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Proposta Editorial Publicação semestral de estudos teóricos, pesquisas empíricas, ensaios e resenhas sobre as temáticas de gênero e sexualidade, com destaque para os estudos gays, lésbicos e queer sobre homossexualidades, lesbianidades, transexualidades. A revista publica igualmente trabalhos de teoria social, direitos humanos, cultura e política que dialoguem com a temática central. Bagoas : revista de estudos gays / Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. - V. 1, n. 1 jul./dez. 2007)- . - Natal : EDUFRN, 2007- . v. ; 23 cm. Semestral. Início: jul./dez. 2007. Editor: Alípio de Sousa Filho. Descrição baseada em: v. 1, n.1, jul./dez. 2007. ISSN 1982-0518 1. Ciências Humanas e Sociais - Periódico. 2. Sexualidades - Periódico. 3. Ética sexual - Periódico. 4. Ética moral - Periódico. 5. Homossexualidades - Periódico. I. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. II. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. III. Título. RN/BSE-CCHLA CDU 168.522:3(05) A revista tem registo no Sociological Abstracts Catalogação da Publicação na Fonte. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Biblioteca Setorial Especializada do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA). UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE Reitora: Ângela Maria Paiva Cruz Vice-Reitora: Maria de Fátima Freire de Melo Ximenes CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS LETRAS E ARTES Diretor: Herculano Ricardo Campos Vice-Diretora: Maria das Graças Soares Rodrigues EDITOR Alípio de Sousa Filho EDITORES ADJUNTOS Antonio Eduardo de Oliveira Durval Muniz Albuquerque Junior SECRETÁRIO EXECUTIVO José Eider Madeiros BOLSISTA DE APOIO TÉCNICO Glauber Vinícius ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO Laurisa Alves COMISSÃO EDITORIAL Anne Christine Damásio – UFRN Carlos Guilherme Valle – UFRN Cinara Nahra – UFRN Eduardo Anibal Pellejero – UFRN Elisete Schwade – UFRN Makarios Maia – UFRN Márcio de Lima Dantas – UFRN Maria das Graças Pinto Coelho – UFRN Rozeli Maria Porto – UFRN CONSULTORIA EDITORIAL Adriana Piscitelli – UNICAMP Adriana Resende Barretto Vianna – UFRJ Alessandro Soares da Silva – USP Alexandre Câmara Vale – UFC Daniel Welzer-Lang – Univerité Toulouse 2 – França David Foster – Arizon University – EUA Denílson Lopes – UFRJ Edrisi Fernandes – UFRN Emerson da Cruz Inácio – USP Eugênia Correia Krutzen – UFPB Fabiano Gontijo – UFPI Fernando Bessa Ribeiro – UTAD – Portugal Fernando Villamil – Universidad Complutense de Madri – Espanha Francisco Oliveira Barros Junior – UFPI Horácio Costa – USP James Noyle Green - University of Brown – EUA Joel Birman – UFRJ Júlio Simões – USP Laura Moutinho – USP Leandro Colling – UFBA Luiz Fernando Dias Duarte – UFRJ Luiz Mello de Almeida Neto – UFG Luiz Mott – UFBA Luiz Paulo Moita Lopes – UFRJ Lourdes Bandeira – UNB Marcos Antônio Costa – UFRN Márcia Aran – UERJ Maria Helena Braga – UFRN Maria Luiza Heilborn – UERJ Michel Maffesoli – Sorbonne – França Miguel Vale de Almeida – ISCTE – Portugal Miriam Grossi – UFSC Peter Fry – UFRJ Ricardo Barrocas – UFC Paulo Roberto Ceccarelli – PUC-BH Regina Facchini – UNICAMP Robert Howes – University of London – Inglaterra Rogério Diniz Junqueira – INEP Sérgio Carrara – UERJ Sonia Correa – ABIA Steven Butterman – University of Miami – EUA Severino João Albuquerque – University of Wisconsin – EUA Tânia Navarro-Swain – UNB Toni Reis – ABGLT Wilton Garcia Sobrinho – UBC REVISÃO Júlia Ribeiro Fagundes Oscar Maurício Gómez Gómez (para o Espanhol) PROJETO GRÁFICO Janilson Torres CAPA Janilson Torres (a partir da obra anônima "Master of the jardin de vertueuse consolation” - 1470-1475 d.c. - , na qual Bagoas é retratado, intercedendo por Nabarzanes, diante de Alexandre Magno. Visualize o original). EDITORIAL ARTIGOS Epifanía travesti, epifanía homoerótica, epifanía disidente. El rol de la escuela Ramiro Andrés Fernandez Unsain Uma alegoria queer para o “Reino dos céus”: subversões da metodologia exegética patrística Fernando Candido da Silva O gozo da razão: elementos da ética sexual kantiana Avelino Aldo de Lima Neto Por um Lugar ao Sol: construindo a memória política da homossexualidade (ou: Homossexualidade: uma história dos vencidos?!) Alessandro Soares Silva Transvestite Epiphany, Homoerotic Epiphany, Dissident Epiphany. The role of the school A Queer Allegory for the “Kingdom of heaven”: subversions of the Patristic exegetical methodology The reason's orgasm: elements of the kantian sexual ethics For a line in time, for a place in space: building up the political memory of homosexuality (or: Homosexuality: a history of the winless?!) O que as homossexualidades têm a dizer à psicanálise (e aos psicanalistas) Paulo Roberto Ceccarelli What do homosexualities have to say to psychoanalysis (and to the psychoanalysts) Em tempos de sexualidade plástica, o item lexical “heteroafinidade” Ismar Inácio dos Santos Filho “Miloca que virou David”: intersexualidade em Belo Horizonte (1917-1939) Luiz Morando “ Fabiano de Souza Gontijo Francisca Célia da Silva Costa Relações de gênero e diversidade sexual na luta pela terra: a participação política de militantes mulheres e gays no MST Jáder Ferreira Leite Magda Dimenstein Times of plastic sexuality, the lexical item “heteroafinidade” “Miloca turned David”: intersexuality in Belo Horizonte (1917-1939) “Beeing Traveco is Better Than Beeing Woman”: preliminary considerations about the discourses of developmentalism and heteronormativity in rural Piauí, Brazil Gender relations and sexual diversity in the struggle for land: the political participation of women and gay activists in the MST Ser Traveco é Melhor que Mulher”: considerações preliminares acerca das discursividades do desenvolvimentismo e da heteronormatividade no mundo rural piauiense Da laranja quero um gomo, do limão quero um pedaço”: transitoriedade e transformações de gênero no filme Tirésia (2003) Aureliano Lopes da Silva Junior Anna Paula Uziel A solidão imortal dos vampiros Márcio de Lima Dantas “From the orange i want a segment, from the lemon I want a piece”: transience and gender transformations in the movie Tirésia (2003) The loneliness of immortal vampire NORMAS Atualmente, em diversos países, observamos uma ostensiva reação conservadora em relação aos direitos gays e de outras minorias políticas. Gays, lésbicas, transgêneros, mulheres, imigrantes e minorias étnicas têm se confrontado diariamente com apelos reacionários para que sociedades, Estados e governantes não aprovem leis e políticas públicas que configurem conquistas e direitos desses segmentos. Em diversas partes do mundo, personalidades públicas, ocupantes de posições de poder e setores conservadores da sociedade têm se pronunciado com violência contra a realização de avanços verdadeiramente civilizatórios, representados pela inclusão de indivíduos e grupos sociais até aqui excluídas da cidadania plena. Embora, nesses diversos países e de diferentes culturas, o número de pessoas com práticas homoeróticas (identitárias e não identitárias) esteja longe de ser secundário, o segmento LGBT continua sendo politicamente minoritário, e tem sido um dos mais duramente atingidos pela violenta reação conservadora. Reconhecimento recusado, insultos, ameaças e agressões de todo tipo (delas que resultam em assassinatos, prisões, execuções) efetuam-se de muitas maneiras, contando com a cumplicidade de governantes, mídia e instituições diversas. E não há um só dia que não se colha uma cena e discursos de ataque aos gays, lésbicas e transgêneros, seja para desmerecê-los em seus direitos, seja para ofendê-los com conceitos quecontinuam descrevendo-os como anormais, perversos, abjeções, isto é, como “casos patológicos de comportamento sexual”, como são descritos os homossexuais desde o século XIX em compêndios médicos. E a verdade é que, não obstante as conquistas, as práticas erótico-sexuais e de gênero dissonantes daquelas legitimadas na cultura heterocêntrica continuam a ser patologizadas. Talvez nenhuma outra bandeira política de direitos tenha merecido tanto ataque que a do reconhecimento legal do casamento gay e da adoção por gays. Em diversos países, as iniciativas de governos e movimentos sociais em propor a aprovação de leis e políticas públicas voltadas a pessoas LGBT têm suscitado a reação sobretudo de setores religiosos reacionários, que têm buscado manipular a opinião pública com mentiras, distorções e desinformação, com claras intenções de produzir pânico moral e colocar parcelas da sociedade contra os avanços representados pela institucionalização dos 9 10 direitos gays. No Brasil, mesmo o governo federal, de tendência progressista, admitiu tornar-se refém da chantagem religiosa reacionária, ao abrir mão de implantar o programa Brasil sem Homofobia nas escolas e ao deixar de, ele próprio, apresentar projetos de lei ao Congresso Nacional que viabilizem os direitos gays, como o casamento gay, entre outros exemplos. E se, como destacou recentemente revista brasileira, “o casamento igualitário salta para o primeiro plano da luta cultural nas principais nações do mundo”, o fato é resultado da luta dos LGBT organizados e de grupos políticos progressistas e democráticos. Mas fato que não tem sido, todavia, acompanhado pela mudança de mentalidade de toda a sociedade. Permanecem existindo amplos setores, nos diversos países, contrários a todas as mudanças que representem avanços emancipatórios no plano das concepções sobre sexualidade, identidades de gênero, moralidade sexual etc. Liderados principalmente por grupos religiosos