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Universidade Federal do Piauí Centro de Educação Aberta e a Distância MÉTODOS DE SISTEMÁTICA ZOOLÓGICA Janete Diane Nogueira-Paranhos Leonardo Sousa Carvalho Mauro Sérgio Cruz Souza Lima MÉTODOS DE SISTEMÁTICA ZOOLÓGICA Janete Diane Nogueira-Paranhos Leonardo Sousa Carvalho Mauro Sérgio Cruz Souza Lima Ministério da Educação - MEC Universidade Aberta do Brasil - UAB Universidade Federal do Piauí - UFPI Universidade Aberta do Piauí - UAPI Centro de Educação Aberta e a Distância - CEAD TÉCNICO EM ASSUNTOS EDUCACIONAIS: EDIÇÃO: PROJETO GRÁFICO: DIAGRAMAÇÃO: REVISÃO ORTOGRÁFICA: REVISÃO GRÁFICA: EQUIPE DE DESENVOLVIMENTO © 2015. Universidade Federal do Piauí - UFPI. Todos os direitos reservados. A responsabilidade pelo conteúdo e imagens desta obra é dos autores. O conteúdo desta obra foi licenciado temporária e gratuitamente para utilização no âmbito do Sistema Universidade Aberta do Brasil, através da UFPI. O leitor se compromete a utilizar o conteúdo desta obra para aprendizado pessoal, sendo que a reprodução e distribuição ficarão limitadas ao âmbito interno dos cursos. A citação desta obra em trabalhos acadêmicos e/ou profissionais poderá ser feita com indicação da fonte. A cópia deste obra sem autorização expressa ou com intuito de lucro constitui crime contra a propriedade intelectual, com sansões previstas no Código Penal. É proibida a venda ou distribuição deste material. Ubirajara Santana Assunção Roberto Denes Quaresma Rêgo Samuel Falcão Silva Francinaldo da Silva Soares Maria da Conceição de Souza Santos Sônia Maria Ferreira Lima N778m Nogueira-Paranhos, Janete Diane. Métodos de sistemática zoológica / Janete Diane Nogueira-Paranhos, Leonardo Sousa Carvalho, Mauro Sérgio Cruz Souza Lima. – Teresina: EDUFPI/CEAD 2015. 270 p. ISBN: 978-85-7463-859-1 1- Sitemática Zoológica. 2. Técnica de Coleta. 3. Educação a Distância. I. Carvalho, Leonardo Sousa. II. Lima, Mauro Sérgio Cruz Souza. III. Título. CDD - 591 PRESIDENTE DA REPÚBLICA: MINISTRO DA EDUCAÇÃO: GOVERNADOR DO ESTADO: REITOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ: PRESIDENTE DA CAPES: COORDENADOR GERAL DA UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL: DIRETOR DO CENTRO DE EDUCAÇÃO ABERTA E A DISTÂNCIA DA UFPI: Dilma Vana Rousseff Linhares Renato Janine Ribeiro José Wellington Barroso de Araújo Dias José Arimatéia Dantas Lopes Jorge Almeida Guimarães João Carlos Teatini de S. Clímaco Gildásio Guedes Fernandes COORDENADORES DE CURSOS ADMINISTRAÇÃO: ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: CIÊNCIAS BIOLÓGICAS: FILOSOFIA: FÍSICA: GEOGRAFIA: HISTÓRIA: LETRAS INGLÊS: MATEMÁTICA: PEDAGOGIA: QUÍMICA: SISTEMAS DE INFORMAÇÃO: Antonella Maria das Chagas Sousa Fabiana Rodrigues de Almeida Castro Maria da Conceição Prado de Oliveira Elnôra Gondim Miguel Arcanjo Costa Raimundo Wilson Pereira dos Santos Nilsângela Cardoso Lima Lívia Fernanda Nery da Silva João Benício de Melo Neto Ronaldo Matos Albano Davi da Silva Arlindo Henrique Magalhães de Araújo CONSELHO EDITORIAL DA EDUFPI Prof. Dr. Ricardo Alaggio Ribeiro ( Presidente ) Des. Tomaz Gomes Campelo Prof. Dr. José Renato de Araújo Sousa Profª. Drª. Teresinha de Jesus Mesquita Queiroz Profª. Francisca Maria Soares Mendes Profª. Iracildes Maria de Moura Fé Lima Prof. Dr. João Renór Ferreira de Carvalho Caro(a) leitor(a), A sistemática é uma das disciplinas mais básicas da biologia e é definida como a disciplina que estuda a diversidade biológica, a biodiversidade do planeta e as relações entre os organismos, entre as espécies. A sistemática zoológica é de fundamental importância para as ciências que lidam com os animais. Para entendermos o papel dos seres vivos na natureza, primeiro temos de saber como as espécies são e como se relacionam umas com as outras em seu ambiente natural. Desta forma, este livro foi escrito para servir de material didático para disciplinas que tratem de assuntos relacionados à sistemática zoológica, sendo estruturado para fundamentar os conhecimentos, especialmente de alunos de graduação. No final de cada unidade, são propostas atividades objetivando a fixação e a avaliação da aprendizagem. Portanto, aproveitem este material básico para estudo. Esperamos que vocês se interessem pela sistemática zoológica. Desejamos sucesso e bons estudos!!!! Profª. Ma. Janete Diane Nogueira-Paranhos Prof. Me. Leonardo Sousa Carvalho Prof. Dr. Mauro Sérgio Cruz Souza Lima UNIDADE 1 A SISTEMÁTICA ZOOLÓGICA CAPÍTULO 1 – Classificação Zoológica e Histórico da Sistemática .....................11 CAPÍTULO 2 – Importância e Objetivos da Sistemática Zoológica .....................31 CAPÍTULO 3 – Nomenclatura Zoológica ............................................................44 UNIDADE 2 COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIAL ZOOLÓGICO CAPÍTULO 4 - Métodos e Técnicas de Coleta e Preparação de Invertebrados ..77 CAPÍTULO 5 - Métodos e Técnicas de Coleta e Preparação de Vertebrados ...151 CAPÍTULO 6 – Coleções Zoológicas: panorama geral e perspectivas ..............219 LEITURAS COMPLEMENTARES .......................................................................242 APÊNDICE: A mochila do pesquisador ...........................................................245 REFERÊNCIAS ..................................................................................................251 MINICURRÍCULO ...........................................................................................268 11 77 OBJETIVOS DA UNIDADE 1. Conceituar classificação zoológica, táxon e categorias taxonômicas; 2. Mostrar a importância da sistemática zoológica; 3. Apresentar um histórico do desenvolvimento da sistemática zoológica; 4. Caracterizar e diferenciar as principais escolas de sistemática; 5. Apresentar as regras de nomenclatura zoológica. UNIDADE 1 A SISTEMÁTICA ZOOLÓGICA A SISTEMÁTICA ZOOLÓGICA 11 CAPÍTULO 1: CLASSIFICAÇÃO ZOOLÓGICA E HISTÓRICO DA SISTEMÁTICA Leonardo Sousa Carvalho e Janete Diane Nogueira-Paranhos Um dos objetivos a que se propõe a zoologia é dar um conhecimento definido de todo o reino animal. Tal objetivo norteou os zoólogos desde a mais remota antiguidade, e os fez tentar agrupar os animais para um estudo mais sistemático. Foi dessa forma que surgiu a sistemática zoológica, que é a ciência da classificação dos animais. A sistemática zoológica preocupa-se com a identificação, a classificação e a nomenclatura. Para a classificação, inicialmente foram levadas em consideração características morfológicas que se revelaram secundárias e levaram a certos erros de agrupamento. Atualmente, são considerados dados tais como: a fisiologia, a embriologia, a distribuição geográfica, a morfologia, o compartilhamento de estruturas homólogas, semelhançcas genéticas, citogenéticas ou moleculares, entre outros. Passamos, dessa forma, de uma taxonomia estática e, às vezes, enganosa, para uma taxonomia dinâmica e funcional. A preocupação com a sistemática remonta à época de Aristóteles (384-322 a.C), conhecido como o pai da zoologia. Aristóteles percebeu haver particularidades em alguns animais que não eram encontradas em outros. Criou, então, um sistema de classificação que foi utilizado por cerca de 2000 anos. Foi o primeiro naturalista a classificar os organismos vivos de acordo com suas características morfológicas, anatômicas e fisiológicas, dividindo os animais em dois grupos: Enaima (animais com sangue), e Anaimas (animais sem sangue). A SISTEMÁTICA ZOOLÓGICA 12 UNIDADE 1 Aristóteles, em seu livro Historia Animalium (350 a.C.), classificou os organismos em relação a uma hierárquica escada da vida, em que as criaturas eram organizadas em uma escada graduada de crescente perfeição, das plantas aos homens. O método lógico aristotélico tinha como base a divisão de classes mais inclusivas em subclasses remanescentes.Um exemplo é a classificação dicotômica, em que um determinado grupo de coisas é dividido em dois subgrupos. Esse tipo de classificação descendente repetir-se-ia até que o mais baixo grupo de espécies (compreendidas como subclasses subordinadas à classe mais inclusiva) não pudesse mais ser dividido. No entanto, o próprio Aristóteles questionou a validade de sua divisão lógica, ao não utilizá-la na sua classificação dos animais, que acabou por não constituir uma hierarquia elaborada (SANTOS, 2008). Mas, então, o que é classificar? Segundo Mateus (1989), classificar é determinar a classe e, por extensão, os grupos taxonômicos a que pertence certo material, cuja localização taxonômica era, até então, desconhecida. De acordo com Capellari (2008), classificar é o ato de agrupar ou ordenar coisas ou seres, qualificando-os e distribuindo-os em conjuntos ou classes. A classificação pressupõe o estabelecimento das relações filogenéticas, ou seja, das relações de parentesco entre os grupos. Também lhe interessa dar explicação do aparecimento dos grupos. Portanto, preocupa-se com as causas e as modalidades da evolução, ou seja, classificar é determinar; é ordenar; é agrupar; é relacionar. A classificação zoológica, então, é a ordenação dos animais em classes ou grupos com base nas suas semelhanças e relações. Essas semelhanças podem ser fenéticas, manifestadas pela semelhança total ou filogenética, e resultantes do processo de evolução por descendência comum. Assim, como diz Hickman et al. (2009), a teoria da ancestralidade comum de Darwin é o princípio subjacente que dirige a busca em direção à ordenação da diversidade da vida animal. A pedra angular da classificação zoológica é a espécie; e sobre ela repousa todo o “edifício” da classificação. Muitas são as definições de espécie. Aqui, utilizamos o conceito de Lineu, isto é, o conceito de espécie tal como ele entendia. Sendo a espécie a unidade da taxonomia, todos os problemas que lhe dizem respeito têm o interesse da sistemática. Um dos grandes méritos de Lineu consiste na ordenação dos grupos de animais segundo uma hierarquia; e em considerar a espécie como um grupo unitário, a partir do A SISTEMÁTICA ZOOLÓGICA 13 qual se constituem grupos cada vez mais extensos, isto é, de categorias mais elevadas. Ele admite que a espécie é suscetível de apresentar modificações em relação à forma padrão. Quando tal acontece, consideram-se as formas que se afastam do padrão como variedades. Podemos considerar, ainda, que os híbridos não fazem parte de uma classificação biológica específica, ou seja, não possuem posição filogenética correta na história evolutiva. Eles são o produto do cruzamento entre dois indivíduos diferentes, em geral, membros de espécies distintas. Muitos são os conceitos de espécie, e estes têm sido alterados desde que foram criados, assim que surgem melhores conhecimentos e alguma inconsistência em relação ao conceito anterior. John Ray (1627- 1705), cientista inglês, foi o primeiro a desenvolver um conceito moderno de espécie, e a realizar alguns esforços para classificar determinados grupos de organismos de maneira cientificamente conduzida. Segundo Ray, nenhum critério seria mais seguro para a determinação das espécies do que as características distintivas que se perpetuam na propagação da semente. Assim, não importa o que ocorrer de variações nos indivíduos ou na espécie, pois, se eles brotam da semente de uma planta, são variações acidentais, e não motivos para distinguir uma espécie. Animais que, da mesma forma, diferem especificamente, preservam suas espécies distintas de forma permanente, pois uma espécie nunca brota a partir da semente de outra ou vice-versa. Como, por exemplo: a semente de uma laranjeira sempre dará origem a outra laranjeira e nunca a uma mangueira, pois são espécies distintas. Igualmente, a laranjeira nascida a partir de uma semente não necessariamente será igual à árvore que lhe deu origem, pois isto é variação intraespecífica. Storer et al. (1989) define espécie como um grupo de indivíduos que têm muitos caracteres em comum e diferem de todas as outras formas em um ou mais aspectos. Todos os indivíduos de uma espécie provêm de um antepassado comum, e podem cruzar entre si para produzir prole fértil que se assemelha aos pais. No século XVIII, o zoólogo, botânico e médico sueco Carolus Linnaeus (1707-1778), ou simplesmente Lineu, conhecido como o pai da taxonomia, lançou as bases reais para a classificação e nomenclatura modernas. Lineu foi o primeiro a propor uma classificação racional do mundo vivo (na realidade sua classificação engloba o mundo vivo e o mundo mineral). Ele dividiu e subdividiu o reino animal até as espécies, baseando-se em caracteres 14 UNIDADE 1 estruturais, e deu a cada espécie um nome distintivo binomial. Seu sistema para nomear, ordenar e classificar os organismos é utilizado até hoje, porém, com modificações. Lineu lançou, ainda, as bases da classificação biológica em sua obra Systema Naturae (décima edição em 1758), admitindo a existência de seis classes de animais: mamíferos, aves, anfíbios (que incluía os répteis), peixes, insetos e vermes (que reunia todos os demais invertebrados). Georges Cuvier (1769-1832), zoólogo e naturalista francês, ficou conhecido por estabelecer a extinção como um fato, sendo ele o mais influente proponente do catastrofismo na geologia no início do século XIX, e opositor às teorias evolucionárias de Lamarck e Geoffroy Saint-Hilaire. Cuvier, em sua obra de 1817, Règne animal distribué d’après son organisation (Distribuição do reino animal após sua organização) dividiu os animais em quatro ramos: Vertebrata (peixes, anfíbios, répteis, aves e mamíferos), Mollusca (moluscos e Cirripedia), Articulata (anelídeos, crustáceos, insetos e aranhas) e Radiata (equinodermos, Nematoides, cnidários e rotíferos). No século XIX, a anatomia e a classificação foram assuntos de grande interesse e muitos sistemas foram propostos, como o do naturalista francês Jean-Baptiste Lamarck (1744-1829). Lamarck, além de suas contribuições na biologia evolutiva, é reconhecido por sua publicação de 1801, o livro Système des animaux sans vertèbres (Sistemas dos animais invertebrados), uma grande obra sobre a classificação dos invertebrados, termo que ele mesmo criou. Rudolf Leuckart (1822-1898), zoólogo alemão, é reconhecido por uma série de trabalhos na área de parasitologia e também por dividir a classificação de Cuvier separando o grupo radiata em dois filos: Coelenterata e Echinodermata. O biólogo, anatomista comparativo e paleontólogo inglês Richard Owen (1804-892) é reconhecido pela criação do termo dinosauria e pela sua declarada oposição à teoria de evolução por meio da seleção natural, de Charles Robert Darwin (1809-1882), pois concordava que a evolução existe; porém, discordava de que era tão simples quanto Darwin dizia. Owen produziu uma extensa contribuição à sistemática zoológica, contribuindo para a sistemática de animais invertebrados, como a divisão dos moluscos da classe Cephalopoda em duas ordens (Dibranchiata e Tetrabranchiata). Em relação a vertebrados, Owen apresentou diversos ensaios sobre peixes pulmonados e dipnoicos (entre outros); descreveu muitos dinosauros; produziu trabalhos monográficos sobre o kiwi, a extinta moa e o takahe, entre outras; e ainda reconheceu e nomeu os dois grupos naturais de ungulados típicos (os com A SISTEMÁTICA ZOOLÓGICA 15 dedos ímpares, Perissodactyla; e os com dedos pares, Artiodactyla). O geólogo e paleontólogo Louis Agassiz (1807-1873) trabalhou com taxonomia de peixes atuais e fósseis, produzindo uma série de publicações, como History of the freshwater fish of central Europe (História dos peixes de água doce da Europa central), de 1830, e os cinco volumes da obra Recherches sur les poissons fossiles (Estudos sobre peixes fósseis), publicados entre 1833 e 1843. Seus achados paleontológicos tornaram imprescindível umanova classificação de peixes, proposta posteriormente por ele, porém já ultrapassada. Agassiz ainda trabalhou com moluscos e equinodermos, produzindo obras memoráveis, como Etudes critiques sur les mollusques fossiles (Estudos Críticos dos Moluscos Fósseis). O naturalista britânico Charles Darwin, conteporâneo de Owen e Agassiz, entre outros, juntamente com o naturalista, geógrafo, antropólogo e biólogo galês Alfred Russel Wallace (1823-1913), desenvolveram as teorias de evolução orgânica, que resultaram em uma mudança profunda de perspectiva na sistemática, assim como em todas as outras ciências da vida e mesmo fora de suas fronteiras (DE PINNA, 2001). Ambos enviaram à Linnean Society de Londres, no dia 1º de julho de 1858, uma breve comunicação apresentando o conceito de seleção natural; porém, tal conceito só foi consagrado após a publicação de A origem das espécies (título original On the origin of species by means of natural selection, or the preservation of favoured races in the struggle for life, que significa Sobre a origem das espécies por meio da selecção natural ou a Preservação de raças favorecidas na luta pela vida), em 1859 (FONSECA, 2008). Tal obra é considerada um dos livros científicos mais influentes já escritos, pela solidez e amplitude dos argumentos em favor da evolução, incluindo dados anatômicos, morfológicos, embriológicos, ecológicos, comportamentais, biogeográficos e geológicos (FONSECA, 2008). Entendeu-se, então, que os grupos naturais de organismos eram simplesmente reflexos de relações evolutivas. As classificações passaram a ser vistas como representações da história evolutiva, e avaliadas de acordo com o seu sucesso em representar essa história. Aqui, causas e efeitos misturam-se, pois, para o próprio Darwin, a existência de padrões taxonômicos era uma das principais evidências da evolução. Para ele, a hierarquia dos seres vivos só poderia ter sido tão bem definida se fosse resultado de um processo histórico de descendência com modificação, isto é, evolução (DE PINNA, 2001). 16 UNIDADE 1 Posteriormente, o zoólogo alemão Ernst Haeckel (1834-1919) – um dos pioneiros na construção de árvores filogenéticas baseadas na comparação de similaridades compartilhadas pelos organismos – criou termos como antropogenia, filo, filogenia, ecologia (SANTOS, 2008), e ainda descreveu o reino protista, táxon aparentemente polifilético para os padrães atuais (WILLMANN, 2003). É necessário esclarecer que o nome “protista”, organismos unicelulares, conforme proposto por Haeckel (1866), diz respeito a animais distribuídos por vários reinos do sistema atual de classificação (CAVALIER-SMITH, 1998). Posteriormente, as ideias de Darwin foram somadas a teorias e descobertas, como as de genética, propostas por Gregor Mendel (1822- 1884). Formulou-se, então, a síntese da teoria evolutiva ou teoria sintética da evolução – erroneamente denominada por alguns de teoria neodarwinista, como lembra Mayr (1982). Segundo Santos (2008), os principais arquitetos dessa síntese (mas que nunca se reuniram, de fato, em um grupo sob a mesma égide) foram Theodosius Dobzhansky, Julian Huxley, Ernst Mayr, George G. Simpson e George L. Stebbins, bem como Sergeevich Chetverikov, Ronald A. Fisher, John Burdon S. Haldane, Cyril D. Darlington e Sewall Wright. A ramificação na sistemática da teoria sintética da evolução deu origem ao que hoje se chama taxonomia clássica ou evolutiva, cujos expoentes são os supracitados Mayr e Simpson (SANTOS, 2008). O biólogo alemão Ernest Mayr (1904-2005) revolucionou os conceitos evolutivos em sua época, propondo teorias para perguntas que nem mesmo Charles Darwin conseguia responder: “como várias espécies podem evoluir a partir de um único ancestral comum?”. Mayr tratou a resposta desta pergunta com uma nova definição para o conceito de espécies. Em seu livro de 1942 Systematics and the origin of species (Sistemática e a origem das espécies), ele escreveu que uma espécie não é apenas um grupo de indivíduos morfologicamente similares, mas um grupo que pode se reproduzir apenas entre eles mesmos, excluindo todos os outros. Quando populações dentro de uma espécie se tornavam isoladas pela geografia, estratégia de alimentação, seleção sexual ou por outros meios, elas poderiam começar a diferir-se de outras populações através de deriva genética e de seleção natural e, ao longo do tempo, poderiam evoluir para novas espécies. As mais significativas e rápidas reorganizações genéticas ocorrem em populações extemamente pequenas que foram isoladas (como populações presentes em ilhas). Para discussão mais completa sobre isto, ver Corliss (1988) A SISTEMÁTICA ZOOLÓGICA 17 A taxonomia clássica, então, seguia à risca a tradição de Darwin, Wallace e Haeckel no que tange ao não-desenvolvimento de um método objetivo para a obtenção das classificações biológicas (SANTOS, 2008). Sistematas como Georges Simpson viam na prática classificatória uma mistura de ciência e arte, uma vez que se fazia necessário o balanceamento de um amplo espectro de considerações, e o equilíbrio não partia de um método rotineiro, como apresentado em seu livro, Principles of animal taxonomy (Princípios de taxonomia animal), de 1961. Assim, um taxonomista evolutivo ou clássico deveria construir cenários elaborados sobre a evolução de determinado grupo, e esse cenário serviria para a construção de sistemas classificatórios. Dessa forma, essa escola de sistemática baseava-se muito mais na autoridade de um pesquisador sobre determinada área do que em um método passível de repetição (SANTOS, 2008). Como as classificações oriundas da taxonomia clássica estão profundamente arraigadas às concepções e ao conhecimento prévio dos seus autores, não há como esperar que duas delas, obtidas independentemente por pesquisadores trabalhando com o mesmo grupo de estudo, sejam congruentes ou ao menos semelhantes do ponto de vista das relações de parentesco entre os organismos considerados (SANTOS, 2008). Em breves palavras, não há um método. Essas hipóteses não podem ser confrontadas à luz de novas evidências ou a partir da análise de sua coerência interna: classificações da taxonomia clássica não são científicas, visto que não configuram hipóteses testáveis ou falseáveis (cf. POPPER, 1959, 1962, 1972). As chamadas árvores evolutivas da taxonomia clássica são apenas asserções sem fundamentação metodológica adequada. Posteriormente a esse período, foram apresentadas diversas escolas de sistemática para resolver esta idiossincrasia. Tais escolas são apresentadas em separado, em um tópico neste mesmo capítulo. Após a proposição do reino protista por Haeckel, os seres vivos passaram a ser divididos em três reinos: Protista, Plantae e Animalia. Posteriormente, surgiu um novo sistema de classificação agrupando os organismos em quatro reinos: Monera (bactérias e cianofícias); Protista (demais algas, protozoários fungos); Plantae ou Metaphyta (desde briófitas até angiospermas); e Animalia ou Metazoa (desde espongas até mamíferos). Um sistema de classificação mais recente, proposto por Whittaker (1969), compreende cinco reinos: um reino procariótico, Monera; e outros quatro 18 UNIDADE 1 reinos eucarióticos, protista, deram origem aos outros três grupos (Plantae, Animalia e Fungi). No entanto, Carl Woese, um microbiologista norte-americano nascido em 1928, apresentou uma nova classificação após análise do material genético de bactérias, algas unicelulares (até então chamadas de arqueobactérias) e seres eucariotos, especialmente de RNA ribossomal (WOESE et al., 1978). Ele criou um novo domínio, denominado archaea, composto pelas algas unicelulares. Surgia, então, a classificação dos seres vivos composta de três domínios: Bacteria, Archaea e Eukarya (com três reinos: Plantae, Animalia e Fungi). Segundo Pace (2006), a análise do material genético desses grupos faz com que o modelo biológico procarioto/eucarioto para explicar adiversidade e a evolução torne-se inválido. Isto acontece porque as principais organelas eucarióticas (mitocôndrias e cloroplastos) são, definitivamente, originadas de bactérias, embora o núcleo não o seja. A linhagem de descendência do núcleo é tão antiga quando a linhagem de algas unicelulares, e não é derivada de algas ou bactérias. Este mesmo autor afirma, ainda, que o uso do termo “procarioto” é incorreto, porque este termo não pode ser definido por aquilo que não é eucarioto, visto que seus representantes (bactérias e algas unicelulares) não possuem características comuns. A transcrição, por Figura 1 - Divisão dos seres vivos em cinco reinos, proposta por Whittaker (1969). Fonte: Whittaker (1969). A SISTEMÁTICA ZOOLÓGICA 19 exemplo, é realizada de maneira distinta em algas unicelulares e bactérias (PACE, 2006). Atualmente, existem diversas novas classificações; porém, muitas delas não utilizam mais o sistema hierárquico tradicional, conforme proposto por Lineu, devido à grande quantidade de grupos e sub grupos, tornando suas categorizações uma tarefa difícil de ser compreendida (ADL et al., 2005). A classificação apresentada por Adl et al. (2005), baseada em muitas informações de ultraestrutura coligidas desde 1980 e uma filogenia molecular, por exemplo, reconhece seis linhagens de eucariotos que podem representar grupamentos similares aos tradicionais reinos. Categorias hierárquicas Devido ao grande número de espécies e à diversidade de seres vivos existentes, tornou-se necessária a elaboração de sistemas de classificação com categorias hierárquicas, com a finalidade básica de simplificar o estudo dos seres vivos e estabelecer parentesco entre diferentes grupos. Em suma, a finalidade fundamental da classificação seria a simplificação do estudo pela descoberta de parentesco. É claro que qualquer sistema de classificação apresenta muitas dificuldades, pois os seres vivos se modificam e evoluem ao longo do tempo; e, ainda, com o avanço da ciência, surgem novas descobertas a respeito das relações existentes entre os organismos. Isto é particularmente verdadeiro após o surgimento da sistemática filogenética, em meados da década de 1960, e com o desenvolvimento de métodos modernos de análises filogenéticas com a utilização de informações morfológicas, moleculares, etológicas e bioquímicas, entre outras. A classificação taxonômica, conforme proposta por Lineu, organiza os seres vivos em uma hierarquia começando com o nível de reino e terminando no grupo da espécie. A hierarquia, portanto, é uma estrutura organizacional (sistemática) para a classificação zoológica, formada por uma sequência de classes (ou conjuntos) em níveis diferentes, em que cada classe, exceto a mais baixa (espécie), inclui uma ou mais classes subordinadas (SIMPSON, 1981). Cada grupo de uma dada categoria acima da espécie é formado por um ou mais grupos de categorias inferiores. Segundo Simpson (1981), em taxonomia, a pesquisa é dirigida para grupos de organismos inter-relacionados, os quais, em seu significado geral, recebem o nome de táxon, também frequentemente designado como unidade Mais informações sobre esse novo sistema de classificação podem ser encontradas em Adl et al. (2005) e Keeling et al. (2011). 20 UNIDADE 1 taxonômica. De acordo com Papavero (1994), táxon é determinado grupo de organismos, ou qualquer unidade taxonômica, tal como uma família, um gênero, uma espécie particular. Os primatas, incluindo o homem, formam um táxon, por exemplo. Categoria taxonômica é determinado nível hierárquico em que certos táxons são classificados (ex.: reino, filo, classe etc.). Isto significa a existência de hierarquia taxonômica, constituída pelos diferentes níveis resultantes das subdivisões dos táxons e, consequentemente, implicando diversos graus de sucessão taxonômica. Em zoologia, são reconhecidas sete categorias principais, assim hierarquicamente dispostas: REINO → FILO → CLASSE → ORDEM → FAMÍLIA → GÊNERO → ESPÉCIE. Estas categorias são mutuamente inclusivas, conforme exemplificado na Figura 2. Dependendo do grau de complexidade alcançado pelos conhecimentos sobre o grupo objeto de estudo, procede-se à intercalação de outras categorias, chamadas facultativas. Entende-se que esta expressão, facultativa se aplica apenas ao significado de que nem todos os grupos apresentam essas categorias em seu sistema classificatório, a não ser as principais, que se revestem de feição de obrigatoriedade para quaisquer deles (ou para qualquer um deles). Ao designá-las, utilizam-se os prefixos infra, sub e super, como, por exemplo, infraclasse, superfamília e subgênero. Além disso, e também na dependência da complexidade atingida pelo grupo, tem-se empregado outras categorias e correspondentes denominações, como ramo, coorte, tribo (MATEUS, 1989). De qualquer maneira, as categorias situadas acima de espécie na hierarquia taxonômica são consideradas como superiores e definidas como sendo as que incluem todos os táxons ali alocados nos correspondentes níveis de classificação. Esses táxons são, então, denominados táxons Figura 02: Diagrama representando as categorias hierárquicas propostas por Lineu. Fonte: Elaborada pelos(a) autores(a). A SISTEMÁTICA ZOOLÓGICA 21 supraespecíficos. No entanto, deve-se lembrar de que abaixo da categoria de espécie, nas formas de reprodução sexuada, o relacionamento taxonômico deixa de ser hierárquico, em virtude do resultado de mutações e combinações. Acima desse nível, como os caracteres são fixados, torna-se possível recuperar a informação histórica e, portanto, as relações taxonômicas são hierárquicas. O “reino” é a maior unidade usada em classificação biológica. Entre o nível de reino e o de gênero, entretanto, Lineu e taxonomistas posteriores adicionaram diversas categorias. Temos, então, os gêneros agrupados em famílias (o cão, o lobo e a raposa pertencem à família canidae, por exemplo). As famílias podem ser agrupadas e formar uma ordem, por exemplo: o cão, o lobo e a raposa fazem parte da ordem carnivora, juntamente com os gatos, leões, tigres, onças, guaxinins, camgambás e furões, entre outros. As ordens podem ser agrupadas e formar uma classe, por exemplo: todos os mamíferos já listados, incluindo todos os demais, inclusive o homem, fazem parte da classe mammalia. As classes podem reunir e formar um filo, por exemplo: todos os mamíferos, somados aos peixes, répteis, anfíbios e aves, formam o filo chordata. Os filos podem ser agrupados e formar um reino, por exemplo: o conjunto de todos os filos de animais constituem o reino animmalia. Assim sendo, todas as categorias utilizadas em zoologia apresentam- se hierarquicamente dispostas da seguinte maneira (em negrito e letras maiúsculas estão listadas as categorias obrigatórias): Para entender, apresentamos no Quadro 1 a classificação de um molusco, Charonia tritonis Linnaeus, 1758; um escorpião, Tityus maranhensis Lourenço, Jesus Júnior e Limeira-de-Oliveira, 2006; um louva-a-deus, Mantis religiosa Linnaeus, 1758; um anfíbio, Phyllomedusa nordestina (Caramaschi, 2006); um lagarto, Gonatodes humeralis (Guichenot, 1855); e um mamífero, Didelphis albiventris Linnaeus, 1758 (Figura 3). REINO Subreino Superfilo FILO Subfilo ramo Superclasse CLASSE Subclasse Infraclasse Coorte Superordem ORDEM Subordem Infraordem Superfamília FAMÍLIA Subfamília Tribo Subtribo GÊNERO Subgênero ESPÉCIE Subespécie 22 UNIDADE 1 C AT EG O R IA M ol us co Es co rp iã o Lo uv a- a- de us A nf íb io La ga rt o M am ífe ro R E IN O A ni m m al ia A ni m m al ia A ni m m al ia A ni m m al ia A ni m m al ia A ni m m al ia S U B R E IN O E um et az oa E um et az oa E um et az oa E um et az oa E um et az oa E um et az oa S E Ç Ã O E uc oe lo m at a E uc oe lo m at a E uc oe lo m at a E uc oe lo m at a E uc oe lo m at a E uc oe lo m at a D IV IS Ã O B ila te ria B ila te ria Bila te ria B ila te ria B ila te ria B ila te ria FI LO M ol lu sc a A rth ro po da A rth ro po da C ho rd at a C ho rd at a C ho rd at a S U B FI LO - - - Ve rte br at a Ve rte bt at a Ve rte bt at a S U P E R C LA S S E - - - Te tra po da Te tra po da Te tra po da C LA S S E G as tro po da A ra ch ni da In se ct a A m ph ib ia R ep til ia M am m al ia S U B C LA S S E P ro so br an ch ia - - - - M ar su pi al ia O R D E M M es og as tro po da S co rp io ne s O rth op te ra A nu ra S qu am at a D id el ph im or ph ia S U B O R D E M - - - - S au ria - FA M ÍL IA R an el lid ae B ut hi da e M an tid ae H yl id ae S ph ae ro da ct yl id ae D id el ph id ae S U B FA M ÍL IA C ym at iin ae - - - - D id el ph in ae G Ê N E R O C ha ro ni a Ti ty us M an tis P hy lo m ed us a G on at od es D id el ph is S U B G Ê N E R O - A rc ha eo tit yu s - - - - E S P É C IE C ha ro ni a tri to ni s Ti ty us m ar an he ns is M an tis re lig io sa P hy lo m ed us a hy po co nd ria lis G on at od es hu m er al is D id el ph is m ar su pi al is Q ua dr o 1 – C la ss ifi ca çã o ta xo nô m ic a de u m m ol us co , C ha ro ni a tri to ni s Li nn ae us , 1 75 8; u m e sc or pi ão , T ity us m ar an he ns is L ou re nç o, J es us Jú ni or e L im ei ra -d e- O liv ei ra , 2 00 6; u m lo uv a- a- de us , M an tis re lig io sa L in na eu s, 1 75 8; u m a nf íb io , P hy llo m ed us a no rd es tin a (C ar am as ch i, 20 06 ); um la ga rto , G on at od es h um er al is (G ui ch en ot , 1 85 5) ; e u m m am ífe ro , D id el ph is m ar su pi al is L in na eu s, 1 75 8. Fo nt e: E la bo ra do p el os (a ) a ut or es (a ) A SISTEMÁTICA ZOOLÓGICA 23 Escolas de sistemática Na sistemática, as linhas ou escolas de pensamento têm por objetivo principal explicar e ordenar a natureza da diversidade dos organismos. Os animais são reunidos em função de critérios de semelhanças, formando grupos e subgrupos, conforme maior ou menor afinidade. Normalmente, os resultados dessa ordenação são apresentados na forma de classificação, árvores genealógicas ou sob a forma de um texto, narrando, discutindo e estabelecendo a história evolutiva dos grupos, também denominada cenário evolutivo. De acordo com Amorim (1994), a questão das bases lógicas e filosóficas de cada escola de sistemática é complexa e, talvez na maior parte dos casos, é ignorada pelos próprios adeptos da escola, que só dominam a técnica e não a sua fundamentação. Este mesmo autor afirma que pode identificar pelo menos cinco escolas ou linhas principais de sistemática: essencialista, catalográfica, fenética, gradista e filogenética. Abaixo, é apresentada uma síntese sobre cada uma das escolas. Figura 3: Animais cuja classificação taxonômica é apresentada no Quadro 1. (A) Molusco, Charonia tritonis Linnaeus, 1758; (B) Escorpião, Tityus maranhensis Lourenço, Jesus Júnior e Limeira-de-Oliveira, 2006; (C) Louva-a- deus, Mantis religiosa Linnaeus, 1758; (D) Anfíbio, Phyllomedusa nordestina Caramaschi, 2006; (E) Lagarto, Gonatodes humeralis (Guichenot, 1855); (F) Mamífero, Didelphis marsupialis Linnaeus, 1758. Fonte: A, C: Y.C.C. LIMA; B,D,F: Elaborado pelos(a) autores(a) 24 UNIDADE 1 Escola lineana (essencialista ou tipológica) Esta escola fundamenta-se na lógica aristotélica e na visão de mundo de Aristóteles, ou seja, em sua ontologia essencialista. A escola lineana visa a reunir táxons com base em semelhanças compartilhadas pelos seres vivos. Na prática, corresponde a um método intuitivo de comparação, uma vez que não existe um critério que determine qual característica deve ser considerada na separação dos táxons, carecendo, assim, de uma ontologia bem definida. De acordo com Amorim (1994), ainda hoje existem sistematas que utilizam essa lógica, mas sem um princípio definido. Esta escola não leva em conta a evolução, e sim, as semelhanças compartilhadas entre os seres para reuni-los em grupos. Resgata a ideia de essência e esta pode ou não ser compartilhada por duas ou mais espécies, método intuitivo e arbitrário de comparação de semelhanças. Contudo, qualquer método utilizado para reunir táxons tem como base o compartilhamento de semelhanças definido por Aristóteles. Escola “catalográfica” ou tradicional Esta escola sistemática entende que as atividades de classificação não necessitam de um embasamento filosófico, ou seja, ela não apresenta nem teoria nem método para ordenar o conhecimento. As classificações são baseadas no conhecimento de taxonomistas profissionais, e realizam-se como uma atividade catalogatória semelhante à de um colecionador de selos ou de moedas, que separa ou agrupa coisas considerando suas semelhanças ou diferenças. Os defensores dessa escola não reconheciam (atualmente não se tem encontrado mais tais defensores) a sistemática como ciência, mas apenas como um mecanismo prático de agrupamento dos seres vivos, sem qualquer compromisso com sua ontologia ou evolução. A classificação era dada pela reunião de espécies semelhantes e separação das distintas, segundo critérios puramente arbitrários, criando, assim, um catálogo de espécies. Segundo Amorim (1994), não há discussão da questão ontológica subjacente, uma vez que a prática sistemática não é considerada atividade científica, mas uma ferramenta operacional. Criar táxons, conhecendo um grupo, é reunir espécies semelhantes e separar espécies distintas por decisão assumidamente arbitrária. Observa-se, no entanto, que é uma postura honesta. Porém, pretendendo que a classificação tenha alguma A SISTEMÁTICA ZOOLÓGICA 25 relação com o processo evolutivo e com seus padrões, há de se rejeitar essa prática taxonômica. Escola fenética ou numérica O termo fenética (radical grego phaínein = mostrar, expressar + ethos = comum a um grupo de indivíduos, significando semelhança aparente comum a um grupo) foi criado por Mayr (1965) para designar a taxonomia numérica. Esta escola surgiu na década de 1950, nos Estados Unidos, coincidindo com o aparecimento dos primeiros computadores de grande capacidade e das primeiras calculadoras científicas (CONSTANTINO, 2012). A organização do conhecimento sobre a diversidade dos organismos baseia-se em um conjunto de métodos matemáticos bem claros; porém, não está fundamentada em uma teoria biológica. Os defensores desta escola objetivavam então, reunir grupos de animais com o maior número possível de semelhanças observáveis. As características de cada organismo são quantificadas através de critérios matemáticos, e a similaridade entre eles é expressa por porcentagens de semelhanças e distâncias geométricas entre os organismos. Em função das distâncias calculadas, os organismos são reunidos em grupos e subgrupos. A escola fenética apresenta alguns pontos em comum com a escola tradicional, como os critérios de similaridade e, principalmente, a não-fundamentação na teoria evolutiva. Essencialmente, a escola fenética diferencia-se da taxonomia tradicional pelo emprego de métodos quantitativos e pela utilização de um número maior de características semelhantes entre os organismos. Trata-se basicamente da elaboração de um “banco de dados”, reunindo o maior número de informações sobre os organismos; facilitando a análise de caracteres, alguns princípios evolutivos; impedindo a formação de táxons aleatoriamente por parte dos sistemas (com base em um ou em poucos caracteres); e facilitando a identificação taxonômica através de um sistema operacional. No método fenético, quanto maior o número de caracteres inseridos sobre um grupo, maior a estabilidade do sistema. Entretanto, o que importa não é a quantidade de informações para formar um sistema,e sim, o número de informações que se pode tirar de uma classificação elaborada. Na análise de uma classificação fenética, não se pode determinar, a princípio, que tipo de semelhança existe, evolutivamente falando, entre dois ou mais grupos. O resultado da análise são classes abstratas, no sentido aristotélico. 26 UNIDADE 1 A maior fragilidade do sistema fenético é ontológica, uma vez que as semelhanças entre espécies podem ser devidas a características plesiomórficas, apomórficas ou homoplásicas, não refletindo com precisão que relação evolutiva pode haver entre tais seres, ou que caracteres pesaram mais para aproximar dois grupos. O fenograma informa apenas que há maior semelhança entre eles. Na opinião do biólogo Reginaldo Constantino, do Departamento de Zoologia, da Universidade de Brasília (UnB), a escola desenvolveu-se muito, principalmente pelo apelo de usar uma ferramenta nova como o computador, mas tinha problemas conceituais graves. Esses problemas começaram a aparecer e a alternativa já estava surgindo: a sistemática filogenética, com o método cladístico. A taxonomia numérica, então, entrou em decadência, mais ou menos a partir da década de 1980. Até o final dessa década, ainda havia gente adepta dessa escola. Escola gradista ou evolutiva Esta escola surgiu na primeira metade do século XX, representada principalmente pelas obras de Ernst Mayr (MAYR et al., 1953) e de Georges Simpson (SIMPSON, 1981). Ela está embasada na teoria sintética da evolução, ou neodarwinismo, uma denominação equivocada para a teoria sintética da evolução, segundo Amorim (2008). Contudo, os gradistas ou taxonomistas evolutivos não desenvolveram um método particular para organizar o conhecimento sobre a diversidade biológica. Os seguidores dessa escola não priorizam a constituição morfológica como fator preponderante para a sua metodologia de classificação, a não ser quando as diferenças são significativas. Neste caso, os grupos taxonômicos são separados. Eles consideram, especialmente, grupos taxonômicos com maior número de espécies. Esses grupos tendem a estar num status mais elevado. Os critérios para reunir grupos de organismos têm como suporte o conceito de grados. Os grados são definidos como a expressão dos graus da história evolutiva dos grupos. Conforme este conceito, determinado grupo que tenha atingido a habilidade de explorar um ambiente muito diferente receberia um status separado do que têm seus ancestrais, ou seja, passaria de um grado para outro que lhe é superior. Dado um grupo qualquer, sua evolução sempre começa com um conjunto de características adaptativas. Ao longo da evolução, muitas espécies A SISTEMÁTICA ZOOLÓGICA 27 descendentes mantêm essas características iniciais. No entanto, muitas vezes um ou mais subgrupos diferenciam-se do ancestral, surgindo apomorfias em características autoecológicas, e resultando num novo grau evolutivo. Por exemplo: os peixes, habitantes de ambientes aquáticos, representariam a forma mais parecida com o ancestral dos demais vertebrados. A invasão do ambiente terrestre seria um grado na história evolutiva dos vertebrados. Desta forma, os demais vertebrados que se adaptaram às novas condições do ambiente seriam reunidos em um novo grupo ou grado, o dos tetrapoda que, como os peixes, são pecilotérmicos (sangue frio). Por sua vez, entre os tetrápodes, surgiram formas capazes de controlar a temperatura corpórea, denominadas animais de "sangue quente" ou homeotérmicos. Tais formas teriam surgido como dois grados independentes: as aves, com capacidade de voo e com penas; e os mamíferos, com pelos e glândulas mamárias. Tanto a taxonomia tradicional como a evolutiva utilizam-se da intuição como ferramenta para estabelecer o relacionamento entre grupos de organismos, ou seja, não demonstram claramente como e o que fazem, estabelecendo grupos com base em critérios muito subjetivos. Na construção de uma classificação gradista, dezenas ou centenas de combinações são possíveis, podendo gerar os mais diferentes grados evolutivos, uma vez que o que se considera importante como característica “adaptativa para gerar grados evolutivos” é meramente uma questão de opinião. A existência de conflitos frequentes entre gradistas com posições antagônicas é uma demonstração factual desse problema, levantando a suspeita sobre a realidade fenomenológica dessas supostas entidades evolutivas. Segundo Constantino (2012), os adeptos da escola evolutiva procuram incluir informações sobre filogenia nas suas classificações, mas, ao mesmo tempo, levam em conta o grau de diferença entre os táxons. Eles não usam nenhum método claro para reconstruir filogenias, e não têm o objetivo de transformar a hierarquia conhecida da filogenia na hierarquia da classificação. Mayr (1965) concentrou-se na taxonomia em nível de espécie. Seus primeiros livros não continham quase nenhum conteúdo sobre filogenias e classificação de táxons supraespecíficos (CONSTANTINO, 2012). Os adeptos da escola evolutiva aceitam grupos parafiléticos na classificação. 28 UNIDADE 1 Escola filogenética ou cladista Esta escola sistemática trabalha com o método originalmente proposto por Willi Hennig. A sistemática filogenética é fundamentada na teoria da evolução orgânica e apresenta uma metodologia compatível com essa teoria. Isto significa que os grupos são formados por relações de parentesco, estabelecidas através de um ancestral comum, levando-se em conta o parentesco entre espécies, ou seja, a filogenia de determinada espécie. A meta principal desta escola é propor hipóteses testáveis de relacionamento genealógico entre grupos naturais. Estes são definidos como grupos formados por organismos que possuem um mesmo ancestral comum. Como metodologia sistemática, a escola filogenética tem por base a passagem do ancestral para seu descendente das características que se modificam ao longo da genealogia do grupo. O estabelecimento de agrupamentos naturais é determinado a partir de características modificadas, que são novidades evolutivas, herdadas de um ancestral comum que já as possuía. Os sistematas da escola filogenética buscam reconstruir a história da vida, mesmo quando só se pode contar com os dados do presente. Em sua metodologia, tentam estabelecer os diferentes graus de parentesco e ancestralidade. Essa filosofia não poderia ter existido antes do século XIX, quando o conceito de ancestralidade começou a ser melhor compreendido e aceito pela comunidade científica. A partir desse momento, compreendeu-se que as espécies não são entidades fixas, e é exatamente aí onde se inicia uma discussão mais aprofundada sobre evolução. O método cladístico nasce como um método geral de estudar a história. A ideia do método é a seguinte: com o tempo passando ao longo da evolução, dentro de certa linhagem, surgem caracteres novos. Esses caracteres são passados para seus descendentes, no sentido filogenético, na árvore. Cada escola tem sua forma de classificação e, como tal, a filogenética tem a sua, resultando em pontos duvidosos e discordantes para um grupo de indivíduos. A classificação filogenética permite recuperar a filogenia do grupo, além de criar sistemas de classes e atribuir nomes a essas classes. Henning (1966) diz que a adoção de diferentes classificações é inútil, optando pela mais útil, que seria a filogenética, onde o estudo da evolução de um grupo é feita através de vários caracteres em vez de um só. A estabilidade certamente deve ser uma recomendação para qualquer escola. No entanto, não se pode pretender que qualquer sistema de A SISTEMÁTICA ZOOLÓGICA 29 classificação possa ser estável caso ele se fundamenta em um conhecimento que evolui gradualmente, sendo a classificação filogenética a que tem maior chance de se aproximar de uma estabilidade a médio e longo prazo, por aceitar e inserir as novas tecnologias, como métodos moleculares tradicionais e genômicos, buscando alternativas para solucionarpontos duvidosos das classificações. A contribuição mais importante foi o desenvolvimento de um método de reconstrução para as relações de parentesco entre espécies e grupos de espécies. A proposta desta escola é que as classificações biológicas devem ser um reflexo inequívoco do conhecimento atual sobre as relações de parentesco entre os táxons, ou seja, todos os táxons da classificação deveriam ser monofiléticos, ou se não houver uma hipótese de monofiletismo, a dúvida deve permanecer expressa na classificação, até que se obtenha uma filogenia completa e a classificação para ser refeita. A criação de classificações correspondentes à criação de sistemas de classes, e a atribuição de nomes às classes justifica o sistema de classificação filogenético. O ponto mais importante em favor das classificações filogenéticas é que, quando se toma uma característica particular ou um conjunto de características como base para erigir uma classificação, constroem-se táxons que podem não refletir a evolução de outros caracteres, ou seja, não é possível compreender a evolução de todos os caracteres através da evolução de um caráter em particular. No entanto, uma vez que os caracteres se originam dentro de um contexto filogenético, todos os caracteres podem ser compreendidos através das relações de parentesco entre os táxons. Em uma classificação filogenética, qualquer informação sobre o compartilhamento de caracteres autoecológicos pode ser compreendida evolutivamente, já que todas as características evoluem através da filogênese, e qualquer caráter pode ter sua evolução compreendida à luz da filogenia de grupo classificado. EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 1. Por que a classificação é importante para ciências como a zoologia? 2. Defina “classificação zoológica” e cite as categorias taxonômicas básicas. 3. Qual a diferença entre táxon e categoria taxonômica? 4. Conceitue espécie e explique por que os híbridos não fazem parte de uma classificação biológica específica. 30 UNIDADE 1 5. Através de consulta bibliográfica, classifique, nas categorias principais e obrigatórias, três invertebrados e três vertebrados até o nível de espécie. 6. Comente sobre o princípio básico da escola lineana. 7. Em que se baseia a escola catalográfica? 8. O que contribuiu para o surgimento da escola fenética? Como funcionava esta escola? 9. Qual a opinião dos seguidores da escola gradista em relação à história filogenética? 