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Trabalho Wagner

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POVOS
Enawenê-nawê
INTRODUÇÃO
Os Enawenê-nawê falam uma língua da família Aruák e vivem em uma única grande aldeia próxima ao rio Iquê, afluente do Juruena, no noroeste de Mato Grosso. 
Desde o início dos anos 2000, contudo, suas formas de produção e reprodução da vida social encontram-se fortemente ameaçadas. 
NOME
Até o início da década de 1980 os Enawenê-nawê eram conhecidos como ‘Salumã’. Em 1983, após algumas experiências de contato, os missionários jesuítas finalmente compreenderam que a autodenominação desses índios era ‘Enawenê-nawê’ e, desde então, este termo passou a ser usado para identificá-los.
LINGUA
Os Enawenê-nawê falam uma língua da família Aruák, parecida com aquela falada pelos Paresí. Um recente trabalho sobre fonética e fonologia da língua Enawenê-nawê indica que ela pertence à família Aruák (Maipure).
LOCALIZAÇÃO
Os Enawenê-nawê habitam uma região de transição entre o cerrado e a floresta equatorial, que se encontra no vale do rio Juruena, formador do rio Tapajós, na porção noroeste do Estado de Mato Grosso.
As cidades mais próximas da TI são Brasnorte, Juína, Comodoro e Sapezal, sendo que as três últimas correspondem aos municípios onde a TI está localizada.
A T.I. Enawenê Nawê tem como vizinhos mais próximos os povos Menky, Nambikwara, Rikbaktsa, Iranxe e Cinta Larga.
Pode-se dizer que essa área, no coração da “Serra do Norte”, é o ponto-chave da territorialidade enawenê-nawê, pois além de ter sido palco de inumeráveis aldeias e intensa peregrinação até o início da década de 1940, e de deter muitos recursos fundamentais para a sua reprodução sociocultural. 
HISTÓRIA DO CONTATO
Desde 1962, os missionários jesuítas obtiveram noticias, por meio dos seringueiros que trabalhavam na região, da existência dos índios que mais tarde foram conhecidos por Enawenê-nawê. Diziam ser de índole pacífica, pois não hostilizavam os trabalhadores, mas trancavam os córregos, a fim de que os brancos não atingissem suas moradias.
Em setembro de 1973, a Missão Anchieta, localizou uma aldeia às margens do alto rio Juruena e pela sua localização, deduziram ser algum grupo de índios Nambikwara e, por este motivo, no ano seguinte os missionários levaram consigo índios deste povo para estabelecer contato com eles.
Ao chegarem a pequena aldeia, uma dúvida surgiu sobre o novo grupo indígena, pois foi encontrada uma flecha quebrada e a amarração da pena era idêntica à dos índios Rikbaktsa e não se tratava de um grupo Nambikwara. Com a possibilidade desses índios serem Rikbaktsa, os missionários resolveram pedir para que índios deste povo os acompanhassem em uma nova expedição.
Após algumas tentativas, descobriu-se, então, que não se tratava de índios Nambikwara e nem Rikbaktsa.
POPULAÇÃO
Estima-se que à época dos primeiros contatos os Enawenê-nawê somavam aproximadamente 130 indivíduos. Os dados populacionais desse povo mostram que não apenas a população cresceu bastante de 1974 até a primeira década dos anos 2000, mas ainda que o ritmo desse crescimento tem sido mais veloz nos últimos anos. Em meados de 1996, 22 anos depois dos primeiros contatos, os Enawenê-nawê dobraram a população, reunindo aproximadamente 260 indivíduos. 
As “crianças” (dinwá) somam quase dois terços da população, segundo a classificação nativa, o que muito provavelmente deve ter conseqüências importantes na capacidade reprodutiva desse povo.
