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Educação, Globalização e Desigualdades na Contemporaneidade

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Educação, Globalização e Desigualdades na Contemporaneidade 4 114
 • capítulo 4 
Introdução Neste capítulo, perpassaremos as desigualdades na contemporaneidade, repensando suas relações com o processo de globalização. Abordaremos os aspectos contraditórios que demarcam o processo de globalização e seus impactos na realidade socioeconômica, dando atenção para o caso brasileiro. Antes, adentraremos alguns elementos essenciais das desigualdades educacionais. 
OBJETIVOS
 •  Refletir sobre as desigualdades socioeconômicas e educacionais no Brasil; 
•  Identificar as diversas interpretações do fenômeno da globalização; 
•  Compreender as relações entre globalização e mídia; 
•  Entender o impacto dos meios de comunicação de massa na educação. Vemos, em nosso dia a dia, uma gritante desigualdade social. A escola, como espaço social, reflete a sociedade em que vivemos. Tendo em vista o processo de globalização e a posição do Brasil como um país periférico, buscaremos envolver as relações da escola com as desigualdades. Desigualdades socioeconômicas e diferenças sociais: cuidados conceituais Não precisamos fazer nenhum esforço para constatarmos a existência de uma enraizada desigualdade socioeconômica em nossa sociedade. Basta darmos uma volta pela cidade para percebermos as diversas formas – de sutis a escancaradas – que dão tom às relações socioeconômicas que caracterizam a sociabilidade no mundo capitalista. Mas como se exprimem essas desigualdades? Em termos de possibilidades de aquisição material, asseguradas pela ocupação profissional e pela origem social, que se refletem nas oportunidades de estudo e de fruição de bens simbólicos. Quando pensamos em termos de escolhas religiosas, de gênero (masculino e feminino), etnia, geração etc., devemos mobilizar um outro conceito: o de diferença. 
capítulo 4 
• 115 Diferença e desigualdade não são palavras sinônimas. O termo desigualdade é, muitas vezes, investido de uma carga valorativa que deve ser problematizada. Em outros termos, muitas vezes, quando empregamos a palavra desigual, construímos uma relação que subentende uma dicotomia, uma antinomia em que uma coisa é “melhor” do que outra. Desigual, em muitos casos, supõe uma relação de superioridade e inferioridade. Por outro lado, quando falamos em diferença, ao invés de desigualdade, deixamos de lado a carga valorativa e estabelecemos uma outra relação, desinvestida de um julgamento prévio em termos de “melhor” e “pior”, “inferior” e “superior”. O diferente não é desigual. As diversas formas de desigualdades socioeconômicas A existência de desigualdades socioeconômicas está vinculada ao modo específico como cada sociedade está organizada. Podemos destacar três formas clássicas de organização social que implicam formas de sociabilidade e de desigualdade distintas. São: O sistema de castas Os estamentos As classes sociais O sistema de castas O sistema de castas caracteriza muitas formações sociais. No mundo antigo, a China e a Grécia estavam organizadas segundo esse sistema. Talvez o exemplo mais conhecido seja o da Índia, em que a organização está fundamentada na hereditariedade e nas profissões. Hoje em dia, o sistema de castas hindu convive com a existência de classes sociais, perfazendo uma organização híbrida. No entanto, vale chamarmos a atenção para as quatro castas que compõem a estrutura social na Índia: brâmanes Casta sacerdotal, superior às demais xátrias Casta formada por encarregados pela administração pública 116 
• capítulo 4 
viaxás Casta dos comerciantes, artesãos e camponeses sudras Casta inferior, composta por aqueles que desempenham trabalhos manuais, considerados servis No sistema de castas não há mobilidade social, não podendo haver contato físico entre membros de castas diferentes. Entretanto, nenhum sistema é totalmente rígido. Os costumes, ritos e crenças dos brâmanes são adotados pelas castas inferiores e, embora seja proibida, a imitação faz com que emerja uma certa homogeneidade de costumes entre as castas. Casamentos entre membros de castas diferentes também podem acontecer, mostrando não haver total ausência de flexibilidade no sistema. Com o advento da industrialização e da urbanização, implicado na ideia de “ocidentalização” do mundo, o sistema de castas está gradativamente se arrefecendo, o que não significa dizer que as normas e costumes característicos desse sistema inflexível tenham desaparecido do cotidiano das pessoas. Os estamentos Os estamentos, também chamados de estados, são outro exemplo de estratificação social. O exemplo emblemático de sociedade fundamentada nesse sistema é o feudal. Também a França de fins do século XVIII, na iminência da Revolução, estava dividida em estamentos: nobreza, clero e o chamado terceiro estado (comerciantes, industriais, camponeses, trabalhadores urbanos etc.). Em linhas gerais, o que caracteriza um estamento é a existência de um conjunto de direitos e deveres, privilégios e obrigações não necessariamente outorgados, mas publicamente reconhecidos, reproduzidos e sustentados pelas autoridades oficiais. A possibilidade de mobilidade de um estamento para outro existia, mas não era recorrente. Alguns indivíduos chegavam a obter títulos de nobreza, mas o que definia o prestígio era a posse de terra. Por exemplo, no feudalismo, aqueles que não possuíam terra eram econômica e politicamente dependentes, além de socialmente inferiores. A dinâmica dos estamentos está fundamentada em uma relação de reciprocidade. Pensemos novamente na sociedade feudal: havia sempre um conjunto capítulo 4 
• 117 de obrigações dos servos para com os senhores (trabalho) e vice-versa (proteção), a despeito da intransponível barreira que os separava. ATENÇÃO Hoje em dia, a palavra estamento é utilizada para fazer menção a uma determinada categoria ou atividade profissional, por exemplo, o “estamento militar”. A utilização da referida expressão denota a permanência de traços das formações sociais divididas em estamentos. Assim, na sociedade atual, classificar determinada categoria como um estamento é sublinhar que ela está fundamentada em um código de honra e obediência, em regras precisas e rígidas. As classes sociais As classes sociais são a expressão do modo como as desigualdades estão estruturadas na sociedade capitalista. O primeiro estudioso a conferir preponderância analítica às classes sociais foi Karl Marx. No capitalismo, as relações entre as classes sociais são regidas pelas relações entre capital e trabalho assalariado, em que a propriedade privada é o fundamento e o bem maior a ser preservado. Assim, no capitalismo, os diferentes grupos sociais estão situados no contexto das classes sociais e, por conseguinte, na divisão social do trabalho e na produção e reprodução da vida social. Os estudos empreendidos por Marx acerca do capitalismo não dão conta de sua diversidade e amplitude. Isso porque o teórico recortou seu objeto de investigação, privilegiando apenas a dimensão fabril e as relações classistas a ela condizentes, no caso a burguesia e o proletariado. Por certo que a sociedade capitalista é muito mais plural e diversificada, não se reduzindo ao par antitético cristalizado na dualidade burguês x proletário. Por exemplo, a teoria de Marx não dá conta da explicação da existência do setor terciário, posto que sua análise está voltada para a edificação de uma teoria do valor. É necessário analisar a constituição histórica das classes sociais, o modo como elas se relacionam e como atuam no processo de produção da vida material e social. Falar em desigualdades socioeconômicas, nesse registro das classes, é levar em consideração aspectos fundamentais de nosso cotidiano, observáveis e práticos. Para constatá-las, basta olharmos ao nosso redor: de um lado,
 118 • capítulo 4 veremos indivíduos dirigindo seus carros importados e, de outro, a maioria da população andando de ônibus, trens, bicicleta e mesmo a pé. Já Weber dá outra definição ao conceito de classe social. Para ele, classe é todo grupo de pessoas que se encontram em uma situação de classe semelhante,ou seja, têm os mesmos acessos e possibilidades de aquisição material e posição social. Até o século XV, as explicações para a existência das desigualdades socioeconômicas giravam em torno de uma “herança natural”: os indivíduos nascem diferentes e, portanto, devem assumir essa condição. Assim, havia um direito desigual para os desiguais: os nobres contavam com o respaldo de uma legislação que lhes definia os direitos e deveres e era aplicável somente a eles. Os demais membros possuíam outra legislação – elaborada pela nobreza –, que explicitava seus parcos direitos. A partir do século XVI, com uma série de modificações estruturais nas nações europeias, começaram a adquirir relevância os questionamentos acerca dos porquês da existência das desigualdades entre os homens, e muitas foram as tentativas de explicação da origem das desigualdades. Hobbes (1588-1679) afirmava que os homens são naturalmente iguais; Locke (1632-1704) defendia a existência de uma diferença natural entre os homens; Rousseau (1712-1778) afirmava que as desigualdades entre os homens não são de caráter natural, mas oriundas da convivência dos indivíduos em sociedade. Os direitos políticos, civis e sociais oriundos do ideário burguês universalista, gestado durante a Revolução Francesa, não atingiram a maior parte da população. A igualdade que prevê que “todos devem ser iguais perante a lei” buscou atribuir aos desiguais uma igualdade de direitos. Mas não parece contraditória a afirmação de uma igualdade de direitos em uma sociedade fundamentada justamente na desigualdade socioeconômica? Nos dias de hoje, assistimos cada vez mais à transformação dos direitos em privilégios. A educação, um direito, é transformada em um privilégio, e assim por diante. Com o crescimento da produção e do comércio na Inglaterra do século XVIII, houve uma grande demanda por mão de obra, e a pobreza e a miséria passaram a ser relacionadas à preguiça e à indolência dos indivíduos, à indisposição ao trabalho, uma vez que havia muita oportunidade de emprego. Opera-se, assim, uma vantajosa (para o sistema vigente) inversão, em que as grandes massas, como forma de não aceitação da pecha de indolente, submetiam-se às precárias condições de trabalho. A teoria de Malthus (1776-1834) reiterava tal mecanismo perverso: a população cresce em progressão geométrica, enquanto os meios de subsistência em 