10. Conceitue cladística e explique a frase: “toda relação filogenética hipotética entre dois organismos só pode ser considerada se houver aceitação de que estes organismos compartilham um ancestral comum”. 11. Faça uma comparação entre a escola gradista e a filogenética. 12. Por que podemos dizer que seguidores da escola catalográfica (ou tradicional) apresentavam trabalhos com resultados honestos, mesmo inexistindo métodos ou teorias que subsidiassem suas ações? 13. Leia a seguinte frase apresentada por Georges Gaylord Simpson: “Os membros de um grupo são similares porque eles têm um mesmo ancestral comum. Não é porque eles são similares que pertencem ao mesmo grupo“. Esta frase exemplifica uma crítica atribuída a qual escola de sistemática? Explique sua proposição. 14. De acordo com a escola filogenética, por que não é correto afirmar que “o homem descende do macaco”? Reescreva a frase “o homem descende do macaco”, de forma a torná-la filogeneticamente correta. 15. O que é mais importante: uma classificação ser alterada quando suportada por uma filogenia, ou esta classificação ser mantida em prol da sua estabilidade, mesmo com argumentos contrários dados por uma hipótese filogenética? A SISTEMÁTICA ZOOLÓGICA 31 CAPÍTULO 2: IMPORTÂNCIA E OBJETIVOS DA SISTEMÁTICA ZOOLÓGICA Leonardo Sousa Carvalho e Janete Diane Nogueira-Paranhos Os zoólogos descreveram mais de 1,5 milhão de espécies animais e milhares são descritas a cada ano. No entanto, estima-se que todas as espécies descritas até então não representam 20% de todos os animais viventes e menos que 1% de todos aqueles que viveram no passado (HICKMAN et al., 2009). A diversidade dos seres vivos é muito grande, e o seu estudo torna-se mais fácil quando estes são separados em grupos. Portanto, a sistemática é de fundamental importância para as ciências que lidam com os animais. Para entendermos o papel dos seres vivos na natureza, primeiro temos de saber como as espécies são e como se relacionam umas com as outras em seu ambiente natural. Tal tarefa não é fácil, e requer ampla preparação em várias disciplinas zoológicas, muita paciência e uma minunciosidade especial. A preocupação com a sistemática existe desde a época de Aristóteles (384-322 a.C), conhecido como o pai da zoologia. Desde essa época, Aristóteles já percebia que havia particularidades encontradas em alguns animais que não eram encontradas em outros; portanto, já podiam constituir grupos. Aristóteles fez um sistema de classificação que serviu até o século XVIII, quando o botânico sueco Carolus Linnaeus (ou, simplesmente, Lineu) forneceu nosso atual sistema de classificação. Esse sistema, apresentado formalmente na 10ª edição da principal obra de Lineu, o Systema Naturae, de 1758, foi adotado oficialmente pela Comissão Internacional de Nomenclatura Zoológica. Para uma discussão maior sobre este sistema, ver Capítulo 3 – Nomenclatura Zoológica. Importância da sistemática frente às outras ciências A determinação da espécie é necessária não só na zoologia, mas em outras ciências. Um trabalho sobre fisiologia, genética, e parasitologia pode estar bem feito no que diz respeito ao conteúdo científico, mas perde o seu valor se não tiver o nome científico do animal que serviu de base ao trabalho, porque o nome vulgar não satisfaz. Isso é ainda especialmente importante na Para uma discussão maior sobre este sistema, ver Capítulo 3 – Nomenclatura Zoológica. 32 UNIDADE 1 investigação de agentes causadores de patologias em animais ou plantas, tais como protozoários, platelmintos, nematoides, entre outros. Uma identificação errônea poderia provocar a aplicação de um procedimento inadequado para o controle do problema ou da patologia decorrente de tal animal. O objetivo da zoologia, então, é dar um conhecimento definido de todo o reino animal, e o da sistemática é reconstruir a árvore filogenética ou filogenia que relaciona todas as espécies viventes e extintas. Tal objetivo norteou os zoólogos desde a mais remota antiguidade, e os fez agrupar os animais para um estudo mais sistemático. Surge, então, a sistemática zoológica. A sistemática zoológica é o ramo da zoologia que se ocupa da organização, caracterização e denominação dos grupos de animais; do estabelecimento das relações de parentesco entre esses grupos; da identificação das formas já conhecidas; e da descrição e denominação de formas novas (MATEUS, 1989). É, portanto, interesse da sistemática zoológica o conhecimento dos animais, sua ordenação segundo o grau de parentesco, bem como o estabelecimento de regras. Interessa-lhe, portanto, a filogenia e, consequentemente, os problemas da evolução. A sistemática zoológica compreende duas partes: a taxonomia e a nomenclatura. A taxonomia refere-se à organização, definição e ordenação dos grupos, enquanto a nomenclatura diz respeito às regras para dar nomes aos grupos organizados pela taxonomia. Assim, a taxonomia é a finalidade da sistemática, enquanto que a nomenclatura é o meio pelo qual entendemos e comunicamos os pensamentos taxonômicos. A importância da taxonomia é tanta que alguns autores, sem razão, consideram taxonomia como sinônimo de sistemática. Para outros, porém, a sistemática envolve, além da taxonomia, o estudo das relações de parentesco entre as espécies, ou seja, a filogenia. Portanto, o objetivo de quem trabalha com sistemática não é apenas descrever a diversidade existente e elaborar um sistema geral de referência, mas também contribuir para a compreensão dessa diversidade. Ataxomomia é parte da sistemática. Assim, pode-se defini-las: Sistemática: É o estudo científico da diversidade e diferenciação dos organismos e das relações existentes entre eles. A SISTEMÁTICA ZOOLÓGICA 33 Taxonomia (do grego taxis, que significa arranjo + nomos, que significa lei) – É a parte da sistemática que trata do estudo da classificação, de princípios, procedimentos e regras. Este termo foi proposto por De Candolle, em 1813, para ser aplicado à botânica, e daí passou a ser aplicado também na zoologia. De acordo com Mateus (1989), taxonomia é o capítulo da sistemática que tem por fim, entre outros, a organização, definição e ordenação de grupos de animais. Ainda segundo este autor, a sistemática atual é bem diferente da antiga: a velha sistemática considera os grupos independentes uns dos outros, embora possam dispor-se por ordem lógica; a nova sistemática considera os grupos entidades biológicas, sujeitas a variação e ligadas por relações filogenéticas, ou seja, por relação de parentesco. Adicionalmente, Mayr et al. (1953) afirmam que a velha sistemática é caracterizada pela posição central de uma espécie, concebida tipologicamente, definida morfologicamente e essencialmente não dimensional; enquanto na nova sistemática, a definição de espécie puramente morfológica foi substituída por uma definição biológica que tem em consideração fatores ecológicos, geográficos, genéticos e outros. Os critérios que têm presidido à organização dos grupos de animais têm variado, refletindo, muitas vezes, as preocupações científicas dos autores, o estado de adiantamento dos conhecimentos científicos, e as correntes filosóficas da época em que foram elaborados. No começo, tinha-se como objetivo a estruturação de arranjos que facilitassem a tarefa da localização das espécies e a identificação das formas; atualmente, procura-se traduzir a natureza. A sistemática trabalha com duas formas principais de classificação: a natural e a artificial. A classificação natural baseia-se muito nas relações evolutivas entre os diferentes grupos de organismos. Esta forma de classificar não apresenta anomalias taxonômicas, e traduz o que se passa na natureza, isto é, os grupos são dispostos segundo as suas afinidades naturais, segundo o seu grau de parentesco. A classificação artificial, por sua vez, leva em consideração caracteres morfológicos similares que, nem sempre, refletem algum tipo de ancestralidade, uma vez que condições derivadas de caracteres podem surgir independentemente em grupos taxonômicos distintos. Esta forma de classificação apresenta anomalias taxonômicas, isto é, quando um animal, ou grupos de animais, incluídos no grupo a que pertencem, por definição 34 UNIDADE 1 deste, se parece mais, pelo conjunto da sua organização, com os animais de outro grupo que com os do grupo de que faz parte. Como exemplo destas duas formas de classificação, podemos analisar o grupo tradicionalmente chamado de répteis, formado por serpentes, lagartos, crocodilianos e quelônios, de acordo com a classificação artificial. Porém, uma análise mais aprofundada revelará diferenças entre os crocodilianos e os demais répteis, assemelhando os crocodilianos às aves (pela presença de uma abertura anteorbital, pela órbita em forma de triângulo invertido e pelos dentes comprimidos lateralmente, por exemplo). Esta nova forma de agrupamento é válida, seguindo a classificação natural. É evidente que os métodos estão mais próximos da classificação natural do que os sistemas. Muitas vezes, para definir os grupos, bastava a presença ou ausência de um caráter escolhido arbitrariamente. Assim eram formados os sistemas de classificação, ou seja, sistema é o critério ou processo taxonômico em que os grupos são definidos pela presença ou ausência de um único caráter, escolhido arbitrariamente. A cada sistema dava-se o nome do seu autor (ex.: sistema de Aristóteles, sistema de Lineu etc.). Com o passar do tempo, à medida que novos métodos e técnicas de estudo dos seres vivos foram sendo desenvolvidos, os taxonomistas foram notando os defeitos dos sistemas, pois estes conduziam a graves “anomalias taxonômicas”. No século XVII, começou uma reação contra o critério dos sistemas, de modo a tornar as classificações mais acuradas, e reduzindo, tanto quanto possível, as anomalias taxonômicas. Assim, substituiu-se o critério dos sistemas pelo critério dos métodos. Desta forma, podemos definir métodos como classificações que utilizam um conjunto de caracteres para definir os grupos; isto é, cada grupo é definido pela presença ou ausência, não de um único caráter, mas de um conjunto de caracteres que não são escolhidos arbitrariamente, mas são como que impostos pela natureza (MATEUS, 1989). O primeiro método que foi organizado em zoologia foi o do naturalista e zoólogo francês Georges Cuvier (1769-1832). Desde então, os métodos têm sido aperfeiçoados grandemente, e os atuais são já muito aceitos como tentativas de uma classificação perfeita. Podemos dividir a história da taxonomia em dois períodos: o dos sistemas e o dos métodos. O período dos sistemas é formado pela época de Aristóteles e seus continuadores, e pela época de Lineu (MATEUS, A SISTEMÁTICA ZOOLÓGICA 35 1989). A classificação proposta por Aristóteles separava os animais em dois grupos, os animais sem sangue e os animais com sangue, que correspondem, respectivamente, aos invertebrados e aos vertebrados de outras classificações. Esta classificação é ainda importante hoje em dia, tanto que periódicos científicos, obras didáticas e disciplinas universitárias são nomeados invertebrados e vertebrados, mostrando o legado da obra de Aristóteles (MATEUS, 1989). A classificação de Lineu, embora realizada centenas de anos depois da de Aristóteles, ainda é um sistema, e seu maior mérito foi ter definido com precisão a hierarquia zoológica. O período dos métodos, por sua vez, pode dividir-se em duas épocas de duração muito diferentes: a pré-evolucionista e a evolucionista. Período dos Sistemas Neste tópico, serão apresentados os principais sistemas de classificação que traduzem os conhecimentos da época em que foram elaborados e também refletem, por vezes, as correntes filosóficas seguidas pelos seus organizadores. Sistema de Aristóteles: Foi o primeiro sistema zoológico científico, proposto por Aristóteles, que fez grande número de observações direta dos animais, tanto marinhos, quanto de água doce e terrestres. Ele reuniu grande soma de conhecimentos sobre a fauna, dando interpretações de natureza ecológica. Os animais não foram organizados seguindo uma ordem hierárquica, já que se usavam designações para gêneros e espécies de maneira imprecisa. Os animais eram divididos em dois grupos maiores, enaima e anaima, cada um subdividido em outros quatro grupos menores (MATEUS, 1989), como seguem abaixo: Para uma descrição pormenorizada dessas épocas, consultar Mateus (1989). - ANAIMA (animais sem sangue) 5. Moluscos (malaquia) 6. Malacostráceos (malacostraca) 7. Insetos (entoma) 8. Testáceos (ostracodermata) - ENAIMA (animais com sangue) 1. Quadrúpedes vivíparose 2. Aves 3. Quadrúpedes e ápodes ovíparos 4. Peixes 36 UNIDADE 1 Alguns destes grupos ainda se conservam sem alteração, como as aves, os peixes e os insetos. Os quadrúpedes e ápodes ovíparos reuniam os répteis e os anfíbios. Os malaquia são os moluscos cefalópodes das classificações atuais; os malacostráceos são os crustáceos; e os testáceos englobavam os equinoides e os moluscos providos de concha (MATEUS, 1989). Sistema de Lineu Surgiu num período em que já se pensava na organização de classificações mais acuradas, isto é, nos métodos. Um dos grandes méritos de Lineu é o de estabelecimento de uma hierarquia entre grupos ou categorias taxonômicas, como já discutido no Capítulo 1. Apesar de pretender organizar um encadeamento harmônico, nunca se pensou que esse encadeamento pudesse ou devesse representar relações deparentesco, pois era fixista (MATEUS, 1989). O sistema de Lineu compreendia seis classes: 1 – Mammalia 2 – Aves 3 – Amphibia 4 – Pisces 5 – Insecta 6 – Vermes As quatro primeiras classes correspondem ao grupo dos Enaima, de Aristóteles. Embora essas classes ainda sejam mantidas, sua divisão difere um pouco da atual. Como, por exemplo, a classe dos Amphibia engloba os atuais Amphibia e os Reptilia. As duas últimas classes equivalem aos Anaima. Os Insecta correspondiam a todos os Arthropoda, e nos Vermes se reuniam todos aqueles animais que não podiam incluir-se em nenhuma das outras classes (MATEUS, 1989). O período posterior ao sistema de Lineu, e que antecede o primeiro método, é tão curto que se pode considerá-lo contemporâneo. Após várias tentativas para melhoramento dos sistemas, estes foram eliminados e, atualmente, não mais se utilizam. A SISTEMÁTICA ZOOLÓGICA 37 Período dos métodos Neste tópico, serão apresentados os principais métodos de classificação surgidos após a apresentação do método de Lineu. Classificação de Cuvier Após aperfeiçoamentos sucessivos, Cuvier apresentou uma classificação que é considerada, justamente, como sendo o primeiro método apresentado em zoologia. Deve-se, portanto, a Cuvier, a organização do primeiro método zoológico. Isto foi possível devido ao largo conhecimento de Cuvier sobre a organização interna dos animais, o qual foi adquirido após numerosas dissecações que este realizou (MATEUS, 1989). Cuvier separou o reino animal em quatro grandes divisões, compostas por classes – o nível menos abrangente de sua classificação –, como seguem no Quadro 2. A primeira grande divisão desse quadro corresponde ao Enaima de Aristóteles, e compreende as primeiras quatro classes de Lineu, apenas com a substituição da designação de Amphibia por répteis. Na segunda grande divisão, os branquiópodes e os cirripédios são incluídos nos moluscos, assim como os tunicados são incluídos nos acéfalos, embora o desenvolvimento embrionário, a estrutura desses animais ainda fosse desconhecida nessa época. Somente após maior conhecimento desses grupos é que os tunicados foram posicionados próximos aos cordados. A terceira grande divisão corresponde aos anelídeos e aos artrópodes reunidos. Os miriápodes (quilópodes, diplópodes, sínfilos e paurópodes), no entanto, eram incluídos na classe dos insetos. A quarta grande divisão é mais heterogênea. Nesta última, por exemplo, podem-se encontrar rotíferos, cercárias, anguílulas e protozoários livres, todos inclusos na classe dos infusórios (MATEUS, 1989). Observa-se que Cuvier considerava os seus grupos independentes, isto é, sem quaisquer relações de parentesco, opondo-se mesmo a qualquer ideia filogenética, pois era fixista (MATEUS, 1989). Além disso, ao se analisar a sua proposta de Cuvier, pode-se imaginar erroneamente que não se trata de um método, mas sim, de um sistema. No entanto, tal proposta considera a existência de determinado caráter em um organismo (ex.: sistema nervoso), pressupondo então a existência de outros caracteres (ex.: órgãos subordinados ao sistema nervoso). Assim, por exemplo: no caso Para uma descrição pormenorizada das características que definem cada um dos grandes grupos, ver Mateus (1989). 38 UNIDADE 1 dos vertebrados, a existência de encéfalo e de medula espinhal condiciona a existência de crânio, de vértebras, de costelas e de membros com esqueleto ósseo ou cartilaginoso, além de outros órgãos (MATEUS, 1989). Classificação de Claus Esta classificação foi organizada com base nos conhecimentos que se tinha na época sobre a estrutura dos animais. Os grupos são definidos por conjuntos de caracteres morfológicos. Podemos dizer que o método de Claus é o ponto de partida das classificações modernas. Compreende nove grandes grupos (Quadro 3). Nesta classificação, há melhoramentos importantes, como a separação de Braquiopoda dos Mollusca, que, juntamente com os Bryozoa, GRANDES DIVISÕES CLASSES I – Animais Vertebrados 1. Mamíferos 2. Aves 3. Répteis 4. Peixes II – Animais Moluscos 1.Cefalópodes 2. Pterópodes 3. Gasterópodes 4. Acéfalos 5. Braquiópodes 6. Cirrípodes III – Animais Articulados 1. Anelídeos 2. Crustáceos 3. Aracnídeos 4. Insetos IV – Zoófitos ou Animais Radiados 1. Equinodermos 2. Intestinais 3. Acalefas 4. Pólipos 5. Infusórios Quadro 2: Classificação do reino animal, proposta por Cuvier. Fonte: Mateus (1989). A SISTEMÁTICA ZOOLÓGICA 39 formam os Molluscoidea. Além disso, há a instituição dos Tunicata, que ficaram separados definitivamente dos Mollusca e colocados próximo dos Vertebrata, com os quais têm estreita relação. No grupo dos Vertebrata, os Amphibia são separados dos Reptilia. Outras inconsistências ainda permaneciam, como os poríferos junto aos celenterados; os Enteropneusta considerados anelídeos; e Vermes, ainda formando um grupo heterogêneo, embora em menor escala do que aquele apresentado por Lineu (MATEUS, 1989). Ainda que os quadros de classificação tenham neles implícita a ideia de filiação dos grupos, não a indicam claramente. Só uma representação gráfica, com o aspecto de árvore genealógica, pode-nos mostrar as relações de parentesco entre os grupos. As representações das relações filogenéticas podem ter formas variadas. Têm o aspecto de árvores e, por isso, chamam- se dendrogramas. Podem indicar, simplesmente, as relações de parentesco, ou também acrescentar outras informações, como grau de semelhança entre os grupos, duração destes, desenvolvimento que tiveram através da história da Terra etc. Podem organizar-se representações filogenéticas de todo o reino animal, com base, sobretudo, nos conhecimentos morfológicos, paleontológicos e embriológicos. A sistemática moderna utiliza-se de esquemas feitos com a utilização de métodos bem definidos, em que determinada proposição ou hipótese deve ser explícita e testável. Os métodos modernos buscam recuperar a história completa das relações entre os seres vivos, buscando, então, a filogenia. A primeira representação filogenética do reino animal foi apresentada por Lamarck. Foi esse cientista quem fundou a teoria transformista, e deu a ela uma interpretação do mecanismo e das causas da transformação das espécies. Ele elaborou um esquema representativo da filogenia do reino animal (Figura 4). De Lamarck para cá, outras árvores genealógicas representativas das relações filogenéticas do reino animal têm sido organizadas e aperfeiçoadas com o decorrer do tempo e o incremento dos conhecimentos. Como exemplo, apresentamos uma árvore filogenética sugerida por Halanych (2004) (Figura 5). GRANDES DIVISÕES CLASSES I – Protozoa 1. Rhizopoda 2. Infusoria II – Coelenterata 1. Spongiae = Porífera 2. Cnidariae 40 UNIDADE 1 III - Echinodermata 1. Cystoidea 2. Blastoidea 3. Crinoidea 4. Asteroidea 5. Echinoidea 6. Holothuroidea 7. Enteropneusta IV – Vermes 1. Crustacea 2. Aracnoidea 3. Myriapoda 4. Hexapoda = Insecta V – Arthropoda 1. Crustacea 2. Aracnoidea 3. Myriapoda 4. Hexapoda = Insecta VI – Molluscoidea 1. Bryozoa 2. Brachiopoda VII – Mollusca 1. Lamellibranchiata 2. Scaphopoda 3. Gastropoda 4. Cephalopoda VII – Tunicata 1. Tethyoidea 2. Thaliacea IX – Vertebrata 1. Pisces 2. Amphibia 3. Reptilia 4. Aves 5. Mammalia Quadro 3: Classificação do reino animal, proposta por Claus. Fonte: Mateus (1989). A SISTEMÁTICA ZOOLÓGICA 41 Figura 4: Diagrama apresentado por Lamarck, mostrando uma proposta de classificação do reino animal. Fonte: Adaptado de Mateus (1989). 42 UNIDADE 1 Hexapoda Myriapoda Crustacea Chelicerata Onychophora Annelida Pogonophora Vestimentifera Echiura Sipuncula Mollusca Bryozoa Brachiopoda Phoronida Chaetognatha Echinodermata Hemichordata Tunicata Cephalochordata Craniata Entoprocta Gastrotricha Rotifera Acanthocephata Kinorhyncha Loricifera Priapulida Nematoda Nematomorpha Pentastomida platyhelminthes Nemertea Gnathostomulida Ctenophora Cnidaria Placozoa CalcareaDemospongiae Hexactinellida Choanoflagellata Dicyemida Orthonectida → → → → → Protostomia Deuterostomia sensu lato Deuterostomia sensu stricto Aschelminthes Bilateria Metazoa A rticulata A rthropoda Lophophorata Chordata C oelenterata P orifera Mesozoa Figura 5: Uma hipótese de relacionamento filogenético entre os grandes grupos do reino animal. Fonte: Adaptado de Halanych (2004). A SISTEMÁTICA ZOOLÓGICA 43 EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 1. A sistemática é uma ciência composta por outros dois ramos, a nomenclatura e a taxonomia. Conceitue sistemática, nomenclatura e taxonomia. 2. Qual o critério adotado por Aristóteles para classificar os animais? Como ele dividiu os mesmos? 3. A sistemática zoológica é de grande importância para as ciências que lidam com os animais. Você concorda com esta afirmação? Explique o porquê. 4. Explique o que é classificação natural e classificação artificial. 5. Ao longo do desenvolvimento da sistemática como ciência, existiram dois períodos, o período dos métodos e o período dos sistemas. Direfencie-os. 44 UNIDADE 1 CAPÍTULO 3: NOMENCLATURA ZOOLÓGICA Leonardo Sousa Carvalho No século XVIII, o zoólogo, botânico e médico sueco Carolus Linnaeus (1707-1778), ou simplesmente Lineu, conhecido como o pai da taxonomia, lançou as bases reais para a classificação e nomenclatura modernas. Atualmente, tais normas encontram-se consolidadas nos códigos internacionais de nomenclatura, como, por exemplo, o Código Internacional de Nomenclatura Zoológica, editorado e mantido pela Comissão Internacional de Nomenclatura Zoológica (ICZN, 1999). A nomenclatura zoológica é um sistema de regras e recomendações acerca da maneira correta de compor e aplicar os nomes zoológicos (BERNARDI, 1994). Embora existam ainda códigos de nomenclatura aplicáveis à botânica ou à microbiologia, o Código Internacional de Nomenclatura Zoológica é independente de quaisquer outros códigos, isto é, o código zoológico só conhece suas próprias regras e recomendações (BERNARDI, 1994). O código, como doravante será tratado o Código Internacional de Nomenclatura Zoológica, possui o objetivo de “promover a estabilidade e a universalidade dos nomes científicos dos animais, e assegurar que cada táxon seja único e distinto” (BERNARDI, 1994). Para efeitos de aplicabilidade do código, entendem-se por animais, metazoários vivos ou extintos e, ainda, protozoários, cujos taxonomistas tratem como animais para efeitos de nomenclatura (ICZN, 1999). Além disso, para efeitos de nomenclatura, o código trata de nomes científicos de animais vivos ou extintos, incluindo nomes baseados em animais domesticados; nomes baseados em fósseis, que são substituições das formas reais de animais (impressões, moldes etc.); nomes baseados em trabalhos de animais (icnofósseis, ex.: pegadas fossilizadas); e nomes estabelecidos para grupos coletivos de organismos (ICZN, 1999). São excluídos das determinações do código: (1) conceitos hipotéticos (ou espécies hipotéticas, ex.: unicórnio); (2) espécimes com modificações teratológicas; (3) espécimes híbridos; (4) entidades infrasubespecíficas (categoria abaixo de subespécie); (5) para propósitos de referência temporária; e (6) nomes atribuídos após 1930 para trabalhos desenvolvidos por animais. A nomenclatura zoológica, regida pelo código, é independente de outros sistemas de nomenclatura, de forma que o nome de um táxon animal não é rejeitado somente por ser idêntico ao nome de um táxon que não seja animal A SISTEMÁTICA ZOOLÓGICA 45 (ICZN, 1999). No entanto, o código, em sua recomendação 1A (artigo 1.4; ver ICZN, 1999), sugere, ainda, que autores que pretendam publicar novos nomes para o grupo de gênero devem consultar o Index Nominum Genericorum (Plantarum) e a Lista de Nomes Aprovados de Bactérias para determinar se nomes idênticos foram estabelecidos sob os Códigos Internacionais de Nomenclatura relevantes àquelas listas e, em caso positivo, desistirem de publicar nomes zoológicos idênticos. O código objetiva que cada táxon animal tenha um nome único, distinto, estável e universal (BERNARDI, 1994). Por estabilidade, entende-se que o nome correto de um táxon não deve ser alterado injustificadamente, facilitando a comunicação. A universalidade, por sua vez, determina que o nome correto seja válido em qualquer parte, proibindo a existência de nomes regionais, mesmo que estes sejam estáveis. Por este motivo, há obrigatoriedade na unicidade, em que o nome correto de um táxon é um e um só. Para completar, a distinção, em que o nome correto de um táxon é distinto do de qualquer outro é fundamental, pois a comunicação seria comprometida se dois ou mais táxons tivessem o mesmo nome estável e universal (BERNARDI, 1994). Embora tais determinações sejam válidas para nomes zoológicos, o código só se ocupa de táxons classificados em algumas categorias taxonômicas congregadas em três grupos (BERNARDI, 1994): grupo da família (superfamília, família, subfamília, tribo e qualquer outra categoria abaixo de superfamília e acima de gênero que for conveniente adotar em determinada classificação); grupo do gênero (gênero e subgênero); e grupo da espécie (espécie e subespécie). No decorrer deste capítulo, como já explicitado anteriormente, será utilizada a palavra código para referir-se ao Código Internacional de Nomenclatura Zoológica, publicado pela Comissão Internacional de Nomenclatura Zoológica (ICZN, 1999). Quando necessário, artigos e recomendações, presentes no código, serão ainda apresentados, sem a completa citação de sua fonte: ICZN (1999). Nomenclatura binomial O nome dos táxons podem ser originados de palavras latinas ou latinizadas que, em grande parte, provêm da língua grega clássica. Porém, vocábulos de várias línguas modernas ou palavras arbitrariamente formadas (no caso de gêneros e espécies) podem ser utilizados (BERNARDI, 1994). Os nomes podem ser uninominais, binominais ou trinominais, isto é, são nomes compostos de uma, duas ou três palavras. Os nomes das espécies 46 UNIDADE 1 são binominais; os das subespécies são trinominais; os demais (nomes de um táxon com ranking mais alto que o grupo da espécie) são uninominais. Os nomes específicos e subespecíficos escrevem-se sempre com inicial minúscula; os demais, com inicial maiúscula. Os nomes genéricos, subgenéricos, específicos e subespecíficos costumam ser escritos de forma que fiquem destacados do restante do texto em que aparecem. Para tanto, são escritos em grifo (ou itálico) e, quando usados em manuscritos, costumam ser sublinhados. Esse preceito, porém, é apenas uma recomendação, não uma regra, ou seja, não é obrigatório (BERNARDI, 1994). Os nomes de táxons supragenéricos são substantivos no nominativo plural, isto é, teriam tradução do tipo: os animais, os aracnídeos, os coleópteros, as aves, entre outros. Os nomes de gêneros e subgêneros são substantivos no nominativo singular (BERNARDI, 1994). Todos estes preceitos podem assim ser exemplificados: • Nomes de filos: Arthropoda, Onychophora, Annelida, Chordata, Priapulida; • Nomes de classes: Arachnida, Mammalia, Aves, Cephalopoda, Hexapoda; • Nomes de ordens: Ephemeroptera, Diptera, Araneae, Passeriformes, Chiroptera, Rodentia; • Nomes de superfamílias: Araneoidea, Ichneumonoidea, Scarabaeoidea; • Nomes de famílias: Turdidae, Araneidae, Scarabaeidae, Muridae, Didelphidae, Hylidae, Viperidae; • Nomes de subfamílias: Myrmicinae, Corinninae, Formicinae, Discocephalinae; • Nomes de tribos: Formicini, Ichneumonini, Discocephalini; • Nomes de gêneros: Edessa, Araneus, Corinna, Dipsas, Monodelphis, Didelphis, Turdus, Coprophanaeus, Peripatus • Nomes de espécies: Edessa rufomarginata, Araneus diadematus, Corinna nitens, Dipsas catesby, Monodelphis domestica, Didelphis albiventris, Turdus leucomelas, Coprophanaeus ensifer, Peripatus acacioi; • Nomes de subespécies: Araneus angulatus afolius, Araneus angulatus crucinceptus, Tityus confluens bodoquena, Tityusconfluens confluens. A SISTEMÁTICA ZOOLÓGICA 47 É importante lembrar que várias abreviações são frequentemente usadas em associação com nomes científicos, mas não são regulamentadas pelo código e não fazem parte dos nomes (CONSTANTINO, 2012). Seu uso ocorre principalmente em listas de espécies resultantes de inventários e refletem vários graus de incerteza na identificação. Essas abreviações não são escritas em itálico e terminam em ponto. Abaixo, seguem alguns exemplos, listados por Constantino (2012): • aff.: Do latim affinis, indica um táxon novo relacionado a um já existente. Exemplo: Tenedos aff. hoeferi indica uma nova espécie, próxima de ou semelhante a T. hoeferi, mas que se acredita ser distinta: • cf.: Do latim confer (comparar), indica uma identificação provisória que necessita de confirmação. Exemplo: Tenedos cf. hoeferi indica que os espécimes examinados foram identificados tentativamente como T. hoeferi. Um exame mais detalhado pode confirmar ou não essa identificação. A identificação incerta pode ser resultado de espécimes danificadas, ausência de descrições adequadas na literatura, variação morfológica etc; • sp.: Abreviação de espécie, indica apenas que essa é uma espécie não identificada dentro desse gênero. “Tenedos sp.” significa uma espécie que se sabe pertencer ao gênero Tenedos, mas que não se sabe qual é. No caso de haver várias espécies em um trabalho que partencem ao mesmo gênero, mas que nenhuma delas está de fato identificada, usa-se uma letra ou número depois da abreviação “sp.” (Ex.: Tenedos sp.1, Tenedos sp.2, etc.). Como esses nomes se referem a espécies indeterminadas, não são seguidos de nomes de autores; • spp.: Abreviação para espécies, indica duas ou mais espécies indeterminadas do mesmo gênero. Um exemplo seria Tenedos spp., que se refere a material sabidamente pertencente a duas ou mais espécies indeterminadas do gênero Tenedos. • ssp.: Abreviação para subespécie, só deve aparecer após o nome da espécie. Exemplo: Atta sexdens ssp. indica que a subespécie de Atta sexdens não foi determinada. 48 UNIDADE 1 Homonímia Quando dois nomes são atribuídos a dois ou mais táxons do mesmo grupo, denomina-se homonímia. O código proíbe, terminantemente, homonímia dentro dos grupos da família e do gênero em todo o reino animal. No grupo da espécie, é proibida a homonímia dentro de cada gênero (BERNARDI, 1994). Assim, Barbus quadripunctatus (um peixe actinopterígeo), Dolichoderus quadripunctatus (uma formiga), Nicrophorus quadripunctatus (um besouro silfídeo) e Cryptocephalus quadripunctatus (um besouro crisomelídeo) não são homônimos. Nestes casos, embora a segunda palavra seja a mesma, os binômios são diferentes. Analogamente, também não são sinônimos o nome genérico Ensifera (aves), o nome específico Ensifera ensifera, e o nome da ordem ou subordem Ensifera (insetos ortopteroides). Nos grupos do gênero e da espécie, basta a diferença de uma letra para que não ocorra homonímia (BERNARDI, 1994). Assim, nomes muito parecidos não são homônimos, tais como: • Nomes de gêneros: Apodrassus e Apodrassodes; Galianoella e Gallieniella; Psomophis e Phimophis; • Nomes de espécies: Araneus annuliger e Araneus annulipes; Rhinella marina e Rhinella merianae; Dendropsophus minimus, Dendropsophus minusculus e Dendropsophus minutus. Para os nomes do grupo da família, consideram-se homônimos os nomes do grupo da família cuja única diferença seja o sufixo. Este, por exemplo, é o caso dos nomes Chrysopidae (uma família de insetos da ordem Neuroptera) e Chrysopinae (uma subfamília de insetos da ordem de Diptera), que possuem o mesmo radical: Chrysop. Sinonímia Quando um determinado táxon possui dois ou mais nomes, diz-se que há sinonímia. Tal ocorrência também é proibida pelo código e deve ser corrigida quando descoberta. Isto pode ocorrer por erros de interpretação ou desconhecimento da atividade de outros zoólogos, havendo a proposição de um nome para o que se pensa ser uma nova espécie, ou um táxon supraespecífico novo, sem se dar conta da existência de um nome prévio para a(o) mesma(o) (BERNARDI, 1994). A SISTEMÁTICA ZOOLÓGICA 49 Princípio da prioridade A resolução dos casos de homonímia e sinonímia deve ser feita com a utilização do princípio da prioridade. Este é o mais importante princípio do código e versa que, em caso de existência de dois ou mais sinônimos ou homônimos, vale o mais antigo. Neste caso, o nome mais antigo, que deve ser mantido, passa a ser denominado sênior (sinônimo sênior ou homônimo sênior), enquanto o nome mais novo, que deve ser descartado e substituído, passa a ser denominado júnior (sinônimo júnior ou homônimo júnior). O nome válido de um táxon é o nome mais velho aplicado a ele, exceto se aquele nome tiver sido invalidado ou outro nome seja considerado por possuir precedência por qualquer provisão do código ou regramento da Comissão Internacional de Nomenclatura Zoológica (artigo 23.1). Por esta razão, a prioridade aplica-se à validade de sinônimos, à relativa precedência de homônimos e à validade de atos nomenclaturais (ex.: fixação de tipos portadores de nomes). O Princípio da Prioridade deve ser utilizado para promover a estabilidade, e não se destina a ser utilizado para perturbar a longa aceitação de um nome em seu significado habitual, através da introdução de um nome que seja seu sinônimo sênior ou homônimo sênior, ou através de uma ação tomada seguindo a descoberta de um ato nomenclatural anterior e até então não reconhecido (artigo 23.2). Além disso, um táxon formado pela junção de dois ou mais táxons nominais previamente estabelecidos, dentro dos grupos da família (ex.: sinonímia de duas famílias), do gênero (ex.: sinonímia de dois gêneros) ou da espécie (ex.: sinonímia de duas espécies), terá seu nome decidido em acordo com o princípio da prioridade (artigo 23.1), e com as devidas correções de sufixos, no caso de nomes do grupo da família (artigo 34). Desta forma, em uma situação hipotética, criada pela junção das espécies pertencentes ao gênero Aus Medina, 1880, mais aquelas presentes no gênero Cus (Dupont, 1860), e aquelas pertencentes ao subgênero Bus (Hamman, 1800), formar-se-ia um gênero com um novo elenco de espécies. O nome deste gênero, de acordo com o princípio da prioridade, será Bus, conforme proposto Hamman, em 1800. A seguir, apresentam-se dois exemplos de problemas como os descritos acima. Seguindo o princípio da prioridade, ao constatar-se que o nome Atea, proposto por C. L. Koch, em 1837, referia-se às mesmas aranhas denominadas por C. Clerck, em 1757, como Araneus, considerou-se o nome Atea sinônimo- júnior de Araneus, sendo este último mantido. 50 UNIDADE 1 Analogamente, o nome Euzonus estava sendo utilizado paralelamente na sistemática de anelídeos poliquetos (Opheliidae) e para diplópodes. O nome do diplópode Euzonus foi apresentado por Menge, em 1854, baseado na descrição de uma única espécie, Euzonus collulum (Menge, 1854), e precede a descrição do nome do poliqueto Euzonus, por Grube, em 1866, apresentado para Euzonus arcticus Grube, 1866, (BLAKE, 2011). Após perceber tal ocorrência, Brewer et al. (2011) sugeriram a utilização do nome Pectinophelia proposto por Hartman, em 1938, para os poliquetos incluídos no gênero Euzonus (Grube, 1866). O nome Pectinophelia, até então era considerado inválido, sinônimo-júnior de Euzonus (Grube, 1866). No entanto, posteriormente, Blake (2011) percebeu que antes do nome Pectinophelia ser utilizado para referir-se a poliquetos, atualmente no gênero Euzonus, algumas espécies foram incluídas no gênero Thoracophelia, proposto por Ehlers, 1897. Este nome, Thoracophelia, até então, também era considerado inválido, por também ser sinônimo-júnior de Euzonus (Grube, 1866), assim como Pectinophelia. Assim, nesse contexto, o próximo nome disponível para os poliquetos alocados em Euzonus (Grube), e que deve passar a ser considerado válido e mantido é o nome Thoracophelia(Ehlers, 1897), por ser mais antigo que Pectinophelia (Hartman, 1938) (BLAKE, 2011). A ocorrência de um caso de homonímia foi apresentada por Ho et al. (2010). Neste caso, apresentou-se a descrição do nome Synodus cresseyi, por Prokofiev (2008), pertencente à família Synodontidae, como um nome em substituição a Synodus macrocephalus Cressey, 1981, que estava pré-ocupado por Synodus macrocephalus (Lacépède, 1803). No entanto, Synodus macrocephalus (Lacépède) é um membro da família Cyprinidae e agora é válido como Luciobrama macrocephalus (Lacépède). Então, estas duas espécies encontram-se em famílias diferentes (Synodontidae e Cyprinidae) e uma confusão é improvável de acontecer (HO et al., 2010). Estes dois nomes aplicam-se a táxons que não são considerados cogenéricos após 1899, e segundo o artigo 23.9.5 do código, o homônimo-júnior não deve ser automaticamente substituído. Neste caso, o uso atual de Synodus macrocephalus (Cressey, 1981), deve ser mantido e tratado como disponível e válido. Consequentemente, Synodus cresseyi (Prokofiev, 2008), é considerado um nome substituto desnecessário e é inválido (HO et al., 2010). O artigo supracitado (art. 23.9.5) afirma que, quando um autor descobre que um nome do grupo da espécie em uso é homônimo júnior de outro nome do grupo da espécie, também em uso, mas cujos nomes aplicam-se a táxons A SISTEMÁTICA ZOOLÓGICA 51 não considerados cogenéricos (pertencentes a um mesmo gênero) após 1899, o autor não deve automaticamente substituir o homônimo júnior. O caso deve ser remetido para a Comissão Internacional de Nomenclatura Zoológica para análise e, enquanto isso, o uso predominante de ambos os nomes deve ser mantido. Esta situação descrita acima refere-se à reversão da precedência, que deve ser mantida quando as seguintes condições acontecem (artigo 23.9.1): (1) o sinônimo ou homônimo sênior não é utilizado como um nome válido após 1899 (artigo 23.9.1.1), e (2) o sinônimo ou homônimo júnior tem sido utilizado para um táxon particular como um nome considerado válido em pelo menos 25 publicações, feitas por pelo menos 10 autores, nos últimos 50 anos precedentes e não passados mais de 10 anos da última publicação (artigo 23.9.1.2). Desta forma, um autor que descubra que ambas as condições listadas acima (artigos 23.9.1.1 e 23.9.1.2) ocorrem, deve citar os dois nomes juntos e estabelecer explicitamente que o nome mais recente é válido, e que a ação é tomada de acordo com as condições do artigo 23.9, apresentando evidências para tal (artigo 23.9.2). A partir da data de publicação daquele ato, o nome mais recente tem precedência sobre o nome mais velho. Quando citado, o nome mais recente, mas válido, deve ser qualificado pelo termo nomen protectum e o inválido, porém mais antigo, pelo termo nomen oblitum. Exemplo: o nome válido de uma espécie formada pela inclusão do táxon nominal Aus xus (Schmidt, 1940), e Aus wus (Jones, 1800), em uma única espécie taxonômica é Aus wus (Jones, 1800). Mas, se as condições do artigo 23.9 forem atingidas, então Aus xus (Schmidt, 1940), pode tornar-se o nome válido para aquela espécie. Entretanto, se estes táxons nominais referirem-se a espécies taxonômicas distintas, então seus nomes são Aus xus (Schmidt, 1940), e Aus wus (Jones, 1800). Se, por outro lado, estes dois táxons são tratados como subespécies de uma única espécie, então seus nomes são Aus xus xus (Schmidt, 1940), e Aus xus wus (Jones, 1800) e não Aus wus xus (Schmidt, 1940), e Aus wus wus (Jones, 1800). Quando homônimos ou sinônimos são estabelecidos simultaneamente, mas propostos em diferentes categorias no grupo da família, grupo do gênero ou grupo da espécie, o nome proposto com a categoria mais elevada tem precedência (artigo 24.1). Exemplo: os nomes estabelecidos para o grupo da espécie, vulgaris Schmidt e sinensis (Chang) são considerados sinônimos. Hipoteticamente, como sinensis foi proposto para uma espécie, ele leva precedência sobre vulgaris, porque este último foi proposto para uma subespécie. Quando a precedência de nomes (ou atos nomenclaturais) não pode ser 52 UNIDADE 1 objetivamente determinada, a precedência é fixada pela ação do primeiro autor que citar, em um trabalho publicado, aqueles nomes (ou atos), e selecionando, entre eles, aquele que deve ser mantido e aquele que deve ser alterado. Este autor será denominado primeiro revisor. Este regramento chama-se princípio do primeiro revisor (artigo 24.2.1). Assim, se dois ou mais nomes, diferentes ou idênticos, e baseados nos mesmos ou diferentes tipos, ou em dois ou mais atos nomenclaturais, são publicados na mesma data, no mesmo ou em diferentes trabalhos, a precedência de nomes ou atos é fixado pelo primeiro revisor, exceto quando estes nomes ou atos são propostos ou relacionados a diferentes categorias taxonômicas, como descrito no artigo 24.1 (artigo 24.2). Exemplo: os nomes das aves Strix scandiaca e S. nyctea foram publicados juntos por Linnaeus (1758) e são considerados sinônimos-subjetivos. Lönnberg (1931) agiu como o primeiro revisor e deu precedência para o nome Strix scandiaca; assim, o nome válido atualmente para a coruja-das-neves é Nyctea scandiaca (Linnaeus, 1758), em vez de N. nyctea (Linnaeus, 1758). Se um nome for escrito mais de uma maneira no trabalho original, o primeiro autor que citá-los juntos e selecionar uma das duas formas de escrita como correta, também será considerado o primeiro revisor (artigo 24.2.3). O próprio autor do trabalho original pode ser considerado o primeiro revisor, desde que use um dos nomes em uma publicação válida, não necessitando, obrigatoriamente, fazer a citação de ambas as formas de escrita (artigo 24.2.4). O código recomenda que, ao agir como primeiro revisor, um autor deve selecionar o nome, grafia ou ato nomenclatural que melhor sirva para a estabilidade e a universalidade da nomenclatura (recomendação 24A). O código estabelece arbitrariamente um início para a aplicação do princípio da prioridade: 1 de janeiro de 1758. Duas obras são consideradas como publicadas nesta data: a décima edição do Systema Naturae de Linnaeus (LINNAEUS, 1758) e a obra Aranei Svecici de Carl Alexander Clerck (CLERCK, 1758), tendo a segunda precedência sobre a primeira. Qualquer outra publicação de 1758 é posterior às duas. Daí em diante, toda a determinação de prioridade deve ser estabelecida pela averiguação das datas de publicação (BERNARDI, 1994). Validade de publicações Todo nome zoológico, para ser válido, deve ser devidamente publicado. Para ser considerado devidamente publicado, no sentido do código (artigo A SISTEMÁTICA ZOOLÓGICA 53 8), um trabalho deve satisfazer aos seguintes critérios: (1) ser publicado para proporcionar um registro público e permanente; (2) estar disponível para compra ou permuta na ocasião da publicação; e (3) deve ser produzido em uma edição com cópias disponíveis através de um método que assegure cópias idênticas, numerosas e duráveis. O código ressalta que teses (dissertações de mestrado e teses de doutorado) não constituem publicações formais, para fins nomenclaturais. Ainda de acordo com o código (artigo 9), nenhuma das formas de publicação a seguir são consideradas pelo propósito do código: (1) trabalhos manuscritos depois de 1930; (2) fotografias; (3) provas de publicações; (4) microfilmes; (5) registros acústicos; (6) etiquetas de espécimes; (7) cópias obtidas sob demanda de um artigo não publicado, mesmo se previamente depositado em uma biblioteca ou outro arquivo; (8) texto ou ilustrações distribuídas por meios eletrônicos (ex.: internet); ou (9) resumos de artigos, publicações, pôsteres, textos de palestras e materiais similares, quando publicados primariamente em encontros, simpósios, colóquios ou congressos. Autoria e data Como salienta Bernardi (1994), todo nome publicado tem autor e data de publicação. O autor de um nome é a pessoa que o publicou pela primeira vez como nome de um táxon. Podem existirdois ou mais autores para um mesmo nome. No entanto, embora todo nome publicado tenha autor e data de publicação, o nome científico de uma espécie, não de um táxon de qualquer outra categoria hierárquica, é uma combinação de dois nomes (um binômio), o primeiro sendo o nome genérico e o segundo sendo o nome específico (artigo 5.1). Assim, o autor e a data da publicação de um nome científico não fazem parte do mesmo, embora possam ser citados em conjunto, como orientado através de seus artigos 22 (no que diz respeito à citação da data de publicação) e 51 (no que diz respeito à citação da autoria). Segundo o artigo 51, a citação do autor de um nome é opcional, embora seja costumeira e recomendável. O código recomenda (recomendação 51A) que o autor e a data de um nome devem ser citados no texto pelo menos uma vez em cada trabalho, tratando com o táxon denotado pelo nome. Isto é especialmente importante na distinção entre homônimos e na identificação de nomes do grupo da espécie que não estejam em sua combinação original. Se o 54 UNIDADE 1 nome e o sobrenome de um autor forem passíveis de confusão, estes devem ser distinguidos como em referências bibliográficas. Por exemplo: Carl Ludwig Koch é normalmente referido como C. L. Koch ou Koch; enquanto seu filho Ludwig Carl Christian Koch é referido como L. Koch. O nome de um autor deve seguir imediatamente após o nome do táxon, sem qualquer marca de pontuação (vírgula, por exemplo), exceto em combinações alteradas, como veremos adiante. Quando três ou mais autores forem responsáveis por um nome, então a citação dos nomes dos autores pode ser expressa pelo uso do termo et al., seguindo o nome do primeiro autor, desde que o nome de todos os autores seja citado por completo em algum lugar no mesmo trabalho, seja no texto ou nas referências bibliográficas (recomendação 51C). Se o nome de um táxon foi (ou considera-se que tenha sido) estabelecido anonimamente, então deve-se utilizar o termo Anon. como se fosse o nome do autor. Entretanto, se a autoria for conhecida ou inferida a partir de evidências externas (não presentes no trabalho original), o nome do autor, caso citado, deve ser disposto entre colchetes, para mostrar que era anônimo originalmente (recomendação 51D). A citação da data, por sua vez, segue o nome do autor; e, assim como a citação da autoria de um nome, é importante para a distinção entre homônimos e na identificação de nomes do grupo da espécie que não estejam em sua combinação original. Na citação da data não se deve colocar mais que uma vírgula entre o nome do autor e a data da publicação do nome (artigo 52). Quando um nome do grupo da espécie é combinado com um nome genérico outro que o original, o nome do autor do nome do grupo da espécie, se citado, deve ser mantido entre parênteses (a data, se citada, deve ficar dentro dos mesmos parênteses). Exemplo: o gato mourisco foi descrito originalmente como Felis yagouaroundi E. Geoffroy, 1803; no entanto, após novas análises, esta espécie foi transferida para o gênero Herpailurus (Severtzow, 1858), passando a ser conhecida como Herpailurus yagouaroundi (E. Geoffroy, 1803). No entanto, conforme lembra Bernardi (1994), as mudanças de gêneros são potencialmente reversíveis, pois, normalmente, baseiam-se na interpretação de um ou mais autores. Assim, digamos que em um novo arranjo taxonômico, conclua-se que o gato mourisco, de fato, não pertença ao gênero Herpailurus e que o autor original esteja correto. Assim, volta-se a falar em Felis yagouaroundi (E. Geoffroy), 1803. Em suma, o nome do autor e a data são citados entre parênteses quando o nome do grupo da espécie é citado em uma nova combinação, isto é, quando A SISTEMÁTICA ZOOLÓGICA 55 o segundo termo do binômio ou o terceiro termo do trinômio são usados em combinação com o nome de um gênero diferente do nome com que combinaram pela primeira vez (BERNARDI, 1994). Além disto, como enfatiza Constantino (2012), nomes de gêneros podem ser abreviados depois que o nome completo já apareceu pelo menos uma vez no texto, tomando sempre o cuidado de evitar ambiguidade. Desta forma, Coptotermes havilandi poderia ser abreviado como C. havilandi; porém, se no mesmo texto aparecer a espécie Cryptotermes havlandi, a abreviação “C.” seria ambígua. Neste caso, seria suficiente acrescentar mais uma letra na combinação: Co. havilandi e Cr. havilandi (CONSTANTINO, 2012). Princípio da tipificação Cada táxon nominal do grupo da família, gênero ou espécie tem atualmente, ou potencialmente, um