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Existe um editor de literatura para crianças e jovens_ _ 1 _ Revista Emília

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20/04/2019 Existe um editor de literatura para crianças e jovens? | 1 | Revista Emília
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Existe um editor de literatura
para crianças e jovens? | 1
POR DOLORES PRADES | 23 DE JANEIRO DE 2012 | PROTAGONISTAS |
uita gente me pergunta o que caracteriza um editor de literatura infantil e juvenil. Falar sobre o editor de
literatura para crianças e jovens, em um plano mais geral, não nos remete a nenhum terreno original ou
novo. Ao contrário, nos força a olhar para alguns dos traços mais característicos do fazer do editor,
independentemente da área. Pois há sim um ofício de editor, que sobrevive e se faz cada vez mais necessário
para enfrentar as fortes “tendências” que têm esvaziado essa função, assim como os novos desafios do fazer
editorial.
A escritora, jornalista e especialista em leitura na primeira infância colombiana Yolanda Reyes, em recente visita
ao Brasil (ela foi palestrante do último Conversas ao Pé da Página) expôs lindamente essa questão. Peço
licença para compartilhar sua cristalina fala: “Gosto de usufruir da companhia de um editor e não a de um
simples publicador. Entre essas duas figuras existe uma distância como a que há entre o atendimento de um
médico particular e o de um médico de convênio, aquele que examina o paciente em menos de 15 minutos.
Temo que os editores se converteram em uma espécie em vias de extinção. Me refiro àquelas espécies raras
que se envolvem com seus pacientes (porque os escritores somos vulneráveis), conduzem suas patologias, e os
acompanham durante este processo […]. Aqueles que lêem os nossos originais, como quem lê a íris,
esquadrinhando os segredos que às vezes guardamos e outras revelamos. Aqueles que não se limitam a nos
mandar um contrato com uma data de entrega e algumas provas rabiscadas em vermelho […], mas que nos
revelam o que não podemos ver por falta de distanciamento: a possibilidades e os obstáculos. Aqueles que
acreditam em seus autores, mas sem deixar seduzir-se pelas suas vaidades, nem pelo jogo de palavras. […]
Aqueles que apostam com a gente e nos dão a confiança para explorar caminhos inusitados, sem deixar que
vendamos o que poderíamos vender se repetíssemos a velha fórmula que já funcionou (e que não queremos
que siga funcionando). Aqueles que valorizam a voz dos autores e não simplesmente as cifras do mercado,
fazendo o impossível para vender os livros que entregamos. Estou pensando nessa mescla entre amigo
incondicional e impiedoso conselheiro, que nunca vê o leitor, mas cuja ausência termina refletindo-se em tantas
páginas que poderiam ser muito melhores se em vez de um publicador tivéssemos tido um editor”.
Essa longa e bela citação ajuda a iluminar a questão e coloca em cena o papel do editor que quero focar. Para
muitos talvez isto soe antigo, dado o espaço progressivamente menor desta figura tão ligada a editoras
independentes e com estreito compromisso cultural. Muitos dos grandes grupos editoriais, com estratégias
ditadas exclusivamente pelo dito mercado, contribuíram muito para o esvaziamento do papel do editor. O
coração do negócio foi deslocado da área editorial para a comercial ou de marketing, e esses departamentos
começam a ditar normatizações quantitativas, abstratas na grande maioria das vezes e muito distantes do
mundo do livro. A edição passou a estar a serviço das outras áreas – e não o contrário – e se converteu numa
cadeia de produção, onde fluxos, cronogramas, prazos e companhia se impõem em detrimento do conteúdo, da
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qualidade, da singularidade de cada livro. Afinal, a questão passou a ser a produção em série e não mais a arte
e a cultura.
O tal publicador ganhou força, muitas vezes na figura de um exímio controller de fluxos e procedimentos, que
não lê o livro que publica e não tem domínio do processo global de edição – o que no caso da literatura para
crianças e jovens é fundamental, como veremos mais adiante. Nesses casos, a pasteurização, a reprodução de
fórmulas de sucesso que precisam ser reinventadas cada vez mais rapidamente, a vida cada vez mais curta dos
livros, a busca da “novidade” pela novidade, acabam tomando o lugar do envolvimento, da criatividade, da
ousadia e da procura pela qualidade, pelo diferente. E essa busca orienta, ao contrário, todo editor.
Nem de longe sou contra controle, prazos, planejamentos, pois sem o controle da produção não é possível
entrar de forma competitiva no mercado. Do mesmo modo há algumas grandes empresas que sabem
perfeitamente o valor e a importância de preservar e manter este editor e, não por acaso, são e continuam
sendo as maiores. O x da questão não é o mercado e nem a existência dos instrumentos por ele criados, mas a
inversão de competências (tão amplamente difundidas) e de foco que, no negócio do livro, comprometem o
caráter cultural do empreendimento.
