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A pancreatite aguda é definida como uma condição inflamatória aguda do pân- creas. Sua gênese depende da autodiges- tão tecidual devido à secreção das pró- prias enzimas pancreáticas. Existem várias causas associadas à pancreatite aguda, entretanto os mecanismos pelos quais essas causas desencadeiam essa doença ainda não foram bem elucidados. A pancreatite aguda deflagra um quadro de abdômen agudo inflamatório, com um processo infla- matório intenso que pode causar síndrome de resposta inflamatória sistêmica (SIRS). O pâncreas é uma glândula do apa- relho digestivo capaz de exercer uma dupla função – exócrina (produção e secreção do suco pancreático, rico em bicarbonato e enzimas digestivas); e endócrina (liberação de hormônios, tais como a insulina, o gluca- gon e a somatostatina). Existem várias causas de pancreatite aguda, mas os mecanismos pelos quais essas condições desencadeiam a inflamação pancreática não foram ainda completa- mente elucidados. Litíase biliar e álcool são responsáveis por 75% a 80% dos casos de pancreatite aguda nos EUA, sendo a litíase biliar ainda a maior causa (30% a 60%) dos casos de pancreatite aguda, enquanto o consume crônico de grandes volumes de etanol é a principal causa da pancreatite crônica. O risco de pancreatite aguda em pacientes com pelo menos uma pedra na vesícula <5 mm é quatro vezes maior do que em pacientes que apresentam apenas pe- dras maiores. O álcool é a segunda maior causa de pancreatite aguda nos EUA, é su- gerido que ele potencializa a produção das enzimas digestivas e lisossomais pan- creáticas, ao aumentar a sensiblidade dos ácinos do pâncreas ao efeito da colecisto- quinina. Foi demonstrado que o uso de sten- tem ducto pancreático e de anti-inflamató- rio não esteroides por via retal reduz a pan- creatite após CPRE. A hipertrigliceridemia é a causa de pancreatite aguda em 1,3 – 3,8% dos casos (quando > 1.000mg/dL). A lipase pancreá- tica causa a liberação de grande quanti- dade de ácidos graxos livres nos capilares pancreáticos, que deflagram o processo in- flamatório no pâncreas por mecanismos que ainda não foram bem elucidados. Níveis tão elevados de triglicérides normalmente são encontrados em pacientes com doenças hereditárias que predispõe à hipertrigliceridemia. Há a possibilidade de pancreatite aguda medicamentosa, que é rara, mas pode ser causada por diversos medicamentos como sulfonamidas, ácido valproico, azatioprina e diversos diuréticos. A patogênese da pancreatite aguda é multifatorial. Os principais eventos incluem a ativação intracelular de zimogênios (pre- cursores enzimáticos inativos), liberação de citocinas inflamatórias e comprometimento vascular. O mecanismo primário e crucial para a ocorrência da pancreatite aguda é a conversão patológica do tripsinogênio em tripsina, cuja expressão intra-acinar causa indução de morte celular e inflamação no tecido pancreático. Isso resulta na libera- ção de enzimas pancreáticas ativas na cor- rente sanguínea e estimulação da produção de citocinas inflamatórias por neutrófilos, macrófagos e linfócitos. A liberação dessas citocinas e do fator de necrose tumoral alfa dos macrófagos desencadeia uma cascata inflamatória que leva à síndrome de res- posta inflamatória sistêmica (SIRS). A SIRS pode evoluir para síndrome de dificuldade respiratória aguda e síndrome de disfunção multiorgânica. As alterações básicas nos casos de pancreatite aguda são (1) vazamento mi- crovascular, o que causa edema, (2) estea- tonecrose causada por lipases, (3) reação inflamatória aguda, (4) destruição proteolí- tica do parênquima pancreático e (5) des- truição dos vasos sanguíneos, o que acar- reta hemorragia intersticial. Em formas mais brandas, alterações histológicas incluem edema intersticial e áreas focais de estea- tonecrose no parênquima pancreático e na gordura