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ÉTICA ECOLÓGICA

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ÉTICA ECOLÓGICA 
1- CONSIDERAÇÕES INICIAIS: A AMPLIAÇÃO DO CÍRCULO MORAL E A EXPANSÃO DO RECONHECIMENTO DE DIREITOS PARA ALÉM DO ESPECTRO HUMANO
· Se quisermos sair da atual crise ecológica que a humanidade trouxe sobre si mesma, e se não sairmos, não teremos futuro, vamos necessitar de uma moral mais ampla, mais completa, de uma ética ecológica. Temos de aprender a ver o todo. Temos de nos livrar deste velho preconceito ocidental, da ideia de que o homem é o centro do Universo, de que toda a criação está aqui para nos servir, de que temos direito de usá-la e abusá-la sem sentido algum de responsabilidade. Temos de nos libertar da ideia de que os outros seres só têm sentido em função da sua utilidade imediata para o homem.
· A obra de Bosselmann – e de vários outros autores na mesma linha – abriu o pensamento jurídico para a ética ecológica, impactando de forma definitiva a concepção que temos hoje do Direito Ambiental (ou mesmo do Direito Ecológico, num estágio ainda mais avançado). A influência de tal sistema de pensamento edificado no âmbito da ética ecológica impulsionou a discussão, por exemplo, acerca dos direitos dos animais e dos direitos da Natureza (florestas, rios, paisagens etc.), bem como a ruptura com o marco jurídico antropocêntrico – em prol de outra matriz jurídica biocêntrica ou ecocêntrica.
· A “situação-limite” a que chegamos no tocante à crise ecológica, está associada de forma direta à postura filosófica – incorporada nas nossas práticas cotidianas tanto na esfera privada quanto pública – de dominação do ser humano em face do mundo natural, consolidada pela ciência moderna de inspiração cartesiana. O progresso científico por si só, ou seja, a criação ou mesmo aprimoramento técnico-científico não nos transporta automaticamente para um novo estágio de evolução moral e bem-estar existencial (individual, social e ecológico).
· O poder que hoje o ser humano (Homo faber) detém de transformação da Natureza não encontra limites. Da destruição das florestas para extração de madeira e práticas agrícolas e agropastoris à poluição generalizada dos elementos da Natureza, chegando ao extremo da contaminação nuclear e risco da nossa própria sobrevivência como espécie, como posto na questão climática. 
· O ser humano não poupou técnicas para debilitar a Natureza, extinguindo incontáveis espécies no caminho do seu “progresso” civilizatório. Uma rápida visita a qualquer museu de história natural nos permite conhecer algumas espécies extintas pelas mãos dos seres humanos, como mamutes (Mammuthus), mastodontes (Mammutidae), preguiça gigante (Megatherium), tigre de sabre (Smilodon populator) etc.
· Essa é a questão central colocada pela ética ecológica. Precisamos de um “novo” parâmetro ético para as práticas humanas levadas a efeito pelo novel instrumental tecnológico desenvolvido, notadamente em vista da crise ecológica desencadeada pelo ser humano e seu crescente (e quase absoluto) poder de intervenção na (e destruição da) Natureza. 
· Romper no sentido de “ampliar fronteiras morais”, ou seja, incluir a Natureza na mesma comunidade moral integrada pelo ser humano, de modo a atribuir valor intrínseco aos elementos naturais (fauna, flora etc.).
· Da ética do indivíduo (do “eu”), devemos migrar para a ética do Universo!
· A ética ecológica por tal prisma possui várias dimensões, entre as quais podemos destacar a ética intrageracional, no sentido de estabelecer uma relação de respeito e consideração pelos diversos povos e gerações que hoje habitam o Planeta e sofrem as consequências da crise ecológica, muitos dos quais, cabe frisar, suportando injustamente o ônus e as externalidades ecológicas negativas decorrentes dos altos padrões industriais e de consumo dos países desenvolvidos.