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• 119 progressão aritmética. Assim sendo, a pobreza era atribuída ao número de filhos que uma determinada família sem posses apresentava. Ao invés de questionar a concentração de riqueza, a teoria malthusiana procura inverter a equação e culpabilizar o indivíduo. Ainda hoje presenciamos remanescentes dessa linha de pensamento, apregoando o casamento tardio, a vasectomia (mesmo forçada) como formas de restringir o número de filhos para as famílias pobres e, assim, impedir a difusão da miséria. Nas sociedades anteriores à capitalista, os indivíduos nasciam desiguais e assim viviam. No capitalismo, a desigualdade existe desde o nascimento, mas há um discurso que afirma que todos são iguais perante a lei e, mais ainda, que o trabalhador pode prosperar e enriquecer. A igualdade formal (perante a lei) corresponde a uma desigualdade de fato, que se reproduz cotidianamente na sociedade capitalista. As desigualdades sociais no Brasil Nosso legado colonial denuncia o quão antiga é a existência das desigualdades socioeconômicas no Brasil. Os primeiros contatos dos portugueses com os autóctones estiveram fundamentados na construção de uma relação em que a diferença entre as etnias fora logo apreendida em termos de superioridade (portugueses) e inferioridade (diversas culturas indígenas). A própria existência, nos dias atuais, da tutela indígena ilustra bem o quanto estão enraizados os resquícios dessa relação. O processo de colonização, no Brasil, que tinha no trabalho escravo fonte de lucro primordial, é outro exemplo de que o “nosso passado nos condena”. A compreensão das formas veladas de desigualdade, ainda persistentes, podem ser mais bem investigadas à luz da história brasileira. Com as transformações ocorridas desde a belle époque tropical (final do século XIX) até meados do século XX, a sociedade brasileira caminha rumo à industrialização e à urbanização. A cidade torna-se polo de atração de um significativo contingente populacional, que contribui para o esvaziamento das áreas rurais e para a crescente proletarização dos centros urbanos, para a formação dos subúrbios e das periferias. Essa massa de indivíduos destituídos de possibilidades efetivas de colocação profissional evidencia o modo pelo qual o capitalismo, em seu processo de desenvolvimento e consolidação, cria as desigualdades, que se cris- 
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 talizam sob a forma de pobreza e miséria e, socialmente, sob a forma de exclusão, marginalização social, formas precárias de existência (saúde, habitação, educação). E quais seriam as possibilidades de transformação dessa realidade social? Uma mudança significativa desse quadro deveria ser iniciada através do investimento público em um amplo programa de educação básica. Em todos os países em que grande parte da população vive em condições dignas, as políticas e medidas governamentais têm como fito a extensão da educação básica para a maioria das crianças. A Coreia do Sul é um exemplo de que investimentos maciços e duradouros em educação básica, em educação profissionalizante para adultos e em saúde e saneamento concorrem para a modificação efetiva do panorama calamitoso gerado pelo capitalismo. Em contraposição, o Brasil gasta muito em projetos sociais, porém obtém resultados desvantajosos, pois os gastos com a burocracia e os desvios consomem grande parte dos recursos. As desigualdades educacionais As desigualdades educacionais estão diretamente relacionadas a outros tipos de desigualdades, alimentando-as e formando com elas um verdadeiro círculo vicioso. Um exemplo concreto dessa situação De acordo com Tomazi (1997), os analfabetos situam-se em uma posição subalterna, pois a nossa sociedade é toda voltada para pessoas que sabem ler e escrever, por menor que seja esse conhecimento. Necessitar de auxílio para ler uma placa indicativa, para saber sobre uma notícia de jornal exposta na banca ou mesmo para ler uma carta recebida de parentes é sempre uma situação desconfortável e acompanhada da pergunta: “Você não sabe ler?”. A vida de um analfabeto é marcada pelas inúmeras situações de exclusão, marginalização e desconforto. O surgimento do sistema escolar fundamental brasileiro, no início do século XX, estava atrelado à necessidade de atender aos filhos das classes dominantes e médias, portanto já era desigual. Os filhos dos trabalhadores quase sempre eram excluídos, tendo acesso apenas às escolas dominicais (Igreja) e às que existiam no interior das fábricas. É indispensável dizer que, no Brasil, as
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• 121 desigualdades educacionais sempre foram gritantes, principalmente se pensadas em termos das possibilidades de acesso à escola. Em fins do século XIX e início do XX, devido às reivindicações dos trabalhadores e à demanda por mão de obra mais qualificada, inicia-se o processo de generalização do Ensino Fundamental, atendendo aos filhos das classes trabalhadoras, mas já deixando evidente a qualidade inferior, se comparado ao ensino oferecido às classes dominantes e médias. Essa desigualdade de Ensino Fundamental se deixa refletir no ensino secundário (atual Ensino Médio), já que o ensino transmitido aos filhos dos trabalhadores tem por objetivo prepará-los para o trabalho industrial, enquanto o ensino oferecido aos filhos da classe dominante tem o intuito de qualificá-los para o Ensino Superior e para a ocupação de cargos burocráticos e administrativos. Os trabalhadores reivindicaram um sistema de ensino igual para todos, em termos de carga horária, currículo etc; de modo que a realidade pudesse corresponder ao discurso liberal, ou pelo menos se aproximar dele. No entanto, o ensino é altamente seletivo, sendo caracterizado por inúmerasformas de desigualdade, assegurando a manutenção da ordem vigente. Não há dúvidas de que as desigualdades no desempenho escolar estão diretamente relacionadas às condições sociais e econômicas ou, em outros termos, às desigualdades sociais em que vivem os diferentes alunos. Além disso, é indispensável considerar outros fatores que influenciam o acesso à escola e a garantia de um ensino sólido, tais como: a localização das escolas; a precariedade dos equipamentos e instalações; o nível dos professores. Em linhas gerais, a estrutura pedagógica de muitas escolas cria sistemas de exclusão. É necessário questionarmos a atuação das escolas como “centros de assistência social”, em que a frequência está muitas vezes associada à possibilidade de os alunos se alimentarem (através da merenda) do que ao próprio aprendizado. A escola se torna, muitas vezes, um espaço voltado para o abrandamento das desigualdades socioeconômicas, aparando arestas que não condizem necessariamente com sua missão. As possibilidades de aprimoramento do ensino no Brasil estão associadas à modificação das condições de seu desenvolvimento, tendo em vista suas múl- 122 
• capítulo 4
