosofia, p. 33-34). NASCIMENTO DA FILOSOFIA Fonte: alunosonline.uol.com.br 12 Os historiadores da Filosofia situam o seu nascimento no final do século VII e início do século VI antes de Cristo, nas colônias gregas da Ásia Menor, na cidade de Mileto. E aquele a quem primeiro atribuiu-se esse título foi Tales de Mileto. Em seu nascimento a filosofia caracteriza-se como uma cosmologia. A palavra cosmologia é composta de duas outras: cosmos, que significa mundo ordenado e organizado, e logia, que vem da palavra logos, que significa pensamento racional, discurso racional, conhecimento. Assim, a Filosofia nasce como conhecimento racional da ordem do mundo ou da Natureza, de onde: cosmologia. Ainda dentro deste contexto podemos dizer que a Filosofia nasceu realizando uma transformação gradual sobre os mitos gregos, embora alguns autores defendam uma ruptura radical com os mitos. [...] o advento da filosofia, na Grécia, marca o declínio do pensamento mítico e o começo de um saber de tipo racional [...] homens como Tales, Anaximandro, Anaxímenes inauguram um novo modelo de reflexão concernente à natureza [...] da origem do mundo, de sua composição, de sua ordem, dos fenômenos metereológicos, propõem explicações livres de toda a imaginária dramática das teogonias e cosmogonias antigas (VERNANT, 2006, p. 109). O que é um mito? Um mito é uma narrativa sobre a origem de algo, como a origem dos deuses, dos astros, da Terra, dos homens, da água, do bem e do mal etc. e se opõe ao logos que é um tipo de raciocínio que “[...] procura convencer, acarretando no ouvinte a necessidade de julgar” (BRANDÃO, 1986, p. 13). A palavra mito vem do grego, mythos, e deriva de dois verbos: do verbo mytheyo (contar, narrar, falar alguma coisa para outros) e do verbo mytheo (conversar, contar, anunciar, nomear, designar). Para os gregos, mito é um discurso diferente do logos pois é pronunciado ou proferido para ouvintes que recebem como verdadeira a narrativa, porque confiam naquele que narra: “Acredita-se nele ou não, à vontade, por um ato de fé, se o mesmo parece "belo" ou verossímil, ou simplesmente porque se deseja dar-lhe crédito” (BRANDÃO, 1986, p. 14). As narrativas míticas gregas nos foram relatadas sobretudo por Homero e Hesíodo, o primeiro, segundo a tradição, é autor de a Ilíada e a Odisséia, enquanto que o segundo é autor de Teogonia e Os trabalhos e os dias. 13 Quem narra o mito? O poeta-rapsodo. Quem é ele? Por que tem autoridade? Acredita-se que o poeta é um escolhido dos deuses, que lhes mostram os acontecimentos passados e permitem que ele veja a origem de todos os seres e de todas as coisas para que possa transmiti-la aos ouvintes. Sua palavra - o mito - é sagrada porque vem de uma revelação divina. O mito é, pois, incontestável e inquestionável. Como exemplo dessas narrativas temos o titã Prometeu, que roubou uma centelha de fogo e a trouxe de presente para os humanos. Prometeu foi castigado (amarrado num rochedo para que as aves de rapina, eternamente, devorassem seu fígado) e os homens também. Qual foi o castigo dos homens? Os deuses fizeram uma mulher encantadora, Pandora, a quem foi entregue uma caixa que conteria coisas maravilhosas, mas nunca deveria ser aberta. Pandora foi enviada aos humanos e, cheia de curiosidade e querendo dar a eles as maravilhas, abriu a caixa. Dela saíram todas as desgraças, doenças, pestes, guerras e, sobretudo, a morte. Explica-se, assim, a origem dos males no mundo. Fonte: conscienciapolitica.webnode.pt Já foi há muito tempo observado que o antecedente da cosmologia filosófica é constituído pelas teogonias e cosmogonias mítico-poéticas, das quais é muito rica a literatura grega, e cujo protótipo paradigmático é a Teogonia de Hesíodo, a qual, explorando o patrimônio da precedente tradição mitológica, traça uma imponente síntese 14 de todo o material, reelaborando-o e sistematizando-o organicamente. A Teogonia de Hesíodo narra o nascimento de todos os deuses; e, dado que alguns deuses coincidem com partes do universo e com fenômenos do cosmo, além de teogonia ela se torna também cosmogonia, ou seja, explicação da gênese do universo e dos fenômenos cósmicos. Hesíodo imagina ter tido, aos pés do Hélicon, na Beócia, uma visão das Musas, e ter recebido delas a revelação da verdade. Em primeiro lugar, diz ele, gerou-se o Caos, em seguida gerou-se Gaia (a Terra), em cujo seio amplo estão todas as coisas, e das profundidades da Terra gerou-se o Tártaro escuro, e, por fim, Eros (o Amor) que, depois, deu origem a todas as outras coisas. Do Caos nasceram Erebo e Noite, dos quais se geraram o Eter (o Céu superior) e Emera (o Dia). E da Terra sozinha se geraram Urano (o Céu estrelado), assim como o mar e os montes; depois, juntando-se com o Céu, a Terra gerou Oceano e os rios (cf. REALE, G. História da Filosofia, vol. I.) Fonte: conscienciapolitica.webnode.pt O mito narra, assim, a origem das coisas por meio de lutas, alianças e relações entre forças sobrenaturais que governam o mundo e o destino dos homens. Como os mitos sobre a origem do mundo são genealogias, diz-se que são cosmogonias e teogonias. 15 Considera-se, portanto, que a Filosofia, percebendo as contradições e limitações dos mitos, foi reformulando e racionalizando as narrativas míticas, transformando-as numa outra coisa, numa explicação inteiramente nova e diferente. O pensamento filosófico em seu nascimento tinha como traços principais: tendência à racionalidade: a razão é o critério de explicação da realidade; a Natureza opera obedecendo leis e princípios racionais e, portanto, pode ser conhecida pelo nosso pensamento e pela nossa razão; o Cosmo, entendido como ordem, é uma ordem racional; é a racionalidade deste mundo que o torna compreensível ao entendimento humano; daí, Cosmologia. A Filosofia, entendida como aspiração ao conhecimento racional, lógico e sistemático da realidade natural e humana, da origem e causas do mundo e de suas transformações, da origem e causas das ações humanas e do próprio pensamento, é um fato tipicamente grego. Evidentemente, isso não quer dizer, de modo algum, que outros povos, tão antigos quanto os gregos, como os chineses, os hindus, os japoneses, os árabes, os persas, os hebreus, os africanos ou os índios da América não possuam sabedoria, pois possuíam e possuem. Também não quer dizer que todos esses povos não tivessem desenvolvido o pensamento e formas de conhecimento da Natureza e dos seres humanos, pois desenvolveram e desenvolvem. Fonte: conscienciapolitica.webnode.pt 16 Quando se diz que a Filosofia é um fato grego, o que se quer dizeré que ela possui certas características, apresenta certas formas de pensar e de exprimir o pensamento, estabelece certas concepções sobre o que sejam a realidade, o pensamento, a ação, as técnicas, que são completamente diferentes das características desenvolvidas por outros povos e outras culturas. Em outras palavras, Filosofia é um modo de pensar e exprimir o pensamento que surgiu especificamente com os gregos e que, por razões históricas e políticas, tornou-se, depois, o modo de pensar e de se exprimir predominante da chamada cultura europeia ocidental da qual, em decorrência da colonização portuguesa do Brasil, nós também participamos. Através da Filosofia, os gregos instituíram para o Ocidente europeu as bases e os princípios fundamentais do que chamamos razão, racionalidade, ciência, ética, política, técnica, arte. Portanto, a Filosofia surge quando alguns pensadores gregos, admirados e espantados com a realidade, insatisfeitos com as explicações que a tradição lhes dera, começaram a fazer perguntas e buscar respostas para elas, demonstrando que o mundo e os