tipo portador do nome, sendo esta determinação conhecida como princípio da tipificação (artigo 61.1). O próprio código descreve como “tipo portador do nome”: o gênero-tipo, espécie-tipo, holótipo, lectótipo, síntipos (que em conjunto constituem um tipo portador do nome) ou um neótipo, que fornece o padrão de referenciar, mediante o qual a aplicação do nome de um táxon pode ser determinado. Em outras palavras, tipos portadores de nomes é/são o(s) indivíduo(s) ou táxon(s) que representa(m) o parâmetro de comparação para a aplicação de um determinado nome. Assim, o tipo de um nome do grupo da família é um gênero-tipo. O tipo de um nome genérico ou subgenérico é uma espécie-tipo. O tipo de um nome específico ou subespecífico pode ser um espécime (holótico, lectótipo ou neótipo) ou um conjunto de dois ou mais espécimes (série-tipo). O código estabelece que, não importando como variem os limites de um táxon na opinião dos zoólogos, o nome válido de um táxon é determinado pelo tipo portador do nome considerado a pertencer dentro desses limites de variação (artigo 61.1.1). Para evitar confusões com outras áreas do conhecimento, como a genética, o tipo portador do nome de um gênero ou de um subgênero deve ser referido estritamente como espécie-tipo (correspondente, em português, do termo, em inglês, type species), evitando, assim, confusão com o uso do termo genótipo, por exemplo (recomendação 67A). Se um táxon nominado (ex.: uma espécie descrita formalmente) possui diferentes tipos portadores de nomes que se referem à mesma unidade 56 UNIDADE 1 taxonômica, seus nomes são sinônimos subjetivos para aquela categoria taxonômica (artigo 61.3.1). No entanto, para categorias subordinadas (inferiores), eles não necessitam ser sinônimos. Por exemplo: os diferentes tipos portadores de nomes de Psittacus elegans Gmelin, 1788, e Platycercus flaveolus (Gould, 1837), são considerados como pertencentes a uma mesma espécie de papagaios, a qual Platycercus elegans (Gmelin, 1788) – em nova combinação – é o nome válido, por ser o sinônimo-sênior. Embora os nomes sejam sinônimos subjetivos nível de espécie, eles não são sinônimos ao nível subordinado de subespécie de Platycercus elegans, para o qual os nomes válidos são Platycercus elegans elegans (Gmelin, 1788) e Platycercus elegans flaveolus (Gould, 1837). Se dois ou mais nomes genéricos sinônimos forem utilizados como a base para nomes do grupo da família, então esses nomes do grupo da família são sinônimos objetivos (artigo 61.3.2). Analogamente, se dois ou mais táxons nominados do grupo do gênero têm a mesma espécie-tipo ou nomes diferentes de espécies-tipo baseados no mesmo tipo portador do nome, seus nomes são sinônimos objetivos (artigo 61.3.3). Da mesma forma, se dois táxons nominais do grupo da espécie tiverem o mesmo tipo portador do nome, então seus nomes são sinônimos objetivos (artigo 61.3.4). A proposição de sinonímias tem importância direta na citação de tipos portadores de nomes. Assim, a citação de uma espécie-tipo deve seguir sempre seu binômio original, mesmo que a mesma seja ou esteja atualmente tratada como um nome inválido, citando-se também o nome válido. Exemplo: Astacus marinus (Fabricius, 1775), uma das espécies originalmente incluídas no gênero de crustáceos decápodes do gênero Homarus (Weber, 1795), foi subsequentemente designada por Fowler (1912) como a espécie-tipo de Homarus. A espécie-tipoé e deveria ser citada como Astacus marinus Fabricius, 1775. Astacus marinus Fabricius, 1775, é atualmente sinonimizada como Cancer gammarus (Linnaeus, 1758); mas esta última não é a espécie-tipo de Homarus e não deve ser citada como tal. Se a menção da espécie-tipo de Homarus for necessária, ela deve ser feita de alguma maneira como espécie-tipo Astacus marinus (Fabricius, 1775), um sinônimo-júnior de Cancer gammarus (Linnaeus, 1758); ou espécie-tipo Astacus marinus (Fabricius, 1775), agora considerada como um sinônimo-júnior de Cancer gammarus (Linnaeus, 1758) (recomendação 67B). A escolha de um gênero-tipo para a fixação de um novo um táxon nominal do grupo da família também é regida pelo código (artigo 64). Um autor não é obrigado a escolher necessariamente o nome mais velho; porém, deve utilizar A SISTEMÁTICA ZOOLÓGICA 57 um gênero considerado como válido pelos dispositivos do código (segundo o artigo 11.7.1). A escolha do gênero-tipo determina o radical do nome do táxon nominal do grupo da família. O código recomenda, ainda, que um autor que queira estabelecer um táxon nominal do grupo da família deve escolher como seu gênero-tipo um gênero que seja tanto bem conhecido como representativo para o táxon do grupo da família (recomendação 64A). Além disso, se um autor publicar um novo nome do grupo do gênero expressamente como um nome para substituição (nomen novum) de um nome previamente estabelecido (por exemplo, um novo nome para um homônimo- júnior), ambos, tanto o nome antigo quanto o seu nome substituto, terão a mesma espécie-tipo e o mesmo fixador do tipo (artigo 67.8). Exemplo: o gênero hipotético Bus (Schmidt, 1890), foi proposto expressamente como um novo nome em substituição (nomen novum) do homônimo-júnior Aus (Medina, 1880), proposto anteriormente por Dupont, 1860 (ou seja, Dupont, em 1860, também descreveu um gênero chamado Aus, sinônimo-sênior do gênero também chamado Aus, descrito por Medina, em 1880). Se Aus xus é validamente fixado como a espécie-tipo de Aus Medina, esta espécie é automaticamente a espécie-tipo de Bus. Se, por outro lado, nenhuma espécie-tipo tiver sido fixada para Aus Medina, e Cus xus é validamente fixada como a espécie-tipo de Bus, então ela também é espécie-tipo de Aus Medina. A designação de subgêneros ou subespécies como tipos portadores de nomes é permitida pelo código desde que os mesmos sejam primeiro elevados à categoria de gênero ou de espécie, respectivamente (artigo 61.4). Por exemplo: Planigale (Troughton, 1928) (Mammalia) foi estabelecido com as espécies P. subtilissima (Lönnberg, 1913), P. tenuirostris (Troughton, 1928) e P. ingrami (Thomas, 1906) e a subespécie P. ingrami brunnea (Troughton, 1928). Na descrição original, a última subespécie de ingrami (considerando a existência de duas subespécies, P. ingrami ingrami e P. ingrami brunnea), foi designada para o tipo de Planigale. Assim, P. brunnea (Troughton, 1928), é a espécie tipo por designação original, e não P. ingrami (Thomas, 1906). Considera- se, então, que Troughton, em sua publicação de 1928, descreveu a espécie P. ingrami e que esta é a espécie-tipo de Phanigale, sendo posteriormente transferida para a categoria de subespécie, no mesmo trabalho. A fixação do tipo de gênero por determinada espécie pode acontecer de quatro maneiras, seguindo a ordem de precedência: (1) descrição original; (2) monotipia; (3) tautonomia absoluta; (4) tautonomia lineana (artigo 68.1). A fixação da espécie-tipo pela descrição original ocorre quando uma espécie 58 UNIDADE 1 nominal é explicitamente designada como a espécie-tipo, quando o nome do táxon do grupo da espécie é estabelecido (artigo 68.2). As expressões gen. n., sp. n., novo gênero e espécie, ou um equivalente para apenas uma de duas ou mais espécies nominais, incluídas originalmente no novo gênero nominal ou subgênero nominal, são consideradas uma designação original se nenhuma outra espécie-tipo tiver sido explicitamente designada (artigo 68.2.1). A fixação da espécie-tipo por monotipia acontece quando um autor estabelece um novo táxon nominal do grupo do gênero para uma única espécie taxonômica, sendo esta considerada a espécie-tipo (artigo 68.3). Esta forma de realizar a fixação independe de qualquer sinônimo citado, subespécies ou nomes não válidos, e do(a) autor(a) considerar que o novo táxon nominal contenha outras espécies que não foram explicitamente citadas. A fixação de uma espécie-tipo por tautonomia absoluta ocorre quando um nome válido do grupo da espécie, ou seu sinônimo citado, originalmente incluído em um táxon nominal do grupo do gênero, é idêntico ao nome daquele táxon; a espécie nominal denotada por aquele nome específico é a espécie-tipo (artigo 68.4). Exemplo: O novo gênero nominal Aus Smith contém, entre suas espécies nominais Aus xus (Brown) e entre os sinônimos citados dessa espécie, o nome disponível Bus xus aus (Robinson). A espécie-tipo de Aus é Bus aus (Robinson), não Bus xus (Brown). A fixação da espécie tipo por tautonomia Lineana acontece se na sinonímia de apenas uma das espécies nominais originalmente incluídas em um táxon nominal do grupo do gênero, estabelecido antes de 1931, existir uma citação de um nome de antes de 1758 (ano em que ocorreu a publicação do Systema Naturae por Linnaeus), de uma palavra idêntica ao novo nome do grupo do gênero, aquela espécie nominal é a espécie-tipo (artigo 68.5); ou seja, quando há ortografia idêntica de um nome genérico ou subgenérico e um nome anterior a 1758, citado como sinônimo de só uma das espécies ou subespécies originalmente incluídas nesse gênero. Exemplo: O gênero Castor (Linnaeus, 1758), o castor, foi estabelecido com duas espécies inclusas. Na lista sinonímica de uma dessas espécies (Castor fiber), é citado o nome de uma só a palavra Castor, utilizado por Conrad Gesner (1516-1565). Além disto, no que diz respeito à fixação de espécies-tipo, o código trata ainda de quando a fixação não ocorre na publicação original e sobre sua subsequente fixação (artigo 69), além da identificação da espécie-tipo (Artigo 70). O uso do termo tipo faz parte de muitos termos compostos utilizados por taxonomistas para distinguir diferentes tipos de espécimes, e apenas alguns A SISTEMÁTICA ZOOLÓGICA 59 dos quais são tipos portadores de nomes (artigo 72.1). São reconhecidas três categorias de espécimes: (1) Série-tipo: todos os espécimes utilizados por um autor para estabelecer um táxon nominal do grupo da espécie. Na ausência da designação de um holótipo, ou designação de síntipos ou de subsequente designação de um lectótipo, todos os espécimes da série-tipo são considerados síntipos e, coletivamente, eles constituem o tipo portador do nome (artigo 72.1.1). (2) Tipos portadores de nomes: espécimes com a função de carregar um nome, quando fixados originalmente (holótipo ou síntipo) ou subsequentemente (lectótipo ou neótipo). (3) Outros espécimes: aqueles sem uma função de tipo portador de nome (parátipos ou paralectótipos). A proposição de um novo nome para táxon do grupo do gênero (gênero ou subgênero), exceto nomes em reposição (nomen novum), deve incluir a fixação de um holótipo ou síntipos (artigo 72.3). No caso de síntipos, apenas aqueles espécimes expressamente indicados pelo autor como sendo aqueles que foram utilizados para a proposição do novo táxon. A série-tipo de um táxon nominal do grupo da espécie (espécie ou subespécie) consiste em todos os espécimes incluídos pelo autor no novo táxon nominal, exceto aqueles que o autor expressamente exclua da série-tipo, ou refira-se a outras variantes, ou estejam dubiamente atribuídos àquele táxon (artigo 72.4.1). Para qualquer espécie estabelecida após 2000, qualquer evidência, publicada ou não-publicada, deve levar em consideração a determinação de quais espécimes constituem a série-tipo (artigo 72.4.1.1). Linnaeus (1758), por exemplo, descreveu o gastrópode Conus imperialis, e citou os espécimes descritose ilustrados por autores prévios. A série-tipo incluía não apenas aqueles espécimes citados, mas também dois outros espécimes presentes em coleções de Uppsala (Suécia) e Londres (Inglaterra), dos quais há evidências de que eles eram conhecidos por Linnaeus e reconhecidos por ele como C. imperialis, quando a espécie nominal foi estabelecida. No entanto, como disposto no artigo 72.4.6, se Linnaeus houvesse listado aqueles dois espécimes presentes nas coleções de Uppsala e Londres em sua publicação de 1758, listando-os separadamente daqueles designados como holótipo, alótipo, parátipos, cótipos ou síntipos, aqueles seriam considerados excluídos da série-tipo. Quando um autor designa um holótipo, então outros espécimes de uma série-tipo são parátipos. Estes não se tornam síntipos e não podem ser utilizados 60 UNIDADE 1 para a seleção de um lectótipo, se o holótipo estiver perdido ou destruído; entretanto, eles são elegíveis para a seleção de um neótipo (artigo 72.4.5). O código estabelece que holótipos, síntipos, lectótipos e neótipos são os portadores dos nomes científicos de todos os táxons nominais do grupo da espécie (e, indiretamente, de todos os táxons de animais). Eles são os padrões internacionais de referência que provêm objetividade na nomenclatura zoológica e devem receber os cuidados, mantidos com segurança para a ciência, por pessoas responsáveis para tal (artigo 72.10). Assim, deve haver rotulagem adequada de holótipos, síntipos, lectótipos e neótipos de uma maneira que seu status seja inconfundível (recomendação 72D). Um holótipo é um único espécime através do qual o novo táxon nominal do grupo da espécie é baseado na publicação original (artigo 73.1). De acordo com o código (artigo 72.5), entende-se por espécimes um animal, parte de um animal, ou representações fossilizadas de animais. Pode, ainda, ser uma colônia de animais que existam na natureza como uma única entidade (ex.: uma colônia ou parte de uma colônia de cnidários, como os corais). Em espécies de protistas, uma ou mais preparações de indivíduos diretamente relacionados, representando diferentes estágios do ciclo de vida podem também representar um tipo portador do nome. Uma preparação para exame ao microscópio contendo um ou mais organismos individuais, em que o tipo portador do nome seja claramente indicado e identificável também pode ser utilizado. O código frisa, ainda, que ilustrações ou descrições, por si mesmas, não representam tipos portadores de nomes; no entanto, o(s) espécime(s) utilizado(s) para fazer as ilustrações ou desenhos, sim. Se um autor, quando estabelecendo um novo táxon nominal do grupo da espécie, afirma em sua publicação original que um espécime, e apenas um, é o holótipo ou o tipo, ou usa alguma expressão equivalente, aquele espécime é o holótipo fixado por designação original (artigo 73.1.1). Se o táxon nominal do grupo da espécie é baseado em um único espécime, aquele espécime é o holótipo fixado por monotipia (artigo 73.1.2). O holótipo de um táxon nominal do grupo da espécie só pode ser fixado em sua publicação original pelo autor original (artigo 73.1.3). Porém, se um autor subsequente descobrir que um holótipo que consiste de um grupo de componentes (ex.: partes desarticuladas de corpo) não é derivado de um único indivíduo animal, os componentes estranhos devem ser excluídos do holótipo através de citação apropriada (artigo 73.1.5). A designação de um holótipo por um autor que estabelecer um novo táxon nominal do grupo da espécie deve ser feita de maneira que facilite o A SISTEMÁTICA ZOOLÓGICA 61 subsequente reconhecimento do mesmo (recomendação 73A). Preferivelmente, esse autor deve designar como holótipo um espécime atualmente estudado por ele, e não um espécime conhecido por ele apenas através de descrições ou ilustrações da literatura (recomendação 73B). Isto torna-se importante para evitar problemas com más identificações. Se um táxon nominal do grupo da espécie é baseado, completamente ou em parte, em má identificação publicada por um autor precedente, a série-tipo consiste/inclui o espécime ou espécimes que foram identificados erroneamente, se o autor atual referir-se a eles diretamente ou através de ilustração ou de descrição (artigo 72.4.2). O código afirma, ainda, que informações sobre o holótipo devem ser apresentadas por um autor que queira estabelecer uma nova espécie ou subespécie, desde que estas sejam relevantes e conhecidas por esse autor (recomendação 73C). Assim, recomenda-se a publicação das seguintes informações sobre o holótipo: (1) tamanho de um ou mais órgãos relevantes ou partes, ou o tamanho total do mesmo; (2) localidade completa (incluindo coordenadas geográficas), data e outras informações que acompanhem as etiquetas (rótulos); (3) o sexo, se aplicável; (4) o estágio do desenvolvimento e sua casta, se o táxon incluir mais de uma casta; (5) o nome do coletor; (6) a coleção na qual ele está depositado e qualquer número de registro ou número da coleção associado ao mesmo; (7) no caso de parasitas, o nome da espécie hospedeira; (8) a profundidade (para animais aquáticos atuais) ou a altitude (para animais terrestres atuais), em metros, da localidade aonde o espécime foi coletado; e (9) no caso de um táxon fóssil, a era geológica e a posição estratigráfica do holótipo. Quando um autor descreve um novo táxon nominal do grupo da espécie e não promove a fixação de um holótipo ou de um lectótipo, então, automaticamente, todos os espécimes da série-tipo são denominados síntipos. Os síntipos são espécies de uma série-tipo que, coletivamente, constituem o tipo portador do nome. Alternativamente, um autor também pode expressamente designar todos os indivíduos de uma série-tipo como síntipos. O tipo portador de um nome pode, ainda, ser constituído por uma ou mais preparações ou culturas para designar um táxon nominal de protistas atuais, sendo, assim, chamado de hapantótipo. Este hapantótipo é o holótipo do táxon nominal, (artigo 73.3). Um hapantótipo, embora consista de um número de organismos separados, é considerado ser indivisível e não pode ser restrito pela seleção de um lectótipo (artigo 73.3.1); mas se um hapantótipo 62 UNIDADE 1 for constituído de mais que um táxon do grupo da espécie, seus componentes podem ser excluídos dele através de citação apropriada, até que contenha somente indivíduos de apenas um táxon do grupo da espécie (artigo 73.3.2), uma ação análoga à exclusão de partes componentes de um holótipo originado em diversos organismos (descrito no artigo 73.1.5). Um tipo portador de nome pode também ser fixado subsequentemente a partir da série-tipo (artigo 74.1). Assim, entre os síntipos de um táxon nominal do grupo da espécie, um indivíduo pode ser designado para ser o único portador daquele nome e representar os padrões para a sua aplicação, sendo esse indivíduo denominado de lectótipo (artigo 74.1). A válida designação de lectótipos fixa o status de um espécime como o único tipo portador do nome de um táxon nominal e nenhuma designação posterior de um lectótipo para aquele mesmo táxon terá validade (artigo 74.1.1). A designação de um lectótipo permanentemente destitui todos os outros espécimes que eram formalmente síntipos daquele táxon nominal do status de sintipos, tornando-se, então, paralectótipos (artigo 74.1.3). Os paralectótipos não têm função,de portadores de nome e não retornam ao seu status de síntipos se o lectótipo for perdido ou destruído (artigo 73.2.2). O código estabelece, ainda, que a designação de lectótipos não pode ser realizada coletivamente através de uma regra generalizada, devendo ser feita especificamente para um táxon nominal. Exemplo hipotético: Smith, revisando coleções descritas em publicações de Dupont, fez o regramento que, no caso de cada nova espécie descrita por Dupont, o espécime portando etiqueta de determinação feita por Dupont é o tipo ou o espécime listado primeiro na publicação é designadocomo o lectótipo. Tal ato feito por Smith não constitui uma designação válida de lectótipo, de acordo com o artigo 74.3 do código. O código descreve diversas recomendações acerca da designação de lectótipos: • Deve, preferencialmente, ser feita a partir de indivíduos com uma ilustração publicada (recomendação 74B); • Um autor que queira designar um lectótipo deve publicar as mesmas informações recomendadas para publicação sobre um holótipo (recomendação 73C – descrita acima), além de descrever qualquer característica individual que permita o seu reconhecimento (recomendação 74C); • Quando possível, um lectótipo deve ser escolhido de síntipos da coleção de uma instituição pública, preferencialmente da instituição A SISTEMÁTICA ZOOLÓGICA 63 contendo o maior número de síntipos do táxon nominal do grupo da espécie, ou contendo a coleção na qual o autor do táxon nominal do grupo da espécie trabalhou, ou contendo a maioria dos tipos daquele autor (recomendação 74D); • Um síntipo de localidade conhecida deve ser preferível em relação a um de origem desconhecida; • Um autor que designe um lectótipo deve claramente rotulá-lo como tal, bem como rotular os outros síntipos como “paralectótipos”, pois tanto parátipos quanto paralectótipos, embora não possuam status de portadores de nome, podem ser elegíveis para designação de neótipos (recomendação 74F). Quando nenhum espécime tipo portador do nome (ex.: holótipo, lectótipo, síntipo ou um neótipo anterior) é considerado existente, e um autor considere que é necessária a designação de um tipo portador do nome para definir objetivamente o táxon nominal, pode haver a designação de um neótipo (artigo 75.1). Um neótipo não deve ser designado sem um propósito maior (ex.: garantir a estabilidade e a identidade de um táxon nominal) ou como uma rotina de curadoria, sendo, nestes casos, uma designação inválida (artigo 75.2); ou seja, se um autor designar um neótipo para determinada espécie, cuja identidade não gera dúvida, e que não se encontra envolvida em algum complexo problema zoológico naquele nomento em que foi designado, o suposto “neótipo” não possuirá status de portador do nome. Visto isto, o código determina, em seu artigo 75.3, condições que qualificam a designação válida de um neótipo quando há necessidade excepcional e apenas quando essa necessidade é expressamente reportada, e quando a designação é publicada de acordo com as seguintes particularidades: • A afirmação que é designação, com o propósito expresso de clarificar o status taxonômico ou a localidade-tipo de um táxon nominal; • A relação dos caracteres que o autor considera como diferenciadores daqueles e de outros táxons nominais do grupo da espécie, para os quais o neótipo é designado, ou uma referência bibliográfica com tal relação; • Informações e descrição suficiente para garantir o reconhecimento do espécime designado; • A razão do autor para acreditar que o(s) espécime(s) tipo portador(es) do nome (ex.: holótipo, lectótipo, síntipo ou um neótipo anterior) 64 UNIDADE 1 está/estão perdido(s) ou destruído(s), e o que foi feito para descobrir tais informações; • Evidências de que o neótipo é consistente com o que é conhecido para o anterior tipo portador do nome da descrição original e de outras fontes, embora um neótipo possa ser baseado em um sexo diferente ou estágio de vida, se necessário ou desejável para assegurar a estabilidade da nomenclatura; • Evidências de que o neótipo veio tão próximo quanto possível da localidade-tipo original e, quando relevante, do mesmo horizonte geológico ou espécie hospedeira que o original tipo portador do nome; • A garantia de que o neótipo é ou, imediatamente após a publicação, tornará-se-á propriedade de reconhecida instituição científica ou educacional, citada por nome, que contenha uma coleção de pesquisa, com recursos apropriados para preservar os tipos portadores do nome e que os faça acessíveis para estudos. Igualmente à designação de lectótipos, como exposto acima, a primeira designação de neótipo publicada para um táxon nominal do grupo da espécie é válida, e nenhuma designação subsequente terá validade (exceto em casos decididos pelo poder da plenária da Comissão Internacional de Nomenclatura Zoológica) (artigo 75.4). No entanto, se um neótipo validado designado é perdido ou destruído, um novo neótipo pode ser designado para substituí-lo (artigo 75.4.1). O código aconselha, ainda, que autores devam escolher neótipos de qualquer parátipo ou paralectótipos existentes, exceto se houver razões convincentes para o contrário, como informações inadequadas para atender às exigências taxonômicas, a má condição de conservação dos espécimes, ou provável mistura de táxons (recomendação 75A). Em casos extremos, pode haver a designação de um neótipo mesmo quando o tipo portador do nome ainda é conhecido. Isto acontece quando um autor considera que a identidade taxonômica de um táxon nominal do grupo da espécie não pode ser determinado pelo seu tipo portador do nome (ex.: o nome é um nomen dubium), e a estabilidade ou universalidade estão, portanto, ameaçadas. Então, o autor pode requerer à Comissão Internacional de Nomenclatura Zoológica para deixar de lado, sob poderes de sua plenária, o atual tipo portador do nome e designar um neótipo. Exemplo: no holótipo da A SISTEMÁTICA ZOOLÓGICA 65 espécie de gastrópode amonito Cycloceras laevigatum (M'Coy, 1844), faltavam importantes características diagnósticas. Atendendo ao requerimento do autor, a Comissão Internacional de Nomenclatura Zoológica, através de poderes de plenário, retirou o status de tipo do seu espécime-tipo e designou um neótipo. Pode, acontecer do(s) tipo(s) portador(es) do nome de um táxon nominal do grupo da espécie (ex.: holótipo, lectótipo, síntipo ou um neótipo anterior), que era(m) considerado(s) perdido(s) ou destruído(s), ser(em) encontrado(s) após a designação de um neótipo. Neste caso, no momento da publicação da sua redescoberta, o material torna-se novamente o tipo portador do nome, e o neótipo é deixado de lado (exceto por algum motivo especial, através de decisão da Comissão Internacional de Nomenclatura Zoológica) (artigo 75.8). Como já mencionado anteriormente, informações sobre a procedência dos indivíduos utilizados na descrição de um novo táxon do grupo da espécie (ex.: holótipo) são importantes. A localização geográfica do local de captura, coleta ou observação do tipo portador do nome, ou seu posicionamento estratigráfico, quando relevante, é denominada localidade-tipo (artigo 76.1). Se todos os síntipos de um táxon nominal do grupo da espécie têm o mesmo local de origem, aquela é a localidade-tipo; porém, se síntipos originados de duas ou mais localidades (incluindo estratos diferentes), a localidade-tipo engloba todos os lugares de origem (artigo 73.2.3). O local de origem de um lectótipo ou de um neótipo, após suas designações, tornar-se-á a localidade-tipo de um táxon nominal do grupo da espécie, independente de qualquer publicação anterior sobre a localidade-tipo (artigos 73.2.3, 76.2 e 76.3). Se a captura ou coleta acontecer após transporte por meios artificiais, a localidade-tipo é seu lugar do qual o tipo portador do nome, ou seu progenitor selvagem, começou sua viagem não natural (artigo 76.1.1). O código apresenta, ainda, diversas recomendações sobre as localidades-tipo. Assim, para precisar e esclarecer uma localidade-tipo, um autor deve levar em consideração: (1) as informações acompanhando o material original; (2) notas dos coletores, itinerários ou comunicações pessoais; (3) a descrição original do táxon; e (4) como último recurso, e sem prejuízo de outras precisões, localidades dentro do alcance conhecido do táxon ou de que os espécimes do táxon tenham sido registrados. Resumidamente, são reconhecidas várias categorias de tipos através do código, além de algumas que são utilizadas, na prática, mesmo sem seu reconhecimento formal.São listadas e conceituadas abaixo algumas dessas categorias: 66 UNIDADE 1 • Alótipo: um termo regulamentado pelo código (recomendação 72A) para um espécime designado com sexo oposto ao do holótipo, porém, que formalmente não possui função de tipo portador do nome; • Cótipo: termo antes utilizado para síntipo ou parátipo; • Hapantótipo: uma ou mais preparações consistindo de indivíduos diretamente relacionados representando estágios distintos do ciclo de vida que, juntas, formam o tipo portador do nome de uma espécie atual de protozoário. Um hapantótipo, enquanto uma série de indivíduos, é um holótipo que não deve ser restrito pela seleção de um holótipo; entretanto, se um hapantótipo for constituído de indivíduos de mais de uma espécie, alguns componentes devem ser excluídos até conter indivíduos de uma única espécie; • Holótipo: um único espécime (exceto no caso de hapantótipo, conforme definido pelo código) designado ou de alguma forma fixado como tipo portador do nome de uma espécie nominal ou subespécie quando o táxon nominal é estabelecido; ou seja, é o único espécime utilizado pelo autor para basear-se na descrição de uma espécie, ou o espécime determinado entre um conjunto de indivíduos examinados, como aquele utilizado para basear-se na descrição de uma espécie; • Lectótipo: um síntipo designado como o único espécime tipo portador do nome, subsequente ao estabelecimento nominal da espécie ou subespécie. Exemplo: um autor utiliza uma amostra de dois ou mais exemplares para descrever uma espécie, sem designar o holótipo, sendo, assim, todos denominados síntipos. Em uma publicação subsequente, esse ou outro autor promove a designação do espécime tipo portador do nome entre os síntipos dessa espécie, sendo este o único exemplar denominado lectótipo; • Neótipo: é o único espécime designado como tipo portador do nome de uma espécie ou subespécie nominal, quando há a necessidade de definir claramente este táxon e acredita-se que o tipo portador do nome não exista mais (ex.: holótipo ou síntipos perdidos ou destruídos); • Paralectótipo: cada espécime de uma série-tipo formal, restante após a designação de um lectótipo. Exemplo: Um autor utiliza uma amostra de dois ou mais exemplares para descrever uma espécie, sem designar o holótipo, sendo, assim, todos denominados; A SISTEMÁTICA ZOOLÓGICA 67 síntipos. Em uma publicação subsequente, esse ou outro autor promove a designação do espécime tipo portador do nome, entre os síntipos dessa espécie, sendo este único exemplar denominado lectótipo. Todos os indivíduos restantes são então denominados paralectótipos; • Parátipo: cada espécime de uma série-tipo, outros que não o holótipo. Exemplo: Um autor utiliza uma amostra de dois ou mais exemplares para descrever uma espécie, e faz a designação de um deles como holótipo; assim, todos os demais são denominados parátipos; • Síntipo: cada espécime de uma série-tipo da qual nem um holótipo ou um lectótipo foram designado. Os síntipos coletivamente constituem o tipo portador do nome. Exemplo: um autor utiliza uma amostra de dois ou mais exemplares para descrever uma espécie, sem designar o holótipo, sendo, assim, cada um, denominado, individualmente, síntipo. • Topótipo: um termo não regulamentado pelo código para um espécime originado da localidade tipo da espécie ou subespécie da qual se acredita que pertença, seja ou não o espécime parte da série típica. Táxons nominotípicos Por definição, quando um táxon do grupo da família é subdividido, o táxon subordinado que contém o gênero-tipo é indicado pelo mesmo nome (alterando- se apenas seu sufixo), com o mesmo autor e data. Esse táxon subordinado é denominado táxon nominotípo (artigo 37.1). Exemplo: a família Tipulidae Latreille, 1802, possui o gênero-tipo Tipula Linnaeus, 1758. Ela é dividida em um número de subfamílias nomeadas. A subfamília contendo Tipula é chamada Tipulinae Latreille, 1802, e constitui, então, a subfamília nominotípica. Analogamente, quando sobre um gênero é considerado conter subgêneros, o subgênero que contém a espécie-tipo daquele gênero é indicado pelo seu próprio nome, com o mesmo autor e data. Este subgênero é denominado gênero nominotípico (artigo 44.1). Assim, um gênero e o seu subgênero nominotípico têm a mesma espécie-tipo (artigo 67.1.1). Por exemplo: se um autor descreve o gênero Capullaria com base na espécie-tipo Capullaria hirsuta, incluindo diversas outras espécies e dividindo-o em subgêneros, logo, 68 UNIDADE 1 o subgênero nominotípico Capullaria também terá sua espécie-tipo Capullaria hirsuta com mesmo autor e data. Da mesma forma, quando sobre uma espécie é considerado conter subespécies, a subespécie que contenha o tipo portador do nome daquela espécie é indicada pelo mesmo nome da espécie, com o mesmo autor e data. Esta subespécie é denominada subespécie nominotípica (artigo 47.1). Assim, uma espécie nominal e sua subespécie nominotípica têm o mesmo tipo portador do nome (artigo 72.8). Princípio da Coordenação Um nome estabelecido para um táxon de qualquer categoria no grupo da família é considerado como tendo sido estabelecido para táxons nominais de todas as outras categorias do grupo da família. Todos esses táxons têm o mesmo gênero-tipo, e seus nomes são formados pelo radial do nome do gênero- tipo (artigo 29.3), com a apropriada mudança do sufixo (artigo 34.1). O nome tem a mesma autoria e data para todas as categorias taxonômicas. Este princípio é denominado princípio da coordenação (artigo 36.1). Exemplo: a família de borboletas, Hesperiidae, baseada em Hesperia Fabricius, 1793, foi estabelecida em 1809, por Latreille. Esse autor é considerado como tendo estabelecido, simultaneamente, o nome coordenado da superfamília Hesperioidea e o nome coordenado da subfamília Hesperiinae, mesmo que estes tenham sido utilizados, pela primeira vez, muito tempo após a publicação do trabalho de Latreille, em 1809. A autoria e a data de todos os três nomes (Hesperioidea, Hesperiidae e Hesperiinae) é de Latreille, 1809. Desta forma, os nomes do grupo da família possuem sua nomenclatura composta por uma única palavra, formada por um radical, em que se adiciona um sufixo definido pela categoria taxonômica. O código define, respectivamente, os sufixos -oidea, -idae, -inae e -ini como referentes às categorias taxonômicas da superfamília, família, subfamília e tribo. Quando um táxon nominal é elevado ou abaixado na categoria do grupo da família, seu gênero tipo permanece o mesmo (artigo 36.2). A SISTEMÁTICA ZOOLÓGICA 69 EXERCÍCIO DE FIXAÇÃO 01. De acordo com o sistema binomial de nomenclatura estabelecido por Lineu, o nome científico Canis familiaris aplica-se a todos os cães domésticos, como vira-latas, pastores, dobermanns, chiuauas, filas brasileiros e pitbulls, entre outros. O lobo (Canis lupus), o coiote (Canis latrans), o chacal (Canis aureus) e o dingo (Canis dingo) são espécies relacionadas aos cães domésticos. Visto isto, responda: a) A que gênero pertencem todos os animais mencionados? b) Por que todos os cães domésticos são designados por um mesmo nome científico? 02. (Vunesp-SP) Alunos de uma escola, em visita ao zoológico, deveriam escolher uma das espécies em exposição e pesquisar sobre seus hábitos, alimentação, distribuição etc. No setor dos macacos, um dos alunos ficou impressionado com a beleza e agilidade dos macacos-pregos. No recinto desses animais havia uma placa com a identificação: “Nome vulgar: Macaco-prego (em inglês: Raing-tail Monkeys ou Cupuchin monkey); Ordem: Primates; Família: Cebidae; Espécie: Cebus apella”. Esta foi a espécie escolhida por esse aluno. Chegando à sua casa, procurou um site de busca e pesquisa na Internet. O aluno deveria digitar até duas palavras-chaves e iniciar a busca. Que palavras o aluno deveria digitar para obter informações apenas sobre a espécie escolhida? Justifique a sua resposta. 03. Leptodactylus vastus é um nome aparentemente complicadopara um anfíbio que ocorre em brejos pelo nordeste do Brasil. Justifique o uso do nome científico em vez de, simplesmente, "rã-pimenta", como diz a população local. 04. (UFRJ) Considere dois animais, A e B, e dois outros, C e D. Os animais A e B pertencem a gêneros diferentes de uma mesma família, enquanto os animais C e D pertencem à mesma ordem, mas a famílias diferentes. Você espera encontrar maior grau de semelhança entre A e B ou entre C e D? Justifique sua resposta. 05. Identifique a categoria taxonômica a que se refere cada um dos nomes citados, de acordo com as regras de nomenclatura zoológica, e justifique sua resposta. 70 UNIDADE 1 a) Hominidae b) Ascaris lumbricoides c) Homo sapiens sapiens d) Phlebotomini d) Rattus 06. (PPGZoo-MPEG) Interprete a lista sinonímica abaixo, apresentada por Ávila-Pires (1995), para o lagarto Crocodilurus lacertinus, e responda às duas questões que se seguem. Tupinambis lacertinus (Daudin, 1802: 85) (holotype MHNP 8372, type- locality: ´Cayenne´). Crocodilurus amazonicus (Spix, 1825: 19) (holotype ZSMH 638/0, type- locality: São Paulo de Olivenças, Rio Solimões); Cope, 1876: 162. Crocodilurus ocellatus (Spix, 1825: 20) (lectotype, according to designation by Hoogmoed & Gruber, 1983, ZSMH 639/0; type-locality: Tefé, Rio Solimões). Crocodilurus lacertinus (Duméril & Bibron, 1839: 46); Guichenot, 1855: 29; Boulenger, 1885b: 380; Goeldi, 1902: 537, 546; Burt & Burt, 1931: 326; Cunha, 1961: 116; Vanzolini, 1972: 105, 1981a: xxi, 1986a: 14; Hoogmoed & Lescure, 1975: 157; Hoogmoed, 1979: 278; Hoogmoed & Gruber, 1983: 392. Crocodilurus lacertina (Crump, 1971: 20). a) Faça a citação completa do nome da espécie. b) O que fez Duméril & Bibron, 1839? 07. (PPGZoo-MPEG) Observe a seguinte definição de categorias coordenadas, segundo o Código Internacional de Nomenclatura Zoológica: “um nome estabelecido para um táxon de qualquer categoria do grupo da família (baseado em um dado gênero-tipo) está disponível com sua data e autor originais para outro táxon (baseado no mesmo gênero-tipo) de qualquer das outras categorias”. Visto isto, agora analise o texto abaixo: “Briliant (1920) descreveu o gênero Taumaturgus, incluindo-o na nova subfamília Taumaturginae. No mesmo trabalho, o autor incluiu a subfamília na família Trompsonidae, que havia sido proposta por Briliant (1910). A análise filogenética feita por Costa (2001) indicou que Trompsonidae é um grupo polifilético e, por este motivo, Costa (2001) elevou alguns dos subgrupos de Trompsonidae ao status de família, incluindo Taumaturginae”. A SISTEMÁTICA ZOOLÓGICA 71 Com base nos dados acima, faça a citação completa do nome da família Taumaturgidae e justifique a atribuição de autoria à família Taumaturgidae. 08. (PPGZoo-MPEG) Considere a seguinte situação fictícia: Hypotheticus alvus (Silva, 1930) e Hypotheticus alvus (Parente, 1933) são espécies homônimas. Hypotheticus longilineus (Souza, 1931) é o primeiro sinônimo conhecido de H. alvus (Silva, 1930) e Hypotheticus neutralis (Costa, 1950), o primeiro sinônimo conhecido de H. alvus (Parente, 1933). Quais os nomes (citação completa) que devem ser considerados, válidos para as duas espécies citadas? Justifique sua resposta. 09. (PPGZoo-MPEG) Veloso (1967) descreveu a espécie Tropicalia centralis. Em 1975, Gil publicou a revisão do gênero Refazendae, constituído por 15 espécies, incluindo T. centralis (Veloso). Dado que o trabalho do segundo autor ganhou a aceitação da comunidade científica, como deve ser escrita a citação completa do nome da espécie publicada por Veloso (1967)? 10. Considere os dois nomes científicos de mosquitos que se seguem: Aedes aegypti (Linnaeus, 1762) e Anopheles gambiae (Giles, 1926). Podemos afirmar que o grau de semelhança entre eles permite colocá-los na mesma categoria de: a) Espécie b) Subespécie c) Gênero d) Subgênero e) Família 11. (UEL-2006). Segundo o sistema binominal de nomenclatura, como devem ser escritos os termos indicativos do gênero e da espécie? 72 UNIDADE 1 12. (Modificado do PPGZoo-MPEG) Analise a figura abaixo, considerando os objetivos principais da escola cladista (definir e propor grupos monofiléticos), e responda às perguntas que se seguem. a) Os gêneros apresentados (Aus e Bus) são gêneros monofiléticos? Em caso negativo, justifique sua resposta e classifique-os filogeneticamente. Se necessário, consulte livros sobre sistemática filogenética. b) Apresente uma proposição taxonômica alternativa, justificando suas decisões, indicando a(s) espécie(s)-tipo, e mostre quais seriam as possíveis consequências sobre sinonímia e homonímia para os táxons genéricos e específicos. 13. (UFPB 2008) Um professor de biologia orientou os estudantes para coletarem exemplares diversos do reino animalia, e os agruparem de acordo com as características que julgassem comuns. Os estudantes organizaram os animais nos seguintes grupos: Grupo I: Esponjas e estrelas-do-mar. Grupo II: Minhocas, piolhos de cobra e centopeias. Grupo III: Carrapatos, aranhas e escorpiões. A SISTEMÁTICA ZOOLÓGICA 73 Grupo IV: Caranguejos, siris e camarões. Grupo V: Moscas, abelhas, besouros e borboletas. Em seguida, o professor explicou e caracterizou os diversos filos desse reino, e solicitou que os animais fossem reagrupados de acordo com os filos a que cada um pertence. O reagrupamento correto desses animais, em filos, encontra-se na alternativa: A) I. Esponjas; II. Estrelas-do-mar; III. Minhocas; IV. Piolhos de cobra, centopeias, carrapatos, aranhas, escorpiões, caranguejos, siris, camarões, moscas, abelhas, besouros e borboletas; B) I. Esponjas; II. Estrelas-do-mar; III. Minhocas; IV. Piolhos de cobra e centopeias; V. Carrapatos, aranhas, escorpiões, ca-ranguejos, siris, camarões; VI. Moscas, abelhas, besouros e borboletas; C) I. Esponjas e estrelas-do-mar; II. Minhocas; III. Piolhos de cobra e centopeias; IV. Carrapatos, aranhas, escorpiões, caranguejos, siris, camarões, moscas, abelhas, besouros e borboletas; D) I. Esponjas; II. Estrelas-do-mar; III. Minhocas, piolhos de cobra e centopeias; IV. Carrapatos, aranhas, escorpiões, caranguejos, siris, camarões, moscas, abelhas, besouros e borboletas; E) I. Esponjas e estrelas-do-mar; II. Minhocas, piolhos de cobra e centopeias; III. Carrapatos, aranhas e escorpiões; IV. Caranguejos, siris e camarões; V. Moscas, abelhas, besouros e borboletas. UNIDADE 2 COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIAL ZOOLÓGICO OBJETIVOS DA UNIDADE 1. Apresentar os principais itens a serem utilizados em atividades de campo; 2.Caracterizar as armadilhas para amostragem de animais invertebrados (especialmente terrestres) e vertebrados; 3. Apresentar as técnicas de biometria, registro do comportamento biológico e de preservação de vertebrados; 4. Caracterizar e classificar as coleções zoológicas; 5. Apresentar as ações de curadoria de coleções zoológicas; 6. Mostrar o estado da arte de coleções zoológicas brasileiras. COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIAL ZOOLÓGICO 77 CAPÍTULO 4: MÉTODOS E TÉCNICAS DE COLETA E PREPARAÇÃO DE INVERTEBRADOS Leonardo Sousa Carvalho e Mauro Sérgio Cruz Souza Lima Estima-se que o Brasil abrigue cerca de 13% da biodiversidade mundial, considerando-se os táxons mais bem conhecidos e catalogados. Além disso, não se sabe quanto da parcela desconhecida da biodiversidade brasileira está em regiões ou localidades pouco amostradas, em habitats pouco conhecidos (p. ex. no dossel das florestas ou no solo) ou, mesmo, aguardando sua descoberta e descrição nas coleções científicas existentes (LEWINSOHN; PRADO, 2005). Visto isso e considerando o crescente impacto humano em regiões naturais, torna-se importante preservar a biodiversidade de invertebrados a fim de se conhecer as espécies existentes antes que sejam extintas. No entanto, os invertebrados constituem grupos muito distintos de animais, exibindo uma grande variedade de formas de vida, existindo desde espécies sésseis (ex.: crustáceoscirripédios ou cnidários) até animais livres em todos os ambientes terrestres. Com tamanha diversidade, realizar inventários da biodiversidade de invertebrados é uma tarefa árdua e que demanda, às vezes, tempo, dinheiro e esforço do pesquisador. Para que isto seja possível, é preciso aplicar métodos de amostragem que permitam ao pesquisador acessar o maior número de ambientes, períodos do dia e épocas do ano, além de contemplar as variedade de hábitos de vida desses organismos. Neste sentido, fazer inventários de todos os grupos de invertebrados possíveis em determinado ponto torna-se uma tarefa quase impossível. Assim, é importante conhecer-se a biologia e os hábitos de vida de COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIAL ZOOLÓGICO 78 UNIDADE 2 determinado grupo de organismos, e construir um delineamento amostral que permita ao pesquisador atingir os objetivos da pesquisa proposta. Além disto, após a coleta, é importante realizarmos a devida preparação dos organismos coletados para que estes possam ser mantidos nas coleções zoológicas, a fim de que outros pesquisadores possam ter acesso ao material disponível. Neste capítulo, abordaremos os principais métodos de amostragem e de preparação de invertebrados, especialmente terrestres. Métodos de coleta de invertebrados 1. Armadilha etanólica Este é um método passivo de coleta em que os animais são atraídos pelo álcool etílico (etanol) volatilizado. O etanol é uma substância primária empregada por muitos indivíduos pioneiros de muitas espécies de coleópteros na localização e na seleção do material hospedeiro favorável (PELENTIR, 2007). Atua como sinergista, aumentando o efeito atrativo dos monoterpenos presentes no hospedeiro ou, posteriormente ao ataque, sinergisando feromônios produzidos pelos indivíduos colonizadores (MOECK, 1970 apud PELENTIR, 2007). Quando o etanol é utilizado como atrativo em armadilhas, muitos coleópteros são atraídos, entre esses, principalmente, os da família Scolytidae. Isso deve-se ao fato de o odor do etanol imitar alguns extrativos voláteis das árvores estressadas, sendo capturado pelo painel de impacto da armadilha (ZANUNCIO et al., 1993, apud PELENTIR, 2007). O funcionamento da armadilha é relativamente simples: há um depósito onde é colocado etanol a 70% e, acima deste, há abas feitas de diferentes materiais (sacos plásticos, garrafas PET ou madeira, por exemplo) que são utilizados como anteparo. A isca (etanol a 96%) fica disponível na parte superior da armadilha e normalmente colocada dentro de uma bolsa com esponja (Figura 6A), mangueira (Figura 6B-C) ou frasco (Figura 6D). Como o etanol é um líquido bastante volátil, os insetos sentem esta substância e seguem em direção à fonte, batendo no anteparo e caindo no depósito contendo etanol, onde são mortos e ficam preservados. Diversos modelos de armadilhas etanólicas estão disponíveis no mercado, existindo, por exemplo, estudos comparando a eficiência de armadilhas desse tipo para a amostragem de besouros da família Scolytidae (PELENTIR, 2007; MURARI et al., 2012). Para maximizar o esforço de captura, alguns COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIAL ZOOLÓGICO 79 modelos possuem, ainda, funis coletores, que direcionam os insetos que batem nos anteparos a cairem no pote contendo álcool etílico (Figura 6). Figura 6: Modelos de armadilhas etanólicas, testadas por Pelenir (2007) quanto à eficiência na amostragem de Scolytidae. A: Modelo de armadilha Roechling (modificada); B: Modelo de armadilha PET Santa Maria; C: Modelo de armadilha Marques-Carrano; D: Modelo de armadilha Escolitídeo-Curitiba. Fonte: Pelenir (2007). Modificado. 