peripancreática. Três vias podem incitar a ativação enzimática inicial que pode levar à pancre- atite aguda: Obstrução do ducto pancreático: A impactação de um cálculo biliar ou de lama biliar ou a compressão extrínseca do sistema ductal por uma massa bloqueia o fluxo duc- tal, faz a pressão intraductal aumentar e permite o acúmulo de um fluido intersticial rico em enzimas. Já que a lipase é secretada na sua forma ativa, pode surgir esteatone- crose localizada. Os tecidos danificados, os miofibroblastos periacinares e os leucócitos liberam então citocinas pró-inflamatórias que promovem inflamação local e edema in- tersticial por meio de um extravazamento mi- crovascular. Além disso, o edema compro- mete o fluxo sanguíneo local, o que causa insuficiência vascular e danos isquêmicos às células acinares. Dano primário às células acinares: Esse mecanismo patogênico entra em jogo na pancreatite aguda causada por isque- mia, infecções virais (p. ex., caxumba), dro- gas e trauma direto do pâncreas. Transporte intracelular defectivo de proenzimas nas células acinares: Em células acinares normais, as enzimas digestivas des- tinadas aos grânulos zimogênicos e as enzi- mas hidrolítica destinadas aos lisossomos são transportadas em vias distintas depois da síntese no retículo endoplasmático. Contudo, pelo menos em alguns expe- rimentos com animais acerca do dano meta- bólico, as proenzimas pancreáticas e as hi- drolases lisossômicas encontram-se armaze- nadas em um mesmo compartimento. Isso re- sulta na ativação das proenzimas, na rup- tura lisossômica (ação das fosfolipases) e na liberação local de enzimas ativadas. O papel desse mecanismo na pancre- atite aguda humana não está claro. O con- sumo de álcool pode causar pancreatite por diversos mecanismos. O álcool transito- riamente aumenta a secreção pancreática exócrina e a contração do esfíncter de Oddi (o músculo que regula o tônus da am- pola de Vater). O álcool também tem efeitos tóxicos diretos sobre as células acinares, in- clusive a indução do estresse oxidativo nes- sas células, o que leva ao dano da mem- brana (veja adiante). Finalmente, a ingestão crônica de álcool resulta na secreção de fluido pancreático rico em proteína, que leva ao depósito ou à precipitação de ro- lhas proteicas e à obstrução dos pequenos ductos pancreáticos. A pancreatite aguda tem três fases: ativação prematura de tripsina dentro do pâncreas, inflamação intrapancreática, e processos extrapancreáticos inflamatórios. O mecanismo primário e crucial para a ocorrência da pancreatite aguda é a conversão patológica do tripsinogênio em tripsina, cuja expressão intra-acinar causa indução de morte celular e inflamação no tecido pancreático. Isso resulta na libera- ção de enzimas pancreáticas ativas na cor- rente sanguínea e estimulação da produção de citocinas inflamatórias por neutrófilos, macrófagos e linfócitos. A liberação dessas citocinas e do fator de necrose tumoral alfa dos macrófagos desencadeia uma cascata inflamatória que leva à síndrome de res- posta inflamatória sistêmica (SIRS). A SIRS pode evoluir para síndrome de dificuldade respiratória aguda e síndrome de disfunção multiorgânica. A conversão patológica de tripsino- gênio em tripsina pode ser desencadeada por três fatores: (1) alteração da homeos- tase do cálcio, (2) co-localização de lisos- somos e zimogênios e (3) alteração do pH. Em relação ao cálcio, fisiologica- mente há um aumento transitório de seus íons na porção apical da célula acinar. Já na pancreatite aguda, ocorre um aumento glo- bal sustentado. A ativação de tripsinogênio e a ina- tivação de tripsina são principalmente con- trolados por tripsina (autoativação e autó- lise) e a concentração intracelular de cálcio afeta a ativação da tripsina. O aumento anormal do cálcio pode ocorrer tanto por excesso de influxo quanto por patologia nos mecanismos intracelulares de depuração dependentes