seres humanos, os acontecimentos e as coisas da Natureza, os acontecimentos e as ações humanas podem ser conhecidos pela razão humana, e que a própria razão é capaz de conhecer-se a si mesma. A filosofia, enfim: [...] vai encontrar-se, pois, ao nascer, numa posição ambígua: em seus métodos, em sua inspiração, aparentar-se-á ao mesmo tempo às iniciações dos mistérios e às controvérsias da ágora; flutuará entre o espírito de segredo próprio das sei- tas e a publicidade do debate contraditório que caracterizava a atividade política [...] O filósofo não deixará de oscilar entre duas atitudes, de hesitar entre duas tentações contrárias. Ora afirmará ser o único qualificado para dirigir o Estado, e, tomando orgulhosamente a posição do rei-divino, pretenderá, em nome desse ‘saber’ que o eleva acima dos homens, reformar toda a vida social e ordenar soberanamente a cidade. Ora ele se retirará do mundo para recolher-se numa sabedoria puramente privada; agrupando em torno de si alguns discípulos, dese- jará com eles instaurar, na cidade, uma cidade diferente, à margem da primeira e, renunciando à vida pública, buscará sua salvação no conhecimento e na con- templação” (VERNANT, 2006, p. 64) Mas a cosmologia não é a única característica principal da filosofia grega. Se num primeiro momento a filosofia surge como compreensão racional do cosmos, não é menos exato dizer que com a emergência da polis grega (as cidades-Estado), a filosofia irá 17 mudar a sua ênfase de pesquisa, no sentido de que a problemática agora será o próprio homem, enquanto ser individual, ético e cidadão da polis. Nesse momento, diz Jean Pierre Vernant, a Grécia está centralizada na ágora, espaço comum, espaço público, onde são debatidos os problemas de interesse geral. “Esse quadro urbano define efetivamente um espaço mental; descobre um novo horizonte espiritual. Desde que se centraliza na praça pública, a cidade já é, no sentido pleno do termo, uma polis” (2006, p. 51) E mais adiante: O aparecimento da polis constitui, na história do pensamento grego, um acontecimento decisivo. Certamente, no plano intelectual como no domínio das instituições, só no fim alcançará todas as suas consequências; a polis conhecerá etapas múltiplas e formas variadas. Entretanto, desde seu advento, que se pode situar entre os séculos VIII e VII, marca um começo, uma verdadeira invenção; por ela, a vida social e as relações entre os homens tomam uma forma nova, cuja originalidade será plenamente sentida pelos gregos (id., ibidem, p. 53). Nesse novo contexto, Sócrates e os Sofistas inauguram um novo momento na filosofia grega. O pensamento de Sócrates é um marco na constituição da tradição filosófica ocidental. E pode-se dizer que inaugura a filosofia clássica dando maior ênfase a problemática ético-política e existencial, ao invés de uma maior preocupação centrada sobre a realidade natural, tal como encontramos nos filósofos pré-socráticos do período cosmológico. Essa mesma denominação, “pré-socráticos”, já reflete a importância da filosofia de Sócrates como um divisor de águas. Neste período da filosofia grega (séc. V e IV a.C.), o interesse dos filósofos gira não tanto em torno da natureza, como nos pré- socráticos, mas em torno do homem e do espírito; da cosmologia passa-se para a antropologia, a política e a moral. Daí ser dado a esse segundo período do pensamento grego também o nome de antropológico, pela importância e o lugar central destinado ao homem e ao espírito no sistema do mundo, até então limitado à natureza exterior. Por outro lado, os Sofistas, contemporâneos de Sócrates, embora com visões diferentes, compartilham o interesse pela problemática ético-política, pela questão do homem enquanto cidadão da polis, que passa a se organizar politicamente no sistema que conhecemos como democracia. https://www.sabedoriapolitica.com.br/filosofia-politica/filosofia-antiga/socrates/ https://www.sabedoriapolitica.com.br/filosofia-politica/filosofia-antiga/socrates/ https://www.sabedoriapolitica.com.br/filosofia-politica/filosofia-antiga/socrates/ https://www.sabedoriapolitica.com.br/filosofia-politica/filosofia-antiga/socrates/ 18 Os Sofistas surgem no contexto da democracia grega e do apogeu das cidades-estados, onde as deliberações serão tomadas em reunião de cidadãos: as assembleias. Tais decisões devem ser tomadas por consenso, o que significa explicar, justificar, discutir, convencer, persuadir, além disso, o uso da linguagem, o modo de falar, do discurso, deve ser racional. Na medida em que a palavra passa a ser livre, ela se torna instrumento através do qual os indivíduos podem defender seus interesses, seus direitos e suas propostas. “O filósofo é alguém que usa a palavra. Então, o indivíduo que não se interessa pela palavra, que a utiliza de um modo apenas pragmático, do tipo ‘me passe o sal’, que se pode fazer com ele?” (CHÂTELET, 1994, p. 29). Surge a arte do discurso, a retórica e a oratória, e os Sofistas são, precisamente, os mestres de retórica e oratória. “O que implica o sistema da polis é primeiramente uma extraordinária preeminência da palavra sobre todos os outros instrumentos de poder. Torna-se o instrumento político por excelência, a chave de toda autoridade no Estado, o meio de comento e de domínio sobre outrem” (VERNANT, 2006, p. 53). E mais adiante: “Doravante, a discussão, a argumentação, a polêmica tornam-se as regras do jogo intelectual, assim como do jogo político” (id., ibidem, p. 56). Na democracia ateniense, a função pública dos oradores torna-se fundamental e a palavra um instrumento utilizado não mais apenas por pensadores, mas também por políticos. É necessário preparar os indivíduos para a vida pública, torná-los capacitados para a virtude (aretê) política e para tal, é preciso adestrá- los na arte da persuasão através da palavra. “Na democracia, a palavra vai impor-se, e quem dominar a palavra dominará a cidade” (CHÂTELET, 1994, p. 16). Nesse período o pensamento filosófico terá como traços principais: As práticas humanas, a moral, a política, dependem da vontade livre e da escolha racional segundo valores estabelecidos pelos próprios seres humanos e não por imposição divina ou sobrenatural; A ideia de lei como expressão da vontade humana ordenada pela razão; “A lei da polis [...] já não se impõe pela força de um prestígio pessoal ou religioso; devem mostrar sua retidão por processos de ordem dialética [do diálogo, em sentido am- plo]” (VERNANT, 2006, p. 56), e, mesmo que ainda concebida como sagrada, a lei se torna uma ordem racional, sujeita à discussão e modificável por decreto 19 O discurso político – a vida política grega –, ao valorizar o pensamento racional, cria condições para valorizar o discurso filosófico, enquantoarte retórica, oratória e objeto de debate público – um combate de argumentos cuja arena é a ágora, praça pública, lugar de reunião entre os cidadãos. 3 HISTÓRIA DA FILOSOFIA Fonte: encrypted-tbn0.gstatic.com Sob vários aspectos pode a história da filosofia suscitar interesse. Quem quiser descortinar o ponto central, deve buscá-lo no nexo essencial que liga os tempos aparentemente passados com o grau atualmente alcançado pela filosofia. Tal nexo não é um fato exterior suscetível de ser descurado na história desta ciência; exprime, pelo contrário, o caráter íntimo da filosofia; e as vicissitudes desta história, perpetuando-se nos seus efeitos, como qualquer outro acontecimento, são produtivas de maneira que lhes é peculiar: outra coisa não pretendemos senão ilustrar isto mesmo o mais claramente que nos seja possível. 