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Revista CULT-Queer - Cultura e Subversão das Identidades(2015)

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N'ó . ANO 19 . RS 13,50
www. rêüstaculLcom. br
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COLABORADORES
DESTA EDIÇÃO ESPECIAL
BERENICE BENTO e PIo:ers. : : ..- '.: :
departamento de Ciênclas Scc a s :- - =tr
pesquisado'adoCN"o:ó--- : :: - .'.- -:.
do corpo (EDUFRN,2014)
CARLA RODRIGUES é proíesscre.- .)=.="-.- ---.
de Fliosoíia da UFRJ e vlce-coorclenec.'. i -
laborator o Khôra de Fi osofia das Alter c.:=.
GUACIRA LOPES LOURO é professora t tu a'
aposentada do departannento de Educação o:
lll-R(r5 e artora d. Ua ca'ao esl'anho-ensô:os
sobre sexua/ldade e teoria queer (Autêntica, 2O'15)
KARLA BESSA é pesquisadora do Núc eo
de Estudos de Gênero Pagu da UNICAIVIP
LEANDRo COLLING e pro{essor adjunto do
lnst tuto de luman daces, Artes e Ciênc as
da UFBA, coordenador do grupo de pesqu sa
Cultura e Sexualidade e autor de Oue os outros
sejam o normal(EDUFBA, 2015)
MARCIA TIBURI é professora da pós-graduação
em Educação, Arte e H storia da Cu tura da
Universidade Presb teriana Mackenzie e autcra
de Mulheres, filosofra ou coisas do género
(EDUNrsc,2008)
RICHARD MISKOLCI é proíessor associacio do
departamento de Ciâncias Soc a s da UFSCar,
coordenador do núc ec de pesquisa Ouereres
e autor de Teoria q,teer: um aprendizado pelas
dtferenças (Autênt ca, 201 2)
RoGÉRto DlNlz JUNoUEIRA é pesqu sador do
INEP e autor de Diversidade sexuai e edr-rcação:
problematizações sobre a homofobia nas esco/as
(Edições MEC/Unesco, 2009)
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. .-: . =. Andrela Frel.e
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: -' ::cendência ou n-: ::
:= ' .:-J Amérlco, i Bt! :
:- ^-:3em de Judlt' 3-::
-::::-:Íada por Donr..: --
A POLíTICA DO DESEJO
" i.-l :,: :; :: :='- l-J i.r :j:: a j !;il .j a - ;'l': a I n a: .l': tl* :'-i : : t:
,i.ir,ai-r:, r' ;-::,r caria Rodriques
UMA OUTRA HISTORIA
DA REPÚBLICA
;:r Êi*-=:* L€isk*lei
O OUE PERDEMOS
COM OS PRECONCEITOS?
i :,.. : i;t, : :-.. o ;rAi1r .t,l y 1,,1 5,1,1 g,-1.-, 1:).
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. - ;...,1 .: r: ,13 r-riiiS t::il.i:,*:,- ;; ,.' -1i,'-ri.:rr:
i- - re ê=d:+ {*il!ng
PEDAGOGIA DO ARMÁRIO
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. . . rrli.:t r,.i;l ai: :-. -.-l ri.l :'i:rxii'i],
Pôre rc Díniz Jurr"iueira
JUDITH BUTLER: FEMINISMO
coMo PRovocAçAo
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sei-ul LlcltJr: p'r' Marcia Titruri
OUEERIFICANDO ANTIGONA
í.;rn l: I+ -.rtt: ü.1j 'jij'-:l-: r.iç: §i:l':' ::s
.lltlier a*-:lr,:-:ã i ia:í: l-5raeni ,i -:E
:iaaia: a; :-:r,a=,. ;:l :liien -:r''la: '::
: ::.:.i;r ac ::;'lla:=.':l :e Iclrc
r,..,r Susan* de Castr*
C.UEER O OUÊ? ATIVISMO
E ESTUDOS TRANSVIADOS
,]r -t -r. r: :::i, il l:r,iii'"'l!11"1r() i.rruÊer
'-:l:l ji,' :il a a ai:lf :l'atíã a ":-telial
a :lr:a.t =,. -.: -:--:+ .- lla::: i,*:, ,la-:i::,
--,:r *ere-ics *eni*
A TEORIA AUEER E OS DESAFIOS
Às ruolouRAs Do oLHAR
'.'i."rr,,
j.r _ 
" a 
I ' :
r t.. . , ,
,r irirre - i:r-,r Karia Bes*a
ó g§ EDIÇÃO ESPEC AL
JUDITH BUTLÊR: FEMINISMO COMO
PERFORMATIVIDADE DO GÊNERO
Para sustentar sua crítica, Butler precisa, por-
tanto, desmontar algumas ideias, e a princiPal
delas será a de gênero. Quando, nos anos 1960,
se começou a falar em gênerq,o termo era usa-
do para se referir ao "papel" social e cultural
que se dispunha sobre o sexo, como que para
explicáJo. O sexo era ainda tomado como na-
tural no sentido de ser um destino que acabaria
por fundar o gênero. O sexo era a verdade da
natureza, como muitos ainda pensam no âm-
bito do senso comum. A ideia de gênero veio
dar conta do caráter produzido da sexualidade.
O essencialismo com que se costumâva ver o
sexo já havia sido posto em questão quando
Beauvoir disse, em O segundo sexo, que nin-
guém nasce mulher, mas se torna mulher.
Éoucault, igualmente importante para )udith
Butler, mostrou, em sua Hlsúó ria da sexualidade,
que até mesmo o sexo - assim como a sexuali-
dade - foi produzido por um tipo de discurso.
Nem sexualidade, nem sexo seriam verdades
ããããis;ffi@
Tratar o histórico como natural sempre é estra-
te,etê-de.ppaer.-O esforço da teoria de Butler
neste contexto, foi o da desnaturalização como
uma desmistificação do sexo e do gênero, que
seriam, em momentos diferentes, tratados co-
mo destino. A partir de então, eles seriam cons-
truçôes discursivas entre as quais não haveria
diferença. A ideia fundamental da pensadora é
a de que o discurso habita o corPo e que, de
certo modo, faz esse corpo, confunde-se com
ele. Por isso, a diferença entre sexo e gênero náo
seria mais o caminho para a luta feminista. Mas
o respeito aos corpos cuja liberdade depende,
em última instância, de serem livres do discur-
so que os constitui. Ou de simplesmente pode-
rem existir em um mundo que os nega, e que
os nega pelo discurso que náo é, de modo al-
gum, apenas uma fala qualquer.
O que ela chama de performatividade do
gênero, partindo de aspectos da teoria da lin-
guagem de |. L. Austin, famoso autor da teoria
dos atos de fala, diz respeito ao caráter ativo
da relação entre o sujeito e a sociedade, en-
quanto esta última é otganizada dentro de
normas e de leis que funcionam pelo discurso.
É impossível, neste sentido, ser "generificado",
ro @ EDIÇÃO ESPECIAL
ou seja, sofrer os efeitos do gênero fora do discurso' Pois não há gênero
sem discurso, e o discurso é, justamente, o que infunde, como um
dispositivo, aquilo que é o gênero. se antes os corPos eram vítimas cla
ciência da anatomia que legislava sobre eles, agora passaram a ser ví-
timas da generifrcação como uma espécie de segunda natureza que se
diz como verdade quanto ao "gênero".
Por meio das análises de Butler, podemos empreender a reflexão
sobre o que é ser homem e ser mulher, hétero ou homossexual' desde
que se toine possível questionar náo apenas as identidades "homem"
e- "mulher", ou outras, mas também o próprio sentido do verbo "ser"
quando se diz que alguém "é" isso ou aquilo' No momento em que
lg,.rem se identifica ou se deixa hétero-identificar, esse alguém está se
inicrevendo apenas em um cenário ontológico, que é promovido pelo
discurso e todã a sua materialidade no âmbito da açáo e da vida. Mas
isso quer dizer também que tudo poderia ser diferente em um cenário
democrático, em que as pessoas concretas pudessem se expressar li-
vremente, também por meio de seus corpos, para além dos discursos
que os controlam sot a produção daquilo que Butler úama de'!te:[gs
,retOg§rp= Nesse sentido, em sua prática teórica, ela agirá fazendo;rt"t* ontológicos contra o status quo. A filosofia é, em sua visão' a
chance de produzir um contraimaginário ao privilégio ontológico de
uns _ como se um modo de existir fosse o único correto - contra o
simplesmente ser dos outros, que, na contramão da "norma" ontológica'
sãolratados como aberração ou anomalia. A prática de enviar crianças
e jovens ao psiquiatra ou ao padre pata corceçâo, por exemPlo, é um
mecanismo de ãxclusão. Ao mesmo tempo, aquele que simplesmente
assume uma identidade contra a exclusão corre o risco de flcar preso
a ela. um dos problemas que a fllosofia de Butler nos lega refere-se
justamente a essa identidade quando sabemos que ela serve, em certos
momentos, para libertar, como, por exemplo, no momento em que
alguém se afirma mulher, no âmbito do feminismo, na luta por direitos,
más também para excluir esse mesmo sujeito, colocando-o de volta
num lugar de opressão e escravidão onde o próprio feminismo prometia
.*.n.i!", seuiujeito. Neste sentido, Podemos dizer que o feminismo
da filósofa é negativo e, ainda assim, dialético'
O CORPO ABJETO
Portanto, uma das preocupaçoes centrais do
pensamento teórico-prático de Butler se refere
ao corpo sexuado enquanto esse corpo é tor-
nado "abieto". Â categoria do abjeto vem refe-
rir-se à existência corporal daqueles que não
são encalxárris na estrutura binária "homem-
-mulher". Neste sentido, a teoria de Butler é,
ao mesmo tempo, como deve ser qualquer
teoria feminista, uma teoria engajada na defesa
de um sujeito oprimido, A propósito, na con-
tramão de Derrida, um dos pensadores que
mais a influenciou, Butleracredita que é ne-
cessário continuar usando o conceito de "su-
jeito", vendo nesta criticável categoria huma-
nista a chance de colocar as categorias do
humanismo contra ele mesmo. A crítica ao
sujeito, promovida por muitos filósofos con-
temporâneos, diz respeito à ideia de filosofia
da consciência de que existe uma consciência
autônoma e livre chamada de sujeito. "Sujeito"
é certamente uma categoria insuficiente, mas
é justamente ela que é negada pelo humanismo
aos corpos a§etos, aqueles que seriam, no con-
texto das definiçôes, menos que humanos. A
crítica de Butler ao humanismo refere-se a essa
classificaçâo por exclusão.
Nesse caso, a diferença de Butler com o
feminismo que defende, sobretudo, as "muihe-
res" é que ela defende, além das mulheres, to-
dos aqueles que não se enquadram nos discur-
sos que invocam a"naturezi'fixa do corpo.