· Sem falar na injustiça e na exigência de uma ética climática na relação entre as gerações mais novas (crianças e adolescentes) que já habitam o Planeta Terra em face das gerações mais velhas e que atualmente estão no poder e exercem a liderança política, tomando as decisões que serão suportadas pelos hoje jovens daqui a algumas décadas, como decorrência, por exemplo, das mudanças climáticas.
· Outra dimensão da ética ecológica é a ética intergeracional (ou intertemporal), de modo a pautar as nossas ações presentes em respeito e solidariedade para com as gerações humanas futuras. Ou, como referido por Dieter Birnbacher, uma “ética do futuro”.
· Na caracterização das dimensões da ética ecológica, merece destaque a ética interespécies, que tem como foco as ações humanas em face das demais espécies (animais e não animais).
DIMENSÕES DA ÉTICA ECOLÓGICA
Dimensões da Ética Ecológica
Intrageracional (entre a mesma geração ou gerações viventes)
Intergeracional (entre diferentes gerações)
Interespécies (entre diferentes espécies biológicas ou naturais)
CORRENTES DA ÉTICA ECOLÓGICA
Correntes da Ética Ecológica
Patocentrismo – do grego páthein, padecer – designa a concepção ética de que “todos os seres sencientes merecem consideração por si mesmos”.
Biocentrismo – do grego bíos, vida – caracteriza-se por defender que “todos os seres vivos merecem consideração por si mesmos”.
Ecocentrismo – também denominado por alguns de “ética holística” ou “fisiocentrismo”, do grego physis, ou seja, Natureza –, tem por premissa que “toda a Natureza (versão holística) ou tudo na Natureza (versão individualista) merece consideração por si mesmo”.
2- A RAIZ FILOSÓFICA DO PROBLEMA: CRÍTICA AO PENSAMENTO CARTESIANO
· De acordo com Luc Ferry, “o humanismo cartesiano é, sem dúvida alguma, a doutrina que mais longe chegou na desvalorização da Natureza em geral e na do animal em particular”.
· A perspectiva humanista liberal-individualista que caracterizou o pensamento moderno – e a obra de Descartes é o melhor exemplo disso – coloca o indivíduo como o centro e ponto de partida da sua edificação teórico-filosófica, ou seja, é a concepção antropocêntrico-humanista, sem dúvida fundamental para a evolução do pensamento filosófico à época, inclusive na perspectiva da afirmação de direitos individuais, que conduz à dicotomia no trato com a Natureza, e mesmo no que diz com a própria “desnaturalização” do ser humano. 
· A Natureza era tida como algo estranho ao ser humano e, portanto, não integrava o círculo moral de matriz humanista do pensamento cartesiano.
· A ideia de “animal-máquina” formulada por Descartes, em sua obra Discurso do Método (Quinta Parte), expressa de forma bastante contundente a dicotomia estabelecida entre a esfera humana e a esfera natural. O filósofo francês defendia o entendimento de que os animais poderiam ser equiparados a máquinas móveis ou autômatos, já que, diferentemente do homem – que seria composto de alma (res cogitans) e corpo (res extensa) e, portanto, nunca poderia ser identificado com uma simples máquina –, apenas possuíam corpo.
· Ao afirmar que os animais não possuem nenhuma razão, ou seja, não eram reconhecidos como “seres racionais” – portanto, tampouco possuidores de valor intrínseco, Descartes abriu caminho para a separação entre ser humano e Natureza que até hoje marca a abordagem científica em quase todas as áreas do conhecimento, bem como para o processo de instrumentalização, apropriação e dominação da Natureza e dos recursos naturais, o que, em grande medida, tem nos conduzido ao atual estágio preocupante de degradação ambiental e mesmo de risco existencial, impactando a integridade do sistema ecológico em escala global.