20 A história da filosofia representa a série dos espíritos nobres, a galeria dos heróis da razão pensante, os quais, graças a essa razão, lograram penetrar na essência das coisas, da natureza e do espírito, na essência de Deus, conquistando assim com o próprio trabalho o mais precioso tesouro: o do conhecimento racional. Na história política, o indivíduo, na singularidade da sua índole, do seu gênio, das suas paixões, da energia ou da fraqueza de caráter, em suma, em tudo o que caracteriza a sua individualidade, é o sujeito das ações e dos acontecimentos. Na história da filosofia, estas ações e acontecimentos, ao que parece, não têm o cunho da personalidade nem do caráter individual; deste modo, as obras são tanto mais insignes quanto menos a responsabilidade e o mérito recaem no indivíduo singular, quanto mais este pensamento liberto de peculiaridade individual é, ele próprio, o sujeito criador. Primeiramente, estes atos do pensamento, enquanto pertencentes à história, surgem como fatos do passado e para além da nossa existência real. Na realidade, porém, tudo o que somos, somo-lo por obra da história; ou, para falar com maior exatidão, do mesmo modo que na história do pensamento o passado é apenas uma parte, assim no presente, o que possuímos de modo permanente está inseparavelmente ligado com o fato da nossa existência histórica. O patrimônio da razão autoconsciente que nos pertence não surgiu sem preparação, nem cresceu só do solo atual, mas é característica de tal patrimônio o ser herança e, mais propriamente, resultado do trabalho de todas as gerações precedentes do gênero humano. Como as artes da vida externa, o complexo de meios, de habilidades, de insti- tuições e de hábitos no convívio social e na vida política são o resultado da meditação e da invenção, das privações, ou de acidentes da sorte, da necessidade e da perícia, do querer e do poder da história na sua evolução até o presente atual. Se alguma coisa somos no domínio da ciência e da filosofia, devemo-lo à tradição, a qual, através do que é caduco, e por isso mesmo passado, forma, segundo a expressão de Herder, uma corrente sagrada que conserva e transmite tudo quanto o mundo produziu antes de nós. Mas esta tradição não é apenas uma ama que conserva fielmente o patrimônio recebido para o manter e transmitir invariável aos vindouros, como o curso da natureza que, através de infinitas variações e atividades de formas e funções, sempre se conserva fiel às suas leis originais sem progredir; não é estátua de pedra, mas é viva, e 21 continuamente se vai enriquecendo com novas contribuições, à maneira de rio que engrossa o caudal à medida que se afasta da nascente. O conteúdo desta tradição é formado por tudo quanto o mundo espiritual produziu, e o espírito universal nunca permanece estacionário. Ora, é do espírito universal que nos devemos ocupar aqui. É possível que em determinada nação se dê uma pausa na cultura, na arte, na ciência, nas capacidades intelectuaisem geral. Pareceter sido o que sucedeu com os chineses que, vai para dois mil anos, teriam estacionado no atual grau de desenvolvimento. Mas o espírito do mundo não pode cair neste repouso indiferente, como se deduz do simples conceito essencial do espírito, pois que o seu viver é o seu agir. Ora, a ação pressupõe uma matéria preexistente sobre a qual se exerça, não só a fim de a aumentar com o acréscimo de novos materiais, senão principalmente para a elevar e transformar. Deste modo, aquilo que todas as gerações produziram como ciência, como patrimônio espiritual, constitui uma herança acumulada pelo trabalho de todos os homens que nos precederam, um templo onde todas as gerações humanas, gratas e alegres, depuseram o que as ajudou a viver e o que elas conseguiram extrair da profundidade da natureza e do espírito. A recepção desta herança equivale ao exercício da posse dela. Ela forma a alma das sucessivas gerações, a sua substância espiritual e como que um hábito transmitido, os seus princípios, prejuízos e riquezas; e, ao mesmo tempo, tal herança degradou-se ao ponto de servir de matéria para ser transformada e elaborada pelo espírito. Desta maneira se vai modificando o patrimônio herdado, e simultaneamente se enriquece e conserva o material elaborado. É esta, precisamente, a posição e a função da nossa idade, como aliás de todas as idades: compreender a ciência existente, modelar por ela a nossa inteligência, e desse modo desenvolvê-la, elevá-la a um grau superior; no ato de a convertermos em propriedade nossa e individual, juntamos-lhe algo de que até então carecera. Desta característica da produção espiritual, que supõe um mundo espiritual preexistente e o transforma no ato de se apossar dele, segue-se que a nossa filosofia só pode existir enquanto ligada à precedente, da qual é necessário produto; e o curso da história mostra, não o devir de coisas a nós estranhas, mas sim o nosso devir, o devir do nosso saber. 22 Da natureza da relação que expusemos dependem as ideias e os problemas que podemos propor, relativos ao âmbito da história da filosofia. Compreender devidamente esta relação permite alcançar como pelo estudo da história desta ciência somos iniciados no conhecimento da própria ciência. As indicações que demos acerca do processo de tratar esta história são tomadas de tal relação, e a elucidação delas constitui uma das finalidades desta Introdução. Nesta altura, intervém o conceito do fim da filosofia, que deveria ser estabelecido como fundamento. Mas, visto não podermos fazer aqui uma exposição científica deste conceito, em vez de provar e fazer compreender a natureza do devir da filosofia, contentamo-nos com dar dele uma ideia preliminar. Este devir não é simplesmente um movimento passivo como imaginamos que seja o nascer do sol e da lua, movimento que se efetua sem contrariedade no espaço e no tempo. O que devemos representar ao espírito é a atividade do pensamento livre; devemos representar a história do mundo no pensamento, o processo do seu nascimento e produção. Segundo uma antiga opinião, a faculdade de pensar é o que separa os homens dos brutos. Aceitamo- la como verdadeira. O que o homem possui de mais nobre do que o animal, possui-o graças ao pensamento: tudo quanto é humano, de qualquer forma que se manifeste, é-o na medida em que o pensamento age ou agiu. Mas sendo o pensamento o essencial, o substancial, o efeitual, dirige-se a objetos muito variados; pelo que importa considerar como mais perfeito o pensamento voltado sobre si mesmo, ou seja, sobre o objeto mais nobre que pode buscar e encontrar. 23 Fonte: resumoescolar.com.br A história que nos propomos fazer é a história do pensamento que a si próprio se encontra; e por meio do pensamento acontece que ele se encontra na medida em que se produz; por isso só existe e é real na medida em que se encontra. As manifestações deste processo são as filosofias, e as séries das descobertas, de que o pensamento se vale para se descobrir, constituem o trabalhode dois mil e quinhentos anos. Se o pensamento, enquanto essencialmente pensamento, é em si e por si estante e eterno, e se o vero está contido só no pensamento — como é que este mundo intelectual consegue ter uma história? Na história apresenta-se o que é mutável, o que mergulha na noite do passado, o que já não existe; pelo contrário, o pensamento vero e necessário — e, aqui, só deste nos ocuparemos — não é suscetível de mudança. A questão, que surge aqui, é uma das primeiras sobre que deve incidir a nossa atenção. Em segundo lugar, apresentam-se à mente, além da filosofia, muitos outros objetos de importância, os quais, sejam embora produto do pensamento, ficam excluídos da nossa investigação, tais como a religião, a história política, as constituições dos Estados, as artes e as ciências. Ocorre perguntar: como distinguir estes produtos daqueles que formam o objeto do nosso estudo? Mais. Que relação medeia entre eles e a história? 