Neste sentido, ela defende as potencialidades
dos corpos fora das teorias ontológicas clássi-
cas que sempre se pautam por uma ideia de
natureza teminina ou masculina. E até mesmo
de uma natureza homossexual. Mas a teoria
da pensadora vai alem da questão da sexuali-
dade e bem pode ajudar a pensar o lugar de
todos aqueles que não se encaixam no padrão
do homem branco e europeu" AIém dos tran-
sexuais, os iudeus, os negros, os árabes e até
mesmo os pobres entram no campo de suas
preocupações como corpos que são conside-
rados, pelo "poder", como desimportantes,
vidas que deveriam ser corrigidas ou que não
mereceriarn serem vividas. Aquele que ataca
física ou simbolicamente um homossexual,
uma travesti, um negro, uma prostituta, uma
SE ANTES OS CORPOS ERAM
VíTIMAS DA CIÊNCIA DA ANATOMIA
OUE LEGISLAVA SOBRE ELES,
AGORA PASSARAM A SER VíTIMAS
DA GEhirRrricÂÇÃo c*Mo utvtA
E§PECIE DE SECUNDA NATUREZA
OUE SE DIZ CÜMO VERDADE
OUANTO AO "GÊNERO"
mulher sob uma burca, ou, ainda, uma mulher que não é feminina ou
sensual (como se as pessoas estivessem obrigadas ao estereótipo) cer-
tamente tem em sua base um modo de pensar assegurado por essa visão
de mundo compartilhada pelo patriarcado, pelo capitalismo, pelo poder
em geral. A cultura, em todas as formas de discurso, do jurídico ao
científico, e dos meios de comunicação, ajuda na produção do "abjeto"
como um tipo de diferenciação na qual se confina o excluído-,O_ excluído
é produzidá no discurso: seu lugai é o silêncio que, em terããJilããIs
.muito concretos, realiza-se na iniustiça de não poder e*istir. Essa di-
ferenciação precisa ser analisada e desmontada. Somente aí é que algo
como q_-lrbsldgdsjs-exist1rsomo se é entrarâ em cena. Não apenas
porque existem muitas pessoas fora das classificações, mas porque é
preciso desmontar as classificações para dar lugar à expressão singular
contra todo um campo da experiência silenciada e, assim, proibida de
existir ou condenada à morte. El
TEXTO PUBLICADO NA CULT 185 - NOVEMBRO 2013
OU EER @tt
UMA
SEOUÊNCIA
de atos
GUACIRA LOPES LOURO
" 
d.rob"d...r às ordens, o diretor da escola advertiu seus pais que ela
poderia vir a ser uma delinquente' Havia que desviá-la do mau cami-
nho, e o corretivo encontrado foi obrigáJa a ter aulas 
particulares com
o rabino. No entanto, contrariando o que pensavam, o 
castigo pareceu-
-th. "r-u coisa formidável". Ela adorava ouvir o rabino' fazia-Ihe as
mais incríveis perguntas e, acolhida por ele' discutia temas 
improváveis
para quem estaYa apenas entrando na adolescência'
O caráter inquieto, um toque de rebeldia' a constante desconfiança
em relação uo qr. é posto como estabelecido e definitivo parecem ter
se tornado seus traços mais marcantes' Se a menina gostava 
de fazet per
guntas,amulhercontinuousemostrandoumaquestionadoraincorrigível;
ã mt t".tout passou a pôr em xeque "verdades" consagradas; e a escritora"'
Bem, seus textos tornaram-se mais famosos pelas indagações 
que propõem
do que pelas soluçoes ou respostas que eventualmente 
fornecem'
- - 
L.rru a palavras d. oàe*, eisa mulher, dita feminista, também
náo se absteve de pôr em questão algumas das consagradas 
proclama-
çóes do feminismo. 
gm tô90, ela lançou Problemas de gênero - femi-
nismo e subyersão da identidade, um livro pleno de questionamentos
. frouo*çO.s que até hoje é, provavelmente' 
sua obra mais conhecida'
Nu .upu áa ediçao origínal, da Routledge' uma foto antiga 
de duas
.riurrçàt trajando vestidos. Um menino e uma menina? Ou 
náo? Dizem
oscréditosquesetratadoretratodeduasirmãs,umadelascom..jeito,'de
garoto e a outra com aparência mais "feminina"' A foto 
perturba o olhar'
ierturba a noção de gênero' Sugere gender trouble'
o q,r. é gà.r..o ãfinalt É utgo io* que nascemos? Algo que nos é
designàdo dãfinitivamente, de uma vez por todas? Algo 
que aparenta-
mos, por ações, gestos, comportamentos' moda? Como se 
faz um gê-
,r.ro? Co-o alguém se torna um sujeito de gênero? E quando isso
acontece? O que sexo tem aver com gênero?
Para Judith Butler, o
gênero "é a contínua
estilização do Çorpo, um
cCInjunta de atos repÊtido§
nc interior ie 'Jrn q.raf ie
regulatório aitamente
rígido e que se cristaliza aa
longo do temPo"
ma garota indisciplinada que nâo seguia regras e costumava
.orí"rr", os professores. Uma garota-problema'.ainda que
reconhecida como inteligente. Assim Judith Butler se lem-
bra de ter sido caracter iiada na infância' Por matar aulas
rz @ EDIÇÃo ESPECIAL
|udith Butler mergulhou nessas questões e
em muitas outras. Ensaiou respostas, mas lon-
ge de se mostrar satisfeita, continuou, ao longo
de vários livros e incontáveis artigos, entrevis-
tas e palestras, refazendo as perguntas, com-
plicando o jogo, invertendo a lógica.
Claro que ela leu Simone de Beauyoir e,
como tantas outras pensadoras, também se
remete à clássica afirmação de que "ninguém
nasce mulher: torna-se mulher". Contudo, sen-
do uma atravessadora de disciplinas e de áreas,
passou a combinar leituras feministas com as
de teóricos e teóricas dos mais diversos matizes
e é com o aporte desse conjunto heterogêneo
que produz suas reflexões, muitas vezes na con-
tracorrente ou até a contrapelo daquilo que leu.
É para o "tornar-se mulher", para o devir que
Beauvoir anunciara, que ela volta seu interesse.
Entende que esse é um processo contínuo do
qual não se pode precisar o fim. Talvez nem
mesmo a origem. Mais do que isso, acredita
que é um processo do qual nunca se atingiria
a meta. E se isso é pensado sobre a mulher,
também pode ser pensado sobre o homem. "O
gênero", diz Butler, "é a contínua estilização do
corpo, um conjunto de atos repetidos, no inte-
rior de um quadro regulatório altamente rígi-
do, que se cristaliza ao longo do tempo para
produzir a aparência de uma substância, a apa-
rência de uma maneira natural de ser".
Tornar-se um sujeito feminino ou mascu-
lino não é uma coisa que aconteça num só
golpe, de uma vez por todas, mas que implica
uma construção que, efetivamente, nunca se
completa. Butler complica a noção de "identi
dade de gênero". Afirma que gênero não é algo
que somos, mas algo que fazemos. Não é algo
que se "deduz" de um corpo. Não é natural.
Em vez disso, é a própria nomeação de um
corpo, sua designaçáo como macho ou como
frmea, como masculino ou feminino, que"fai'
esse corpo. O gênero é efeito de discursos. O
gênero é performativo.
É com apoio em Austin e Derrida que Butler
desenvolve a noção de performatividade de gê-
nero. Em Austin, ela vai buscar inspiração na
teoria dos atos de fala (que distingue entre os
enunciados constatativos, aqueles que descre-
vem um fato, uma situação, e os performativos,
aqueles que, ao serem proclamados, produzem,
isto é, fazem acontecer aquilo que proclamam).
De Derrida (que desconstruíra em parte a teoria
de Austin), ela toma emprestadas noções como
citacionalidade e reiteração. Relê essas teorias
de um modo próprio e explora sua potenciali-
dade para pensar o gênero e o sexo. ..f
tJIúA SEOUÊNClA DE ATOS I
" ! irTÊ RFtr L;iÇ.áÜ FU ru ftÂiu?Ê"
O anúncio "é uma menina" ou "é um menino",
feito por um proflssional diante da tela de um
aparelho de ultassonografia morfoiógica, põe
emmarcha o Processo de fazer deste ser um
corpo feminino ou masculino, acredita Butler'
Esse ato, de caráter performativo, inaugura
uma sequência de atos que vai constituir al-
guém como um sujeito de sexo e de gênero'
Para ela, mais do que a descrição de um corpo,
tal declaraçáo designa e define o corpo' O
anúncio pode ser compreendido como uma
espécie de "interpelação fundante", mas, adver-
te ela, nada está resolvido de forma absoluta
neste momento; a interpelação precisa ser "rei-
terada por várias autoridades, e ao longo de
vários intervalos de tempo, para reforçar ou
contestar esse efeito naturalizado". Um grande
investimento vai ser empreendido para conf,r-
mar tal nomeação. Ela náo está absolutamente
garantida. Precisará ser repetida, citada e
recitada incontáveis vezes, nas mais distintas circunstâncias' E poderá,
igualmente, ser negada e subvertida' O devir pode tomar muitas 
direçoes'
ó ,.....to do gêneio é escorregadio e cheio de ambivalências'
E interessãnte pensar qo. o .orpo vem a existir através de um dis-
curso - generificaào - que se faz sobre ele' Admitindo esse argumento'
parece iaroai"lsupor que não há corpo que não seja' desde sempre'
generificado, isto é, marcado por, ou feito no, gênero' E é por 
vias como
ãrru qr.r. Butler acaba perturbando a distinção sexo/gênero' O 
sexo'
assim como o gênero, é efeito de discursos'
Ela entende que a nomeaçáo de um corpo implica' ao mesmo tem-
po, o estabeleciÁento de fronteiras e a repetição de normas de gênero'
impossível esquecer que essa nomeação é feita "no interior de um 
qua-
drá regulatóri,o altamente rígido", o da heterossexualidade' Tudo 
isso'
contuão, parece sugerir um determinismo ou uma estabilidade 
que
náo combinam com a pensadora dita inquieta e desobediente' Quais
as possibllldades de desvio? Como se perturbariam as normas? Onde
se ãncontraria espaço para a subversão? Como ou quando ocorreriam
rupturas, rePúdios?