 tiplas dimensões. É necessário que o educador busque proporcionar ao aluno uma ponte entre o ambiente escolar e seu universo social e cultural, já que há, entre os dois universos, uma aparente descontinuidade, o que, em muitos casos, culmina na desmotivação e na evasão escolar. Não há como deixar de mencionar as grandes diferenças entre o ensino público e o particular. Nesse registro, a educação, um direito, torna-se um privilégio, e a proliferação de instituições particulares de ensino é sintomática desse descompasso entre o discurso liberal e a prática. Enquanto ao ensino público faltam investimentos mínimos para assegurar aos professores condições dignas de trabalho e aos alunos falta um ensino de qualidade, as escolas particulares cobram altas mensalidades e recebem auxílios governamentais, podendo, assim, contar com um quadro docente bem remunerado e oferecer um ensino de melhor qualidade. O aumento do número de instituições particulares de ensino coincide com o sucateamento das escolas públicas. Outra desigualdade a ser pontuada refere-se ao período em que as aulas são assistidas. O período noturno é mais deficiente que o diurno, principalmente porque ele se torna a única opção para os alunos que trabalham o dia todo. Outro exemplo importante de desigualdade, pensando especificamente no ensino básico, diz respeito ao contraponto entre as escolas nas zonas urbanas e rurais. Em geral, as escolas nas áreas rurais são multisseriadas e as aulas são ministradas por um só professor. Assim, os alunos de 1ª a 4ª séries, de diferentes idades e em condições pedagógicas variadas, dividem a mesma sala, sendo praticamente impossível ao professor dar conta das insuficiências de cada aluno. Os professores, muitas vezes sem nenhuma habilitação, ensinam ao aluno o mínimo necessário, indo pouco além da alfabetização. Estado, educação e cidadania A questão dos direitos humanos e da cidadania foi pensada e desenvolvida em diferentes sociedades e em diversos momentos da história do Ocidente. O exercício dos direitos e uma educação de qualidade sempre foram, no Brasil, muito restritos para a maior parte da população, apesar de estarem presentes em nossa Constituição. Os brasileiros acostumaram-se a viver sem direitos. É muito comum ficarmos chocados quando cai um avião, quando há um terremoto, enfim, quando 
capítulo 4 
• 123 há uma tragédia em que milhares de pessoas perdem suas vidas. Entretanto, nosso país é cenário de uma guerra interminável contra a vida. Para falarmos apenas das crianças, ocorrem milhares de mortes todos os anos, e grande parte da população é indiferente a tal situação. Desde a Independência do Brasil (1822) até o início da República (1889), não houve mudanças significativas do ponto de vista dos direitos. Tanto é que a escravidão continuou até o final desse período. Na Constituição de 1824, alguns artigos faziam menção aos direitos dos cidadãos, tais como o direito de ir e vir, a igualdade perante a lei, o direito de exercer cargos públicos, políticos e militares, o direito de propriedade, a inviolabilidade de domicílio e das correspondências, a liberdade religiosa, a necessidade de um mandato judicial para haver prisão (exceto em flagrantes). Como se vê, os direitos civis clássicos estavam presentes, o que não quer dizer que fossem aplicados à maior parte da população. No Brasil, os direitos do cidadão só existiam efetivamente no papel, pois já se anunciava uma ideia ainda hoje muito atual: “para os amigos, o espírito da lei; para os inimigos, o rigor da lei”. Ou seja, na maioria dos casos, a lei era aplicada a favor daqueles que estavam no poder. Com a proclamação da República, é elaborada uma nova Constituição, a de 1891. A escravidão é extinta e o modo de produção capitalista adquire força. Com a reestruturação da sociedade e do Estado, poderíamos pensar que os direitos civis e políticos pudessem ser exercidos pela maioria da população. O Estado republicano, apesar da ausência do imperador, continuava nas mãos de uma elite agrária, contando também com representantes da burguesia industrial emergente, que buscava ter respeitados os seus direitos de cidadãos. Os direitos civis continuavam os mesmos, tendo sido apenas incluídos o direito de livre manifestação do pensamento por parte da imprensa e o habeas corpus. Na prática, a questão social sempre foi considerada, no Brasil, um caso de polícia, o que tem uma relação direta com as recorrentes manifestações dos trabalhadores para fazerem valer seus direitos. REFLEXÃO Tratando-se de educação, 85% da população brasileira, em 1890, era analfabeta. Podemos, então, perceber que a educação elementar, durante todo esse período, nunca foi uma prioridade e tampouco tinha-se a pretensão de estender o ensino elementar à população em geral. Passados 30 anos, a situação continuou inalterada: 76% de analfabetos. 
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Nos anos 1930, entra em vigor a legislação trabalhista, que estabeleceu alterações nas condições de trabalho, tendo em vista a “proteção social” do trabalhador. Essa legislação, em vigor até hoje (apenas com pequenas alterações), propugnava: Proibição de diferenças salariais para um mesmo trabalho por motivo de idade, sexo, nacionalidade ou estado civil; Salário-mínimo capaz de satisfazer às necessidades normais do trabalhador; Jornada de trabalho de oito horas diárias; Proibição de trabalho a menores de 14 anos. Repouso semanal de um dia; Férias anuais remuneradas; Indenização ao trabalhador dispensado sem justa causa; Assistência médica e sanitária ao trabalhador e à gestante; Reconhecimento das convenções coletivas de trabalho. Os direitos trabalhistas passam a vigorar, sendo função do Estado assegurar sua vigência. A educação foi repensada e algumas alterações foram feitas durante o governo Vargas, embora sem se dar conta da extinção do modelo classista e excludente que vigora até os dias atuais. A estrutura educacional, na prática, produz e reproduz a força e o trabalho para o setor industrial, bem como concorre para a manutenção da sociedade de classes, fazendo com que cada classe continue em seu lugar. A Constituição de 1967, oriunda do golpe de 1964, foi escrita pelos militares, tendo deixado no limbo os direitos do cidadão. A educação, durante esse período,
 capítulo 4 
• 125 era vista pela ótica do poder econômico, e a política educacional brasileira ficou nas mãos de burocratas e “técnicos em educação”, tendo sido desenvolvida uma política para beneficiar o ensino privado e para a privatização do ensino no Brasil. A luta pelos direitos civis, políticos e sociais, durante o regime militar, e mesmo depois dele, deu-se em diferentes níveis e intensidades, como, por exemplo, a Campanha da Anistia (aos condenados pela ditadura); a Campanha das Diretas já (em que se lutava pela eleição direta para presidente da República); a Campanha pela Constituinte (em que se buscava a promulgaçãode uma Constituição isenta dos autoritarismos e das arbitrariedades da legislação vigente durante o período militar). Em 1988, é promulgada uma nova Constituição, a chamada “Constituição Cidadã”, em que eram restabelecidos os direitos dos cidadãos, tais como o direito de greve, de livre associação, a liberdade de pensamento etc. Mas a existência dessa nova ordem constitucional não assegura, na prática, a vigência desses direitos. Os direitos dos cidadãos brasileiros estão muito bem definidos na Constituição de 1988, porém as forças conservadoras do Congresso, do Judiciário e do Executivo procuram fazer com que esses direitos não sejam postos em prática, tornando-se muitas vezes letra-morta. Globalização: um conceito atual? Norbert Elias mostra que a vida em grupo é uma prerrogativa da existência humana. As pessoas sempre viveram em grupos, que Elias denominou de “unidades de sobrevivência”. Algumas das funções desempenhadas pelos grupos estavam voltadas exclusivamente para a manutenção de sua integridade, por exemplo: A necessidade de providenciar alimentos e outros meios de subsistência; O controle da violência (interno e externo). E o que a antiga existência desses grupos denominados de “unidades de sobrevivência” tem a ver com a globalização? Durante o processo de desenvolvimento humano, as unidades de sobrevivência foram se tornando cada vez maiores, tanto em termos populacionais quanto geográficos. Vejam alguns exemplos: 
126 • 
capítulo 4 
Após o colapso de cada um dos grandes impérios do Mundo Antigo, aquele que os sucedia conseguia integrar uma área geográfica maior do que a de seu precedente. Trata-se de um movimento expansivo. O processo de formação dos Estados-nações caracteriza-se pela tendência generalizante, na história mundial, para o surgimento de unidades de sobrevivência maiores, que incorporam um maior número de pessoas e um território mais amplo. Com o passar do tempo, essas sociedades começaram a mobilizar recursos militares e econômicos necessários para derrotar as invasões periódicas por parte de populações migrantes. Consoante à tendência para a formação de unidades de sobrevivência maiores, nota-se o uso persistente da violência no interior e entre as unidades de sobrevivência. Há duas formas distintas quanto à utilização da violência: Dentro das unidades de sobrevivência: há um controle dos impulsos violentos, oriundo do fato de as pessoas serem forçadas a viver em paz umas com as outras. Entre as unidades de sobrevivência: há a persistência de uma violência relativamente descontrolada. Elias analisa inúmeros exemplos de lutas hegemônicas entre as sociedades desde a Antiguidade Clássica até os dias atuais. O equilíbrio de poder entre os Estados é tal que cada um deles é tão dependente dos outros que enxerga em seu oponente uma ameaça à sua distribuição interna de poder, de independência e até uma possibilidade de extinção física. Tal como mostramos até aqui, conclui-se que a globalização parece novidade, mas não é. Até mesmo Marx fazia referência às formas de expansão do capitalismo, ao mercado mundial e às transformações da grande indústria e dos monopólios, sublinhando o papel da burguesia no sentido de promover a internacionalização da produção e do consumo. O modo de produção capitalista requer dimensões mundiais para viabilizar sua produção e reprodução material e intelectual (SANTOS, 2001). 