24 Sobre estas duas questões precisamos dizer alguma coisa, o bastante para elucidar a maneira como entendemos tratar a história da filosofia. Além disso, em terceiro lugar, é oportuno, antes de baixar aos pormenores, abarcar num relance o conjunto, sob risco de deixar o todo pelos pormenores, a floresta pelas árvores, a filosofia pelas filosofias. O espírito exige a posse de uma representação geral do escopo e da finalidade do conjunto para saber a que deva consagrar-se. Do mesmo modo que se abarca num relance uma paisagem que se vai estreitando à medida que demoramos o olhar em cada uma das partes que a constituem, assim também o espírito deseja compreender a relação entre as filosofias particulares e a filosofia geral, porque o valor das partes singulares deriva principalmente da relação entre elas e o todo. Isto obtém-se, acima de tudo, por meio da filosofia e da história da filosofia. A necessidade desta visão de conjunto pode, com rigor, parecer menor para a história do que para uma ciência própria e verdadeira. De fato, à primeira vista, a história parece ser uma sucessão de fenômenos contingentes, isolados, e que só do tempo recebem o nexo que os prende. Todavia, já na história política não nos contentamos com esta maneira de ver: compreendemos, ou pelo menos pressentimos, uma conexão necessária que marca, a cada um dos fatos, a sua posição especial e a relação com uma finalidade, e com isso lhes marca também um significado. Tudo, na história, tem significado só pela sua relação com algum fato geral e em virtude da sua ligação com ele; descobrir este fato geral chama-se compreender o seu significado. Restam ainda os seguintes pontos que me proponho esclarecer nesta Introdução. Primeiramente, a que se destina a história da filosofia? Qual o seu significado, o seu conceito, o seu escopo? Da resposta a estas perguntas se deduzirá o modo de tratar o assunto. Resultará daí, como particularidade mais interessante, a relação entre a história da filosofia e a própria ciência da filosofia; ver-se-á que a história da filosofia não se limita a expor os fatos externos, os acontecimentos acidentais que formam o seu conteúdo, mas procura demonstrar como este mesmo conteúdo, embora pareça desenvolver-se historicamente, na realidade pertence à ciência da filosofia: a história da filosofia é, também ela, científica, e converte-se, pelo que lhe é essencial, em ciência da filosofia. Em segundo lugar, precisamos fixar com maior exatidão o conceito da filosofia, a fim de determinar, sobre a base de tal conceito, tudo quanto do infinito material e dos 25 múltiplos aspectos oferecidos pela cultura espiritual dos povos se deva excluir da história da filosofia. A religião e as ideias nela e acerca dela expressas, especialmente sob forma de mitologia, apresentam-se, pelo seu conteúdo, tão aparentadas com a filosofia, que os confins de uma e de outra se confundem. Outro tanto se pode afirmar das demais ciências: as ideias de cada uma delas sobre o Estado, sobre os deveres e sobre as leis, são tão parentes da filosofia pela forma, como a religião o é pela substância. Poder-se- ia supor que se deveriam tomar em consideração todas estas ideias na história da filosofia. Que coisa há que se não tenha chamado filosofia e filosofar? Por um lado, convirá considerar atentamente a íntima ligação da filosofia com as disciplinas afins, religião, arte, com as demais ciências, como também com a história política. Por outro lado, depois de bem delimitado o campo da filosofia, mediante a determinação do que é a filosofia e do que lhe pertence, teremos obtido um princípio para a sua história muito distinto dos inícios de ideias religiosas e de conjecturas mais ou menos ricas em ideias. Do conceito do âmbito e da finalidade, como resulta destes primeiros pontos de vista, importará passar à consideração de um terceiro ponto, isto é, ao exame geral e à divisão do curso da história da filosofia em momentos necessários. Esta divisão permitirá mostrar essa história como um todo orgânico em via de progresso, como um nexo racional. Só deste modo alcançará a dignidade de ciência. Não me demorarei noutras reflexões sobre a utilidade da história da filosofia e dos vários modos de a tratar: a utilidade é por si evidente. Por último, para me não afastar do costume tradicional, tratarei também das fontes da história da filosofia. 3.1 A Filosofia Antiga A Grécia (Hélade) nada mais foi do que um conjunto de cidades-Estados (Pólis) que se desenvolveram na Península Balcânica no sul da Europa. Por ser seu relevo montanhoso, permitiu que grupos de pessoas (Demos) fossem formados isoladamente no interior do qual cada Pólis desenvolveu sua autonomia. Constituída de uma porção de terras continental e outra de várias ilhas, bem como também em virtude da pouca fertilidade dos seus solos, a Grécia teve de desenvolver o comércio como principal atividade econômica. Assim, e aproveitando-se do seu litoral 26 bastante recortado e com portos naturais, desenvolveu também a navegação para expandir os negócios, bem como mais tarde sua influência política nas chamadas colônias. A sociedade grega era organizada segundo o modelo tradicional aristocrático, baseado nos mitos(narrativas fabulosas sobre a origem e ordem do universo), em que a filiação à terra natal (proprietários) determinava o poder (rei). Esse modo de estruturar a sociedade e pensar o mundo é comumente classificado como período Homérico (devido a Homero, poeta que narra o surgimento da Grécia a partir da guerra de Troia). Mas com o tempo, algumas contradições foram sendo percebidas e exigiram novas explicações. Surge, então, a Filosofia. Eis os principais fatores que contribuíram para o seu aparecimento: As viagens marítimas, pois o impulso expansionista obrigou os comerciantes a enfrentarem as lendas e daí constatarem a fantasia do discurso mítico, proporci- onando a desmitificação do mundo (como exemplo, os monstros que os poetas contavam existir em determinados lugares onde, visitados pelos navegadores, nada ali encontravam); A construção do calendário que permitiu a medição do tempo segundo as esta- ções do ano e da alternância entre dia e noite. Isso favoreceu a capacidade dos gregos de abstrair o tempo naturalmente e não como potência divina; O uso da moeda para as trocas comerciais que antes eram realizadas entre pro- dutos. Isso também favoreceu o pensamento abstrato, já que o valor agregado aos produtos dependia de uma certa análise sobre a valoração; A invenção do alfabeto e o uso da palavra é também um acontecimento peculiar. Numa sociedade acostumada à oralidade dos poetas, aos poucos cai em desuso o recurso às imagens para representar o real e surge, como substituto, a escrita alfabética/fonética, propiciando, como os itens acima, um maior poder de abstra- ção. A palavra não mais é usada como nos rituais esotéricos (fechados paraos inicia- dos nos mistérios sagrados e que desvendavam os oráculos dos deuses), nem 27 pelos poetas inspirados pelos deuses, mas na praça pública (Ágora), no confronto cotidiano entre os cidadãos; O crescimento urbano é também registrado em virtude de todo esse movimento, assim como o fomento das técnicas artesanais e o comércio interno, as artes e outros serviços, características típicas das cidades; A criação da Política que faz uso da palavra para as deliberações do povo (Demo) em cada Pólis (por isso, Democracia ou o governo do povo), bem como exige que sejam publicadas as leis para o conhecimento de todos, para que reflitam, criti- quem e a modifiquem segundo os seus interesses. As discussões em assembleias (que era onde o povo se reunia para votar) estimulava o pensamento crítico-reflexivo, a expressão da vontade coletiva e evidencia a capacidade do homem em se reconhecer capaz de vislumbrar a ordem e a organização do mundo a partir da sua própria racionalidade e não mais nas palavras mágico-religiosas baseadas na autoridade dos poeta inspirados. Com isso, foi possível, a partir da investigação sistemática, das contradições, da exigência de rigor lógico, surgir a Filosofia. 