Butler discor.. sobre esses temas em muitos de seus textos e pales-
tras. Mas talvez seja particularmente expressiva quando conta' 
num
depoimento gravado para a televisão francesa' o quanto e como 
§ua
fuàiliu judia=buscava integrar-se à sociedade norte-americana' Na
tentativa de incorporar u, ná,-u' de gênero daqueia sociedade' lembra
que sua mãe, seu pai e também seus avós buscavam se aproximar mais
e mais das referências de masculinidade e de feminilidade entáo 
pre-
dominantes, aquelas que representaYam, na sua percepçáo ou 
na per-
cepção da época, o que seria desejável' Hollywood era sua referência'
Os astros e ai estrelas hollywoodianos pareciam expor ou representar 
as
formas mais acabadas dos dois gêneros. Butler recorda, então, aS 
tenta-
tivas e as falhas dos homens e das mulheres de sua família' E' ao narrar
esse episódio, ela aflrma, com veemência' que o fracasso é sempre 
pos-
sível; na verdade, acentua, "o fracasso talvez seja mais interessante"'
Performativos de gênero são repetidos constantemente' Citados 
e
recitadosemcontextosecircunstânciasdistintas;noâmbitodafamí-
lia,daescola,damedicina;namídia,emsuasmaisdiversasexpressões;
nas regulamentações da justiça ou da religião' Não obterão' contudo'
exatamente os mesmos resultados' Os efeitos dos performativos são
sempre imprevisíveis' A possibilidade de insucesso' que Derrida 
já
demonstraia ao analisar a teoria de Austin' é explorada por Butler em
sua reflexáo sobre o gênero. A falha, que é intrínseca aos performati-
vos, pode ser produiiva. É na possibilidade do fracasso que reside 
o
..puio para a iessignificação e para a subversão no terreno dos gêneros
e da sexuaiidade'
Cena do longa Laurence anyways\2012), de Xavier Dolan' em.que 
o ator
Melvit Poupzud vive Laurence, um homem que nào se ident tlca 
com seu
gônero e deseja se tornar mulher
o
o
r+ EIE EDIÇÃo ESPECIAL
A atr z Ju ie Andrews em Vlctor ou Victaria, arqa do cineasta norte americano B ake Edwards, de T 982
N{as tudo isso acontece por acaso ou por escolha dos sujeitos? Em
outras palavras. alquem se empenha deliberadamente em fracassar? Ou
tenta ser bent sucedido e fracassa? Serão os tiacassos sempre sub\-ersi-
vos? Aqui um dos pontos escorregadios e complexos do pensamento de
Butler: a possibilidade de agência dos sujeitos. Ela afirma, em r,ários de
seus textos, que o gênero e uma escolha, mas observa que essa nâo e
uma escoiha absolutamente livre. É impossível imaginar alguém que,
colocado em algum lugar fora do gênero (onde?), seja capaz de escolher
o que deseja "ser". Uma vez que "alguém já e seu gênero, a escolha do
'estilo de gênero'é sempre limitada, desde o início", como diz Sara Salih
em seu livro sobre Butler. A possibilidade de agência é, portanto, sempre
restringida. O sujeito pode, sim, interpretar as normas existentes; pode
ressignificá-1as, dotá-1as de um significado distinto; pode, eventualmen-
te. organizá-las de um jeito novo, ainda que isso seja feito de modo
ctrnstrangido e limitado. Efetivamente, estamos sempre fazendo isso.
To j.rrs rrs suieitos interpretam, de seu jeito, continuamente, as normas
regu-a:c,:ias de sua cultura, de sua sociedade.
\1,.-. : a.rdversativa é importante) aqueles e aquelas que não "fa-
zern !:,- r.:.:ô "cot'retamente" são, muitas vezes, punidos. Os desvios,
a dep.-::.: j:. circunstâncias em que acontecem, a depender de sua
construído. E o que faz,por exemplo, uma drag
queen. A drag se aproxima do objeto que imita
e, ao mesmo tempo, o expõe e o critica. Pelo
excesso e pelo exagero, escancara as normas de
gênero e demonstra seu caráter artificial. Ela
pode ser r.ista como um eremplo de subversão
e também de possibilidade de agência. Mas (e
de novo a adversativa) a flgura da drag nao será
sempre, necessariamente, subversiva. Por ve-
zes, as tbrmas paródicas de gênero acabam por
provocar, tão somente, o riso inconsequente.
De algum modo domesticadas ou colonizadas
no interior da maÍriz heterossexual, elas po-
dem, mais uma vez, por vias outras, reforçar as
diferenças e as hierarquias.
As normas de gênero acabam por se impor
sempre, inexoravelmente? E possível driblá-las
de algum modo? Quais as possibilidades e os
limites para a agência? Quando uma recons-
trução é eletivamente subversiva? Quando se
constitui em renovada dissimulação das nor-
mas? A inquietude de Butler contagia. E
il:{aC i':-::ra:la,r \;i CULT 1§5 - ?!+V§1,{SR0 ?ü'!3
C.\ L CI.: J
ftsi.c,s.::-
collsir: _
!-: ..ltdu (. -
* :--.:.::.i.lade. costumam Ímpiicar em danos simbólicos e
-::.! . .:,;:::s. -{s tãlhas e desvios podem, por outro lado, se
: ::-- :: --:: ti-;ade lara reconstrucões subversivas da identi-
;.:-, :,; t-.;:u-,-. l:Üsta Butler, se prestar a uma política de
riii -'- r-:
fl a.:::;: i L- ir::-... -.:litr: Li.lIJ ItL)nteal quem se desrria das
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ser ressLg::---;;ja, -it::c: a-'.; Lrs .. cS::gitrs de un discurso de ódio não
seiam ;on-iple,antenia apagâüLrs. e.es podent ser reconhqurados. -\ no-
neação iniuririsa po,ie ser reapropriada de Iorma anrmatir-a.
Normas de qenero podem tantbem ser cttadas en1 conte\tos distin-
tos, eribidas de n.rodo a expor. de tbrrra radical, seu caráter tàbricado e
OU EER ilB§ ís
OUEERIFICANDO
antígona
Com a leitura das peças de Sofocles, Butler desmonta
a tese psicanalítica acerca da origem da ordem
sir=bólice a parilr cio ccmpiexc de Edip+
SUSANA DE CASTRO
feminista norte-americana Judith Butler afirma' em
Problemas de gênero - feminismo e subversão da identidade'
de 1990, que não apenas os gêneros masculino e feminino
são identidades socialmente construídas, mas o sexo tam-
úé-. Pu.u que um indivíduo seja identificado enquanto macho ou fê-
mea, náo basta que seja constatada a presença de uma ou outra 
geni-
tália. O reducionismo biologista e naturalista da sexualidade humana
a um binarismo essenciai deiconsidera o papel que a repetição reiterada
áe gestos, práticas e falas possui na configuração da sexualidade' 
As
iaeãtlaaaes sexuais e de gêne.o sáo construídas a partirde uma hete-
rossexualidade normatú, imposta através de dispositivos culturais e
políticos hegemônicos.
Butler aisocia o feminismo à teoria queer' Osteóricos queer consi-
deram que o entendimento de, virtualmente' qualquer aspecto da 
cul-
tura ocfoental perpassa uma análise crítica da definição moderna 
de
homo/heterott.roi. Apontam para as formas mediante as quais a ação
excludente e estimagmatizante da matriz sexual normativa produz
contrarreação nos corpos excluídos' Em Problemas de gênero'Bttllet
aponta para as limitaçOes do emprego não crítico da categor\alsujeito
"mulhei'nas lutas feministas pelo reconhecimento moral e político de
suas identidades. Na medida .- q" é constituída dentro do modelo
dicotômico excludente da matrizheteronormativa, essa categoria é
forjada pelos dispositivos discursivos normativos de dominação pa-
triárcal. O sistemà binário sexual não é moralmente neutro, ele privi-
legia, ainda que de maneira escamoteada, o homem heterossexual
mãnogamico. Os homens heterossexuais são' na realidade' os que
ro @ EDIÇÃo ESPECIAL
Frederic Lelghton, Antígona, 1882
IDENTIDADE DE GÊNERO
Butler apresentâ sua leitura de Antígona e de
Édipo em Colono no capítulo 3, "Promiscuous
Obedience" ["Obediência promíscua"]. Ao
longo desse capítulo, a pensadora mostra co-
mo não podemos desconsiderar o efeito que a
equivocidade das palavras "pai" e "irmão"
possuem, quando empregadas por Antígona,
se quisermos entender o que está em jogo.
Ao enterrar seu irmão Polinice, Antígona
atende ao pedido que este havia feito a suas
irmãs, o de lhe dar um enterro decente (w.
1665-1667,deÉdtpo em Colono,em traduçáo de
Mário da Gama Kury, Zahar,2006). Ofendido
por nenhum de seus filhos homens lhe ter
apoiado ou defendido quando foi expulso de
Tebas, Édipo os "maldiçoa, dizendo que en-
trariam em combate mortal e seriam recebidos
na morada de Hades (Edipo em Colono, vv.
1615-1620). Seguirdo a interpretação de
Hôlderlin, Budermostra como, nas tragédias,
as palavras pronuaciadas como maldição se
agarram, de tal modo, àqueles aos quais são
dirigidas que acabam determinando o curso
de suas ações- Pouco antes de morrer, ao des-
pedir-se de suas frlhas, Édipo afirma: "de nin-
guém tivestes maior*mor que o deste homem
sem o qual ireis virer pelo resto de suas vidasl"
(w, 1919-1921). Para Iudith Butler, essas pala-
vras possuem nma força oo tempo que excede
a temporalidade de sua enunciação. Ao afir-
mar que nenhum homem o excederá no amor
que lhes dedica" Édipo está, ao mesmo tempo,
obrigando-as a lhe ser eternamente fiel, mes-
mo depois de mofio. Age como se estivesse
rogando-lhes uma praga. Implícita à sua fala
estaria a ameaça de que as fi.lhas poderiam ser
punidas se ousassem amar outro homem
(Butler omite aqui a presença de Ismene, visto
que seu interesse está em retratar as ações de
Antígona). Ao substituir o amor paterno pelo
amor dirigido ao irmão, Antígona estaria tan-
to honrando quanto desobedecendo à exigên-
cia de fldelidade eterna imposta pelo pai. Por
um lado, ao aârmar que não ousaria desafiar
a ordem de Creonte por nenhum outro paren-
te, a não ser por Polinice (w. 908-911), ela é
infiel ao pai. Por outro lado, ela obedece à exi-
gência de amar eternamente um homem
O COMPLEXO DE ÉOIPO, T
TODAS AS TNTERDTçÕES OUE
REPRESENTA, É TAruTO O MCDELC
UNIVERSAL DE ESTRUTURAÇÃO
DÂ F§IQUE HUMANÂ A PÂRTIR
DÂ LIilIGUAGEM GUÂI!íO Â
cüNDrÇÃo §tMBÓLtcA PÂRA A
oRGANTZAÇÃO SOCTAL
morto, porém o faz promiscuamente, já que são dois mortos que amâ.
Finalmente, podemos ficar em dúvida sobre quem é o "irmão querido"
ao qual ela se refere no verso 915. Estaria ela se referindo a Polinice, a
Édipo ou aos dois?
Sentindo a proximidade da morte, Édipo havia ficado desconsolado
ao saber que, por causa do crime de parricídio, não poderia ser enter-
rado em solo tebano (Zdipo em Colono,vv 440). Levando em conside-
ração esse desconsolo, o ato de Antígona de enterrar duas vezes seu
irmão - na primeira vez, o crime é descoberto pelo sentinela; na se-
gunda, o sentinela volta a desenterrar o corpo e Ílagra a repetição do
ato - poderia ser interpretado como uma açâo que visaria a enterrar os
dois, o pai e o irmão. Uma açáo que, segundo Butler, reflete e institui
a equivocidade entre irmão e pai. O seu ato mostraria como, para ela,
ambos seriam intercambiáveis.
Um outro aspecto relevante para a análise de Butler é o da identidade
de gênero. Antígona é condenada a não amar nenhum homem, além do
que morreu, mas o pai, ao elogiar a sua lealdade e a da irmã, a chama de
homem: "Devo-lhes a yida e a minha núrição, pois elas se comportam como
se fossem homens em vez de mulheres para ajudar-me em minha existência
penosa". (w. 1611-1612). Navisáo de Édipo, os seus fllhos se efeminaram ao
entrar em disputa doméstica pelo poder, enquanto as suas filhas passaram
a exercer a função masculina de cuidar da segurança e da alimentação de
seus entes queridos. Antígona, inclusive, é a responsável por guiar o pai cego
em seu exílio e errância pelas estradas que ligam Tebas a Atenas.