reacionários (principalmente dos três grandes monoteísmos existentes: judaísmo, cristianismo e islamismo) – mas que não expressam necessariamente todo o pensamento de suas religiões, e há mesmo setores delas que não se posicionam da mesma maneira –, uma parte da sociedade tem se manifestado radicalmente contrária ao estabelecimento do casamento gay e da adoção por gays, com apelos ao Estado que sequer podem ser escutados, dado que se apoiam em posicionamentos religiosos particulares, o que, pois, não pode ser assumido pelos Estados, que, por definição, são laicos. A bandeira do casamento gay e da adoção por gays, não somente está no primeiro plano da luta cultural contemporânea, ela é talvez, juntamente com a legalização do aborto, a última bandeira de desafio aberto a que os Estados modernos assumam a definição completa de sua laicidade. O que não ocorre até aqui, visto estes mesmos Estados submeterem-se a morais religiosas, embora sem assumir, estas também muitas vezes disfarçadas em pontos de vista morais laicos. A verdade é que não são poucos os Estados e governantes no mundo que permanecem adotando posicionamentos religiosos como orientações de suas ações, mesmo que o fato represente franca desorientação do caráter laico do Estado moderno e inegável atentado à democracia. No desespero da reação conservadora, agressões inimagináveis são proferidas contra gays, lésbicas e transgêneros como absolutamente legítimas. Em declaração recente, o papa Bento XVI, apelando a uma aliança entre religiões, 11 assim se pronunciou: “atentar contra a autêntica forma da família, constituída por um pai, uma mãe e uma criança (...) coloca em jogo a própria espécie humana e o ser humano". Sem mais, os homossexuais são transformados em perigosos destruidores da humanidade. O curioso é que, sendo as religiões beneficiárias do caráter laico do Estado, ao este assegurar a liberdade de crença religiosa, sem obstáculo a nenhuma delas, mas sem filiar-se a nenhuma, sejam elas próprias que apelem, ao Estado a-religioso, para que neguem direitos a homossexuais e mulheres, fundamentando seus apelos em morais religiosas particulares. Mas que uma contradição, é má-fé pública. Na atualidade, não são razões científicas nem legais, mas religiosas o que permanece sendo o obstáculo aos Estados contemporâneos de implantarem os direitos gays. E é isso que se torna o desafio aberto mais claro para a instituição de verdadeira laicidade. E aqueles que se apresentam oferecendo “fundamentação científica” para seus pontos de vistas, como têm sido os casos de certos psicólogos, psicanalistas, pedagogos, entre outros, estes não fazem senão tentar disfarçar o moralismo conservador como ciência. O exemplo mais claro é o posicionamento de certos psicólogos e psicanalistas que se colocam contra a adoção de crianças por casais gays, alegando que crianças necessitam, para sua estruturação psíquica, ser educadas por um homem e por uma mulher, caso contrário serão submetidos a uma mentira: a união homossexual, negando para a criança sua origem biológica numa relação heterossexual, negando sua “dupla origem”, negaria a diferença sexual na qual a sociedade humana estaria baseada, diferença culturalmente referenciada e simbolizada, mas diferença instalada pela natureza. Diferença que é a base da vida, da geração, mas igualmente dos papéis paternos e maternos, das gerações etc. Daí também donde surge a teoria do complexo de Édipo e quejandos... O que parece ser uma explicação científica (de uma verdade universal e transcendental, de um dado da realidade que uma apurada ciência é capaz de trazer ao conhecimento de todos), no fundo, não passa de expressão de um temor conservador: o medo da transformação social, do nascimento de novas instituições sociais, o pavor com o fim de convenções sociais e históricas e sua substituição por novas convenções capazes de construir e instituir novos modos de relações, novas práticas sociais e novas leis e moralidades. No tocante à adoção por gays, o que a falácia psicanalítica esconde é que a criança humana o que necessita é de outros seres humanos socializados que possam tomá-la a seu 12 encargo, dando-lhe afeto e direção, fazendo-a compartilhar as significações sociais que constituem o sentido da realidade em sua cultura. Não importa que esses seres humanos sejam heterossexuais, homossexuais, bissexuais ou transgêneros, solteiros ou casados. Ainda, esconde que a chamada diferença sexual é uma construção cultural, valendo-se de dados biológicos, não existindo o que quer que seja em ciência que possa atestar que esta dita diferença seja essencial na estruturação do psiquismo humano. Aqui, quando temos uma pretendida universalidade (o ser humano genérico, o psiquismo humano único) desconstruída na pesquisa antropológica, que fartamente ilustra a diversidade cultural das sociedades humanas. Algumas delas para as quais as figuras de pai e de mãe, como o par simbólico da diferença sexual, sequer existe, nalgumas delas não havendo a instituição do casamento monogâmico, noutras nenhuma forma de casamento e em várias nas quais as relações homossexuais estando inteiramente integradas à ordem simbólica. Seja no Brasil, seja em outras partes do mundo, pelo que lutamos é pelo fim dos preconceitos em torno das sexualidades discordantes do heterossexismo dominante, fundado na ideologia da heterossexualidade obrigatória. Preconceitos que são todo o fundamento do moralismo conservador que sustenta posicionamentos jurídicos, religiosos e pseudocientíficos. A luta contra o preconceito é uma luta que passa principalmente pela educação, por enfrentamentos na esfera cultural. É nessa perspectiva que a Bagoas, preservando seu projeto acadêmico, continuará na sua vocação crítico-militante. Em sua oitava edição, trazemos trabalhos de pesquisa e reflexões que constituem retratações da vida,das relações sociais e da dimensão simbólica que espelham o cotidiano de gays, lésbicas e transgêneros, na perspectiva de autores e autoras cujo olhar busca enxergá-los a partir do que estes dizem de si, mas do que dizem as normas, os discursos de poder, as instituições. E notadamente olhares que refutam o preconceito vil que mais não faz que atentar contra a vida de milhares de pessoas, que, decididas ao exercício de sua autonomia erótico-sexual, lutam também por igualdade jurídica e reconhecimento social. Alípio de Sousa Filho Editor Epifanía travesti, epifanía homoerótica, epifanía disidente. El rol de la escuela Transvestite Epiphany, Homoerotic Epiphany, Dissident Epiphany. The role of the school Ramiro Andrés Fernandez Unsain Antropólogo Universidad de Buenos Aires - Facultad de Filosofía y Letras ramirofunsain@gmail.com 16 Resumen El proceso de escolarización de niños y niñas en los institutos educativos oculta, en muchas oportunidades, aquellas manifestaciones étnicas, de género y de sexualidad que no se corresponden con las propuestas hegemónicas de “lo que se debe ser”. Cuando las actitudes, gestos y necesidades de los sujetos, en este caso niños de una escuela del interior de la República Argentina, no se corresponden desde la perspectiva de las y los maestros y autoridades escolares con su “sexo biológico”, el proceso educativo puede negar la pluralidad y multiplicidad de las identidades que se transforman no siendo fijas ni permanentes. En este trabajo veremos que la sexualidad, el género e inclusive la etnicidad o la clase social no llegan a la escuela importadas por “inadaptados” que intentan subvertir el orden “natural” de las cosas. Ellas están allí porque hacen a los sujetos. Los construyen y, de hecho, no son categorías que puedan ser borradas o apagadas cuando los niños atraviesan el umbral de la institución educativa. Palabras clave: Sexualidad. Educación. Identidad. Etnicidad. Escuela. Summary The enrolment process of children in educational institutes hide, in many cases, those ethnic, gender and sexuality manifestations that do not correspond with the hegemonic proposals. When attitudes, gestures and needs regarding gender and individuals, in this case school children in the interior of Argentina, do not match with the perspectives of teachers and school authorities regarding their "biological sex", the educational process can deny the plurality and multiplicity of identities that are never being fix or permanent. In this text we will see that sexuality, gender and even ethnicity or social class come to school not imported by "misfits" who try to subvert the "natural” order. Those categories are there because they build subjects. They construct them and, indeed, those categories cannot be deleted or turned off when the kids cross the border of the school as an institution. Key words: Sexuality. Education. Identity. Ethnicity. School. Introducción - Me encantaría poder tener algo de tiempo para mí mismo de vez en cuando. - Tiempo para educarte, supongo. - ¡No¡ Tiempo para poder olvidar todo o que he aprendido. Es mucho más importante. El abanico de Lady Windermere. Acto tercero. Oscar Wilde “Fórmense en el patio y tomen distancia de baldosa”, pontificaba la 1directora de una escuela provincial de Tartagal. J. y Y. la recuerdan bien. La describen rígida, vestida con un guardapolvo blanco y un collar de perlas falso que había perdido “un poco” su brillo. Los taquitos blancos resonaban en el suelo gastado a fuerza de recreos largos y trapeadas con lavandina. Es que en esa época, las hoy travestis, indias y trabajadoras sexuales llevaban nombres que no les pertenecían… por lo menos cuando reviven la historia de su infancia escolar. Para la señora directora ellas eran “niños