3.2 As principais características da Filosofia Fonte: image.slidesharecdn.com 28 A reflexão filosófica surge no século VI a. C., na Grécia, em contraposição à narrativa mítica. Um novo conceito de verdade sobre a realidade substitui, assim, o modelo baseado na tradição oral dos poetas, autoridades portadoras da vontade dos deuses. A Filosofia surge como espanto diante da possibilidade de estranhar o mundo e concebê-lo de forma racional. Esse espanto impulsiona a busca da compreensão do ser enquanto algo natural e capaz de ser apreendido pelo Lógos (razão, discurso, palavra) humano. Após esse primeiro passo, a Filosofia também nos aparece como admiração, isto é, a contemplação da verdade de modo absoluto e universal, válida para todos, independente de raça, nação, cultura, mito, etc. Assim, a Filosofia liberta o homem da insegurança e do temor proporcionados pelo Mito de que o destino dos homens era um joguete dos deuses. Para conhecer essa verdade, os filósofos se esforçaram para conhecer as causas e os princípios (arqué) de toda a realidade, descobrindo na multiplicidade de coisas e opiniões um princípio único. Vejamos quais são as principais características deste processo de compreensão: Tendência racional, em que somente a Razão é o critério de explicação sobre o mundo, segundo seus próprios princípios; Submissão dos problemas à análise, à crítica, à discussão, à demonstração, pro- curando oferecer respostas seguras e definitivas; O pensamento é a fonte do conhecimento e deve apresentar as regras de seu funcionamento para justificar suas bases lógicas (por exemplo: os princípios de Identidade, da Não Contradição e do Terceiro Excluído); Não aceitar as noções pré-concebidas, as opiniões já pré-estabelecidas, os pré- conceitos imediatos, mas investigar o real com o rigor exigido pelo pensamento e suas leis, não sendo passivo, mas sim ativo no processo do conhecer; Descobrir, a partir da análise das semelhanças e dessemelhanças entre as coi- sas, o princípio que promove a generalização, isto é, o que permite agrupar os vários casos particulares em uma classe geral de objetos. 29 Fonte: coladaweb.com 3.3 A importância de ensinar Filosofia Fonte: mundoeducacao.bol.uol.com.br Considerada indispensável ao currículo do Ensino Médio, a Filosofia e a Sociologia foram aprovadas, em julho de 2006, pela Câmara de Educação Básica do Conselho 30 Nacional de Educação (CNE), como disciplinas obrigatórias no currículo do Ensino Médio. Tal exigência se deu devido à percepção que educadores tiveram ao constatar os benefícios que a disciplina oferece aos alunos que trabalham com ela. A Filosofia em especial, leva o aluno à oportunidade de desenvolver um pensamento independente e crítico, ou seja, permite a ele experimentar um pensar individual. Sabe-se que cada disciplina apresenta suas próprias características, bem como auxilia a desenvolver habilidades específicas do pensamento que é abordado. No caso da Filosofia, essa permite e dá oportunidade de realizar o pensamento de maneira bastante pessoal. O Ensino Médio é geralmente considerado pelos educadores como uma fase de consolidação do aluno jovem, de sua personalidade e seus desejos, a Filosofia apresenta um papel importante e fundamental no sentido de colaboração. A Filosofia é bastante questionada enquanto disciplina, é necessário que os educadores se conscientizem de que o ensino não deve ser considerado como uma disciplina a mais a ser ensinada. O ideal é que o professor que tem a responsabilidade de aplicar tal disciplina tenha em mente o quanto é necessário fazer com que seus alunos não fiquem dependentes de livros didáticos, não desmerecendo, mas no sentido de não tender para os tão famosos “decorebas” de ideias e autores. Aos educadores que se preocupam com a melhor forma de aplicar a Filosofia, não existe receita pronta. Recomenda-se a priorização de práticas que favoreça a formação de jovens capazes de desenvolver seu próprio pensamento e crítica, formando cidadãos capacitados para enfrentar as diversas situações que poderão surgir em suas vidas. A Filosofia é fundamental na vida de todo ser humano, visto que proporciona a prática de análise, reflexão e crítica em benefício do encontro do conhecimento do mundo e do homem. 31 FILOSOFIA DA CIÊNCIA Fonte: 4.bp.blogspot.com Filosofia da ciência é a área da filosofia que pergunta sobre a ciência, de quais ideias parte, qual método usa, sobre qual fundamento e acerca de suas implicações. Apesar destes problemas gerais, muitos filósofos escreveram sobre algumas ciências particulares, como a física e a biologia. Não apenas se utiliza a filosofia para pensar sobre a ciência, como se utiliza resultados científicos para pensar a filosofia. Não existe determinada ciência que faça parte dos estudos da filosofia da ciência. As ciências naturais (ex.: biologia, química e física), formais (ex.: matemática, lógica e teoria dos sistemas), sociais (ex.: sociologia, antropologia e economia) e aplicadas (agronomia, arquitetura e engenharia) já foram objetos de estudos filosóficos. Historicamente, já na Grécia Antiga se pensava sobre a ciência. Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.), por exemplo, escreveu sobre a origem da vida, afirmando a possibilidade de existir vida a partir de algo inanimado. A teoria da abiogênese (geração espontânea) que ele defendia perdurou por diversos séculos. Além da origem da vida, Aristóteles também se preocupou em elaborar um meio de estudar as espécies, sendo ele o primeiro a propor uma divisão do reino animal em categorias. 32 No decorrer da história, a figura mais importante para a filosofia da ciência é Francis Bacon (1561-1626), filósofo inglês responsável pela base da ciência moderna, o método indutivo. A indução, método de a partir de fatos particulares chegar a conclusões universais, já existia, mas é Bacon o responsável por seu aprimoramento e divulgação. Após Bacon, muito se pensou e escreveu sobre a ciência, especialmente devido aos avanços e descobertas dos séculos seguintes. René Descartes desenvolveu seu método, houve as contribuições e discussões de Galileu Galilei, Isaac Newton, Gottfried Leibniz e outros. Deste aumento considerável de pensadores que detiveram tempo acerca do campo da filosofia da ciência pode-se escolher alguns para comentar suas importantes ideias. Entre eles, David Hume e Karl Popper. David Hume (1711-1776), filósofo escocês, criticou fortemente as bases da ciência e da filosofia. A partir do pensamento de John Locke (1632-1704), Hume levou o empirismo, isto é, aideia de que todo o nosso conhecimento tem origem na experiência (nos cinco sentidos), até as últimas consequências. Para ele, se nosso conhecimento ocorre após a experiência significa que não podemos deduzir eventos futuros. Significa dizer que não há nada no mundo que garanta que as leis que regem o universo hoje serão as mesmas amanhã. Por mais que o homem observe há milênios o sol aparecer todos os dias, nada garante o seu aparecimento amanhã, e por isso a ciência não pode tomar suas conclusões como verdades absolutas. No século XX, o filósofo austríaco, Karl Popper (1902-1994) criticou a forma de fazer ciência a partir da indução, o método defendido por Bacon. Para Popper, o método indutivo não garante a validade de suas conclusões. Afirmou isso, pois não é possível ter acesso a todos os fatos particulares para ser possível chegar a conclusões. Um cientista pode observar cisnes durante 20 anos e perceber que todos os cisnes observados são brancos, mas ele não pode concluir que “todos” os cisnes são brancos. Se ele concluir isto, bastará a existência de apenas um cisne negro para invalidar sua tese. Com isto, Popper defenderá que o papel da ciência é falsear as suas conclusões a partir do método dedutivo, partindo de conclusões universais para a verificação particular. O papel da ciência é verificar se suas conclusões são verdadeiras, tentando falseá-las com a experimentação. 