de ATP. A co- localização de lisossomos e zimogênios tam- bém participa da patogênese da doença: nos estágios iniciaisda pancreatite aguda, zimogênios pancreáticos estão colocaliza- dos com hidrolases lisossômicas, como a ca- tepsina B, resultando em ativação prematura do tripsinogênio. Entretanto, é necessária outra condição: baixo pH vacuolar, que au- menta a atividade catalítica da catepsina B para ativar o tripsinogênio. Por fim, a alteração de pH: a secre- ção fisiológica de grânulos de zimogênio das células aço bares leva à acidificação do lúmen pancreático. Quando há um au- mento patológico do pH baixo, ocorre ati- vação do zimogênio e disseminação em es- paços intercelulares. Além disso, devido ao feedback negativo que o pH luminal ácido mantém sobre a secreção acinar, a inibição da secreção de bicarbonato por células do ducto influencia a manutenção do pH baixo. Evidências apontam para a ativação pre- coce e sustentada da sinalização inflama- tória nas células acinares, responsável pela intensa resposta inflamatória local e sistê- mica observada na pancreatite aguda. A via do fator nuclear kappa B (NF-kB) é a via de sinalização inflamatória mais bem des- crita nas células acinares pancreáticas. A ativação do NF-Kb envolve a degradação do kappa B inibitório (IkB), resultando em translocação nuclear de NF-kB dímero p50/p65 para o núcleo, onde ele se liga ao sítio de ligação regulável de DNA e faz re- gulação ascendente de genes de citocinas pró-inflamatórias. A cascata inflamatória é iniciada nas células acinares por ativação de NF- kB antes que a resposta imune inata se estabeleça. Citocinas inflamatórias (IL-1, IL-6, TNF-α) possuem um papel central na progressão da pancreatite aguda. São produzidas predominantemente por macró- fagos, linfócitos e fibroblastos ativados. TNF- α e IL-1β são citocinas de 1ª ordem, que aumentam a resposta inflamatória ativando macrófagos e regulam a liberação de outros mediadores inflamatórios (IL-6,IL-8, MIF, etc). A interleucina-6 é um mediador funda- mental da resposta inflamatória sistêmica em pacientes com AP, determina a síntese de proteínas de fase aguda no fígado e deter- mina o dano tecidual condicionado aos macrófagos. A interleucina-8 é uma citocina ativa- dora de neutrófilos que é liberada em res- posta a incentivos inflamatórios. É conside- rado secundário ao mediador primário da ativação de neutrófilos induzida por TNF-α, pois leva à degranulação e liberação de enzimas pancreáticas (elastase). Níveis ele- vados de IL-8 estão associados a formas graves de pancreatite aguda. Os neutrófilos são as primeiras células respondentes recrutadas para o local da le- são e contribuem para a ativação do trip- sinogênio e progressão para a pancreatite aguda grave. A lesão do tecido associada à ativação imune inata e a infiltração rá- pida de neutrófilos geralmente são seguidas pelo recrutamento de macrófagos. Neutrófilos e macrófagos desempe- nham um papel duplo na inflamação e esti- mulam o reparo para permitir o processo de cicatrização após lesão; contudo, quando esse equilíbrio intrincado não é alcançado, a inflamação contínua com neutrófilos que liberam interferon γ pode levar ao recruta- mento de macrófagos pró-inflamatórios que prejudicam a regeneração pancreática e promovem a desdiferenciação do epitélio pancreático. Entretanto, a análise de dife- rentes estudos demonstrou haver heteroge- neidade funcional dos macrófagos durante a indução e progressão da doença, já que foi encontrado um papel positivo para os macrófagos na regeneração pancreática que depende da polaridade temporaria- mente sincronizada do macrófago. PANCREATITE CRÔNICA É caracterizada por inflamação du- radoura, por fibrose e pela destruição do pâncreas exócrino. Em estágios mais avan- çados, o parênquima endócrino também é perdido. Embora a pancreatite crônica possa resultar de crises recorrentes