CULTURA MATERIAL
O padre jesuíta Tomáz de Aquino Lisbôa que, em 1974 participou da expedição do primeiro contato oficial dos Enawenê-nawê com os brancos, fez uma descrição da aparência desses índios nessa ocasião. Contou que os homens tinham cabelos compridos caindo nas costas e aparados na região temporal, acima das orelhas. Boa estatura, mais brancos que escuros, trazendo no peito adornos de algumas penas encastoadas em peças arredondadas e trabalhadas, de coco de tucum, tendo tiras finas de algodão apertando o bíceps e a barriga da perna e, nos tornozelos, fitas mais largas. O pênis embutido em palhinha amarrada. Nas orelhas traziam argolas pretas, também de tucum, nas quais estavam presas conchas brancas de forma triangular.
As mulheres tinham cabelos compridos aparados acima das orelhas, tal como os homens. Usavam cintos com muitas voltas, feitos de tucum. Traziam mini-saias feitas de algodão e tingidas de urucum. Na barriga das pernas traziam argolas de borracha. À altura do umbigo, tinham muitos traços desenhados, tatuagens. Como os homens, traziam tiras finas de algodão apertando o bíceps. Nas orelhas, brincos iguais aos dos homens.
Tais características foram também observadas anos depois. Os Enawenê-nawê criam araras e papagaios dos quais tiram penas para os colares. Não é preciso matar os animais. Fazem inclusive um tipo de tratamento nas penas do rabo dos papagaios com uma secreção extraída da pererecas, que transformam algumas penas verdes em amarelo ouro. 
Para realizarem seus rituais, os Enawenê-nawê dispõem de uma grande variedade de bambus e cabaças de diferentes tipos e tamanhos, das quais são feitas flautas e chocalhos. Cada grupo ritual toca um instrumento diferente e o som produzido na pátio da aldeia, quando da realização do ritual Yãkwa, é o de uma verdadeira orquestra. Cada instrumento está relacionado a um grupo ritual, o qual, por sua vez, a um grupo de espíritos.
ORGANIZAÇÃO SOCIAL (A aldeia)
A aldeia enawenê-nawê tem um formato circular e é formada por casas comunais retangulares e uma casa circular, mais ou menos no centro, chamada de Yãkwa, onde ficam guardadas as flautas. No pátio central são realizados os rituais e as partidas de futebol de cabeça, esporte tradicional dos Enawenê-nawê, cujas bolas são feitas de látex extraído das seringueiras. Apanham água, tomam banho e lavam suas panelas em pequenos igarapés situados próximos à aldeia e fazem pequenas roças nos seus arredores.
As casas são feitas de troncos de várias grossuras amarrados com cipós e cobertas com palhas de buriti, com uma entrada de frente para o pátio e outra nos fundos. No interior das casas há uma área de circulação comum formada por um longo e largo corredor central que liga a duas entradas. 
Em cada casa moram diversas famílias ligadas entre si por relações de parentesco. Cada família composta de pai, mãe, filhas e filhos solteiros tem seu próprio fogo, suas redes próximas e um jirau onde guardam os seus pertences.
Além dos casais mais velhos, divisórias de esteiras marcam o espaço dos casais mais jovens. As filhas ficam perto dos pais e, portanto, são os jovens esposos que vão para o outro lado da casa ou para outra residência. 
O interior das casas é muito agradável e cheio de atividades. 
ORGANIZAÇÃO SOCIAL (Os clãs)
Os clãs são as unidades mais abrangentes da estrutura social enawenê-nawê. Eles são segmentos patrilineares (o pertencimento a um grupo clânico se dá pela linha paterna) espacialmente dispersos devido à regra do casamento uxorilocal, em que o marido vai residir, junto com sua esposa, na casa dos pais dela. Desempenham importantes funções matrimoniais, rituais, econômicas e políticas.
Os clãs não são formados apenas por pessoas, mas também por legiões de espíritos subterrâneos e espíritos celestes, todos associados a conjuntos de flautas. Segundo os Enawenê-nawê, estes grupos são compostos pelos descendentes de populações míticas que viviam espalhadas por todo o vale do rio Juruena e regiões adjacentes, até que uma série de catástrofes as dizimou quase totalmente. 