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• 127 Quais as características da globalização? A ideia que vem com a globalização recente é a do surgimento de uma “aldeia global”, que sugere a formação de uma comunidade mundial interligada graças às realizações e possibilidades de comunicação encetadas pelos avanços tecnológicos. Em um curto período de tempo, as províncias, nações, regiões e culturas passam a ser atravessadas e articuladas pelos sistemas de informação e comunicação, agilizados pelas descobertas de um mundo eletrônico. CURIOSIDADE No mundo atual, as fronteiras entre os grupos opostos de poder não são mais simplesmente geográficas. Após os anos de 1980, surge um novo emprego para a palavra globalização. Não é mais possível pensar no globo terrestre como um aglomerado de Estados-nações em suas relações de interdependência. Vejamos agora as características da globalização na sociedade contemporânea. Na aldeia global, além de mercadorias convencionais, “empacotam-se” e vendem-se informações. Essas são fabricadas como mercadorias e comercializadas em escala mundial. As informações, os entretenimentos e as ideias são produzidas, comercializadas e consumidas como mercadorias. Trata-se da fabricação de imagens, do mundo enquanto um caleidoscópio de imagens, da dissolução de fronteiras, da agilização dos mercados e do consumismo. É o redimensionamento de tempos e espaços. Criou-se um ambiente intelectual propício para conferir ares de novidade a acontecimentos e tendências que constituem a repetição, sob nova roupagem, de fenômenos às vezes bastante antigos. De um ponto de vista histórico, “globalização” é a palavra da moda para um processo que remonta, em última análise, à expansão da civilização europeia a partir do final do século XV (BATISTA JÚNIOR, 1997, p. 6). A globalização é o momento que assiste à tecnificação das relações sociais, em todos os níveis. A globalização é marcada pela racionalidade funcional, a serviço do processo de valorização do dinheiro. 
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Características da globalização O inglês se edifica como língua universal, ele é o jargão da globalização. Produtividade, lucratividade e consumismo Desenvolvimento de técnicas de produção de realidades virtuais, telecomunicações O inglês começou a mundializar-se como idioma do imperialismo britânico (séculos XIX e XX). Em seguida, com o fim das duas Guerras Mundiais, o inglês difundiu-se como idioma oficial do imperialismo norte-americano. Eis o contexto em que as pessoas, as ideias e os produtos passam a se inscrever em uma dinâmica caracterizada pela desterritorialização. No mesmo curso da modernização do mundo, simultaneamente à globalização do capitalismo, intensifica-se a generalização do pensamento pragmático e tecnocrático. As contradições da globalização A globalização está relacionada à ideia de modernização e ocidentalização do mundo, que passou a ser o emblema do desenvolvimento, do crescimento, do progresso. Se, por um lado, a globalização gera um processo de homogeneização, padronizando elementos produtivos e culturais, por outro, emerge um universo de diferenciações, tensões e conflitos sociais. As mesmas forças que produzem a globalização, propiciando novas articulações e associações em nível internacional, provocam formas opostas e fragmentadas. Globalização e regionalização, fragmentação e unidade, inclusão e exclusão são polos antagônicos inter-relacionados de forma dialética, ou seja, são forças opostas que estão em constante interação (SANTOS, 2001). O capitalismo é um sistema polarizador, pois, contraditoriamente, o aumento constante de riquezas tem sido concentrado num número cada vez menor de “pessoas”. Imensas riquezas são geradas, consoante à expansão da pobreza da maior parte da população mundial. Ulrich Beck (1998) ana- 
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• 129 lisa os conceitos de globalização e de localismo, considerando-os duas faces da mesma moeda. Os dois conceitos expressam uma nova polarização e estratificação social em nível internacional: ricos globalizados e pobres localizados. A desigualdade social e a existência de enormes contingentes populacionais que estão à margem do processo de desenvolvimento multiplicam e aprofundam os conflitos sociais e a deterioração da qualidade de vida na maioria das regiões do planeta. Por conseguinte, o problema da exclusão social torna-se hoje uma questão fundamental, que requer muito mais soluções estruturais do que reformas paliativas (SANTOS, 2001). Noções como metrópole e colônia, império e imperialismo, interdependência e dependência, central e periférico, urbano e agrário, moderno e arcaico, primeiro e terceiro mundo expressam o vaivém do processo histórico-social de ocidentalizaçãoe modernização do mundo. A modernização do mundo implica a difusão e sedimentação dos padrões e valores socioculturais predominantes na Europa e nos Estados Unidos. Ela traz a ideia de que o capitalismo é um processo civilizatório não só superior, mas inexorável. O capitalismo desenvolve-se pelos quatro cantos do mundo, generalizando padrões, valores e instituições ocidentais. Essa modernização traz implícito o ideário democrático da procedência da liberdade econômica em face da política. Na economia, consolida-se o neoliberalismo, fazendo com que as forças de mercado capitalista se espraiem globalmente. Enquanto o liberalismo fundamentava-se no princípio da soberania nacional, ou ao menos tomava-o como parâmetro, o neoliberalismo passa por cima de tal princípio, deslocando as possibilidades de soberania para as organizações, corporações e outras entidades de âmbito global. Os princípios envolvidos no mercado generalizam-se, tornando-se padrão para os mais diversos grupos, as mais diversas formas de organização da vida e do trabalho, independentemente das culturas. Ainda que os processos de globalização desenvolvam-se simultaneamente e reciprocamente pelo mundo afora, também produzem desenvolvimentos desiguais, desencontros. No mesmo curso de integração e homogeneização, desenvolve-se a fragmentação e a contradição. O mesmo vasto processo de globalização do mundo é um vasto processo de pluralização dos mundos. O que cria a ilusão de homogeneização e integração é o fato indiscutível da ocidentalização e do capitalismo. 
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 Globalização e mídia O signo, por excelência, da modernização é a comunicação, a proliferação e a generalização dos meios impressos e eletrônicos de comunicação, articulados em teias multimídia e alcançando todo o mundo. Os meios de comunicação de massa, graças à tecnologia, rompem ou ultrapassam fronteiras culturais, idiomas, religiões, regimes políticos, diversidades e desigualdades socioculturais. O satélite passa a ser usado como o mais importante instrumento mundial de propaganda na disputa pelos corações e mentes. No âmbito da aldeia global, prevalece a mídia eletrônica, poderoso instrumento de comunicação, informação, compreensão, explicação e imaginação sobre o mundo. O computador consolida-se como aliado e algoz na prática do ensino – ao mesmo tempo em que ele que se torna um eficaz recurso pedagógico, a inesgotabilidade de informações e sua heterogeneidade concorrem para a difusão de dados inconsistentes. McLuhan viu a tecnologia como uma extensão do homem. Para o autor, da mesma forma que a roda é a extensão do pé, o telescópio, uma extensão do olho, a rede de comunicações é uma extensão do sistema nervoso. A televisão tornou-se nossos olhos e o telefone, a nossa boca e os nossos ouvidos. A intensificação do ritmo da produção de mercadorias e o volume das informações produzidas fazem com que haja uma modificação na percepção do homem acerca da passagem do tempo. Temos a sensação de uma aceleração do ritmo da vida e a conversão dos cidadãos em meros consumidores (todos se igualam através da possibilidade de aquisição de mercadorias). O poder dos meios de comunicação fica evidente na seguinte frase, dita pelo poeta francês Charles Baudelaire: “Qualquer pessoa pode governar uma grande nação assim que obtém o controle do telégrafo e da imprensa nacional”. A globalização cria a ilusão da universalização das condições e possibilidades do mercado e da democracia, do capital, da cidadania. Os direitos são, na prática, privilégios. Há sempre alguma manipulação, mais ou menos decisiva, no modo como a mídia registra, seleciona, interpreta e difunde o que será divulgado, deixando evidente que os censores da atualidade são os redatores. 