de pan- creatite aguda, a principal distinção entre a pancreatite aguda e a crônica é o dano irreversível da função pancreática causado por esta última. É difícil determinar a preva- lência da pancreatite crônica, mas prova- velmente varia entre 0,04-5% da população dos Estados Unidos. De longe, a causa mais comum da pancreatite crônica é o abuso do álcool por longo período de tempo. Homens de meia-idade constituem a maioria dos pacientes nesse grupo etioló- gico. Causas menos comuns: • Obstrução duradoura do ducto pan- creático obstruído (p. ex., por pseudocis- tos, cálculos, neoplasias ou pâncreas di- visum); • Pancreatite tropical, um distúrbio hetero- gêneo mal caracterizado observado na África e na Ásia, com um subgrupo de casos que têm base genética; • Pancreatite hereditária causada por mu- tações no gene pancreático do tripsino- gênio (PRRS1) ou no gene SPINK1, que codifica o inibidor da tripsina; A pancreatite crônica é caracterizada por fibrose parenquimatosa, reduzido número e tamanho dos ácinos e dilatação variável dos ductos pancreáticos. Há relativa pou- pança das ilhotas de Langerhans. A perda dos ácinos é uma característica constante, geralmente com um infiltrado inflamatório crônico em torno dos lóbulos e ductos rema- nescentes. O epitélio ductal pode estar atrofiado ou hiperplásico, pode exibir meta- plasia escamosa, e concreções ductais po- dem ser notadas. As ilhotas de Langerhans remanescen- tes ficam permeadas pelo tecido esclerótico e podem fundir-se e parecer aumentadas, até que acabam desaparecendo. Macroscopicamente, a glândula é dura, às vezes com ductos extremamente di- latados, com visíveis áreas de calcificações. A pancreatite autoimune (PAI) é uma forma distinta de pancreatite crônica caracteri- zada por um dos seguintes padrões morfo- lógicos: notável infiltração do pâncreas por células linfoplasmocitárias, muitas das quais são positivas para IgG4, acompanhadas por fibrose concêntrica e por venulite (pan- creatite esclerosante linfoplasmocitária) ou infiltração mista ductocêntrica composta por neutrófilos, linfócitos e plasmócitos, que geralmente destroem o epitélio ductal (pan- creatite idiopática ductocêntrica). O reco- nhecimento da pancreatite autoimune, em ambas as formas, é importante porque pode simular o câncer pancreático e também por- que responde à terapia com esteroides. Embora a patogenia da pancreatite crô- nica não esteja bem definida, várias hipóte- ses são propostas: Muitos dos agentes cau- sadores da pancreatite crônica (p. ex., ál- cool) aumentam a concentração de proteí- nas das secreções pancreáticas, e essas proteínas podem formar rolhas nos ductos. Toxinas, inclusive o álcool e seus deri- vados metabólicos, podem exercer um efeito tóxico direto sobre as células acinares e acarretar acúmulo de lipídios, perda das células acinares e, por fim, fibrose parenqui- matosa. O estresse oxidativo induzido pelo álcool pode gerar radicais livres nas células acinares, o que causa danos à membrana e subsequente produção de quimiocinas, como a interleucina 8 (IL-8), que recruta cé- lulas inflamatórias mononucleares. O estresse oxidativo também promove a fusão de lisos- somos e grânulos de zimogênio com a resul- tante necrose das células acinares, inflama- ção e fibrose. Em contraste com a pancrea- tite aguda, uma variedade de citocinas pró-fibrogênicas, como o fator de cresci- mento transformador beta (TGF-b), o fator de crescimento fibroblástico e o fator de crescimento derivado de plaquetas, é secre- tada na pancreatite crônica. Essas citocinas induzem a ativação e a proliferação de miofibroblastos periacina- res (células estreladas pancreáticas), que depositam colágeno e são fundamentais na patogenia da fibrose. A maioria dos pacientes com pancre- atite aguda começa o quadro com uma dor persistente e intensa na região epigástrica, em alguns pacientes a dor pode estar