sensibles”. Recuerdan como la maestra, azuzada por la autoridad escolar reprimía sus lloriqueos cuando arreciaba la pelea entre “varones”: “Sabes que feo es no saber que sos maricón – porque sos chico, sos inocente – y que te den masa con eso, que no te saluden o que los chicos se rían de vos y te peguen o te tiren del pelo… una mierda te sentís… y, encima, a mi me gustaba un chico rubio, lindo y rico… tenía la bici mejor… y los musculitos se le estaban formando viste… yo no sabía que me pasaba pero me derretía toda… y eso seguro se notaba porque, decime, cómo se iban a dar cuenta que a mi ya me gustaban los tipos… (risas)”, relata una de las interlocutoras. Son diferencias, distinciones, clasificaciones taxonomías, otredades irreconciliables que se construyen rápidamente y fijan puntos de vista. La escuela sabe bastante de eso. Basta sólo transcribir algunos ejemplos en donde las chicas – y los chicos – de Tartagal reviven historias escolares. Allí aparecen sus primeros recuerdos en los que sienten el malestar de estar desagregadas. De saber que “algo pasa”, que “no soy como los demás”, que “no me quieren ni para jugar de arquero”. Este trabajo es parte de mi tesis de maestría y en la misma me ocupo de la interculturalidad y de la educación en contextos de desigualdad con la consigna de atravesar trayectorias educativas y saberes relacionados con la etnicidad, la sexualidad y el género. Se rescatan algunas anécdotas, matizadas por los años, que los sujetos recordaron durante la primera fase de mi investigación de campo en la ciudad de Tartagal, Provincia de Salta, República Argentina. 17Ramiro Andrés Fernandez Unsain n. 8 | 2012 | p. 15-34 1 Iniciales o nombres ficticios elegidos por ellas y ellos para el presente trabajo. La ciudad de Tartagal es una ciudad de frontera y en frontera. Es de frontera porque pertenece a un mundo imaginado en donde se ponen en contacto las aparentes diferencias que enfrentan dos universos. El que se ubica más allá del límite con la República de Bolivia y el de la mismidad, portando una ubicuidad local y cristalizada en numerosas relaciones, económicas, políticas y simbólicas. Asimismo, ese universo tartagaleño también está matizado – y estigmatizado – por una miríada agrupada diferencialmente. Focalizaremos nuestra atención en los sujetos y colectivos que adscriben a los diferentes grupos étnicos presentes en ese espacio. En el ejido urbano y suburbano de la ciudad – la tercera de la provincia argentina de Salta – se radicaron ocho grupos étnicos que, por circunstancias propias y ajenas, recalaron en ese espacio creado por los blancos buscando un aparente refugio y – en todo caso – la posibilidad de vender su fuerza de trabajo a los tartagaleños blancos. En este escenario se encuentran los siguientes grupos étnicos: Toba, Mataco, Chiriguano, Chané, Chorote, Tapiete y Chulupí. Se verifica la presencia de grupos Aymara y Coya procedentes de Bolivia que arribaron a la zona durante 2la segunda mitad del siglo XX, aunque en la página Web de la Municipalidad estos últimos son invisibilizados. Asimismo, dentro de estos colectivos aborígenes, ya de por si desagregados a la sociedad y con índices (expectativas de vida, morbimortalidad, etc.) absolutamente inferiores en cuanto a la población blanca, surge una población que manifiesta pertenecer a colectivos homoeróticos. En este breve trabajo pretendo, con algunos materiales bibliográficos relacionados, pensar la idea de cómo los procesos de escolarización y algunas formas de ejercerla ubican a los sujetos en una lucha de resistencias entre lo que se debe aprender y lo que no se quiere aprender, aún con el riesgo de ubicarse en el exterior de los grupos de consenso. Este texto se desprende de mi trabajo de maestría cuyo objetivo fue – en un sentido amplio – el hacer dialogar dos variables que me preocupaban – y me preocupan – en su interacción cotidiana: pertenecer a un grupo étnico no mayoritario ni hegemónico y pertenecer también a un determinado colectivo homoerótico. Las preguntas que surgen en este sentido atraviesan varios niveles de inteligibilidad. ¿Se podrán aplicar categorías de sexooccidentales a estos sujetos, sin ni siquiera pasarlas por el tamiz del mandato etnocéntrico blanco? ¿El complejo de Edipo y, en todo caso, el tabú del incesto, prescriben de la misma forma en todas las culturas y determinan de forma dictatorialmente heteronormativa la elección sexual de las personas? Si esto es así, ¿podemos pensar que es lo mismo un colectivo homoerótico en el contexto de Tartagal que en otros contextos en donde la pertenencia étnica es visibilizada de diferente manera o 18 2 http://www.tartagal.gov.ar/ con intensidades diversas? Siguiendo esta línea, ¿qué tiene más valor y en que contextos: la absoluta invisibilización de una determinada pertenencia cultural para acogerse a una supuesta universalidad de una “hermandad” homoerótica o la agregación de categorías aparentemente no sexualizadas – y mucho menos (homo) sexualizadas – de etnicidad? Y finalmente para este trabajo, ¿supone una trayectoria de escolarización determinada la construcción de una adscripción sexo-étnica específica? ¿Qué recuerdos surgen en los sujetos en este sentido? y, específicamente, ¿por qué surgen? si el foco de la investigación no abreva en procesos de escolarización específicos? Lo que NO se espera de un niño -Toda esta moderna teoría sobre la educación es radicalmente insensata. Por fortuna, en Inglaterra, por lo menos, la educación no produce efecto alguno. Si lo produjera, representaría un serio peligro para las clases altas. La importancia de llamarse Ernesto. Acto primero. Oscar Wilde Comencemos con nuestra última pregunta. En las trayectorias que analizamos, advertimos varias referencias a la escuela y, en general, al angustiante conflicto de haber transitado la “primaria” en escenarios en donde se les exigía a estos sujetos mantener una conducta acorde a su sexo. “No quería jugar al futbol y cuando el 'profe' de actividad física me separaba de las nenas, a mi se me hacía un nudo en la garganta y no quería aprender eso, me hice una mentirosa, decía que me dolía la panza pero no me podía doler siempre así que mentía de vez en vez y para mi que el tipo me captaba, viste…, al final se daba por vencido pero no me ponía con nadie… ni con las nenas ni con los nenes… era re sola viste… y me daba triste… ahí soñaba y dibujaba ropas de muñecas…me soñaba que era la … esa que patinaba… toda rubia –pero natural- la… esa que hizo una peli con un enterito y 3pollerita…” , relata una entrevistada. Nótese como son, en este relato, totalmente inexistentes hasta ahora las referencia a una pertenencia étnica. Elemento que se tornará un patrón en la mayoría de los recuerdos que surgen relacionados con esta etapa. En casi todos los casos, se alude a la pertenencia a un grupo sexualmente disidente surgiendo de inmediato la idea de estigma. Por su parte, el estatus aborigen es dejado de lado para tornarse, en pocos casos, una alusión 3 La entrevistada se refiere a la actriz Olivia Newton John, protagonista de la película “Xanadu” Director: Robert Greenwald. Interpretes: Olivia Newton-John, Gene Kelly, Michael Beck, James Sloyan, Dimitra Arliss, Katie Hanley, Fred McCarren y Ren Woods. 1980, Estados Unidos. Comedia musical. Es una mirada hacia el futuro a la vez que un recuerdo romántico de cómo se establecían cierto tipo de socializaciones durante la época dorada de Hollywood. 19Ramiro Andrés Fernandez Unsain n. 8 | 2012 | p. 15-34 secundaria que completa el panorama estigmatizante previamente mencionado. Lo mismo surge en relación a las condiciones socioeconómicas de los sujetos en tanto aparecen colaborando en la construcción de la idea de que para poder expresar una sexualidad en libertad es necesario tener acceso a bienes y servicios para ellos, aparentemente, difíciles de obtener: “Yo nunca iba a poder ser esa… la que baila… imaginate… ahí sentada en el recreo y teniendo que volver con mi abuela a esa casa por allá… sabés que mi abuela me entendía ¿no? Y ella tejía… re bien tejía y me decía … cosas me decía… de lindas cosas… me peinaba y me tejía como capitas… yo era pendeja viste… que ocho o nueve… pero ella me decía: 'vos sos linda… vos como querás me tenés que ser… vos sentís y andás… vos ignorales a los otros… que ya se van a cansar de molestar…'. Y ahí nomás me peinaba porque yo la angustia que le sentía en la clase le tenía que decir a alguien y lloraba viste… sola en la casa y 4mi abuela me agarraba y un día me dijo: '¿qué pasa A.? . Y yo le dije lo que pasaba y ella me dijo que tenía que terminar la escuela que si era ignorante iba a ser peor y que tenía que estar orgullosa de quien era y del pueblo nuestro y ahí me dio coraje y seguí y siempre pienso en eso ahora que ella no está y salgo a la ruta viste y que me toquen…” se mezclan las risas con la emoción. Y aquí si, la abuela revive la pertenencia étnica como un estatus diferenciador que, inclusive, puede pivotar a la hora de asumir orgullosamente características que, desde el universo blanco, podrían llegar a verse como poco operativas y hasta iatrogénicas. Me parece interesante, en este punto, jugar con la idea de discontinuidad cultural. Y me permito jugar porque, a la mencionada pertenencia étnica de los sujetos problematizados, se le agrega una incipiente conciencia de no ser, en términos de patrones de sexualidad y de género, lo que se espera de ellos. La discontinuidad cultural considera la posibilidad de que niños que pertenecen a grupos culturalmente diferentes aporten interacciones diferentes y estilos cognitivos y lingüísticos