33 Aproximando questões de metafísica, epistemologia e ontologia, quando estas tratam da relação entre ciência e verdade, a filosofia da ciência é o ramo da filosofia que trata das questões relativas a confiabilidade, previsibilidade e métodos da ciência. Questões acerca da ciência sempre estiveram presentes em filosofia, por muito tempo não houve distinção entre questões da filosofia e da ciência. No entanto, uma área da filosofia dedicada exclusivamente a compreensão das ciências só veio a surgir na metade do século XX, particularmente sob influência do positivismo lógico, que buscava desenvolver critérios para garantir o significado de afirmações filosóficas, mas também pela obra de Thomas Kuhn, A Estrutura das Revoluções Científicas, de 1962, na qual o autor procurou apresentar uma nova visão de como se dá o progresso científico. Atualmente, existem ramos dentro da filosofia da ciência para todas as ciências existentes, desde a filosofia da física, que irá analisar, entre outros tópicos, questões relativas a natureza do espaço-tempo, até a filosofia da psicologia e ciência cognitiva. A filosofia da ciência, como área ampla, neste contexto, analisará ainda questões relativas a possibilidade de se reduzir uma ciência a outra (reducionismo), a validade do raciocínio científico e mesmo questões próximas a ética, como a morte na filosofia da medicina. Os principais tópicos de investigação para a filosofia da ciência são três: 1. O que se qualifica como ciência? 2. Qual o propósito da ciência? 3. A confiabilidade das teorias científicas. O primeiro tópico, que trata do que se qualifica como ciência, é conhecido como "problema da demarcação". De acordo com Karl Popper, a qualidade fundamental da ciência é a falseabilidade. Sabemos que estamos diante de uma pseudo-ciência quando esta não comporta mecanismos para mostrar que suas teses podem ser falsas. Ainda segundo Popper, esta seria a questão primordial da filosofia da ciência. Embora muitos filósofos concordem com Popper, um consenso ainda não foi estabelecido, chegando alguns filósofos a afirmar que devemos usar o padrão Potter Stewart, segundo o qual "eu sei o que é quando vejo". https://www.infoescola.com/filosofia/reducionismo/ 34 Quanto ao propósito da ciência, existem duas correntes mais proeminentes, realistas e instrumentalistas. Realistas irão defender que o mundo descrito pelas ciências é o mundo real, que o objetivo último da ciência é a verdade, e defenderão que entidades inobserváveis possuem o mesmo status ontológico que as entidades observáveis. Nesta corrente encontramos nomes como Ernan McMullin e Richard Boyd. Instrumentalistas, por outro lado, defenderão que as teorias científicas são ferramentas para identificar relações entre meio e finalidade úteis e confiáveis na experiência, mas sem afirmar a revelação de entidades para além da experiência. Entre os instrumentalistas os principais nomes são Karl Popper e John Dewey. Quanto à questão da confiabilidade das teorias científicas, trata-se de investigar como e por qual razão devemos confiar em uma teoria científica. Entre as possíveis respostas encontramos a tese do poder de predição de fenômenos, segundo a qual uma teoria é confiável quando ela é eficaz em prever fenômenos que se dispõe a prever. Outra abordagem, intimamente ligada a primeira, é a de que a teoria confiável oferece uma boa explicação para os eventos que ocorrem com regularidade, ou que já ocorreram. O critério pelo qual se poderia dizer que uma teoria explicou bem um evento, assim como o que significa dizer que uma teoria tem poder explicatório, ainda permanece sob discussão. Entre as questões importantes para a filosofia da ciência encontramos ainda, o reducionismo, que trata não apenas da possibilidade de se reduzir uma ciência a outra, mas também da possibilidade de reduzir todos os campos de estudo a explicações científicas; e a neutralidade política e social da ciência. 3.4 Questões de estudo da Filosofia Apesar do seu nome simples, o campo é complexo e continua a ser uma área de investigação atual. Filósofos da ciência estudam ativamente questões como: O que é uma lei da natureza? Há alguma em ciências não-físicas, como a biologia e a psicologia? http://saberciencia.tecnico.ulisboa.pt/glossario/glossario-lei.php 35 Que tipo de dados pode ser usado para distinguir entre as verdadeiras causas e regularidades acidentais? Quanta evidência e que tipos de evidência precisamos ter antes de aceitar hipó- teses? Por que é que os cientistas continuam a confiar em modelos e teorias que sabem ser pelo menos parcialmente incorretos (como a física de Newton)? Embora possam parecer elementares, estas questões são na realidade muito difí- ceis de responder de forma satisfatória. As opiniões variam muito dentro do campo (e, ocasionalmente, vão contra as opiniões dos próprios cientistas — que usam o seu tempo mais a fazer ciência do que a analisá-la abstratamente). Apesar dessa diversidade de opinião, os filósofos da ciência em grande parte concordam num ponto: não há uma maneira única e simples de definir a ciência! Fonte: saberciencia.tecnico.ulisboa.pt Embora o campo seja altamente especializado, algumas ideias chave generaliza- ram-se. Aqui temos uma explicação curta de apenas alguns conceitos associados à filo- sofia da ciência, que você pode (ou não) já ter ouvido. Epistemologia — ramo da filosofia que lida com o que é o conhecimento, como aceitamos algumas coisas como verdadeiras, e como podemos justificar essa aceitação. http://saberciencia.tecnico.ulisboa.pt/glossario/glossario-dados.php http://saberciencia.tecnico.ulisboa.pt/glossario/glossario-evidencia.php http://saberciencia.tecnico.ulisboa.pt/glossario/glossario-hipotese.php http://saberciencia.tecnico.ulisboa.pt/glossario/glossario-hipotese.php http://saberciencia.tecnico.ulisboa.pt/glossario/glossario-modelo.php http://saberciencia.tecnico.ulisboa.pt/glossario/glossario-teoria.php http://saberciencia.tecnico.ulisboa.pt/glossario/glossario-aceitar.php 36 Empiricismo — conjunto de abordagens filosóficas para a construção do co- nhecimento que enfatizam a importância da evidência observável provinda do mundo natural. Indução — método de raciocínio em que uma generalização é defendida como verdadeira com base em exemplos individuais que parecem estar conformes à generalização. Por exemplo, depois de observar que as árvores, bactérias,anémonas do mar, moscas, e os seres humanos possuem células, pode-se in- ferir por indução que todos os organismos possuem células. Dedução — método de raciocínio em que a conclusão é alcançada logica- mente a partir de dadas premissas. Por exemplo, se conhecemos as posições relativas atuais da lua, do sol e da Terra, e se sabemos exatamente como se movem uns em relação aos