Os clãs, ou como preferem os Enawene Nawe, os yãkwa, são compostos de “restos” de uma ou mais populações míticas, que podiam casar-se entre si. Dessa forma surgiram os Enawenê-nawê atuais, que utilizam a categoria yãkwa para designar ora estes seres criadores, ora as próprias unidades exogâmicas (que não permite o casamento no seu interior) por eles criadas.
A cada dois anos os clãs se alternam como harikare, papel definido pelos Enawenê-nawê como o responsável pelo cultivo da grande roça de mandioca adjacente à aldeia. São eles também os responsáveis pela fabricação dosal de origem vegetal, consumido durante os rituais que tematizam a reunião dos yãkwa. 
MITO DE ORIGEM
Contam os Enawenê-nawê que os povos ancestrais, de cujos “restos” eles são originários, habitavam, inicialmente, o interior de uma pedra e graças ao auxílio de um pica-pau, que fez um buraco na pedra abrindo uma passagem ao mundo exterior, os povos se espalharam pela superfície da terra. 
Uma série de catástrofes, provocadas pela ação dos espíritos subterrâneos, sob a forma de ataques de onças, monstros aquáticos, povos inimigos, epidemias etc., quase as dizimou totalmente. Os poucos sobreviventes dessas populações, guiados pelos espíritos celestes e subterrâneos de seus respectivos clãs, foram um por um se dirigindo a uma determinada aldeia, a dos formadores do aweresese, um dos clãs principais. Uma vez reunidos, os remanescentes de cada uma dessas populações se envergonharam de algumas de suas idiossincrasias culturais e ensinaram uns aos outros os seus bons costumes. 
Os Enawenê-nawê “históricos”, isto é, tornados idênticos aos atuais, depois da reunião dos povos e das flautas dos clãs em uma aldeia circular, apreendem assim o seu universo cultural como uma combinação de bom gosto de tradições distintas originárias do tempo dos Enawenê-nawê “míticos”, os que saíram da pedra.
A PESSOA ENAWERÊ-NAWÊ
Para os Enawenê-nawê a pessoa é uma trindade em potência. Ao morrer, dá-se origem a três subjetividades cósmicas, um enore, um iakayreti e um dakoti. As expressões vitais representadas pela pulsação cardíaca no peito e na região da cabeça, a respiração, a vividez dos olhos, a fala, a sensibilidade olfativa e a audição amalgamam-se no que é conhecido como hesekonase, a “alma celeste”, que sobe ao eno, a camada principal do cosmos. Lá ela desembarca como um deus enore, passando a conviver com seus parentes consangüíneos, do mesmo clã.
Um dakoti é uma espécie de cópia ou “duplo” da pessoa, sua sombra; algo vivo, que com o morto, e como ele, deixou de existir e de se movimentar. E sob esta forma segue rumo à cidade dos espectros, no extremo do arco-íris. O corpo, ou melhor, o cadáver, simplesmente apodrece, esvanecendo-se na terra.
A morte
Para o sepultamento do morto, os Enawenê-nawê preparam, da casca de algumas árvores da mata ciliar, uma urna funerária no formato de um tubo da altura da pessoa. Esse momento é marcado por choros, lamentos, comentários, gritos e gestos, acompanhados de um constante vai e vem pela aldeia e de uma grande aglomeração em torno do morto. Terminadas as cerimônias fúnebres, a urna é depositada numa cova funda, aberta no interior da casa, exatamente sob o local que ficava a rede onde a pessoa dormia. Com o morto são enterrados seus pertences e/ou objetos de uso pessoal. Seu próprio nome, inclusive, deixa de ser pronunciado. 