loca- lizada em hipocôndrio direito e, mais rara- mente, no hipocôndrio esquerdo. Na semio- logia, o quadro mais típico de pancreatite aguda é retratado com dor constante e in- tensa, em faixa, abrangendo desde a região epigástrica,aos hipocôndrios e podendo ir- radiar para o dorso. Em pacientes com litíase biliar, a dor é bem localizada e o início da dor é rápido, atingindo o pico da dor em 10 a 20 minutos após o início dos sintomas. Em pacientes com pancreatite aguda causada por do- ença metabólica ou abuso de álcool, a dor pode ser menos abrupta e mais difícil de lo- calizar. Em aproximadamente metade dos pacientes, a dor irradia para as costas (dor em faixa). A dor pode durar desde algumas horas até alguns dias e pode aliviar quando o paciente se senta ou se inclina para frente. Aproximadamente 90% dos pacientes têm náuseas e vômitos associados, os quais podem persistir por várias horas. Uma apresentação mais rara da do- ença que pode ser observada em casos de pancreatite grave é de sintomas respirató- rios como dispneia em decorrência da infla- mação do diafragma secundária à pancre- atite. Esse processo pode ter como conse- quência o desenvolvimento de derrames pleurais e até mesmo síndrome da angústia respiratória aguda. Pancreatite aguda é uma impor- tante causa de dor abdominal aguda as- sociada a vômitos. Uma vez que a clínica da doença pode ser similar à de numerosas outras patologias agudas, é difícil o diag- nóstico basear-se somente em sintomas e si- nais clínicos. A doença varia em severidade e o diagnóstico é, muitas vezes, falho nos extremos da apresentação. Os principais sintomas da pancreatite aguda são a dor abdominal, as náuseas e os vômitos. Quase todos os pacientes experimentam dor abdo- minal aguda em andar superior de abdome. A dor é contínua e pode se localizar em mesogástrio, quadrante superior direito, ser difusa ou, raramente, à esquerda. Uma característica da dor, que está presente em metade dos pacientes e que sugere origem pancreática, é a disposição em barra e a irradiação para o dorso. Normalmente pre- cisa de analgésicos opiáceos para o seu controle. Ao contrário da dor biliar que per- manece, no máximo, de 6 a 8 horas, a dor pancreática se mantém por dias. A progressão da dor é rápida (mas não tão abrupta quanto aquela da perfu- ração visceral), atingindo intensidade má- xima dentro de 10 a 20 minutos. Pancreatite aguda com ausência de dor não é comum (5-10%), mas pode ser complicada e fatal. Um aspecto interessante é o fato de os sintomas na pancreatite aguda relacionada ao álcool frequente- mente aparecerem após um ou três dias de uma libação alcoólica intensa. A dor abdo- minal é tipicamente acompanhada (cerca de 90%) de náuseas e vômitos que podem persistir por várias horas. Os vômitos podem ser incoercíveis e, em geral, não aliviam a dor; podem estar relacionados à dor intensa ou a alterações inflamatórias envolvendo a parede posterior do estômago. Inquietação, agitação e alívio da dor em posição de fle- xão anterior do tórax (genupeitoral) são ou- tros sintomas notados. Os achados do exame físico podem variar dependo da gravidade da pancreatite. Em pacientes com pancreatite aguda mode- rada, o epigástrio pode estar minimamente sensível à palpação, mas também é possível que pacientes com pancreatite leve se apresentem com dor abdominal intensa à palpação. Em contraste, pacientes com pancreatite aguda grave podem ter uma sensibilidade muito aumentada à palpação do epigástrio e/ou difusamente em todo o abdome. Alguns pacientes podem apresen- tar distensão abdominal e ruídos hidroaé- reos diminuídos devido à um íleo paralítico secundário à inflamação, que se correlaci- ona com a intolerância à dieta por via oral, sintoma comum em pessoas com pancreatite. Outro sinal presente em alguns casos é o de escleras ictéricas (olhos amarelados) devido à coledocolitíase ou edema na cabeça do