que no se presentan en consonancia, como lo expresa Gomes: “con la forma en que en la escuela están previstas las interacciones y las formas de comunicación” (Gomes, 2004). ¿Cómo se potenciará este especto si, además, esos niños y niñas ni siquiera se ajustan a las prácticas y a las representaciones acerca de una sexualidad heteronormativa vigente en un determinado proceso sociohistórico? Es que, en algunos casos, ¿no será recomendable en el aula estar atento a las discontinuidades sexuales que se producen en y durante la interacción? De ninguna manera se quiere decir en esta líneas que la manifestación de una sexualidad disidente en el ámbito de una aula o de una institución escolar determinada constituya una cultura diferente. No obstante, extendería la recomendación que acertadamente realiza la autora en el sentido de buscar “una organización de las interacciones sociales en la escuela que sea sensible a las pautas culturales de las comunidades de origen de los alumnos” (Gomes, 2004), agregándole los colectivos género-sexualmente disidentes. Es que de hecho, a juzgar por el testimonio de la mayoría de nuestros 20 4 Se omite el nombre masculino del sujeto haciéndose notar que la abuela lo llamo de esa forma hasta que nuestra interlocutora decidió comenzar a “producirse” como travesti. interlocutores, se producen fuertes discontinuidades que no sólo tienen que ver con la manifestación étnica –o inclusive de clase- sino con otro tipo de latencias invisibilizadas que están siendo estigmatizadas aún antes de que se manifiesten discursivamente. Uno de nuestros entrevistados – que no es travesti y trabaja en una dependencia pública- relata: “Yo jamás dije nada, me hacía bien el machito pero no tenía novia… ya a los doce muchos habían cogido… viste… y yo nada… me gustaba ser machito viste pero le quería dar a mis compañeros… no a mis compañeras… (risas)… y para mi que en la escuela algo agarraron viste… la mano… (se refiere a doblar la muñeca) y la mirada viste… eso se nota… y me empezaron a joder… que puto vení… y todo eso… es feo eso…y después eso te sigue viste… yo no se como entré acá (refiere a su actual empleo) porque por ahí… pensé yo… y por ahí me tengo que ir a otra provincia… a otro planeta (risas)… e inclusive decía 'que quilombo y cómo la llevará mi comunidad'”, nuestro interlocutor refiere, en retrospectiva, a la tensión marcada por la pertenencia a múltiples colectivos en donde el sujetodebe construir prácticas que lo adscriben a identidades diversas. Es, entonces, un proceso de escolarización con diferentes tensiones identitarias que lo atraviesan (Novaro, 2008). Así, la persona en cuestión percibe que es clasificada y, en ese sentido, normada. Y, paradoja mediante, cuando es taxonomizada como perteneciente a un aspecto poco claro – desde una perspectiva heteronormativa – del mundo del género y de la sexualidad es, inmediatamente, dejada de lado. Separada intencionalmente o no del colectivo escolar y ubicada en un lugar de una otredad invisibilizada. Este lugar del sujeto está lejos de ser pasivo e inerme ante un aparente avance de la institución en lo operativo de lo cotidiano y, en ese sentido, no puede ser totalmente separado. Esta percepción de perdida y de separación, no obstante y se insiste, lejos de ser recibida pasivamente constituye un hito en la comprensión del lugar en el mundo que ocupará ese sujeto dentro de un colectivo mayor. ¿El de la etnicidad?, puede ser. ¿El de la construcción del género y de la sexualidad?, sin dudas. “Cuando el de gimnasia no me daba nada para hacer porque yo era malo (refiere a la práctica de diversos deportes) me quedaba mirando a mis compañeros… ellos hacían lo suyo… y yo lo mío…”. “¿Qué era lo tuyo, M.?”, se repreguntó esperando una aclaración; “era pensar con quien me gustaría estar”, respondió nuestro interlocutor recordando aquellos momentos. A la manera de de Certeau (1996), era en esos momentos en donde se mantenía la fuerza de su diferencia. Las maneras de hacer, se multiplicaban exponencialmente en: “mil prácticas a través de las cuales los usuarios se reapropian del espacio organizado por los técnicos de la reproducción sociocultural… operaciones cuasi microbianas que proliferan en el interior de las estructuras tecnocráticas y modifican su funcionamiento mediante una multitud de 'tácticas' articuladas con base en los 'detalles' de lo cotidiano… exhumar las formas subrepticias que adquiere la creatividad dispersa, fáctica y artesanal de grupos o individuos atrapados en lo sucesivo dentro de las redes de la 'vigilancia” (DE CERTEAU, 1996). 21Ramiro Andrés Fernandez Unsain n. 8 | 2012 | p. 15-34 Así, cuando está en el patio del recreo, el sujeto de marras se aísla y toma una actitud introspectiva, se refugia en su mundo, distante – evidentemente – del mundo que le proporciona la institución. Otro, o mas bien otra, vuelve a su hogar y es peinado (¿peinada?) por su abuela quien le recuerda sus orígenes étnicos y la posibilidad de ser “lo que quiera ser”. Ahora bien, no obstante de Certeau le adjudica a estas acciones el vocablo “táctica” como “la acción calculada que determina la ausencia de un lugar propio”, no teniendo más lugar que el del otro y actuando con el terreno que le organiza y le impone la ley de una fuerza extraña, es necesario mencionar que las trayectorias de estos sujetos han creado una asociatividad relevante. Así es. A pesar de sus divisiones, preconceptos, prejuicios y rispideces, los sujetos 5homoeróticamente orientados en sexualidades disidentes o no disidentes de la localidad de Tartagal recuerdan sus pasos escolares como el momento en que descubren que “no eran como los demás”. Esto los lleva, siguiendo con la línea de de Certeau, a estructurar, planificar y poner en práctica redes solidarias y entonces si, pensar “estrategias” que tienen como objetivo visibilizar a una parte de la población del lugar. Es cierto que es un momento de génesis en lo que, a falta de una denominación expresada en términos nativos, podría ser un movimiento de reclamo político homoorientado. Aún así, podemos concluir que, en este caso, esas pequeñas tácticas, acaso nimias, acaso triviales, acaso apolíticas, constituyeron la base de un capital para que los sujetos recorran sus trayectorias escolares – entre otras – y construyan una identidad común, diferencial y operativa. Si la táctica es el arte del débil, los sujetos entrevistados han sabido reconfigurarse y pensar estrategias a corto y mediano plazo. Desde la perspectiva de Lahire (2005), los niños construyen hábitos, saberes y haceres en el interior de marcos socialmente organizados. Sin duda es cierto. Por lo menos en el caso que recorremos. Inclusive sin que exista una transmisión expresa como voluntaria o intencional. Pero la escuela, en términos institucionales, no es el único marco socialmente organizado en donde estos conocimientos se transmiten. La familia ampliada, el club del barrio donde nuestros interlocutores encuentran las primeras posibilidades de “disfrazarse” en carnaval y hasta la rueda de intercambio de información que a veces forma la comunidad se erigen como ámbitos en donde no sólo se construyen los complejos mencionados sino en donde se reifican y reelaboran concepciones, siendo aceptadas, desafiadas, traducidas y mediatizadas. En una rueda de mate, durante una calurosa y bucólica tarde de Tartagal, nuestros interlocutores 22 5 Como asegura Jurandir Freire Costa: “Vocabularios diversos crean o reproducen subjetividades diversas. Y, conforme la descripción de nuestras subjetividades, interpretamos la subjetividad del otro como idéntica, familiar o como extraña, exótica y hasta, inclusive, inhumana”. Sin estar en desacuerdo con Freire Costa, la idea es ir más allá. Es intentar demostrar que no es sólo una gramática – con toda su hegemonía – la que se juega en la dinámica social del campo elegido, sino que – a esta – subyacen condiciones socioeconómicas objetivas y concretas, en tanto productos históricos perfectamente discernibles. O sea, la discriminación, el desprecio, la condena a la ignominia y a la invisibilización (o a la visibilización estigmática) – con sus correspondientes consecuencias en los cuerpos, en la sociabilidad y hasta en la sobrevivencia –, no dependen de procesos sui generis ni conllevan la ingenuidad del sentido común aplicado a las otredades. Más bien enraízan y están constreñidas en prácticas sociales naturalizadas en la sociedad y en las clases dominantes. Así se utilizará la idea de orientación homoerótica en tanto los sujetos manifiestan sus propias dudas en cuanto a las categorías que los denominan. comentan: “Nosotros, hay cosas que nunca quisimos aprender en la escuela”. Se piden detalles en relación a esa afirmación. “Y… a jugar al futbol, a eso de 6la familia… que era 'papi, mami y los dos hijitos', lo de matemática y que nos tuviéramos que casar y tener hijos…”. “Yo quería aprender a cocinar y a coser y me quería casar con uno bien macho… pero eso yo ya lo sabía de chiquita… siempre con la muñeca… siempre un putito… y desde que recuerdo era así yo… un putito… y quería ser bien mujer… y ahora… las tetas que tengo… pero mirá… a mi la yegua de la vieja… la maestra… me miraba y se reía y en… después con la bandera nunca me hicieron pasar…, es que ya era una nena”, agrega una interlocutora, en referencia al acto de izar el lábaro, acción que se realizaba todas las mañanas. Quisiera centrarme en la risa – la burla – de una docente en el recreo. Cuando se quiere “corregir”, “enderezar”, “ordenar”, sólo se puede realizar desde el constructo previo que aseguraría una superioridad casi