Normalmente, a mulher segue os passos dos homens, e não o contrário.
Para Édipo, suas fiIhas tomaram o lugar de seus filhos.
A obediência promíscua e a inversão da identidade de gênero são
dois elementos essenciais para entender por que, desde uma perspectiva
pós-edipiana, a história de Antígona poderia ser lida como uma des-
construção da família mononuclear, formada por mãe, pai e filhos. A
equivocidade dos termos "pai" e "irmão", o fato de seus referentes serem
intercambiáveis, mostra-nos que o núcleo familiar é performativo, isto
é, que a legitimidade da função de autoridade e respeito entre gerações
depende mais das ações desenvolvidas pelos indivíduos do que de uma
estrutura simbólica determinante e universal. E
TEXTO PUBLlCADO NA CULT 185 - NOVEMEftO 2013
OUEER ffi 19
f
ry:
*
n'
Ativismo e estudos
transviados
zo ffi ED cÀo ESPEC Ar
O que os estudos/ativismo queer inauguram é olhar
para o "senhor" e dizer: "eu não desejo mais teu desejo.
C que você me oferece á pouco
Foto da série Feminine identiiies, da íotógrafa canadense Laurence
Philomàne. O trabalho consiste em fotografias de meninos ou pessoas
não-binárias contextualizadas no universo dito feminino
BERENICE BENTO
convite da revista CULT levou-me
a relembrar a força que textos de
algumas teóricas queer tiveram
em minha trajetória. Revi os dile-
mas provocados pela falta de um suporte teó-
rico para as angústias durante a produçáo de
minha tese de doutorado. Naquele momento,
nos início do anos 2000, pouquíssima biblio-
grafia tinha sido traduzida para o português.
Fosse pelo tema da pesquisa (transexualidade)
ou pelo recorte teórico que elegi para interpre-
táJa (estudos queer), sentiaum frio nabarriga
quando pensaya que teria que enfrentar uma
banca no Programa de Pós-gradução em
Sociologia. Quando me perguntavam sobre o
tema da pesquisa e eu dizia do que se tratava,
eu escutava geralmente, um "hummm... mas
você não está fazendo uma tese de Psicologia?".
A mesma estranheza era notável quando eu
tentava explicar os meus aportes teóricos:
"Queer?! O que é isto?". Talvez um dos maiores
dramas dos trabalhos considerados pioneiros
seja a falta de espaços mais consolidados para
o diálogo, dimensão fundamental para a pro-
dução científica.
Em 1999, comecei afazer meu trabalho de
campo em um hospital que realizava cirurgias
de transgenitalizaçáo (também conhecida como
"mudança de sexo" ou "cirurgia de redesignifi-
cação sexual"). A literatura que dispunha em
português hegemonicamente considerava as
experiências trans (transexuais, travestis, trans-
gêneros, cro s sdre ssing, drag queen, drag king)
como expressões de subjetividades transtorna-
das. Eu vivi durante meses uma profunda dis-
sintonia entre o que eu lia e o que via. Náo en-
caixava. As pessoas trans descritas pela
literatura oficial (principalmente a psicologia,
a psicanálise e a psiquiatria) eram deprimidas,
suicidas, demandavam as cirurgias para se tor-
narem pessoas "quase normais", ou seja, hete-
rossexuais.Por essas análises e descrições, havia
uma profunda diferença entre as pessoas trans
e as pessoas não trans. Do outro lado, eu via
uma força e um desejo dionisíaco de felicidade
entre as pessoas trans que frequentavam esse
hospital e que esperavam um parecer que as
diagnosticassem como "transtornadas de gêne-
ro" e as autorizassem afazer as cirurgias.
A minha convivência não se limitava ao
mundo do hospital. Foram horas, dias, meses
de convivência com pessoas que tinham uma
agência e jogos de cintura para lidar com si-
tuações limite de humilhação que poucas
vezes encontrei nas pessoas não trans. Afinal,
se não tivessem essa capacidade não sobrevi-
veriam, pois, geralmente são expulsas de casa
e de todas as instituições sociais normatiza-
das ainda muito jovens. Não demorou muito
para eu concluir que o problema da literatura
ensinada nas universidades padecia de um
problema: os seus formuladores não sabiam
nada, absolutamente nada, dos sujeitos que
diziam interpretar. Eram pequenos fragmen-
tos pinçados das yisitas das pessoas trans aos
consultórios e que eram lidos por uma deter-
minada concepção de normalidade de sexua-
..f
ourrn §E zr
lidade e de gênero.
iiiirl iil.' :. .'..,.):i
Federico Garcia Lcrca, a beijo,1927 O poeta íci morto pe as trcpas ce Franco
em 1 93ó não só pcr sua posiÇão po ít ca corrc rambém por sua homcssexualldade
Foi com uma alegria quase infàntil que eu li os textos de fudith Butler
e outras teóricas queer. Apartir daquele momento, o dispositivo transe-
xual (como eu nomeei os saberes produzidos pelo saber/poder médico
voltados para o controle e patologização das experiências trans) passaram
a ser lidos como uma poderosa engrenagem que objeti\rava dar suporte
à concepçáo segundo a qual nossas identidades sexuals e de gênero se-
riam um rei'lexo de estruturas natllrais (hormônios, cromossomos, nell-
rais). A patologização das experiências ou expressões de gênero fora da
norma começou a se configurar como um mecanismo que assegura a
própria existência da naturalização das identidades.
Logo depois, eu fiz parte de minha pesquisa em coietivos trans es-
panhóis. Era comum escutar as pessoas nas reuniÕes contando os ab-
surdos que os psicólogos tinham thes perguntado: "\'rocê é muito emo-
cional?", "\rocê gosta de cozinhar?". Para produção cle um parecer que
iria autorizar as pessoas trans a fazer a cirurgia, os especialistas aciona
\ram os mapas socialmente construídos para definir o que é ser um ho-
mem e ser uma mulher e que pretende coincidir masculinidades = ho-
mens e feminilidades = mulheres. A autorização para fazer a cirurgia
demora, no mínimo, dois anos. Durante esse período o/a candidato/a
(assim é como identificam as pessoas trans que esperam a cirurgia) tem
22 mtDC^OtSDtCr^L
uma rotina semanal de idas ao 1-rospital. O prc,'
tocolo é organizado em torno de três questÕe,
1) a exigência do teste de vida (os/as candidatos
as passam a usar as roupas apropriadas para ,
gênero com o qual se identifica); 2) a terapi;
hormonal; 3) os testes de personalidade (HIP.
À.{MPI, Haven e o Rorscharch). A1ém das ses
soes de terapia e dos exames clínicos. EnÍin:
uma parafernália cliscursiva voltada à perma-
r.rente patologizaçâo das experiências tt ans.
Sáo os operadores da saúrde mental (princi-
palmente os psicólogos) que têm o poder dt
autorizar oLl não uma cirurgia de transgenita-
ção. Como diagnosticar se uma pessoa é transr
Por um conjunto de práticas (a forma de vestir.
como demonstram praticamente seus sentt-
l'nentos, quais brinquedos gostavam quandc
eram crianças). E como definir qlre uma pessoi
r.rào e trans? Pela prática. São os meus atos di
arros que ler.,am o outro a me reconhecer so-
cialmente como homem ou mulher. Poucas
iaessoas têm acesso visual ao meu corpo nu.
rras so.iàlmente eu sou reconhecida como mu-
lher :.r.rque repito atos socialmente estabeleci-
dos con.irr frroprlos ao de uma mulher.
\àtr erisie Llm Lrrocesso especíhco para .:,
.onstitLlicáo das rdentrdades de gênero parir
as pessr)as tr ans. O gênero só existe na prátlca.
na experiància, e sua lealização se dá median-
te reiteraçôes cujos conteúdos são interpreta-
cÕes sobre o masculino e o feminino em un.l
iogo. muitas r.ezes contraditório e escorrega-
dio. estabelecido com as normas de gênero. O
ato de pol uma roupa, escolher uma cor, aces-
sórios, o corte de cabelo, a forma de anclar.
enhr.r.r, a estética e a estilistica corporal sàc,
atos que fazem o gênero, que visibiiizam e es-
tabilizam os corpos na ordem dicotomizadi'-
dos gêneros. Os/as homens/muiheres nãc,
trans se fazem na repetição de atos que se su-
põe sejam os mais naturais. Atrar.és da cita
cionalidade de uma suposta origerr-r, trans .
nào trans se igtralanr. Nossos corpos sào trr-
blicados por tecnologias precisas e sofisticada,
que têm como um dos mais poderosos resul
tados, nas subjetir.idades, a crença de que .
determinação das identidades está j.nscrita en:
alguma parte dos corpos.
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a
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:: ._, . {l
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Os textos queer me ajudaram a compreen-
der que: 1) não existe diferença entre os pro-
cessos de formação entre os ditos "normais" e
os "anormais";2) a naturalização dos gêneros
é um dos mais poderosos recursos acionados
pelo Estado (e sustentado pelo poder/saber
médico e pelos saberespsl) na manutenção de
estruturas hierárquicas e assimétricas dos gê-
neros; 3) a demanda das pessoas trans não é
para se tornarem "heterossexuais conserta-
dos", mas funda-se no reconhecimento de uma
identidade de gênero diferente da imposta
socialmente a partir da presença de uma de-
terminada genitália; 4) anatureza das identi-
dades de gênero é não serem naturais.
MEUS DESENCONTROS COM
05 ESTUDOS/ATIVISMO OUEERS:
os DTLEMAS DA TRADUçÃO
Nos últimos meses tenho vivido em Nova York
e assistido a palestras sobre diversas dimen-
sões da teoria e atirismo queer.Nos centros de
estudos que eram dedicados às questões de
gays, lésbicas e transgêneros (identidade local
para "abrigar" a multiplicidade de expressões
de gênero) também passaram a adotar o Q
(queer) em suas siglas. No movimento social
também é comum escutarmos LGBTQ (lésbi-
cas, gays, bissexuais, transgêneros e queer). A
primeira conclusão: os estudos/ativismo queer
conseguem um níyel de adesão pulsante se
comparada ao contexto brasiieiro. Reivindicar
uma não-identidade, lutar contra as identida-
des essencializadas, afirmar-se queer no ali-
vismo, construir teorias com esta nomeação,
faz sentido no contexto local. Mas como tra-
duzir o queerparao contexto brasileiro? Qual
a disseminação desse campo de estudos no Brasil? Se eu perguntar para
qualquer pessoa no Brasil "você é queer?", provavelmente escutarei "o
que é queer?".
Os estudos/ativismo queer se organizam em torno de alguns eixos:
l) desnaturalização das bioidentidades (coletivas e individuais); 2) ênfase
nas relações de poder para interpretar as estruturas subjetivas e objetivas
da vida social; 3) a permanente problematizaçáo das binariedades, 4)
prioridade à dimensão da agência humana, 5) crítica ao binarismo de
gênero (masculino versus feminíno) e sexual (heterossexual versus ho-
mossexual). Estes pontos não podem ser tributados originalmente aos
estudos queer. A questâo daprâtrcacomo modalidade explicativa da
vida social, por exemplo, e que nos estudos/ativismo queer assumirá o
nome de teoria da performance, marca um debate nas Ciências Sociais
conhecido como a clássica tensão entre indivídvo yersus sociedade. O
que me parece original nessa perspectiva teórica e política é a relaçáo
que passa a estabelecer com os insultos que funcionaram historicamente
como dispositivos discursivos que calaram, produziram vergonha e
medo entre os gays) as lésbicas e as pessoas trans.