pâncreas, que causa processo colestático e elevação dos níveis séricos de bilirrubina. A presença de equimose periumbilical (sinal de Cullen) e equimose em flancos (sinal de Grey Turner), é rara, porém em pacientes com pancreatite aguda sugere a presença de hemorragia retroperitoneal, indicando provável presença da forma necrotizante da doença. Há também risco de desenvolvi- mento de taquipneia e hipoxemia em paci- entes graves. Em casos raros, pacientes podem ter necrose nodular da gordura subcutânea ou paniculite. Essas lesões se apresentam como nódulos dolorosos, hiperemiados, que fre- quentemente ocorrem nas extremidades dis- tais, mas podem ocorrer em outros locais. Eles também podem ter achados su- gestivos de outras condições de base, como por exemplo hepatomegalia, que pode estar presente em pacientes com pancreatite alcóolica, ou xantoma em pacientes com pancreatite por dislipidemia, e inchaço nas parótidas em pacientes com caxumba. O desequilíbrio entre a síntese e a secreção das enzimas digestivas pancreáticas, res- ponsável pela fisiopatologia da pancreatite aguda, faz com que essas enzimas extrava- sem o interior das células acinares e atinjam a circulação sistêmica. Esse evento possibilita a quantifica- ção de seus níveis séricos, que auxiliam no diagnóstico da doença. Assim, são várias as enzimas que podem ter seus valores aumen- tados no plasma, como a tripsina, fosfolipase e peptídeo ativador de tripsinogênio, que pode até mesmo ser utilizado como um pre- ditor de gravidade do agravo. Duas medi- das podem ser consideradas cruciais para a definição: a amilase e a lipase séricas. Amilase sérica: aumenta rapidamente, já entre as primeiras 6 a 12 horas do início do quadro de pancreatite aguda, e pode voltar ao normal já em cerca de 3 a 5 dias. Valores considerados altamente indicativos de pancreatite aguda são elevações de 3 vezes do valor de referência da amilase sé- rica, alcançando uma sensiblidade entre 67% e 83% e especificidade de 85% a 98%. Você pode notar que com esse valor, a sen- sibilidade não é tão elevada, portanto, não exclua a pancreatite como diagnóstico apenas porque os valores da amilase não alcançaram 3 vezes do valor de referência, visto que uma porcentagem relevante dos pacientes com pancreatite aguda não pre- encherá esse critério. Lipase sérica: a edição mais sensível e específica para o diagnóstico de pancre- atite alcoólica. Sua elevação se dá entre 4 e 8 horas do início dos sintomas, atingindo seu pico em 24 horas e retornando aos va- lores normais em 8 a 14 dias. É útil especial- mente em casos de medida mais tardia, em que a amilase sérica já está em níveis nor- mais, e no diagnóstico de pancreatite al- coólica de etiologia alcoólica e por hiper- trigliceridemia. A lipase pode se encontrar elevada também em casos de pancreatite crônica, insuficiência renal, colecistite aguda e outras causas diversas, dessa maneira, a lipase elevada por si só não fe- cha o diagnóstico de pancreatite aguda. Outras enzimas e produtos – Peptídeo de ativação do tripsinogênio, é um peptí- deo de cinco cadeias que é resultado da clivagem do tripsinogênio ao produzir trip- sina ativada, e está elevado na pancreatite aguda. Uma vez que a ativação da tripsina é provavelmente um evento precoce na pa- togênese da pancreatite aguda, esse pep- tídeo pode ser útil na detecção precoce da pancreatite aguda e também como preditor de gravidade do quadro. A leucocitose é comum, principalmente nos casos graves, podendo chegar até 30.000/mm³, refletindo grau de inflamação sistêmica. O aumento da proteína C reativa é outro marco laboratorial de gravidade, já que mede a intensidade da resposta infla- matória. A hiperglicemia é uma alteração comum, no início do quadro é devida à SIRS, e posteriormente, pode ser secundária a uma destruição maciça das ilhotas de Lahn- gerhans. Hipocalcemia é um achado fre- quente, decorre