ontológica – y proyectiva – sobre un otro colectivo. Este otro es “inferior”, necesita ser disciplinado – aun, en extremo, a costa de su propia existencia social (como sujeto y como grupo) – y si no, invisibilizado. Aquí, el que corrige es un agresor. Un sujeto que encarna los ideales hegemónicos de un determinado grupo, un mandato a poner en juego cada vez que estas otredades dejan de ser invisibles. La risa, en este caso, implica y sanciona una burla. Prescribe la acción de invitación a que otros – pero del nosotros hegemónico – acceda a la posibilidad de aplicar dicha sanción. La risa, en tono de burla, es el pasaje a un proceso de escolarización conflictivo y generoso en padecimientos en donde el estigma es un sino que debe ser recordadoy aplicado siempre que se pueda; y parece que se puede siempre. Volviendo a los otros marcos socialmente organizados surge la resistencia y el desafío, lo que prueba la poca habilidad normalizadora, de nuestro personaje docente que sanciona –insistimos – con la burla. Ahora, y de la mano del razonamiento de Lahire (Ibíd.), cuáles son las razones “de la no menos frecuente distorsión entre lo que los actores hacen y saben y lo que dicen hacer y saber”. Especulemos. La maestra detecta una anomalía – desde su perspectiva- en la conducta de uno o más sujetos. Esta diferencia – para nominarla de alguna forma- se basa en que esos pocos no se ajustan a los cánones de las practicas y representaciones asignadas a la relación directa entre sexo y género. Esto es, algunos niños y niñas presentan un sexo biológico determinado y, sin embargo, su conducta no se corresponde con esa aparente determinación natural. “Yo a pesar de ser así (señala el área genital) nunca quise juntarme con los otros chicos para hablar de cosas de varones… me quería ir con las chicas”, asegura, en la demorada rueda de mate una interlocutora travesti. “Peor yo que no me quería ir con nadie…”, retruca un indio perteneciente a uno de los grupos étnicos presentes en la zona, quien se 6 Rescato los comentarios al respecto ya que me pareció relevante que la totalidad de los entrevistados manifestara su incomodidad frente a la enseñanza y al aprendizaje de matemática, física y química. Cuando interactué comentando la existencia de ciencias duras y blandas y su división histórica me aclararon no conocían esa división y que si la hubieran conocido en ese momento, seguramente se inclinarían más por las “duras” que por las “blandas. 23Ramiro Andrés Fernandez Unsain n. 8 | 2012 | p. 15-34 define como “gay tipo Buenos Aires”, y en donde la construcción de la categoría lo coloca en el estereotipo del fisicoculturista con musculatura ostensible y sin roles definidos a la hora de las prácticas sexuales. “A mi me iba peor porque soy versátil, tengo cara de indio macho, viste…, no como ustedes (señala a las travestis) que siempre son bien mujeres”, espeta, abriendo una polémica interminable que se resuelve cuando Tamara (travesti y trabajadora sexual) cierra la discusión con un: “Vení a ver que mujer que soy que te parto en dos maricón…”. En este pequeño extracto vemos la complejidad de los cruces entre sexo, sexualidad, género y adscripción étnica y comprobamos como determinadas situaciones escolares, intentan construir saberes y deberes que – repetimos – son resistidos de diferentes maneras por los depositarios de las prácticas y las representaciones de los procesos de escolarización. Claro que Lahire tiene razón en tratar de deconstruir esos cruces. ¿Qué habrá pasado por la cabeza de esa docente al encontrarse con semejante contradicción? Ella sabe que lo que indica el proceso de escolarización define a la escuela como un lugar de socialización de los sujetos en donde se construye el saber, y tantas cosas bonitas. No obstante su hacer no puede cristalizarse en aplicar esos principios a todos y cada uno de los sujetos institucionalizados dado que, parecería, que para los anómalos no hay lugar en ese espacio. No es el foco de este trabajo – aunque tampoco se debe olvidar –, que la docente también detenta prácticas laborales específicas y pertenece a un universo determinado en donde no sólo se educa e instruye. Los maestros son atravesados por una multiplicidad de variables que exceden ampliamente el ámbito escolar. Sin embargo, creemos que en este tipo de casos en donde se excluyen sujetos de diversas instituciones por ser anómalos, raros, extraños, diferentes; es menester tener en claro el principio de borramiento que menciona Lahire (Ibíd.) en tanto suele aparecer tan natural la exclusión de la otredad, que sólo a través de entrevistas profundas con los que realizan estas prácticas se puede llegar a un nivel de reflexividad mutua en donde se logren elaborar y problematizar este tipo de prácticas. Por lo menos, eso es lo que dice mi experiencia en algunas entrevistas a médicos y enfermeras en el Hospital Juan Domingo Perón de la misma ciudad con profesionales de la salud tratando población travesti y portadora del virus VIH. Así, nuestra docente acciona una conducta “natural” y socialmente consensuada al burlarse de un sujeto distinto –desde su perspectiva- e indefenso. Entonces si, podemos tomarnos la libertad de ampliar nuestra escala, como en una lupa invertida, y pensar una idea que anticipamos tímidamente en párrafos anteriores. En realidad, las manifestaciones de desagregación, separación o invisibilización de algunos sujetos en la institución escolar responden a un modelo a aplicar que está por sobre el establecimiento. Coincidimos con Ezpeleta y Rockwell (1985) cuando sostienen que 24 “Para el estado y las clases dominantes se tratará de conservar y potenciar sus formas de dominación, incluida la reproducción de las clases subalternas. Para estas, en cambio, su desarrollo político orientará aquel movimiento hacia obtener mejores condiciones de vida, hacia disputar el poder establecido o, alterando el proyecto de las clases dominantes, hacia la transformación de las relaciones sociales”. (Ezpeleta y Rockwell, 1985) En este sentido tomamos los conceptos de clases dominantes y 7subalternas en un sentido clásico . De esta manera, surge aquí una pregunta que complejiza aún más la cotidianeidad escolar como caja de resonancia de estas relaciones de poder y sujeción. ¿Si la mayoría de los alumnos de las escuelas públicas de Tartagal – en donde los estudiantes disidentes en términos sexuales atravesaron sus vidas escolares – pertenecen a las clases subalternas, qué hizo que no surgiera ningún tipo de solidaridad desde los compañeros no excluidos sólo porque – aparentemente – respondían a las designaciones heteronormativas sexo- género?. Será quizá porque “el o la travestida, la o el homosexual o inclusive lo abyecto, trastocan completamente la división entre espacio psíquico interno y externo, y de hecho se burla/n del modelo que expresa el género, así como de la idea de una verdadera – en el sentido de ontológica – identidad de género”. (Butler, 2007) Lo rígido, lo seguro, lo ideal, dejan de ser lugares en donde se transita la comodidad de lo re-conocido y esperado para reflejar una imagen que cuestiona la idea de normalidad. Y, claramente, el lugar privilegiado en donde se encuentran esas contradicciones es la escuela en donde no sólo confluyen los intereses del estado y de las clases subalternas, sino también en donde se encuentran y dialogan diversas otredades que se enfrentan al estatus-quo ordenado a través de las políticas educativas que, en su gran mayoría, invisibilizan la diversidad sexual que, según el campo recorrido, se manifiesta desde la primera infancia. Claro que – a la manera de Ezpeleta y Rockwell (Ibíd.) – el estado tiene intereses objetivos en relación a la educación y estos interesas callan las disidencias y –s i no pueden por la obviedad de la diferencia – la separan estigmatizando sujetos que transitan su vida escolar temerosos de ser constantemente afrentados. “Me pegaban y me decían puto”, recuerda T. 7 El concepto de clase tiene una importancia capital en la teoría marxista a pesar de que ni Marx ni Engels lo hayan formulado de manera sistemática. El concepto de clase dominante abarca dos nociones: la primera es la de una clase económicamente dominante que, en virtud justamente de su posición económica en relación con lo medios de producción domina y controla todos los aspectos de la vida social. La segunda noción es que la clase dominante, para mantener y reproducir el modo de producción y las formas sociales existentes, debe, necesariamente, ejercer el poder del estado; dominar políticamente. Posteriormente, Gramsci fue quien estableció la distinción más clara y explícita entre la dominación de claseen la sociedad civil, que designó con la categoría de hegemonía y el domino político en cuanto a tal, o poder del estado. 