80 UNIDADE 2 2. Armadilhas de funil de Lindgren As armadilhas de funil de Lindgren são um tipo especializado de armadilha de interceptação de voo, que utilizam diversos funis (de 8 a 10 e, às vezes, até mais) dispostos em uma organização vertical, um em cima do outro (Figura 7). Este método de coleta utiliza o comportamento de muitos insetos (particularmente besouros) de dirigir-se em direção ao solo após bater em um objeto sólido durante o voo. Os espécimes que batem em qualquer um dos funis organizados em disposição vertical são direcionados para o próximo funil, logo abaixo, e daí passam para os funis seguintes e, eventualmente, ao coletor disposto abaixo do último funil (LINDGREN, 1983). A amostragem da armadilha aumenta com o uso de funis em que os espécimes não consigam aderir (ex.: plásticos lisos). A forma fina e a cor do funil de Lindgren, geralmente escura, mimetizam o tronco de uma árvore. Assim, a armadilha passivamente atrai insetos, especialmente besouros que vivem em cascas de árvores ou associados à madeira. A eficiência da amostragem pode, ainda, ser aumentada com o uso de iscas atrativas, como ferormônios, etanol ou qualquer outro tipo de isca atrativa (LINDGREN, 1983). Portanto, este é um método passivo para a amostragem de insetos, especialmente besouros. Figura 7: Desenho esquemático de uma armadilha tipo funil de Lindgren. Fonte: Elaborada pelos(a) autores(a). COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIAL ZOOLÓGICO 81 3. Armadilhas de interceptação e de queda ou armadilhas de queda Essas armadilhas são utilizadas para a coleta de amostragem de invertebrados e vertebrados terrestres, variando de acordo com o tamanho do animal a ser coletado. Entre os invertebrados, podem ser coletados aracnídeos, quilópodes, diplópodes, sínfilos e diversos grupos de insetos (Collembola, Protura, Diplura, Archaeognatha, Zyngentoma, Hymenoptera, Coleoptera, Blattodea, entre outros). Entre os vertebrados, essas armadilhas, utilizando recipientes pequenos, ainda são eficientes na amostragem de pequenos répteis e anfíbios, embora para esses grupos outros métodos de amostragem sejam mais eficientes. As armadilhas são constituítas por baldes ou recipientes plásticos (copos, tubos de PVC ou garrafas PET) enterrados ao nível do solo, unidos (ou não) por cerca-guia. Seu funcionamento é relativamente simples: os animais, ao encontrarem uma cerca-guia, tentam desviar lateralmente da mesma e caem nos coletores enterrados; ou, na ausência de cerca-guia, caem naturalmente nos coletores, ao encontrá-los em seu caminho. O uso dessas armadilhas para invertebrados é feito sem a utilização de cercas-guia; portanto, são apenas armadilhas de queda, feitas com a utilização de recipientes plásticos de aproximadamente 500ml, contendo cerca de 200- 300ml de líquido conservante (Figura 8A). O líquido conservante pode ser álcool etílico (70% ou 96%), solução saturada de bórax, propileno glicol (35%, 50% ou 75%), vinagre branco, etileno glicol (100%), FAACC (uma mistura de formaldeído a 4%, ácido acético a 5% e cloreto de cálcio a 1,3%), formaldeído tamponado com fosfato a 4% ou formalina (formol) a 5% (ARISTOPHANOUS, 2010). Observamos, ainda, que uma solução saturada de sal de cozinha (salmoura) também pode ser utilizada como líquido conservante em campo. Ao líquido conservante é possível, ainda adicionar algumas gotas de detergente para quebrar a tensão superficial da água, a fim de impedir que os insetos saiam do pote coletor. Para a preservação dos órgãos reprodutivos internos de besouros, por exemplo, Aristophanous (2010) recomenda a utilização de álcool etílico a 96%, FAACC e formaldeído tamponado com fosfato a 4%. As armadilhas devem permanecer instaladas no local de coleta por cerca de cinco dias. A permanência por mais de cinco dias pode resultar na total evaporação do líquido conservante, afetando significativamente a eficiência da armadilha, devendo o coletor estar atento à necessidade de reposição do líquido conservante. Para a permanência por mais de uma semana em campo, 82 UNIDADE 2 Aristophanous (2010) recomenda a utilização de formaldeído tamponado com fosfato a 4%. O conjunto de todos os indivíduos coligidos em cada armadilha (ou conjunto de armadilhas), durante seu período de funcionamento, deve serconsiderado uma amostra. Outra opção para a amostragem de invertebrados é a instalação dessas armadilhas com a utilização de cercas-guia, sendo, portanto, denominadas armadilhas de interceptação e de queda, mas em proporções menores que aquelas para vertebrados. Neste caso, as armadilhas podem ser instaladas em um arranjo em formato de “X” ou “+”, utilizando uma área de 4m². Instala- se uma armadilha e, posteriormente, outras quatro armadilhas são instaladas perpendicularmente a esta, a um metro de distância, formando assim uma “estação de coleta” (Figura 8B). Entre uma e outra armadilha, instala-se uma cerca-guia feita de lona ou qualquer outro material (chapa de zinco, por exemplo), com cerca de 10cm de altura e enterrada 1cm abaixo do nível do solo. Neste caso, cada amostra será formada pelo conjunto dos indivíduos coletados nas cinco armadilhas de cada estação, durante todo o período de funcionamento da mesma. Em ambos os casos, pode utilizar-se um prato plástico (ou qualquer outro objeto) para evitar a entrada excessiva de água da chuva ou de matéria orgânica no interior do pote coletor, como folhas mortas, por exemplo. Podem-se utilizar também as armadilhas desenvolvidas originalmente para a amostragem de vertebrados. Neste caso, o que difere dos equipamentos descritos acima são as proporções, pois se utilizam baldes de pelo menos 35 litros para a amostragem de répteis e anfíbios ou baldes maiores ainda para a amostragem de mamíferos (RIBEIRO-JÚNIOR et al., 2011). No entanto, se o objetivo da pesquisa for a amostragem de aranhas da infraordem Mygalomorphae ou mesmo grandes quilópodes (Scolopendromorphae), esta configuração deve ser adotada, pois apresenta resultados mais satisfatórios. Para a amostragem de insetos necrófagos ou coprófagos, como besouros Scarabeoidea, por exemplo, também é possível utilizar essas armadilhas. Neste caso, devem-se utilizar iscas nas mesmas. As iscas a serem utilizadas podem ser carne ou vísceras (ex.: fígado) em decomposição, massa fecal fresca ou frutas bem amadurecidas, de acordo com o grupo de insetos-alvo do trabalho. Estas devem ser colocadas sobre o pote coletor, em um pequeno recipiente suspenso com o auxílio de hastes de madeira, como palitos para churrasco ou outro objeto, de forma que os insetos não tenham dificuldade de alcançá-las. O odor exalado pela decomposição da isca atrairá os insetos, que serão coletados no pote coletor. COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIAL ZOOLÓGICO 83 A utilização deste tipo de armadilhas para amostragem da fauna de solo em estudos de biodiversidade ou ecologia de comunidades é extremamente vantajosa, visto que é possível produzir um grande número de amostras em curto período de tempo e com um custo relativamente baixo. Recomenda-se a instalação de pelo menos 30 armadilhas para invertebrados ou cinco estações de armadilhas em cada ponto de amostragem em um inventário de biodiversidade. Além disto, recomenda-se que cada armadilha deve ficar distante uma da outra (pelo menos a cinco metros), para evitar que uma armadilha interfira no desempenho de outra, o que resultaria em pseudoreplicação espacial. Caso o coletor opte por um espaçamento menor (ex.: um metro) entre as armadilhas, na composição de uma amostra deve ser considerado o conjunto de indivíduos capturados em todas as armadilhas durante o período em que estas ficaram armadas. Caso o coletor opte pela composição de estações de armadilhas em disposição em “X” ou “+”, recomenda-se o espaçamento de 30- 50 metros entre estações de coleta. Este método é simples e sua aplicação é barata; no entanto, a amostragem sofre forte viés em direção a grupos que se movem ativamente pela superfície e não permite a amostragem quantitativa de animais sedentários habitantes da serapilheira e do solo, que ficam no substrato ou se disseminam através de voo (KRELL et al., 2005). Alguns autores registraram que este método pode, significativamente, amostrar melhor a fauna de Orthoptera, Blattaria e Diptera, quando comparado ao extrator de Winkler e funil de Berlese (SABU; SHIJU, 2010), além de ser o melhor método para amostragem qualitativa para diversos grupos de artrópodes de solo (SABU; SHIJU, 2010; SABU et al., 2011). Na amostragem de aranhas, por exemplo, há, fortemente, um viés da coleta de machos, por apresentarem um padrão comportamental mais ativo que fêmeas (ÁLVARES et al., 2004). Figura 8: Armadilhas de queda (A), e de interceptação e de queda (B) para invertebrados. Fonte: Elaborada pelos(a) autores(a). 84 UNIDADE 2 4. Atração com iscas Este, na verdade, não consiste de um método específico para amostragem de invertebrados, mas de uma forma geral utilizada para pegar grupos específicos de invertebrados (especialmente insetos), utilizando informações de sua história natural: atração por iscas. Diversos grupos de insetos não apenas têm preferências alimentares definidas, como também têm uma capacidade apurada de detecção da presença de alimentos. Esses animais podem ser atraídos utilizando-se cores (ex.: abelhas), e matéria orgânica em decomposição (ex.: besouros e moscas), entre outros. É importante lembrar que para cada determinado grupo de insetos, objetivo da pesquisa, um tipo de isca específico ou uma combinação de iscas deve ser utilizado (ALMEIDA et al., 1998). As iscas mais comuns são: acetato de benzila (C9H10O2); benzoato de benzila (C14H12O2); beta ionona (C13H20O); cinamato de metila (C10H10O2); escatol (C9H9N); etanol (CH3CH2OH); eucaliptol (C10H18O); eugenol (C10H12O2); metanol (CH3OH); sacarose (C12H22O11); salicilato de benzila (C14H12O3); salicilato de metila (C8H8O3); vanilina (C8H8O3); massa fecal fresca; frutas amadurecidas ou em decomposição, entre outros (ALMEIDA et al., 1998; FARIAS et al., 2007; KRUG; ALVES-DOS-SANTOS, 2008; NOLL; GOMES, 2009). Além disto, a luz também funciona como atrativo para diversos grupos de invertebrados. Os métodos de amostragem com atração por isca serão tratados em tópicos específicos para determinados grupos de animais (ex.: moscas) ou por estratos do ambiente (ex.: armadilhas de queda, que amostram indivíduos de solo). 5. Atração por luz As fontes luminosas são um atrativo para diversos grupos de insetos alados. Provavelmente, a luminosidade da lua deve ser utilizada pelos insetos no ciclo reprodutivo para a localização entre machos e fêmeas de uma mesma espécie na época do acasalamento (ALMEIDA et al., 1998). É difícil saber se as fontes artificiais de luz confundem ou ajudam os insetos nesse processo, mas com certeza servem como atração eficiente para ajudar o coletor. Há vários tipos de armadilhas que utilizam a luz como atrativo para a captura de insetos. Uma das mais comuns é a armadilha luminosa modelo Luiz de Queiroz (SILVEIRA-NETO; SILVEIRA, 1969), que consiste de um funil de COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIAL ZOOLÓGICO 85 alumínio de cerca de 65cm de altura. O diâmetro maior do funil deve ter no máximo 37 cm; o cone do funil, 40 cm de comprimento; o tubo do funil, 25 cm de altura (ALMEIDA et al., 1998). Sobre o maior diâmetro do funil, encaixa-se uma armação feita com quatro aletas de alumínio, de 45 cm de altura por 14 cm de largura cada uma, dispostas de maneira cruzada ao redor de uma lâmpada fluorescente (ultravioleta). Para o funcionamento da lâmpada, deve ser instalado um sistema elétrico na parte superior do disco de alumínio, constituído por reator, tomada e starter (ex.: sensor de luminosidade). Dependendo do objetivo da coleta, acopla-se, na região inferior da armadilha, uma gaiola de tela fina (55 cm de altura por 37 cm de diâmetro) ou um pote com álcool para aprisionar ou matar os insetos (ALMEIDA et al., 1998). Um disco de alumínio com 40cm de diâmetro deve ser colocado sobre a armadilha para evitar a entrada excessiva de água da chuva. A armadilha pode ser utilizada pendurada em árvores ou suspensa com um suporte de madeira (Figura 9-10). 6. Amostragemde térmitas A metodologia sugerida para a amostragem de térmitas segue um protocolo bem estabelecido e já aplicado em diversos estudos científicos, como o de Vasconcelos et al. (2005), facilitando a sua replicação e comparação dos resultados entre estudos distintos. O protocolo consiste na demarcação aleatória de seis transectos de 65cm x 2m, distribuídos pela área de estudo, preferencialmente em locais com ausência aparente de distúrbio antrópico recente. Em cada transecto são estabelecidas cinco parcelas de 5m x 2m, com distância de 10m entre elas, totalizando 30 parcelas (300m2) por localidade. O tempo de coleta em cada parcela é de 1h/pessoa. Nesse período, os térmitas são procurados no solo (até cerca de 15cm de profundidade) (Figura 11), em ninhos ativos e abandonados, troncos e galhos caídos, no folhiço, sob cascas de árvores, raízes mortas etc. (VASCONCELLOS et al., 2005). Para a complementação da lista de espécies de determinada localidade, térmitas avistados fora das parcelas pré-estabelecidas podem ainda ser coligidos (ex.: revoada de cupins alados, térmitas em forrageamento etc.). A captura dos indivíduos deve ser realizada com o auxílio de pinças de pontas finas ou pinças entomológicas para evitar danificar os espécimes, e seu armazenamento deve ser realizado em recipientes (tubos de ensaio com tampas ou potes) contento álcool a 75%. 86 UNIDADE 2 Figura 9: Desenho esquemático de armadilha luminosa. A. Tipo Luiz de Queiroz. B. Suporte de madeira para a armadilha. Fonte: Almeida et al. (1998). Figura 10: Armadilha tipo Luiz de Queiroz instalada em campo (A) e fonte de energia para ligar lâmpada ultravioleta da armadilha (B). Fonte: Elaborada pelos(a) autores(a). COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIAL ZOOLÓGICO 87 7. Amostragem de abelhas e vespas Os himenópteros formam um grupo muito grande e diversificado de insetos, que inclui as formigas, abelhas e vespas. A amostragem de himenópteros (Apoidea) tradicionalmente envolve a coleta ativa de abelhas na flor com auxílio de rede entomológica, conforme proposto por Sakagami et al. (1967). Apesar de esta técnica ser a mais utilizada e recomendada para o levantamento de abelhas, os melhores resultados em número de espécies são obtidos quando múltiplos métodos são utilizados com esta finalidade (PINHEIRO-MACHADO; SILVEIRA, 2006). Abaixo, são descritos alguns métodos para a amostragem de abelhas e vespas: Pratos-armadilha ou bandejas coloridas ou bandejas d’água: Consistem de recipientes (pratos ou bandejas) coloridos (azuis, amarelos ou brancos) contendo uma solução de água e detergente (o detergente serve para quebrar a tensão superficial da água) (Figura 12). Este tipo de armadilha também é conhecido com armadilhas de Moericke ou (yellow) pantraps (KRUG; ALVES-DOS-SANTOS, 2008; MAZÓN; BORDERA, 2008). Para a coleta de himenópteros, recomenda-se a utilização de objetos (pratos ou bandejas) amarelos, e a utilização com outras cores atrai outros grupos de insetos. Os pratos-armadilha utilizados por Krug e Alves-dos-Santos (2008), por exemplo, tinham 4,5 cm de altura e cerca de 10 cm de diâmetro. Cada prato foi preenchido com aproximadamente 150 ml de água e 4-5 gotas de detergente. Figura 11: Realização da amostragem de térmitas. A: Pesquisador procurando por térmitas no solo, com o auxílio de um cavador; B: Pesquisador coletando térmitas alados em revoada, com o auxílio de uma pinça de ponta fina. Fonte: Elaborada pelos(a) autores(a). 88 UNIDADE 2 Os pratos foram distribuídos sobre o solo em áreas relativamente abertas, próximas à vegetação, por dois dias consecutivos (48h), distantes cinco metros entre si e com as cores intercaladas. Nesse mesmo trabalho, os pratos amarelos foram mais eficientes que aqueles azuis ou brancos, sendo responsáveis por quase metade de todas as abelhas coletadas. A cor amarela para Diptera é muito eficiente na captura de Sciaridae, Phoridae, Anthomyiidae e Muscidae (RAFAEL, 2002). Iscas de cheiro Este tipo de armadilha é amplamente utilizado para amostragem de machos da subtribo Euglossina. Para a atração dos machos, podem ser utilizados tipos diferentes de essências artificiais, como eucaliptol, vanilina, eugenol, benzoato de benzila, salicilato de metila e salicilato de benzila. As iscas de cheiro consistem de chumaços de algodão com algumas gotas de uma das essências, que são presas à vegetação na área de estudo, a cerca de 1,5 m do solo, para facilitar a visualização, e ao abrigo da insolação direta, para evitar a rápida evaporação das fragrâncias, e distantes cerca de 5 m entre si (FARIAS et al., 2007; KRUG; ALVES-DOS-SANTOS, 2008). Na metodologia utilizada por Farias et al. (2007), uma vez preparado, o chumaço era umedecido com o respectivo composto aromático; as iscas mais visitadas eram reabastecidas de fragrâncias a cada 2h; e as abelhas eram capturadas com rede entomológica ao pousarem na isca, e agrupadas por horário de coleta e iscas visitadas. As iscas de cheiro podem, ainda, ser colocadas presas no interior de garrafas PET, com furos para a entrada das abelhas. Nesses furos (de diâmetro de 2-3 cm), encaixa-se a parte superior de outras garrafas PET cortadas, de forma a produzir um funil, facilitando a entrada dos indivíduos, que ficam presos dentro da armadilha (Figura 13). Ninhos-armadilha Esta metodologia consiste na oferta de cavidades artificiais para a nidificação de abelhas solitárias. No trabalho de Krug e Alves-dos-Santos (2008), foram oferecidos ninhos-armadilha de dois tipos: em blocos de madeira, com três diferentes diâmetros (0,3 cm; 0,6 cm e 1 cm), e gomos de bambu, com diversos diâmetros. As cavidades em blocos de madeira foram revestidas por COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIAL ZOOLÓGICO 89 tubos de papel, que possibilitaram a retirada dos ninhos e substituição por novo tubo na cavidade. Os tubos ou bambus ocupados e fechados eram retirados e substituídos por novos. Na metodologia utilizada por Viana et al. (2001), os ninhos-armadilha eram constituídos por duas peças de madeira, 30x30x150 mm, furadas em sentido longitudinal, de forma que quando as duas metades da peça estavam unidas, formavam-se orifícios com os diâmetros de 8, 10, 15 e 20mm, e 100mm de profundidade. As duas metades eram unidas com fita adesiva. Em cada árvore ou arbusto selecionado para a instalação da armadilha foi colocado, a 1,5m de altura, um conjunto contendo 16 ninhos-armadilha, sendo quatro de cada classe de diâmetro, também distribuídos ao acaso, com os orifícios de entrada voltados para o mesmo lado. Foram utilizadas tiras de borracha para unir os ninhos em blocos, que foram presas aos galhos das árvores em posição horizontal, com cordão de náilon. Outra opção é a utilização de tubos feitos com cartolina preta de tamanhos variados (0,4-1,5 cm de diâmetro e 8-11 cm de comprimento) inseridos em orifícios feitos em blocos de madeira, conforme descrito por Camillo et al. (1995) e utilizado por Aguiar e Martins (2002). Nesses trabalhos, à medida que os ocupantes dos ninhos emergiam, eram mortos com acetato de etila, alfinetados, etiquetados com dados dos ninhos e data de emergência, e identificados. Figura 12: Bandejas amarelas instaladas nas margens de igarapés para amostragem de insetos. Fonte: R. B. Querino. 90 UNIDADE 2 Rede entomológica: Este método consiste na observação de abelhas sobre as flores e captura com o auxílio de redes entomológicas. As abelhas capturadas são mortas com acetato de etila em frascos mortíferos (descritos na seção Métodos para sacrificar e fixar artrópodes) e a seguir, transferidas para recipientes com etiquetas de papel vegetal contendo os dados de captura: data, local, horário etc. Borrifação de atrativos: Este protocolo foi aplicado por Noll e Gomes (2009), que borrifaram 500 ml de solução atrativa ao longo de um transecto, a cada 20 metros do mesmo. A aplicação foi feita em um padrão de zigue-zague, aplicada a solução navegetação verde, com incidência solar em uma área de 3m². Depois da aplicação da solução atrativa, cada ponto foi observado individualmente por cinco minutos, e todas as vespas e abelhas que visitaram esses pontos foram coletadas com o auxílio de uma rede entomológica. A solução atrativa utilizada foi uma mistura de sacarose a 200g/litro de água e cloreto de sódio (sal de cozinha) a 25 g/litro de água. Figura 13: Armadilha feita com garrafas PET para coleta de abelhas, utilizando-se iscas atrativas. Fonte: Elaborada pelos(a) autores(a). COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIAL ZOOLÓGICO 91 8. Armadilhas para borboletas Muitas espécies de borboletas são atraídas por frutos em decomposição, uma vez que elas aí encontram água e os açúcares necessários para a sua alimentação. É possível utilizar uma armadilha particularmente preparada para coletar essas borboletas. No entanto, é necessário lembrar que as coletas com iscas são bastante seletivas. Outros grupos de mariposas e borboletas não serão coletados com essas armadilhas (ALMEIDA et al., 1998). A armadilha mais utilizada para coleta de borboletas é constituída de uma rede tubular de 70cm de comprimento, de voal ou renda fina, com os bordos superior e inferior reforçados por morim, por onde passam dois aros metálicos de 26 cm de diâmetro cada (Figura 14). A abertura superior da rede deve ser fechada com tecido fino, e a inferior deve permanecer aberta. Ao longo da rede tubular, são transpassados quatro fios de náilon entre os orifícios do voal. Na parte inferior, os fios são presos a um disco plástico de 29 cm de diâmetro, que deve distar 5 cm da abertura inferior da rede. Na região superior, esses fios serão reunidos formando uma alça, que é utilizada para pendurar a armadilha em qualquer suporte, como um tronco de árvore. A isca deve ser colocada no centro do disco plástico inferior, sendo as frutas em decomposição as iscas mais utilizadas, especialmente a banana amassada, regada com caldo de cana, o que acelera o processo de fermentação. Pode-se colocar um plástico amplo cobrindo toda a parte superior da armadilha, para proteção contra a chuva (ALMEIDA et al., 1998). As borboletas, atraídas pela isca, entrarão pelo espaço deixado entre a abertura inferior da rede e o disco plástico, tendendo a subir e ficando presas (ALMEIDA et al., 1998). 9. Armadilhas para moscas Muitas espécies de moscas alimentam-se de bactérias fermentadoras, que se desenvolvem em matéria vegetal ou animal em decomposição. Para a coleta dessas moscas, a armadilha descrita por Ferreira (1978) geralmente é a mais utilizada. Este método visa à coleta de adultos de moscas por meio de armadilhas construídas com lata de coloração preta fosca, medindo cerca de 20cm de altura por 10,5cm de diâmetro, com duas aberturas tipo venezianas, localizadas no terço inferior, que permitem a entrada dos insetos. Na parte superior das latas 92 UNIDADE 2 são acoplados funis de náilon, abertos nas extremidades, com bases voltadas para baixo e envolvidos em sacos plásticos, cuja remoção permite a coleta das moscas (FERREIRA, 1978; ALMEIDA et al.,1998; MARCHIORI et al., 2004). Servem como iscas para atração das moscas, peixe, rins de bovino, fezes humanas, vísceras de frango e frutos (maçã, mamão, laranja e pêra cortadas) depositados no interior das latas, sobre uma camada de terra (MARCHIORI et al., 2004). O uso de frutos em decomposição atrairá espécies de dípteros da família Mycetophilidae e de famílias de Acalyptratae, como as drosófilas, bem como vespas, borboletas e besouros de várias famílias (ALMEIDA et al.,1998). O uso de carne (fígado ou pulmão bovino ou peixe, por exemplo) atrairá especialmente os Calyptratae, como Muscidae, Calliphoridae e Sarcophagidae; enquanto o uso de fezes exercerá atração sobre alguns grupos de dípteros, como Sepsidae e Sarcophagidae (ALMEIDA et al.,1998). Outra maneira de coletar esses animais é, simplesente, localizar matéria vegetal ou animal em decomposição (fezes, carcaças e frutos em decomposição) em ambientes naturais, levando-a para laboratório, onde os animais são criados até que os adultos emerjam (ALMEIDA et al.,1998). Figura 14: Armadilhas para coleta de borboletas (A) e moscas (B). Fonte: Almeida et al. (1998). COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIAL ZOOLÓGICO 93 Outro grupo importante de dípteros são as moscas-das-frutas (Diptera: Tephritidae), mundialmente reconhecidas, incluindo o Brasil, como pragas da fruticultura, particularmente espécies do gênero Anastrepha Schiner e da espécie Ceratitis capitata (Wied.). Essas moscas são também, vulgarmente, denominadas de bichos das frutas ou bicho da goiaba (AGUIAR-MENEZES et al., 2006). A amostragem desses indivíduos pode ser realizada utilizando-se uma armadilha também feita com garrafas PET ou armadilhas do tipo McPhail. Segundo Aguiar-Menezes et al. (2006), que desenvolveram as armadilhas com garrafas PET, estas são chamadas de frascos caça-moscas, e baseiam-se no princípio de que as moscas-das-frutas voam e penetram no interior do frasco em resposta aos estímulos químicos olfativos provenientes de um atrativo alimentar na formulação líquida usada como isca, colocada no interior da armadilha. Os atrativos alimentares podem ser de três tipos: (1) proteína hidrolisada a 5%, em que se prepara 500ml de solução, diluindo 25ml da proteína hidrolisada em 475ml de água; (2) melaço de cana-de-açúcar a 7%, feito diluindo 35ml de melaço e 465ml de água para preparar 500ml de solução; ou (3) suco de fruta, tais como suco de uva 1:4, feito com uma parte de suco para 4 partes iguais de água, ou suco de pêssego 1:10, feito com uma parte de suco para 10 partes iguais de água (AGUIAR-MENEZES et al., 2006). Na tentativa de alimentar se da isca, as moscas caem dentro da mesma e afogam se. As armadilhas tipo McPhail são compostas por um vidro ou plástico em forma de sino com abertura invaginada no fundo, por onde os indivíduos de moscas-das-frutas entram atraídos pelas iscas (Figura 15). No entanto, no Brasil, esse tipo de armadilha é vendido apenas por poucos fornecedores. Para resolver este problema, Aguiar-Menezes et al. (2006) desenvolveram um modelo de frasco caça-mosca, descrito da seguinte forma: com o auxílio de uma fita métrica e de uma caneta (marcador permanente), marcam-se na garrafa PET 3 quadrados de 2cm de altura por 1cm de largura em sua parede lateral, a uma altura de 10cm a partir da base da garrafa, e que deverão estar equidistantes um do outro. Para uma garrafa de 32,5cm de diâmetro, a distância entre cada quadrado será, então, de aproximadamente 8,83cm. Assim, 8,83cm x 3 quadrados = 26,5cm que, somados à largura de cada quadrado (2cm x 3 = 6cm), totalizarão os 32,5cm de diâmetro da garrafa. Cortam-se, então, os quadros, seguindo as linhas marcadas com a caneta, com a ponta de um estilete ou outro objeto cortante. Para facilitar o corte, aquecer primeiro a ponta do estilete à medida que os quadrados vão sendo cortados. Para mais informações sobre as armadilhas tipo McPhail, ver Carvalho (2005). 94 UNIDADE 2 Esses quadrados vazados constituirão as aberturas laterais pelas quais os insetos entrarão no interior da armadilha. Prende-se o gargalo da garrafa com um arame, logo abaixo do encaixe da tampa, e utiliza-se esse arame para pendurar a armadilha. Posteriormente, as marcações com tinta de caneta deverão ser retiradas com álcool embebido em um pedaço de algodão. Antes de pendurar a armadilha na fruteira, o pesquisador deve abastecer a armadilha com a isca, que é um atrativo alimentar. O princípio é baseado no fato de que as moscas-das-frutas, especialmente as fêmeas, necessitam de proteína e carboidrato para a maturação de seus ovos antes de proceder à postura dos mesmos (oviposição) nos frutos, onde a sua cria (as larvas) se desenvolve. Assim, na natureza, após o acasalamento, as fêmeas passam por uma fase conhecida por período de pré-oviposição (10 a12 dias), quando se alimentam de diferentes substratos que fornecem esses nutrientes, tais como exsudatos de frutos, frutos em fermentação, fezes de pássaros ou de outros insetos, néctar etc. (AGUIAR-MENEZES et al., 2006). Recomenda-se, ainda, acrescentar 10g de bórax na solução atrativa para retardar a decomposição do atrativo, além desse produto ser tóxico para os adultos das moscas-das-frutas. A solução atrativa é depositada no fundo da armadilha PET, com o auxílio de um funil, a partir da boca da garrafa, que deve ser fechada com a tampa para não permitir entrada de chuva (AGUIAR- MENEZES et al., 2006). Figura 15: Desenho esquemáico de armadilha do tipo McPhail. Fonte: Elaborada pelos(a) autores(a). COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIAL ZOOLÓGICO 95 O pesquisador deve pendurar a armadilha PET, abastecida com 300 mL de solução atrativa, na copa da fruteira, a uma altura de 3/4 de sua altura, a partir do nível da superfície do solo, ficando geralmente na porção mediana da copa da árvore, altura em que normalmente se concentra um maior número de moscas. Deve-se também instalar a armadilha num galho, de modo que fique mais para a periferia da copa e na porção menos exposta ao sol (de menor incidência de luz solar), que, geralmente, é a porção leste (AGUIAR-MENEZES et al., 2006). Outro modelo de armadilha para a captura de moscas pode ser construído com a utilização de duas garrafas PET. Inicialmente, corta-se a região superior da garrafa e o seu fundo (Figura 16A-B); depois, unem-se as partes cortadas, fazendo uma “garrafa em miniatura (Figura 16C). A “nova garrafa” deve, então, ser pintada de cor preta (Figura 16D), pois isto criará um ambiente escuro, semelhante ao interior de uma carcaça ou uma fruta em decomposição, por exemplo. Em seguida, une-se esta garrafa pintada à outra garrafa PET sem a parte de cima (Figura 16E). Para concluir a armadilha, fazem-se furos ou aberturas (2 x 3cm) na parte lateral da garrafa pintada, tomando-se cuidado para não furar a outra garrafa colocada acima (Figura 16G). É através dessas aberturas que as moscas entrarão, atraídas por iscas (conforme descritas acima). Ao entrar na garrafa, as moscas tentarão sair pela parte de cima da armadilha, ficando aprisionadas na garrafa não pintada. Este método, por exemplo, pode ser utilizado para o controle de moscas domésticas, porém, o odor resultante da decomposição das iscas pode tornar-se desagradável. 10. Armadilhas para mosquitos (Psychodidae e Culicidae) Os mosquitos das famílias Psychodidae e Culicidae destacam-se por serem importantes vetores de doenças. Entre os psicodídeos, destacam-se os mosquitos do gênero Lutzomyia, vetores de várias espécies de protozoários do gênero Leishmania, causadores das leishmanioses. Entre os culicídeos, podemos destacar os mosquitos dos gêneros Anopheles, vetores de protozoários do gênero Plasmodium, que causam a malária; Culex, vetores de vírus causadores de diversas encefalites e de nematoides causadores da filariose ou elefantíase, como a Wuchereria bancrofti (Cobbold, 1877); ou, ainda mosquitos dos gêneros Aedes e Sabethes, que transmitem a dengue e a febre amarela, respectivamente. 96 UNIDADE 2 A busca por criadouros naturais de flebotomíneos sempre foi de fundamental interesse epidemiológico. Entretanto, até o presente momento, a grande maioria dos trabalhos com criadouros naturais demonstra escassos resultados quanto ao número de imaturos encontrados. Este baixo rendimento, muitas vezes, está diretamente relacionado às dificuldades de extração destes imaturos das amostras de solo e matéria orgânica onde normalmente são encontrados (ALENCAR, 2007). Com o objetivo de diminuir esse problema, Alencar (2007) testou um modelo modificado de armadilha de emergência para a captura de adultos de flebotomíneos, cujos imaturos se desenvolvem no chão da floresta. A armadilha de emergência usada neste trabalho foi criada a partir do modelo de foto-ecletor utilizado por Penny e Arias (1982). É uma armadilha leve e desmontável, composta de duas partes principais: uma inferior, feita de armação metálica e rede de tecido semitransparente de náilon, de estrutura piramidal, com base de 50 por 50cm e ápice truncado (10 x 10cm), e altura de 45cm; e uma superior, formada por um aparato de 25cm de altura, composto por dois potes plásticos de Nalgene® e um funil (Figura 16). A armação metálica é formada por eixos de ferro galvanizado com 2mm de espessura, que são encaixados em cantoneiras de cobre trifurcadas (Figura 2). A rede, fixada a esta armação metálica por meio de barbantes, possui, na parte superior, uma manga de 15cm de comprimento; e, na inferior, abas de 20cm feitas com tecido de napa. Essas abas, dobradas para o lado externo da base da armadilha, além de evitar o contato direto do tecido da rede e dos eixos de ferro com o chão da floresta, auxiliam também na fixação da armadilha no substrato, já que sobre estas são colocados pedaços de madeira e solo. No aparato da parte superior da armadilha, um pote plástico de 11cm de largura por 10 de altura, Figura 16: Passo a passo para a montagem de uma armadilha para a captura de moscas, utilizando garrafas PET. Fonte: Elaborada pelos(a) autores(a). COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIAL ZOOLÓGICO 97 cujo fundo foi removido, é colocado sobre o ápice da armação metálica e pelo seu interior é introduzida a manga da rede. A parte da manga que transpassa a extensão do pote é dobrada para o lado externo, e em seguida, presa pela tampa oca do próprio pote. Sobre este pote, um funil, perfeitamente encaixado, conecta toda a parte inferior da armadilha a um segundo pote plástico (coletor), com 7cm de largura por 7cm de altura, no qual fica armazenado uma solução conservante à base de água, álcool 96%, ácido acético 10% e caulim. Depois de instaladas, as armadilhas são cobertas com sacos plásticos transparentes, a fim de evitar chuva direta sobre as mesmas. Estas armadilhas de emergência seguem os mesmos princípios para a coleta, de armadilhas do tipo ecletor de solo. A coleta de mosquitos hematófagos também pode ocorrer durante hematofagia. Neste caso, realiza-se uma coleta ativa com a utilização de aspirador manual ou tubo de sucção oral (Figura 18). Esse equipamento é formado por uma mangueira de sucção e um tubo de entrada, ambos conectados por uma rolha presa a um frasco coletor. O coletor promove a sucção dos insetos com a boca através da mangueira de sucção, que entram no frasco coletor através do tubo de entrada, ficando aprisionados. A extremidade da mangueira de sucção pode, ainda, ser protegida por uma fina tela, para evitar que os mosquitos sejam engolidos pelo pesquisador. Figura 17: Armadilha de emergência instalada (A); esquema da armadilha pré-montada (B); e detalhe dos encaixes da cantoneira de cobre com os eixos de ferro. Fonte: Alencar (2007). Modificado. 98 UNIDADE 2 Para a coleta de mosquitos durante a hematofagia, podem ser utilizadas tanto presas animais, como equinos, quanto humanos. No caso da coleta com isca humana, há a necessidade da participação de duas pessoas, sendo uma a isca e a outra, o coletor. Essas coletas ativas normalmente são realizadas no final da tarde e início da noite. A captura de mosquitos psicodídeos e culicídeos também pode ser realizada com armadilhas do tipo CDC (Figura 18) e HP, que constituem métodos passivos de coleta. A armadilha CDC-miniatura é do tipo automática e luminosa, tendo uso generalizado em pesquisas entomológicas (GOMES et al., 1985). Essa armadilha foi desenvolvida por Sudia e Chamberlain (1962), possuindo em seu modelo original a vantagem de ser desmontável, leve e com câmara coletora dobrável, tendo motor alimentado por 4 pilhas comuns de 1,5 vcc, tipo AA. Essas características, associadas a o seu rendimento, fazem desse equipamento um dos mais práticos, sendo largamente utilizado em capturas de dípteros de interesse médico, principalmente culicídeos(GOMES et al., 1985) e flebotomíneos (SILVA et al., 2007). A armadilha HP possui funcionamento e design idêntico à armadilha CDC e sua descrição pode ser encontrada em Pugedo et al. (2005). Figura 18: Desenho esquemático de um aspirador ou tubo de sucção oral. Fonte: Resources Inventory Branch (1998). Modificado. COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIAL ZOOLÓGICO 99 A armadilha tipo CDC funciona com a atração de mosquitos utilizando uma fonte luminosa ligada a pilhas. Os mosquitos são atraídos pela fonte luminosa à armadilha e direcionados por um leve fluxo de ar promovido por um pequeno ventilador de baixa rotação para dentro do saco coletor, feito de tela com malha muito fina, para impedir a saída dos mosquitos. Essa armadilha permite a captura dos indivíduos vivos, sendo, portanto, útil para uma série de pesquisas de enfoques biológicos ou médico-epidemiológicos. 11. Amostragem para mutucas A amostragem de mutucas pode ser realizada de maneira ativa e passiva. A captura ativa consiste no aprisionamento com o auxílio de rede entomológica de indivíduos durante hematofagia em animais ou humanos (BASSI et al., 2000). É importante frisar que esta metodologia permite a captura principalmente de Figura 19: Armadilha tipo CDC, desenvolvida para a amostragem de mosquitos. Fonte: Sudia e Chamberlain (1965). 100 UNIDADE 2 fêmeas, que possuem hábitos hematófagos, enquanto os machos possuem hábitos florícolas ou nectívoros, sendo, por isso, pouco representados nas coleções e a maioria, desconhecidos (KROLOW et al., 2010). É também possível realizar a coleta ativa de dípteros tabanídeos manualmente, colocando o frasco mortífero sobre os espécimes pousados no lençol iluminado com lâmpada de luz mista de vapor de mercúrio de 250 watts e lâmpada BLB de 20 watts, durante coletas noturnas (KROLOW et al., 2010). Um método passivo e bastante utilizado foi descrito por Rafael e Gorayeb (1982), que possui o mesmo princípio da armadilha de Malaise, o de coletar insetos com tendência de subir ao encontrar um obstáculo vertical (RAFAEL, 2002). Esse aparato consiste de três peças principais: 1) septo inferior, que serve como interceptador de voo; 2) cobertura, que deve ser clara para direcionar os insetos para o topo e; 3) frasco coletor, preferencialmente transparente, contendo no seu interior uma substância fixadora ou gás mortífero, no topo da armadilha, onde os insetos ficam temporariamente armazenados (RAFAEL, 2002). O frasco coletor possui externamente uma peça resistente (suporte) com dois orifícios por onde passa a corda que sustentará a armadilha, e fica preso à cobertura por meio de uma braçadeira. A armadilha fica aberta por meio de quatro pedaços de cano PVC de ½ polegada, conectados entre si por joelhos de mesmo diâmetro, formando um quadrado. Os canos são colocados em uma faixa de pano costurada na base da cobertura. Os canos e joelhos podem ser substituídos por varas finas e retas retiradas na mata e amarradas entre si com barbantes. O septo inferior, que pode variar de cor conforme os objetivos do estudo, é amarrado nos cantos dos canos ou varas. Após arremessar uma corda no galho alto de uma árvore, o conjunto é içado pelo frasco coletor (RAFAEL, 2002). Os insetos com características de geotropismo negativo e/ou fototropismo positivo, ao serem interceptados pelos septos das armadilhas, voam para a parte superior, ficando presos no copo coletor e, por fim, morrem por ação do gás mortífero, veneno ou substância fixadora (HENRIQUES, 2004). A vantagem deste tipo de armadilha suspensa é que ela é eficiente para a captura de insetos voadores que habitam preferencialmente a copa das árvores, habitat pouco explorado pelos colecionadores e com poucos representantes nas coleções, podendo ser montada em diferentes alturas, sendo eficiente para a coleta de insetos que voam próximo à superfície da água nos rios e lagos (RAFAEL, 2002). Além disso, não há necessidade de estruturas adicionais, como armações para se elevar a armadilha até a copa, sendo mais eficiente na coleta COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIAL ZOOLÓGICO 101 de Diptera e Hymenoptera. Pode ficar montada por tempo indeterminado, de dia e de noite. É leve e de fácil transporte. O septo inferior pode ser de diferentes cores para funcionar como atrativo (ex.: preto e branco, como utilizado por Henriques (2004)). As coletas com armadilha suspensa podem ser padronizadas facilmente por meio do modelo e estipulando-se a quantidade e o tempo de coleta (RAFAEL, 2002). A eficiência da armadilha suspensa pode ser aumentada com a utilização de atrativos, como o septo inferior colorido (conforme comentado acima) ou, ainda, com a utilização de gás carbônico. Oliveira et al. (2007) utilizaram este gás a uma vazão média de 2 litros por minuto, utilizando um cilindro de CO2, que ficou no solo conectado à armadilha suspensa por um tubo flexível de 5mm de diâmetro (Figura 19). 12. Amostragem de vespas parasitoides A coleta de parasitoides é realizada, de modo geral, com os métodos empregados para outros Hymenoptera, com algumas peculiaridades, devido ao reduzido tamanho de alguns espécimes e à biologia desses himenópteros, que estão associados às fases de desenvolvimento do inseto hospedeiro (QUERINO, 2012). Abaixo são descritos diversos métodos para amostragem de vespas parasitoides. Alguns desses métodos são comentados em outras seções deste capítulo, mas as peculiaridades dos mesmos, que envolvem a amostragem de vespas parasitoides, são comentadas aqui. Coleta direta do parasitoide: É a captura direta do inseto por meio de instrumento manual, como uma pinça ou até mesmo um aspirador entomológico; este pode ser utilizado para coletar pequenos parasitoides que estão em plantas ou outros substratos. É importante conhecer os hábitos e habitats do grupo de parasitoides que se está procurando. Por exemplo: o Ichneumonidae Apechoneura, da subfamília Labeninae, é um espécime grande e pode ser encontrado em áreas de mata preservada próximo a troncos caídos, onde fica à procura de larvas de Coleoptera (QUERINO, 2012). 102 UNIDADE 2 Redes entomológicas: As redes entomológicas (Figura 32) podem ser usadas pelo coletor para capturar insetos em voo, ou parados em substratos, como plantas. São conhecidas diferentes modalidades de redes, dependendo do hábito e do local em que vive o inseto. Assim, redes entomológicas tradicionais são usadas para coletar insetos em voo, sendo conhecidas popularmente como puçá. Ela é constituída de um cabo e um aro de metal coberto com um tecido de malha fina, que forma um funil. O tamanho e o diâmetro da rede dependerão do coletor e de seus objetivos. Muitas vespas parasitoides de tamanho médio a grande podem ser coletadas com redes, como as Braconidae e Ichneumonidae, por exemplo. (QUERINO, 2012). Outra modalidade é a rede de varredura (Figura 33), empregada para varrer a vegetação, o que permite capturar muitos parasitoides de tamanho reduzido que estão presentes na vegetação. Essa rede possui como característica ter o pano mais resistente para suportar o arraste na vegetação, e ter a malha do tecido fechada, permitindo capturar os parasitoides e outros insetos de tamanho reduzido como, por exemplo, os micro-hymenoptera de várias famílias de Chalcidoidea (QUERINO, 2012). Para o ambiente aquático, pode-se usar, ainda, a rede para insetos aquáticos, conhecida como rapiché. É possível, com essa rede, coletar himenópteros associados ao ambiente aquático, principalmente os presentes em plantas aquáticas (QUERINO, 2012). Figura 20: A: Armadilha suspensa instalada a 20 metros do solo; B: Armadilha suspensa e cilindro de dióxido de carbono com registro controlador de vazão. Fonte: Oliveira et al. (2007). COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIAL ZOOLÓGICO 103 Armadilha tipo Malaise: Muitos parasitoides são coletados utilizando a armadilha de malaise. Há uma vasta literatura mostrando sua eficiênciana coleta de Hymenoptera. Por exemplo, Feitosa et al. (2007) analisaram o perfil da fauna de himenópteros, parasitoides coletados com malaise em floresta tropical da Amazônia, e reconheceram 25 famílias entre os mais de 42 mil himenópteros parasitoides amostrados. O princípio utilizado neste método de amostragem (Figura 30- 31) é o de intercepção de voo, em que o inseto em voo, ao ser interceptado pela parede da armadilha, tende a subir, sendo, então, capturado em um copo coletor, que pode ser preenchido com uma solução de água e álcool mais um conservante, ou a seco, geralmente com um inseticida para matar os insetos que caem no copo, o que evita que se debatam e possam danificar os demais insetos coletados (QUERINO, 2012). Bandejas d´água: As bandejas são bastante utilizadas para a coleta de parasitoides. De modo geral, é usada a cor amarela como protocolo adotado pela maioria dos estudos com Hymenoptera. O formato é variado, desde circulares em forma de prato, como retangulares em forma de bandejas (Figura 12). Em cada bandeja é colocada uma solução de água + detergente. Os insetos capturados são retirados e transferidos para frascos com álcool 70% para posterior identificação (QUERINO, 2012). O emprego de bandejas d’água de cores alternativas foi também utilizado para a coleta de grupos específicos: por exemplo, a cor azul é preferencialmente utilizada para coletar um grupo raro de Hymenoptera da família Stephanidae (AGUIAR, E.G; SHARKOV, 1997). O princípio utilizado por este método é a atração física pela cor, sendo o inseto atraído e capturado na solução da bandeja (QUERINO, 2012). Cartões adesivos: Os cartões adesivos amarelos são também utilizados para coletar e monitorar pequenos insetos. Eles também podem ser empregados para a coleta de micro-himenópteros parasitoides. Este método, porém, apresenta desvantagens por requerer cuidado e tempo para retirar os insetos da cola adesiva sem danificá-los (QUERINO, 2012). 104 UNIDADE 2 Armadilha suspensa: Este método é uma adaptação da armadilha de malaise, que é instalada acima do ambiente que se deseja amostrar, por exemplo, em um sub-bosque ou no dossel de árvores, ou sobre um curso d’ água (Figuras 1-3). Ela é constituída de septo inferior para intercepção e recipiente de coleta para a captura de insetos. O princípio utilizado nessa armadilha é o de interceptação de voo e atração, quando o septo é constituído de uma cor atrativa (QUERINO, 2012). Uma das primeiras modificações deste método foi proposta por Rafael e Gorayeb (1982), que utilizaram o septo com cor preta e frasco para coleta a seco com um bastão inseticida em seu interior, sendo que o objetivo desses pesquisadores era, principalmente, a coleta de dípteros hematófagos. Outros trabalhos podem ser encontrados na literatura, como o de Querino et al. (2011), que utilizou armadilhas suspensas com o septo inferior de cor amarela e recipiente de coleta com solução a álcool 80% + glicerina (Figura 20) para coleta de Hymenoptera parasitoides no sub-bosque e dossel em uma reserva florestal na Amazônia. Armadilha de sucção: As armadilhas de sucção são usadas para amostrar a fauna de um local determinado ou de uma área, ou até mesmo de uma planta. Há vários modelos, dependendo do tipo, e podem ser estacionárias ou móveis, como a armadilha de sucção portátil tipo Johnson-taylor (SILVEIRA-NETO et al., 1976). O princípio dessas armadilhas, como o próprio nome indica, é succionar os insetos presentes num determinado ambiente ou área, também considerada, de certa forma, como área de interceptação daqueles insetos que voam no raio da armadilha estacionária e são succionados. Um exemplo de armadilha de sucção estacionária utilizada para coleta parasitoides é o modelo usado por Querino e Zucchi (2004). Nesse trabalho, foi usada uma armadilha de sucção elétrica (Figura 22) que se mostrou útil para a coleta de Trichogramma em áreas onde é difícil localizar os ovos do inseto hospedeiro, e na qual foram coletadas nove espécies desse parasitoide. A armadilha utilizada por Querino e Zucchi (2004) era do modelo da seção de virologia do Instituto Agronômico de Campinas e constituída, basicamente, de exaustor, cone de tela, recipiente de coleta e suporte (SILVEIRA-NETO et al., 1976). COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIAL ZOOLÓGICO 105 Armadilha luminosa: As espécies parasitoides noturnas podem ser coletadas utilizando as armadilhas luminosas. O princípio dessas armadilhas é a interceptação e atração de insetos com hábito noturno pela luz. Há vários tipos de armadilhas luminosas, e as utilizadas com maior frequência são as do tipo Pensylvania e a “Luiz-de-Queiroz” (Figura 9-10) (SILVEIRA-NETO et al., 1976). Muitas vezes, essas armadilhas sofrem modificações para adaptá- las às necessidades de pesquisa da fauna de insetos (QUERINO, 2012). . Figura 21: Armadilha suspensa com anteparo atrativo de cor amarela para a amostragem de himenópteros. Fonte: Querino (2012). Figura 22: Armadilha de sucção elétrica (estacionária), modelo da seção de virologia do Instituto Agronômico de Campinas. Fonte: Querino e Zucchi (2004) 106 UNIDADE 2 13. Coleta manual Este método também é conhecido como coleta ativa, e pode ser realizado tanto à noite quanto durante o dia. Na amostragem de aracnídeos, convencionou-se realizar esta metodologia em um espaço de 300m² para promover uma padronização maior do esforço amostral. Neste caso, durante o dia, o coletor estende cordões de 30 metros de comprimento no local onde a coleta (diurna ou noturna) será realizada, retornando, posteriormente, para realizar a amostragem em até 5 metros a partir do fio-guia. Para a amostragem de escorpiões, pode ainda ser necessária a utilização de lanternas com lâmpadas de luz ultravioleta, que facilitam a visualização desses animais à noite, maximizando o esforço amostral. Todos os indivíduos encontrados durante cada hora de coleta contínua pelo mesmo coletor devem ser considerados uma amostra. Durante a realização desse protocolo amostral, o coletor caminha vagarosamente pela área de estudo, procurando ativamente em locais de possível ocorrência dos animais desejados, como sob ou sobre pedras e troncos caídos, na vegetação, sobre o solo, entre o folhiço etc., tentando acessar o maior número de micro-hábitats possíveis. Este método é idêntico à junção dos métodos looking up e looking down, descritos por Coddington et al. (1991). O coletor deve levar consigo os equipamentos necessários para realizar a captura dos indivíduos encontrados, tais como pinças entomológicas ou pinças grandes (para animais maiores, como caranguejeiras), frascos mortíferos (para insetos, por exemplo) etc. 14. Ecletor de tronco e de solo Esta metodologia é utilizada para a amostragem de artrópodes que vivem em troncos de árvores (ecletor de tronco) ou solo (ecletor de solo), e segue um princípio semelhante ao de armadilhas de interceptação e de queda ou armadilhas de queda, em que um obstáculo é colocado no caminho por onde os animais vivem, levando-os a um pote coletor contendo líquido mortífero (álcool 70%, por exemplo). Os ecletores de solo são ainda muito semelhantes aos aparatos descritos para a coleta de flebotomíneos (armadilha de emergência). A utilização de ecletores de troncos é também importante, visto que os troncos de árvores representam uma importante característica estrutural de ecossistemas florestais, pois eles são um importante elo entre o chão e o dossel da floresta (MOEED; MEADS, 1983). Para uma descrição detalhada de um modelo de lanterna com luz ultravioleta específico para a amostragem de escorpiões, ver Lowe et al. (2003). Para uma descrição mais detalhada desses métodos, ver Coddington et al. (1991) e Brescovit et al. (2002, 2004). COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIAL ZOOLÓGICO 107 Essas armadilhas podem ser instaladas a diferentes alturas nas árvores. O modelo apresentado porPinotti (2010), e que foi modificado de BAR-NESS (2005), é confeccionado com duas garrafas PET (2, 2,5 ou 3 litros), lavadas com água e sabão, unidas boca com boca, uma delas cortada em forma de funil e a outra preenchida com 200ml de formol 5%, fixadas ao tronco de árvores com 35 a 45cm de circunferência a aproximadamente 50cm acima do solo (Figura 23). Pinzón e Spence (2008) desenvolveram também outros dois modelos de ecletores de tronco, comparando a sua eficiência. O primeiro modelo (Figura 24A) foi construído invertendo-se garradas PET de 2 litros (11,1cm de diâmetro) com o fundo removido. Estas foram grampeadas na superfície das árvores a serem amostradas. O segundo modelo (Figura 24B) consistiu em placas de plástico resistente de 20cm x 20cm, grampeadas nas árvores a serem amostradas, e um copo de 4cm de diâmetro foi instalado em um buraco feito na placa de plástico. Para manter a posição dessa armadilha perpendicular à árvore, um cordão foi amarrado na borda da placa e grampeado na árvore. Uma faixa de plástico de 5m x 20cm foi colocada em cada lado das armadilhas de ambos os formatos, agindo como uma cerca-guia para direcionar os artrópodes para dentro da armadilha. Todas as armadilhas foram instaladas em árvores com diâmetros à altura do peito (DAP), a 2m de altura. O líquido mortífero utilizado nas armadilhas foi etileno-glicol, livre de silicatos em ambos os tipos de armadilhas. Figura 23: Desenho esquemático do modelo de armadilha tipo ecletor de tronco, utilizado por PINOTTI (2010), modificado a partir de BAR-NESS (2005). Fonte: Elaborada pelos(a) autores(a). 