da saponificação do cál- cio circulante pela gordura peripancreática necrosada, e tem relação direta com a gra- vidade do quadro (quanto mais necrose, mais hipocalcemia). Alargamento do TAP e TTPA também são encontrados. Também po- demos encontrar aumento das aminotransfe- rases (TGO, TGP), bilirrubinae fosfatase al- calina. O aumento das aminotransferases, além de ter valor prognóstico, pode sugerir o diagnóstico etiológico da pancreatite. Se níveis de TGP > 150U/L, a especificidade para pancreatite biliar aumenta (96%), po- rém se abaixo de 150 não afasta a pancre- atite biliar, pois a sensibilidade é baixa (48%). Radiografia de abdome e tórax: nos casos leves e moderados pode não ser vista ne- nhuma alteração, entretanto os achados podem incluir íleo paralítico em um segmento intestinal e sinal de cut-off (distensão de segmentos do cólon) em casos mais graves. Ultrassonografia de abdome: Em pa- cientes com pancreatite aguda, o pâncreas aparece difusamente aumentado no ultras- som abdominal. Litíase biliar pode ser visua- lizada no ducto biliar. Fluido peripancreá- tico aparece como uma coleção anecoica no ultrassom abdominal. Essas coleções po- dem demonstrar ecos internos na vigência de necrose pancreática. Entretanto, a ultrassonografia não é um dos melhores exames para avaliar paci- entes com pancreatite aguda, pois a loca- lização retroperitoneal do pancreas favo- rece para que em aproximadamente 25% dos pacientes, gases intestinais devido ao íleo paralítico dificultem ou mesmo impossibi- litem a visualização do pâncreas e das vias biliares. Além disso, o ultrassom não pode delinear claramente a extensão da inflama- ção extrapancreática ou identificar necrose dentro do pancreas, não sendo útil dessa forma para esclarecimento da gravidade do quadro através de exames de imagem. Tomografia: Os achados da pancre- atite aguda intersticial na tomografia de abdome incluem alargamento focal ou di- fuso do pâncreas com realce heterogêneo com contraste intravenoso. A necrose do te- cido pancreático, um importante marcado de gravidade, é reconhecida quando não há realce após a administração de con- traste intravenoso, demonstrando a falta de vascularização do tecido necrótico. Quando realizada após os primeiros 3 dias do início da dor abdominal, a tomo- grafia pode estabelecer de maneira confiá- vel a presença de extensão da necrose pancreática, complicações locais, além de predizer a gravidade da doença. Ressonância Magnética: podem ser encontradas imagens de supressão de gor- dura, alargamento difuso ou focal da glân- dula pancreática e as margens do pân- creas podem estar borradas. A ressonância tem uma maior sensibilidade no diagnóstico no início da doença quando comparada com a tomografia com contraste e pode ca- racterizar melhor a gravidade e complica- ções peripancreáticas. A colangiopancreatografia por res- sonância magnética (CPRM) também é útil por ser comparável a colangiopancreato- grafia retrógrada endoscópica (CPRE) em sensibilidade e especificada para a detec- ção de coledocolitíase, um achado comum nos pacientes com pancreatite de etiologia biliar. A CPRM não apresenta alguns dos problemas da CPRE, como o fato de não emitir radiação, o contraste usado (gadolí- nio) tem menor risco de nefrotoxicidade, quando comparado com o contraste usado na colangiopancreatografia retrógrada (iodo) e principalmente por não ser um exame invasivo como a CPRE. Além disso, em pacientes com insuficiência renal, a colangi- opancreatografia por ressonância sem con- traste consegue identificar necrose pan- creática. Qualquer dor aguda intensa no ab- dome ou nas costas pode sugerir a possibi- lidade de pancreatite aguda. O diagnóstico é estabelecido pela presença de dois dos seguintes critérios: (1) dor abdominal típica no abdome que irra- dia em faixa para as costas, (2) elevação de três vezes ou mais na lipase e/ou amilase