outros, podemos deduzira data e o local do pró- ximo eclipse solar. Parcimónia/ navalha de Occam — ideia de que, sendo todas as outras condi- ções iguais, devemos preferir uma explicação mais simples a uma mais com- plexa. Problema da demarcação — o problema de distinguir com segurança a ciência da não ciência. Filósofos modernos da ciência concordam em termos gerais que não existe um critério único e simples que possa ser usado para demarcar as fronteiras da ciência. Falsificação — o ponto de vista, associado com o filósofo Karl Popper, que a evidência só pode ser usada para descartar ideias, e não para as apoiar. Po- pper propôs que as ideias científicas só podem ser testadas através de falsifi- cação, nunca através da procura de evidência corroborante. Mudanças de paradigma e revoluções científicas — uma visão da ciência, as- sociada com o filósofo Thomas Kuhn, que sugere que a história da ciência pode ser dividida em períodos de ciência normal (quando os cientistas incre- mentam, elaboram e trabalham com uma teoria científica central, geralmente aceite) e breves períodos de ciência revolucionária. Kuhn afirmou que durante http://saberciencia.tecnico.ulisboa.pt/glossario/glossario-observar.php http://saberciencia.tecnico.ulisboa.pt/glossario/glossario-mundo-natural.php http://saberciencia.tecnico.ulisboa.pt/glossario/glossario-inferencia.php http://saberciencia.tecnico.ulisboa.pt/glossario/glossario-inferencia.php http://saberciencia.tecnico.ulisboa.pt/glossario/glossario-deduzir.php http://saberciencia.tecnico.ulisboa.pt/glossario/glossario-teste.php http://saberciencia.tecnico.ulisboa.pt/glossario/glossario-falsificar.php http://saberciencia.tecnico.ulisboa.pt/glossario/glossario-falsificar.php 37 os períodos de ciência revolucionária, anomalias refutando a teoria aceite acu- mularam-se a tal ponto que a teoria anterior é rejeitada e uma nova é constru- ída para tomar o seu lugar, numa assim chamada "mudança de paradigma". 3.5 Empirismo Fonte: pm1.narvii.com O empirismo é a posição filosófica que aceita a experiência como base para a aná- lise da natureza, procurando rejeitar as doutrinas dogmáticas. Usado pela primeira vez pela Escola Empírica, uma escola de praticantes da medicina na antiga Grécia, o termo empirismo deriva da palavra grega empeiría (ἐμπειρία), que designa conhecimento ou habilidade obtida por meio da prática, sendo também a origem da palavra "experiência", por intermédio do termo latino "experientia". Empiristas defendem que o conhecimento é primariamente obtido pela experiência sensorial, alguns empiristas radicais vão além afirmando que o conhecimento só é obtido pela experiência sensorial e por nenhuma outra forma. A posição empirista é frequentemente contrastada com o racionalismo, que esta- belece a razão como origem do conhecimento, independente dos sentidos. O conceito e a busca de evidências como fonte primária de conhecimento existiram durante toda a história da filosofia e ciência, desde a Grécia antiga, mas foi com o surgimento do cha- https://www.infoescola.com/historia/medicina-na-grecia-antiga/ https://www.infoescola.com/filosofia/racionalismo/ https://www.infoescola.com/historia/grecia-antiga/ 38 mado Empirismo Britânico, no século XVII, que se consolidou como uma posição filosó- fica especifica, sendo o filósofo John Locke considerado o fundador do empirismo como tal. Os principais filósofos do Empirismo Britânico foram John Locke, George Berkeley e David Hume. Locke é famoso por sua comparação da mente humana com uma folha em branco, tabula rasa, na qual as experiências derivadas das impressões dos sentidos são impres- sas. Desta forma, haveriam duas formas de surgimento de ideias, pela sensação e pela reflexão, com ideias podendo ser simples ou complexas. As ideias simples não são passíveis de análise, sendo referentes as qualidades primárias e secundárias dos objetos. Sendo as primárias aquelas que definem o que o objeto é essencialmente, por exemplo, uma mesa tem como qualidade primária o arranjo especifico de sua estrutura atômica, qualquer outro arranjo faria outro objeto e não uma mesa. As qualidades secundárias tratam das informações sensoriais acerca do objeto, definindo seus atributos (cor, sabor, espessura, etc). Ideias complexas combinam ideias simples e constituem substancias, modos e re- lações. Desta forma, segundo Locke, e discordando dos racionalistas, o conhecimento humano acerca dos objetos do mundo é a percepção de ideias que estão em concordân- cia ou discordância umas com as outras. Esta hipótese tornou-se a base da posição empirista. Preocupado que a posição de Locke levaria ao ateísmo, Berkeley formulou a hipó- tese de que as coisas só existiriam na medida em que são percebidas. Para além destas, existiriam as entidades que percebem, tendo sua existência garantida mesmo sem que outro as perceba. Exagerando a alegoriada tabula rasa, Berkeley defendeu que a ordem que vemos na natureza é a escrita de Deus. Por isto, sua posição é hoje conhecida como idealismo subjetivo. Na sequência desta discussão, o filósofo Hume moveu a posição empirista na dire- ção do ceticismo. Para Hume, a recusa de Berkeley se daria pelo fato de que o empi- rismo possui implicações que não são aceitas pela maioria dos filósofos, devido a con- vicções pessoais. https://www.infoescola.com/filosofos/john-locke/ https://www.infoescola.com/biografias/david-hume/ https://www.infoescola.com/portugues/alegoria/ https://www.infoescola.com/filosofia/ceticismo/ 39 No campo conceitual, Hume utiliza a distinção de argumentos, proposta por Locke, entre demonstrativos e prováveis e a expande, dividindo os argumentos em demonstra- ções, provas e probabilidades. Sendo as provas, aqueles argumentos da experiência aos quais não se pode oferecer oposição. Hume afirma ainda que a razão por si mesma não poderia fazer surgir qualquer ideia original, ao mesmo tempo em que desafia a causali- dade, ao afirmar que a razão não seria capaz de concluir que a existência de uma causa seja um requisito absoluto. 3.6 Ceticismo Fonte: i2.wp.com/universocetico.com O Ceticismo é a doutrina do constante questionamento. O termo Ceticismo é de origem grega e significa exame, seu fundador foi Pirro, no século IV a.C.. Pintor nascido no Peloponeso, não deixou nenhum escrito filosófico sobre o assunto, mas desenvolveu um grande interesse por filosofia que o levou a fundar uma escola filosófica que garantiu sua reputação entre os contemporâneos. Pirro deixou como discípulo Tímon, que, por sua vez, produziu uma vasta obra escrita da qual só nos restaram alguns fragmentos. A escola cética criada por Pirro passa por um período de escuridão com a morte de seu fundador e renasce com Enesidemo, cujo período de vida não é muito bem determinado, 40 porém sua obra é muito conhecida. A partir daí aparecem com destaque os nomes de Agripa, Sexto Empírico e Antíoco de Laodicéia. Até que chega ao fim o período do chamado Ceticismo Antigo. Como corrente doutrinária, o ceticismo argumenta que não é possível afirmar sobre a verdade absoluta de nada, é preciso estar em constante questionamento, sobretudo, em relação aos fenômenos metafísicos, religiosos e dogmáticos. Com o passar do tempo, o Ceticismo se dividiu em duas linhas, o filosófico e o científico. O Ceticismo Filosófico é exatamente esse que começa com a escola de Pirro e que se expandiu pela chamada “Nova Academia” que ampliou as perspectivas teóricas, refutando verdadesabsolutas e mentiras. Seus seguidores alegavam a impossibilidade de alcançar o total conhecimento e adotaram métodos empíricos para afirmar seus conhecimentos. Assim, o Ceticismo Filosófico se dedicou a