Pensemos neste editor que escuta, aposta, arrisca, se impõe contra o estabelecido. Ele imagina um livro a partir
de uma ideia, estrutura o projeto, é parceiro dos seus autores e ilustradores, e tem em mente a criança e o
jovem leitor contemporâneos. A história das editoras e dos editores é um tema pouco estudado; são poucos os
depoimentos existentes que nos ajudariam a entender e esclarecer as razões das escolhas e das apostas
constituintes da base da literatura para crianças e jovens vigente.
Mas vamos a alguns exemplos. Um dos maiores editores de literatura para crianças e jovens brasileiros tinha
muito claro a importância da comercialização (e da distribuição) para a plena realização de sua obra: “Livro não
é gênero de primeira necessidade […] é sobremesa: tem que ser posto embaixo do nariz do freguês, para
provocar-lhe a gulodice”.1 Monteiro Lobato não só fundou como alçou a literatura para crianças e jovens
brasileiros entre as melhores e se tornou exemplo de editor pioneiro de sucesso. Lobato foi um editor
reconhecidamente “revolucionário” para sua época, pois além de abrir portas para novos escritores, dinamizou
as práticas editoriais, trouxe qualidade ao livro, incorporou a cor, abriu mercado, inovou na divulgação, arriscou
e, sem dúvida, foi um dos responsáveis por dar o pontapé inicial na indústria brasileira do livro.
E como Lobato, outros grandes nomes da edição marcaram profundamente os caminhos trilhados pela literatura
infantil e juvenil de nosso tempo. Um dos exemplos mais emblemáticos é, sem dúvida, o de Ursula Nordstrom,
que trabalhou como editora chefe por mais de 30 anos (1940 – 1973) na lendária Harper & Row e foi
responsável pelas profundas mudanças na edição de literatura para crianças nos Estados Unidos, abrindo as
portas para a modernidade. O seu lema era “publicar livros bons para crianças más” e seu objetivo era libertar a
literatura infantil de todo convencionalismo e sentimentalismo barato que até então a caracterizava. Ela apostou
e bancou seus autores. Publicou os primeiros livros com os chamados temas duros – tão em voga hoje em dia –
como homossexualidade, racismo, separação.2
Só alguém afinado com as mudanças do seu tempo, na vanguarda, sensível às transformações sociais e
antevendo mudanças na estrutura familiar, e na própria infância, apostaria na inteligência das crianças e na
capacidade das crianças para absorver conteúdos até então proibidos. Devemos muito a Ursula. Ela descobriu
Maurice Sendak quando ele fazia vitrines na FAO Schwarz (onde Tom Hanks e Robert Loggia tocam piano em
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E
“Quero ser grande”). Como se fosse pouco, ela também publicou Tomi Hungerer, QuentinBlake, Arnold Lobel,
Shel Silverstein e muitos outros.
sses são, sem dúvida, dois dos grandes monstros da edição de livros infantis, exceções a quem devemos
o que há de melhor na literatura infantil e juvenil que marcou as bases da produção contemporânea. Um
no Brasil, outro nos Estados Unidos, sujeitos de épocas e histórias distintas, porém compartilhando do
mesmo respeito pelo ponto de vista das crianças e pela sua inteligência como sujeitos de seu tempo. Figuras
controversas, adversas a concessões, ambos apostaram na criatividade e na qualidade literária como meta do
fazer editorial. Por caminhos distintos, ambos gozaram da liberdade necessária para implementar seu projeto
editorial. Ambos mudaram o mercado do livro, ampliaram fronteiras.
Se essas experiências são únicas, elas também servem de inspiração e de exemplo para todos os editores. Em
praticamente todos os países há editores emblemáticos de literatura para crianças e jovens e acompanhar sua
trajetória é uma das melhores escolas deste ofício que pela sua complexidade não se resume a modelos ou
técnicas.
Mas vamos deixar isto para uma próxima.
1. CECCANTINI, João Luis, “De raro poder fecundante”, in Monteiro Lobato Livro a Livro, LAJOLO, Marisa e
CECCANTINI, João Luis, Editora UNESP e Imprensa Oficial, SP, 2008.
2. MARCUS, Leonard S., Dear Genius. The letters of Ursula Nordstrom. Organizado e editado por Leonard S.
Marcus e ilustrado por Maurice Sendak. Harper Collins, 1998.
Imagem Daniela Murgia
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SOBRE O AUTOR
Dolores Prades
É publisher da Revista Emília. Consultora
editorial. Curadora e coordenadora dos
seminarios Conversas ao Pé da Página (2010-
2015, realizado pelo Sesc-SP). Desde 2015
preside o Instituto Emília e é uma das criadoras e
coordenadoras do Laboratório Emília de
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Formação. Coordenadora no Brasil da Cátedra
Latinoamericana y Caribeña de Lectura y
Escritura. Foi professora convidada do Curso
da Universidad Autónoma de Barcelona.
Curadora de FLUPP Park em 2014 e 2015.
Membro do jurado do Prêmio Hans Christian
Andersen 2016 e do Bologna Ragazzi Award
2016.

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