· Como dito por François Ost, “a ciência moderna é tecnicista e já não especulativa. O seu objetivo não é conhecer o mundo, mas fabricar um outro mundo, mais avançado. Assim se inicia, conquistadora e triunfante, a era do artifício”. O pensamento cartesiano – alimentado pela soberba da razão do res cogitans (coisa pensante) – também rompeu de forma definitiva com a cosmovisão e o “encantamento” da Natureza. A Natureza, de certa forma, não passaria de um “cálculo matemático” para a filosofia cartesiana, impondo artificialmente as “leis dos homens” as “leis da Natureza”.· É também atribuída a Descartes a abordagem científica mecanicista, ou seja, de separação das partes com relação ao todo para a sua devida compreensão e estudo. Tal método científico, sem dúvida importante para o conhecimento de determinados fenômenos, conduziu, em alguns aspectos, a uma incapacidade de compreensão dos fenômenos naturais na sua complexidade ou globalidade. Isso, por certo, é fundamental para a assimilação da crise ecológica e seu enfrentamento. É absolutamente pertinente a esse propósito a unificação ou unidade do conhecimento científico proposta por Edward O. Wilson em sua obra Consilience: the Unity of Knowledge (1999), no sentido de aproximar o máximo possível as diferentes áreas do saber científico, por exemplo, as ciências naturais e as ciências humanas.
· A “crítica ao especialista” feita por Lutzenberger exemplifica bem a questão ora em análise. Segundo o autor, a crise ecológica e a dificuldade do seu devido entendimento (e mesmo solução dos problemas dela decorrentes) é resultado da “atitude do especialista que isola seu problema e se concentra completamente em um só aspecto de uma questão. Essa atitude tem sido a base do progresso da ciência e da técnica, mas ela produz efeitos catastróficos quando aplicada ao meio ambiente. A biosfera é um complexo sistema de equilíbrios dentro de equilíbrio, que por sua vez faz parte de equilíbrios ainda maiores. Para compreender o nosso meio ambiente, temos que encarar o todo, temos que ver a dinâmica dos sistemas naturais, temos que aprender a ver o homem como parte deste grande complexo”.
· Além da limitação da sua abordagem científica para a adequada compreensão dos fenômenos naturais que estão na base da crise ecológica, a contribuição mais “prejudicial à Natureza” do pensamento cartesiano para a abordagem da ética ecológica está na dicotomia rígida estabelecida entre ser humano e Natureza e a “objetificação” dos eles. Além, é claro, das consequências práticas de tal compreensão filosófica (em termos econômicos, políticos, jurídicos, etc.), abrindo caminho para a instrumentalização inconsequente e irresponsável dos recursos naturais levada a efeito pelo ser humano nos últimos séculos (e ainda em pleno curso), o que nos conduziu, em grande medida, à atual crise ecológica elementos naturais, não reconhecendo qualquer valor intrínseco inerente a no Antropoceno.
3- A ÉTICA “CONSERVACIONISTA” DE HENRY D. THOREAU, JOHN MUIR E ALDO LEOPOLD: DE VOLTA À NATUREZA SELVAGEM (WILDERNESS)!
· Para Thoreau, “a riqueza de um homem é proporcional ao número de coisas que pode deixar em paz”. 
· Muir propunha o reconhecimento da divindade da natureza selvagem (Wilderness), como valor por si só e independentemente do seu benefício para o ser humano, bem como que a Natureza representava fonte de valores éticos. Tudo isso, por certo, contrapunha-se como crítica aos rumos civilizatórios e ao crescente industrialismo que agravavam os problemas ecológicos, com o aumento da concentração urbana já verificada à época, notadamente nos cenários europeu e norte-americano.
· A “Ética da Terra”, segundo Leopold, reflete na existência de uma consciência ecológica, o que envolve a responsabilidade individual pela saúde da terra (Land). A saúde da terra, nesse sentido, seria a capacidade de se regenerar, ao passo que a conservação seria o nosso esforço para compreender e preservar essa capacidade.