25Ramiro Andrés Fernandez Unsain n. 8 | 2012 | p. 15-34 mientras lustra sus botas bucaneras blancas antes de salir a una fiesta de cumbia. “Odio el colegio, fue el tiempo más peor de mi vida”, evoca Johana, señalando en donde le pegaban e insinuando acciones de abuso por parte de compañeros mayores que ella. “Aprendí a defenderme, con este físico nadie me pegaba pero me hicieron fama de rarito y no me daba bola nadie”, asegura Juan. Y así, siguiendo a Ezpeleta y Rockwell (Ibíd.), con y a través de agentes también subalternos, el estado -junto a otras instituciones-, “define contenidos, asigna funciones, ordena, separa y jerarquiza el espacio para diferentes labores y de ese modo define –idealmente- relaciones sociales”. Por eso, si cada escuela es producto de una “permanente construcción escolar” y cada una presenta características especiales, parece que en Tartagal, con respecto a los problemas de género y sexualidad, (aunque con matices) pasan cosas parecidas en todos los establecimientos. Se impondría de esta forma, frente a un patrón constante manifestado en campo, pensar las sexualidades como formas de relaciones sociales, situándolas en un marco histórico determinado, atravesadas de modo crucial por las condiciones materiales y las formaciones de discursos de poder que perforan la vida social. Lo escrito permitiría entender a las sexualidades como procesos que cambian, se modifican y se resignifican de modo permanente. La burla, la invisibilidad, la violencia física, entre otras sanciones, son mecanismos silenciadores a corto plazo. Esto es, en vez de reconocer las diferencias y aprender de las múltiples voces, esas actitudes refuerzan el bajo rendimiento, la deserción, la frustración y el aserto que reza que si el sujeto no se ajusta a la norma, o se desajusta sólo como lo hegemónico permite, le queda nada más que el destierro. Escriben Bourdieu y Passeron: “Al conceder al profesor el derecho y el poder de utilizar en beneficio propio la autoridad de la institución, el sistema escolar se asegura el medio más seguro de obtener del funcionario todos los recursos y todo el celo de la persona al servicio de la institución y, de este modo, de la función social de la institución” (Bourdieu y Passeron 1997). Y entonces está bien. En este relación dialógica institución/estado y sujetos aplicadores de sus políticas… ¿quién podría tener – entre las autoridades y docentes – una voz disidente? Seguramente las hay, aunque – por lo menos- en Tartagal a mi no me las presentaron. Imaginemos esta escena… o mejor aún, juguemos a los enunciados contrafácticos. Una maestra de una escuela pública, en una reunión con sus colegas de diversos grados comenta una consideración que está dentro de su informe: “Susana, un buena alumna, comentó en una clase de bilogía que era lesbiana y parece que ella y otra alumna están medio de novias”. Casi imposible de pensar. Es por eso que acordamos con los autores mencionados en este párrafo. Mientras no exista en realidad una política de estado activa y fuerte que se proponga eliminar o por lo menos problematizar los asuntos de sexualidad y género en la escuela, las confusiones y los conflictos, así como el sufrimiento de los que no adscriben a fórmulas heteronormativas, nunca cesarán. No obsta lo antedicho, a que 26 existen equipos interdisciplinarios de investigación en estos asuntos y que algunas autoridades escolares y de políticas educativas parecen estar preocupadas al respecto. Sin embargo insistimos en los contextos: en el interior de nuestro país, y más específicamente en la zona en cuestión que toca este trabajo, las cosas no parecen haber cambiado mucho a partir de testimonios que abarcan los últimos cuarenta años. 8“A todas las trolitas que ves acá les enseñaron lo mismo”, una mujer homoeróticamente orientada hace ese comentario en referencia a un grupo de hombres y travestis que juegan a “vestirse de carnaval”. “Les enseñaron que la familia, que mamá y papá y los hermanitos y los abuelos… yo tenía un libro que decía que no me acuerdo quien –pero era una familia de padre y madre y los dos borreguitos, un nene y una nena, pero que iban a visitar a los abuelos y la abuela; la vieja los recibía con mermelada decía el libro y entonces yo veía que en casa vivíamos todos juntos: los abuelos de mi vieja, digo por parte de mi vieja, la madre de mi viejo y a veces venían parientes de la comunidad y ahí si que era quilombo… viste… mirá te voy a mostrar…”, nuestra improvisada animadora se da vuelta y se dirige al grupo mencionado casi a los gritos: “A ver mariconas… les digo una parte de un refrán… digo una cosa que nos enseñaban en el colegio y ustedes me la completan…”. Algo de sorpresa expresa el grupo y luego de algunos insultos nuestra interlocutora expresa: “La familia es la…”, y todos contestan coordinados: “…célula básica de la sociedad…”, ríen y se burlan, abrazándose y besándose entre ellos, e inclusive incorporando a todo el grupo presente en una suerte de potlach paródico y mojigango. Abrevo en la consideración de Bourdieu y Passeron (Ibíd.) en el sentido de que “[…] el solo hecho de transmitir un mensaje en una relación de comunicación pedagógica implica e impone una definición social de lo que merece ser transmitido, el código del mensaje que debe ser transmitido, de aquellos que tienen el derecho a transmitirlo o, mejor, de imponer su recepción, de los que son dignos de recibirlo, y, por tanto, coaccionados a recibirlo…” (Bourdieu y Passeron, 1997). Resumamos entonces: sujetos burlados, sujetos excluidos, sujetos “raros”, invisibilizados, con familias que no se ajustan a los cánones de transmisión escolar, y, como si esto fuera poco, sujetos con pocas probabilidades de formar una familia -aunque con muchas ganas- y, paradójicamente, reproducir lo que la escuele inculca, indica, impone y delimita. Debemos centrarnos, ahora, en la cuestión del famoso “rendimiento”. La mayoría de los interlocutores envueltos en estas discursividades acerca de su paso por la institución escolar aseguran no haber finalizado algún ciclo. Sólo uno de ellos, tuvo la posibilidad de terminar el secundario y acceder a un título terciario de “enfermera”. “A mi siempre me gustó la medicina, pero quien iba 8 En jerga: Mujer fácil, prostituta o no. Según el sitio www.asihablamos.com/word/palabra/Trola.php 27Ramiro Andrés Fernandez Unsain n. 8 | 2012 | p. 15-34 28 a bancarse un médico travesti… encima mirá si era proctólogo… ni anatomía me dejaban pasar”. “Yo quería ser Etelvina Baldasarre y me trataban como a 9Palmiro Cavallasca” , confiesa uno de los presentes en la ya famosa rueda de mate, intentando justificar la no obtención de las credenciales escolares pertenecientes al ciclo secundario. Al respecto, Erickson – en Rockwell (2002) – advierte que “no es la diferencia cultural per se (la) que causa pobres logros, sino mejor el uso micropolítico de la diferencia (el) que deviene en el fracaso 10en las escuelas” . Estas micropolíticas de las diferencias cristalizan en la acción de etiquetar sujetos como distintos sabiendo a pie juntillas (no por una brillante inteligencia sino por una práctica etiquetadora cimentada en siglos de tradición taxonómica) que lo que esa marca logrará será producir un sujeto cuasi condenado a finalizar con grandes dificultades su proceso de escolarización o, en la mayoría de los casos, a que el estigma y su correspondiente acción estigmatizadora ganen por cansancio provocando el abandono de la institución y las consiguientes frustraciones asociadas. “¿Sabés Rami que quería ser yo?”, Camila, travesti y trabajadora sexual insiste en que adivine lo que ella tenía planeado para su futuro. Es de noche y caminamos a la vera de la ruta. Ella busca clientes, yo testimonios. Es una situación tan intima y tan pública al mismotiempo que no logro reponerme tratando de registrar lo que ocurre. Me llama la atención que comente eso en ese momento. Cuando voy a contestar para un camión. Me alejo unos metros hasta que termina la banquina. Me habían recomendado que no pise la tierra por si había bichas (serpientes). La cabina del rodado está iluminada por una luz mortecina. Todo tiene sentido, pienso. El cliente le muestra su miembro. Camila le responde pasándole sus honorarios. Regatean. El cliente se enoja y mientras le grita algunos improperios cierra la puerta con fuerza atrapando una de las plumas de plástico que Camila cosió a su vestido turquesa. Arranca sin más y, al arrastrar ese accesorio ya cautivo por las mandíbulas del camión, su vestido se rasga hacia el costado dejando ver algunos moretones viejos. Quedo inerme. La ayudo a retomar el equilibrio y, antes de poder ofrecerle mi compañía para volver a su casa, se sienta al borde la ruta, me invita sentarme con ella, saca una aguja e hilo de no se donde y me dice susurrando una confidencia: “Sabés que quería ser yo si hubiera podido terminar la escuela…(piensa unos segundos y suspira) secretaria… (vuelve a suspirar)”. Allí estaba C.; pobladora originaria, travesti y sin medios ni herramientas para hacer otra cosa que salir a la noche a recorrer la ruta en busca de clientes que, “a Dios gracias la mayoría tienen mucho buen humor”. Concordamos así, volviendo un poco al inicio de este ensayo, con Novaro (2008), cuando, para el caso de niños migrantes bolivianos con 9 Un individuo homoeróticamente orientado hace referencia al programa televisivo con formato de novela que se emitiera en diferentes ciclos y temporadas por canales del interior con producción en la Ciudad de Buenos Aires. La trama contaba una historia que se desarrollaba en un colegio público en donde una maestra enseñaba a un grupo de alumnos de primario. Etelvina Baldasarre era una alumna rubia, rica e hija de un médico (verdaderamente insoportable) mientras que Palmiro Cavallasca representaba a un niño de pocas entendederas, más bien bruto, de clase media baja y padres almaceneros. 