Após a morte de uma pessoa, por várias semanas, em determinadas horas do dia, seus parentes mais próximos executam um choro ritual, um lamento cantado e formal, que evoca a ausência e a saudade do falecido. Nesses momentos falam sobre a importância do morto e o ressentimento com os iakayreti, com sua fúria injusta por uma suposta insatisfação alimentar.
Fases da vida
Os Enawenê-nawê concebem diferentes categorias de idade, segundo as quais as pessoas são classificadas no percurso de seu desenvolvimento físico e cultural. São elas:
Tiraware/Tirawalo (vida intra-uterina): para que uma mulher engravide são necessárias muitas relações sexuais. Para eles, a gravidez é o resultado da combinação entre o esperma e o sangue menstrual no útero. O tronco, os braços e a pulsação cardíaca são os primeiros a se desenvolver no útero materno, depois as pernas e a cabeça. Se a mulher tiver relações sexuais com mais de um homem durante a gravidez, o bebê terá sido feito em conjunto.
Wesekoitakori/Wesekoitakolo (recém nascido): nesta fase o pai e a mãe ficam em reclusão e obedecem a restrições alimentares para que o recém nascido não seja atormentado por seres que causam doenças ou a morte. O bebê tem seu cabelo cortado e suas orelhas furadas para receber o brinco de tucum. Também são colocados adornos de algodão em torno dos tornozelos e punhos. Sua alimentação é o leite materno oferecido pela mãe, tias e avós. Banhos de ervas para que cresçam com saúde e pinturas leves com urucum também são recomendados.
Enawehorairi/Enawehorailo (criança de colo): nesta fase usam colares, pulseiras e tornozeleiras. Após o ‘benzimento’ podem consumir o oloiti (refresco de mandioca) o ketera (mingau de mandioca) e o mel diluído na água. Os irmãos mais velhos ajudam nos cuidados diários.
Anolokwari/Anolokwalo (criança que senta e engatinha): nesta fase, a criança recebe um par de brincos de conchas além de mais colares para enfeitar o seu pescoço. As meninas usam cinto de tucum e pintura corporal de urucum, feita com palha de buriti.
Atetoarese/Atetoarese (criança que fica em pé): segundo os Enawenê-nawê, nessa fase as crianças são auxiliadas pelos enore nawe para que não caiam e se machuquem.
Atonaharese/Atonahalose (criança que anda): a criança recebe tornozeleiras de algodão tecidas em tear. As meninas usam argolas de borracha na perna, abaixo do joelho. O peixe é incluído na dieta alimentar.
Dinoarese/Dinoalose (criança pequena - de 3 a 6 anos): começa a tomar banho sem a companhia dos pais. Iniciam o aprendizado de uma série de atividades com os adultos, como acompanhar os pais na roça e nas expedições de pescas familiares. As meninas estão sempre junto da mãe.
Enawaretese/Enawalotese (criança de 7 a 11 anos): nesta idade são intensificados os processos de transmissão do conhecimento e aprendizagem. Os meninos acompanham os pais nas pescarias e as meninas seguem para as roças com as mães.
Awitaretese/Awitalotese: o menino participa de pescarias, sem o pai. Se as articulações matrimoniais já existirem, presta serviço para o futuro sogro na plantação de uma pequena roça com o auxílio do pai para que a noiva e a sogra possam colher. A menina cuida das crianças menores, participa dos rituais, assim como os meninos desta idade.
Awitariti/Awitaloti: esta é a fase de transição para a vida adulta. Os meninos recebem o adorno peniano chamado de olokoiri e meninas, a tatuagem em torno do umbigo e dos seios, após a primeira menstruação. Nesta fase estão prontos para o casamento. As marcas da passagem (adorno peniano e a tatuagem) têm grande valor social, pois indicam a capacidade reprodutiva da pessoa.
Enetonasare/Enetonasalo (nascimento do primeiro filho): as mulheres mudam os adornos e passam a usar o urucum com outros traços diferenciados da fase anterior.
Kolakarinasare/Kolakalonasare: a partir do quarto filho.