O desejo de ser amado, respeitado, incluído, faz com que os sujeitos
"anormais" passem a desejar o desejo daquele que admiramos, mesmo
que isso signifique uma profunda violência subjetiva. O reconhecido,
nestes termos, não acontece mediante a afirmação da diferença, mas
pela submissão ao desejo dooutro, que passa a me constituir como
sujeito no mundo. Muitas vezes escutamos uma criança insultando
outra de "bicha" ou de "sapatão". Ela provavelmente não sabe nada
sobre o que significa estes termos, mas entende que é uma coisa feia, e
chega a esta conclusáo pelas fisionomias de nojo e ódio dos seus pais
ao proferirem estas palavras.
A bicha, o sapatão, a trava, o traveco, a coisa esquisita, a mulher-
-macho, devem ser eliminados. Isso faz com que haja um horror, um
medo profundo de ser reconhecido como aquilo que retiraria de si qual-
quer possibilidade de ser amado/a. Conforme apontei em outro momento,
nossas subjetividades são organizadas a partir de um heteroterrorismo
reiterado. A formação de nossas identidades sexuais e de gênero náo tem
nada de natural, neural, hormonal, tampouco idílica.
E assim, o desejo de amor, pertencimento e acolhimento faz com
que, na perspectiva do inclusão via assimilação, o silêncio e a invisi-
bilidade sejam as respostas possíveis ao heteroterrorismo. O que o
queer propõe? Que se interrompa a reprodução das normas sociais
através da incorporação política do outro-abjeto.
Acredito que "o pulo do gato" que os estudos/ativismo queer inau-
guram é olhar para o "senhor" e dizer: "eu não desejo mais teu desejo. O
que você me oferece é pouco. Isso mesmo, eu sou bicha, eu sou sapatão,
eu sou traveco. E o que você fará comigo? Eu estou aqui e náo vou mais
viver uma vida miserável e precária. Quero uma vida onde eu possa dar
pinta, transar com quem eu tenhayontade, ser dona/dono do meu corpo,
escarrar no casamento como instituição apropriada e única para viver o
amor e o afeto, vomitar todo o lixo que você me fez engolir calada/o". ..f
OUEER rm 23
a
I
i:! i- ) i:) l)
Neste momento, a dialética (binária) do senhor e escravo tem que
acertar suas contas com um terceiro termo: o abjeto. No entanto, o
outro-abjeto sempre esteve presente, como ente fantasmagórlco fazendo
seu trabalho incessante de produção da vergonha e garantindo, assim,
por sua presente-ausência, a reprodução das normas de gênero.
"Queer" só tem sentido se assumido como lugar no nrundo aquilo
que serviria para me excluir. Portanto, se eu digo qLteer no contexto
norte-americano é inteligível, seja como ferramenta de luta política ou
como agressào. Qual a disputa que se pode fazer com o nome "queer"
no contexto brasileiro? Nenhuma.
Em alguns textos eu tenho trabalhado com a expressáo "estudos
transviados". À minha língua tem qre fazer rnuita ginásti ca para dizer
queer e nào sei se quem está me escutando compartilha os mesmos
ser.rtidos. Ser ur-r.r transr.iado no Brasil pode ser "urna bicha louca", "un.r
r.iado", "Lrm travesti", "um traveco", "um sapatão". Talvez r.rão tivésse-
mos que entl-entar o debate da traduçáo cultural se reduzíssemos os
estudos transviados ao âmbito (muitas vezes) bolorento da academla,
transformando-o em um debate para iniciados, mas aí seria a própria
negação deste campo de estudos qrle nasce com o ativismo, tensiona
os limites do considerado normal e abre espaço para uma práxis epis-
temológica que pensa novas concepçoes de hurnanidade.
Ao mesmo tenlpo, eu me questiono: se entrássemos em ufir con-
senso acadêmico/ativista sobre a importância c1e ruminar antropofa-
gicamente os estudos/ativismo queer e decidíssemos que iríamos no-
meá-io de "estudos/ativismo transr.iados", ainda assim, esbarraríamos
em outra tensão: a l-regemonia de uma concepção essencializada das
identidades. Um dos pilares deste campo de estudos/ativismo é a
za ffi$ffi tD L^o E5DECT^t
Crossdressers em um c -::
de Pittsburgh, na Pensi r;
(EUA), 1955, fotograÍadc: ::
Charl-.s "Teenle" Harris
desnaturahzação das identidades sexual e c.
género e tem como pressuposto para entenJ.:
os arranjos identitários a noção de diferenc ,
Os movimentos sociais (mr.riheres, gays, lesb.
cas e, podenlos incluir, os negros) hegemon.'
camente alimentam a máquina do biopod;
do Estado ao demandar políticas especíÍic;-
para corpos específicos, retroalimentando -
noção de identldades essenciais. E a Iegitlm,-
dade da demanda só existe se são corpos e.'
sencializados que a proferem.
Ainda soa como uma esquisitice homer:,
que se afirman.r ien.rinistas, mulheres trans qu,
se contl-ontam com um têminisrno conservaLl'
que negam a possibilidade de se viver o gêner'
fora dos marcos das identidades genitalizadc ,
(onde mulher/vagina e homem/pênis seriam ;,
expressões legítimas e normais das fêminilida-
des e masculinldades). Contraditoriamente. r,
movimentos sociais que demandam mais pi'
1íticas públicas referendadas nas supostas ditr'
renças naturais estâo refbrçando o poder c
Estado no controle e seleção clas vidas.
Seja pelos dilemas da tradução ou pçl;.
"idiossincrasias" que marcam a academia e ,- .
biomovimentos sociais brasileiros, devemc,
reconhecer a dificuldade que os estudos/at,'
vismo transviados têm encontrado para s:
consolidar no contexto nacional e parece Ç*:
há um buraco entre a academia brasileira te.'
paço de recepção dos estudos rlueer) e os Dl, '
r,imentos sociais. Depols de quase quinze an, .
do meu encontro com estes estudos, aii-rc-
escuto com frequência: "Queer o quê?". Et
r::,.--.,- nli!l: r :rlr-- '... i:t:r; 1?: "-,s+a=:-a:,= :+:+
ll
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i.*
'ry6
tü
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t-
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*.à Er==.=E:
ULF-e=H
EÜ5
DESAFIOS
A§
MOLDURAS
DO OLHAR
Sel{-Portrait, projeto de
retratos de Andy Warhol
trêvestido de muLher.
Ensaio em polaróide de
Christopher Makos, em 1981
OUEER ffi 25
A TIORIA ÜUEER E OS DESAFIOS AS MOLDURAS DO OLHAR
üs primeiras estudos
datam dos anos 1970
íeministas na área da crítica cinematográfica
e abalaram o modo de pensar o filme
KARLA BESSA
e é preciso ainda hoje, apesar das pon-
derações e críticas, destacar a força
original da abordagem queer, é porque
consta em suas potencialidades propor
algo além da inclusão da diversidade sexual,
ou seja, propor estudos direcionados para no-
vas identidades de gênero, formas de conjuga-
lidade, gestões, afetos, ou práticas eróticas
singulares. Ir além da visibilidade de evidên-
clas de que existem outros modos de lidar com
o corpo e os prazeres e tentar des-exotizar
nossa compreensáo sobre essas práticas. Trata-
se de expandir o caráter de atuação do gênero
para além dos palcos, questionando a existên-
cia de um gênero primeiro, a partir do qual se
baseariam as manufaturas exageradas ou im-
perfeitas (o gênero fabricado nos camarins ou
nas salas de cirurgia).
Questionam-se assim os padrões de perfei
çáo e originalidade que constituem o pretenso
gênero verdadeiro e a respectiva sexualidade
nele presumida. É por isso que, na perspectiva
queer,:umamulher trans não é menos mulher
do que uma que tenha sido assim designada
desde o nascimento. A diferença é política e
não da ordem da natureza humana, o que nos
leva a outro importante raciocínio queer: afi-
nal, o que é o humano em um mundo de bus-
cas e transformações que fazem da tecnologia
subjetiva e corporal um diálogo com outras
tecnologias criadas a partir das intervenções
humanas, no tempo/espaço de sua condição?
A constituição de uma análise fílmica in-
teressada na perspectiva queer correu paralela
e em mútua sintonia com outros grandes temas e áreas dos estudc
feministas e de gênero. A crescente importância dos estudos de culture
visual no interior da ampla área dos estudos culturais e o desenvohl
mento de algumas ferramentas conceituais para lidar com represent*
çÕes visuais gerou um promissor impulso no interior de outras árear
de conhecimento para pensarem a gestão das imagens de um ponto de
vista ideológico (num primeiro momento) e, posteriormente, coms
discursos, ou seja, não mais inversão/distorção de uma realidade ex-
terior, mas o jogo de poder entre representações em disputa'
Os primeiros estudos feministas na área da crítica cinematográâca
datam dos anos 1970 e abalaram o modo de pensar o filme, antes en-
trincheirado em teorias sobre realismo, autores, gêneros, marxismo e
formalismo. Levantaram perguntas sobre quem produz, para quai
audiência e comoutilizam os recursos técnicos e culturais para corl{-
truir uma imagética e narrativa fílmica. Questionaram a presunção de
valores e as atribuiçôes de relação causal direta entre atividade/passi-
vidade e masculinidades e feminilidades de modo estereotipado. Esset
estudos analisaram estruturas narrativas que mascaram, infantilizas
e/ou idealizam mulheres e homens e suas respectivas sexualidader
Pautaram-se por leituras psicanalíticas, para problematizarem a cons-
trução subjetiva das personagens e dos enredos. Penso aqui nos traba-
lhos de Mary Ann Doane, Dana Polan, Teresa de Lauretis, Laura
Mulvey, apenas para citar as que conseguiram maior divulgação rcr
meio acadêmico, tanto pelo impacto de suas pesquisas, quanto pelo
modo como o mercado das citaçôes opera na produção acadêmica.
No entanto, a ótica dessas primeiras incursões pressupunha um focs
praticamente universalizado: a maneira clássica de pensar gênero como
uma relaçâo entre homens/mulheres, ainda que pluralizando a categoria
mulher, mantendo pressupostos básicos da divisão entre sexo/gênerct
Os efeitos dessa perspectiva no interior da análise cinematográfica foram
questionados, por exemplo, em pesquisas que mostravam o limite de
categorias como male gaze (olhar masculino), formulada por Laure
Mulvey, que náo previa a possibilidade de haver na audiência desejor
considerados masculinos por parte de mulheres Iésbicas. O prazer &
olhar e a fascinação com o corPo feminino em seus possíveis contornos
poéticos e eróticos não era uma prerrogativa apenas de homens, mui-,c
menos seguia a mesma lógica voyeurística. No final dos anos 1980, |aq*
Ganes escreveu uma importante crítica, sugerindo que pensar as oPre§-
sões relativas a preferências sexuqis extrapola as críticas marxistas aor
mecanismos fetichistas do capitalismo, em especial, ao modo de anaiisa:
a indústria cultural. Seu interesse, naquele momento, era construir "{
za @ EDIÇÃo ESPECIAL
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Acima e à esquerda, frequentadores
da Casa Susanna
I
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A ÍEORTA OUEER E OS DESAFIOS AS MOLDURAS DO OLHAR I
uma visáo que possibilitasse perceber onde e como a racialização de
corpos (negros, latinos, asiáticos) interceptava e produzia reiteradas co-
nexões relativas às hierarquizações da organízaçâo da sexualidade, para
além da desigualdade de gênero.