10 “…it was not cultural difference per se that caused poor achievement, but rather it was micropolitical uses of difference that led to failure un schools.” Erickson (1987) en Rockwell (2002). adscripciones étnicas vinculadas a lo indígena marca las múltiples tensiones identitarias que los atraviesan al ser interpelados desde la política educativa, el discurso docente y los compañeros y las propias familias de los compañeros que no pertenecen a esos universos. Estas familias y estos niños son otredades carentes de inteligibilidad. Es esta carencia, entre otras, la que marca fuertes tensiones entre los grupos. Si, como compartimos con Novaro (Ibíd.), la escuela interpela a los niños desde lo nacional, sin duda también los interpela desde lo heteronormativo aunque, al mismo tiempo, reconociendo las diferencias al separar, clasificar e invisibilizar a los sujetos “anómalos” catalogándolos de diversas manera, muchas veces superpuestas y contradictorias. Tamaña esquizofrenia arremete con la posibilidad de transitar la escuela como un ámbito coherente y lúcido de enseñanza y aprendizaje, desarticulando cualquier posibilidad de planificar – a futuro – los pasos en una aparentemente imposible educación superior. Como en un “melting pot” institucional-escolar, los sujetos que manifiestan inclinaciones homoeróticas deben convencerse que sólo la familia “clásica”, heterosexual, burguesa y resignada, tiene un lugar en la construcción de un colectivo con futuro. Entonces, en el caso que nos ocupa, si ese “silencio” del que habla Novaro (Ibíd.) se comprueba en campo; “Calladita te quedabas… ahí no te pegaban y la maestra se hacía la distraída”; ¿dónde y cómo aparecen las “innumerables palabras” acalladas por años en lo profundo de nuestros interlocutores? Luego de asumir su identidad tanto étnica como sexual y de género, haciendo un comportado ejercicio al internalizar las múltiples pertenencias. ¿Cuándo ocurre esto? Bastante después de lo que podríamos 11llamar la epifanía del deseo sexual . Cuando esa epifanía se convierte en voluntad de ser un sujeto “diferente”. Es en ese momento cuando los recuerdos escolares se hacen carne y solidifican resentimientos y alegrías, anhelos y temores, tristezas y, en fin, trayectorias. Acordamos también con otro trabajo que se complementa en relación a nuestro desarrollo. En el, Novaro, Borton, Diez y Hecht (2008) suponen que las cuestiones vinculadas con los complejos procesos de identificación entran en disputa con algunos presupuestos del modelo educativo hegemónico. Claro que esto es así en el caso de marras; no obstante quisiera proponer una reflexión. En rigor de verdad hemos intentado cruzar y hacer dialogar categorías. Así, a los efectos de esta reflexión, etnicidad implica – básica y resumidamente 11 “Tenía más o menos siete años cuando una cosa que me pasó me dijo que yo era distinto. Mi papá se había llevado a toda la familia conmigo a un partido de futbol acá cerca. Me parece… era por una comunidad… no se bien ahora… Me presentó a todos los compadres que jugaban… imaginate… el re orgulloso que mostraba a su machito… y la verdad que a mi no me interesaba mucho lo del partido… había un camión que todos se cambiaban después del partido… era como un camarín… no se… un vestuario… como de club… y me sentaron allí a un costadito viste… y habían ganado y tomaron y todos estaban desnudos y se reían como locos… a mi mi papi me miraba de vez en cuando viendo que si todo estaba bien y yo seriecito y de golpe no se que me pasó… se me agitaba el corazón… me sentía bien entre esos tipos pero no era como sentirme bien que quería jugar a la pelota… era otra cosa y me sentí re flojito, re raro y nomás ahí ya no me sentía protegido por mi papi… era otra cosa… no te se decir pero me volvió loco eso… y a la vuelta caminábamos por el caminito y yo callado, seriecito, no sabía viste… yo sabía que había pasado algo que me gustaba pero me daba miedo…”, José, -de una comunidad cercana a Tartagal- relata la primera vez que sintió que le pasaba “algo distinto” en relación a los demás niños. 29Ramiro Andrés Fernandez Unsain n. 8 | 2012 | p. 15-34 30 – la pertenencia a un determinado grupo por adscripción y autoadscripción de y por lo otros. La sexualidad se refiere a cómo se viven, representan y cuáles son las conductas y las maneras en que se realizan las prácticas sexuales, la seducción, los deseos y los placeres eróticos, siempre atravesados por procesos históricos en diálogo con determinadas pautas y cristalizaciones sociales. Judith Butler (2007) sugiere interpretar las normas del género -entendidas como estilos corpóreos- en lugar de asimilarlas unívocamente. No se trata, por tanto, de un acto de creación radical desde el vacío a-genérico (esta postura caería en la invalidación del polo objetivo de la relación individuo-cultura), pero implica un espacio para la libertad. El cuerpo, desde la perspectiva butleriana, no es sólo un receptor de interpretaciones culturales sino también un campo de posibilidades interpretativas, por lo que se convierte en un nexo peculiar de cultura y elección. Los que nos lleva a la reflexión propuesta: si este género aludido es una de las formas de interpretar el cuerpo…, la sexualidad ¿será otra?. Nos encuentra entonces la díada sexualidad-género en una instancia epistémico-metodológica de conflicto en cuanto a las categorías y variables operativas a aplicar. Veámoslo más de cerca y a través de un ejemplo. Jackie aprendió en la escuela que hay niños y niñas. Básicamente, las niñas juegan con muñecas y los niños a la pelota. Niños y niñas se casan, tienen hijos y trabajan. Forman un “hogar”. La realidad de Jackie polemiza con todas y cada una –sino más- de estas construcciones. En realidad Jackie se autodenomina “travesti temporaria” y es una trabajadora sexual desplegando su actividaden la ruta. Sus clientes son camioneros (principalmente) aunque también conductores de autos, algunos turistas y otros visitantes esporádicos. Entrada la madrugada, ella vuelve a su casa, se convierte en Ernesto, prepara el desayuno para sus hijos y su mujer, los despierta a todos y lleva al colegio a los niños. Pertenecen a una de las comunidades originarias de la zona y decidieron vivir en Tartagal “por comodidad”. “Somos pobres, y a mi me sale bien la ruta… nadie quiere que deje… dicen que soy puto pero yo soy bien macho… con mi mujer pensamos comprarnos un terrenito…”. ¿Qué practicas y representaciones se ponen en juego aquí? ¿Podemos conformarnos con cerrar categorías y variables desoyendo lo que el campo pone en juego? ¿Qué problemáticas epistemológicas propone lo expuesto en cuanto a cómo se construye una investigación que de cuenta de la complejidad registrada sin paralizarse en abordajes y categorías aparentemente limitantes? ¿Cómo puede responder la vasta y brillante teoría producida en términos de género, sexualidad y etnicidad para dar cuenta de la complejidad de los cruces existentes, aún tomando conciencia de que la adscripción étnica identitaria parece ser un hecho secundario en cuanto a la problemática de género y sexualidad planteada en el campo? Estamos en un punto en el que nuestra búsqueda nos está llevando por ríspidos aunque productivos cuestionamientos. El desafío de abordar el problema elegido asegura una profundización de los cruces mencionados y el intento de hacer coincidir lucidamente diferentes improntas con el objetivo de dar cuenta de una realidad, a nuestros ojos, novedosa e intrigante. Conclusiones Es triste pensarlo, pero no hay duda de que el Talento dura más que la Belleza. Ello explica por qué nos esforzamos tanto en educarnos en exceso. El retrato de Dorian Gray. Capítulo 1 Oscar Wilde Si los saberes están vinculados a los poderes, como afirma Beillerot (1996), parece ser obvio que los interlocutores abordados en este trabajo son pasibles de un poder que los omite como sujetos dignos de conocimiento. No se dice aquí que haya un plan específico que se proponga que los “anómalos” – desde algunas perspectivas – sean expulsados de la institución. Más bien, lo que se intenta explicitar es que aparece como inscripta en la agenda política de los agentes escolares – naturalizada o no – una ostensible omisión en cuanto a la posibilidad de que los estudiantes conformen y construyan voces disonantes – y valoradas – en la comunidad escolar en cuanto a la sexualidad y en todo caso a la etnicidad. Es menester comprender que los sujetos tienen y mantienen identidades plurales, múltiples, identidades que se transforman, que no son fijas ni permanentes y que pueden ser hasta contradictorias en sí mismas. Ahora bien, la escuela –con sus prácticas institucionalizadas o no- tiende a “fabricar” sujetos y colectivos; no obstante, como afirma Britzman: “Ninguna identidad sexual o de género existe sin negociación o construcción. No existe, de un lado, una identidad heterosexual allá afuera, lista, acabada, esperando ser asumida y, del otro, una identidad homosexual inestable, que se las debe arreglar sola. En vez de eso, toda identidad sexual es un constructo inestable, mutable, volátil, una relación social contradictoria y no terminada” (BRITZMAN, 1996). Esto, sin dudas, se hace extensivo a otros procesos identitarios como la categoría de etnicidad y los procesos de etnogénesis, entre otras. Al no estar explicitada por la institución escolar, esta dinámica revierte en la negación de los y de las personas homoafectivas en el espacio legitimado del aula y de sus adyacencias. Así son confinados por la burla, el insulto en los recreos y quien sabe que otras acciones haciendo que, de este modo, los jóvenes “desviados” sólo se puedan autoreconocer como abyectos, indeseables o ridículos. A modo especulativo, ya que no se posee data en relación a ese tema, me arriesgo a asegurar que la mayoría de los libros didácticos y paradidácticos conciben dos mundos distintos: uno público masculino y uno doméstico femenino, indicando actividades de mujeres y actividades de hombres. Despunta esto en la parodia de la familia cuando nuestros interlocutores la 31Ramiro Andrés Fernandez Unsain n. 8 | 2012 | p. 15-34 32 recuerdan como “la célula básica de