examinar criticamente o conhecimento e a percepção sobre a verdade. O Ceticismo Científico tem, naturalmente, ligação com o Ceticismo Filosófico, que é a base de tudo. Porém não são idênticos e muitos dos praticantes do Ceticismo Científico não concordam as proposições da corrente filosófica. A corrente científica é a contemporânea, as pessoas que se identificam como céticas são aquelas que apresentam uma posição crítica geralmente baseando-se no pensamento crítico e nos métodos científicos para constatar a validade das coisas. Assim, ganha muita importância a evidência empírica, o que não quer dizer que os céticos façam seu uso constantemente. A necessidade de evidências científicas é mais recorrente na área da saúde, onde os experimentos não podem colocar em risco a vida das pessoas. Entre os céticos há os chamados desenganadores que dedicam-se ao combate contra o charlatanismo, expondo suas práticas falsas e não-científicas. Os religiosos afetados por esses indivíduos, quando chamados a provar suas convicções, preferem atingir pessoalmente os céticos e não discutir suas práticas. Por outro lado, há também o pseudo-ceticismo, que, invés de manter o perfil de questionamento, partem logo para a negação. Assim, o Ceticismo pode levar a um ciclo vicioso e tornar seu praticante em um fanático tecnológico. https://www.infoescola.com/filosofia/pensamento-critico/ 41 3.7 Liberalismo Fonte; profigestaoblog.files.wordpress.com Liberalismo é uma teoria política e social que enfatiza fundamentalmente os valores individuais da liberdade e da igualdade. Para os liberais, todo indivíduo têm direitos humanos inatos. O governo tem o dever de respeitar tais direitos e deve atuar principalmente para resolver disputas quando os interesses dos indivíduos se chocam. De acordo com a filosofia política liberal, a sociedade e o governo devem proteger e promover a liberdade individual, em vez de impor constrangimentos; a pluralidade e a diversidade devem ser encorajadas e a sociedade deve ser igual e justa na distribuição de oportunidades e recursos. O liberalismo é, portanto, uma teoria individualista, pois entende que o indivíduo tem prioridade sobre o coletivo. As teorias liberais clássicas surgiram influenciadas pelo iluminismo europeu e revoluções burguesas, a partir do século XVII, para se oporem às formas de Estado absoluto. Elas defendem as instituições representativas e a autonomia da sociedade civil, do espaço econômico (mercado) e cultural (opinião pública) frente ao Estado. Nesse sentido, a história do liberalismo está intimamente ligada ao próprio desenvolvimento da democracia nos países do ocidente. Os sistemas democráticos assumem as premissas básicas do Estado liberal, no qual sua principal função seria o de garantir os https://www.infoescola.com/historia/iluminismo/ https://www.infoescola.com/historia/revolucoes-burguesas/ https://www.infoescola.com/historia/absolutismo/ https://www.infoescola.com/historia/absolutismo/ https://www.infoescola.com/politica/democracia/ 42 direitos do indivíduo contra o autoritarismo político e, para atingir esta finalidade, exige formas, mais ou menos amplas, de representação política. Entre os liberais, porém, não há consenso acerca da amplitude desejável da participação política dos cidadãos. Enquanto pensadores liberais como Locke, Montesquieu e Constant afirmavam que a participação dos cidadãos através das eleições e atuando em cargos representativos seria a melhor forma de liberdade política, Tocqueville defendia que a verdadeira ética liberal somente poderia se concretizar na atividade política ativa e no associativismo. Na história do pensamento ocidental, surgiram vários tipos de liberalismo. Em geral, os teóricos se diferenciavam por dar maior ênfase na liberdade ou na igualdade, ou divergiam ainda na forma com que propunham reconciliá-los. O liberalismo clássico tende a insistir que os direitos civis são fundamentais para os seres humanos, enquanto o liberalismo igualitário contemporâneo concentra-se mais na igualdade e argumenta que o governo ou a sociedade devem aumentar seu alcance de intervenção em áreas como saúde, educação e bem-estar social. Historicamente, os pensadores liberais defenderam a liberdade econômica contra o Estado: o Estado não deveria se intrometer no livre jogo do mercado, organizado por contratos entre particulares. Defendia-se um Estado pouco interventor, que não interferisse na resolução dos conflitos entre empregados e empregadores, entre as diferentes empresas, deixando a livre concorrência recompensar o melhor ator econômico. A liberdade econômica foi sintetizada na frase de “laissez faire, laissez passer”, que em francês significa “deixe fazer, deixe passar”. Na segunda metade do século XX, o liberalismo econômico clássico inspirou o surgimento de teorias conhecidas como neoliberalismo, que defendem uma diminuição drástica do Estado em favor do livre mercado. As principais críticas que recebem os liberais estão justamente na sua associação com o livre mercado e o capitalismo. https://www.infoescola.com/filosofos/john-locke/ https://www.infoescola.com/filosofia/montesquieu/ https://www.infoescola.com/sociedade/estado-de-bem-estar-social/ https://www.infoescola.com/economia/liberalismo-economico/ https://www.infoescola.com/historia/neoliberalismo/ https://www.infoescola.com/economia/capitalismo/ 43 3.8 Dialética Fonte: 4.bp.blogspot.com O Método Dialético, frequentemente referido apenas como Dialética, é uma forma de discurso entre duas ou mais pessoas que possuem diferentes pontos de vista sobre um mesmo assunto, mas que pretendem estabelecer a verdade através de argumentos fundamentados e não simplesmente vencer um debate ou persuadir o opositor. Embora o ato em si seja fundamental na formação da filosofia, o termo foi popularizado apenas com o advento dos diálogos socráticos de Platão. Para estabelecer a dialética, Sócrates encontrou na Verdade o maior valor, propondo que a verdade poderia ser descoberta através da razão e lógica em uma discussão. Desta forma, Sócrates se opôs a retórica como uma forma de arte que visa agradar os ouvintes e também a oratória, que convence por vias emocionais, não requerendo lógica ou prova. O propósito do método dialético é resolver os desacordos através de discussões racionais, e, em última análise, a busca pela verdade. A forma herdada de Sócrates para proceder tal discussão é mostrar que uma dada hipótese leva a contradições, então, forçar a retirada da hipótese como candidato a verdade. Desta forma, teríamos de https://www.infoescola.com/filosofos/platao/ https://www.infoescola.com/filosofia/socrates/ 44 encontrar outro candidato a verdade, para verificar se este também estaria comprometido com uma contradição, de tal forma que pudesse ser eliminado. Aquele candidato a verdade que por todos os meios não pudesse ser refutado, manter-se-ia como tal. Este proceder, herdado de Sócrates, levou Aristóteles a afirmar que a dialética é a lógica do provável, daquilo que parece aceitável a todos ou a maioria, mesmo quando não se pode demonstrar, já que exige apenas que não seja possível eliminar o candidato à verdade. Na mesma linha de análise que Aristóteles, Immanuel Kant, considerado o maior filósofo da era moderna, avaliou a dialética como nada mais que uma ilusão, tratando-se do que chamou de "lógica das aparências", por basear-se em aspectos subjetivos, recusando a explicação causal da realidade. A forma mais comum atualmente utilizada é a que foi apresentada por Johann Gottlieb Fichte, também adotada por Georg Wilhelm Friedrich Hegel, que consiste em abordar
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