sérica e (3) achados compatíveis com pan- creatite aguda em tomografia computado- rizada. Os exames de imagem citados acima são mais importantes para a avaliação da etiologia da pancreatite (USG para investi- gação de etiologia biliar) ou avaliação de complicações locais em pacientes que apresentam casos graves ou com piora à despeito de tratamento clínico adequado. As doenças que se manifestam com in- tensa dor abdominal aguda devem ser afastadas, entre elas: • Doença péptica / Úlcera perfurada. • Colelitíase, Coledocolitíase, Colecis- tite aguda. • Isquemia mesentérica. • Obstrução intestinal aguda. • IAM inferior / Dissecção aórtica abdo- minal. • Gravidez ectópica; O tratamento depende da gravi- dade do quadro. As medidas iniciais, inde- pendentemente da gravidade do quadro, devem ser: reposição volêmica, analgesia e dieta zero. Após isso, é feita a avaliação de risco (após 48h, utilizado o critério de RAN- SON). A abordagem inicial do paciente com pancreatite aguda consiste em quatro pila- res básicos, que serão discutidos separada- mente adiante: a reposição volêmica, o con- trole da dor, a monitorização, e o suporte nutricional. Sua necessidade se justifica pelo frequente quadro de hipovolemia apresentado por pacientes com pancreatite aguda, que ocorre por múltiplos fatores, como vômitos, aumento da permeabilidade vascular se- cundário ao processo inflamatório com con- sequente perda de líquido para o terceiro espaço, ingesta hídrica reduzida por via oral, entre outros, que podem acarretar complicações decorrentes de má perfusão tecidual. Sendo a hemoconcentração con- sequência dessa depleção volêmica, o he- matócrito se faz um importante marcador do potencial de gravidade da doença, sendo utilizado também para acompanhamento do quadro. • Utiliza-se solução cristaloide isotô- nica (Ringer Lactato ou Soro Fisioló- gico 0,9%) na dose de 5 a 10 mL/kg/hora, por via endovenosa (EV), nas primeiras 12 a 24 h. A dor geralmente é o principal sintoma apre- sentado pelo paciente, e seu controle ina- dequado pode contribuir para a ocorrên- cia ou piora da instabilidade hemodinâ- mica. A reposição volêmica realizada de maneira adequada é primordial para o con- trole da dor, uma vez que a hipovolemia consequente ao extravasamento vascular leva a ocorrência de dor isquêmica por má perfusão tecidual e resulta em acidose lá- tica. Os opioides são drogas seguras nesses casos, administrados por via EV. Tramadol e morfina são drogas comumente utilizadas na prática clínica para abordagem desses pa- cientes, cursando com bons resultados. Deve ser rigorosa nas primeiras 24 a 48 ho- ras. Sinais vitais, incluindo saturação de oxi- gênio (StO2), devem ser observados, de- vendo-se manter esse parâmetro sempre su- perior a 95%, mediante administração de oxigênio suplementar se necessário. Gaso- metria arterial deve ser solicitada se StO2 < 90% ou se houver indicações clínicas. O vo- lume urinário deve ser mensurado de hora em hora (manter débito em 0,5 a 1 mL/kg/ hora). Eletrólitos devem ser dosados frequente- mente nas primeiras 48 a 72 horas, com atenção à presença de hipocalcemia e ní- veis baixos de magnésio, devendo ambos ser corrigidos se necessário. Glicemia deve ser mensurada também de hora em hora em pacientes com PA grave. Depende da gravidade da doença. Con- tudo, ao contrário do que se pensava anti- gamente, a reintrodução precoce da dieta por via oral, quando possível, é de suma im- portância, se relacionando com redução nas taxas de complicações infecciosas, mor- bidade e mortalidade e menor tempo de hospitalização. KASPER, Dennis L; HAUSER, Stephen L; JAMESON, J Larry; FAUCI, Anthony S; LONGO, Dan L; LOSCALZO, Joseph. Medicina interna de Harrison. 19ª Ed. Porto Alegre: Mc Graw-Hill, 2017 SanarFlix. Sanarflix.com.br MedCurso – Gastro – Volume 4 MedCurso – Clínica Médica
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