Kolakalare/Kolakalalo (nascimento do primeiro neto): a pintura corporal passa a ter uma fina camada de urucum, as mulheres sofrerão algumas restrições na participação dos rituais.
Ihitariti/Ihitaloti: é caracterizada pela presença de rugas, diminui o uso de adornos.
Nominação
Entre os Enawenê-nawê cada clã dispõe de um acervo de nomes armazenado. Estes nomes são repassados por via paterna e dinamizam as sucessões quando da ocorrência de óbito de um de seus membros, que passa a ser lembrado raramente, e não mais pelo seu nome, mas por meio dos termos de parentesco.
Um indivíduo, por ocasião de seu nascimento, recebe um nome escolhido pelo pai de seu pai e outro pelo pai de sua mãe. O serviço da noiva faz com que o avô materno “esqueça” o nome por ele conferido. Isso faz com que o indivíduo seja definitivamente integrado ao clã de seu avô paterno (e de seu pai).
ASPECTOS COSMOLÓGICOS
O cosmos enawenê-nawê é representando por quatro níveis: acima do patamar terrestre onde vivem encontra-se o eno, habitat dos deuses celestes, o(a)s enore(lo) nawe; abaixo do plano terrestre, um amplo e sinistro universo dominado pelos iakayreti; e acima do eno, a quarta e última camada, um infinito espaço inalcançável e sem vida.
Patamar celeste
 No eno, do qual o patamar terrestre é apenas uma imitação e reflexo, vivem (as almas de) animais de todas as espécies;a vegetação é exuberante e sempre verde, a terra incomparavelmente fértil e constantemente cultivada; seus dois principais rios, depois de receberem vários tributários formam um perfeito delta. 
 No céu do eno há lua e estrelas e, contrário à impressão de que o sol nasce e se põe nos extremos da superfície terrestre, para os Enawenê-nawê ele tem seu trajeto em torno do patamar celeste, num movimento anti-horário: quando lá nasce o sol, na terra ele está se pondo, quando lá é noite aqui é dia. 
 No eno as casas são ordenadas rigorosamente em círculo, havendo no seu centro uma pequena casa dos homens, chamada de haiti, onde são guardadas as flautas para as cerimônias rituais.
Patamar subterrâneo
Se o eno é o espaço da ordem física e moral, o patamar subterrâneo (ehatekoyoare), por sua vez, é a seara da misantropia. Desprovido de qualquer construto de vida social, inacessível sequer a um xamã, esta camada do cosmos é dominada por uma incessante penumbra, a presença de um “sol frio” e uma chuva fina permanente: um mundo sombrio. Aí vivem e transitam os iakayreti, seres disformes e responsáveis pelas mazelas humanas, pela doença e pela morte.
Camada terrestre
Na camada terrestre vivem e circulam, além dos humanos, dois outros tipos de seres, os dakoti e os atahare-wayate. Ogros gigantes que habitam o interior das árvores (“espíritos da mata”), os atahare são donos de várias espécies vegetais; possuem boca descomunal, capaz de engolir uma pessoa por inteiro. Adormecidos na floresta, são despertados pelo cheiro de sangue, tomando como vítimas aquelas pessoas que violam certos tabus.
Os dakoti são entidades espectrais, olhos profundos e sem brilho. Desprovidos de materialidade, não têm carne, nem osso e nem sangue; são ainda desdentados e quase sem cabelo na cabeça; alimentam-se de insetos, pequenos anuros e fungos. 