4- A “ECOLOGIA PROFUNDA” (DEEP ECOLOGY) DE ARNE NAESS
· Ele pretendeu estabelecer uma abordagem para a questão ecológica que fosse além do entendimento da ecologia como ciência em sentido estrito, mas que abrisse caminho para um questionamento de ordem filosófica e mesmo espiritual.
· Naess propunha uma nova abordagem ética para a questão ecológica, com o intuito de integrar a Natureza (ou os elementos naturais individualmente) na mesma “comunidade moral” constituída pelo ser humano. Tal compreensão edificava-se a partir de um paradigma filosófico biocêntrico, conforme se pode identificar a partir da citação de abertura deste tópico, em que Naess propõe o reconhecimento de um “valor intrínseco” para além da esfera humana, ou seja, para todas as formas de vida que habitam o Planeta Terra, bem como que o valor das formas de vida não humanas independe da sua utilidade para os propósitos humanos.
· Para compreender de forma mais precisa o novo paradigma ético proposto por Naess, é importante explorar a diferença conceitual (e, principalmente, de fundamentos) feita por ele entre o Movimento da Ecologia Superficial (Shallow Ecology Movement) e o Movimento da Ecologia Profunda: o Movimento da Ecologia Superficial (Shallow Ecology Movement) luta contra a poluição e o esgotamento dos recursos naturais, de modo que o seu objetivo principal é a saúde e prosperidade (Affluence) das pessoas nos países desenvolvidos. Há, portanto, um fundamento estritamente antropocêntrico por trás de tal concepção ética. Por outro lado, o Movimento da Ecologia Profunda (Deep Ecology Movement) finca as suas raízes éticas a partir de um paradigma biocêntrico. Não por outra razão, diversas correntes do movimento ambientalista ligado aos direitos dos animais e também aos direitos da Natureza servem-se dos fundamentos da Deep Ecology para sustentar suas posições.
· A “plataforma” do Movimento da Ecologia Profunda estabelece uma ética formulada em vista de uma “ação” na perspectiva de uma transformação social de ordem comportamental. Mesclam-se princípios de cunho mais filosófico com “imperativos ou comandos” de ação, conforme se pode extrair do último ponto listado, no sentido de aqueles que compartilham dos “princípios e premissas” que fundamentam o Movimento da Ecologia Profunda têm o dever de participação em tal processo de transformação social paradigmático.
5- O “PRINCÍPIO DA RESPONSABILIDADE” DE HANS JONAS
· O filósofo alemão Hans Jonas (1903-1993), em contraste com a filosofia cartesiana, colocou “em xeque” a civilização tecnológica, propondo uma abordagem ética da ciência, em vista principalmente dos riscos existenciais trazidos pelas novas tecnologias desenvolvidas pela racionalidade humana, que expressam, numa dimensão sem precedentes, o triunfo do Homo faber sobre a Natureza e a vocação tecnológica da humanidade. Para ele, a operacionalização do arsenal científico e tecnológico deve ser pautada pela responsabilidade do cientista e submetida a parâmetros éticos, a fim de preservar-se a condição existencial humana, bem como a qualidade de vida. 
· A crítica de Jonas é pertinente, já que, na maioria das vezes, a ciência – ou melhor, o uso que se faz dela – está a serviço de interesses puramente econômicos, o que, como ele mesmo refere, coloca o ser humano como, dentre todas as espécies que já habitaram o Planeta Terra, a mais destrutiva e ameaçadora.
6- A “LIBERTAÇÃO ANIMAL” DE PETER SINGER
· O que devemos fazer é transportar os animais não humanos para a esfera da preocupação moral e deixar de tratar suas vidas como banais, utilizando-as para quais fins que tenhamos em mente.
· A questão que envolve o reconhecimento de um valor intrínseco conferido à vida animal, bem como a atribuição de direitos aos animais não humanos tem sido objeto de acirrada discussão no âmbito filosófico, mais especificadamente no campo da ética.