108 UNIDADE 2 Os autores concluíram que a utilização das armadilhas com garrafas PET apresenta um custo-benefício maior que aquelas com copos, visto que as armadilhas com garrafas PET são mais fáceis de transportar e instalar, e ainda capturaram mais aranhas por armadilha, além de um número maior de espécies (PINZÓN; SPENCE, 2008). O ecletor de solo, como já comentado anteriormente, assemelha-se à armadilha de emergência para a coleta de flebotomíneos. Essa armadilha foi originalmente descrita como fotoecletor de solo por Funke (1971). No trabalho de Raizer (2004), foi utilizado um modelo de ecletor de solo (Figura 25A) modificado a partir de Funker (1971), em que o aparato foi confeccionado com a forma cônica e com uma abertura localizada na região da ponta do funil, considerada a parte superior da armadilha. Nesta região, instalou-se um recipiente com líquido conservante (três partes de álcool a 70% para uma de formol a 10% e algumas gotas de detergente líquido) para manter os animais coletados. A abertura maior do funil (75cm de diâmetro) ficava em contato com o solo e isolava a fauna do lado exterior, mas coletava toda a fauna que estava no interior do funil. Neste Figura 24: Armadilhas de queda para tronco. A: modelo de armadilha com garrafa; B: modelo de armadilha com copo. Fonte: Pinzón e Spence (2008). COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIAL ZOOLÓGICO 109 mesmo trabalho, os ecletores ficaram armados por 30 dias consecutivos e o conjunto dos indivíduos coletados através desta metodologia em cada ecletor foi considerado uma amostra (RAIZER, 2004). Raizer (2004) utilizou um modelo de ecletor de tronco (Figura 25B) que também foi modificado a partir do desenho original de fotoecletores de tronco de Funke (1971). Esse aparato obedecia ao padrão de funil descrito para a armadilha anterior (ecletor de solo), porém, envolvia o tronco de uma árvore. Tinha a sua abertura maior dirigida para baixo para capturar animais que migravam subindo o tronco. Cada ecletor foi fixado em uma árvore, ao acaso, a uma altura de aproximadamente 2,5m. O local dos ecletores não mudou durante os períodos de coletas e o material coletado era retirado ao final de cada mês. 15. Extrator de Winkler Esta técnica amostra animais que vivem em serapilheira: besouros (larvas e adultos); anelídeos; isópodes (tatuzinhos-de-jardim); cupins; adultos e larvas de himenópteros (formigas e outros); dípteros (adultos e larvas); larvas de lepidópteros; hemípteros; aracnídeos; quilópodes; diplópodes; colêmbolos e moluscos (lesmas e caracóis). O extrator de Winkler funciona através de dois mecanismos: (a) atividade locomotora aleatória dos organismos – ao mover-se através do substrato na rede perfurada de contenção (descrita abaixo), os organismos acidentalmente caem da rede se eles alcançarem a borda do substrato; (b) dessecação do substrato – quando o microclima no substrato se torna desfavorável, os organismos Figura 25: Modelos de ecletores de solo (A) e de tronco (B), utilizados por RAIZER (2004) e desenvolvidos a partir de modificações dos modelos propostos pode FUNKER (1971). Fonte: Raizer (2004). Modificado. 110 UNIDADE 2 deixam o substrato intencionalmente. O método tem a vantagem de possuir pouquíssimos requisitos metodológicos e técnicos, sendo, portanto, fácil e efetivamente aplicável por todo o mundo, mesmo em regiões remotas onde não há eletricidade e infraestrutura disponível (KRELL et al., 2005). Considerando-se que este método funciona através de um dessecamento do substrato, conforme comentado acima, Delsinne e Arias-Penna (2012) testaram o efeito da umidade da serapilheira na amostragem de formigas. Esses autores concluíram que a umidade da serapilheira afeta negativamente a amostragem desses animais, e que um aumento no tempo da amostragem para tentar compensar uma umidade maior não apresenta um custo-benefício aceitável. Para a aplicação desta metodologia, coleta-se 1m² de material particulado de serapilheira, concentrado com auxílio de peneira de metal com malha de 0,5cm (Figura 26-27). O material peneirado é levado ao laboratório, onde é acondicionado em uma rede de contenção de tecido perfurado, de 40 cm de comprimento por 20 cm de largura, com malha de 4mm². Cada rede acomoda cerca de 600g de material particulado. A rede contendo o material peneirado é suspensa dentro de uma armação de metal, revestida por tecido resistente. A parte superior do extrator é vedada e pendurada por uma corda. Na parte inferior do extrator, acopla-se um pote de plástico com líquido mortífero (álcool 70-80%, por exemplo). As armadilhas devem ficar armadas por um período de pelo menos 48h, e o conjunto de indivíduos coletados, correspondente a 1m² de serapilheira concentrada e exposta no extrator pelo seu período total de funcionamento, é considerado uma amostra. A utilização deste método de amostragem é extremamente útil em inventários de biodiversidade de artrópodes de solo, visto que a unidade amostral é facilmente replicável, e diversas amostras podem ser realizadas sem haver acréscimo de custos com material de consumo (ex.: pilhas ou plásticos descartáveis). O único problema relacionado à aplicação desta metodologia é que cada armadilha fica utilizada por um longo período para produzir uma única amostra, demandando muito tempo em campo. Sobre a eficiência deste método de amostragem, de acordo com o tempo de funcionamento da armadilha, Krell et al. (2005) realizaram um experimento para testar esta eficiência em um período que variou de 3 horas a 7 semanas. Eles concluíram que, se for objetivo da pesquisa registrar mais que 70% dos espécimes presente nas amostras de solo/serapilheira, é preciso escolher os seguintes períodos de extração para os diferentes grupos (valores entre parênteses representam o tempo para a captura de 50% dos espécimes): COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIAL ZOOLÓGICO 111 Formicidae, 2 dias (1 dia); Coleoptera adultos, 3 dias (2 dias); larvas de Coleoptera, 12 dias (3 dias); larvas de Lepidoptera, 6 dias (3 dias); Diptera, 12 dias (5 dias); Hemiptera, 9 dias (5 dias); Hymenoptera, (exceto formigas), 3 semanas (12 dias); Arachnida, 9 dias (3 dias); Diplopoda, 18 dias (4 dias); Chilopoda, 4 semanas (3 semanas); Oligochaeta, 3 semanas (15 dias). Além disto, mais que 50% dos Mollusca e Isopoda são extraídosdepois de 12 dias e 3 semanas, respectivamente (KRELL et al., 2005). No entanto, mesmo que para amostrar grande parte do número de indivíduos, Krell et al. (2005) recomendem períodos de até algumas semanas para determinados táxons, esses mesmos autores comentam que para o registro acurado da visão geral da fauna de solo e serapilheira em determinado Figura 26: Desenho esquemático de equipamentos utilizados para a amostragem com extrator de Winkler. A: Peneira; B: Winkler. Fonte: Elaborada pelos(a) autores(a). Figura 27: Etapas da amostragem com extrator de Winkler. A: delimitação de quadrante de 1m²; B: quadrante de 1m² quase completamente já peneirado. Fonte: Elaborada pelos(a) autores(a). 112 UNIDADE 2 momento, períodos de extração mais curtos são aconselháveis, devido ao curto ciclo de vida de muitos invertebrados de solo, causando a emergência de estágios tardios ou uma segunda geração em períodos maiores. Na comparação da eficiência deste método com armadilhas de queda e funil de Berlese, os resultados encontrados na literatura são divergentes. Sabu e Shiju (2010) realizaram essa comparação em uma floresta decídua úmida na Índia e concluíram que o total do número de artrópodes coletados com o Winkler foi mais baixo que o funil de Berlese, e muitos grupos capturados com esta última metodologia nem foram capturados com o extrator de Winkler. Esses mesmos autores concluem que o custo-benefício de uma amostragem com o extrator de Winkler é aceitável para obter-se Coleoptera, Acariformes e Formicidae de serapilheira, para o qual este é um método reconhecidamente efetivo (ver referências em Sabu; Shiju, 2010), embora não seja um método adequado a estudos ecológicos envolvendo diversos grupos de artrópodes. De maneira oposta, Sabu et al. (2011), ao realizarem uma amostragem de artrópodes de serapilheira utilizando armadilhas de queda, extratores de Winkler e funis de Berlese, em uma área de floresta tropical de altitude (floresta montana), concluíram que o extrator de Winkler foi o método mais eficiente para a amostragem quantitativa de diversos grupos de artrópodes, especialmente Psocoptera, Araneae, Isopoda e Formicidae. 16. Funil de Berlese-Tullgren Este método é empregado principalmente para a amostragem de mesofauna de solo, que inclui os ácaros (Acari), aranhas (Araneae), colêmbolos (Collembola), sínfilos (Symphyla), e insetos de várias ordens, entre outros Figura 28: Etapas da amostragem com extrator de Winkler. A: Pesquisador peneirando a serapilheira; B: Pesquisador colocando serapilheira peneirada em saco para transporte; C: Tela com malha de 0,4 cm² para acondicionamento de serapilheira peneirada; D: Extratores de Winkler armados. Fonte: Elaborada pelos(a) autores(a). COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIAL ZOOLÓGICO 113 (AQUINO et al., 2006). Um dos métodos mais utilizados para a amostragem dessa fauna é o aparato modificado de Tullgren, baseado no funil de Berlese, frequentemente denominado de funil de Berlese-Tullgren (LASEBIKAN, 1974). A descrição de um aparato de funil de Berlese-Tullgren é apresentado por Aquino et al. (2006), em que são utilizados: uma lâmpada de 25W, como fonte de calor; um container, receptor das amostras de solo, com 9cm de altura e 13cm de diâmetro, contendo uma peneira com malha de 2mm soldada no fundo, confeccionado com alumínio ou aço inoxidável; um funil com tubo coletor com ângulo de 60o, confeccionado com alumínio ou aço inoxidável; e um frasco plástico de 100mL contendo álcool 70-80% como solução preservativa (Figura 28). A amostra de serapilheira ou de solo é acondicionada no container, abaixo do qual há um funil que direciona os insetos para dentro do frasco coletor. A amostra é submetida à luz e ao calor por um período de tempo variável (à critério do coletor), para criar um gradiente de temperatura e umidade. Os microartrópodes reagem ao calor movendo-se para baixo e caindo no frasco contendo solução preservativa (AQUINO et al., 2006). As principais vantagens desse método são: alta eficiência de extração para microartrópodes e pouca necessidade de mão-de-obra para a amostragem e extração. Como a amostragem é muito simples e rápida, é possível coletar um grande número de amostras em poucas horas. Como o padrão de atividade dos microartrópodes varia ao longo do dia, em função da temperatura e da umidade, em uma coleta demorada pode-se ter um efeito sobre as densidades não só relativo aos tratamentos, mas também ao período do dia. Como desvantagens tem-se: a impossibilidade de recuperação de formas inativas; baixa eficiência de extração para alguns grupos taxonômicos; dificuldade de acondicionamento de solos arenosos nos containers; o consumo de energia e limitação do número de tratamentos e repetições em função do número de extratores disponíveis, já que para cada ponto de coleta são necessários dois funis extratores, um para a serapilheira e outro para o solo (AQUINO et al., 2006). 114 UNIDADE 2 Em comparações recentes sobre a eficiência de métodos de coleta de artrópdes de serapilheira, assim como comentado para extrator de Winkler, este método apresenta resultados discrepantes. Sabu e Shiju (2010), durante uma floresta decídua úmida na Índia, comparando amostragem de artrópodes de serapilheira com armadilhas de queda, extrator de Winkler e funils de Berlese, concluíram que, para a realização de medidas quantitativas, o método de amostragem com funil de Berlese é melhor do que os outros dois, sendo muito eficiente na amostragem de Psocoptera, formas larvais de insetos e Acariformes. Por outro lado, Sabu et al. (2011), ao realizarem uma amostragem de artrópodes de serapilheira utilizando esses mesmos três métodos, em uma área de floresta tropical de altitude (floresta montana), concluíram que o funil de Berlese foi o melhor método apenas para a amostragem de larvas de insetos, Acari, Collembola e Chilopoda. No entanto, esses mesmos autores afirmam que a utilização desta metodologia não é adequada para a realização de estudos ecológicos envolvendo diversos grupos de artrópodes ou para outros táxons, pois o tempo gasto na triagem das amostras é muito maior que aquele despendido na triagem de amostras realizadas com extrator de Winkler. 17. Guarda-chuva entomológico Este é um método ativo de coleta em que o pesquisador utiliza um aparato formado com um quadrado de pano branco com 0,8m x 0,8m, fixado Figura 29: Amostragem com funil de Berlese-Tullgren. (A) Extratores em funcionamento indicando a submissão das amostras à luz e ao calor por sete dias para criar um gradiente de temperatura e umidade; (B) Detalhes do armário que contém os extratores de Berlese- Tullgren. Fonte: Aquino et al. (2006). COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIAL ZOOLÓGICO 115 pelos vértices em dois cabos cruzados, presos entre si no centro, denominado guarda-chuva entomológico (GCE). O guarda-chuva é colocado sob os ramos das árvores e arbustos, os quais são agitados com um bastão, de forma que os animais caiam sobre o instrumento, onde são capturados pelo pesquisador (Figura 30). O conjunto de todos os indivíduos coletados por determinado coletor, durante uma hora contínua de amostragem, é considerada uma unidade amostral. Este método permite a coleta de grande número de indivíduos de insetos de diversas ordens e aracnídeos. 18. Lençol de luz A atração por luz é um método muito eficiente para a amostragem de insetos noturnos (mariposas, besouros, moscas, percevejos e himenópteros, entre outros), como já demonstrado em diversos aparatos descritos neste capítulo. Um método direto de explorar se este atrativo é utilizar um lençol ou qualquer tecido, preferencialmente branco, pendurado ao ar livre, à noite, com uma fonte de luz apropriada ou uma combinação de fontes, como tubos de luz ultravioleta, lanternas à gasolina ou faróis de carros colocados próximos ao lençol. Os insetos são atraídos e pousam no lençol, onde são facilmente Figura30: Pesquisador realizando amostragem com guarda-chuva entomológico. Fonte: Elaborada pelos(a) autores(a). 116 UNIDADE 2 capturados com frascos mortíferos (com cianeto ou acetato de etila) ou potes, pelo coletor (SCHAUFF, 2004). O lençol pode ser preso em duas árvores ou esticado ao lado de uma construção, com a borda inferior espalhada no chão, sob a luz. Alguns coletores usam suportes na borda inferior do lençol para mantê-lo alguns centímetros acima do solo e garantir que nenhum inseto do chão suba no lençol. Outro coletores dobram a borda inferior para formar uma calha na qual os insetos possam cair quando baterem no lençol (SCHAUFF, 2004). Este método é ideal para coletar mariposas em perfeitas condições ou para obtê-las vivas para fins de reprodução ou criação. Sua desvantagem é que as espécies que só saem para voo tardiamente na noite ou apenas nas primeiras horas do dia dificilmente são capturadas, exceto se o coletor estiver preparado para passar a maior parte da noite no lençol (SCHAUFF, 2004). É importante ressaltar que as fases da lua podem influenciar a atração de insetos por luzes artificiais. Uma lua brilhante pode competir com a fonte de luz, resultando em uma captura reduzida. O melhor período para coleta em cada mês estende se a partir da quinta noite após a lua cheia até quase uma semana antes da próxima lua cheia (SCHAUFF, 2004). 19. Malaise (armadilha de interceptação de voo) Esta armadilha é também chamada de armadilha de interceptação de voo e baseia-se no princípio de coletar insetos com tendência de subir ao encontrar um obstáculo vertical, assim como as armadilhas suspensas desenvolvidas por Rafael e Gorayeb (1982) para a amostragem de tabanídeos que, na verdade, constituem uma modificação da armadilha tipo Malaise, desenvolvida por Malaise (1937). Atualmente, todas as armadilhas do tipo tenda, que coletam insetos que apresentam tendência de subir quando encontram um obstáculo vertical, são conhecidas como armadilhas Malaise, em homenagem ao himenopterólogo sueco René Malaise, inventor dessa armadilha. O aparato consiste de uma tenda aberta com um septo (ou mais septos, no caso de armadilha multidirecional) no meio, preferencialmente de cor escura; uma cobertura inclinada, de cor clara, para direcionar os insetos ao frasco coletor; este deve ser total ou parcialmente transparente e situado na parte mais alta, contendo no seu interior uma substância fixadora ou gás mortífero; este último, para coleta a seco (RAFAEL, 2002). O contraste de cor entre a parte inferior e a parte superior é importante para induzir os insetos a subirem, à procura de luz. COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIAL ZOOLÓGICO 117 Essas armadilhas são construídas com tecido fino e leve, com amarradouros reforçados nas extremidades. O frasco coletor é preso ao tecido através de uma braçadeira. As armadilhas são facilmente montadas através de cordas, que partem das extremidades do tecido e podem ser amarradas em estacas, galhos, troncos ou raízes da vegetação (Figuras 31-32). São excelentes para captura de insetos voadores, especialmente Diptera e Hymenoptera. Podem ficar montadas por tempo indeterminado, de dia e de noite (RAFAEL, 2002). As desvantagens das armadilhas tipo Malaise é que estas são seletivas. Insetos de voo fraco ou que fecham as asas ao encontrar um obstáculo e caem, como os coleópteros, por exemplo, dificilmente são coletados. As coletas com estas armadilhas podem ser padronizadas facilmente por meio de modelos comerciais, e estipulando-se a quantidade e o tempo de coleta (RAFAEL, 2002). Vale ressaltar que a armadilha Malaise é uma das mais difundidas e o seu desenho, tamanho das malhas e local onde são colocadas, interferem significativamente no resultado das coletas (DARLING; PACKER, 1988). Para aumentar o número de insetos coletados, recomenda-se montar a armadilha transversalmente a caminhos naturais (sobre riachos) ou artificiais (picadas, estradas), a onde os insetos com voos mais fortes preferem voar (Figura 31). Em áreas abertas, montar preferencialmente em sentido transversal ao do vento. Em áreas fechadas, de floresta, orientar o frasco coletor no sentido de maior luminosidade (RAFAEL, 2002). Figura 31: Desenho esquemático de uma armadilha tipo Malaise. Fonte: Resources Inventory Branch (1998). Modificado. 118 UNIDADE 2 20. Rede de plâncton Como os organismos zooplanctônicos vivem dispersos na coluna d'água, sua coleta, quase sempre, envolve concentração prévia por meio de algum tipo de filtragem. Como todo processo de amostragem, tais coletas devem ser realizadas com réplicas para que se possa oferecer estimativa da eficácia amostral. Vários métodos têm sido usados para a coleta de organismos zooplanctônicos, como as redes de plâncton (BICUDO; BICUDO, 2007). Esta é a forma mais antiga e mais comum atualmente de coletar plâncton. Há vários tipos de redes, e as principais variações estão relacionadas ao diâmetro da boca de rede, a forma do cone de filtragem, a abertura de malha empregada e ao copo coletor. Trata-se de um método cuja eficiência de amostragem é muito variável (BICUDO; BICUDO, 2007). O volume matematicamente calculado de água filtrada, relacionando- se às dimensões da rede, nem sempre corresponde, exatamente, ao que foi efetivamente filtrado, uma vez que as redes sofrem colmatagem de seus poros à medida que vão atravessando a coluna d'água (BICUDO; BICUDO, 2007). O grau de colmatagem pode variar de acordo com as condições da água e a forma pela qual ela é operada. Segundo Tranter e Heron (1965, 1967), as redes mais eficientes devem ser dotadas de cone redutor, e a área de filtragem deve ser, aproximadamente, três vezes maior do que a área da boca da rede. Normalmente, desaconselha- se o uso de redes para amostragens qualitativas em lagos com elevada turbidez (BICUDO; BICUDO, 2007). Figura 32: Armadilha tipo Malaise instalada sobre riacho. Fonte: Elaborada pelos(a) autores(a). COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIAL ZOOLÓGICO 119 O tipo de tela empregada tem efeito marcante na seletividade e eficiência da rede. As melhores redes possuem gaze de náilon do tipo monofilamento. Esse tipo de tela também apresenta grande durabilidade e boa resistência à colmatagem, já que a uniformidade das fibras favorece sua autolimpeza durante o processo de filtragem (BICUDO; BICUDO, 2007). Telas de seda natural foram as primeiras a ser utilizadas, mas elas apresentam muitas irregularidades nas fibras e, em decorrência, os poros não são uniformes (DE BERNARDI, 1984). O tamanho dos poros pode variar de 0,01 a 1mm. Eismont-Karabin (1978) alerta, contudo, que o uso de poros muito pequenos não garante boa eficiência. Pelo contrário, redes com dimensões de poro iguais ou menores do que 20µm não são capazes de coletar eficientemente rotíferos. Normalmente, os programas de amostragem de zooplâncton regulares devem considerar dois tamanhos distintos de poros (BICUDO; BICUDO, 2007). Para o microzooplâncton (organismos menores do que 200 µm), sugere-se uso de redes na faixa de 50-65µm, e para organismos mesozooplanctônicos (>200µm), sugere-se a adoção de redes com poros na faixa de 120-160 µm. Essa recomendação resulta do fato de que os organismos têm diferentes dimensões Iineares (antero-posterior versus laterais), além de poderem se curvar e se contrair em decorrência das ondas de pressão durante a filtragem. Por exemplo, uma larva de copépode, com mais de 400µm de comprimento, poderá passar através de rede de 200µm de abertura de malha, dependendo da posição e de sua reação no momento em que tocar a rede (BICUDO; BICUDO, 2007). O copo coletor das redes é um acessório que influencia muito a eficiência do aparato como um todo. Normalmente, ele deve ser dotado de áreas laterais forradas com a mesma rede utilizada no cone e de abertura inferior, por onde serão coletados os organismos. O uso de coletores sem tais características irá impedir que organismos eventualmenteaderidos ao tecido da rede sejam lavados de modo eficaz ao final do arrasto (BICUDO; BICUDO, 2007). Normalmente, as redes obtêm maiores eficiências quando são desenhadas especificamente para o ambiente onde serão operadas. Assim, um lago eutrófico, dominado por pequenos organismos, poderá ser convenientemente amostrado utilizando rede pequena com diâmetro entre 20-40cm e abertura de malha por volta de 70µm, desde que os arrastos sejam relativamente pequenos para que a rede não fique colmatada. Para um lago oligotrófico, entretanto, dominado por grandes cladóceros e calanoides, recomenda-se uso de redes maiores, com diâmetro de 60-80cm e abertura de malha da ordem de 200µm (BICUDO; BICUDO, 2007). 120 UNIDADE 2 Um dos maiores problemas relacionados ao uso das redes é que não se podem estudar seções individualizadas da coluna d'água. Isto é particularmente relevante no caso do zooplâncton que, em muitos casos, apresenta deslocamento conspícuo, ou seja, migração vertical diurna. Assim, foram desenvolvidas redes especiais dotadas de mecanismos que permitem abertura e fechamento do cone coletor em determinadas profundidades. Na maioria dos casos, esse mecanismo é acionado por mensageiros. Ha dois tipos dessas redes, a de Nansen e o planctonômetro (BICUDO; BICUDO, 2007). Rede de Nansen: Estas são redes tradicionais dotadas de mecanismo de trava que, ao ser acionado por mensageiro, impede que a rede continue a filtrar. Embora seja muito fácil de operar, a rede de Nansen apresenta os mesmos inconvenientes de toda rede de plâncton, sendo o principal deles a inexistência de mecanismo medidor do volume filtrado (BICUDO; BICUDO, 2007). Planctonômetro: Estas são redes de plâncton acopladas a uma seção cilíndrica de metal onde há um mecanismo de abertura e fechamento comandado por mensageiro. Na parte metálica, comumente há um medidor de fluxo que permite determinar, com precisão, o volume efetivamente filtrado. O planctonômetro mais conhecido é o de Clarke-Bumpus (DE BERNARDI, 1984). Este é o equipamento preferido para amostragern de zooplâncton em grandes sistemas lacustres e em áreas oceânicas, principalmente por ser muito eficiente na coleta de organismos de médio e grande porte. Apresenta o inconveniente de ser muito pesado, sendo usualmente operado por guinchos elétricos ou hidráulicos fixados a embarcações. Os planctonômetros e alguns tipos de redes podem ser utilizados em arrastos horizontais a diferentes profundidades se o aparato for dotado de pesos ou lastros posicionados adequadamente. A embarcação deve mover-se com velocidade constante, entre 50 e 125 m.s-1 (BICUDO; BICUDO, 2007). 21. Rede entomológica e de varredura Muitos insetos são fitófagos e, portanto, estão quase sempre em contato direto com a vegetação, ou usam as plantas como local de pouso. Dependendo do local e da época do ano, a vegetação (isto é, a folhagem da vegetação) COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIAL ZOOLÓGICO 121 corresponde ao micro-habitat que talvez abrigue, individualmente, a maior diversidade de insetos (ALMEIDA et al., 1998). De fato, é possível encontrar espécies da maior parte das ordens pousadas na vegetação ou efetivamente utilizando-a como fonte de alimento. Isso inclui muitas espécies de inúmeras famílias de Coleoptera (ex.: Curculionidae e Chrysomelidae); Diptera; (ex.: Otitidae e Agromyzidae); Hymenoptera (ex.: Apidae e Vespidae); Hemiptera (Reduviidae e Pentatomidae); Homoptera (Aphidae e Membracidae); além de grilos (Ensifera: Gryllidae) e gafanhotos (Caelifera: Acrididae), entre outros táxons (ALMEIDA et al., 1998). A vegetação é ainda utilizada por diversos táxons de animais predadores, incluindo Neuroptera (Chrysopidae) e Diptera (Asilidae e Pipunculidae), entre os insetos; e ainda, diversos grupos de aracnídeos, como escorpiões, aranhas, ácaros e opiliões. Deste modo, de acordo com o objetivo de cada pesquisa, a coleta direta na vegetação é uma excelente alternativa, e o uso de redes de varredura ou entomológica é recomendável (ALMEIDA et al., 1998). As redes entomológicas (Figura 33A) são constituídas por um aro de arame resistente de dimensões variáveis. Uma rede pode ter 30cm de diâmetro, com duas hastes retas de 7 e 8cm (Figura 33B), que são encaixadas em sulcos feitos em cada um dos lados de um cabo de madeira (ALMEIDA et al., 1998). A rede propriamente dita é confeccionada com tela fina de náilon ou filó, que deve ser consturada em forma de saco, com 60cm de comprimento, 50cm de largura (Figura 33C) e borda reforçada por morim ou, de preferência, lona, por onde passará o aro de arame. Para a fixação das hastes do aro nos sulcos do cabo de madeira, utiliza-se uma manga de PVC, uma colar de metal ou um arame enrolado (Figura 33D) (ALMEIDA et al., 1998). A rede entomológica para a captura de borboletas e libélulas pode ser igual à descrita acima, tendo como modificação principal as medidas do aro do arame, do saco de filó e do cabo. O tamanho ideal para esse tipo de rede é de 40cm de diâmetro e 80cm de comprimento. O cabo deve ser longo e pode ser feito de maneira a possuir duas ou mais partes que se encaixam (telescopadas), ou à base de rosca e contra-rosca (ALMEIDA et al., 1998). Para a coleta de borboletas, o vidro letal não deve ser utilizado, mesmo que este seja grande, pois as asas podem se quebrar e haver perda das escamas, inutilizando o material. Borboletas e mariposas devem ser mortas ainda dentro da rede, apertando-se o tórax lateralmente, à altura do segundo par de pernas, utilizando-se os dedos indicador e polegar (ALMEIDA et al., 1998). Para a rede de varredura, utiliza-se a mesma estrutura, substituindo-se o saco de filó ou náilon por um tecido mais resistente, como o morim. Este tipo 122 UNIDADE 2 de rede é utilizado para artrópodes que vivem na vegetação rasteira (ALMEIDA et al., 1998). Diferentemente da rede entomológica normal, que é usada para coletar um inseto durante o voo, a rede de varredura é usada para bater diretamente na folhagem (Figura 33). O tecido da rede deve, portanto, ser mais grosso, para resistir a perfurações que poderiam ser causadas pelos galhos das plantas rasteiras (ALMEIDA et al., 1998). A rede de varredura deve ser utilizada de forma a varrer toda a fauna de artrópodes que se encontra na vegetação (Figura 34). Todo o material coletado (insetos, aracnídeos e pedaços de plantas) pode ser recolhido em sacos plásticos contendo um chumaço de algodão embebido em acetato de etila. A separação dos artrópodes, às vezes trabalhosa, é feita na volta ao laboratório (ALMEIDA et al., 1998). 22. Redes para coleta aquática Embora a maioria dos insetos seja terrestre, há formas imaturas de muitos grupos e adultos de outros que vivem em ambientes aquáticos. A maioria dos insetos aquáticos está restrita à água-doce, mas há alguns grupos que vivem em águas estuarinas, e outros poucos em lagoas e poças salinas ou em pequenas Figura 33: Rede entomológica ou de varredura. A. Rede; B. Aro de metal; C. Molde da rede; D. Tipos de encaixe para o cabo de madeira. Fonte: Almeida et al. (1998). COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIAL ZOOLÓGICO 123 profundidades no mar. As técnicas com a rede aquática são recomendadas em todos esses casos (ALMEIDA et al., 1998). As redes para coleta aquática são utilizadas, especialmente, nas coletas de formas imaturas de mosquitos, libélulas, megalópteros etc.; e de formas adultas aquáticas (alguns percevejos e besouros), em riachos e lagos. A boca pode ser quadrada ou com formato de um “D”. Seu uso é semelhante ao de uma rede entomológica normal, mas deve ser mais curta e confeccionada com tecido de malha que permita a passagem da água. Pode-se, utilizar, também um coador de náilon ou metal, como uma peneira de cozinha. Em ambos os casos, utiliza-se um cabo de madeira longo, como utilizado em vassouras (ALMEIDA et al., 1998). Como este é um método ativo de amostragem, a padronização do esforço amostralpode ser realizada em unidade de tempo (horas, por exemplo) ou de vezes em que a rede é utilizada. 24. Termonebulizador de copa Este método, também conhecido por canopy fogging, é uma técnica passiva de coleta empregada para a amostragem de artrópodes habitantes dos Figura 34: Pesquisador realizando amostragem da fauna de artrópodes em vegetação rasteira com o uso de uma rede de varredura. Fonte: Elaborada pelos(a) autores(a). 124 UNIDADE 2 estratos superiores da vegetação, especialmente o dossel de grandes árvores. Para isto, utiliza-se um equipamento denominado termonebulizador, que possui uma bateria de 6 volts para iniciar o seu funcionamento e um motor de 24cv para produzir a termonebulização. A fumaça produzida com a termonebulização pode ser direcionada a partir do solo em direção às copas das árvores, quando a armadilha estiver em posse do coletor; ou pode ser direcionada diretamente às copas das árvores, elevando-se a armadilha com o auxílio de uma corda. Neste último caso, utiliza- se um controle remoto para ligar e desligar o equipamento. Para que haja a coleta de artrópodes, emprega-se um piretroide sintético não residual (inseticida), diluído em óleo diesel a uma concentração de 10%, e permetrina (100 ml) como princípio ativo para maximizar o efeito de queda (knock down) sobre o organismos. Para a captura dos indivíduos mortos com a ação dos venenos empregados, utilizam-se anteparos de pano, preferencialmente branco, para facilitar a visualização dos indivíduos. Esses panos devem ser dispostos no local de coleta antes da aplicação do veneno. Podem-se utilizar anteparos de pano com formatos cônicos ou retangulares, e cada unidade amostral a ser considerada para inventários de biodiversidade deve ser o conjunto de todos os indivíduos coletados em todos os anteparos instalados em determinada aplicação de veneno. Neste caso, devido à proximidade entre os anteparos, considerar o material capturado em cada anteparo como amostras distintas poderia ser considerado um caso de pseudoreplicação espacial. Batirolla et al. (2004) utilizou funis de 1m de diâmetro para a realização de um estudo sobre a ecologia de comunidade de aranhas de Attalea phalerata Mart. (Arecaceae) (Figura 35), e como produto nebulizado, empregou Lambdacialotrina a 0,5% (Icon®), um piretroide sintético não residual, diluído em óleo diesel a uma concentração de 1%, e associado ao sinergista (DDVP 0,1%), para aumentar o efeito de queda sobre os organismos, diminuindo o seu deslocamento. Diferentemente, Costa et al. (2010) utilizou anteparos de 1,5 x 4 metros para capturar os indivíduos que caíram das copas das árvores após a aplicação da nebulização (Figura 36). COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIAL ZOOLÓGICO 125 Em ambos os trabalhos, a realização da nebulização ocorreu no período da manhã, devido a uma circulação de ar menos intensa, permitindo que a nuvem de inseticida subisse vagarosamente através do dossel, conforme proposto por Adis et al. (1998). Figura 35: Nebulização da copa de Attalea phalerata Mart. (Arecaceae), para a coleta de Araneae durante o período de cheia no Pantanal matogrossense. Fonte: Batirolla et al. (2004). Figura 36: Etapas da metodologia de coleta de artrópodes com termonebulização de colas. A: Preparação da área de coleta e disposição dos anteparos de 1,5 x 4 metros; B: Aplicação do veneno utilizando um termonebulizador; C: Fumaça direcionando-se para a copa das árvores acima dos anteparos; D: Pesquisadores recolhendo os indivíduos coletados. Fonte: S. C. Dias. 126 UNIDADE 2 MÉTODOS DE PREPARAÇÃO DE INVERTEBRADOS PARA FINS CIENTÍFICOS E/OU DIDÁTICOS A seguir, são descritos alguns métodos de preparação, montagem e organização de invertebrados para fins científicos e/ou didáticos como, por exemplo: montagem de insetos, preparação de artrópodes em resina para práticas didáticas, montagem de crustáceos e fixação de invertebrados aquáticos, entre outros. Métodos para sacrificar e fixar artrópodes Insetos adultos e aracnídeos devem ser mortos imediatamente ao serem capaturados, para evitar que fiquem se batendo no interior do tubo de captura. Para realizar esta tarefa, pode-se utilizar álcool 70% ou gases mortíferos. O fixador mais utilizado é o álcool 70%. Este pode ser comprado já nesta concentração ou, ainda, ser preparado a partir da diluição de álcool 96º GL (70 cm³ do álcool e 26cm³ de água). Este fixador deve ser utilizado para a fixação de aracnídeos, quilópodes, diplópodes, colêmbolos e insetos adultos dos seguintes táxons: Thysanura, Mecoptera, Ephemeroptera, Phasmatodea, Isoptera, Plecoptera, Dermaptera, Embioptera, Psocoptera, Zoraptera, Hemiptera (apenas pulgões, cochonilhas e moscas-brancas), Trichoptera, Hymenoptera (formigas), Orthoptera (podem ser também sacrificados com gases tóxicos) e Strepsiptera (VANZOLINI; PAPAVERO, 1967; GALLO et al., 2002; RAFAEL et al., 2012). As ninfas de insetos também podem ser mortas em álcool 70% e são mantidas na coleção nesse líquido (GALLO et al., 2002). No caso de diplópodes, se o álcool mostrar se tingido, deve ser trocado ((VANZOLINI; PAPAVERO, 1967). Em campo, Acosta et al. (2007) recomendam a utilização de álcool etílico 80%, pois esta concentração será diluída através da água existente no corpo de espécies grandes de opiliões. Tal observação pode ser igualmente estendida a outros grupos de invertebrados. Esses mesmos autores afirmam que a utilização somente de etanol como fixador para indivíduos grandes ou de corpos moles pode resultar em má-preservação de tecidos internos, afetando a aparência do tegumento. Para evitar esse efeito, pode-se utilizar um fixador composto por 12 partes de formalina, 30 partes de álcool etílico absoluto, 2 partes de ácido acético glacial e 56 partes de água destilada (ACOSTA et al., 2007). Neste caso, os espécimes devem ser mantidos nesta solução por 1,5-2 horas e depois COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIAL ZOOLÓGICO 127 transferidos para álcool etílico 80%, para uma fixação final e preservação. Mais tempo nesse primeiro fixador enrijecerá demais as articulações (ACOSTA et al., 2007). O sacrifício com a utilização de gases tóxicos é realizado em frascos mortíferos ou vidros letais (Figura 36). Os insetos das ordens Diptera, Odonata, Neuroptera, Coleoptera, Hemiptera, Hymenoptera e Lepidoptera devem ser mortos dessa maneira (VANZOLINI; PAPAVERO, 1967; ALMEIDA et al., 1998; GALLO et al., 2002). Estes podem ser preparados de diversas formas (ver Figura 36); porém, independente do modelo utilizado, deve-se colocar uma etiqueta nos mesmos, com uma advertência escrita com letras grandes: VENENO. Isso ajuda a diminuir o risco de acidentes. A seguir, são descritos três modelos de vidros letais, um que utiliza cianeto (de cálcio, de sódio ou de potássio), outro que utiliza acetato de etila: Vidro letal com cianeto: Coloca-se no fundo de um frasco uma camada de aproximadamente 1cm de cristais de cianeto de cálcio, cianeto de sódio ou cianeto de potássio (Figura 36A). Sobre esta, deve ser colocada uma camada mais fina de serragem. A camada de serragem deve ser separada de uma quarta camada, a ser adicionada depois, por uma rodela de papelão não muito grosso. A quarta e última camada deve ser preparada com gesso em pó, misturada à água e deve ter aproximadamente 1,5cm de espessura. Quando o gesso estiver quase seco, deve ser perfurado com auxílio de um alfinete grosso, para que o gás cianeto passe para a porção superior do vidro e mate os insetos. Assim, o cianeto começa a agir apenas quando os primeiros insetos são colocados no vidro (ALMEIDA et al., 1998). Recomenda-se a colocação de tiras de papel absorvente dentro do frasco para evitar que os insetos se choquem (danificando uns aos outros), e para controlar o excesso de umidade do vidro. É importante proteger a parte inferior do vidro com esparadrapo ou adesivos para que, caso o vidro caia e quebre, o veneno não se espalhe(ALMEIDA et al., 1998). As principais vantagens deste tipo de vidro letal são: (a) a ação do cianeto dura muito tempo, não sendo necessária a reposição de veneno; (b) o cianeto mata quase instantaneamente; (c) os insetos não são colocados em contato direto com o veneno. Por outro lado, o uso desta técnica é desaconselhável ou deve ser utilizada com extremo cuidado, visto que o cianeto é uma substância 128 UNIDADE 2 química muito tóxica. Assim, sempre se devem utilizar luvas, pinças e máscaras, afastando-se o produto o mais longe possível do rosto. Além disso, alguns insetos mortos com cianeto podem perder a coloração e endurecer depois de algum tempo. Vidro letal com líquido tóxico: Uma maneira mais fácil de fazer um vidro letal é colocar no fundo de um frasco uma camada de algodão, gesso ou cortiça picada, e sobre esta, um círculo de cortiça com cortes laterais recoberta com papel absorvente para receber as dejeções dos insetos e o excesso do veneno (VANZOLINI; PAPAVERO, 1967; ALMEIDA et al., 1998; GALLO et al., 2002). Nesse frasco, coloca-se um pouco de éter, acetato de etila ou clorofórmio e tampa-se bem. Outra maneira mais prática de preparar o frasco consiste em comprimir apenas algodão no fundo, que será embebido pelo líquido mortífero, tampando bem o frasco (Figura 37B-C). A utilização desses líquidos mortíferos, em comparação ao cianeto, é vantajosa, por não alterar a pigmentação dos insetos, matar rapidamente e não ser muito tóxico (para o homem). Por outro lado, como esses venenos evaporam-se, é necessário renová-los periodicamente (VANZOLINI; PAPAVERO, 1967; ALMEIDA et al., 1998). Para o caso de Lepidoptera (borboletas e mariposas), pode-se realizar o sacrifício dos indivíduos comprimindo-se com os dedos os lados do tórax, sem Figura 37: Vidros letais para coletas entomológicas. A: Vidro letal com cristais de cianeto; B: Vidro legal com acetato de etila; C: Tubo coletor com éter ou clorofórmio. Fonte: A,B: Almeida et al. (1998); C: Paravero e Vanzolini (1967). COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIAL ZOOLÓGICO 129 tocar as asas, e colocando-os em envelopes entomológicos com os dados de coleta. No caso de Odonata (libélulas), depois de coletada, a libélula é colocada em envelope entomológico por algumas horas (GALLO et al., 2002). Em seguida, é imersa brevemente em acetona; retira-se, distendem-se as pernas e levantam- se as asas; coloca-se novamente em envelope e novamente na acetona (16 a 24 horas). Depois, o exemplar é retirado e exposto por vários dias em local seguro (principalmente contra a ação de formigas) para evaporação da acetona. A libélula é colocada depois num envelope entomológico com os dados de coleta e este é mantido em gavetas entomológicas (GALLO et al., 2002). Os envelopes devem ser resistentes e transparentes, por exemplo, de papel celofane. Há envelopes prontos, padronizados, que podem ser adquiridos em lojas especializadas na venda de material entomológico. Vanzolini e Papavero (1967) recomendam, ainda, sacrificar borboletas e mariposas injetando nelas uma quantidade suficiente (algumas gotas para insetos pequenos, até alguns centímetros cúbicos para maiores) de um líquido conservador composto por ácido acético glacial (1cm³), formol (2cm³), glicerina (10cm³), álcool etílico 95% (12cm³), água destilada (75cm³) e nipasol sódico (5cm³). Este líquido, além de promover a morte do animal, ainda conserva a elasticidade do inseto, tornando-o pergamináceo, e preserva as estruturas internas. É aconselhável para qualquer inseto volumoso, especialmente aqueles de abdômen bem desenvolvido. Após a morte do inseto com esse fixador, as asas devem ser estendidas, pois se elas endurecerem fechadas, nunca mais poderão ser abertas (VANZOLINI; PAPAVERO, 1967). Larvas e lagartas de insetos devem ser mortas em água quente, isto é, devem ser mergulhadas na água quente e retiradas em seguida. Dessa forma, elas morrem com o corpo e apêndices distendidos. Não devem nunca ser colocadas diretamente no álcool, pois assim ficam com o corpo e apêndices encolhidos. Depois de mortas na água quente, podem ser transferidas para álcool 70%. Entretanto, para melhor conservação, antes de serem transferidas para o álcool, devem ser passadas num outro fixador, por exemplo, o KAAD (1 parte de querosene; 7-9 partes de álcool 96%; 1 parte de ácido acético; 1 parte de dioxana). As larvas devem ficar nesse fixador durante 12 a 24 horas, sendo depois transferidas para o álcool 70%. O KAAD é indicado principalmente para as larvas de Hymenoptera, Diptera, Coleoptera e Neuroptera, e para as lagartas de Lepidoptera (GALLO et al., 2002). Pode-se utilizar também um fixador chamado KAA, preparado com 1 parte de querosene, 10 partes de álcool isopropílico e 2 130 UNIDADE 2 partes de ácido acético glacial (ALMEIDA et al., 1998). Outro fixador que pode ser usado para larvas e lagartas é o líquido de Pampel (água destilada 30 partes; ácido acético glacial 4 partes; formaldeído 40% 6 partes; álcool etílico 96% 15 partes, adicionado por último), seguindo-se as etapas: (1) anestesiar as larvas (ou lagartas) em acetato de etila por pouco tempo (até que cessem os movimentos); (2) transferir para a água quente (tirar a água do fogo após fervura) por alguns segundos e remover as larvas da água antes que fiquem infladas; (3) perfurar cada larva 1 ou 2 vezes entre os segmentos abdominais com alfinete entomológico, para evitar deformações osmóticas; (4) colocar no líquido de Pampel (1 ou 2 dias); (5) transferir novamente para o líquido de Pampel (1 ou 2 semanas); e (6) conservar em álcool 80% (GALLO et al., 2002). A fixação de crustáceos recém-coletados não apresenta nenhuma dificuldade, pois tanto o formol a 4%, como o álcool a 70% são ótimos fixadores (VANZOLINI; PAPAVERO, 1967). Os caranguejos não devem ser mortos em massa, pois na agonia, mutilam-se mutualmente. Devem ser sacrificados por imersão no fixador, isoladamente ou aos dois ou três. Os tatuzinhos são usualmente fixados e conservados em tubinhos com álcool etílico a 70% (VANZOLINI; PAPAVERO, 1967). Preservação e armazenamento temporário de insetos Frequentemente, não há tempo para o preparo e a estocagem de insetos logo após a sua coleta e morte. Há várias maneiras de mantê-los em boas condições até que possam ser preparados adequadamente. O método a ser utilizado depende do tempo em que os exemplares permanecerão estocados até a montagem final. Existem três métodos principais para armazenamento temporário de insetos: refrigeração, preservação em via líquida e preservação em via seca, descritos a seguir. Refrigeração: Insetos de tamanho médio a grande, devidamente acondicionados em recipientes, podem ser deixados em um refrigerador por vários dias, e ainda permanecerem em boas condições para serem alfinetados. Certa umidade deve estar presente no recipiente para que esses espécimes não se tornem secos demais, mas esta não deve ser elevada para que não haja condensação de COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIAL ZOOLÓGICO 131 água. Para as asas de insetos pequenos, mesmo pequenas gotículas podem ser muito prejudiciais. Papel absorvente colocado entre os insetos e o fundo do recipiente auxiliará na manutenção de baixa umidade (ALMEIDA et al., 1998). Preservação temporária em via líquida: Insetos podem ser mantidos em álcool ou outros líquidos apropriados por vários anos, antes de serem alfinetados. Para alguns grupos, no entanto, como mosquitos da família Culicidae, borboletas e mariposas, não é recomendada a preservação em via líquida. Esses insetos são bastante frágeis e têm cerdas longas e escamas que são danificadas com esse tipo de preservação. Essas escamas e cerdas são importantes na identificação de espécies e fazem muita falta quando perdidas (ALMEIDA et al., 1998). Para a realização deste tipo de armazenamento, recomenda-se a utilização de álcool etílico 70%, embora alguns grupos devam ser preservados em concentraçãomaior de álcool, tais como Hymenoptera parasitoides, que requerem álcool etílico 95%. Isto se faz necessário para prevenir o dobramento das asas e o enrugamento das partes mais moles do corpo do inseto. Se o álcool etílico utilizado tiver concentração abaixo do necessário para a preservação, poderá haver o aparecimento de bactérias e deterioração do material. Em situação oposta, um líquido conservante em concentração acima do recomendado poderá levar ao enrugamento e à danificação dos exemplares, exceto em alguns casos de insetos com o corpo muito rígido (ALMEIDA et al., 1998). Preservação temporária em via seca: Embora seja preferível alfinetar insetos recém-coletados, os métodos de preservação a seco, como a utilização de mantas e envelopes ou triângulos de papel, têm sido amplamente utilizados. Estes métodos são utilizados preferencialmente para Lepidoptera, alguns grupos de Trichoptera, os Diptera da família Tipulidae, Neuroptera e Odonata, cujos representantes possuem asas grandes e frágeis (ALMEIDA et al., 1998). O papel utilizado para a confecção dos envelopes e mantas pode ser o manteiga ou jornal. Este último, apesar de não ser transparente, tem a vantagem de ser absorvente e conservar por mais tempo os insetos, eliminando o excesso de gordura de seus corpos (ALMEIDA et al., 1998). Envelopes ou triângulos são 132 UNIDADE 2 confeccionados com tiras de papel de tamanhos variados e dobrados conforme esquema das Figuras 38A-D. As mantas entomológicas podem ser preparadas com duas tiras de papel com 30 x 10 cm, superpostas e dobradas em sequência alternada, como indicado na Figura 38. No quadrado central, formado pela sobreposição das tiras, deve ser acomodada uma camada fina de algodão bruto, onde serão dispostos os insetos (Figura 38A). O algodão comum não é aconselhável, pois os apêndices dos insetos podem ficar presos nas suas fibras, quebrando-se no manuseio. Na falta de algodão bruto, devem-se utilizar lenços de papel absorvente (ALMEIDA et al., 1998). Em cada envelope, triângulo ou manta contendo insetos, não se deve esquecer de colocar uma etiqueta com os dados de coleta, tais como localidade, data da coleta, nome do coletor e outras informações que se julgarem importantes para o estudo feito (ALMEIDA et al., 1998). Montagem, preservação e armazenamento permanente de insetos Em condições ideais, é importante que os insetos sejam corretamente preparados e montados, e nessas condições, eles podem ser preservados por centenas de anos nas coleções, e disponíveis para manuseio e estudo com baixo risco de dano a partes do corpo (ALMEIDA et al., 1998). Assim como a preservação temporária, há métodos de preservação permanente de insetos em vias seca e líquida. Figura 38: Triângulo de papel para armazenamento temporário de insetos. A-D: Sequência de dobras. Fonte: Almeida et al. (1998). Modificado. COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIAL ZOOLÓGICO 133 Os exemplares secos são geralmente montados de duas formas: alfinetagem direta ou “dupla montagem”. Alguns insetos, como afídeos (Homoptera) e colêmbolos, por serem de tamanho reduzido e frágeis, são montados de maneira especial, diretamente em lâminas (ALMEIDA et al., 1998). No entanto, muitas vezes, o pouco tempo que o corpo de insetos permanece em mantas ou envelopes é suficiente para desidratá-los, tornando- os secos e quebradiços. Por isso, antes da montagem, os insetos devem ser colocados em uma câmara úmida. Isto é suficiente para reidratar os exemplares, tornando-os maleáveis, de modo que eles possam ser alfinetados e seus apêndices, posicionados de forma correta, sem que se partam (ALMEIDA et al., 1998). As câmaras úmidas podem ser confeccionadas com recipientes de diversos tipos, dando-se preferência àqueles baixos (5-20 cm de altura), com abertura larga e tampa que não permita a entrada de ar (Figura 40). O fundo do recipiente deve ser forrado com areia úmida e uma pequena quantidade de fenol ou pequenos cristais de naftalina, para que não haja a proliferação de fungos. Sobre a areia pode ser colocado papel filtro ou papel jornal, onde serão arranjados os insetos para que amoleçam. O tempo para o amolecimento pode Figura 39: Manta entomológica. A-D: Modelo para elaboração. Fonte: Almeida et al. (1998). 