XAMANISMO E FEITIÇARIA
O xamã
O xamã é quem tem a capacidade de se deslocar até o patamar celeste. Isso normalmente acontece através de sonhos especiais ou transes. Tudo começa quando, deitado em sua rede, entre o sono e a vigília, o xamã (sotayreti) passa a proferir frases em alto tom, atraindo mais e mais pessoas ao seu redor, ocasião em que são revelados os perigos de doença ou morte corridos por alguém, o agravamento ou a melhora de alguma enfermidade etc. O xamã também pode, em estado de transe, perambular agitado pelo pátio e arredores da aldeia, em especial à noite, com gestos agressivos e tensos, quase sempre munido de arco e flecha à procura de seres malignos, visíveis apenas a seus olhos. Apenas o xamã é capaz de identificar um iakayreti que, quando visto, no pátio ou nos fundos das casas, foge imediatamente para o interior da terra. Muitas vezes, no entanto, pode ser alvejado, mas nunca morto, por um xamã, que imediatamente anuncia seu feito, mostrando uma flecha quebrada e descrevendo orgulhosamente o ataque.
A atividade xamânica é uma operação que exige recompensa por parte da família do beneficiado – exceção concedida apenas no caso de morte do paciente –, comumente feita por meio de colares de tucum, peixe, milho, anzol e outros objetos de uso pessoal. Tanto o homem quanto a mulher podem ser xamãs, mas não basta simplesmente querer; sua prática é admitida após uma reconhecida iniciação, e somente um sotayreti experiente pode ser o iniciador e guia de um aprendiz. 
Por toda esta capacidade de lidar com as forças sobrenaturais, poder de cura e prevenção, o xamã é uma figura de elevado prestígio social. É ele quem faz a ligação entre o patamar dos deuses celestes e o mundo dos humanos, seja através de viagens até o eno ou invocando a presença dos enore nawe na aldeia. 
O soprador
Além do xamã, existe o(a) hoenaytare(lo), literalmente soprador (sopradora), uma mulher ou um homem detentor de palavras mágicas que, veiculadas pelo sopro, têm o poder de agir contra o ataque de seres deletérios. Age também em sentido inverso, causando a doença e a morte de pessoas. O soprador atua preferencialmente por ocasião dos tabus e prescrições alimentares, período conhecido como kadena.
O conhecedor das plantas
O baraytare é o especialista no conhecimento e manipulação de plantas utilizadas, na maioria das vezes, como tonificantes das atividades físicas , como contraceptivos femininos e ainda no tratamento de cortes, feridas e outras lesões aparentes, conseqüentes ou não da ação dos seres malevolentes. O uso das plantas pode ser também empregado em conjunto com as operações xamânicas.
O feiticeiro
O feiticeiro (iholalare) é um mobilizador de forças e práticas do mal, que atua exclusivamente pela vingança. Sua principal habilidade é a produção e uso de venenos poderosos. Mantido na invisibilidade social, sempre oculto e de atos solitários, um feiticeiro é alguém nunca apontado ou admitido como tal por quem quer que seja. Embora evitem falar sobre o assunto, os Enawenê-nawê acreditam que há vários feiticeiros entre eles. 
CICLOS RITUAIS
O calendário ritual enawenê-nawê está intimamente ligado às atividades econômicas que realizam. Toda a sociedade estabelece uma relação de troca constante entre grupos rituais e os espíritos subterrâneos (iakayreti) e celestes (enore nawe), que se dá por meio de um ciclo anual de rituais. 
Os acampamentos de coleta de mel marcam a temporada dos rituais salumã e kateokõ, destinados aos enore nawe. Suas atividades e cerimônias são associadas a esses seres benevolentes e, por isso, são mais descontraídas.
A roça coletiva de mandioca tem início em agosto, com o ritual de lerohi e termina de ser plantada no ano seguinte, durante o ritual do yãkwa, ambos associados aos iakayreti. Durante o yãkwa os homens plantam as primeiras ramas à noite e fazem uma espécie de reza, além de derramar bebida de mandioca e peixe assado na terra para a planta que eles chamam de mandioca-mãe, em referência ao mito que contam sobre a origem da roça de mandioca. 
O peixe é também considerado um alimento nobre, fundamental para a realização de seus rituais. Para esta finalidade, os Enawenê-nawê constroem barragens e armadilhas, onde são capturadas grandes quantidades de peixes que são levados para a aldeia e consumidos durante os quatro meses seguintes, quando realizam uma série de cantos e danças do ritual yãkwa.