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• 131 Os meios de comunicação de massa e a educação no Brasil Nos dias atuais, a informação e o saber estão pulverizados em várias linguagens e disseminados em inúmeros veículos e instituições produtoras de bens simbólicos. Desde a década de 1920, o rádio, o cinema, as revistas, e, mais recentemente, a TV, a internet, os outdoors são veículos transmissores de informação. As formas de utilização das mensagens transmitidas por esses veículos de massa são heterogêneas e circunstanciais, estando estritamente influenciadas pela trajetória de cada um e pela apropriação de um capital cultural oriundo da família e das instituições educativas pelas quais passaram ao longo da vida. Assim, o modo como os indivíduos interiorizam esse saber e essas informações é singular, oriundo sobretudo da trajetória anterior de cada um. Desde a era Vargas, nas décadas de 1930 e 1940, seguida pela liderança política de Juscelino, nos anos 1950, o Brasil assiste a um alto volume de investimento na infraestrutura da informação e do lazer, período de surgimento de um mercado ávido por produtos culturais. O imaginário ficcional das mídias há muito tem colonizado nossos espíritos. Edgar Morin fala que primeiro passamos por um processo de colonização geográfica, que foi sucedido por uma forma mais sutil de colonização, a saber, a da alma. A heterogeneidade de acesso aos meios educativos legítimos é fato, e suas implicações são sobremaneira complexas para o campo da educação formal e informal. Entre os quase 90% que possuem TV, a ação pedagógico-informativa das novelas, seriados, shows de variedade e filmes parece estar mais presente do que a ação escolar. Ao possibilitar o acesso a comportamentos e tipos (modelos) de conduta, ficcionais ou não, essa programação, ao mesmo tempo em que integra todos em um ideal de civilização (capitalista, hedonista, consumista), possibilita a uma multidão o acesso a um código de conduta que até pouco tempo era restrito aos segmentos privilegiados. Vale chamar a atenção para proliferação de programas religiosos e de variedades, que se propõem educativos. O significativo público televisivo engrossa os índices de audiência e obtém, a preços módicos, uma educação que se sustenta nos pilares da emoção, da diversão e do entretenimento. 
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Ciente da possibilidade de abrangência, com baixos custos, as rádios permitem a comunicação, universalizam seu acesso e criam uma tradição enquanto veículo de “educação a distância”. O cinema se afigura como um veículo de entretenimento dos segmentos mais favorecidos. Por outro lado, o crescimento das locações e lançamentos de DVDs expressam que o consumo cinematográfico ampliou o uso doméstico da TV, conquistando os segmentos menos privilegiados. O preço dos leitores de DVDs teve uma queda de mais de 50%, aumentando, assim, a possibilidade de uma parcela cada vez maior da população ter acesso a um eletrodoméstico midiático. A TV se apresentou, desde o seu surgimento, como um empreendimento de grande valor pedagógico. Quando surgiu, na década de 1950, herdeira de uma estética literária do teatro e do cinema, a TV estava atrelada ao ideal de cultura das elites. A partir dos anos 1960, a telenovela, devedora dos folhetins melodramáticos de origem europeia e das radionovelas latinas, erige-se sob o estigma de ter apelo popular e baixa qualidade. O rádio cumpre sua função de favorecer o acesso de uma população marginalizada do processo escolar. Embora cultivado e consagrado pelos setores mais escolarizados, o livro um produto da cultura de massa, há muito tenta se popularizar. O brasileiro tem acesso a 1,8 livro por ano. Na França, 7; nos EUA, 5,1. Qual o papel da educação na sociedade da informação? Muitos educadores, perplexos diante das rápidas mudanças na sociedade, na tecnologia e na economia, questionam-se sobre o futuro de sua profissão e sobre as possibilidades de utilização dessas novas linguagens, oriundas do avanço tecnológico dos meios de comunicação. As consequências do surgimento das novas tecnologias, centradas na comunicação de massa, na difusão do conhecimento, ainda não se fizeram sentir plenamente no ensino, tal como previa McLuhan já em 1969, pelo menos na maioria das nações, mas o ensino a distância, sobretudo o fundamentado na internet, parece ser a grandenovidade educacional neste início de novo milênio. 
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• 133 A educação opera, tradicionalmente, com a linguagem escrita e a nossa cultura atual dominante vive impregnada por uma nova linguagem, a da televisão e a da informática, particularmente a linguagem da internet. Nesse sentido, a cultura impressa começa a ser complementada com o uso intensivo da internet, como é o caso, por exemplo, da educação a distância, que tem na internet ferramenta indispensável. O ensino a distância nos possibilita vislumbrar o desenvolvimento e as potencialidades da cultura digital. Os sistemas educacionais estão cada vez mais lançando mão da comunicação audiovisual e da informática como ferramentas pedagógicas eficazes e complementares no processo de ensino. Por certo que os recursos tradicionais não foram substituídos, tampouco considerados obsoletos, mas os novos recursos advindos dos avanços tecnológicos mostraram-se complementos eficazes para o processo de ensino, principalmente das crianças e dos jovens. Os que defendem a informatização da educação sustentam que a função da escola será, cada vez mais, a de ensinar a pensar criticamente, com o auxílio desses novos recursos tecnológicos. Para isso é preciso dominar mais metodologias e linguagens, inclusive a linguagem eletrônica. Acerca do analfabetismo funcional e da exclusão digital Em 1950, quando as emissões de rádio estavam praticamente generalizadas em todo o território nacional, quando o cinema levava multidões às salas de projeção e a difusão televisiva dava seus primeiros passos, metade da população era ainda analfabeta. No final do século XIX, os EUA e a França contavam apenas com 14 e 18% de analfabetos, respectivamente. O Brasil, ao contrário, apresentava um percentual de 84%. A região urbana, ainda hoje, conta com 15% de analfabetos, e a rural, com quase 30%. Segue abaixo trecho da notícia extraída do jornal O Estado de S. Paulo: A taxa de analfabetismo de pessoas de mais de 15 anos caiu de 11,8% em 2002 para 10,9% em 2005, e a redução deveu-se inteiramente à demografia. O ritmo de
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queda da taxa de analfabetismo, que foi de 0,5 ponto porcentual ao ano entre 1992 e 2002, caiu para 0,3 de 2002 a 2005. Em termos absolutos, havia 14,8 milhões de analfabetos em 2002, e em 2005 esse número tinha caído apenas para 14,6 milhões. Esses resultados, revelados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2005 (Pnad), estão deixando perplexo o governo, que gastou, entre 2003 e meados de 2005, um total de R$ 330 milhões para alfabetizar 3,4 milhões de adultos, por meio do programa Brasil Alfabetizado. Uma possível explicação para aqueles números, que está sendo estudada pelo Ministério da Educação, é a de que o Brasil Alfabetizado esteja atingindo basicamente analfabetos funcionais, que não dominam satisfatoriamente a língua escrita, mas não os analfabetos absolutos, que de fato não sabem ler e escrever. Os números da Pnad referem-se ao analfabetismo absoluto. Os meios de comunicação difundem uma educação apartada dos eixos tradicionais, possibilitando um aprendizado e uma circulação do saber fora da escola (O Estado de S. Paulo, 17 de setembro de 2006). Considerando a notícia anterior, podemos dizer que o baixo índice de analfabetismo não deve ser motivo de comemoração, justamente porque a referida pesquisa não considerou a taxa de analfabetos funcionais, que é alarmante. O Brasil constrói uma história cultural a partir de outras influências: antes mesmo que a escola se universalizasse, antes que o saber formal se tornasse referência educativa para grande parte da população, antes que a língua escrita estivesse generalizada por todo o território nacional, o rádio, a TV e o cinema já eram velhos conhecidos da população. EAD e rede eletrônica Nossa página inicial, tema do trabalho que se segue, é o ensino a distância, que usa como principal ferramenta a internet. Essa nova fisicalidade na relação professor-aluno constrói também novos sentidos, porém esses não estão livres dos sentidos já dados – do já dito – por uma rede de filiações que estão colocadas sobre o que é ser aluno e o que é ser professor, assim como sobre o que é o ensino a distância, modalidade que também já conhece uma historicidade e possui sentidos constituídos antes de se apropriar desse novo suporte – a internet. 