· Da ética animal, o debate evoluído alcançou também espectro jurídico por meio da corrente e nova disciplina do direito animal. A ética animal questiona, entre outros pontos polêmicos, a condição ou status moral dos animais, a questão dos direitos e interesses dos animais, bem como os deveres (morais e jurídicos) dos seres humanos para com os animais não humanos. Por esse prisma, diversos autores – de filósofos a juristas – têm discutido a natureza do comportamento humano e da ação humana para com os animais, o que, por si só, iniciou um movimento praticamente mundial de defesa do bem-estar dos animais e também em prol do reconhecimento de direitos dos animais, inclusive com a consagração normativa – ao menos parcial – de tais reivindicações em diversos ordenamentos jurídicos.
·A reflexão formulada por Singer no campo da ética tem o seu foco voltado especificamente para a “condição moral dos animais não humanos”, afirmando que o princípio ético sobre o qual assenta a igualdade humana nos obriga a ter igual consideração para com os animais não humanos, de tal modo que “a defesa da igualdade não depende da inteligência, da capacidade moral, da força física ou características semelhantes” e que “a igualdade é uma ideia moral, e não a afirmação de um fato”.
· Deveriam ser tratados como “seres sencientes” e independentes que são, e não como um meio para os fins humanos. Singer designa como “seres sencientes” aqueles que detêm capacidade de sofrer e/ou experimentar alegria, determinando a fronteira que coloca o limite da preocupação moral dos seres humanos relativamente aos interesses dos outros seres.
· A discriminação arbitrária referida expressaria o que Singer denomina de especismo, que configuraria “um preconceito ou atitude de favorecimento dos interesses dos membros de uma espécie em detrimento dos interesses dos membros de outras espécies”, já que, assim como se verificou – e ainda se verifica – no racismo e no sexismo, o que está em jogo agora não são os interesses dos membros da mesma raça ou do mesmo sexo, mas os interesses dos membros da mesma espécie animal (a espécie humana).
· O marco referencial para a atribuição de dignidade ou de valor intrínseco a determinada forma de vida está na sua capacidade de sentir dor (seres sensitivos ou sencientes), o que se dá em razão do desenvolvimento (em maior ou menor grau) do seu sistema nervoso central, característico dos animais vertebrados.
· A consagração de um status moral dos animais sensitivos não humanos, que passam, nesse sentido, a integrar uma comunidade moral partilhada com os seres humanos, constitui certamente um possível fundamento para o reconhecimento da dignidade do animal não humano.
7- O “CONTRATO NATURAL” DE MICHEL SERRES
· A necessidade de apostar, no contexto político-jurídico contemporâneo, na concepção de um contrato natural, em que o ser humano abandone a sua condição de dominador e “parasita” diante do mundo natural e assuma, em face deste, uma postura caracterizada pela reciprocidade na relação entre ser humano e ambiente, ou seja, aquilo que a Natureza dá ao homem é o que este deve dar a ela, tornando-a, de certo modo, sujeito de direito.
· É chegado o momento histórico de, por meio de um contrato natural, se acabar, ou, pelo menos, minimizar, o impacto maléfico do parasitismo do homem com relação à Natureza. A partir de tal compreensão, deve-se caminhar no sentido de ampliar o espectro de reconhecimento de sujeitos de direito com o propósito de, contemplando novos parceiros de aventura natural, acrescentar ao contrato social a celebração de um contrato natural ou ecológico de reciprocidade e interação entre os pactuantes.
· Os valores fundamentais da nossa comunidade estatal (dignidade, liberdade, igualdade e solidariedade) devem, por tal prisma, ser ampliados para além do espectro humano, no intuito de alcançarmos um patamar moral e cultural mais evoluído, o que, à luz das formulações levantadas, se revela também por meio do reconhecimento e consequente proteção e promoção da dignidade dos animais não humanos e da Natureza de modo geral.