ATIVIDADES PRODUTIVAS
A pesca, a coleta e a agricultura não acontecem em momentos exclusivos e separados do calendário anual. Elas são atividades encadeadas e complementares, ainda que em determinado momento uma delas tome conta do cenário sócio-econômico e de um tempo específico do ciclo de produção entre os Enawenê-nawê.
Pesca
A pesca é realizada durante quase o ano inteiro e organizada com base nos fenômenos de seca, enchente, cheia e vazante dos corpos d’água. Cada um desses momentos – ou na passagem de um para o outro – requer um conjunto de técnicas que possibilitem os melhores resultados na captura dos peixes. 
A pesca é também uma atividade essencial na vida ritual, onde o peixe – junto com os produtos agrícolas, em especial a mandioca – é o alimento predileto dos espíritos, sejam dos subterrâneos ou dos celestes. É a pesca, ainda uma tarefa eminentemente masculina.
Os Enawenê-nawê são exímios pescadores, e utilizam diversas técnicas que são empregadas em diferentes locais e momentos do ciclo das águas. Pescam com anzóis, arco e flecha, venenos vegetais, pequenas e grandes armadilhas e construções de barragens. 
Dessa pesca apenas os homens adultos e crianças acima de seis anos, aproximadamente, participam. Eles dividem-se em grupos (denominados de yãkwa) em número de três a cinco, deslocando-se para diferentes rios. 
Nenhuma espécie de peixe está ausente do menu dos Enawenê-nawê, que admitem, inclusive, o girino (larva de anuro) como “um tipo de peixe”. As espécies mais comuns são os piaus, as traíras, as matrinchãs, os tucunaré e os jaús.
Coleta
Os arredores de uma aldeia são um bom lugar de coleta de frutos, insetos, fungos, mel e outros recursos. Os melhores locais, no entanto, são aqueles onde os Enawenê-nawê constroem seus acampamentospor ocasião das pescas coletivas e das roças de milho, quando a população se dispersa, diminuindo assim a pressão sobre os recursos no entorno da aldeia. Essas atividades coincidem com o começo da estação das chuvas, em que tais recursos aparecem em abundância.
Mulheres, homens e crianças, todos, participam de algum tipo de coleta. Há alguns itens que são especialmente coletados pelos homens ou mulheres ou pelas crianças, e outros por qualquer um, sem distinção.
O sal vegetal e o mel são dois produtos da coleta que se complementam nos campos da representação sócio-cosmológica. O sal é um recurso escasso de fina manufatura e produção muito limitada. Consumido numa forma de “alimentação simbólica”, ele é excepcionalmente eficaz como invocativo dos espíritos subterrâneos. O mel, por outro lado, é um alimento abundante, explorado durante boa parte do ano e utilizado durante os rituais voltados aos espíritos celestes, mobilizando a parceria entre homens e mulheres no interior da dinâmica social.
Agricultura
Os Enawenê-nawê estabelecem uma clara distinção entre roça de mandioca e roça de milho. A primeira localiza-se no entorno da aldeia, em áreas de solos arenosos e bem drenados. A roça de milho, por sua vez, está localizada em áreas distantes da aldeia, nos solos mais férteis do território, onde os Enawenê-nawê constroem residência temporária durante o período de seu cultivo. A diferença revela-se, ainda nas técnicas de produção e nos períodos de sua execução, bem como nas associações destas com outras atividades do calendário anual. No âmbito das relações sociais, a roça de mandioca articula o grupo familiar, e a de milho mobiliza o grupo doméstico.
É no interior dessas roças que se encontram cultivadas todas as plantas domésticas conhecidas pelos Enawenê-nawê.