O tema do corpo racializado e sexualizado volta em outro grande
tema dos estudos fílmicos - o debate sobre as estrelas de cinema- Se
por um lado muitos estudos dessa época estavam preocupados com as
suas estratégias de produção e circulação, Richard Dyer e Mandy Merck
interessaram-se sobretudo pelo fato de que certas personagens e seus
respectivos atores/atrizes passaram afazer parte do imaginário de
"subculturas", como os jogos de identificaçôes de gays e lésbicas com
afiizes como ]udy Garland, Marilyn Monroe, foan Crawford, Marlene
Dietrich e Paul Robeson. Ambiguidade, tensão erótica e o jogo de re-
vela-esconde desejos apresentam, nessas primeiras análises, a impor-
tância que tinha o ato de "se produzir", visto como imitação, base da
noção performativa de gênero. Ao mesmo tempo, o Prazer visual ad-
quirido através dessas e outras tantas estrelas hollywoodianas vinha
de uma certa compreensão partilhada de que entrelinhas de gestos e
falas abriam oportunidades de leituras queer dos dramas e sensibili-
dades encenados em primeiro plano em termos convencionais (solidão,
vínculo amoroso, paixão, desejo, fidelidade), deixando os desvios e
perversões apenas como possíveis insinuaçôes.
No Brasil, temos o que eu chamaria de tríade de filmes queer avant
lalettre. Não que tenham sido produzidos inspirados pelos novos ventos
dos festivais de diversidade sexual, o que seria uma anacronia. Eu os
considero queer por problematizarem cinematicamente a sexualidade
para além dos modelos do amor romântico, dos prazeres convencionais
e do modo de tratar desejo como algo restrito à noção de conjugalidade
baseada na monogamia e nas atrações e prazeres direcionados para
parceiros de sexo oposto. Além disso, por deslocarem o lugar comum
do jogo masculino/feminino e por problematizarem a relação entre
sexualidade, política e formas de dominação que se exercem conjugando
políticas racializantes e instituiçáo da família como instituição hetero-
normativa, enfim, por não fazerem concessões, docilizando corpos e
desejos para o conforto da audiência.
A insaciável evorazÂngela Carne e Osso (Helena Ignez), do filme
de A mulher de todos (Rogério Sganzerla, 1969), é uma personagem
ímpar no nosso cinema brasileiro. Representa ao meu ver um chamado
importante para o debate sobre o quanto a sexualidade pesa na cons-
tituição de valores morais prescritos na noção de ordem e progresso.
A estratégia cênica, simples e sem grandes torções metafóricas, con-
sistiu no uso do charuto como objeto fálico, que dimensiona o apetite
sexual desenfreado de Ângela na ordem de sua virilidade. Sua mascu-
linidade libidinal a torna um ser andrógino, perigosa Porque indomável
e, ao mesmo tempo, uma travesti sem que essa travestilidade ganhe
visibilidade em termos de gênero ou de orientação do desejo. A fanta-
siosa ilha dos prazeres permite o jogo entre gênero e sexualidade. No
entanto, para meu desgosto, a única cena (rápida) lésbica do filme veio
marcada por um óbvio travestimento, enqua-
drada em tom de orgia. Alegoria política ou
não, as aventuras sexuais de Àngela carne e
osso, além de provocarem os limites de idea-
Lizações de feminiiidades e masculinidades,
tanto corpóreas quanto simbólicas, abrem-se
para luna apreciação sobre fetiche (a primeira
cena é um selo nesta direção) e voyeurismo.
Às tomadas e sua respectiva edição surpreen-
dem, quando, por exemplo, a personagem
encara a câmera/espectador, como quem diz
'eu sei que estou sendo vista", quebrando o
clímax, ilsistindo na performatividade de su-
as experiências. Destitui assim a onisciência
do narrador em o;fque conduz o sentido do
que se dá a ver de Angela. Sua força vibrante
repousa exatamente nesse complemento: car-
nal, sem sentimentalismos, essencialismos,
sem se aprisionar a categorizações.
Além de Ângela, tivemos também aRainha
Diaba (Antonio Carios da Fontoura,1974).
Nossa rainha (Milton Gonçalves) desdramatiza
sua condiçáo marginal de negra, gay, drag e se-
nhor do tráfico. A atuação de Milton Gonçalves
evidencia o jogo de ambiguidades entre mascu-
linidades e feminilidades que gera, deliberada-
mente ou não, instabilidade de gênero. As osci-
laçóes entre docilidade e rudeza, meiguice e
excentricidade (sem medo de ser carnavalesca
enquanto administra duramente seus aliados e
subordinados) criam o estranhamento. Não es-
tamos diante de algo (alguém) comum. Uma
festa de travestis colore a tela de plumas e paetês.
É uma das cenas mais belas do f,lrne, tanto por
za EE EDIÇAO ESPECIAL
trazei', ,,- : ,..rf nr ao sóbrio mundo do crime - desvirilizando a imagem
do trrL-:,,:' . ..'.:rtiirlo, n.rarginal, cuja masculinidade é inscrita na ordem
do irrS . . .<:rci,t qera poder" - quanto por revelar uma outra esfêra de
sociai-..:.,-i. .:'nandade, criando camadas de submundo dentro do sub-
r.nurii- - *.::- sào os pares da Rainha? A narrativa não aprofunda, mas
dá a.: . .-.r'..Ltc'os 1aços que sustentam e estabiiizam as relações nào
pass.r:r. :: -:. "'(r Lle instituiçoes cotro a iàmília; nem mesmo I parceria
ilmor., --. :- .. ,,..i.'1.1 a prarcerias serttais. O rearranjo da noção de pertenci-
meiii, - .',...,-r;: e solidariedade passa pela condição limite de exposlção
à fi-a!,,-:--. : ---::;ariedade da trarestilidade. O filme nào é nenhum libelo
poh:.- r : ,;i e condição travesti, não tem intenção de representar
denr..:' * .- --. -, : r:trtç-ão. Expõe corn despudol a ambigr.riclade e ambiva-
Iêr'icr., --. r: - '-rrrr isso r.rão vitimiza or-r culpabiliza o jogo de violênciais
qlle r: .: . . - .., -i ' rlorro. Desmoraliza tanto a sexualidade quanto a von-
tadc :. --- *:. : . . a situaçào ao ertremo, à margem da margem.
F.:- .,:' . .. ..-ros Bauer, ou melhor, a luta de Vera (1986) para viver
llaue :' ' . -i. >ergio Toledo talvez seja o mals reconhecido inter-
nilcrr r ., : : - ::ro parte dir rara filn-rografia até a dectrda de 1980 tl
alror';,.. : ...- .r.:r'Lsextialidade. A personagem instiga pelo grau de
seriei-,-,. : -: -,:-.: quanto ao modo colno quer viver sua sexualidade
e ser-. - :'- ::.rrncerta justamente aí, onde pensamos que pudesse
haler' -. : . - - :rodo na busca por um conforto afirmativo de gênero.
C) qLic 
".. 
' ,--.:'rrpresenta etr pormenores é o cotidiano, o dettrlhe
cla cr:,.:-.. ,. ...---.,,dade de gênero. Ser fen.rinina na busca da harmonia
cor.n ,' - . r - :::,-. sendo o biológico o detenninante da conduta, cia
veslir:. -.- - .:: rr. requer um trabalho contínuo de educação, auto-
percc'-'-' . -. : . :,: -.ncias da instltulçáo FEBEM para eYitar a mascu-
lrr.iiz;;., -. :. .': r-r.iS internas, tornamvisír'eis tanto as estratégias de
cliscip. .- ,,-- jLLe nrarcanr ir cottstituição do corpo generlficado
(dehi:.: :
O prLr: l- -
dore . :,-. '
. le gêr.rero) quanto insinuam o desprezo para com
: r -:rino, passír,e1 das violências inr.isír'eis dos servi-
'r::1" e, supostamente, protegem.
De clma para baixo: Milton Gonça ves em A Rainha
Diaba 11974), de Anton o Carlos da Fcntoura; Ana Beatriz
Nogueira em Vera (1 98ó), de Sérgio Toledo; e He ena gnez
em A mulher de todos (1 9ó9), de Rogérlo Sganzer al :.i r-.-rEem com as marcas sexuais, escamoteadâs com
,-: - r.i'..ur rlos olhos dos outros uma mulher (seios,
, ' -. , :':,ias quando, no contato erótico-amoroso, sua
- '- --:)io tatil e visual ao seu corpo. Dar-se ao toque
\restltl-: . - -
vaqLn- - -,
pâICi-:: ., -
naqu-, ,- -: - ' :r-- iàLnlente constitui o feminino, ainda que por
prazer' - .,, ' : .. - :.:liido por Bauer como uma violação. A materia-
Iidacle -.,.. .: -' '-.-.--i il oprime. Ela percebe saída na intervenção e
transi,,::: -,--, ,, :.:.,.:gtit, Algo inacessír'el, dada a sua condiçào cle
ex-c1et.:-.. ; .''r:.i---rr..Sada. À carne é o limite quando o simbólico
desnro:-. :-: .- . .:-:', -r:. rrriundos das personagens que lhe acolhem
nesstr.r-a-1:. : -.: ,:','--.i:si.1. sào insuficientes porque o drama, vivido
por Br-r-:.: :-,, :-. . -, -,r :...tuer corldições sociais completamente ausen-
tes de :,..,' i : ):. - ..,, :-...c uej.- lllolrento. Se Bauer não tem espaço para
vir,.er ei:'. 
-' ;r; ; '.'rr'. :-.-'-,t :,ibe r t\.er sem Bauer, encurtar o sofiimento
parece s-r'l *:r-.r r- r,,:i.-.li'ii à L.ersonagem. No entanto, anarrativa
conduz .: ..::r -.. - ::r iln toque cle misterlo. ..f
OUEER ElE 29
A TEORIA OUEER E OS DESAFIOS AS MOLDURAS DÕ ÜLI.IAR I
Vera/Bauer tentou nos sensibilizar paraalgo que, no final dos anos
1980, estava formulando um novo vocabulário' Quase duas décadas
depois, a presença de transexuais e transgêneros em filmes mudou
-oito. Hoje há mais de 256 festivais dedicados à cuitura e fi.lmografra
GLBTQ. Destes, pelo menos uns treze estão em funcionamento na
América do Sul (Argentina, Venezuela, Colômbia, Peru, Chile, Bolívia,
Uruguai, Brasil). Na década de 1990, o Mix Brasil da Diversidade foi
o grande pioneiro; na última década, vimos pipocar' em diferentes
estados, festivais e mostras (algumas competitivas, outras não) que
promovem direta ou indiretamente exibições e debates em torno de
gênero, sexualidade e diversidade sexual. Dentre as várias iniciativas
eu citaria o For Rqinbow e o Curta o Gênero de Fortaleza, o DIV.A
(dedicado à animaçáo), Mostra Possíveis Sexualidades de Salvador,
Festival CIOSE (Porto Alegre), Rio Festival Gay de Cinema (R.l).