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• 135 Segundo um discurso já consolidado pelas instituições de ensino e pelo aparelho educacional do Estado, o ensino a distância (EAD) foi criado com o objetivo de desenvolver o processo de ensino e aprendizagem através do uso das tecnologias da informação e assim fornecer um aprendizado de qualidade para aquelas pessoas que não teriam acesso à educação tradicional. Consiste também no fato de que qualquer interessado em um assunto tem a chance de obter conhecimento dele autonomamente. Baseado nisso, as ideias que dão suporte ao EAD começaram a surgir e foram rapidamente testadas, absorvidas e desenvolveram-se como nova ferramenta para a educação. É claro que, inicialmente, o processo de aprendizagem é recíproco e tanto os usuários deste sistema quanto aqueles que o criaram podem trocar muitas informações e, com isso, aprender e aperfeiçoar o sistema. EAD: a fundamentação histórica de uma nova relação de aprendizagem O início do EAD no Reino Unido Trecho do trabalho publicado nos Anais da ABED: BENEDETTI, Cláudia Regina e VASCONCELOS, Marilda. Ensino a distância: sujeitos na rede. A ideia inicial começou por volta de 1926, na Inglaterra, quando o educador e historiador J. C. Stobart, enquanto trabalhava na rádio BBC, apresentou um projeto que explicava como funcionaria uma “universidade sem fio” (uma universidade que não necessitaria de um “fio” ligando o aluno à instituição, onde não fossem necessárias aulas presencias). Inicialmente, tal projeto consistia em transmitir informações sobre um assunto e permitir que, assim, os ouvintes pudessem adquirir conhecimento sem depender do sistema tradicional de educação da época. Depois disso, a ideia foi sendo estudada e desenvolvida até os anos 1960, quando vários projetos envolvendo o assunto começaram a surgir e a ser aplicados, momento em que o nome “teleuniversidade” foi primeiramente usado. Em resumo, os projetos sistematizavam que aulas transmitidas pela TV seriam acompanhadas de textos enviados por correspondência e eventuais vi- 
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sitas por parte dos alunos a pontos predeterminados, para que sua educação pudesse receber um maior respaldo. Este respaldo seria dado por um tutor que faria o auxílio ao aluno pessoalmente. Foi também na década de 1960 que o conceito de “multimídia” foi usado para educação. O uso de som e imagem começa a ser entendido como uma nova forma auxiliadora da educação. O processo consistia em organizar os tópicos a serem estudados pelos alunos, fornecer material que desse base para o acompanhamento das aulas transmitidas e também suporte presencial esporádico, através de um encontro com um tutor. Esse método, ou a combinação desses métodos, foi testado de diversas formas no Reino Unido desde a apresentação do projeto por J. C. Stobart. Dentre as diversas ferramentas que foram usadas para agregar experiência no uso do sistema de EAD, vimos que os correios, o rádio e, mais tarde, a televisão foram avanços tecnológicos que funcionaram como facilitadores para que esse novo sistema de educação pudesse obter sucesso. Veremos mais adiante que a administração desse sistema de educação por uma instituição acadêmica e a popularização do computador puderam contribuir bastante para a transformação do EAD. A criação da Open University: novas ferramentas, novas possibilidades de interlocução Foi em 1983 que a Europa viu nascer a Open University Business School (OU), cujo imediato sucesso fez com que se tornasse a maior escola voltada a negócios através do sistema de EAD. Ainda na mesma década, a OU expandiu seu atendimento a outros países europeus, como a Bélgica e, nos anos seguintes, pôde atrair mais de 10.000 cidadãos europeus fora do Reino Unido. A OU possuíaescritórios espalhados por vários lugares que serviriam como pontos de apoio ao estudante. Novos métodos de ensino também foram criados com o início da popularização do computador. O novo mecanismo de transferência de informações passou a ser o uso de um misto de multimídias. Nesse mesmo período, cursos de pós-graduação começaram a ser oferecidos e houve outro boom de novos alunos. Atualmente, 20.000 alunos se submetem a cursos de pós-graduação a distância, número maior do que outras universidades inglesas possuem de alunos tradicionais. O sucesso do EAD, no Reino Unido, se deve ao rápido desenvolvimento da tecnologia e à grande integração de novas mídias de comunicação que foram incorporadas aos cursos universitários e que puderam preencher as necessi- 
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• 137 dades dos alunos. No início, o uso de transmissões pela BBC e o envio de fitas de vídeo, material impresso pelo correio, juntamente com a assistência que os alunos recebiam através de encontros com seus tutores em pontos espalhados por todo o país deram ao EAD a praticidade e confiabilidade de que o sistema precisava para começar a ser usado por outras instituições além da OU e convencer muitos duvidosos de sua eficácia. O sucesso que este sistema de ensino possui está vinculado ao processo histórico que possuiu e, consequentemente, à aceitação a qual se submeteu durante os períodos inciais de sua prática. O EAD é hoje usado em grande parte por outros países e, no Brasil, o caminho percorrido também foi importante para seu sucesso. O ensino a distância permite transpor as barreiras do tempo e do espaço e fazer o capital circular mais livremente, as paredes da sala de aula são agora os quatro cantos da tela do computador. O EAD surge no Brasil No Brasil, o caminho que o EAD tomou teve suas similaridades com aquele o europeu. Na década de 1930, o sistema de correios, no país, ainda era precário e pouco se podia confiar no recebimento de informações. Ainda havia pouco incentivo por parte das autoridades do sistema educacional da época. Porém, depois de um período de adaptação, o EAD começou a ser transmitido pelo rádio e foi bem-sucedido, já que a audiência era grande. Em 1939, um projeto chamado “Rádio-Monitor” foi desenvolvido. Lições sobre um certo assunto, seguindo um roteiro planejado para o rádio, eram transmitidas todos os dias, em horários predeterminados, e possuíam um público fiel, já que muitas cartas chegavam todos os dias. Nesse projeto, os professores, como eram chamados, tinham por responsabilidade ler e dar dicas que pudessem guiar os ouvintes na aprendizagem do assunto proposto. Não havia muita disponibilidade de material, portanto cabia ao aluno-ouvinte procurar material que lhe desse suporte para conhecer um assunto e, para isso, ele seguia as recomendações do professor. Na década de 1960, novos objetivos foram estabelecidos para o EAD. Dentre eles levar a educação a distantes regiões do Brasil. Para aquelas pessoas que não tinham acesso às instituições de ensino por conta da distância geográfica. O objetivo educacional era proporcionar aos cidadãos participantes conhecimento 
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prático para ser aplicado a uma profissão. Muitos deles já deveriam desenvolver esta ou aquela atividade, mas o que lhes faltaria seria conhecimento teórico, para que pudessem aprimorar seu trabalho. E isso requeria que a pessoa tivesse um conhecimento básico do assunto, desejo de aprender e algumas horas livres. O que faltava era a disponibilização de uma ferramenta que pudesse facilitar o desenvolvimento deste projeto. Com a popularização da TV, a transmissão de cursos se tornou mais eficaz com sessões pré-gravadas e aquelas ao vivo. O mais conhecido sistema de ensino pela televisão, criado na década de 1960, foi o Telecurso Primeiro e Segundo Graus, realizado pela fundação Roberto Marinho. O principal objetivo deste programa era oferecer educação informal através do EAD e dar às pessoas a oportunidade de terminarem o aprendizado de conceitos básicos relacionados a assuntos como Matemática, Português e Ciências. O equipamento usado se resume à televisão e o método é unidirecional, ou seja, o professor ou tutor não pode acompanhar o progresso do aluno e este não pode partilhar seu conhecimento ou conclusões com mais ninguém. O aluno está por sua conta no que se refere a administrar seus estudos. EAD e os usuários da internet Ao final da década de 1980, o computador e, consequentemente, a internet marcaram uma nova maneira de se enviar e receber informações, e isso pode ser visto também na educação. O acesso a esta tecnologia permite que as pessoas possam organizar, produzir e armazenar informações de uma maneira muito mais eficiente. Tal tecnologia também permitiria uma maior interação entre o aluno e o professor no sistema EAD. A comunicação se tornou mais dinâmica e mais rápida, fazendo com que as distâncias fossem menores e superassem os obstáculos geográficos. Foi neste período que se iniciaram as ideias em torno do uso de computadores como auxiliares da educação. No decorrer dos anos 1980 e por toda a década de 1990, vê-se que, aos poucos, o uso de computadores ligados à internet se torna comum nas universidades, escolas privadas e também em algumas escolas da rede pública. Com a internet, termos como sociedade da informação começaram a ser usados, pressupondo, ou pelo menos construindo esse sentido, que o novo meio pudesse fazer toda a sociedade ter acesso à informação e, consequentemente, à educação. 
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• 139 Em 2000, o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) lançou um material chamado de O livro verde, para a sociedade da informação no Brasil. Esse livro incentiva o crescente uso da informação disponível por parte da sociedade brasileira. Ainda tenta fazer com que o acesso à internet se popularize cada vez mais, pois acredita que, quanto mais pessoas participarem da rede, mais essa se tornará variada e dinâmica. Tal livro também é favorável ao comércio eletrônico e à exploração de seus benefícios. Fazer parte dessa sociedade da informação significa ter acesso ao mesmo nível de informações que qualquer outra pessoa em qualquer outro lugar. Isso, então, proporciona a qualquer indivíduo integrante adquirir o conhecimento desejado sem se importar com as distâncias ou ter de se submeter às barreiras que um curso tradicional ofereceria. A ideia de “democratização” da informação se faz necessária para dar sentido ao novo instrumento educacional, como se as “barreiras” para o acesso à educação fossem somente físicas. Nesse caso, temos um discurso que tenta se construir como uno, mas que se esburaca se colocado diante de outras formações discursivas sobre os problemas de acesso à rede eletrônica pela maioria da população: pelo menos 80% da população vive offline. Os anos 2000 e a tecnologia por trás do EAD Como visto anteriormente, a tecnologia por trás do EAD está baseada em se ter acesso a um computador. Como já foi afirmado, com o grande número de pessoas que podem acessar a rede, isto é, que também pode usar o EAD continua crescendo. Alguns centros usam a associação do aparelho de televisão com satélites, para enviar ou receber informação para grupos de pessoas, preocupando-se em facilitar o entendimento dos assuntos propostos e dar suporte educacional à sua audiência, garantindo, assim, que o usuário de tal sistema possa realmente adquirir o conhecimento proposto e fazer uso dele em sua carreira profissional. A fotografia digital é uma outra importante ferramenta que se tornou bastante popular nos meios de educação. Mesmo em livros, o uso de fotos digitais proporciona ao leitor ter contato com uma imagem de maior qualidade e ainda manipular esse tipo de arquivo. O usuário tem acesso a um grande número de imagens mais rapidamente e ainda consegue armazená-las para, posteriormente, serem usadas em outros trabalhos e artigos.