Além das roças familiares, eles possuem uma roça de mandioca feita coletivamente, que serve única e exclusivamente para o abastecimento das cerimônias nos rituais yãkwa e lerohi. Renovada a cada dois anos, esta envolve a participação de todas as pessoas, homens e mulheres, e possui local definido para sua instalação durante o tempo de permanência dos Enawenê-nawê numa mesma aldeia. 
O calendário agrícola tem início exatamente com o cultivo da mandioca. A roça coletiva é a primeira a ser implantada e, logo após a identificação do local, todos os homens, com exceção do grupo de harekare, empenham-se na abertura do terreno. Uma vez pronta a roça coletiva, é hora de fazer as roças familiares.
Os Enawenê-nawê cultivam dois tipos de mandioca: a mansa (doce ou não venenosa) e a brava (amarga ou venenosa). A mandioca brava é preferida pela grande diversidade de modos de preparo de alimentos que possibilita, destacando-se o beiju, a cerveja de baixa fermentação, o mingau e a sopa de milho. A mandioca mansa é consumida, comumente nas formas cozida e assada.
FONTES DE INFORMAÇÃO
https://pib.socioambiental.org/pt/povo/enawene-nawe/479
https://youtu.be/XegAO5OkB80 - Enawenê Nawê (Vídeo 4/7): A mais Longa Maratona de Rituais Indígenas no Brasil
http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2011/11/111122_ritual_indios_unesco_rp
https://globoplay.globo.com/v/1984845/
ZORTHÊA, Katia Silene. Daraiti ahã: Escrita alfabética entre os Enawene Nawe. Cuiabá, 2006. 123p. (Dissertação de Mestrado)
VALADÃO, Virgínia Marcos. O processo de trabalho do vídeo Yakwã : O banquete dos espíritos. In: ECKERT, Cornelia; MONTE-MOR, Patrícia (Orgs.). Imagem em foco: novas perspectivas em antropologia. Porto Alegre : UFRS, 1999. p. 161-75.
SANTOS, Gilton Mendes dos. Seara de homens e deuses : uma etnografia dos modos de subsistência dos Enewenê-Nawê. Campinas : Unicamp, 2001. 159 p. (Dissertação de Mestrado)
--------; SILVA, Márcio Ferreira da; COSTA JÚNIOR, Plácido. Estudo das potencialidades e do manejo dos recursos naturais na Área Indígena Enawene-Nawe. Cuiabá: Opan/Gera, 1995. 162 p.
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------------. Da cultura à natureza: um estudo do cosmos e da ecologia dos Enawene-Nawe. São Paulo, 2006. 241p. (Tese de Doutorado)
ALENCAR SÁ,  Cleacir, 1996. “As fases da vida: categorias de idade enawene(Ru)-nawe”. OPAN, m.s.
LISBÔA, Thomaz de Aquino. Os Enauenê-Nauê : primeiros contatos. São Paulo: Loyola, 1985. 112 p.
LISBÔA, Thomaz de Aquino. Os Enauenê-Nauê : primeiros contatos. São Paulo: Loyola, 1985. 112 p.
------------. Comunicação do primeiro contato com nova tribo situada no Vale dos Afluentes do Alto Juruena e Camararé. Cuiabá-MT: Missão Anchieta, 1974-13 ago. 6 p.
Enawené-Nawé et Nhambiquara du Mato Groso, de Luis Fernandez, AIMP, Genéve, 1995.(Disco e CD)
Antropofagia visual. Dir.: Vincent Carelli. Vídeo Cor, Betacam-SP e NTSC, 17 min., 1994. Prod.: Fausto Campolli; CTI-SP
Yakwa: o banquete dos espíritos. Dir.: Virgínia Valadão. Vídeo Cor, NTSC, 75 min., 1995. Prod.: CTI-SP; Opan.
Chamado Yaokwa, ritual é a celebração mais importante realizada pelo povo indígena e marca o início do calendário ecológico-ritual Enawene
cerimônia do povo enawenê-nawê (Foto: acervo Iphan)
Enawenê-Nawê, Mato Grosso

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