Alguns são iniciativas de grupos GLBTQ outros de estudantes/pesqui-
sadores (Cinepagu - Unicamp); ou de ONGs e institutos de arte e cul-
tura (Dragão do Mar, Fábrica de Imagens).
Um dos focos principais dos festivais criados no Brasil, mas náo
só aqui, é a relação entre política sexual e direitos humanos. Talvez
seja por isso que filmes como o encantador curta metragem O olho e
o zarolho (J. Vicente & R. Guerra, 2013), o surpreendenle O amor que
não ousa dizer seu nome (Barbara Roma, 2013), bem como o experi-
mental e irreverente Vestido de Laerte (Cláudia Priscilla e Pedro
Marques, 2012) tenham sensibiiizado uma plateia ampla de frequen-
tadores desses festivais. Nessa direção, falta maior investimento em
arquivos que tragam para esses novos espaços de projeção a história
das produções audiovisuais independentes, como por exemplo, o im-
portante trabalho produzido por Rita Moreira.
Há uma estéti ca queer? Esta pergunta já fora formulada logo no início
da criação dos festivais (estética gay) e reformulada a partir do debate
iniciado nos anos 1990 com B. Ruby Rich, sobre o New Queer Cinema.
Ainda hoje se pergunta o que foi/é novo no cinema queer.Náovejo con-
senso entre os diversos autores que se dispuseram a qualifrcar a estética
ou a proposta política para um cinema queer; defrnit o que é seria cir-
cunscrever um potencial que pode nos surpreender. Afinal, trata-se de
um campo de invenções, mais do que da indústria cinematográfica em
si ou das grandes corporações midiáticas. A qualidade primordial fllmes
que problematizem nossas convenções e verdades acerca da sexualidade
e do gênero, rompendo binarismos ("homem versus mulher", "heteros-
sexualidade versas homossexualidade" etc).
Uma das razôes para o crescimento do cinema queer emvários
países nos últimos anos foi o barateamento da produção fílmica com
o uso de câmeras digitais e softwares de edição. A ideia na cabeça e a
câmera na mào continuam sendo um potencial transgressor que libera
a criatividade para fora dos esquemas narrativos e cinemáticos dos
filmes de alto custo, produzidos nos grandes estúdios de cinema.
Outro fator que impulsionou a produção foi o contexto da AIDS nos
anos 1980 e a tentativa de dar novos significados e formular outras
so M EDIÇÃO ESPECIAL
'iilli
Fotografia de Alair Gomes, crítico de arte carioca
conhecido principalmente pelos rêtratos de nu masculino
tirados entre os anos 1970 e 1980
representações para os estigmas que marca-
ram a correlação entre homossexualidade e
doença. Em termos de Brasil, eu agregaria a
estes fatores levantados por Rich o fato de que
temos vivido nos últimos ânos uma terrível
contradição. A presença midiática, em espe-
cial através da TV de programas como Big
Brother, novelas, séries dos canais fechados,
que fazem uma espetacularizaçâo da imagem
de personagens, gestos (toda a mídia em torno
do "beijo gay'lésbico da novela das oito") que,
se por um lado ajudam na promoção da visi-
bilidade dos que questionam a normatização
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da heterossexualidade, por outro desencadeam reaçoes'iolentas, como
perseguiçoes políticas e ataques verbais por parte de religiosos orto_
doxos que consideram qualquer sexualidade/afetividade fora da norma
uma afronta e instigam seus fiéis à prática do assédio moral e da vigi-
lância coercitiva.
DiversiÍicam-se os meios de produção/divulgação de imagens, narra-
tivas da cultura audiovisual e do cinema digital. crescem as formas de
compartilhamento de toda essa produção através de redes sociais em di-
ferentes formatos de telas, das menores, como as de celulares, às maiores,
os cinemas. Por isso mesmo, cresce a disputa e acirram-se as lutas no cam-
po das representaçoes. o apelo da crítica queer é jrsÍamente o de sensibi-
lizar nosso olhar para enfrentar esses novos campos de batalha. ts
l a r'f.) I'illrt[-/:,i_]!.) i.tl CLiLT'1tl - rt6SS]C 2ô14
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A POLITICA DO DESEJO
Estamos de volta ao pênis de borracha e sua simbolizaçáo de suple-
mento, daquilo que interroga a propriedade do masculino como lugar
de posse e propriedade, e automaticamente, nas formas opositivas, Ian-
çaria o feminino como lugar de ausência e impropriedade. Se, como bem
observa Marie-Hélêne Bourcier no prefácio do manifesto, é a partir de
deslocamentos que o pensamento de Preciado se escreve, esses pares cuja
integridade parecia se manter ainda intacta são o alvo de seus desloca-
mentos. Geográficos, linguísticos, temáticos. Seja como ativista, seja
como artista, seja como acadêmica, interessa a Preciado interrogar a
produção de identidades sexuais e a normalização da heterossexualidade,
projeto que a teoria queer na qual e1a se inclui pretende confrontar.
Voltamos ao pênis de borracha, agora na aproximação da noçâo de
mais-valia no pensamento marxista. Que náo se enganem os críticos
de Preciado ou da teoria queer - e são muitos -, porque não há inge-
nuidade nessa analogia. Ao contrário, de fato a crítica ao capitalismo
e a sua força normalizadora de corpos, comportamentos e discursos
será o motor do pensamento da autora. Capitalismo aqui entendido
como estrutura de subordinação a um projeto heterossexual, norma-
tivo, de corpos a serviço da produçáo e da reprodução, projeto funda-
mentado em um ideal de natureza questionado pelo pênis de borracha
como noção política mobilizadora. Contrassexualidade passa a ser,
assim, uma forma de repensar a naturalidade dos corpos, e por isso
apresentada em forma de um manifesto - a exemplo dos manifestos
das vanguardas artísticas do início do século 20 -, que postula a inau-
tenticidade da origem, a impropriedade do próprio.
Chega aqui o momento de indicar uma das singularidades da obra
de Preciado. Irreverente e transgressora, ela encarnou o questiona-
mento sobre identidade de gênero numa experiência em que se fez
cobaia. Durante 236 dias, se autoaplicou testosterona, o hormônio
produzido pelos testículos, sem seguir nenhum tipo de protocolo
médico prévio. "Com esta intoxicação voluntária, quis mostrar que
meu gênero não pertence nem à minha família, nem ao estado, nem
à indústria farmacêutica. É uma experiência política", escreve ela no
Iivro em que narra o que chamou de droga sexual. Os efeitos também
foram políticos. Com a testosterona, sentiu-se mais lúcida, enérgica,
desperta, e passou a se perguntar por que esses efeitos devem ser
considerados "masculinos".
"Tomei a testosterona náo para me tornar homem, mas para acres-
centar uma prótese molecular à minha identidade transgênero", relata
emViciadq em testosterona: sexo, droga e biopolítica na era dafarmaco-
pornografia,tradução livre para Testo lunkie: Sex, Drugs and Biopolitics
in the Pharmacopornographic Era, prtblicado em 2008 na França e am-
pliado na edição americana, em que Preciado desenvolve a noção de
farmacopornografia. Trata-se de um mecanismo ampliado dos disposi-
tivos disciplinares identif,cados por Foucault. Para vigiar o corpo, ob-
serva ela, já não há mais necessi:dade de hospital, quartel ou prisão, por-
que, com os hormônios sintéticos, as técnicas de controle se instalam no
corpo, ferramenta definitiva da vigilância.
sa §E EDtÇÃo ESPECTAL
uut_--
h t\t, \
ir;5i'',i ÂC
trl tr lr,ri i,
FARi\4AC:-- :-
"O corpo tem um esEa.,J ;. ;r::.=e den-
sidade política, e o unirt:s:- :: :.::llular.
Trata-se de resistir à nori::a-:;:;i: i: :tascu-
linidade e da feminili.laüe .* r-- !i.-: i'1:ros,
e de inventar outras l-orr::as :e ::aze: e de
convivência", argumenta ?:e;:.j,:- ::-:s iina-
gens do rosto com certo at a: j:,:g:::i. :rercâ-
do por um fino bigode.;\r:::=..:. : -;e:a.le
uma politica encorpa.la.
Herdeira muito próriira ;. t-: i.:r l--rdith
Butler - apenas quatorzc e:Lr: ::::i, ',;.:.. que
Preciado -, um ponto as sepe:.:. ?:::t:;,:, :'ebe
numa fonte anarquista espan:c'-: ;-:: ::i,irlda
de maneira diferente sua entraú: :,: i;bate
sobre gênero. Nesse ponto" sÊ it-c= -.',- -::.: rela
ú[tima vez ao pênis de borra;i-.". . -::-.;.' ::..nÍ-
rador do Manifesto contrtis:;:::..:. Q:ando
Preciado nasceu, em 1970, o der::= :t =i-;nda
onda feminista jâ ra avancanic .= :,::::o da
necessidade de distinção enii. >i--i-- =;riero,
instrumento teórico estratesl;. :r: ::ontar
a fabricação de uma ditere:;: -=-'' r-c :un-
damentava o ontológico nc.}:c^-'i.:: \,:'s anos
1990, quando Preciado a:ni, ..--' ::=e;ando
seus estudos em torno .l; J-í:---. 3-:-e: pu-
blica o seu hoie consaqraji -:---l'-.'-;-;5 j.:.q'e-
nero, marco da ne;essica;a ;= --í):-.. :-jj:cnto
da distinção sero géner.' ;; =.: :::.j: .:.:ua ao
modelo heteronormatir,'..- 5-.ta itaitc\to,
Preciado chega para pro:La: r=::a:-,:a:sesu-
alidade que atirma o ,ie!e:o :t:;' ::;:-. lt=itado
ao ptazeÍ sexual ProPLarclo:têü!r êc,s Lrrgãos
reprodutores - que tundan:.:::i::::: a iiieren-
ça sexual -. mas uma pol:ti;.: cc ,ie-eio capaz
de sexualizar toôo o corpo, lugar ôe resistência
a toda normatividade. E
:i!-C r.r3-:l:la i:; CULT 19: - ÀGüsTO 2014
i§TÇ,:i l:
! 
-;'trJ-, -, -
iVl'J-\ "r--
GÊNE;.. .
UMA OUTRA HISTÓRIA
da República
À"nor, ordem e progresso
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uinze de novembro de 1889 oficia-
lizou um movimento histórico
que não se consolidara: a constru-
ção de uma república brasileira.