la sociedad”. Así, la amplia diversidad de las construcciones familiares y sociales, la pluralidad de actividades ejercidas por los sujetos, el atravesamiento de fronteras y los diversos conflictos son ignorados o negados en forma sistemática. La sexualidad, el género, la etnicidad o la clase social, como categorías operativas y presentes, no llegan a la escuela importadas por “inadaptados” que intentan subvertir el orden “natural” de las cosas. Ellas están allí porque hacen a los sujetos. Los construyen. No son categorías que puedan ser borradas 12o apagadas cuando los niños atraviesan el umbral de la “casa del saber” . Y aún más: tanto énfasis en mantener el carácter heterosexual de todas y cada una de las cosas de la vida nos podría llevar – en términos lógicos – a cuestionar su pretendida “naturalidad”. Todo esto nos lleva a una situación paradojal. Esto es, para que un joven pueda asumir su homoerotismo y reconocerse en ese sentido será preciso que consiga desvincular las categorías no hegemónicas de sexualidad y de género en términos de percibirlas como patológicas, antinaturales y hasta ilegales. ¿Cómo reconocer y aceptar lo que fue objeto de desprecio, burla, castigo y desagregación como un valor? ¿Cómo, estando inserto en discursos “normalizadores”, le será posible articular su sexualidad con placer, con erotismo y como algo que puede ser ejercido y practicado sin culpa? La escuela parece tener una gran responsabilidad en este proceso. Es allí donde se gesta la lucha política en el sentido de reconocer las diferencias. Es, finalmente, en esa arena en donde los individuos – todos ellos – debería aprender a respetar lo distinto. 12 Las comillas son mías y la ironía también. Bibliografía BEILLEROT, Jacky y BLANCHARD-LAVILLE, Claudine. “Saber y relación con el saber”. En BEILLEROT Jacky; BLANCHARD-LAVILLE, Claudine y MOSCONI, Nicole (Org.) Saber y relacioń con el saber. Buenos Aires: Editorial Paidoś, 1998. BOTTOMORE, Thomas. Pensamento marxista. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1983. BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean Claude. La reproducción. Elementos para una teoría del sistema de enseñanza. Buenos Aires: Paidós, 1996. BRITZMAN, Deborah. “O que é essa coisa chamada amor?” Revista Educaçao e realidade. Porto Alegre, Vol. 21, 1, enero/julio. 1996. BUTLER, Judith. El género en disputa. El feminismo y la subversión de la identidad. Buenos Aires: Paidós,1999 (1990). BUTLER, Judith. Cuerpos que importan: sobre los límites materiales y discursivos del “sexo”. Buenos Aires: Paidós, 2002. BUTLER, Judith. Deshacer el género. Buenos Aires: Paidós, 2006 (2004). RUBIN, Gayle con Judith Butler. “Sexual Traffic”. En: WEED, Elizabeth & SCHOR, Naomi (Org.). Feminism meets queer theory. Providence, Rhode Island: Brown University Press,1997. DE CERTEAU, Michel. 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Madrid: Editorial Imaginador, 2005. 34 Uma alegoria queer para o “Reino dos céus”: subversões da metodologia exegética patrística Fernando Candido da Silva Professor associado ao Núcleo de Estudos Antigos e Medievais (UNESP/Assis) Doutor em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo zecfer@yahoo.com.br A Queer Allegory for the “Kingdom of heaven”: subversions of the Patristic exegetical methodology 36 Resumo O artigo apresenta duas subversões básicas. A primeira refere-se ao próprio método exegético. Ao retomar a antiga tradição patrística de interpretação bíblica, desloca-se a atual ênfase no sentido literal e histórico do texto para sua comunidade de leitores. A segunda subversão diz respeito exatamente à comunidade leitora: como uma comunidade queer poderia ler o texto bíblico, ao se ocupar de sua “letra” e de seu “espírito”? Para concretizar tal exercício interpretativo, o artigo explora o texto de Mateus 19,10-12, seus eunucos e o reino dos céus. Palavras-chave: Exegese. Alegoria. Comunidade queer. Eunucos. Reino dos céus. Abstract The article presents two basic subversions. The first one refers to its own exegetical method. Returning to the ancient tradition of Patristic biblical interpretation we move from the current emphasis on literal and historical sense of the text to its community of readers. The second subversion refers exactly to this community of readers: how a queer community could read the biblical text and engage in its “letter” and “spirit”? To ensure this interpretative exercise, the article explores the text of Matthew 19,10-12, its eunuchs and kingdom of heaven. Keywords: Exegesis. Allegory. Queer community. Eunuchs. Kingdom of heaven. Da relatividade exegética Não há leitura sem interpretação. O processo de ler é dinâmico e somente se concretiza na interpretação – aquele exato momento de fusão dos horizontes do texto com o do leitor. Além disso, não há interpretação isenta de tradição: leram antes de nós, ensinaram-nos a ler (GADAMER, 1998). Em outras palavras, diria: nossos olhos certamente possuem alguma memória. É sobre a leitura do texto bíblico que desejo ensaiar. Se o processo de ler per se envolve tantas questões, a leitura da Bíblia envolve ainda mais! Ora, quando falamos de Bíblia não estamos nos referindo a um livro qualquer. O texto bíblico foi e ainda é entendido enquanto Palavra de Deus, o que traz sérias implicações sociopolíticas. Não se pode negar hoje, por exemplo, que o fundamentalismo é um lado negativo de tal premissa. A Bíblia é um livro, portanto, que age na história exatamente por ser considerada como Palavra de Deus. Sendo assim, interpretar tal livro exige ainda mais esforço por parte do leitor, afinal, entra-se aqui em solo arenoso. A Bíblia é história e faz história. Nesse sentido, parece ser tarefa do historiador/exegeta lidar com essa dupla historicidade (SCHÜSSLER FIORENZA, 2007). Como dito acima, toda interpretação está em conexão com uma tradição. Isso vale igualmente para a “ciência” exegético-histórica. Exegese – como a palavra grega já aponta – é a ciência que “conduz para fora”, ou seja, que guia o sentido do texto, ao explicá-lo. É comum em nossos dias a exegese priorizar o sentido literal e histórico do texto bíblico: nesse caso, busca-se, de maneira geral, o sentido pretendido pelo autor do texto em seu contexto específico (MAINVILLE, 1999). Aos ouvidos de historiadores, esse objetivo exegético parece bastante justo e legítimo. Afinal, estaríamos lidando com uma “ciência” objetiva e neutra. Entretanto, será mesmo assim? Não custa lembrar que a arte de interpretar o texto bíblico é muito antiga. Nos primórdios do cristianismo, já se verificava tal exercício. O Novo Testamento (ou Segundo Testamento, como alguns preferem) está repleto de interpretações das “Escrituras”. Chamo a atenção para esse aspecto, para que não percamos de vista a tradição da qual fazemos parte. Interpreta-se a Bíblia há muito tempo, mas nem sempre a interpretação foi assim, tal como é hoje. É preciso, pois, perceber os limites de toda interpretação – inclusive a proposta que aposta em uma leitura literal e histórica. Não quero me deter demasiadamente nesse ponto, pois já é possível encontrar amplo debate sobre os limites da interpretação histórico-literal do texto bíblico (cf., por exemplo, COLLINS, 2005). Gostaria de relembrar que foi 37Fernando Candido da Silva n. 08 | 2012 | p. 35-52 apenas nos séculos XV e XVI, com a Renascença e a Reforma, que a prática exegética – tal como a conhecemos hoje – teve seu início. Por um lado, a Renascença impulsionou o interesse filológico e histórico pelas Escrituras; por outro lado, os reformadores protestantes investiram tanta autoridade à Bíblia que era necessário um método de interpretação que não produzisse sentidos ambíguos (HARRISON, 2002, p. 111-114). Contextualizar a exegética, portanto, é fundamental para compreender que estamos lidando, no fundo, com paradigmas (KUHN, 1962). Paradigmas nada mais são do que modelos que podem ou não ser seguidos. Particularmente, gosto dessa ideia porque ela permite pensar de outras formas, para além da razão moderna e dos paradigmas que se convencionou adotar. Pois bem: leio e interpreto. Ao interpretar, sigo necessariamente uma tradição, ou, se preferirem, um paradigma. É possível estar ciente dos efeitos da tradição em minha leitura? Eis o ponto-chave: posso optar por outra tradição? Penso que sim. A seguir, desejo aprender de uma tradição exegética antiga – a dos Padres da Igreja – para, então, ensaiar uma interpretação de Mateus 19,10-12. Espero que a lógica própria da exegese patrística nos ajude a pensar o texto desde uma outra perspectiva. Da exegética patrística Sobre o conceito de “patrística”, entendo a produção teológica da era pós-apostólica. Estamos em uma fase importante para o cristianismo: fase de diferenciação e consolidação identitária. Esse é um processo conturbado, como se verifica na própria história da literatura cristã antiga. No contexto de diversidade linguística e cultural das comunidades cristãs, os Pais da Igreja se responsabilizaram por ditar os cânones que deveriam ser seguidos. Sendo assim, ainda nos primeiros séculos, os Pais se viram diante do desafio de elaborarem uma interpretação das Escrituras que defendesse a identidade cristã (tal como a concebiam!) em relação à tradição judaica e à cultura helenística que se insinuavam no ambiente eclesial mediante correntes “heréticas”, como gnosticismo, marcionismo, arianismo e por aí afora. Portanto, não podemos nos esquecer de que a exegética dos Padres está situada em um contexto apologético. O debate sobre como interpretar as Escrituras ocorrerá
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