134 UNIDADE 2 variar de horas até dias, mas pode ser acelerado, colocando-se uma lâmpada para aquecimento de todo o ambiente interno (ALMEIDA et al., 1998). Alfinetagem direta: A alfinetagem é o melhor processo para a conservação de insetos com corpo muito esclerotinizado. Os alfinetes entomológicos possuem características especiais, como o tipo de aço, comprimento, flexibilidade e material especial para a cabeça, que os tornam particularmente apropriados para seu uso em coleções de insetos. Eles têm espessura variável, adequada aos diversos tamanhos de insetos (variando dos mais finos – 000, 00, 0 aos mais grossos – de 1 a 7). De modo geral, o alfinete é inserido verticalmente no escudo, de modo que fique em um ângulo de 90º em relação ao eixo longitudinal do corpo do inseto, entre o primeiro e o segundo par de pernas, tomando cuidado para que o alfinete não as danifique (Figura 40). Todos os exemplares devem ser posicionados a uma mesma altura, cerca de 1,0cm abaixo da cabeça do alfinete. Isto é indispensável para que, ao se pegar a cabeça do alfinete, haja espaço para que as pontas dos dedos não toquem e quebrem o exemplar. Para facilitar essa tarefa, existem blocos especiais de madeira ou aço, com perfurações em diferentes alturas, que facilitam o ajuste da altura do exemplar e de seus vários níveis de etiquetas no alfinete (Figura 41). Figura 40: Modelo de câmara úmida. Fonte: Elaborada pelos(a) autores(a). COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIAL ZOOLÓGICO 135 A perfuração do corpo do inseto sempre traz algum dano às suas estruturas morfológicas e os tecidos internos. A vantagem do alfinete é que, transpassando verticalmente o exemplar, fica possível observá-lo sob diferentes ângulos com grande facilidade. No entanto, é necessário minimizar os danos causados pela perfuração. A orientação geral é que não sejam danificadas estruturas importantes para que seja possível a correta identificação do material. Como organismos bilaterais, boa parte das estruturas dos insetos é produzida aos pares. Assim, quase sempre a inserção do alfinete se dá ligeiramente deslocada para a direita. Além disso, o tórax é a parte mais resistente do corpo, de modo que é onde a perfuração deve ser feita na maior parte dos insetos, em especial, no mesotórax (ALMEIDA et al., 1998). Alguns grupos de insetos devem ser alfinetados em posições apropriadas. Em Blattaria, Ensifera e Caelifera, a perfuração deve ser feita na parte posterior do pronoto, logo à direita da linha mediana do corpo (Figura 42A). Figura 41: Eixos corretos e incorretos de alfinetagem de insetos. Fonte: Almeida et al. (1998). Figura 42: Bloco de madeira para auxiliar a alfinetagem de insetos. Fonte: Almeida et al. (1998). 136 UNIDADE 2 Em Hemiptera e Homoptera, a perfuração deve ser feita no escutelo, um pouco à direita da linha mediana (Figura 42B-C). Em Coleoptera, a perfuração deve ser feita no élitro direito, próximo à sua base (Figura 42D). Em Lepidoptera, Diptera e Hymenoptera, a perfuração deve ser feita no mesotórax, entre a base das asas anteriores, um pouco à direita da linha mediana (Figura 42E-F) (ALMEIDA et al., 1998). Logo após a alfinetagem, antes que os insetos sequem completamente, as antenas, asas e pernas devem ser arranjadas de forma que fiquem bem visíveis para estudo (Figura 42). Nesse processo, para muitos grupos, são utilizadas placas de isopor cobertas com papel para fixação do exemplar, e alfinetes que, cruzados, facilitarão a acomodação dos apêndices na posição adequada (ALMEIDA et al., 1998). Em Lepidoptera, são utilizados esticadores, tábuas de distensão confeccionadas conforme Figura 43A. As borboletas são alfinetadasem um sulco no centro da tábua e, com auxílio de tiras de papel e alfinetes, as asas são distendidas e presas junto à tábua (Figura 43B-D), sobrepostas às tábuas laterais. Quando houver necessidade do uso de coleta para fixação de peças quebradas (o que ocorre com frequência), ou durante o processo de dupla montagem, a cola deve ser à base de água. Este tipo de cola pode ser facilmente dissolvido quando houver necessidade de observação de estruturas taxonônimas importantes que se tornaram pouco visíveis após o processo de montagem do exemplar. Figura 43: Posição correta para inserção do alfinete em vários grupos de insetos. A: Orthoptera; B: Homoptera; C: Hemiptera; D: Coleoptera; E: Lepidoptera; F: Hymenoptera. Fonte: Almeida et al. (1998). COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIAL ZOOLÓGICO 137 Entretanto, para borboletas, mariposas ou outros insetos com escamas ou pelos, deve ser usada cola orgânica solvente. Esmalte de unha transparente também pode ser utilizado na montagem de pequenos insetos, que podem ser removidos com acetona ou thinner (ALMEIDA et al., 1998). Dupla montagem: Para pequenos insetos, pode ser utilizada a técnica de dupla montagem, pois seriam danificados facilmente ou mesmo destruídos se alfinetados. Assim, o exemplar pode ser espetado com um microalfinete que é aposto a um suporte de cortiça, o qual é montado em um alfinete maior (Figura 45A). Outra maneira de montar insetos pequenos é colando-os no vértice dobrado de um pequeno triângulo de papel resistente (Figura 45B), cuja base é espetada por um alfinete número 2 ou 3 (ALMEIDA et al., 1998). As formigas de tamanho médio ou pequeno não são coladas lateralmente, mas descansam sobre a face superior do triângulo, com o abdômen quase encostado no alfinete, enquanto pernas e antenas ficam fora do triângulo (Figura 45C). Como geralmente se coletam séries de uma mesma espécie, o material é em parte conservado em via líquida e, em parte, montado. Além disso, por economia, montam-se de 3 a 5 formigas num mesmo alfinete. Insetos em cópula devem ser espetados juntos (Figura 45D), e o alfinete, trazer uma etiqueta indicando esse fato (VANZOLINI; PAPAVERO, 1967). No caso de insetos de corpo muito alongado, a montagem é feita sobre dois triângulos, como indicado na Figura 46 (ALMEIDA et al., 1998). Figura 44: Uso de outros alfinetes para posicionar corretamente apêndices dos insetos. Fonte: Almeida et al. (1998). 138 UNIDADE 2 Figura 45: Montagem de Lepidoptera. A: Esticador ou tábua de distensão; B-D: Seqência de posicionamento das asas e antenas. Fonte: Almeida et al. (1998). Figura 46: Dupla montagem de insetos em diversas situações. A: Inseto alfinetado com micro- alfinete; B: Inseto colado no verso de dobra em cartolina; C: Formigas montadas em um mesmo alfinete; D: Percevejos em cópula. Fonte: A,B: Almeida et al. (1998); C,D: Vanzolini e Papavero (1967). COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIAL ZOOLÓGICO 139 Montagem em lâminas: Pulgões são muitas vezes coletados diretamente das plantas com auxílio de um pincel e colocados em álcool 95% ou 70%. Ambas as formas, áptera e alada, são necessárias para o reconhecimento das espécies e, para isto, precisa- se preparar lâminas, o que inclui a maceração, desidratação e clarificação dos espécimes. Estas etapas precedem a montagem permanente da lâmina com bálsamo do Canadá. Há inúmeras técnicas diferentes de preparação de lâminas permanentes, que variam conforme necessidades específicas (ALMEIDA et al., 1998). Em uma destas técnicas, vários exemplares devem ser colocados em tubo de ensaio com álcool 70% e fervidos em banho-maria de um a dois minutos; retira-se o álcool com o auxílio de uma pipeta de ponta fina, e adiciona- se hidróxido de potássio ou sódio a 10%, deixando-se ferver lentamente por mais um ou dois minutos, até que os insetos fiquem levemente mais claros; retira-se a solução, colocando-se em seu lugar água destilada para lavar o excesso de potassio ou sodio, deixando-se em banho-maria por mais 10 minutos ou mesmo por várias horas a frio; em seguida, retira-se a água e adiciona-se ácido acético glacial por dois a três minutos, deixando-se decantar; retira- se o líquido e acrescenta-se mais ácido por dois ou três minutos, deixando- se decantar novamente; adicionam-se algumas gotas de óleo de cravo por, no Figura 47: Montagem de insetos de abdômen longo com dois triângulos. Fonte: Almeida et al. (1998). 140 UNIDADE 2 mínimo, 10 minutos antes de proceder à montagem. Um ou dois afídeos devem ser transferidos para uma lâmina limpa contendo no centro uma gota de bálsamo do Canadá. O exemplar deve ser arranjado rapidamente sobre a lâmina com as asas expandidas, antenas e pernas em posição adequada (Figura 47). Pode-se, ainda, diluir levemente o bálsamo com xilol, de maneira a facilitar a manipulação do material. Cobre-se com lamínula, apoiada inicialmente em ângulo de 45º, para que não haja formação de bolhas de ar. A lâmina, depois de montada, deve ser deixada na posição horizontal por várias semanas, até a secagem completa do bálsamo. Além dos dados usuais de procedência, outras etiquetas devem conter a coloração dos afídeos quando vivos, além de dados ecológicos (ALMEIDA et al., 1998). Alguns outros grupos, como os Thysanoptera, Collembola e Diptera Flebotominae, também devem ser montados em lâmina para facilitar a identificação. Além disso, quase todos os estudos mais detalhados de morfologia ou sistemática envolvendo insetos pequenos exigem um processo de montagem em lâmina para estudo em microscópio (ALMEIDA et al., 1998). A conservação permanente em via líquida de insetos é bastante semelhante à conservação temporária em via líquida. A grande maioria dos insetos pode ser morta e imediatamente fixada, utilizando-se substâncias químicas líquidas, tais como o álcool etílico 70% (maioria) ou 95% (para Hymenoptera parasitoide). Para alguns grupos, a preservação dá-se de maneira mais eficaz adicionando-se outras substâncias ao álcool. Para trips e ácaros (que são aracnídeos e não-insetos), pode-se utilizar uma solução de álcool etílico com ácido acético glicerinado. Outros insetos podem ser preservados com solução de Kahle Dietrich, preparada com 55ml de água destilada, 35ml de álcool 95%, 10ml de formol e Figura 48: Lâmina permanente de coleções entomológicas. Fonte: Almeida et al. (1998). Modificado. COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIAL ZOOLÓGICO 141 4ml de ácido acético glacial (ALMEIDA et al., 1998). Para a fixação de larvas, após a sua morte, seguindo procedimentos adequados já descritos, pode-se utilizar álcool etílico 70% ou os fixadores KAA ou KAAD (ALMEIDA et al., 1998; GALLO et al., 2002). Estes procedimentos e fixadores encontram-se descritos no item Métodos para sacrificar e fixar artrópodes. Insetos que vão ser utilizados em estudos anatômicos devem ser fixados em Bouin alcoólico, que pode ser preparado com 1g de ácido pícrico, 150ml de álcool etílico 80%, 60ml de formol e 15ml de ácido acético glacial. Após a fixação nesse meio por cerca de 6 a 24 horas, o inseto deve ser transferido para o álcool etílico 70% (ALMEIDA et al., 1998). Após a montagem, os insetos devem ser etiquetados e levados à estufa por, no mínimo, 24 horas, ou até que seja eliminada a umidade por completo (ALMEIDA et al., 1998, 2000). Este procedimento evita o surgimento de fungos e insetos sarcofágicos (que atacam cadáveres), impedindo que depois possam atacar e destruir toda a coleção à qual esses insetos serão incorporados (ALMEIDA et al., 1998, 2012). Os procedimentos para etiquetagem, depósito e acondicionamento de espécimes de animais nas coleções científicas serão detalhados no Capítulo 6 – Coleções Zoológicas: panorama geral e perspectivas. Gavetas e armários entomológicos: Os insetos, desde que armazenados em meio seco, como já mencionado anteriormente, são dispostos em armários entomológicos, contendo várias gavetas entomológicas. As medidasde cada armário e de cada gaveta são variáveis, inexistindo um tamanho padronizado entre todas as coleções entomológicas existentes. Armários de vários tipos são utilizados para acondicionamento das gavetas. As coleções mais antigas estrangeiras utilizam armários de aço fechados (ALMEIDA et al., 2012). No Brasil, as coleções tradicionais contêm armários fechados de aço, e abertos, confeccionados em madeira com estruturas de aço para suporte de gavetas. Atualmente, algumas coleções têm substituído tais armários pelos de aço fechados e deslizantes, que possibilitam maior aproveitamento do espaço (ALMEIDA et al., 2012). Segundo Azevedo-Filho et al. (2007), na coleção entomológica da EMBRAPA uva e vinho, são utilizadas gavetas entomológicas com as seguintes dimensões: 550 x 550 x 80mm, confeccionados com placas de fibra de madeira de média densidade (Medium Density Fiberboard – MDF), com todas as dimensões 142 UNIDADE 2 e estruturas seguindo os padrões usuais de coleção (BORROR et al., 1992; ALMEIDA et al., 1998). Existem, disponíveis no mercado, gavetas entomológicas com o tamanho 546 x 460 x 66mm, 546 x 460 x 80mm, 438 x 342 x 80mm de comprimento, profundidade e altura, respectivamente (medidas externas), entre outros, e ainda produzidos com diferentes tipos de madeira. Dentro de cada gaveta entomológica, os espécimes são acondicionados em caixas de plástico (poliestireno de alto impacto) ou papelão com fundo de isopor, polietileno ou EVA (polímero etileno acetato de vinila – 10mm de espessura) (ALMEIDA et al., 2012). Cada caixa deve conter uma etiqueta com a identificação do táxon mais restrito ao qual o exemplar (ou os exemplares) pertence. As medidas das caixas geralmente são de 5 x 10 x 4cm, 10 x 10 x 4cm, 10 x 20 x 4cm de comprimento, profundidade e altura, respectivamente (medidas externas). A disposição das caixinhas identificadas dentro das gavetas pode seguir um critério alfabético ou evolutivo (ALMEIDA et al., 2012). Fixação e conservação de moluscos A preparação de moluscos necessita de cuidados deste o seu sacrifício, para que os indivíduos sejam mortos de maneira que o fixador penetre bem e permita conservar as partes moles, que são essenciais para o estudo (VANZOLINI; PAPAVERO, 1967). Os moluscos terrestres que não têm opérculos são convenientemente mortos por asfixia. Para isso, são colocados em um vidro totalmente cheio de água e fechado hermeticamente. A água é previamente fervida e resfriada e, portanto, desprovida de ar. A asfixia é bastante demorada, chegando a demandar mais de 24 horas, no caso de exemplares grandes. Como esse tempo é muito variável e a decomposição dos moluscos é bem rápida, deve-se acompanhar o processo com cuidado, para que as partes moles possam ser conservadas. Os animais morrem em distensão, são retirados da água e passados para o fixador (VANZOLINI; PAPAVERO, 1967). Este processo é obrigatório para as lesmas, pois impede que morram encolhidas e encurvadas; entretanto, como têm a pele pouco permeável, deve- se praticar um pequeno corte longitudinal no lado direito da face ventral para que o fixador penetre melhor (VANZOLINI; PAPAVERO, 1967). Nos gastrópodos dotados de concha (caramujos e caracóis), a penetração do fixador nem sempre é boa, razão pela qual é aconselhável destacá-los COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIAL ZOOLÓGICO 143 da concha. Prendendo o bicho com uma pinça ou um estilete e segurando a concha entre o polegar e o indicador, ela é girada no sentido contrário ao do seu crescimento, fazendo-se, assim, com que o animal se desenrosque. É preciso cuidado nessa operação, pois é necessário que o músculo que prende o animal à concha (músculo columelar) se rompa para que o corpo do animal saia. Como esse músculo é mais forte do que os demais tecidos do corpo, frequentemente os demais tecidos podem ser rasgar. Assim, fica dentro da concha uma parte que só pode ser retirada com a fragmentação da concha ou com o início da decomposição. A concha e o animal devem ser conservados juntos ou com anotações que permitam relacioná-los (VANZOLINI; PAPAVERO, 1967). A fixação imediata, que é, em geral, empregada por quem está colecionando outros animais, consiste em lançar moluscos diretamente no álcool 70%. Este método tem a desvantagem de causar a morte rápida e, com isso, extrema contração muscular, o que prejudica o exame anatômico posterior (VANZOLINI; PAPAVERO, 1967). Para gastrópodes de água doce, apenas o método da fixação imediata pode ser utilizado. Para moluscos operculados (dotados de uma peça córnea que tampa com perfeição a abertura da concha), o opérculo cerrado não permite a mínima passagem do fixador, resultando em decomposição do indivíduo (VANZOLINI; PAPAVERO, 1967). Para esses animais, o ideal é o processo da morte por aquecimento. Este método consiste em colocar os animais em água quente (70ºC a 100ºC), dependendo a temperatura e a duração da operação diretamente do tamanho dos animais. Para planorbídeos, é suficiente 1 ou 2 minutos em água a 70ºC, enquanto alguns Strophocheilus resistem até 5 minutos na água em ebulição. O calor faz com que o músculo columelar se destaque, tornando fácil a extração do corpo (VANZOLINI; PAPAVERO, 1967). Para a fixação e conservação, os produtos mais utilizados são o álcool glicerinado (9 partes de álcool etílico 70% e 1 parte de glicerina), o formol 4% e o líquido de Railliet e Henry (93-96 partes de solução fisiológica a 0,8%, 2-5 partes de formol e 2 partes de ácido acético glacial). No primeiro, as conchas podem ser mantidas, enquanto que nos dois outros, não. De um lado, o formol, com o tempo, transforma-se em ácido fórmico e descalcifica as conchas. De outro, o ácido acético glacial faz o mesmo, ainda mais rapidamente (VANZOLINI; PAPAVERO, 1967). 144 UNIDADE 2 Fixação e conservação de helmintos Após a captura, os helmintos devem ser conservados vivos até o momento de serem fixados. Isto pode ser feito em solução fisiológica preparada com cloreto de sódio P.A., diluindo-se 8 ou 16 gramas dessa substância em um litro de água, para helmintos de vertebrados e invertebrados, respectivamente. Quando mantidos em solução fisiológica, os helmintos não se contorcem muito e nem iniciam a postura, ambas as coisas inconvenientes. No caso das solitárias muito compridas, não se deve prolongar muito a estadia, porque invariavelmente acabam dando nós ao longo do corpo, que não se desmancham mais e praticamente inutilizam o helminto para estudos posteriores (VANZOLINI; PAPAVERO, 1967). Na fixação, procura-se também matar os helmintos na posição em que se deseja que permaneçam para estudo. Helmintos mal fixados são difíceis ou mesmo impossíveis de estudar. O material fixador de escolha é o formol acético, que pode ser preparado com 1 parte de formol, 1 parte de ácido acético glacial e 8 partes de água destilada (VANZOLINI; PAPAVERO, 1967). A função do formol é bem fixar e conservar o material. O ácido acético evita a criação de fungos e, impregnando o helminto, prepara-o para melhor receber o corante, que costuma ser de base ácida. O uso de álcool para conservar helmintos é contraindicado para regiões de clima quente, pois a evaporação é muito rápida e, além disso, ele absorve água atmosférica, possibilitando a maceração e o crescimento de fungos (VANZOLINI; PAPAVERO, 1967). O formol acético é aquecido em um cadinho de porcelana, tubo de ensaio ou béquer. Não se devem utilizar recipientes metálicos, pois com o aquecimento do formol acético, o ácido ataca o metal, formando sais que, depois de algum tempo, escurecem de tal maneira os helmintos que estes ficam praticamente inutilizados para estudos (VANZOLINI; PAPAVERO, 1967). Existem procedimentos específicos que melhoram o desempenho do fixador para nematoides, trematoides, solitárias e acantocéfalos, como os citados a seguir: Nematoides: Aquece-se o formol acético até a formação de bolhas. Despeja-se o formol acético quente, deuma vez, na placa de Petri, que contém os nematoides vivos. Estes deverão morrer com o corpo esticado. Quando o formol acético não COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIAL ZOOLÓGICO 145 está suficientemente quente, os helmintos contorcem se muito e não esticam o corpo; é esta a razão porque se usa a menor quantidade possível de solução fisiológica na placa com os parasitos vivos. Por outro lado, se o líquido estiver quente demais, a distensão é tão violenta que pode haver ruptura de órgãos internos (VANZOLINI; PAPAVERO, 1967). Trematoides: Os trematoides são retirados da solução fisiológica em que se encontram com o auxílio de pincéis, e espalhados sobre a face áspera de uma das lâminas de vidro junto com o respectivo rótulo. Sobre uma das lâminas, coloca-se cuidadosamente outra do mesmo tamanho, com a face áspera voltada para dentro, isto é, tocando os parasitos. As faces ásperas impedem que o material escorregue para fora das lâminas. Quando o material for mais delicado e requerer o uso de lâminas para microscopia, cujas faces são lisas, a lâmina que suporta os parasitos leva duas tiras de papel nas bordas para impedir fuga do material. Em seguida, pode-se prender as duas lâminas uma na outra, comprimindo-as suavemente, sem que haja ruptura do corpo dos espécimes. Em alguns casos, pode-se colocar apenas um peso leve sobre as lâminas, no caso de espécimes delicados demais. Em seguida, as lâminas com os trematoides comprimidos são colocadas em placas de Petri e cobertas com formol acético frio, permanecendo pelo menos 30 minutos, após o que se desamarram as lâminas e se soltam os exemplares com um pincel (VANZOLINI; PAPAVERO, 1967). Solitárias e acantocéfalos: O andamento é o mesmo dos trematoides; porém, a disposição das solitárias grandes sobre a lâmina é diferente. Como a cabeça tem grande importância para a identificação, muitas vezes havendo necessidade de ser estudada em posição frontal, não convém que seja comprimida; assim, é deixada fora da lâmina. Se o corpo for longo, pode ser partido em vários pedaços e montado em maior número de lâminas, que devem ficar juntas. Acantocéfalos exigem cuidado especial apenas para ficarem com a tromba extrovertida, o que se consegue por meio da própria compressão (VANZOLINI; PAPAVERO, 1967). A conservação de helmintos deve ser realizada em frascos de vidro fechados com tampas de cortiça, plástico ou vidro. A utilização de algodão para 146 UNIDADE 2 fechar os frascos deve ser evitada, pois espécimes muito pequenos e brancos podem ficar presos nas fibras e serem perdidos. O material deve tomar no máximo 1/3 do volume do frasco para não haver insuficiência de formol. Caso folhas de cortiça sejam utilizadas, estas não devem entrar em contato com o formol acético, caso contrário, o material poderá ficar amarelado (VANZOLINI; PAPAVERO, 1967). Fixação e conservação de planárias terrestres Planárias terrestres vivem sobre a vegetação, na terra, sob troncos podres, em tocos cortados de bananeiras, túneis de insetos etc. Coletam-se manualmente. A terra que adere ao seu muco é lavada com água. Esses animais devem ser mortos com água quente, colocando-os em um tubo de ensaio com água e aquecendo-se lentamente o tubo. A fixação e a conservação das planárias terrestres devem ser feitas em álcool etílico 70%, e colocadas sobre lâmina de vidro ou em frascos individualizados (VANZOLINI; PAPAVERO, 1967). Fixação e conservação de minhocas Minhocas podem ser encontradas cavando-se o solo úmido e, em geral, são sacrificadas lançando-as diretamente no álcool etílico 70% ou formol 5%, sendo este último o mais indicado (VANZOLINI; PAPAVERO, 1967). Preservação de tecidos Tecidos têm de ser preservados de maneira particular para permitir a extração de DNA. As condições ótimas para armazenagem incluem álcool etílico a 95%-100%, congelamento ou retardadores de RNA (RNAlater; para pesquisadores que objetivam a extração de RNA ao invés de DNA). Os tecidos preservados em etanol 70% geralmente não são úteis para a extração de DNA, sendo o ideal levar etanol 95% para campo em recipientes específicos e fixar os indivíduos coletados imediatamente com esse líquido (BOYER; GIRIBET, 2007). Recomenda-se, ainda, ao retirar amostras de tecidos, promover a esterilização dos objetos cirúrgicos (ex.: lâminas de bisturi, pinças, tesouras cirúrgicas etc.) para evitar a contaminação da amostra. Esta esterilização pode ser realizada através de autoclavagem dos instrumentos, ou mesmo com a utilização de fogo, em situações de campo. COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIAL ZOOLÓGICO 147 O congelamento dos tecidos deve ser realizado o mais rápido possível após a coleta, utilizando-se nitrogênio líquido ou gelo seco. Alternativamente, para expedições curtas de coleta, podem-se levar os indivíduos vivos para laboratório e realizar o congelamento em freezer a -80ºC (BOYER; GIRIBET, 2007). A preservação de tecidos por períodos prolongados para manter o DNA estável deve ser realizada em álcool etílico 95%-100% em temperaturas amenas, ou pelo menos em condições à prova de fogo. A melhor maneira para garantir a segurança contra a degradação a longo prazo de DNA é guardar as amostras em etanol a 20ºC ou menos. Boyer e Giribet (2007), por exemplo, armazenam as amostras em freezer -80ºC, em frascos bem selados, preferencialmente de vidro (para evitar o vazamento de compostos orgânicos do plástico e a evaporação). A maioria das coleções de tecidos armazena as amostras a -130ºC e a -150ºC, embora elas se mantenham estáveis, indefinidamente, a -70ºC e a -80ºC (PRENDINI et al., 2002; BOYER; GIRIBET, 2007). Preservação de artrópodes em resina (emblocamentos em resina) A preservação de artrópodes em resina é muito utilizada como souvenir (chaveiros, brincos, pingentes), e em algumas culturas são sinal de boa sorte. Neste tópico, temos como objetivo preservar artrópodes que possam ser manipulados por alunos durante aulas práticas, sem que ocorram danos ao exoesqueleto e, ao mesmo tempo, reduza o número de animais sacrificados cada vez que o professor de ciências tenha necessidade de ensinar através de aula prática. Ao comprar a resina, é importante observar sempre a data de validade, a densidade e a transparência da mesma, para evitar que seja muito velha, tenha prováveis impurezas ou que esteja ficando endurecida. O processo de endurecimento de resina pode ser contido com o uso de acetona, que, após a homogeneização através da mistura dos componentes, solubiliza-a, diluindo a sua densidade e tornando-a mais fácil para manuseio. Para melhores resultados, devem ser utilizados, preferencialmente, animais recentemente capturados. Clorofórmio, éter e formol são utilizados para anestesiar e sacrificar os animais; no entanto, não reagem bem com a resina e geram imperfeições. Bons resultados são obtidos com animais fixados, preferencialmente, em álcool 70%. 148 UNIDADE 2 A escolha do molde ideal deve ser feita observando o tamanho relativo da peça que se pretende preservar, levando sempre em consideração um molde de boa resistência, visto que a resina, no processo de polimerização, gera muito calor, fazendo com que derreta materiais mais frágeis. Além disto, a superfície para montagem do molde deve ser lisa, para que auxilie o desmolde da peça ao final de todo o processo de preservação. Após a escolha do molde, aplica-se um desmoldante em toda a área de modulação e aguarda-se entre 10 e 20 minutos. A técnica de montagem deve evidenciar características de partes peculiares do artrópode, que foi previamente montado sem fazer uso de alfinete em seu corpo, pois o local do furo gera bolhas durante a resinagem. Caso o artrópode a ser fixado apresente proporções grandes (e.g. antenas, apêndices locomotores), depois de retirada do líquido de preservação (álcool 70%), devem-se mergulhar as peças em banhos gradativos de acetona 50%, 70% e 100% durante 20 minutos, aproximadamente, em cada concentração,antes do processo de montagem e secagem. O procedimento de secagem da peça é muito importante antes de imergi-lo em resina. Neste procedimento, a peça ganha ar em seu interior. Quando algumas peças de artrópodes que possuem abdômens grandes, como as aranhas e outros, têm grande tendência de murchar, descaracterizando a peça. Neste caso, faz-se necessário o banho em xilol (70% e 100%) durante 20 minutos, aproximadamente, antes do processo de montagem e secagem. Em seguida, aplica-se parafina liquefeita no abdômen, banha-se a peça em água gelada, e retomam-se os processos de secagem e montagem. A preparação da primeira camada de resina deverá ser realizada em recipiente descartável, com uso de suportes de mistura (espátulas). O principal objetivo de se fazer uma primeira camada é criar uma superfície de posicionamento para fixação da peça. Sendo assim, no recipiente descartável de mistura derramamos resina suficiente para confecção da superfície; e, em seguida, com o uso de conta-gotas, pinga-se de 3 a 5 gotas de polimerizante (conforme indicação do fabricante). Os rótulos ou etiquetas de identificação podem ser inseridos com letra sete, ou decalque de letras que são montados na resina endurecida, nesta etapa da técnica. Após a mistura, derrama-se a primeira camada no molde e aguarda- se a polimerização desta. No momento da homogeneização da resina com o polimerizador, criam-se bolhas de ar na resina. Quando derramamos a resina no molde, fica evidente a importância da menor densidade da resina, pois as bolhas de ar sobem mais facilmente e poderão ser retiradas por meio de palitos de COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIAL ZOOLÓGICO 149 dentes ou instrumentos similares. Quando se estiver fixando artrópodes alados, deve-se atentar para a formação de bolhas de ar embaixo das asas. Após a polimerização da mesma, coloca-se a peça em água; retira- se o molde; acertam-se as margens da resina endurecida com instrumento de desbaste ou cortante; e, por fim, lixa-se com lixa d’água de acabamento de nº 600, evoluindo para nº 1200. Posteriormente, inicia-se o processo de polimento da peça resinada. EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 1. Diferencie métodos passivos e ativos para coleta de invertebrados, exemplificando-os. 2. Compare os pares de métodos de coleta de invertebrados listados abaixo, enumerando os fatores positivos e os negativos da utilização de cada um deles para um mesmo grupo de quaisquer animais: a) Extrator de Winkler e funil de Berlese b) Funil de Lindgren e ecletor de tronco c) Guarda-chuva entomológico e termonebulizador de copas d) Armadilhas de queda e armadilhas de interceptação e de queda e) Coleta manual noturna e coleta manual diurna f) Armadilhas de atração com iscas de frutas e de pulmão bovino g) Armadilha tipo CDC e armadilha tipo Luiz de Queiroz 3. Quais fatores podem influenciar a aplicação: a) de métodos ativos de coleta? b) de métodos passivos de coleta de artrópodes de solo/serapilheira? c) de métodos passivos de coleta de artrópodes de vegetação abustiva/ arbórea? 4. Diferencie e exemplifique métodos de preservação de invertebrados em meio seco e em meio líquido. 5. O que é dupla montagem de insetos e quais os principais métodos possíveis para este procedimento? 150 UNIDADE 2 6. Como realizar a fixação de um caracol de forma que as partes moles do corpo fiquem em condições ideais para estudos posteriores? 7. Como realizar a preservação de tecidos de invertebrados para estudos moleculares? 8. Associe os grupos de insetos listados na coluna da esquerda com as posições adequadas de alfinetagem para cada um deles, listados na coluna da direita. As posições anatômicas listadas podem aparecer uma, mais de uma ou nenhuma vez. 8. Associe os grupos de insetos listados na coluna da esquerda com as posições adequadas de alfinetagem para cada um deles, listados na coluna da direita. As posições anatômicas listadas podem aparecer uma, mais de uma ou nenhuma vez. TÁXONS DE INSETOS ( ) Abelha ( ) Barata ( ) Barbeiro ( ) Besouro ( ) Borboleta ( ) Formiga leão adulta (neuróptero) ( ) Grilo ( ) Libélula ( ) Louva-a-Deus ( ) Mariposa ( ) Mosca ( ) Percevejo POSIÇÕES DE ALFINETAGEM 1. Perfuração na parte posterior do pronoto 2. Perfuração no escutelo 3. Perfuração no élitro direito 4. Perfuração no élitro esquerdo 5. Perfuração no protórax 6. Perfuração no mesotórax 7. Perfuração no metatórax COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIAL ZOOLÓGICO 151 CAPÍTULO 5: MÉTODOS E TÉCNICAS DE COLETA E PREPARAÇÃO DE VERTEBRADOS Mauro Sérgio Cruz Souza Lima e Leonardo Sousa Carvalho Os vertebrados englobam animais facilmente reconhecidos pela população em geral: peixes, répteis, anfíbios, mamíferos e aves. Eles formam um grande grupo de animais que podem ser capturados utilizando-se uma grande diversidade de métodos de coleta; porém, preparados e preservados de maneira semelhante. Alguns desses animais (ex.: grandes mamíferos), em geral, não são facilmente vistos na natureza, sendo animais com hábitos discretos, com atividade crepuscular e noturna. Quando são observados, sua identificação é, na maioria das vezes, dificultada pela distância do observador e pela brevidade da visualização. Para isso, existem métodos indiretos de amostragem de vertebrados (ex.: análise de fezes, rastros e pegadas), além de métodos passivos de amostragem (ex.: armadilhas fotográficas), que permitem o registro de espécies crípticas destes seres. A coleta de vertebrados é variável segundo o fim a que se destina o estudo. O zoólogo envolvido em estudos de anatomia comparada necessita do sacrifício animal. Porém, deve considerar os dispositivos da Lei 11.974 de 08/10/2008, além de, obrigatoriamente, ter autorização e registro no Sistema de Autorização e Informação em Biodiversidade (SISBIO), instituídos pela Instrução Normativa Nº 154, do ICMBio, de 01 de março de 2007, em caso de haver captura e coleta de animais silvestres, ou de um Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Vivos, em caso de animais de laboratório. Independente do interesse de estudo, a autorização no SISBIO é obrigatória, e poderá o infrator sofrer penalidades. Além disso, deve-se seguir, ainda, os procedimentos e métodos de eutanásia em animais, estabelecidos pela Resolução Nº 714, de 20 de junho de 2002, do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV). Estudos taxonômicos buscam obter amostras adequadas de cada população, para se avaliar a variabilidade específica. O perímetro de distribuição geográfica da espécie e o local de maior densidade populacional é que estabelecerão o número de indivíduos a serem coletados, ocorrendo o sacrifício de alguns animais, estes podem ser depositados em coleções zoológicas credenciadas, como por exemplo: Museu Paraense Emílio Goeldi – Belém/PA; Museu Nacional do Rio de Janeiro – Rio de Janeiro/RJ; Museu de Zoologia da 152 UNIDADE 2 Universidade de São Paulo – São Paulo/SP; Coleção de História Natural da Universidade Federal do Piauí – Floriano/PI etc. Em estudos ecológicos, não haverá necessidade de sacrifício, e os registros poderão ser digitais (vídeos, fotos e sons). Em estudos direcionados à autoecologia ou à sinecologia, os sinais típicos do animal durante seu repasto e deslocamento ficam no ambiente, tais como: rastros, fezes, tocas, e restos alimentares. Estes, quando interpretados, podem fornecer uma identificação segura do animal que o produziu e fornecer dados para a conservação, manejo e ecologia da espécie. No presente capítulo são apresentados diversos métodos e técnicas para estudos na área de zoologia de vertebrados, tais como peixes, anfíbios, répteis, mamíferos e aves. MÉTODOS DE COLETA DE VERTEBRADOS A seguir, são apresentados diversos métodos de coleta de vertebrados envolvendo métodos passivos ou ativos, diretos ou indiretos. É importante ressaltar que, em levantamentos faunísticos, o uso de métodos complementares permite quea amostragem realizada seja mais eficiente, já que possibilita a captura de maior número de espécies em um intervalo de tempo menor (LYRA- JORGE; PIVELLO 2001, UMETSU et al., 2006; CARMIGNOTTO; AIRES, 2011). 1. Balde com Báscula Os pequenos mamíferos podem ser capturados com armadilhas preparadas em campo, como armadilhas de tampa basculante. Corte a tampa de uma grande lata e faça uma dobradiça de arame no ponto central, de equilíbrio. Qualquer animal que andar sobre a tampa cairá dentro da lata. A lata deve estar enterrada ao nível do solo e a tampa, estar camuflada com gravetos e terra solta (Figura 48) 2. Armadilhas de interceptação e de queda (pit-fall traps) Essas armadilhas são comumente utilizadas com uso de baldes ou caixas de armazenamento de água. O balde deve ter capacidade mínima de 20 litros, e as estações podem ser dispostas em linhas ou em forma de Y. Na disposição em formato de Y, cada estação de armadilhas de interceptação e de queda é composta por quatro baldes enterrados no solo, sendo um central e os outros três dispostos a quatro metros de distância dele, isto é, nos vértices de um triângulo equilátero imaginário (CARMIGNOTTO; AIRES, 2011). Uma lona de 50 COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIAL ZOOLÓGICO 153 cm de altura é esticada perpendicularmente ao solo, unindo o balde central aos outros três e funcionando como cerca-guia, como descrito na disposição radial em Cechin e Martins (2000). Essa lona fará com que o animal, ao encontrar o obstáculo, desloque-se lateralmente até que ocorra a queda (Figuras 49-51). O tamanho relacionando diâmetro e profundidade dos baldes utilizados determinará o tipo de animal a ser interceptado. Animais maiores podem eventualmente fugir das armadilhas. Através deste método de amostragem, pode- se coletar um grande número de vertebrados, como mamíferos (especialmente roedores e marsupiais), répteis (Figura 51) e anfíbios, além de invertebrados (aracnídeos, quilópodes, diplópodes, crustáceos, insetos etc.). Segundo Umetsu et al. (2006), armadilhas de interceptação e de queda são eficientes na captura de espécies raras e de indivíduos jovens, provavelmente porque eles são menos seletivos e, então, essensiais para o inventariamento da rica e pouco conhecida fauna de pequenos mamíferos dos trópicos, e para estudos demográficos. De acordo com Ribeiro-Júnior et al. (2011), a utilização de baldes de 35 litros apresenta um melhor custo-benefício para amostragem exclusiva de répteis e anfíbios. No entanto, em estudos multitaxonômicos, recomenda-se a utilização de baldes com pelo menos 100 litros, pois estes permitem a amostragem de maior número de espécies de mamíferos (RIBEIRO-JÚNIOR et al., 2011). Ainda de acordo com esses autores, a forma de disposição das armadilhas (em formato de linha ou de Y) não apresenta influência sobre o número de espécies amostradas de répteis, anfíbios ou mamíferos. Figura 49: Balde enterrado com tampa em báscula coberta com pedriscos e gravetos. Fonte: Durrell e Durrell (1996). Adaptado. 154 UNIDADE 2 3. Armadilhas tipo gaiolas Essas armadilhas são métodos passivos para amostragem de pequenos mamíferos (roedores e marsupiais), utilizando-se equipamentos feitos de metal para capturar os indivíduos. Os modelos mais utilizados são os de Longworth (Figura 51A), Shermann e Tomahawk (Figura 51B-D). Essas armadilhas possuem tamanhos e formas variados; porém, todas possuem o mesmo modo de operação: há a colocação de uma isca para atrair os indivíduos de mamíferos que, ao entrarem na armadilha ou consumirem a isca, disparam um gatilho que fecha a porta da mesma, prendendo, assim, o animal em seu interior. Esta metodologia considera que os animais estão famintos e também curiosos. Podem-se utilizar hortaliças, grãos e sementes para herbívoros; carne crua para carnívoros; ou, ainda, misturas feitas com substâncias de cheiro forte e atrativo para espécies onívoras. Figura 50: Desenho esquemático de uma armadilha de interceptação e de queda, instalada em formato de Y, em vista superior (a) e em corte (b). Fonte: Elaborada pelos(a) autores(a). COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIAL ZOOLÓGICO 155 Figura 51: Armadilhas de interceptação e de queda, instaladas em formato de Y (A) e em linha (B). Fonte: Elaborada pelos(a) autores(a). 156 UNIDADE 2 Carmignotto e Aires (2011), por exemplo, utilizaram uma isca que visava a atrair espécies que apresentam dietas variadas. A isca foi constituída por uma mistura de pasta de amendoim, sardinha e fubá, e uma rodela de mandioca colocada nas gaiolas como suporte. Nesse mesmo trabalho, os autores utilizaram armadilhas com três tamanhos distintos: 7,5x8,5x23cm, 10x12x37,5cm e 19,5x20x32cm. Podem, ainda, ser utilizadas armadilhas maiores para mamíferos de médio e grande porte, com tamanho, por exemplo, de 50x60x120cm. Antes da utilização das armadilhas, é importante deixá-las dispostas na área de estudo por alguns dias, quando viável, para que os animais acostumem- se com o cheiro deixado pelos pesquisadores e a presença das armadilhas, de modo a maximizar o sucesso de captura. Durante a realização da amostragem com esse tipo de armadilhas, é importante também instalar as armadilhas a diferentes alturas, dispondo-as desde o nível do solo até 2 metros, com o intuito de amostrar espécies de hábito escansorial ou arborícola (ASTÚA et al., 2006; CARMIGNOTTO; AIRES, 2011). A disposição das armadilhas em campo pode ser feita a cada 15 metros para maximizar o esforço de coleta. Figura 52: Lagarto - Tupinambis quadrilineatus Manzani & Abe, 1997 capturado com armadilha de interceptação e de queda. Fonte: Elaborada pelos(a) autores(a). COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIAL ZOOLÓGICO 157 4. Armadilhas de caixa As armadilhas de caixa consistem em caixas de madeira com uma ou duas portas em lados opostos, e possuem funcionamento idêntico às armadilhas tipo gaiolas. São confeccionadas por marceneiro supervisionado pelo pesquisador, que estabelece o número de portas e as dimensões. Quando o mamífero tenta atravessar a caixa aberta, um gatilho é acionado e a porta fecha-se; no caso de duas portas, estas fecham-se simultaneamente, capturando o mamífero. A vantagem dessas caixas é a facilidade de manejo, uma vez que o animal já está em contenção no interior da caixa. A desvantagem é que nem sempre a caixa obedece à proporcionalidade desejada, uma vez que não temos como prever a possibilidade de captura de outro animal que não seja a espécie em estudo. Normalmente, a armadilha é colocada em trilhas e são utilizadas iscas para atrair os indivíduos (Figura 53). Figura 53: Armadilhas tipo gaiolas. A. Armadilha tipo Longworth; B-D. Armadilha tipo Tomahawk, armada; (C), com um roedor capturado; (D) e pesquisador retirando roedor da armadilha. Fonte: A: Durrell e Durrell (1982); B-D. 158 UNIDADE 2 5. Armadilhas fotográficas (câmera trap) Os estudos relativos à fauna silvestre de mamíferos envolvem muitas dificuldades, principalmente com aqueles de médio e grande portes. Para resolver este problema, pode-se fazer uso de câmeras fotográficas com sensores que detectam luz, som, calor ou movimento, disparando, assim, a máquina fotográfica e registrando o animal (Figura 55). Atualmente, existem diversos modelos de armadilhas fotográficas disponíveis no mercado brasileiro. Alguns estudos que envolvem a realização de senso utilizam câmeras distribuídas em pares, para que os animais sejam fotografados de ambos os lados, de forma a poder fazer-se uma identificação de cada indivíduo baseado em marcas de seu corpo (ex.: padrão de coloração, cortes, cicatrizes etc.). As armadilhas fotográficas são instaladas em árvores, a uma altura média de 45cm do solo, e aproximadamente a 2m do ponto alvo da fotografia (LIMA, 2009). Locais estratégicos são selecionados (trilhas naturais de animais que, muitas vezes, são antigas estradas ou aceiros), uma vez que mamíferos de médio e grande porte geralmenteusam essas áreas nos seus deslocamentos. Este método de coleta pode ser considerado caro, visto a necessidade de aquisição dos equipamentos; porém, é extremamente eficiente em estudos de inventários ou ecologia de mamíferos de médio e grande porte. Figura 54: Armadilha em caixa com gatilho lateral e porta que se fecha ao ser acionada ou pela passagem do animal, que aciona o gatilho, ou por tentativa de retirar a isca. Fonte: Elaborada pelos(a) autores(a). COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIAL ZOOLÓGICO 159 6. Procura em estradas Este método corresponde ao encontro de animais avistados em estradas e aceiros no interior da área de estudo, percorridos com veículo. Podem ser utilizados os aceiros percorridos frequentemente para a realização de outros protocolos amostrais ou, ainda, estradas ou vias pavimentadas (ou não) para a realização desta metodologia. O esforço de coleta pode ser quantificado em quilômetros rodados, com uma velocidade do veículo entre 20 e 30 km/h, no máximo 40 km/h (SAWAYA et al., 2008). Esta metodologia pode ser empregada no estudo de mamíferos (BROCK; KELT, 2004; CÁCERES et al., 2010; CÁCERES, 2011) e répteis (SAWAYA et al., 2008). 7. Procura visual limitada por tempo (ou coleta ativa) Este método consiste no deslocamento a pé, lentamente, à procura de animais em todos os microambientes visualmente acessíveis (CAMPBELL; CHRISTMAN, 1982; SCOTT et al., 1989; MARTINS; OLIVEIRA, 1998). O esforço amostral e a taxa de encontro podem ser medidos em horas-pessoa de procura visual (MARTINS; OLIVEIRA, 1998). Cada unidade amostral é considerada o conjunto de indivíduos registrados (visualizados, capturados e/ou coletados) em determinado período de tempo, por cada coletor. Figura 55: Armadilha fotográfica instalada em árvore nas margens de um riacho. Fonte: Elaborada pelos(a) autores(a). 160 UNIDADE 2 Esta metodologia é aplicada, frequentemente, no estudo de répteis e anfíbios (CAMPBELL; CHRISTMAN, 1982; SCOTT et al., 1989; MARTINS; OLIVEIRA, 1998; PRUDENTE; SANTOS-COSTA, 2005; NOGUEIRA et al., 2005; SAWAYA et al., 2008; PRUDENTE et al., 2010; ROCHA; PRUDENTE, 2010). Quando serpentes são encontradas, cada animal é capturado com a mão, pinção ou gancho, e manipulada com tubos plásticos, no caso das espécies peçonhentas. 8. Armadilhas de cola Essa metodologia tem sua aplicação recente, embora tenha sido proposta há bastante tempo (BAUER; SADLIER, 1992). É utilizada para a amostragem de lagartos arbóreos ou semiarbóreos (RIBEIRO-JÚNIOR et al., 2006) ou mesmo serpentes (RIBEIRO-JÚNIOR et al., 2008). As armadilhas são adesivos plásticos, colocados em galhos e troncos de árvores e em lianas ou troncos caídos. Quando os indivíduos passam por essas armadilhas ficam grudados e, posteriormente, são recolhidos pelo coletor. Elas devem ser checadas mais de uma vez por dia, visto que há grande taxa de predação dos indivíduos coletados por formigas. A taxa de mortalidade pode variar entre 11 e 48% (GLOR et al., 2000; VARGAS et al., 2000; RIBEIRO-JÚNIOR et al., 2006). Diversos autores afirmam que este método é o mais apropriado para a amostragem de espécies arbóreas ou semiarbóreas, podendo ser complementar a métodos tradicionais de amostragem de répteis (BAUER; SADLIER, 1992; GLOR et al., 2000; RIBEIRO-JÚNIOR et al., 2006, 2008). 