I;naginada por nossas elites políticas, econô-
m.icas e intelectuais que - a despeito das diver-
gências - tinham em comum o sonho de criar
,,ma civilizaÇão nos trópicos, a República era
menos conquista do que projeto a impor. Daí
:rào ser mero acaso que tenha sido proclamada
ror militares, homens que escolheram a divisa
positivista que figuraria em nossa bandeira:
amor, ordem e progresso. Claro que - como
riris representantes da ordem - começaram
por suprimir o amor do mote de Auguste
Comte. Supressão até hoje desconhecida da
maioria dos brasileiros, mas reveladora do in-
tuito de apagff qualquer traço do desejo no
noro regime político.
oUEER EM 35
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i.,l,iÀ O-Til.A i-.liS-lORi. l-i:A RE:--e rií-,( ]
O desejo era temido como incontrolár,el e ameaçador para o almejado
progresso. Mas, afinal, o que seria o progresso até hoje impresso em nossa
bandeira? De acordo com as fontes da época, seria o caminho trilhado
por medidas que dirigiriam o Brasii para o modelo da civilização que
nossas elites projetar..am na Europa e nos Estados Unidos. Era um ideal
baseado em uma fantasia das classes superiores, as quais nào apenas se
lmaginavam brancas como consideravam a branquitude um atributo de
superioridade morai que as colocava em claro contraste com o povo, no
qual projetavam o atraso e a negritude. \riarn o povo como uma massa
heterogênea sob ameaça degenerativa a esperar pelo branqueameuto
para poder se tornar digna de ser reconhecida conro naçào.
Ordem e progresso era um mote que afirmava o papel assumido
pelas elites de guiar o Brasil ern direçào ao branqueantento. A imigra-
ção europeia acelerada se dar.a em meio a revoltas que ameaça\ram o
novo regime poiítico. A ordem nào era apenas mantida pelas forças
policiais já militarizadas desde o império e que Iidavam com o PoYo
como inimigo, herança até hoje não superada. Ela estava também em
algo menos óbvio, ainda que não menos importante: uma ordenação
do desejo. O agenciamento da sexuaiidade para a reprodução branque-
adora mostra que a "ideologia" do branqueamento não Permaneceu
no campo das ideias, também permeou práticas sociais.
A maior parte de nosso pensamento social presumiu o desejo como
heterossexual e reprodutivo assim como deixou de problematizar as
incertezas de nossas elites, seus fantasmas. SegundoBenedict
Anderson, as fronteiras da naçáo são delimitadas pela imaginação das
elites. Explorar as fàntasias de branquitude das classes superiores bra-
sileiras exige lidar tambem com seus fantasmas, dentre os quais se
destaca o temor de que o desejo escape ao seu controle. Seu próprio
desejo, mas ainda mais o desejo da populaçáo vista como "primitiva"
ou carente de autocontrole.
O projeto branqueador demandar.a a imigração de europeus, mas
tinha na miscigenação, portanto na reprodução sob o controle dos ho-
rnens brancos, seu principal vetor. Nação e reprodução tornaram-se
sinônimos e raramente pesquisadores se ln-
terrogaram sobre os lir.nites de tal simpliÍrca-
ção: seriam todos os desejtrs reprodutivos?
Dirigir-se-iam os deseios necessarramente a
pessoas do sexo oposto? Tornar-se-iam mães
todas as mulheres? Af,nal, por que a nação não
foi completamente desnaturalizada e encatada
como um construto histórico e politlco?
Há uma outra história da naçào a ser
contada.
Se a história oÍicial tendeu a apagar as resis-
tências aos intuitos da República Velha, as alter-
nativas tenderam a ignoráJas porque ambas,
apesar de tudo o que as distingue, foram pouco
afeitas aos vestígios das experiências que não
costumam ter registro em documentos oliciais.
Onde estariam, então, as pistas desse passado
que sobreviveu mais pela memória do que pela
história? Nas lacunas dos arquivos, nos docu-
mentos que Íbram considerados irrelevantes ou
secundários e na literatura da época.
A literatura, em fins do 19, a1ém de ser um
discurso muito mais poderoso do que em nos-
sos dias, era meio de expressão da vida da época
fora dos enquadramentos estrltos da ciência,
religião ou política institucionalizadas.
Segundo a socióloga Avery Gordorr, a lite-
ratura é um meio privilegiado para acessar os
fantasmas de uma época. A experiência de ser
assombrado é reveladora tambem sobre as fan-
tasias que guiam as açôes de certos estratos
sociais. Em O desejo da nação: ntasculittidade
e branquitude no Brasil de .fins do -\1-\ (1011),
selecionei três narrativas escritas entre 1888 e
1900 para compreender a passagenr da
Monarquia à República não pelrr ia conhecida
ênfase r.ra passagem do trabalho escra\-o ao lir-re
tampouco nas disputas poiiticas intraellte, an-
tes pela emergência de um nor-o 1dea1 de nação
que congregou forças em um proieto autorltário
de transfbrmar nosso poyo em uma nação à
imagem das classes superiores brancas. Os ro-
mances selecionados tbram O ateneu (1888) de
Raul Pompeia, Bont crioulo (1895) de Adolfo
Caniinha e Dom Casmtu'ro (1900) de Machado
de Assis, relatos sobre o passado, memórias a
assombrar o presente republicano em seu con-
turbado e sangrento período de consolidação.
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 ArmtroÕcriD Eikã obrigatório
em 1916 dp*uo& o topo do ima-
ginrírb lxi-l r-Lr mddares aqueles
que prod-ll4ftz Também criou
um pÉ & qil 4lÍi!Éryio lnra todos
osisÊͧ' - - {rrrmdiae.
PmCIsÉaCtfu c rapaze, no ano
em qEilÉÉ-Ia-rrrrxi passaram a se
alistar ?.dFr cElrrrc admissional
que in&i eqÊrt- s dcseio, sobretudo
sehomod.
Muio.Êt-Grto militar ter se tor-
nado úri--ch3r-todo o território
nacionel b e f-n do Paraguai um
,n{dico pftr rem:l que propunha
guiar a rLf Lrcrrc Seu priocipal con-
selho eno&tf!Íft-.r+€sas os de "virili-
dade asszriftf arEEEíar «x;'efeminados".
A selço-r-triçcm que recusava os
clararnt* É' o qI- firnca equivaleu
a criar n oEDgE'ierr*nte heterossexual.
O amtie*dr5qs amadas risava criar
uma ma«rrtdliL dirirlineda, uma forma
culturalizrded. küçaitude a ser estendida
aos hmôprcqq.rh6s€m negros, po-
bresoulrrctar
O fu ó ço sril r*ilitar gerava um de-
sejo pdapipiemr.EiLde qte buscava criar.
A UstinriçtqtAo dc proclamadores da
RepriülbuÉnlrrsr r.n dos vetores de
disseminat'o do dEÍqo que da mais temia.
DiferenfensE de @f:çoes intelectualistas
5sfoÍesírUtE fanteà Lrrnssrruali.lade em
tsxt06, r.iã6.Ím. o ffiires diagnósticos e
pútlas dc irorqrlr. ÉFriá[.icô, revela-se
facffi a lrirÊ-ft fr 6 rliqsâÍrrento militar foi
prática rid a rfrrrrrrirar a informaçáo sobre a
sxistibrà dÊ Err ffio deio r§m corno a de
uma itprÍl{rda}rrrme-ral
O ít€scib lnrrrryErEl masculino passaria
a ser perscruttdo mr efis:rnerrto mill161 3ssis1
como a nunmerçao do feminino sob o con-
trole dos Ims comria com a criminaliza-
ção do aborto- [Irmrers e mulheres direciona-
dos à reprodução pessarem a construir a
nação dentro do pcsid, s€ não branca, ao
menos miscigeÍmde" mae maotendo o desejo
sob a ordem politila branca e heterossexual.
EXPLORAR AS FANTASIAS DE
BRANQL.' ITUDE DAS CLASSES
SUP[RiCRES BR,4SILEIRA§ EXIG= LiDAR
TAMBÉM COM STUS FANTASMAS,
DENTRE OS OUAIS SE DESTACA O
TEMOR DE OUE O DESEJO ESCAPE
ÂC SEIJ CÕNTãOL=
Percebe-se, portanto, como a República do projeto branqueador
pôde ser reformada pela do discurso da democracia racial, o qual
permearia a fantasia de um a sociedade sem conflitos e divergências
durante o último regime militar (1964-1985). Tal sociedade se assen-
tou na cidadania plena reseryada aos brancos e heterossexuais, resul-
tado de práticas sociais que a racializaraÍn e heterossexrtalizaram
relegando à subcidadania os não brancos e não heterossexuais.
Somos descendentes desse processo histórico autoritário e injusto que
começou a ser contestado com o retorno à democracia na década de 1980.
Conquistas democráticas recentes como as ações afirmativas, ao contrário
do que afirmam seus pálidos críticos, configuram demanda meritória pela
destacializaçáo da cidadania assim como as demandas LGBT clamam por
sua des-heterossexualização. O desejo da naçáo tem se libertado de sua
amarra secular que o vinculava ao projeto hegemônico de uma elite que se
fantasiava como branca e heterossexual.
O desejo homossexual ainda causa temores entre alguns setores de nossa
sociedade, como os religiosos fundamentalistas, nâo por razões puramente
racionalizáveis tampouco puramente emocionais. O medo dos conserva-
dores em relação ao desejo homossexual é herdeiro de uma concepção de
sociedade baseada na hegemonia hétero e sua aura de respeitabilidade mo-
ral. No fundo, um temor engendrado historicamente por práticas sociais
instituídas no alvorecer da Primeira República.
Náo deixa de ser revelador o que leva os conservadores a desviarem
o foco do autoritarismo do qual ainda somos herdeiros para projetar
nos homossexuais uma suposta ameaça: o monopólio heterossexual da
cidadania denunciado neste texto foi aceito em parte das classes popu-
lares como ordem natural (ou religiosa) das coisas.
Salvo engano, atualmente o desejo homossexual parece ser um fan-
tasma maior entre os mais pobres enquanto o reconhecimento da ne-
gritude continua a ser negado pelas elites apegadas a um díscurso de
mérito que mal encobre seu privilégio racial e de classe.
A visibilidade recente dos conflitos entre demandas de reconheci-
mento e resistência à transformação social e política é um sinal de avan-
ço democrático. No Brasil contemporâneo, a novidade é que velhos
fantasmas começam a dissipar algumas das fantasias que guiaram nossa
história política. Quiçá estejamos assistindo à (re)invenção da República,
dessa vez feita a partir dos desejos ignorados ou esquecidos nas narra-
tivas ainda hegemônicas sobre a nação brasileira. E
TEXIC PUBLICADC I..!A 
'ULT 
,i§6 * NCVSM§ÊÚ 2ç14
i OUEER @ 37
O OUE PERDEMOS
com os preconceitos?
Tomada como padrão na sociedade, a heterossexualidade
promove não apenas a violência física, mâs tambóm a violência
sinnbolica contra os que se desviam dessa normô
LEANDRO COLLING
omofobia é um conceito criado
para pensar a repulsa geral às pes-
soas homossexuais, ou fobia aos
homossexuais. Daniel Borrillo, no
livro Homofobia, diz que o termo parece per-
tencer a K. T. Smith, que, em um artigo publi-
cado em 1971, tentou analisar as características
de uma personalidade homofóbica. Um ano
depois, G. Weinberg teria definido a homofobia
como "o temor de estar com um homossexual
em um espaço fechado e, no que concerne aos
homossexuais, o ódio até a si mesmos".

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