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Telefones celulares e o que se pode e se poderá fazer com esses aparelhos também estão entre as ferramentas já disponíveis para aqueles que querem melhorar ainda maisa eficácia do EAD. Essa tecnologia traz a possibilidade de comunicação e troca de informações com um grande número de pessoas a qualquer hora do dia e em qualquer lugar simplesmente através de um aparelho de mão. Todos esses equipamentos e suas utilidades tiveram um grande impacto na vida das pessoas. Podemos afirmar, sem medo de equívocos, que é a primeira vez que o homem tem a chance de manipular uma multiplicidade de informações e suportes concomitantemente. Esse ser é um novo sujeito, um navegador, sem embarcação, seu caminho é de marinheiro errante, pois a possibilidade de mapeamento está minimizada, no caso do EAD, à página de acesso ao Ambiente Virtual. A topologia não é mais a da sala de aula, as ferramentas não são mais o giz, a lousa e o caderno de anotações, a materialidade é outra. O livro não apresenta a fisicalidade de capítulos sequenciais, os arquivos estão justapostos e permitem vários percursos de leitura em uma arquitetura de nós, de textos e rede de textos. Esse sujeito conta ainda com uma temporalidade e uma espacialidade diferente, pode ter acesso a aulas que já foram dadas, conversar com o professor em tempo real sem ocupar o mesmo espaço físico, sem ao menos conhecer pessoalmente esse professor. As informações ganham, então, uma transitoriedade diferente, um fluxo constante e simultâneo, fazendo surgir um outro sujeito-aluno e um outro sujeito-professor. Para que o nível de absorção ou entendimento das informações possa ser aprimorado, é necessário que tais níveis sejam administrados de forma eficaz e isso exige o domínio da tecnologia disponível. Quanto melhor for a habilidade com esta tecnologia, melhores serão os benefícios adquiridos. O uso de vários equipamentos para acessar e armazenar e organizar as informações necessárias para se construir o conhecimento desejado juntamente com a assessoria por parte do tutor contribuem bastante para a motivação do aluno. Esta motivação, segundo o discurso oficial, é a chave de que o EAD necessita para ser um sistema competente de aprendizagem. É preciso pontuar a competência fundamental que os sujeitos – alunos e professor – têm de ter para se conectarem a essa modalidade de ensino a distância informatizada. Na verdade, esse discurso revela habilidade em lidar com as possibilidades da rede, seu avanço tecnológico permite a fusão de equipamentos de comunicação (imagem, som, texto, vídeo etc). Além de disponibilizar um instrumental 
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 multimidiático, o EAD potencializa o caráter industrial da educação, visto que sua extensão passa a ser mundializada. Usuários online versus usuários offline O suporte dado ao aluno pode ser dividido em dois tipos: o primeiro abrange aqueles que não têm acesso à internet e, portanto, podem usar o sistema de correios ou máquinas de fax para receber e enviar o material. O aluno ainda pode entrar em contato com o tutor através de telefone. Estes alunos possuem encontros presenciais com frequência determinada pela instituição. O segundo tipo abrange aqueles alunos que possuem acesso à internet e usam este mecanismo para receber e enviar informações, podendo ainda estabelecer uma relação com os outros alunos através de fóruns de discussão ou espaços reservados para a troca de recados entre os alunos e entre estes e o tutor. Outra vantagem que o acesso à internet traz é que o aluno pode desenvolver as tarefas propostas em seu próprio computador, lendo o material recebido, discutindo com seus colegas online, realizando pesquisas na rede e, por fim, reenviar o material. Isso tudo sem o consumo de papel ou a necessidade de se deslocar para realizar tarefas distintas. Nesse segundo caso, a interação do tutor com o aluno é maior devido ao mecanismo de comunicação ser mais rápido e interativo do que aquele por meio do qual o aluno se comunica por correspondência não eletrônica com seu tutor. A principal vantagem de se ter acesso à rede é a troca de mensagens em tempo real, tanto com o tutor do curso quanto com os outros participantes. Fóruns de discussão permitem uma maior integração destas pessoas e, portanto, dão mais motivação para aquele aluno que necessita de maior atenção durante seu aprendizado. Já as videoconferências permitem um relacionamento em tempo real, no qual os alunos estão reunidos num mesmo ambiente integrando-se com os colegas de sala, e não com a tela do monitor; a moldura de suas ações será a do tutor/professor. É esperado que o uso dessas ferramentas descritas anteriormente possa trazer benefícios educacionais. As ferramentas de comunicação são usadas para apresentar a informação do professor/tutor para o aluno e vice-versa. O computador pode armazenar esta informação e, consequentemente, o aluno pode usá -la num dado momento desejado. A informação, uma vez armazenada, pode ser acessada a qualquer momento pelo aluno que tem a chance de decidir quando 
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e onde estudar. Há, então, a sensação de que o professor/tutor encontra-se disponível sempre, assim como o conteúdo curricular. Todo esse equipamento de multimídia permite criar uma realidade virtual que supriria a necessidade de um real encontro com o professor. A simulação deste tipo de interação pode ser uma grande motivação para a continuidade do curso, já que também há a sensação de não se estar sozinho quando em fóruns de discussão. Essa nova relação levanta questões sobre o tempo e o espaço, sobre a distância e a proximidade. Temos um outro tipo de sociabilidade, que podemos chamar de tecnológica, já que é exclusivamente mediada por um aparato técnico que pretende suprir a necessidade da fisicalidade do professor e do aluno. Supõe-se que este sujeito-aluno seja disciplinado o bastante para completar o aprendizado do que lhe foi proposto. Essa disciplina é, em parte, garantida pelo constante relacionamento com a instituição na troca de informações e no controle virtual e (em parte) presencial de suas atividades. Constrói-se, então, uma nova relação entre sujeitos de um novo discurso sobre uma nova forma de educação, dados pela utilização de novas ferramentas e novas possibilidades de interlocução. A originalidade que se edifica no EAD retém uma memória discursiva sobre o que é ser professor, o que é ser aluno, o que é uma aula. São essas formações discursivas que permitem o aparecimento de novas posições-sujeito. Os sujeitos e as malhas do digital Pensar no ensino a distância é pensar em sujeitos conectados a essa rede mundial que transforma a relação tempo e espaço, que faz circular discursos fragmentados. Uma rede que, assim como o processo de aprendizagem, só funciona se estamos inseridos nela, uma rede com pontos de esburacamento e entrelaçamento. A rede eletrônica permite localizar conteúdos e recorrer a fontes como sons e imagens fixas ou em movimento, os sujeitos têm acesso a um fluxo frenético de informações e a uma possibilidade ilimitada de interação, como afirma Roger Silverstone (2002), ao definir a rede mundial de computadores como uma “promessa (alguns diriam ameaça) de um mundo interativo em que tudo e todos podem ser acessados, instantaneamente”. A encruzilhada da internet é paradoxal, como analisa Kucinski (2005), constitui um espaço no qual se manifesta a fragmentação ética e o individualismo, 