9. Armadilhas tipo covo ou muzuá Esta metodologia é indicada, principalmente, para a amostragem de vertebrados aquáticos, como peixes, girinos, cágados, tartarugas e serpentes aquáticas, embora, eventualmente, possam ser coletados invertebrados aquáticos (camarões, por exemplo). A armadilha tipo covo pode ser construída artesanalmente, cortando-se a parte superior de uma garrafa PET de 2 litros (ou de maior volume), e virando- se a ponta da garrafa para o seu interior, formando, assim, um funil. É possível, ainda, montar-se um funil duplo, acoplando-se duas partes superiores em uma mesma garrafa cortada. Podem-se utilizar iscas como farinha de mandioca ou fubá para atrair os indivíduos. Os covos podem, também, ser construídos artesanalmente com gravetos ou com arames. COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIAL ZOOLÓGICO 161 As armadilhas são colocadas no interior de cursos d’água lênticos ou lóticos (de acordo com o objetivo do estudo), próximas a tocas ou à beira dos cursos d’água. Os modelos feitos com garrafas PET podem ser utilizados em complemento a armadilhas de interceptação e de queda, para maximizar a amostragem daquele método, dispondo-se os covos próximos às cercas-guia. Neste caso, as armadilhas poderão maximizar a amostragem de répteis e anfíbios, principalmente. Pode-se, ainda, confeccionar essas armadilhas utilizando-se tubos de PVC, com o diâmetro correlacionado com o grupo zoológico que se deseja coletar. O funil, em ambas as extremidades ou apenas em uma, pode ser feito com tela de arame flexível, de forma a moldar-se ao diâmetro do tubo (Figura 56). Para a captura de animais atraídos por luz, pode ser colocada no interior do tubo uma lanterna, que deve estar hermeticamente protegida da água. Uma opção para isto é a colocação da lanterna no interior de um frasco de vidro com tampa de boa vedação. A lanterna acesa no interior do tubo atrairá organismos aquáticos, assim como alguns peixes bioluminescentes atraem suas presas (e.g. Argyropelecus aculeatus (Valenciennes, 1850)) (DURRELL; DURRELL, 1982). Considerando o ambiente lótico ou lêntico, o coletor que fará uso do covo deverá considerar a profundidade local e amarrar uma corda ou fio de náilon (conforme o caso) preso a uma boia ou na extremidade de algum ponto fixo, pois ambientes com correnteza e locais profundos dificultarão o recolhimento da armadilha. Outras armadilhas semelhantes ao covo, utilizadas para coletar quelônios, são as armadilhas tipo fyke net (Figura 56), sendo a maioria confeccionadas com Figura 56: Armadilha tipo covo, com iluminação interna. Fonte: Durrell e Durrell (1982). No mercado de pesca existem covos de plásticos com tamanhos variados e adequados ao tipo de vertebrado aquático que se deseja capturar. 162 UNIDADE 2 argolas de ferro com diâmetro 90-200cm e comprimento que varia de 3 a 4m, com entrada tipo funil. Essa estrutura de ferro é unida a uma rede com 9 a 14m de comprimento, 1 a 2m de altura, e 5cm de entrenós. Esse tipo de armadilha é colocado em locais rasos, onde o chumbo da parede de rede toque o chão, e os flutuadores fiquem aparentes na superfície do espelho d’água (FACHÍN-TERÁN; VOGT, 2004; VOGT, 1980). 10. Coleta de peixes Em geral, os métodos de coleta de peixes em riachos seguem os protocolos de Vanzolini e Papavero (1967), utilizando-se covos e puçás de mão. Pode ser necessária a marcação do local onde as armadilhas (covos) estão dispostas com a utilização de uma boia. Outra técnica atualmente utilizada é a pesca elétrica, como utilizado por Castro et al. (2003). O principal componente do equipamento de pesca elétrica (Figura 57A-B) utilizado por esses pesquisadores é um gerador portátil de corrente alternada (220 V, 50-60 Hz, 3,4-4,1 A, 1000 W), ligado a dois eletrodos por um cabo multifilamento flexível com 60 metros de extensão (CASTRO et al., 2003). O eletrodo em forma de espátula gradeada é feito de aço inoxidável (40cm de diâmetro, 10mm de malha); e o eletrodo de captura propriamente dito é um puçá triangular (40x25x15cm) com armação de alumínio e um saco de rede com 50cm de profundidade (1,5mm de malha). Ambos se ligam cabo principal por um fio condutor de 1,5mm de diâmetro. Por motivos de segurança, na empunhadura do puçá, há um botão interruptor que só permite a passagem de corrente quando pressionado; em adição, há também uma chave trifásica no cabo principal a dois metros do gerador (CASTRO et al., 2003). Figura 57: Armadilha tipo fyke net, com 10 metros de largura e quatro argolas tipo funil em cada extremidade. Fonte: Fachín-Terán e Vogt (2004). COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIALZOOLÓGICO 163 No trabalho de Castro et al. (2003), os coletores sempre trajavam macacões e luvas eletricamente isolantes (Figura 57B). Na realização de coletas de peixes em ambientes aquáticos de grandes dimensões, pode-se fazer uso do arrastão de beira ou do arrastão de fundo, conforme descritos em Neves et al. (2006) e Vasconcelos et al. (2010). Outras duas técnicas comumente utilizadas são o espinhel (Figura 58), para a captura de peixes bentônicos; e as redes de espera (ou parede, pano ou enganche), para a captura de peixes nectônicos (CARVALHO-FILHO, 1999; FAO, 1999; SZPILMAN, 1991). 11. Rede de neblina (mist nets) Este método de coleta é importante para a amostragem de aves (durante o dia) e morcegos (durante a noite). O equipamento utilizado consiste em uma rede de 12x 2,5m, com uma malha de 36mm, instalada de maneira sequencial, para formar uma grande fileira de redes, interceptando os animais durante o voo, e maximizando o esforço de coleta. Para a amostragem de aves, recomenda-se que as redes sejam abertas nas primeiras horas do dia (por volta de 5-6 horas da manhã), e fechadas por volta das 17 horas. Para a amostragem de morcegos, as redes devem ser abertas no período do final da tarde e durante o período noturno, horários de atividade desses animais. As redes podem ser instaladas nas bordas e no interior das matas, ou Figura 58: A: Vista geral do equipamento utilizado para pesca elétrica: gerador portátil de corrente alternada (centro, acima), cabo de conexão entre o gerador e os eletrodos (centro, abaixo), com interruptor de segurança, puçá condutor (esquerda) e eletrodo em forma de espátula, formado por rede metálica (direita); B: Equipe de coleta preparando-se para iniciar a passagem de pesca elétrica; os dois coletores do lado esquerdo da foto portam os eletrodos, e o do lado direito, um balde com água e um puçá simples, não condutor. Fonte: Castro et al. (2003). 164 UNIDADE 2 próximo a cursos d’água, de acordo com os objetivos do trabalho, e devem ser checadas a cada uma hora. Quando a amostragem é realizada em períodos mais secos e quentes do ano, em regiões pouco sombreadas, recomenda-se checar as armadilhas com maior periodicidade. 12. Senso auditivo e visual Este método de coleta permite, especialmente, a amostragem de aves e primatas, através da observação sistemática conduzida durante o período da manhã (05-11h) e durante a tarde (16-18h), amostrando, assim, espécies diurnas e noturnas. Durante as seções com enfoques visuais, os observadores caminham ao longo de trilhas pré-existentes e estradas, registrando todos os indivíduos visualizados. Para a amostragem de aves, é possível realizar a gravação das vocalizações desses indivíduos, utilizando um microfone unidirecional e um gravador. Pode-se realizar a reprodução (playback) da gravação para estimular visualizações adicionais. Quando a identificação não é possível em campo, de posse da gravação da vocalização de determinado animal, é possível identificá- lo comparando as gravações com aqueles disponíveis em coleções privadas ou laboratórios especializados. Este último procedimento é possível ser realizado com anfíbios anuros, em que as vocalizações de muitas espécies se encontram disponíveis em CD’s (HADDAD et al., 2005, 2008; TOLEDO et al., 2007; TOLEDO e HADDAD, 2011). Inventários de anuros, onde a espécie é identificada pela vocalização, são comuns e constituem um importante método de amostragem. Como a maioria dos anuros inicia seu ciclo de vocalização no período crepuscular, com pico Figura 59: Espinhel com lastro ao fundo, boia para o encontro da linha com vários anzóis Fonte: FAO (1999). Para mais informações sobre esse método, consulte Carvalho e Silva et al (2008) e Silva Soares (2010). COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIAL ZOOLÓGICO 165 até as 22h, a realização do senso auditivo de anfíbios deve ser realizado neste período do dia (ZINA et al., 2007; MELO et al., 2007), embora algumas poucas espécies vocalizem durante o período diurno. 13. Garrafas PET para amostragem de lagartos Um novo método passivo para a amostragem de lagartos foi apresentado por Souza et al. (2011). As armadilhas foram confeccionadas com o uso de recipientes de refrigerantes vazios tipo PET, entre 2 a 2,5 L (Figura 59A), com posterior remoção do gargalo (Figura 59B), de forma que o encaixe entre a conexão (curva de 90º raio longo e Ø de 100mm) e o recipiente se tornasse justa o suficiente para não fazer uso de fitas adesivas (SOUZA et al., 2011). Deve-se criar furos de 4mm na base dos recipientes para que funcionem como sistema de drenagem. A instalação das armadilhas nas áreas, após a escolha dos pontos, consiste no enterramento dos recipientes no solo com as aberturas das conexões ao nível do substrato (Figura 59D), onde são introduzidas as iscas generalistas (mistura de vísceras de peixe, creme de amendoim, banana e fubá), acondicionadas em copos descartáveis plásticos e camufladas de forma a integrarem o ambiente (SOUZA et al., 2011). 14. Vestígios indiretos Existem, ainda, as buscas por evidências diretas (visualizações de animais quando nenhum dos outros métodos está sendo aplicado) e indiretas (vestígios – rastros, fezes, carcaças e pelos – e levantamento bibliográfico) de animais (Figura 60A-D), que podem fornecer informações úteis e, assim, complementar a lista de espécies de determinada área de estudo. O registro indireto de animais pode ser útil, ainda, em estudos de ecologia, pois permite, por exemplo, entender os padrões de uso de habitat por determinadas espécies ou, ainda, a sua dieta, através da análise das fezes. Além disto, é possível coletar amostras de tecido para estudos moleculares de espécies raras ou ameaçadas de extinção (ex.: felinos - Figura 60D); aumentar o acervo de coleções zoológicas, aproveitando-se os animais silvestres encontrados mortos em beiras de estradas (atropelados por veículos - Figura 60C-D) ou em ambientes naturais; e ainda conseguir informações sobre parasitas, através da análise de fezes encontradas (Figura 60A). Alguns métodos de registros indiretos são descritos a seguir, nos tópicos Registro do deslocamento e Registro dos rastros. 166 UNIDADE 2 Figura 60: Amostragem de lagartos com garrafas PET. Etapas da construção e instalação da armadilha (A-C); armadilha instalada no solo (D); e armadilha com um exemplar de Ameiva ameiva no interior (E). Fonte: Elaborada pelos(a) autores(a). Figura 61: Métodos de registros indiretos de vertebrados. A: Fezes de um carnívoro, contendo restos de um lagarto predado; B: Pegada de um felino (Leopardus sp.); C: Pesquisadores examinando raposa (Cerdocyon thous) encontrada morta em estrada; D: Felino (Leopardus sp.) encontrado morto em estrada. Fonte: Elaborada pelos(a) autores(a). COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIAL ZOOLÓGICO 167 CONTENÇÃO DE ANIMAIS A contenção de animais exige experiência, e pode ocorrer de forma mecânica ou com aplicação de anestésicos. Independente do método a ser escolhido, é recomendada a vacinação de pré-exposição da raiva através do uso de doses repetidas para adquirir imunidade (COSTA, 2000). É importante destacar que grande número de doenças são transmitidas por vertebrados; portanto, é imprescindível o uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPI’s), tais como óculos, luvas, botas e tantos outros que se fizerem necessário à técnica de manejo relacionada à espécie em estudo. 1. Contenção Mecânica Cambão: É o instrumento mais utilizado para contenção de animais, capturando-os pelo pescoço. Este método exige experiência, pois do contrário, ocorrem lesões na coluna cervical ou mesmo asfixia do animal. O cambão pode ser adquirido ou montado de forma artesanal, utiizando-se uma haste de madeira ou PVC com furo para passagem de um cordão ou cabo de aço, preso em nó, e uma braçadeira para correr o laço. Laçada com cabresto: Esta é outra forma de prender a cabeça do animal sem o usodo cambão ou de forma associada, onde o animal é preso pelo cambão e, em seguida, é colocado um laço na cabeça, fazendo o aprisionamento de sua mandíbula (Figura 61) (MILLEN, 1988). Laçada dos membros: As laçadas de membros para derrubar o animal são muito utilizadas em animais rurais (equinos e bovinos), e também podem ser utilizadas Figura 62: Laçada da cabeça com volta na mandíbula para prender o movimento da boca. Fonte: Elaborada pelos(a) autores(a). 168 UNIDADE 2 com animais silvestres; porém, tudo vai depender do nível de estresse do animal e da experiência de manejo com a laçada (Figura 62A-B). Trava e pinção herpetológicos: Estes objetos são muito utilizados para a contenção e o manejo de serpentes, permitindo o seu manuseio com maior segurança. A força empregada na utilização dos mesmos deve ser medida de forma a não machucar o animal, sob o risco de morte. As travas herpetológicas são constituídas de uma ou várias peças de metal (ferro, aço inox ou alumínio), contendo uma extremidade curva, em forma de L, C, ou formatos semelhantes. Os pinções herpetológicos são equipamentos que possuem uma extremidade (punho) com um mecanismo que ativa o fechamento das duas abas da outra extremidade, semelhante ao fechamento de uma boca de jacaré. Figura 63: Desenho esquemático do laço para membros (A) e laçada nas patas traseiras e dianteiras que, quando puxadas, derrubam o animal (B). Fonte: Elaborada pelos(a) autores(a). COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIAL ZOOLÓGICO 169 Esses equipamentos podem ter tamanhos variando entre 30-200cm. Em situações imprevistas, em campo, pode-se utilizar também um pedaço de galho ou vareta de madeira, contendo uma forquinha em uma extremidade, para auxiliar na captura de determinada serpente (Figura 63A). 2. Contenção química Dardos anestésicos: o funcionamento de dardos tranquilizantes para contenção de animais baseia se no uso de um êmbolo injetor de droga no momento do impacto contra o animal, disparado por arma de gás comprimido. O porte da arma é regido pela Lei Federal 9.437/1997, e o protocolo anestésico deve ser preparado, obrigatoriamente, por médico veterinário, visto que o uso incorreto de determinado anestésico, ou sua dosagem, pode acarretar a morte do animal. O uso de dardos em veados campeiros (Ozotoceros bezoarticus) e antas (Tapirus terrestris), por exemplo, pode ser consultado em Medici (2007) e Piovezan et al. (2006). A possibilidade de contenção sem o uso de dardo com anestésicos inaladores é factível e produz imobilidade desejada para o manejo do indivíduo capturado (DUARTE; SARAIVA, 2005). Mamíferos voadores: A contenção química desses indivíduos é feita quando estão presos nas redes de neblina, aplicando-se o anestésico manualmente, tanto no caso de contenção para o manejo, quanto para promover a morte do animal (Figura 64). Figura 64: Utilização de trava herpetológica para manejo de uma serpente (cascavel, Caudisona durissa). A: Pesquisador segurando serpente utilizando a trava herpetológica; B: Serpente contida utilizando a trava herpetológica. Fonte: Elaborada pelos(a) autores(a). 170 UNIDADE 2 BIOMETRIA DE VERTEBRADOS A biometria é a técnica utilizada para obter informações morfológicas sobre a espécie. Normalmente, as determinações morfométricas são feitas para determinada amostra de estrutura de indivíduos diferentes, e obter-se um resultado que deve representar estatisticamente a média das medidas. Muitas vezes, esses resultados correspondem a relações matemáticas entre a forma e o tamanho nas diferentes estruturas anatômicas. Esta relação entre a forma e o tamanho é dita alométrica, e pode responder a um conjunto de indagações, como faixa etária, grau de desenvolvimento e ontogenia (MANDARIN-DE-LACERDA, 1995) A realização de medidas deve, preferencialmente, ser feita em animal recentemente abatido, nunca sobre a pele já taxidermizada ou animal já fixado (VANZOLINI; PAPAVERO, 1967), utilizando-se régua ou paquímetro. A realização deste procedimento garante maior confiabilidade às medidas realizadas, visto que, após a fixação e a taxidermia, as proporções de determinado animal podem estar alteradas. Biometria de Peixes Quando se trabalha com indivíduos muito grandes para serem fixados e transportados, preserva-se somente a cabeça em via úmida ou seca, e tomam- Figura 65: Morcego (Artibeus lituratus) sendo anestesiado para o manejo. Fonte: Elaborada pelos(a) autores(a). COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIAL ZOOLÓGICO 171 se as seguintes medidas (VANZOLINI; PAPAVERO, 1967): (1) altura máxima das nadadeiras dorsal, peitoral, ventral e anal; (2) altura mínima do pedúnculo caudal; (3) altura: medida logo à frente da nadadeira dorsal; (4) comprimento da base das nadadeiras dorsais e anal; (5) comprimento da cabeça; (6) comprimento da nadadeira peitoral; (7) comprimento padrão: medido da ponta do focinho até o início da nadadeira caudal; (8) comprimento total: medido da ponta do focinho até a extermidade da nadadeira caudal; (9) distâncias pós e pré-orbitais; (10) largura do olho; (11) largura do opérculo; (12) largura máxima; (13) número de escamas perfuradas na linha lateral e de escamas em série transversal, isto é, da linha lateral até o início da nadadeira dorsal, e da linha lateral até a base da ventral; e (14) número de raios em todas as nadadeiras. As Figuras 65-67, adaptadas de Carvalho-Filho (1999), apresentam esquemas de medidas de peixes ósseos (Osteichthyes) (Figura 65) e peixes cartilaginosos (Chondrichthyes) (Figuras 66-67). Figura 66: Esquema detalhado de medidas de um peixe ósseo. 1: Premaxila; 2: Maxila; 3: Mandíbula superior; 4: Mandíbula inferior; 5: Interopérculo; 6: Preopérculo; 7: Subopérculo; 8: Opérculo; 9: Narinas; 10: Olho; 11: Primeira nadadeira dorsal. Fonte: Carvalho-Filho (1999). Modificado. 172 UNIDADE 2 Figura 67: Esquema detalhado de medidas de um peixe cartilaginoso (tubarão). A: Comprimento total; B: Cabeça (inclui as fendas branquiais); C: Tronco; D: Cauda (do ânus para trás); E: Comprimento da nadadeira peitoral; F: Espaço interdorsal; G: Comprimento do focinho; H: Espaço internasal; I: Largura da boca; 1: Focinho; 2: Boca; 3: Sulco labial; 4: Fenda nasal; 5: Olho com membrana nictitante (semelhante à pálpebra); 6: Espiráculo; 7: Fendas branquiais; 8: Nadadeira peitoral; 9: Espinho da nadadeira dorsal; 10: Primeira nadadeira dorsal; 11: Segunda nadadeira dorsal; 12: Pedúnculo caudal; 13: Sulco pré-caudal; 14: Nadadeira caudal; 15: Lóbulo inferior; 16: Lóbulo superior; 17: Sulco subterminal; 18: Lóbulo terminal; 19: Quilha dérmica. Fonte: Carvalho-Filho (1999). Modificado. Figura 68: Esquema detalhado de medidas de um peixe cartilaginoso (arraia). A: Comprimento do focinho (pre-orbital); B: Comprimento do disco; C: Comprimento do focinho (pre-oral); D: Largura do disco (envergadura); E: Comprimento da cauda; 1: Olho; 2: Espiráculo; 3: Nadadeira peitoral; 4: Espinhos das peitorais (no macho); 5: Fileira longitudinal de espinho; 6: Nadadeira pélvicas; 7: Aguilhão (espinho); 8: Primeira nadadeira dorsal; 9: Segunda nadadeira dorsal; 10: Nadadeira caudal; 11: Clásper (no macho); 12: Fenda nasal; 13: Boca; 14: Fendas branquiais; 15: Ânus. Fonte: Carvalho-Filho (1999). Modificado. COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIAL ZOOLÓGICO 173 Biometria de Anfíbios (Anuros) Esses animais apresentam uma complexa morfologia por apresentarem desenvolvimento larvário (girinos) com dependência aquática e, quando adultos, são semiaquáticos (DUELLMAN; TRUEB, 1994). Aspectos alométricos de anuros ainda continuam sendo motivos de discussão e pesquisa (HAYEK et al., 2001; SCHULTE-HOSTEDDE et al., 2011). As principais medidas em anuros adultos são: comprimento rostro cloacal, comprimento da cabeça, distância do olho narina, comprimento do rádio-ulna, fêmur, tíbia, tarso e distância interorbital (HÖFLING et al., 1995). Na Figura 68, são apresentadas algumasdessas estruturas. Biometria de girinos Esta fase morfológica dos anuros requer um cuidado especial, e devem ser levados em consideração os estágios de desenvolvimento, desde o zigoto até o estágio de imago, correspondendo a 46 estágios de desenvolvimento (GOSNER, 1960; DUELLMAN; TRUEB, 1994; McDIARMID; ALTIG, 2000). Para girinos, são consideradas as seguintes medições: comprimento do corpo, distância internasal, distância iterorbital, altura da cauda, comprimento total altura até o eixo muscular caudal, altura do músculo caudal. Figura 69: Esquema em vista dorsal de anuro adulto. Fonte: Höfling et al. (1995). 174 UNIDADE 2 Biometria de répteis Esta classe compreende serpentes, lagartos, jacarés, jabutis e tartarugas, e, em virtude das diferenças corporais entre estes animais, trataremos suas biometrias separadamente. Lagartos: Em trabalhos recentes de sistemática de lagartos, como o de Silva (2011), são utilizadas as seguintes medidas padrões: comprimento rostro- cloacal, medido desde a ponta do focinho até a abertura cloacal (CRC); largura da cabeça, medida na altura das parietais, transversalmente (LCA); altura da cabeça, medida na altura das parietais (ACA); comprimento da cabeça, medido da ponta do focinho à margem posterior da abertura auricular (CCA); comprimento do braço, medido do ponto de inserção do membro no corpo até a articulação do cotovelo (CB); comprimento do antebraço, medido da articulação do cotovelo até a articulação do pulso (CA); comprimento da coxa, medido do ponto de inserção ântero-ventral do membro até a articulação do joelho (CC); comprimento da perna, medido da articulação do joelho até o calcanhar (CP); Figura 70: Desenho esquemático das medidas de um girino, em vistas dorsal (A) e lateral (B). BL: comprimento do corpo; IND: distância internasal; IOD: distância nterorbital; LB: broto do membro; MTH: altura da cauda; OD: disco oral; SP: espiráculo; TAL: comprimento da cauda; TL: comprimento total; TMA: altura até o eixo muscular caudal; TMH: altura do músculo caudal; TMW: largura do músculo da cauda; e, VT: tubo anal. Fonte: Altig (2007). Modificado. COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIAL ZOOLÓGICO 175 comprimento da cauda, medido a partir da abertura cloacal à extremidade distal da cauda (CCD). Segundo SILVA (2011), para efeito de análises estatísticas em trabalhos de sistemática de lagartos, em muitos espécimes a cauda pode apresentar se regenerada ou quebrada; porém, essa medida não deve ser utilizada nas análises. Crocodilos e jacarés: Como esses animais costumam permanecer com seus corpos encobertos pela água e a cabeça parcialmente exposta, alguns autores desenvolveram técnicas morfométricas que permitem estabelecer o tamanho corpóreo a partir da avaliação da cabeça do indivíduo avistado, isto é, a cabeça apresenta alometria positiva, permitindo estabelecer o tamanho do animal (VERDADE, 2001; BONACH et al., 2006; WU et al., 2006). Ao capturar um animal desses, é possível tomar-se as seguintes medidas: largura da cabeça (CV), largura orbital (OL), largura máxima nasal (WN), largura da base do focinho (SW), largura interorbital (IOW), largura orbital (OW), comprimento pós-orbital (LCR), comprimento total da cabeça (DCL), comprimento do focinho (SL), comprimento do palato maxilar (PXS), comprimento da mandíbula (ML) (WU et al., 2006). Quelônios: Tartarugas, cágados e jabutis apresentam plastrão e carapaça. Para esses animais, existe uma técnica de biometria plana que pode ser empregada. As medições são: o número de escudos dérmicos marginais e o comprimento Figura 71: Desenho esquemático da região anterior do corpo de um crocodiliano em vistas dorsal (A) e lateral (B). Fonte: Wu et al. (2006). Modificado 176 UNIDADE 2 retilíneo da carapaça (LUZ et al., 2003). Segundo Eckert et al. (2000), as medidas transversal e longitudinal da carapaça, feitas de maneira retilínea, são as duas medidas padrões para avaliação do crescimento de quelônios, pois o uso de fita métrica gera erros. Outra forma de estabelecimento das medidas é considerar o plastrão e a carapaça, identificando e medindo cada um dos escudos da carapaça e regiões do plastrão (POUGH et al., 2008; KARDONG, 2011), como mostrado na Figura 71. Serpentes: A biometria de serpentes está relacionada com as suas medidas gerais: comprimento da cabeça, medido do início do focinho até porção terminal da mandíbula; comprimento da cauda, medido da cloaca até a ponta da cauda; comprimento total, medido da ponta do focinho até o final da cauda; diâmetro do olho; diâmetro no meio do corpo; disposição e número de escamas. Figura 72: Escudos dérmicos da carapaça (A) e regiões ósseas do plastrão de um cágado . Fonte: Elaborada pelos(a) autores(a). COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIAL ZOOLÓGICO 177 Biometria de aves Medidas padrões para aves, de acordo com Sick (1997): (1) altura do bico, na base; (2) comprimento da asa, medido desde a base até o final (excluindo-se as penas); (3) comprimento da cauda, medido a partir da base das retrizes (encostando-se à pele da cauda) até a ponta das retrizes mais longas; (4) comprimento do bico (cúlmen), medido da base o início das narinas até a ponta do bico; (5) comprimento do dedo mais comprido, incluindo a unha; (6) comprimento do tarso, medido desde a base até o final das penas; (7) comprimento total com penas, medindo desde a ponta do bico até o final das penas da cauda; (8) comprimento total sem penas, medindo desde a ponta do bico até o final da cauda (sem contar as penas da cauda); (9) largura do bico na base; e (10) massa, medido com a utilização de balanças. Figura 73: Esquema das escamas dorsais de um colubrídeo, mostrando a maneira de contar o número de fileiras. À esquerda, indicação esquemática de quilhas simples; no meio, de quilhas duplas; à direita, dois tipos de fossetas apicais (simples e duplas). Fonte: Vanzolini et al. (1980). 178 UNIDADE 2 Biometria de ovos Pode-se, ainda, realizar medidas de ovos de aves ou de répteis. Neste caso, as medidas a serem tomadas são o comprimento total, a largura máxima e o peso total, em gramas. A partir destas medidas, podem ser calculados outros parâmetros, tais como o volume de determinado ovo. Figura 74: Esquemas de medidas de aves. Medidas: A: Comprimento total, com penas; B: Comprimento total, sem penas; C: Comprimento do bico: (1) comprimento do cúlmen, medido da base até a ponta bico, (2) Quando existe uma cera, mede se da borda anterior da narina até a ponta do bico; D: Altura do bico na base; E: Largura do bico na base; F: Comprimento da asa, modo de medir uma ave menor, esticando a asa; G: Medição da asa pouco flexível de uma ave grande; H: Comprimento da cauda, medido da base das retrizes, encostando-se à pele, até a ponta das retrizes mais longas; I: Comprimento do tarso; J: Comprimento do dedo mais comprido, com a unha. Outras abreviações: CA: Calcanhar; O: Osso do crânio; P: Contorno das penas; C: Coberteiras da cauda; R: cálamos das retrizes. Fonte: Sick (1967). COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIAL ZOOLÓGICO 179 Biometria de mamíferos Em geral, segue-se o seguinte processo, conforme descreve Vanzolini e Papavero (1967): (1) mede-se a cabeça e o corpo, da ponta do focinho à base (início) da cauda, dorsalmente; (2) mede-se a cauda, desde a base até a ponta, com exclusão dos pelos terminais, se houver; (3) mede-se a planta do pé, do calcanhar à ponta do dedo mais longo, com exclusão de pelos e unhas; e (4) mede-se a orelha, por dentro, desde a parte presa à cabeça até a extremidade livre. Para medir cabeça e corpo, além da cauda, coloca-se o animal deitado de barriga para cima, sobre uma prancha ou mesa, puxando-o ligeiramente para trás, pela cauda, para que não fique encolhido e deixando a cauda pendente. Coloca-se a ponta da régua (ou paquímetro) na região da primeira vértebra caudal, onde ela flexiona com o corpo e mede-se, sucessivamente, cabeçae corpo, com a régua ao longo do animal, e depois a cauda (VANZOLINI; PAPAVERO, 1967). No caso de morcegos, é considerado como aspecto biométrico o comprimento do antebraço, a envergadura das asas e o peso (REIS et al., 2005). Na Figura 75, é possível ver esquemas de medidas para mamíferos. Figura 75: Medição de um ovo de jacaré, utilizando um paquímetro. Fonte: Elaborada pelos(a) autores(a). 180 UNIDADE 2 TÉCNICAS PARA O REGISTRO DO COMPORTAMENTO BIOLÓGICO Quando a intenção é fazer o registro digital através da fotografia, filmagem e gravação sonora para obter dados do comportamento animal e construção de etogramas, o pesquisador deve promover as anotações em seu caderno de notas e compará-los com os registros digitais. Os iniciantes podem buscar subsídios em livros sobre comportamento. Quanto mais cuidado tiver no planejamento da excursão ao campo, com conhecimento sobre a espécie a ser estudada e equipamentos, maior será a obtenção dos dados. Quanto às roupas, não deve utilizar roupas de náilon, pois estas fazem barulho com o deslocamento do corpo; o melhor é optar por algodão. Se o ambiente for frio, utilize peças sobrepostas para facilitar tirar uma ou duas peças, se esquentar; escolha roupas verde-oliva ou pardas; utilize boné com filó para evitar os insetos; e, mesmo em ambientes quentes, use blusas de Figura 76: Guia de biometria padrão para mamíferos canídeos. Fonte: Ramos-Júnior et al. (2003). Krebs e Davies (1996) e Del Claro (2004) são autores que podem dar esses subsídios. COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIAL ZOOLÓGICO 181 manga comprida de algodão e finas, que ajudam contra os indesejáveis insetos hematófagos. Para registro de comportamento biológico, o uso de repelentes, perfumes e desodorantes de cheiros fortes não é desejável. Abaixo, são descritos diversos métodos de registros de comportamento biológico. Registros em abrigo O abrigo para os registros pode ser de lona ou mesmo barraca de camping camuflada. Pode-se, ainda, construir abrigos suspensos permanentes, para facilitar a visualização de animais a uma distância maior e poder observar acima do nível da vegetação herbácea e arbustiva (Figura 76). Este deve possuir aberturas frontais, laterais e nos fundos. Essas aberturas devem ser discretas e servirão apenas paro o uso do binóculo, máquina fotográfica ou filmadora. O abrigo deve ser instalado com pelo menos uma semana de antecedência, para que os animais se acostumem com sua presença. Registros sem abrigo Outra forma de fazer os registros sem a construção do abrigo é utilizar esconderijos disfarçados, como folhagens, rochas ou troncos, posicionando- se contra o vento e limpando o chão para evitar fazer barulho ao deslocar-se (Figura 77). Figura 77: Pesquisador em observatório permanente elevado. Fonte: Elaborada pelos(a) autores(a) Para mais detalhes sobre registros de rastros, consultar Becker e Dalponte (1991). 182 UNIDADE 2 . Registro do deslocamento A utilização de bandejas plásticas com isca, farelo, grãos ou qualquer outro alimento, e uso de corante comestível, como os usados para confeitar bolos, pode ser uma excelente experiência para avaliar o deslocamento de pequenos mamíferos em busca de alimentos. Inicialmente, usa-se a isca sem corante e, depois de alguns dias, coloca-se o corante. Os mamíferos costumam deixar excremento enquanto se alimentam e, com a distribuição de várias bandejas, seus excrementos serão deixados ao longo de trilhas, onde poderá ser estudado deslocamento e outros hábitos associados à espécie (DURRELL; DURRELL, 1982). Registro dos rastros Os rastros são marcas deixadas pelos animais, por onde passam, tais como pegadas, arranhões em árvores, mudas de pele, carcaças de presas mortas etc. São formas tão precisas que, muitas vezes, é possível realizar a identificação do animal em nível específico, através da pegada, além de auxiliarem em estudos de censos populacionais. As pegadas são os sinais mais frequentemente encontrados e de interpretação mais confiável (BECKER; DALPONTE, 1991). Os registros das pegadas de mamíferos são baseados em sua topografia e deslocamento conforme o grupo: digitígrados; plantígrados e ungulígrados (Figuras 78-81). Figura 78: O pesquisador construiu um esconderijo, ficou contra o vento com máquina montada em tripé com teleobjetiva de 400mm Fonte: Durrell e Durrell (1982). COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIAL ZOOLÓGICO 183 Figura 79: Desenhos esquemáticos da impressão da pata anterior direita (A) e da pata posterior direita (B) de um mamífero digitígrado. Fonte: Becker e Dalponte (1991). Figura 80: Desenhos esquemáticos da impressão da pata anterior direita (A) e da pata posterior direita (B) de um mamífero plantígrado. Fonte: Becker e Dalponte (1991). Figura 81: Desenho esquemático da impressão da pata de um mamífero ungulígrado. Fonte: Becker e Dalponte (1991). 184 UNIDADE 2 As pegadas que, porventura, existirem de forma nítida, podem ser modeladas em gesso. A nitidez depende do tipo de terreno, sendo os melhores a lama de rios e banhados, as trilhas de florestas e depressões úmidas. O gesso de escultor é recomendado para a moldagem. Inicialmente, limpa se a pegada de forma delicada com pincel macio; posteriormente, envolve-se a pegada com uma tira de papelão moldável e presa por clipe, apertando-se o papelão no solo e derrubando-se lentamente sobre a pegada, a mistura de gesso e água. Espera-se de 30 a 40 minutos e retira-se todo o molde. No laboratório, utilizam- se escova e água para clarear o modelo, que deverá ser etiquetado com as informações de campo que estavam no caderno de anotações (Figuras 82-83). A confecção desses moldes pode ser útil no desenvolvimento de atividades de educação ambiental com crianças, através de atividades de procura de pegadas ou algo do tipo. Além disso, é possível realizar a reprodução das pegadas em forma de desenhos, utilizando-se um plástico (ex.: transparências para retroprojetores) e pincéis marcadores permanentes para plástico. Coloca-se o plástico sob as pegadas e desenha-se seu contorno. Isto pode ser feito para posterior identificação dos animais que produziram as pegadas encontradas. COMO MATAR ANIMAIS APÓS A CAPTURA Se para a realização dos objetivos do trabalho ou para o registro das espécies em um inventário for necessário promover a morte dos indivíduos, deve-se adequar os métodos de sacrifício para cada táxon. É sempre importante lembrar que os melhores métodos para se matar um animal são aqueles rápidos e que evitem contraturas musculares ou lesões de qualquer tipo, e que ainda diminuem o sofrimento dos animais (VANZOLINI; PAPAVERO, 1967). Inicialmente, é preciso lembrar que toda atividade de pesquisa ou ensino que envolva a morte de qualquer animal, necessita de autorização específica para tal finalidade. Em caso de pesquisas que utilizem cobaias de laboratório (tais como ratos, sapos, cães, aves etc.), devem-se seguir os dispositivos legais da Lei de Experimentação Animal (Lei Nº 11.794, de 8 de outubro de 2008), além da necessidade de autorização de um comitê de ética em pesquisa com seres vivos. Em caso de haver necessidade de captura e coleta (morte) de animais silvestres, então, é preciso cumprir os dispositivos legais da Instrução Normativa nº 154, do Institudo Chico Mendes de Proteção à Biodiversidade (ICMBIO), e autorização expedida através do Sistema de Autorização e Informação em Biodiversidade (SISBIO). COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIAL ZOOLÓGICO 185 Além disso, deve-se seguir ainda os procedimentos e métodos de eutanásia em animais, estabelecidos pela Resolução Nº 714, de 20 de junho de 2002, do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV). Visto isto, os métodos e procedimentos abaixo descritos são usualmente praticados em atividades de ensino e pesquisa com animais, especialmente vertebrados, o que não exclui a necessidade de cumprir-se a legislação indicada acima ede obter-se as devidas autorizações. Figura 82: Medidas padrões utilizadas para trilhas de mamíferos. Fonte: Becker e Dalponte (1991). 186 UNIDADE 2 Os anfíbios anuros (sapos, rãs e pererecas) devem ser mortos por afogamento em álcool diluído (20-40%); e, em animais maiores (Rhinella spp., Figura 83: Molde de gesso com moldura em papelão e gesso de escultor. Fonte: Durrell e Durrell (1982). Figura 84: Sequência de confecção de molde em gesso de pegada (A) de capivara (Hydrochaeris hydrochaeris); B) em tabuleiro de alumínio sem o fundo (C); e pegada pronta, após secagem do gesso (D). Fonte: Elaborada pelos(a) autores(a). Para uma discussão mais completa sobre métodos de sacrifício de répteis e anfíbios, ver COOPER et al. (1984, 1989). COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIAL ZOOLÓGICO 187 Leptodactylus spp., etc.), através de injeção intracraniana ou intracardíaca de barbitúrico (Nembutal, Tiopental, etc.), álcool absoluto, anestésicos (quetamina, xilocaína, lidocaína etc.) ou formol, com o uso de uma agulha inserida através do canto do olho ou da narina, ou diretamente no coração (VANZOLINI; PAPAVERO, 1967). Para répteis, incluindo quelônios, podem-se sacrificar os animais colocando-os diretamente em contato com gelo ou na geladeira, ou em um freezer, de forma que eles morrerão lentamente com a diminuição da temperatura corporal. Outra opção é fazer o uso de anestésicos ou barbitúricos em via intracraniana ou intracardíaca (VANZOLINI; PAPAVERO, 1967). Segundo Vanzolini e Papavero (1967), é, possível, ainda fazer-se uma câmara de gás com éter ou clorofórmio para a morte de animais menores. O éter mata bem e causa poucas contraturas, embora não dê relaxamento perfeito, ao contrário do clorofórmio, que causa contraturas fortes. Além disso, ambos os produtos são muito voláteis. Assim, recomenda-se o uso dos mesmos apenas em último caso. Para aves, o método mais comum é a compressão do tórax, que retarda a respiração e o batimento cardíaco, resultando em uma morte rápida. Isto pode ser feito segurando-se a ave pelo ventre, passando-se o dedo indicador e o médio ao redor de seu pescoço, colocando-os na região dorsal do tórax e o polegar na região peitoral. Em seguida, pressionam-se esses dedos, promovendo uma compressão do pulmão. Se a ave for grande, esta deve ser deitada de lado, e uma das asas afastada com o pé; comprime-se, então, diretamente o lado do peito com o outro pé até que o coração pare (VANZOLINI; PAPAVERO, 1967). Outra opção rápida para a morte de aves é utilizar espingardas, mas para isto, deve-se adequar o calibre da arma, o tamanho do cartucho e do chumbo, e a distância de tiro ao tamanho da ave e ao local de coleta, para evitar maiores danos ao espécime coletado (VANZOLINI; PAPAVERO, 1967). Esse método com utilização de arma de fogo querer autorização específica das autoridades policiais, como a Polícia Federal, por exemplo. Para matar mamíferos, Vanzolini e Papavero (1967) recomendam o uso de câmaras de gás para animais menores (alguns roedores e marsupiais), ou de barbitúricos ou anestésicos em doses maiores para animais maiores. É possível, ainda, utilizar-se doses de anestésicos em vias intracranianas ou intracardíacas, assim como para répteis. Os métodos de sacrifício de animais menores, por destroncamento (deslocamento cervical), embora eficientes, podem provocar hemorragias ou, ainda, a fratura de ossos, prejudicando os procedimentos de taxidermia e preparação de ossos (VANZOLINI; PAPAVERO, 1967). 188 UNIDADE 2 TÉCNICAS DE PRESERVAÇÃO Após a captura dos animais, em determinados estudos, faz-se necessária a realização da coleta (morte) de alguns indivíduos para identificação e/ou registro do trabalho. Esses indivíduos deverão passar por processos de preparação para, então, serem preservados em via seca ou úmida. Além disto, amostras de tecidos e sangue podem ser preparadas para estudos moleculares e/ou citogenéticos etc. O preparo de peles para exposição ou estudo denomina-se taxidermia (HJORTAA, 1975), e o material necessário para esta prática exige que o pesquisador tenha disponíveis bisturis com cabos e lâminas diferentes para não ser necessária a troca de lâminas durante a dissecção, evitando, assim, o risco com a troca das lâminas durante a realização do procedimento. É importante, ainda, ter estiletes feitos com agulhas montadas para levantar partes delicadas e pinças de diversos tamanhos e formatos (Figura 84). Quando tiver de preparar um animal, dá-se preferência a indivíduos recentemente abatidos ou preservados congelados. Neste último caso, a pele pode ficar sensibilizada e quebradiça, tornando o processo mais delicado. A verdadeira arte da taxidermia, empalhar o animal, é uma arte que confere ao exemplar as características dimensionais em vivo. Existe ainda um método alternativo, que consiste em montar a pele em papelão, denominado pele de museu, que ocupa pouco espaço e é mais adequado para coleções. Após o preparo de qualquer peça, é sempre importante colocar uma etiqueta no espécime, com dados completos (e.g. nome vulgar local de coleta medidas e data), de forma a não perder informações, independentemente da técnica utilizada. Figura 85: Instrumentos de dissecção: Pinças diversas (A); Cabos de bisturis compatíveis com a escolha das lâminas (B); Bisturi com lâmina colocada (C); Estilete com agulhas montadas sendo uma reta e outra curva (D); E lâminas retas, meio curvas, curvas e côncavas para bisturis (E). Fonte: Durrell e Durrell (1982). COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIAL ZOOLÓGICO 189 MÉTODOS DE PREPARO E PRESERVAÇÃO EM VIA SECA 1. Montagem de peles fechadas de mamíferos Etapas sintéticas para o preparo de peles (Figuras 85-93), de acordo com Anthony (1931), Vanzolini e Papavero (1967), Hjortaa (1975), McFall (1975), Pray (1978), Metcalf (1981) e Durrell e Durrell (1982). a) Coloca-se o animal para cima e faz-se uma primeira incisão com uma tesoura de ponta fina, bisturi ou gilete, desde o final do esterno (um pouco abaixo) até pouco antes dos órgãos genitais (Figura 85), tomando cuidado para cortar apenas a pele, sem abrir a barriga, o que dificultaria o trabalho. Pode-se usar fubá sobre a superfície para secá-la; b) Com o auxílio de pinças ou espátula, afasta-se o couro a partir da incisão em direção da articulação da coxa com a perna e, então, para até junto dos dedos (Figura 86); c) Com uma tesoura ou um osteótomo (ferramenta para cortar ossos), cortam-se os ossos das pernas, logo abaixo da articulação (Figura 87); d) Continua-se o deslocamento da pele até as costas, tomando cuidado para não quebrar a inserção da cauda, e corta-se a ligação dos genitais e do intestino com a pele; e) Procede-se agora à retirada da cauda, que deve ser feita inicialmente com auxílio do bisturi, até onde der, sem esforço. Depois, usam-se as hastes de uma tesoura para auxiliar a inversão da pele da cauda com firmeza; porém, sem força excessiva, para não quebrá-la (Figura 88); f) A inversão da pele é feita até chegar aos membros anteriores, aonde se repete o procedimento realizado nos membros posteriores (Figura 89); g) Descola-se o resto da pele das costas até expor o pescoço e atingir a cabeça, e corta-se a inserção das orelhas, bem próximo ao crânio, tomando cuidado para não danificar as pálpebras (Figura 90); h) Descola-se, então, a pele da boca rente aos dentes e prossegue-se até que toda a pele da cabeça esteja descolada, com cuidado para não cortar os lábios; i) Então, deixa-se de lado a carcaça, que poderá ser preparada posteriormente, e trabalha-se na pele para retirar o excesso de gordura (com auxílio de bisturi ou pedra ume) e o excesso de carne nos ossos restantes. A pele retirada pode ser lavada com água e sabão neutro, para limpeza, e pode ser armazenada em álcool comercial, para transporte e posterior preenchimento; j) Para o preenchimento, inicialmente prepara-se a face interna da pele com tetraboratode sódio (bórax), evitando contato desta substância 190 UNIDADE 2 com os pelos, para evitar descoloração; k) Os ossos das pernas devem ser envolvidos com algodão de forma, tomando cuidado para manter uma forma semelhante à original. Então, desvira-se toda a pele para iniciar, então, o seu preenchimento; l) A boca deve ser costurada com pontos delicados e isolados, de forma a tentar manter a mesma aparência do animal; m) Um pedaço de arame envolto por uma camada firme de algodão deve, então, ser utilizado para preencher a cauda do animal, dobrando as pontas para evitar que este perfure a pele, e tomando cuidado para não esticar a cauda para além de suas proporções naturais; n) Então, procede-se ao preenchimento da pele, o que pode ser feito com algodão hidrófobo ou fibras acrílicas, colocados aos poucos. Pode- se, também, fazer um molde do corpo do animal, como na Figura 92. Neste procedimento, deve-se tomar cuidado para manter as pernas em uma posição paralela ao eixo longitudinal do corpo e para não alterar a forma do animal, enchendo demasiadamente ou insuficientemente determinada parte do corpo. Após o preenchimento, fecha-se a incisão ventral de frente para trás com agulha e linha; o) Pode-se, então, injetar um pouco de formol nos dedos não escalpelados do animal, para acelerar a desidratação e a sua preservação; p) Então, procede-se à fixação do animal taxidermizado, colocando-o em uma prancha de fixação (placa de isopor, suporte de madeira ou cortiça), prendendo os membros dianteiros ao lado da cabeça e os membros traseiros com a sola dos pés voltados para baixo, dispostos paralelamente à cauda. Esta, por sua vez, deve ficar esticada para trás e presa por alfinetes em sua extremidade; q) Então, deixa-se o animal secar à sombra, devidamente etiquetado. 2. Montagem de peles abertas de mamíferos Esta técnica é recomendada para animais maiores, cuja preparação a cheio ocuparia muito espaço na coleção. Para o preparo da pele aberta, inicia- se fazendo uma incisão na face ventral do corpo do animal, desde o queixo até a ponta da cauda; dessa incisão, partem outras até a ponta dos membros, tomando-se cuidados para que não fiquem retalhos mal ajeitados (VANZOLINI; PAPAVERO, 1967). A escalpelação deve ser minuciosa, virando-se também as orelhas ao avesso, para retirar a musculatura da base. No caso de veados machos, portadores de galhardas, faz-se na nuca dos espécimes uma incisão suficiente para retirar o crânio. Limpa-se a pele da mesma forma que para a técnica de montagem cheia; a pele, então, deve ser esticada, usando-se uma COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIAL ZOOLÓGICO 191 moldura de madeira, uma tábua grande suficiente para cabê-la, ou um jogo de varas, pregando-a com pregos e martelos firtememente, para evitar que ela se solte, visto que durante a secagem a mesma sofrerá encolhimento; por fim, deixa-se a pele secar à sombra, pois a secagem ao sol danifica a peça. Figura 86: Taxidermia de mamíferos: primeira incisão na região abdominal do animal. Fonte: Vanzolini e Papavero (1967). 192 UNIDADE 2 Figura 87: Taxidermia de mamíferos: perna preparada para ser cortada. Fonte: Vanzolini e Papavero (1967). COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIAL ZOOLÓGICO 193 Figura 88: Taxidermia de mamíferos: membros posteriores cordados. Fonte: Vanzolini e Papavero (1967). 194 UNIDADE 2 Figura 89: Taxidermia de mamíferos: procedimentos de retirada da cauda. Fonte: Vanzolini e Papavero (1967). COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIAL ZOOLÓGICO 195 Figura 90: Taxidermia de mamíferos: corte dos membros anteriores. Fonte: Vanzolini e Papavero (1967). 196 UNIDADE 2 Figura 91: Taxidermia de mamíferos: procedimentos para retirada da pele na região da cabeça. Fonte: Vanzolini e Papavero (1967). COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIAL ZOOLÓGICO 197 Figura 92: Taxidermia de mamíferos: ossos dos membros, descarnados e/ou envoltos com algodão. Fonte: Vanzolini e Papavero (1967). 