· A obra de Serres, tomando por premissa a metáfora do “contrato entre a humanidade e a Natureza”, reforça a importância de conciliarmos as “leis da Natureza” com as “leis humanas” (em particular, o Direito).
8- A “FILOSOFIA DA CRISE ECOLÓGICA” DE VITTORIO HÖSLE: A SÍNTESE SER HUMANO-NATUREZA
· Em passagem da obra, Hösle chega até mesmo a tratar da necessidade de conformação de um Estado Ecológico de Direito, considerando a incapacidade dos modelos antecedentes (respectivamente, Estado Liberal e Estado Social) de lidarem com os desafios ambientais contemporâneos.
· No plano filosófico, a crise ecológica, segundo o autor, imprime uma releitura da relação do ser humano com a Natureza, sobretudo em face do marco filosófico moderno inspirado no pensamento cartesiano. 
· O filósofo alemão, em alguns aspectos, retoma a discussão que já tivemos oportunidade de analisar na crítica que fizemos à dicotomia cartesiana entre ser humano e Natureza.
· Hösle propõe uma ruptura (ou releitura) filosófica com o paradigma filosófico moderno, com o propósito de conceber uma “filosofia ecológica ou filosofia da Natureza” apta a enfrentar a atual crise ecológica.
· A era tecnológica moderna, por essa razão, representa para Hösle a causa mais profunda da crise ecológica.
· É a dominação da técnica (como expressão da racionalidade humana) em face da Natureza, numa relação cartesiana de “objetificação” dos recursos e da vida natural (não humana).
· Há, na concepção filosófica moderna, uma completa ausência de compreensão e consciência a respeito das consequências futuras (e para as futuras gerações) dos danos ecológicos causados e dos riscos criados por meio do desenvolvimento tecnológico.
· Para Hösle, a crise ecológica inevitavelmente conduzirá à redefinição política dos conflitos (novas guerras etc.) e da história política do século XXI.
· Nós podemos ter esperança que um esforço coletivo de todas as pessoas de boa vontade será capaz de preparar um mundo em que a liberdade do indivíduo não será apenas conciliada com os direitos da comunidade, mas também com a Natureza, que não mais será pensada e percebida como mera res extensa; que, para dizê-lo de forma abreviada, a evolução dos diferentes conceitos humanos de Natureza se transforma e, em um nível superior, retorna ao primeiro e com o mesmo forma uma síntese. A síntese ser humano-Natureza assenta-se como uma premissa fundamental da nova ética ecológica.
9- A “SOCIEDADE DE RISCO” (ULRICH BECK)
· Os riscos ligados a novas tecnologias estão aumentando. O mesmo ocorre com o número, as dimensões, a frequência e o impacto de catástrofes naturais ou provocadas pelo homem. Os riscos de dano irreversível a sistemas naturais, seja em nível regional (por acidificação, desertificação ou desflorestamento, por exemplo), seja em nível global (pela diminuição da camada de ozônio ou pelas mudanças climáticas) estão se tornando significativos”. 
9.1- Considerações gerais sobre a Teoria da Sociedade de Risco (Mundial ou Global)
· Publicada originalmente no ano de 1986, identificou o modelo de sociedade característico das últimas décadas – em especial ao período histórico posterior à 2ª Guerra Mundial, também denominado de “A Grande Aceleração”, especialmente no tocante aos riscos tecnológicos inerentes às práticas levadas a efeito tanto por atores privados quanto públicos. Soma-se a tudo isso uma profunda e sistemática “desorganização” ou mesmo incapacidade institucional – na perspectiva da atuação político-estatal – de gerenciar o risco e assegurar a devida segurança e proteção aos indivíduos e à comunidade política como um todo.