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 ao mesmo tempo em que é a poderosa ferramenta dos libertários, dos que não se resignaram ao triunfo do neoliberalismo. Resta-nos saber como os sujeitos estarão inseridos nesse universo contraditório, como a educação a distância irá se construir nessa nova “sala de aula”, que continua quadrada, mas que tem uma espacialidade hipertextual e uma localidade indefinida. A rede eletrônica possibilita a rápida locomoção de um local a outro, os sujeitos atravessam paredes sem necessariamente abrir e fechar portas, a propagação do ensino online traz consigo indagações complexas a respeito do próprio conhecimento, da sua utilização e do seu impacto sociocultural. Dentre as discussões apontadas sobre a rede e suas possibilidades, fica uma questão para a educação a distância: como se posicionamos sujeitos (aluno e professor) diante da rede? Aluno e professor: sujeitos de um discurso nas malhas do digital Como já vimos, as novas tecnologias causam impacto em diferentes áreas. Os computadores e a internet criaram novas oportunidades, novas profissões, novas formas de trabalho que englobam mais gente a cada dia. Entre essas novas formas está incluída a educação a distância, algo que já conquistou espaço no mercado e que, a cada dia, abraça mais e mais adeptos. O meio digital permitiu o surgimento dessa nova categoria de educação, o ensino a distância, que ganhou espaço até mesmo dentro das universidades convencionais. Hoje, pessoas de qualquer parte do Brasil podem interagir em cursos oferecidos em diferentes áreas estando em qualquer parte do mundo. Podem escolher como cortar cabelo, como montar uma empresa, como tocar um instrumento musical, até mesmo se pós-graduar. A falta de tempo acelerou o ritmo das pessoas, que tiveram de se adaptar aos moldes digitais rapidamente. Recuperando os dados do Anuário Brasileiro Estatístico de Educação Aberta e a Distância (Abraed 2005), vemos que, em 2004, pelo menos 1.137.908 de brasileiros se beneficiaram de algum curso de ensino a distância no país. Tais dados são resultado de pesquisa feita apenas com alunos de instituições oficialmente credenciadas com o número das seis maiores instituições que ofertam a modalidade: Sebrae (176.514 alunos), Fundação Roberto Marinho – Telecurso 
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2000 (393.442), Senai (10.305), Senac (37.973), Governo do Estado de São Paulo (132.223) e Telemar (77.494). Ainda segundo o levantamento, deste total de 1,1 milhão, 309.957 pessoas estavam matriculadas em cursos oferecidos por 166 entidades credenciadas, como universidades públicas e privadas que seguem uma regulamentação específica do poder público. Esses estudantes estão distribuídos pelo ensino fundamental, médio, sequencial (curso superior de curta duração, normalmente de 2 anos), técnico (ensino médio profissionalizante), EJA (Educação de Jovens e Adultos), graduação, e pós-graduação latu sensu (especialização). Vale lembrar que este levantamento não incluiu cursos livres como música e idiomas, por exemplo. A região Sudeste educa 53% do total de alunos a distância do país, o equivalente a 163.887 estudantes. O Nordeste tem o segundo maior grupo, com 18,7% do total de alunos, seguido pela região Sul (17%). Ao adentrarmos no ambiente educacional online, muita coisa nos parece diferente da modalidade que estamos acostumados a vivenciar. E realmente são diferentes, porém não menos eficazes. Os alunos e o professor geralmente não se conhecem pessoalmente; o meio de ler o conteúdo do curso passa a ser a tela, e não mais o papel (embora alguns prefiram imprimir para ler); o modo como as aulas podem ser comentadas, como podemos dar vazão às nossas opiniões, mostrar nossos descontentamentos e criar discussões agora são mais abertos do que em uma sala de aula comum, onde muitas vezes o aluno não consegue ou tem vergonha de se manifestar. Podemos tirar dúvidas a qualquer momento é só escrever um e-mail, o qual em breve será respondido pelo professor ou também por algum outro colega que possa contribuir com alguma experiência. Um aluno interagindo online com um professor remoto pode se sentir mais próximo de seu mestre do que se estivesse assistindo a uma aula local expositiva, junto com uma centena de outros colegas, todos impossibilitados de interagir adequadamente com o professor ou entre si. Assim, não é medindo-se a distância espacial entre alunos e professores que se terá um parâmetro adequado de comparação. O que realmente importa é a sensação de distância percebida pelo aprendiz (TORI, s/d, online). Essa sensação de distância tende a ser menor em cursos a distância já que esse contato torna-se mais rápido e com menos constrangimento. Às vezes, o que o aluno jamais perguntaria na sala de aula presencial, por vergonha, ou por se achar menos inteligente que os demais, pode perguntar na aula online e discutir tudo o que quiser. O aluno torna-se um sujeito potente, capaz de realizar ações que a fisi- 
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calidade da sala de aula não permitiria, que a identificação da relação interpessoal não possibilita. Alguns sites especializados em EAD disponibilizam depoimentos de seus alunos tratando dos benefícios desta modalidade educacional: Enquanto lia as mensagens do fórum esta noite deparei-me lá pelas tantas com uma grata surpresa. Em todos os cursos que realizei nunca tive tantas informações sobre meus colegas, seus pensamentos, suas qualidades. Vejam só, o curso tem somente um mês e é incrível como já “conversei” com os colegas. Como diz meu filho, “altos papos”. Nem na mesa do bar da faculdade com a (maravilhosa) cervejinha, tinha aprofundado conversas como aqui ocorreu. Nunca estive tão próximo dos meus colegas de aula. PARABÉNS A TODOS e repito: Educação a DISTÂNCIA, DISTÂNCIA... QUE NADA!!! A comunicação entre os envolvidos é de suma importância para o melhor aproveitamento de conteúdo e, principalmente, de oportunidades. Já cursei uma faculdade presencial e posso afirmar que aprendi muito mais com curso online pois não basta ler as aulas, os exercícios avaliam o entendimento e a aplicabilidade do conteúdo. Você aprende mesmo, não decora! Diante desses enunciados perguntamo-nos: como se dá a construção da relação sujeito-educador e sujeito-educando no ensino a distância? Quais as condições de construção dessa relação? Que elementos compõem a interação virtual entre o ser o saber? Se a linguagem é o discurso como percurso, mediação necessária entre o homem e a realidade natural e social a fim de fazer deste um ser especial com capacidade de significar e significar-se (ORLANDI, 1999), é também por meio da relação homem-conhecimento que a linguagem significa. A questão educacional, no Brasil, é tema que preocupa inúmeros segmentos da população no país. Um dos pressupostos para tal preocupação assenta-se na dificuldade de as instituições de ensino atenderem à demanda do estudante contemporâneo. Ávido pelo conhecimento e bombardeado pelas novas tecnologias, o aprendiz percorre instituições educacionais públicas ou privadas preocupado com uma formação que atenda a seus anseios e também aos do mercado capitalista. 
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• capítulo 4 ATIVIDADE 01. Defina os seguintes sistemas de estratificação social: castas, estamentos e classes. 02. Escreva um texto síntese sobre as desigualdades no Brasil. 03. Descreva os aspectos contraditórios da globalização. 04. Qual é o papel da educação na sociedade de informação? 05. O que é a exclusão digital? REFLEXÃO Vimos que a globalização, por abarcar elementos antagônicos, mantém entre si relações dialéticas e deve ser analisada como um fenômeno contraditório. Ela produz aspectos positivos e negativos. De um lado, a sociedade global propicia o compartilhamento facilitado de informação e conhecimento e, de outro lado, é marcada por uma acentuada exclusão social (tendo uma de suas variantes: a exclusão digital) de amplos segmentos da população. 
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 LEITURA Para uma reflexão atualizada sobre a desigualdade brasileira, leia: SOUZA, Jessé . A parte de baixo da sociedade brasileira. Interesse Nacional, v. 14, p. 33-41, 2011. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CASTELLS, Manuel. A galáxia da internet. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003, p. 13-33. FEATHERSTONE, Mike. Cultura global: nacionalismo, globalização e modernidade. Petrópolis: Vozes, 1999. GUIA DE EDUCACÃO A DISTÂNCIA 2005. São Paulo: Segmento, 2005. IANNI, Octavio. A era do globalismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1996. ______. Globalização e transculturação. Campinas: Unicamp, 1997. KUCINSKI, Bernado. Jornalismo na era virtual. Ensaios sobre o colapso da razão ética. São Paulo: Editora da Fundação Perseu Abramo: UNESP, 2005, p. 71. MATTELART, Armand. A mundialização da comunicação. Lisboa: Instituto Piaget, c1996. MONTERO, Paula. O problema das diferenças em um mundo global. Petrópolis: Vozes, 1998. ORLANDI, E. P. Análise do Discurso: princípiose procedimentos. Campinas, SP: Pontes, 1999. PÊCHEUX, M. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio/ Michel Pêcheux; trad. Eni Punccinelli Orlandi [et al]. 3. ed. Campinas, SP: Unicamp, 1997. SANTOS, Tania Steren dos. Globalização e exclusão: a dialética da mundialização do capital. Sociologias. n. 6. Porto Alegre, jul./dez. 2001. SOUZA, Jessé. A modernização seletiva: uma reinterpretação do dilema brasileiro. Brasília: Universidade de Brasília, 2000. TOMAZI, Nelson D. Sociologia da educação. São Paulo: Atual, 1997. TOSCANO, Moema. Cultura e educação. In: Introdução à sociologia da educação. Petrópolis: Vozes, 1986.

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