198 UNIDADE 2 Figura 93: Taxidermia de mamíferos: detalhe da carcaça do animal, e moldes da cauda e do corpo para preenchimento da pele, com forma e volume parecidos com o animal original. Fonte: Vanzolini e Papavero (1967). COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIAL ZOOLÓGICO 199 Figura 94: Taxidermia de mamíferos: animal taxidermizado e disposto em posição anatômica. Fonte: Vanzolini e Papavero (1967) 200 UNIDADE 2 3. Montagem de peles de aves Etapas sintéticas para o preparo de aves (Figuras 94-102), de acordo com Anthony (1931), Vanzolini e Papavero (1967), Hjortaa (1975), McFall (1975), Pray (1978), Metcalf (1981) e Durrell e Durrell (1982). a) Toma-se a ave, colocando-a com o dorso para a mesa e, em seguida, com as pontas dos dedos, separam-se as penas do peito até o baixo abdômen, onde será feita a incisão (Figura 94); b) Separa-se a pele da carne sem gerar sangramento e evitando-se a perda de penas; c) Fécula de batata (e/ou fubá de milho) deve ser espalhada com abundância nas penas, para evitar vestígios de sangue, evitando sujá-las; mas caso isso aconteça, a água oxigenada pode ser usada com cautela; d) Um chumaço de algodão pode ser colocado no bico da ave de forma aprofundada, para evitar hemorragias; e) Continua-se a retirada da pele até encontrar a articulação da coxa, promovendo a desarticulação na cabeça da tíbia com alicate de ponta fina ou tesoura de desossar e, em seguida, força-se o osso quebrado da coxa até que fure a carne (Figura 95); f) Vira-se a perna pelo avesso e retira-se rigorosamente toda a carne da pele e do osso e, posteriormente, envolve-se o osso da coxa com algodão, de preferência hidrofóbico, preenchendo o volume retirado; g) Após a operação, aplica-se tetraborato de sódio (bórax) em abundância na superfície interna da pele do animal; h) Solta-se a pele do resto do corpo, um pouco acima do cóccix; neste local, retira-se a glândula uropigeana, que está um pouco acima da cloaca, e toma-se cuidado com a região cloacal (ânus), pois uma ação forçosa nesse local pode perder as penas que formam o crisso (coberteiras inferiores da cauda) (Figura 96); i) Continua-se a retirada da pele da ave até a região das asas e, ao encontrar a musculatura da asa destacada, desarticula-se a mesma na altura do rádio com o cúbito; repete-se a operação de limpeza, e aplica-se bórax (Figura 97); j) Para que as asas fiquem na posição correta, juntam-se estas ao corpo, podendo fazer uso de fios ou linha de uma extremidade a outra, para garantir o fechamento das asas rente ao corpo; k) Continua-se o escalpelamento até a região dos ouvidos e próximo aos olhos, atentando para não cortar os cílios (pelos que recobrem as membranas dos olhos); COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIAL ZOOLÓGICO 201 l) Continua-se destacando a pele até o início do bico, onde a pele termina e, neste ponto, é como se a ave estivesse do avesso, com pena e pele de um lado, presas ao bico, e o corpo do outro lado; m) Secciona-se o corpo na região do final do pescoço com o crânio, retirando-se a língua e o olho, e limpando-se o crânio (Figura 98); n) Secciona-se no início do pescoço, junto do crânio, separando o corpo em definitivo da ave; o) Segue o processo de limpeza do interior do crânio, puxando-se por baixo o interior cefálico; em seguida, introduz-se bórax à vontade no interior, e preenche-se a cavidade com algodão hidrofóbico; p) Após a completa separação da pele e da carcaça, passa-se bórax na pele, de maneira total e continuada, por todo o segmento tegumentar (Figura 99); q) Retorna-se a ave para a posição natural, pele para dentro, pena para fora, e inicia-se o acabamento com a construção de um corpo de algodão; r) Compara-se o volume do corpo e constrói-se um corpo em forma de funil, como se fosse um manequim com algodão e com talas, que podem ser de bambu ou arame (Figura 100); s) Enfia-se esse corpo de algodão com a parte afunilada do funil na ave até que apareçano bico; e, em seguida, cobre-se o manequim com a pele da ave; t) Caso fique sobrando algodão, empurre o excesso para dentro, mas de maneira que não altere a forma do corpo da ave; u) Mantém-se parte da tala para fora, por onde se manuseia a peça, evitando danos durante as preparações; v) Costura-se a ave com agulha e linha na incisão central; w) Como o bico está aberto por causa da tala, com auxílio de linha, através de um nó, fecha-se o bico; x) Juntam-se as pernas, cruzando-as, e amarra-se uma etiqueta com informações sobre o indivíduo taxidermizado (Figura 101); y) As aves recém-preparadas devem ser armazenadas em funis de papel, por alguns dias, para que o indivíduo adquira a forma ideal para estudos posteriores (Figura 102). ] 202 UNIDADE 2 Figura 95: Taxidermia de aves: primeiro corte na região ventral do animal. Fonte: Vanzolini e Papavero (1967). COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIAL ZOOLÓGICO 203 Figura 96: Taxidermia de aves: perna preparada para ser cortada. Fonte: Vanzolini e Papavero (1967). 204 UNIDADE 2 Figura 97: Taxidermia de aves: corte da cauda. Fonte: Vanzolini e Papavero (1967). COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIAL ZOOLÓGICO 205 Figura 98: Taxidermia de aves: corte das asas. Fonte: Vanzolini e Papavero (1967). 206 UNIDADE 2 Figura 99: Taxidermia de aves: procedimentos de retirada de pele da região da cabeça. Fonte: Vanzolini e Papavero (1967). COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIAL ZOOLÓGICO 207 Figura 100: Taxidermia de aves: pele totalmente retirada da carcaça. Fonte: Vanzolini e Papavero (1967). 208 UNIDADE 2 Figura 101: Taxidermia de aves: preparação de molde em forma de funil e membros posteriores envoltos em algodão. Fonte: Vanzolini e Papavero (1967). COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIAL ZOOLÓGICO 209 Figura 102: Taxidermia de aves: animal taxidermizado, disposto em posição anatômica (esqueda) e já envolto em algodão para armazenamento e preservação da forma (direita). Fonte: Vanzolini e Papavero (1967). 210 UNIDADE 2 4. Preparação didática de peles Este método de preparo é também semelhante aos anteriores, porém, neste caso, há aplicação de um molde de madeira ou corpo artificial do mesmo Figura 103: Taxidermia de aves: animal taxidermizado e armazenado em funil de papel. Fonte: Vanzolini e Papavero (1967). COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIAL ZOOLÓGICO 211 tamanho que o animal original, o qual pode ser utilizado para dar maior realismo, e fica preso ao molde através de arames. A sustentação corporal também é feita internamente com arames, que ultrapassam o nível das mãos e pernas dos animais. As extremidades destes arames pode ficar para fora do corpo, para facilitar a fixação dos animais em anteparos. A secagem dos animais preparados também deve ser feita à sombra. Podem-se utilizar olhos de vidro para dar maior realismo. 5. Preparo de esqueletos (osteotécnica) A preparação de esqueletos é um método extremamente importante para a sistemática animal, pois muitas vezes, a pele encontra-se demasiadamente danificada ou deteriorada, mas o crânio ou o esqueleto completo podem ainda ser aproveitados. A limpeza de vertebrados envolve a preparação e a montagem de esqueletos, que se iniciam com o desmembramento, seguido de descarnamento, secagem e acondicionamento. A maceração, o uso de insetos e a imersão em peróxido de hidrogênio (H2O2) são técnicas comumente utilizadas (SOUZA- JUNIOR., 2010). As várias etapas para a preparação de esqueletos são abaixo descritas, segundo Vanzolini e Papavero (1967), Hjortaa (1975), Metcalf (1981) e Durrell e Durrell (1982): a) Desmembramento: • É a primeira etapa a ser desenvolvida; • Para peças menores (pequenos roedores, aves, lagartos etc.), esta etapa pode ser desnecessária e as peças podem ser tratadas inteiras; • Para peças de tamanho médio (ex.: um cão), pode-se realizar o desmembramento realizando-se incisões circulares que alcancem exatamente as articulações; • Para animais de porte maior, é necessária, ainda, a separação do crânio com cuidado, além da separação do tronco em duas partes, separando- se a caixa torácida e as vértebras, sem as costelas e a bacia; • Quando somente o crânio for utilizado, devem-se aproveitar, ainda, as três primeiras vértebras, por possuírem importância taxonômica. Para uma descrição detalhada destes procedimentos, ver Anthony (1931), Hjortaa (1975), McFall (1975), Pray (1978), Metcalf (1981) e Durrell e Durrell (1982). 212 UNIDADE 2 b) Descarnamento: • A primeira etapa agora consiste na retirada de todas as partes moles facilmente retiráveis, como vísceras, olhos e cérebro (em animais grandes), e as grandes massas musculares; • Para a retirada das partes moles, mais fácil, é importante promover a retirada do excesso de sangue, deixando a carcaça imersa em água corrente ou em um recipiente, trocando a sua água 1 ou 2 vezes por dia; • A retirada de toda a carne dos ossos nem sempre é suficiente e pode ser necessário também eliminar a gordura. Pendurando-se os ossos em um frasco, ou mergulhando-os em um fluido desengordurante ou solução de amônia, é possível realizar esta tarefa. Ossos maiores podem ser furados para que a gordura de dentro dos mesmos saia com maior facilidade; • As carcaças podem, ainda, ser fervidas em água ou água amoniacal (1 a 5%), ou solução de água com detergente e carbonato de potássio (uma colher de chá para cada meio litro de água), para promover o amolecimento da carne e sua posterior retirada com pinças e tesouras. Pode-se, ainda, colocar a carcaça de molho em água com pedaços de mamão verde, pois estes contêm papaína, que ajuda a amolecer a carne. É importante atentar para o tempo de cozimento quando se pretende preservar as articulações. Durante o processo de cozimento é importante colocar pés e mãos em sacos para evitar que os ossículos sejam perdidos; • Outra opção é a realização de um processo denominado maceração, em que as carcaças, após o descarnamento inicial, são fervidas para amolecer a carne restante e, depois, imersas em água para que bactérias promovam a decomposição da matéria orgânica. Este processo é muito demorado (pode chegar a meses), e resulta em um odor extremamente desagradável, embora produza ossos não danificados; • Uma terceira opção é a utilização de larvas de insetos (moscas ou besouros) para a limpeza de ossos e esqueletos. Para a limpeza com larvas de moscas, necessita-se deixar a carcaça em contato com moscas para que estas depositem seus ovos; ao eclodirem, as larvas farão a limpeza total da carcaça, deixando apenas ossos e ligamentos. Este método é pouco recomendado por deixar odor extremamente desagradável e causar problemas sanitários. Para a limpeza com larvas de besouros, recomenda-se o uso de besouros do gênero Dermestes, COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIAL ZOOLÓGICO 213 que promovem uma limpeza mais rápida da carcaça já desidratada e deixam um odor menos desagradável. É importante frisar que, para o uso destas técnicas, carcaças tratadas com formol dificilmente são aceitas pelos insetos. Neste caso, pode se tentar fazer uma lavagem com água em abundância por vários dias ou, ainda, com caldo de carne; • Dentes e maxilas são estruturas - chave na identificação de mamíferos e, por isso, devem-se preservar as duas arcadas; • Para promover uma melhor limpeza dos ossos, pode-se colocá-los imersos em uma solução de água oxigenada (peróxido de hidrogênio 10 volumes) por 10-15 minutos; porém, é importante não deixá-los muito tempo nesta solução, pois a água oxigenada pode corroer os ossos. c) Secagem: • Quando há necessidade de preparação de um esqueleto ainda em campo, após o descarnamento, pode-se realizar a fixação da carcaça, colocando-a em uma solução de formol, para depois secá-la. Quando os músculos estiverem brancos, a fixação estará pronta. Na ausência de formol, gasolina pode ser utilizada, com as cautelasque demanda. No entanto, o uso de gasolina ou formol dificulta uma posterior limpeza da carcaça por besouros dermestídeos, devendo ser evitada; • Para realizar a secagem da carcaça, recomenda-se o uso de álcool etílico ou cloreto de sódio (sal de cozinha - NaCl); • É também possível realizar a secagem da carcaça diretamente ao sol, mas para isto, é importante fazer um descarnamento mais cuidadoso; • A secagem de ossos e esqueletos já descarnados deve sempre ser feita à sombra e, em caso de ser a feita fervura dos ossos, estes devem ser resfriados lentamente. Estes processos evitam o surgimento de rachaduras ou entortamento dos ossos. d) Acondicionamento: • Em montagens didáticas de esqueletos, podem-se utilizar arames entre as vértebras, como contas em um colar, para garantir a fixação da coluna. Os demais ossos podem ser furados ou colados para garantir a fixação das articulações, quando os ligamentos não foram mantidos. • O acondicionamento para coleções científicas requer maior cuidado, pois nenhum osso ou dente de determinado animal pode ser perdido ou misturado à ossada de outro espécime. Para isto, cada animal deve ser 214 UNIDADE 2 preparado em recipientes individualizados (sacos plásticos ou garrafas plásticas), para garantir que esse tipo de problema não ocorra. Além disso, após preparados, todos os ossos devem ser numerados com os números de tombo da coleção onde são depositados, de forma a garantir que quando um pesquisador esteja trabalhando com o material, sempre seja possível saber de qual espécime determinado osso pertence; • Os ossos devem ser guardados preferencialmente em caixas de papel, ou em frascos de plástico, devidamente etiquetados. Os frascos de plástico são menos recomendáveis, por permitirem menor ventilação e facilitar a proliferação de fungos. 6. Preparo de cabeças Alguns mamíferos possuem chifres ou haste, e muitas vezes, existe a necessidade de preservar essas estruturas através da montagem da parte ossificada da cabeça com a haste. Inicia-se esfolando a cabeça; o corte deve ser iniciado pelo pescoço, passando pelos olhos, até o nariz. A seguir, esfola-se a pele da parte superior da cabeça. Corta-se a pele à volta das hastes, liberando até a base da haste. Assim que extrair os olhos, realiza-se o corte da cabeça, e promove se a sua limpeza. A fixação em base de madeira é recomendada e, para isso, deve ser executado mais um corte transversal (HJORTAA, 1975; DURRELL; DURRELL, 1982). Figura 104: Corte esquemático com tracejado onde deve ocorrer a inserção da serra (A) e montagem da cabeça com as hastes em placa de madeira (B). Fonte: Durrell e Durrell (1982). COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIAL ZOOLÓGICO 215 7. Esquemas de dentição As técnicas para o preparo da dentição junto às maxilas são as mesmas utilizadas no preparo de ossos e esqueletos; porém, é extremamente importante que junto ao registro da peça conste a fórmula dentária. No exemplo , apresenta-se a dentição da raposinha- do-campo, Pseudalopex vetulus, isto é, 6 incisivos, sendo 3 superiores e 3 inferiores; 2 caninos; 8 pré-molares e 5 molares. Dessa forma, temos 10 dentes na arcada superior e 11 na inferior, considerando o lado direito e esquerdo, 42 dentes totais formam a arcada da raposa. MÉTODOS DE PREPARO E PRESERVAÇÃO EM VIA ÚMIDA 1. Conservação tradicional Neste caso, o material é preservado em meio líquido. O líquido preservador comum é o álcool 70%. Porém, antes de ser mergulhado em álcool, o material deve receber solução fixadora, normalmente formol a 10%, que deverá ser injetado no sistema arterial, nas cavidades torácica e abdominal, e nas grandes massas musculares. A aplicação de formol enrijece os exemplares e uma posição de montagem deve ser planejada para futuros estudos (PAPAVERO, 1994). Entre os mamíferos, este método é bastante utilizado para morcegos, embora sua taxidermia também seja possível (VANZOLINI; PAPAVERO, 1967). Para peixes, répteis e anfíbios, este método de preservação é o mais utilizado. Injeta-se uma quantidade de formol suficiente para que se perceba que o bicho está injetado, mas não estufado. No caso de peixes, é recomendado o formol a 10%; porém, além da aplicação interna de formol, os indivíduos podem ser mantidos em formol por alguns dias para maximizar a fixação do animal. Para girinos, recomenda-se a utilização de formol a 5% e, neste caso, basta a imersão da larva em formol. Para répteis, uma aplicação de formol próximo à cloaca dos machos é recomendada, para tentar promover a eversão de seus hemipenis porém, com cuidado para não danificá-los. Deve-se tomar cuidado para não forçar a injeção de formol em qualquer das partes do corpo, para evitar que o formol não extravase e atinja os olhos, provocando um acidente (VANZOLINI; PAPAVERO, 1967). Após a fixação, os indivíduos (répteis e anfíbios) são mantidos em posição 3 1 4 2 i c pm m = 42 3 1 4 3 216 UNIDADE 2 anatômica por 12-24 horas ou até alguns dias, cobertos por papel molhado com solução de formol a 10%. Nesta posição, os membros anteriores devem ser mantidos paralelos à cabeça, com os dedos afastados uns dos outros. Posição análoga deve ser feita com os membros posteriores, paralelos à cauda. Em animais de cauda longa, deve-se dobrá-la para a frente. Pode ser necessária a utilização de agulhas ou espinhos de plantas (ex.: cactáceas) para a fixação dos membros, dedos ou cauda na posição ideal. Sabe-se que a fixação está boa quando, levantando-se o lagarto, a cauda fica firme na posição (VANZOLINI; PAPAVERO, 1967). Para a fixação de cobras, a posição ideal é atingida dobrando-se o corpo do animal em forma redonda ou elipsoide, de forma que a cabeça fique mais externamente para facilitar seu posterior exame. No caso de serpentes muito grandes, tira-se o couro, deixando a cabeça e a cauda mais um palpo de tronco acima desta, e guarda-se no líquido fixador. No caso de quelônios, deve-se injetar bastante formol na cavidade geral (pela inserção dos quatro membros), nas pernas e no pescoço (VANZOLINI; PAPAVERO, 1967). As gimnofionas (cobras cegas ou cecílias) e as salamandras devem ser fixadas como se fossem cobras. Anfíbios anuros pequenos podem ser fixados apenas colocados em contato direto com formol 10%, em posição anatômica, na bandeja de fixação; o formol pode ser absorvido diretamente pela pele, promovendo assim a fixação do animal. Os animais maiores exigem a injeção de formol, assim como os répteis. Girinos devem ser mortos e fixados diretamente em formol a 5% (VANZOLINI; PAPAVERO, 1967). 2. Conservação para estudos moleculares Resultados satisfatórios são obtidos para a extração de material genético, quando tecidos (músculos ou fígado) e pele com milímetros quadrados são armazenados em álcool etílico absoluto (ou álcool etílico P.A.) e integralmente mergulhados. É possível realizar a extração de material genético mesmo de animais que tenham sido mortos recentemente como, por exemplo, aqueles encontrados atropelados na beira de estradas. A fixação com formol inviabiliza o aproveitamento de tecidos para estas finalidades, pois destrói o material genético (PEREZ-SWEENEY et al., 2004). As amostras contendo tecidos armazenados em álcool etílico absoluto devem, ainda, ser mantidas refrigeradas para garantir melhor preservação do material genético. Não se recomenda armazenar pedaços de tecidos retirados COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIAL ZOOLÓGICO 217 do trato digestivo ou tecido epitelial, pois estes podem trazer contaminantes (restos de alimento ou ectoparasitos), contaminando, assim, o material genético a ser utilizado para estudos posteriores. Além disto, necessita-se utilizar frascos (tipo eppendorf ou tubos de ensaio) livres de contaminantes ou esterilizados. EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 1. Diferencie métodos passivos e ativos para a coleta de vertebrados, exemplificando-os.2. Compare os pares de métodos de amostragem de vertebrados listados abaixo, enumerando os fatores positivos e os negativos da utilização de cada um deles para um mesmo grupo de quaisquer animais: a) Armadilhas de queda e armadilhas de interceptação e de queda b) Coleta manual noturna e coleta manual diurna c) Coleta diurna e noturna com redes de neblina d) Redes de arrasto e redes de espera e) Senso visual e armadilhas fotográficas f) Armadilhas tipo Shermann e Tomahawk 3. Quais fatores podem influenciar a aplicação: a) De métodos ativos de amostragem de vertebrados? b) De métodos passivos de amostragem de vertebrados? 4. Diferencie e exemplifique métodos de preservação de vertebrados em meio seco e em meio líquido. 5. Um pesquisador encontrou uma carcaça de um mamífero de médio ou grande porte em avançado estágio de decomposição, durante uma atividade de campo, e necessita realizar a preparação osteológica da cabeça. Qual(is) procedimento(s) ele deve/pode adotar? 6. Como realizar a preservação de tecidos de vertebrados para estudos moleculares? 218 UNIDADE 2 7. Associe os grupos de vertebrados listados na coluna da esquerda com os métodos preferenciais de preparação e de preservação com finalidade científica, listados na coluna da direita. Cada associação pode acontecer uma, mais de uma ou nenhuma vez. TÁXONS ( ) Morcego ( ) Rato ( ) Urubu ( ) Gato ( ) Girino de anfíbio ( ) Sardinha ( ) Salamandra ( ) Beija-flor ( ) Tubarão ( ) Lagartixa ( ) Cecília ( ) Tartaruga ( ) Arraia MÉTODOS DE PREPARAÇÃO 1. Fixação com formol 2. Fixação direta em álcool 3. Taxidermia 4. Preservação permanente em formol 5. Preservação temporária em álcool COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIAL ZOOLÓGICO 219 CAPÍTULO 6 – COLEÇÕES ZOOLÓGICAS: PANORAMA GERAL E PERSPECTIVAS Leonardo Sousa Carvalho e Janete Diane Nogueira-Paranhos Até o início do século XIX, exemplares de plantas e animais eram coletados por aventureiros e comerciantes, ao longo de suas viagens pelo mundo, e enviados aos centros europeus para alimentarem os gabinetes de curiosidades que estimulavam o imaginário da nobreza (ZAHER; YOUNG, 2003). Alguns dos gabinetes formaram, então, os embriões do que viriam a ser grandes coleções zoológicas europeias, como por exemplo, o Museu de História Natural de Paris (ZAHER; YOUNG, 2003). No decorrer do século XIX, o conhecimento acerca da biodiversidade planetária expandiu-se significativamente, graças à intensificação do comércio marítimo e das rotas de navegação entre o Novo e o Velho Mundo. Nessa época de ouro da zoologia, os museus de história natural já haviam conquistado um papel preponderante nas ciências biológicas, como centros de estudo da biodiversidade (ZAHER; YOUNG, 2003). A associação feita entre os museus de história natural e o estudo da biodiversidade não parou de se estreitar e se fortalecer no decorrer dos anos. Da mesma forma, a pesquisa em sistemática, que trata dessas coleções científicas, passou a representar a espinha dorsal do conhecimento em biodiversidade (ZAHER; YOUNG, 2003). No entanto, a consolidação das principais coleções internacionais ocorreu nas últimas duas décadas, embora o mesmo não tenha ocorrido em países em desenvolvimento, em função da ausência de políticas adequadas para o setor, recursos limitados, e falta de demanda industrial qualificada (CANHOS; VAZZOLER, 2004). Tal fato torna-se preocupante, visto a individualidade e a importância científica das coleções zoológicas, tornando- as um patrimônio pelo qual a sociedade deve zelar, através das instituições mantenedoras (TADDEI et al., 1999) As coleções científicas são um registro permanente da herança natural do planeta e a base para o desenvolvimento de muitas pesquisas (MAGALHÃES et al., 2005; BRAZIL; PORTO, 2011). Estes ambientes têm como função principal armazenar, preservar e ordenar o acervo de espécimes, representando a diversidade biológica de organismos (fósseis e 220 UNIDADE 2 atuais) que povoaram o planeta até os dias de hoje (ZAHER; YOUNG, 2003). Além disto, elas estão na base das pesquisas sobre a diversidade animal e constituem o acervo básico a partir do qual essa diversidade é reconhecida e localizada. Apesar de diferirem em seu tamanho, escopo e tradição, cada coleção zoológica é única e irreproduzível, pois as amostras que contêm representam indivíduos biológicos e momentos únicos na história dos ecossistemas amostrados. Frequentemente, as coleções abrigam espécimes da fauna silvestre provenientes de regiões atualmente alteradas pela ação humana e das quais nada saberíamos se não fossem os acervos disponíveis (TADDEI et al., 2003). IMPORTÂNCIA E BENEFÍCIOS DAS COLEÇÕES ZOOLÓGICAS Pode-se resumir a relevância das coleções biológicas na afirmação de que elas se constituem na mais importante fonte de informações sobre a composição, distribuição – espacial e temporal – e conteúdo da biodiversidade de nosso planeta (MAGALHÃES et al., 2005). Entretanto, considerar as coleções biológicas como o núcleo de um novo e complexo conjunto de processos produtivos talvez seja, atualmente, o aspecto mais importante a ser considerado em termos da sua relevância para a sociedade (MAGALHÃES et al., 2005). Esse aspecto foi apropriadamente discutido por Fonseca et al., (2002), que chamaram a atenção para a mudança de paradigma tecnológico que estamos vivenciando, em que a biotecnologia está causando – e deverá causar – um impacto ainda de difícil mensuração. Segundo esses autores, este novo paradigma deverá demandar uma base de conhecimento sobre o conteúdo da biodiversidade que ainda não conseguiu ser produzido até hoje. Eles enfatizam que, com o crescimento do impacto e das perspectivas econômicas dos ramos produtivos dedicados à biotecnologia, estratégias de desenvolvimento que exigem a conservação da biodiversidade e o uso sustentado da biota passam a ter mais importância que o modelo extrativista que ainda vigora. Diversos outros aspectos sobre a importância de formar, manter e incrementar coleções biológicas também devem ser considerados, e vários autores já discorreram sobre eles (. Abaixos são listados diversos aspectos que fazem das coleções biológicas um recurso essencial para a sociedade, listados por MAGALHÃES et al. (2005). Assim, de forma geral, as coleções representam: Para mais informações e referência, ver Magalhães et al. (2005) e Marinoni et al. (2006). COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIAL ZOOLÓGICO 221 • Um registro permanente da herança natural do planeta, representando um investimento contínuo da sociedade no esforço de entender o mundo natural; • A base para a pesquisa em muitas disciplinas científicas, em particular, as que estudam a descrição, a classificação e a reconstrução da história evolutiva das espécies; • A preservação dos elementos para a comprovação de pesquisas pregressas, possibilitando a verificação da validade da informação científica; • Uma fonte de informações críticas para diversos campos da ciência, como agricultura, biogeografia, biologia pesqueira, conservação e manejo de recursos naturais, bioquímica, biotecnologia, ecologia, epidemiologia, evolução, genética, medicina, toxicologia, mudanças globais, legislação etc.; • Uma base de dados essencial para estudos de caracterização e impacto ambiental, bem como para oferecer subsídios valiosos ao planejamento, estabelecimento, acompanhamento e avaliação de políticas públicas; de programas e projetos desenvolvimentistas; de alterações ambientais; de políticas conservacionistas e de manejo de recursos naturais; e, em especial, à identificação de componentes dadiversidade biológica que levem à descoberta de novos recursos e possibilidades; • Um conjunto de informações sobre a fauna, flora e microbiota, que se constituem em elementos essenciais do componente biodiversidade a ser incorporado ao desenvolvimento de modelos científicos sobrea ocupação e a utilização dos recursos de uma região; • Uma base de planejamento para pesquisas futuras; • Um recurso de grande valor didático, ao dar suporte a atividades de ensino secundário (feiras de ciências), universitário e pós- graduação, bem como apoio a programas de educação ambiental, auxiliando a promover a conscientização do público para as questões ambientais e de preservação da biodiversidade; • Um valioso potencial cultural, ao propiciar possibilidades de entretenimento e de divulgação de valores culturais de uma região, relacionadas a elementos da fauna e flora, tanto em termos de exposições físicas, quanto virtuais 222 UNIDADE 2 (páginas eletrônicas bem elaboradas, com informações e jogos visando a divertir, educar e informar o visitante). Além disto, há uma série de benefícios que podem ser extraídos das coleções, a partir do manejo adequado das informações nelas contidas. Abaixo, são transcritos alguns dos benefícios advindos das coleções biológicas, elencados por MAGALHÃES et al. (2005) e MARINONI et al. (2006): • Análise e monitoramento a longo prazo de mudanças ambientais; • Descoberta de novos recursos biológicos, direcionando melhor a pesquisa por genes, agentes biocontroladores e espécies potencialmente úteis para a humanidade; • Estímulo ao ecoturismo, ao fornecer elementos para exibições sobre a história natural de ecossistemas de uma região; • Fornecem o contexto científico para o entendimento dos processos de especiação, extinção e adaptação que produziram a atual diversidade da vida; • Incremento da comunicação e colaboração global, com consequente redução da duplicação de esforços e aumento da produtividade científica; • Melhor documentação sobre extinção e alterações de distribuição de espécies; • Melhora na relação custo-benefício do manejo de recursos biológicos, à medida que bancos de dados on line possibilitam um acesso mais eficiente a informações sobre sistemática e disciplinas relacionadas; • Possibilidade de acesso imediato ao conhecimento sistemático para a resolução de problemas; • Promoção de novas possibilidades de comparações e associações entre os dados biológicos e os de outras fontes, como biotecnologia, geologia, ecologia, genética molecular etc., que promovam uma melhor compreensão, preservação e uso sustentável da diversidade biológica em escala global; • Subsídio à modelagem de nicho ecológico, com seu uso potencial na previsão de alterações bióticas decorrentes de mudanças no clima global, assim como de rota e disseminação de espécies invasoras; COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIAL ZOOLÓGICO 223 • Subsídio a políticos, legisladores, técnicos e tomadores de decisão no estabelecimento de prioridades em políticas conservacionistas e de manejo de recursos naturais sustentáveis. FONTE DE MATERIAL PARA AS COLEÇÕES Os espécimes de uma coleção zoológica podem ser coligidos de diferentes formas. O mecanismo mais comum é a coleta direta de espécimes e/ou amostras de animais (viventes ou fossilizados) durante a realização de pesquisas científicas in situ ou ex situ, e a posterior incorporação destes indivíduos a acervos de coleções científicas. A coleta de material biológico segue legislação específica de órgãos governamentais, tais como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Hídricos Renováveis (IBAMA), ou o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Atualmente, uma grande gama de licenças para atividades com finalidade científica (ex.: coleta de material biológico) é emitida, pela internet, através do Sistema de Autorização e Informação em Biodiversidade (SISBIO), instituído pela Instrução Normativa n.º 154/2007, do IBAMA. Outros mecanismos que podem ser aplicados para aumentar o acervo de uma coleção incluem: permuta (troca de espécimes entre coleções zoológicas); retenção (quando parte dos indivíduos de um lote de determinada coleção são retidos ou doados após o empréstimo daquele lote a outra coleção); e pelo recebimento de entregas ou doações voluntárias de animais capturados pela população local, prefeituras, centros de controle de zoonoses, hospitais e órgãos ambientais (IBAMA, ICMBio, Polícia Militar, Corpo de Bombeiros, etc.). TIPOS DE COLEÇÕES ZOOLÓGICAS Coleções de animais podem variar de pequenas amostras mantidas por pesquisadores individuais em suas respectivas instituições até coleções estruturadas e tradicionais, como aquelas mantidas por museus (TADDEI et al., 1999). O escopo, a importância e as aplicações dessas diferentes coleções são muito variados e, se entrevistado individualmente, cada pesquisador certamente forneceria propósitos particulares para sua coleção (TADDEI et al., 1999). A primeira distinção entre tipos de coleções zoológicas diz respeito 224 UNIDADE 2 à sua finalidade básica, existindo coleções que são, prioritariamente, relacionadas a atividades de ensino, sendo estas denominadas coleções didáticas. As coleções didáticas são compostas por espécimes que podem não ter informação de sua procedência e preparados (emblocados em resina acrílica, fixados, montados ou taxidermizados) de maneira a exibir, didaticamente, caracteres úteis às práticas de ensino. Estes animais podem, eventualmente, sofrer danos durante a sua utilização em atividades didáticas, sem haver grandes prejuízos para a realização de atividades de pesquisa. Como exemplificado por Azevedo-Filho et al., (2007), alguns espécimes incluídos em coleções podem não apresentar qualquer etiqueta de coleta ou identificação, tornando-os impróprios para a utilização científica. No entanto, estes indivíduos também podem ser devidamente recuperados, visto que a possibilidade de haver exemplares de significativa importância, os quais poderão vir a ser utilizados como apoio didático, constituindo, assim, uma coleção didática. Tal importância é corroborada por Papavero (1994), ao afirmar que o aprendizado é mais efetivo e imediato quando os interessados se encontram diante do material objeto de estudo. As coleções didáticas diferem, substancialmente, das coleções científicas, que possuem o objetivo primário de armazenar espécimes já utilizados em pesquisas pretéritas ou que podem ser utilizados na realização de pesquisas científicas futuras, dentre outras finalidades. Abaixo, são apresentadas algumas classificações de coleções científicas, que embora possam ser arbitrárias, permitem compreender os diferentes níveis em que estas podem estar organizadas, além de refletir o grau e o comprometimento institucional para com as coleções, algo que está, às vezes, além da vontade do pesquisador responsável (TADDEI et al., 1999). Grandes acervos ou coleções de caráter geral Estão incluídas aquelas coleções cujo propósito básico é o de servir como depósito de amostras zoológicas de amplo escopo geográfico e taxonômico. Essas coleções podem ser reconhecidas por conterem espécimes que excedem os objetivos e linhas de pesquisa de qualquer pesquisador individual. São, geralmente, mas não necessariamente, as mais antigas e tradicionais, contendo, frequentemente, grandes amostras de diversos grupos taxonômicos e de diversas localidades (TADDEI et al., 1999). Uma vez que essas coleções são criadas para abrigar material por tempo indefinido e até mesmo na inexistência de um pesquisador especializado, o COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIAL ZOOLÓGICO 225 grau de comprometimento institucional, neste caso, é máximo (TADDEI et al., 1999). No Brasil, destacam-se as coleções do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (MZSP - São Paulo-SP), o Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG - Belém-PA) e o Museu Nacional do Rio de Janeiro (MNRJ - Rio de Janeiro-RJ). No entanto, as maiores coleções gerais do mundo localizam- se nos Estados Unidos e na Europa, especialmente na França, Alemanha e Inglaterra, países desenvolvidos e que possuem condições financeiras para manter e ampliar os acervos de suas coleções.Coleções de referência ou coleções de caráter regional Estão incluídas as coleções zoológicas de escopo taxonômico e/ou geográfico mais restrito, mas que ainda podem vir a exceder os objetivos básicos e linhas de pesquisa de pesquisadores individuais (TADDEI et al., 1999). Um exemplo é o das coleções de referência, que incluem espécimes utilizados para identificação em uma base regional. Esse tipo de coleção, geralmente iniciado por um especialista que desenvolve projetos ao redor de seu domicílio acadêmico, frequentemente interessa ao seu departamento ou instituto de pesquisa, mesmo na ausência do pesquisador que a iniciou. Este tipo e as coleções de pesquisa, frequentemente de modo conjunto, são os mais comuns nos departamentos das universidades (TADDEI et al., 1999). No entanto, por tratarem-se de coleções menores, podem vir a sofrer com menor apoio institucional e falta de recursos para a sua manutenção. Neste caso, é importante que os curadores e/ou administradores destas coleções façam a incorporação do acervo a grandes coleções gerais, permitindo, assim, a correta manutenção do referido acervo. Coleções de pesquisa São aquelas que incluem espécimes relacionados à pesquisa imediata de seu criador, tais como as coleções realizadas ao longo do desenvolvimento de determinado projeto (TADDEI et al., 1999). Praticamente todos os zoólogos e ecólogos que desenvolvem pesquisas no campo eventualmente coletam alguns espécimes com finalidades diversas e os mantêm em seus laboratórios, para estudo e consulta. Parece ser um tipo bastante comum de coleção e frequentemente os pesquisadores por ela responsáveis depositam material tipo ou séries já estudadas em coleções maiores. Essas coleções 226 UNIDADE 2 podem ser bem complexas e até grandes, mas sua manutenção pelos departamentos ou instituições geralmente não é interessante na ausência do pesquisador (TADDEI et al., 1999). Por exemplo: durante a realização de um resgate de fauna de um empreendimento a longo prazo, os pesquisadores envolvidos podem realizar coleta de espécimes biológicos, montar uma pequena coleção de referência para a pesquisa durante a realização de tal atividade, e proceder à incorporação dos espécimes restantes a coleções de caráter geral ou regional. Posteriormente, todos os espécimes deste pequeno acervo também serão incorporados a coleções maiores. Coleções particulares Esta categoria inclui as coleções particulares, que infelizmente ainda existem e que variam em seu escopo, tamanho e objetivos. Em comum, possuem a característica de serem de difícil acesso e, quando são valiosas, representam ônus para o Estado, que frequentemente as adquire após o desinteresse ou morte do colecionador. Quando são confeccionadas por especialistas, podem ser tão importantes quanto as coleções gerais ou regionais; nas mãos de amadores, são geralmente pouco confiáveis, principalmente quando a motivação original é financeira (TADDEI et al., 1999). Esses tipos de coleções zoológicas - variáveis como são em termos de acesso, representatividade, qualidade de manutenção e fidedignidade das informações que contêm - representam, em última instância, um patrimônio a ser mantido e utilizado. Entretanto, uma vez que o grau de comprometimento institucional não é o mesmo, acervos bastante interessantes podem ser perdidos quando o pesquisador que os criou é transferido, se aposenta ou falece (TADDEI et al., 1999). A criação de coleções particulares, pelos motivos acima expostos, não é recomendada, porém, é compreensível quando se trata de coleções de referência ou coleções para projetos de pesquisa, havendo posterior incorporação destes acervos a coleções de caráter geral ou regional. Este foi o caso da incorporação da coleção particular do entomólogo Johan Becker ao Museu de Zoologia da Universidade Estadual de Feira de Santana, que era composta de mais de 14 mil insetos de diversos estados brasileiros; e ainda do acervo particular de mais de 120 mil espécimes do herpetólogo Werner Bokermann, incorporado ao acervo do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo. COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIAL ZOOLÓGICO 227 Coleções grupos taxonômicos determinados Estas coleções são caracterizadas por serem constituídas de espécimes de táxons específicos, de interesse de um pesquisador (ou de um conjunto de pesquisadores) ou de determinada instituição, por algum propósito específico. Estes são os casos de coleções com finalidades médico- sanitárias e coleções de cunho agropecuário. As coleções com finalidades médico-sanitárias podem ser exclusivamente criadas para receber espécimes de parasitas, vetores, protozoários (leishmânias e tripanossomos), bactérias, fungos, entre outros (MAGALHÃES et al., 2001). Estas coleções podem ser baseadas em espécimes vivos, importantes para pesquisas no controle de endemias, na tecnologia de alimentos, e na biotecnologia, através da busca de princípios bioativos oriundos destes organismos ou oriundos de outros seres vivos (ex.: peptídeos de venenos animais) que possam combater a infestação, o desenvolvimento ou patologias causadas por estes microorganismos (MAGALHÃES et al., 2001). As coleções de cunho agropecuário podem ser exclusivamente criadas para receber espécimes de pragas agrícolas, parasitas de animais domesticados, entre outros. No entanto, este tipo de coleção não necessariamente é exclusivamente zoológica, podendo incluir, ainda, bancos de germoplasma, essenciais para a conservação e exploração de recursos genéticos de espécies nativas, como hortaliças e fruteiras, e a coleção de microorganismos de interesse agronômico, como por exemplo, rizóbios, importantes para estudos de sustentabilidade de sistemas agrícolas em nitrogênio (MAGALHÃES et al., 2001). Além disto, algumas coleções particulares ou coleções de pesquisa, como descritas acima, também podem ser consideradas coleções de grupos taxonômicos determinados. PANORAMA GERAL DAS COLEÇÕES ZOOLÓGICAS BRASILEIRAS O Brasil ganhou a sua primeira coleção científica graças à iniciativa do imperador Dom João VI, que fundou, em 1818, a Casa dos Pássaros, instituição que deu origem ao Museu Nacional do Rio de Janeiro. Posteriormente, em 1866 e 1886, foram criadas as coleções científicas do Museu Paraense Emílio Goeldi e do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo, respectivamente (ZAHER; YOUNG, 2003). Hoje, estas três instituições abrigam o maior acervo da nossa diversidade biológica. No decorrer do século XX, e paralelamente a esses grandes centros, diversas 228 UNIDADE 2 outras instituições científicas constituíram coleções zoológicas regionais que passaram a formar uma rede com proporções e representatividade ainda mal estimadas (ZAHER; YOUNG, 2003). As primeiras avaliações sugerem que haja cerca de 26 milhões de espécimes depositados em coleções brasileiras, sendo, sem sombra de dúvida, o maior acervo do mundo sobre a região neotropical. Entretanto, a falta histórica de iniciativa na manutenção de um cadastro nacional de coleções científicas dificulta a elaboração de um panorama efetivo sobre a situação atual dessas coleções (ZAHER; YOUNG, 2003). No entanto, alguns estudos forneceram um diagnóstico detalhado das coleções biológicas no Brasil (por exemplo, BRANDÃO et al., 1998, 2006; SIQUEIRA; JOLY, 1997; MENDES; SOUZA, 2003; MAGALHÃES; BONALDO, 2003; SABINO; PRADO, 2005; MAGALHÃES et al., 2005; MARINONI et al., 2006; LEWINSOHN; PRADO, 2006). Além de apontarem os problemas com relação à deficiência de profissionais inseridos nas coleções biológicas nacionais, estes autores ressaltam, também, as condições inadequadas de infra-estrutura, tais como a ausência de climatização, armários apropriados etc. além da falta de pessoal e material para as rotinas de manutenção, tais como troca periódica de líquidos fixadores ou expurgo de pragas (LEWINSOHN; PRADO, 2006). Em comparação com a grande carência de especialistas, LEWINSOHN & PRADO (2006) afirmamque o diagnóstico das coleções científicas é um pouco mais encorajador: em geral, foram consideradas ao menos parcialmente adequadas. Ainda assim, as coleções foram consideradas suficientes, ou quase, para o estudo de apenas 25% dos táxons avaliados, ao passo que em 27% foram tidas como totalmente inadequadas. Os problemas são agravados pela distribuição desigual das coleções no país (LEWINSOHN & PRADO, 2006); como comentado a seguir. Panorama das coleções de invertebrados do Brasil Segundo Brandão et al., (2006) existem cerca de 30 milhões de exemplares de invertebrados depositados em 91 coleções zoológicas brasileiras, incluindo anelídeos, aracnídeos, crustáceos, helmintos, insetos, miriápodes e moluscos, entre outros, e envolvem cerca de 220 pesquisadores e 110 técnicos (BRANDÃO et al., 2006). Embora defasadas, estas informaçòes permitem expor o panorama das coleções zoológicas de invertebrados no Brasil, comparando-se estes COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIAL ZOOLÓGICO 229 valores com aqueles apresentados para vertebrados (item seguinte), um grupo que representa apenas 5% da biodiversidade mundial. Como exemplo desta defasagem, pode-se citar a Coleção de História Natural da Universidade Federal do Piauí, criada em 2010, que possui um acervo de cerca de 6 mil exemplares de diversos grupos de vertebrados e invertebrados, além de 3 pesquisadores e 1 técnico. A grande maioria das coleções de invertebrados, cerca de 90%, é de instituições públicas da órbita federal, estadual ou municipal, enquanto apenas 10% é de instituições privadas (MAGALHÃES et al., 2005). As coleções mais numerosas e mais representativas, em termos geográficos, taxonômicos e ecológicos estão nas instituições que contam com uma política institucional específica para a formação, conservação e crescimento de acervos biológicos, além de um longo histórico de atuação nessa área, como é o caso do Museu Nacional do Rio de Janeiro, do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (MZSP), do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) – instituições cujo início das coleções remontam ao século XIX –, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), do Museu de Ciências Naturais da Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul (MCN) e do Museu de Ciências e Tecnologia da PUC-RS (MCT) (MAGALHÃES et al., 2005). Estas coleções, como visto acima, são consideradas grandes coleções de caráter geral. Além disso, várias universidades e algumas instituições de pesquisa mantêm coleções mais ou menos numerosas, mas muitas vezes restritas a um ou poucos grupos, em geral, reflexo de interesses específicos de especialistas atuantes ou de linhas de pesquisa institucionais (MAGALHÃES et al., 2005), sendo assim consideradas coleções de caráter regional, coleções de projetos de pesquisa ou coleções de grupos taxonômicos específicos. A seguir, comenta-se a situação das coleções zoológicas de diversos grupos de invertebrados, dentre eles: poríferos, cnidários, equinodermos, anelídeos, aracnídeos, miriápodes, crustáceos, moluscos e insetos. É importante lembrar, que assim como exemplificado anteriormente, estas informações possuem uma defasagem, devido à inexistência de publicações mais recentes. Os poríferos estão abrigados em dez instituições sediadas em nove estados. Somados, o número total de espécimes situa-se próximo de 30.000, o que não garante sequer representatividade satisfatória da diversidade de espécies, que dirá da diversidade genética em escalas espacial e temporal (MAGALHÃES et al., 2005). 230 UNIDADE 2 Os cnidários estão representados por cerca de 8.000 indivíduos distribuídos em menos que dez coleções, distribuídas pelos estados do Ceará, Pernambuco, São Paulo e Rio de Janeiro (MAGALHÃES et al., 2005). As coleções de equinodermos são mantidas em pelo menos sete instituições (maioria do eixo RJ-SP), mas as informações disponíveis sobre seus acervos são escassas e estima-se a presença de pelo menos 15 mil indivíduos (MAGALHÃES et al., 2005). Os anelídeos possuem um panorama mais incerto, em relação aos grupos já apresentados. Segundo MAGALHÃES et al., (2005), as principais coleções estão localizadas nos estados de São Paulo, Paraná e Rio de Janeiro, havendo acervos expressivos no Amazonas, Ceará e Rio Grande do Sul; porém o tamanho destes acervos é desconhecido. Dentre as coleções de aracnídeos, podem-se destacar as grandes coleções de caráter geral dos estados do Rio de Janeiro (MNRJ, UFRJ), São Paulo (MZSP, Instituto Butantan – IBSP), Pará (MPEG), Amazonas (INPA) e Rio Grande do Sul (MCN, PUC-RS, Museu de Ciências e Tecnologia da Pontifícia Universidade Católica – MCTP), onde cerca de 500.000 exemplares das diversas ordens de aracnídeos encontram-se depositados (MAGALHÃES et al., 2005). Dentre as coleções de miriápodes (quilópodes, diplópodes, sínfilos e paurópodes) se destacam: MZUSP, MNRJ, IBSP, MHNCI e INPA, com um total aproximado de 14 mil espécimes (MAGALHÃES et al., 2005). Os crustáceos encontram-se representados em coleções de distintos níveis de tamanho, representatividade e situação de gerenciamento, distribuídos em 21 instituições brasileiras, em 16 unidades da federação; porém, o total de indivíduos presentes nestes acervos não é conhecido (MAGALHÃES et al., 2005). As coleções de moluscos ou no mínimo, de conchas, são virtualmente produzidas por todas as instituições de ensino de biologia, seja pública, seja privada (MAGALHÃES et al., 2005). Dentre as coleções científicas de moluscos, as grandes coleções de caráter geral (MNRJ, MZSP, INPA, MCN, INPA, etc.) são as que detêm a maior representatividade nacional, somando mais de 130 mil exemplares (MAGALHÃES et al., 2005). As coleções entomológicas (insetos) brasileiras podem ser consideradas enormes, quando comparadas a outros grupos de animais; porém, isto reflete a diversidade do grupo. Os insetos representam cerca de 50% das espécies descritas no mundo e com estimativas de um total de 10 milhões (MARINONI et al., 2006), sendo conhecidas para o Brasil COLETA, PREPARAÇÃO E ARMAZENAMENTO DE MATERIAL ZOOLÓGICO 231 entre 91 a 126 mil espécies deste táxon (LEWINSOHN; PRADO, 2005). O estado-da-arte das coleções entomológicas brasileiras é apresentado por Marinoni et al., (2006) por ordem de insetos. Com tamanha diversidade e grande abundância em ambientes tropicais, grandes números de indivíduos podem ser encontrados em coleções nacionais para alguns grupos. Pode-se citar, por exemplo, a presença estimada de cerca 2 milhões de coleópteros (besouros) nas coleçãos do INPA e também do MNRJ; cerca de 500 mil dípteros na coleção do MZSP; cerca de 100 mil hemípteros no MNRJ; 1,6 milhão de hemípteros no MPEG; e cerca de 260 mil lepidópteros (borboletas e mariposas) na Coleção Entomológica Pe. Jesus Santiago Moure da Universidade Federal do Paraná (DZUP). As coleções helmintológicas estão presentes em poucas instituições brasileiras, destacando-se a do Instituto Oswaldo Cruz (IOC), uma das maiores do mundo, com cerca de 33.000 lâminas, de grande importância, tanto pelo seu valor histórico e taxonômico, quanto pelas suas implicações nas ciências da saúde (MAGALHÃES et al., 2005). Além disto, diversos outros grupos de invertebrados (ex.: Tardigrada, Onychophora, Nematoda, Chaetognatha, Sipuncula, Echiura etc.) encontram-se representados por poucos indivíduos em coleções científicas nacionais, devido à inexistência de pesquisadores trabalhando com estes grupos, ou as informações não estarem disponíveis na literatura (MAGALHÃES et al., 2005). Panorama das coleções de vertebrados no Brasil As instituições brasileiras abrigam 71 coleções de vertebrados, com mais de 3,2 milhões de exemplares, 130 pesquisadores e 110 técnicos listados nos diagnósticos publicados (BRANDÃO et al., 2006). Embora estes números sejam menores que aqueles apresentados para invertebrados, um grupo muito mais diverso, pode-se considerar que as coleções de vertebrados são melhores