· De acordo com a análise proposta por Beck, evidencia-se a incapacidade das instituições (públicas e privadas), na sua configuração atual, de enfrentarem e darem a devida resposta diante dos riscos ambientais gerados pela sociedade contemporânea, de modo especial pelo fato de que a esfera pública do atual Estado de Direito tem sido, comumente, incapaz de se articular adequadamente contra o aumento de riscos e incertezas com que é confrontada, ao mesmo tempo que o projeto do Estado Providência (ou Estado de Bem-Estar Social), sobretudo na Europa, teria esgotado as suas energias utópicas. Em outras palavras, o Estado e os atores privados de modo geral não têm estabelecido a administração adequada dos riscos, mas apenas estimulado a sua socialização, o que se evidencia a cada novo desastre ambiental.
· A título ilustrativo do modelo de sociedade de risco beckiano, no contexto brasileiro, registram-se os recentes desastres de Mariana (2015) e Brumadinho (2019), demonstrando de forma cabal a incapacidade tanto de agentes públicos (por exemplo, em relação à devida fiscalização e controle de atividades que implicam grande riscoecológico e social) quanto dos agentes privados de gerenciarem de maneira eficiente os seus próprios riscos inerentes à sua atividade produtiva, não adotando as medidas de prevenção de riscos de forma minimamente suficiente e eficaz.
· São necessárias novas técnicas e tecnologias – e também novos mecanismos legais e institucionais – para planejar com segurança, prevenir acidentes, traçar planos de contingência, diminuir os danos e dar o auxílio necessário.
· A Teoria da Sociedade de Risco formulada por Beck, que, a despeito de uma evolução significativa desde a sua primeira formulação e tendo em conta novos fatores de risco surgidos desde então, mas também o estabelecimento já de um conjunto de reações – inclusive na esfera jurídica, como, dá conta, por exemplo, a responsabilidade administrativa, civil e penal pelos riscos atribuída ao poluidor ecológico – de diversa natureza, segue mantendo a sua atualidade e relevância para compreendermos a “engrenagem” e as limitações da sociedade (pós) moderna.
9.2- O efeito “antidemocrático” na distribuição dos riscos ecológicos: a concentração da riqueza “acima” e dos riscos “abaixo”
· Na sua Teoria da Sociedade de Risco, Beck identifica aspectos de natureza socioambiental que permeiam os riscos ecológicos, o que induz ao reconhecimento, em algumas situações, de um caráter “antidemocrático” ou mesmo “discriminatório” nas relações sociais que caracterizam a sociedade de risco. Nesse sentido, o sociólogo alemão refere que determinados grupos sociais, em razão do seu baixo poder aquisitivo, encontram-se mais vulneráveis a certos aspectos da degradação ambiental, em que pese também existir, de certa forma, uma dimensão “democrática” da degradação ou poluição ambiental, que atinge a todos de forma igual (por exemplo, a poluição atmosférica etc.).
· As classes sociais privilegiadas, como destaca Beck, conseguem, em certa medida, evitar ou ao menos minimizar significativamente a sua exposição a determinados riscos, já que, por exemplo, são as zonas residenciais mais baratas – acessíveis às populações mais carentes – que se encontram perto dos centros de produção industrial, as quais são afetadas permanentemente por diversas substâncias nocivas presentes no ar, na água e no solo.
· A realidade dos grandes centros urbanos brasileiros, onde as populações mais pobres vivem nas áreas mais degradadas (consequentemente, menos disputadas pela especulação imobiliária), geralmente próximas a lixões, recursos hídricos contaminados, áreas industriais com alto índice de poluição, bem como em áreas de proteção e risco ambiental (por exemplo, áreas de preservação permanente e unidades de conservação). Diante de tais situações, os grupos sociais mais pobres têm – num certo sentido – os seus direitos violados duplamente, ou seja, tanto sob a perspectiva dos seus direitos sociais quanto no tocante ao seu direito a viver em um meio ambiente sadio, seguro e equilibrado.
10- O “MITO DA CAVERNA” DE PLATÃO E O PAPEL DO CIENTISTA DE DAR VOZ (POLÍTICO-JURÍDICA) À NATUREZA E TRAZER LUZ PARA AS LEIS DOS HOMENS AMPARADO NAS LEIS DA NATUREZA: DE FACTO, DE JURE! (BRUNO LATOUR)
· Esse “descompasso” entre as leis da Natureza e as leis dos homens nunca foi tão desafiado quanto hoje, sendo urgente um realinhamento pela ótica da proteção da Natureza (e da nossa própria existência), ajustando as leis humanas às leis da Natureza para que o sistema de Gaia possa reencontrar novamente um ponto de equilíbrio capaz de salvaguardar com segurança e de forma sustentável as bases naturais que regem e tornam possível a vida (humana e não humana) no Planeta Terra. A prova mais simbólica da gravidade da intervenção do ser humano na Natureza está no recente reconhecimento pela comunidade científica de que entramos em um novo Período Geológico do Planeta Terra denominado de “Antropoceno”, como tratado anteriormente, com as nossas ações afetando, como nunca antes, o seu equilíbrio em escala global. O aquecimento global, a poluição dos oceanos e a extinção em massa da biodiversidade, entre inúmeros outros exemplos das nossas “pegadas”, dão conta de ilustrar bem esse cenário.
· O filósofo francês Bruno Latour utiliza a Alegoria ou Mito da Caverna de Platão, descrito na sua obra clássica A república, para tratar justamente do papel do cientista, como ponte de contato entre o mundo social e o mundo natural, ou seja, como uma espécie de “tradutor” das leis da Natureza para a sociedade.
· Na linha do que propôs Michel Serres. Em outras palavras, um novo rearranjo político-jurídico capaz de, como dito pelo filósofo francês, “fazer falar o mundo mudo”.
11- DA ÉTICA ECOLÓGICA AO DIREITO AMBIENTAL OU ECOLÓGICO: RUMO A UM NOVO PARADIGMA JURÍDICO-CONSTITUCIONAL ECOCÊNTRICO DE “LIBERTAÇÃO DA NATUREZA”?
· O “reconhecimento” de um valor intrínseco em outras formas de vida não humanas conduz, por si só, à atribuição de “dignidade” para além da esfera humana, além, é claro, de permitir a identificação de uma dimensão ecológica da própria dignidade da pessoa humana.
· O Direito precisa atuar não apenas como mecanismo capaz de integrar os novos valores morais e éticos de natureza ecológica ascendentes no âmbito social, mas também com prognose e vislumbrando assegurar a proteção da vida, da dignidade e dos direitos fundamentais no plano temporal futuro. Isso implica “realocar” o lugar da Natureza no Direito.
· No plano constitucional, pela defesa de uma Constituição Ecológica e de um Direito Ecológico alicerçados num novo paradigma jurídico ecocêntrico, apto a reconhecer o valor intrínseco inerente à Natureza no seu conjunto (elementos bióticos e abióticos).
· Por mais que no discurso ambientalista – jurídico e não jurídico – seja sempre entoada com entusiasmo a defesa de um novo paradigma ecocêntrico – em oposição ao antropocentrismo –, tal entendimento não reflete (ainda) as construções jurídicas e respectivos mecanismos normativos dos quais dispomos hoje para promover a tutela e promoção do meio ambiente.
· O paradigma jurídico ecocêntrico objetiva, forte na premissa da integridade ecológica (como sua Grundnorm), ampliar o quadro de bem-estar humano para além dos espectros liberal e social, inserindo necessariamente a variável ecológica, somado à atribuição de valor intrínseco e direitos não apenas aos animais, mas também à Natureza. Como entendemos não ser possível a dicotomia cartesiana entre ser humano e Natureza, por representar uma incoerência do ponto de vista ontológico, dada a natureza biológica inerente à condição existencial humana, a defesa dos direitos da Natureza é, em última instância, a defesa da vida, da dignidade e dos direitos fundamentais do ser humano, já que eles têm como premissa a integridade ecológica para o seu exercício e florescimento da vida humana no Planeta Terra.
· Chegou o momento da “libertação da Natureza”.

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