Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Módulo 1 – Compreendendo a Concepção de Criança e Adolescente Apresentação do módulo Para a Organização Mundial da Saúde, a adolescência é um período da vida que começa aos 10 e vai até aos 19 anos. Já para o Estatuto da Criança e do Adolescente, esse período começa aos 12 e vai até aos 18 anos. Mesmo com definições diferentes, ambas as concepções concordam que é nesse período que acontecem importantes mudanças físicas, psicológicas e comportamentais. Neste módulo, você estudará as definições legais sobre criança e adolescente, os principais aspectos psicossociais presentes na infância e na adolescência, bem como algumas questões que concorrem para que a juventude brasileira se encontre em situação de vulnerabilidade. Objetivo do módulo Ao final do estudo deste módulo, você será capaz de: Compreender a definição de criança e adolescência na legislação brasileira; Identificar os aspectos psicossociais das fases de desenvolvimento da infância e adolescência; Refletir sobre as questões que concorrem para que a juventude brasileira se encontre em situação de vulnerabilidade. Estrutura do módulo Este módulo é formado por uma aula: Aula 1– Infância e adolescência: definições e concepções. Aula 1– Infância e adolescência: definições e concepções 1.1. Definições de criança e adolescente de acordo com a lei De acordo com a denominação do art. 2º do Estatuto da Criança e Adolescente (Lei nº 8.069/1990) temos as seguintes definições sobre criança e adolescente: Criança é a pessoa até 12 anos; Adolescente é a pessoa entre os 12 e os 18 anos de idade. A decisão de incluir na esfera de ação do Estatuto o menor de 18 anos está de acordo com a Convenção sobre os Direitos da Criança, que, como se sabe, em seu primeiro dispositivo, estabelece que, para os efeitos da mesma, "se entende por criança todo o ser humano menor de 18 anos". Importante – O mencionado art. 2º contém uma exceção, quando disposto na lei, prevendo que o Estatuto é aplicável aos que se encontram entre os 18 e os 21 anos (p. ex., prolongamento da medida de internação até os 21 anos e assistência judicial – não representação – para os maiores de 16 e menores de 21 anos, previstos nos arts. 121 e 142). 1.2. A criança e a importância da primeira infância A criança é um ser em pleno desenvolvimento e não um adulto em miniatura. Todas as vivências da infância estão interligadas com a forma do seu desenvolvimento futuro, no qual a inteligência e o afeto têm uma relação de causa e efeito. O papel dos pais e professores é fundamental para o desenvolvimento de um adulto saudável. A atenção integral à criança, com amor e imposição de limites, possibilita o seu crescimento com segurança para que se torne um adulto integrado socialmente. Contudo, a realidade da maior parcela da população brasileira é incompatível com essas necessidades do desenvolvimento infantil. Estudos científicos comprovam que o desenvolvimento humano possui uma fase primordial, denominada 1ª infância, que compreende o período do nascimento até o sexto ano de vida. Nessa fase, o desenvolvimento cerebral é mais rápido, sofrendo influências dos fatores biológicos, psicossociais, herança genética e pela qualidade do ambiente em que se vive e se convive. Esse processo define o desenvolvimento cognitivo e sócio emocional do ser humano, podendo afetar a capacidade estrutural e funcional que ele terá na vida adulta. De acordo com o UNICEF (2005), a primeira infância é um excelente investimento. Essa afirmativa está baseada em estudo feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em 2000. O estudo aponta que uma criança que freqüentou pelo menos dois anos de creche ou pré-escola, quando adulta, tem seu poder de compra aumentado em 18%,pois a atenção integral a essa faixa etária interfere no sucesso escolar, no desenvolvimento de fatores de resiliência e autoestima, na formação das relações e da autoproteção requeridas para independência econômica e no preparo para a vida familiar. 1.3. Adolescência Segundo H. Bee (1997), a adolescência é um período (dos 12 aos 20 anos) de mudanças da puberdade e um período de transição entre a infância e a adoção completa de um papel adulto. Adolescência inicial (11 ou 12 anos): o Período de transição, dominado pela assimilação, no qual acontecem mudanças significativas em todos os aspectos do funcionamento da criança. Adolescência final (16 ou 17 anos): o Período de consolidação e acomodação, quando o jovem estabelece uma nova identidade coesa, novos padrões de relacionamento social, com compromissos de papel mais claro. Ajustando as definições entre adolescência e juventude – Se o termo infância nos remete aos termos criança e adolescência, que se encontram referenciados por fortes indicadores físicos e fisiológicos, o termo juventude é muito mais recente e nos remete a definições socialmente delimitadas (...) o conceito juventude resumiria uma categoria essencialmente sociológica, que indicaria o processo de preparação para os indivíduos assumirem o papel de adultos na sociedade, tanto no plano familiar quanto no profissional, estendendo-se dos 15 aos 24 anos, ou 15 a 29, no entendimento das instituições brasileiras. (Mapa da Violência, 2010, p.12). 1.4. Adolescência e o contexto brasileiro: espaço de vulnerabilidade O adolescente vive conflitos afetivos. Deseja ser aceito pelos adultos e pelos amigos (referencial). Começa a estabelecer a sua moral, que é referenciada conforme amoral do grupo. Importante – A conformidade com o grupo torna-se muito importante para o adolescente que precisa ser aceito nele. Por isso, ele tende a buscar a consolidação da auto-imagem e o estabelecimento de uma identidade pessoal. Entretanto, essa fase conflituosa é agravada no contexto brasileiro, sobre o qual Oliveira (2001) considera: Em primeiro lugar, o fato de que nesta “onda jovem” predominam sujeitos de baixa renda, seja porque 63% dos brasileiros estão localizados em famílias consideradas miseráveis, despossuídas ou pobres1, seja porque a taxa de fecundidade2 nestes segmentos é bem maior. Em segundo lugar, observa-se que, no mínimo, 1/3 deste total de jovens que vivem no patamar mais baixo da pirâmide social está concentrado em áreas mais carentes de equipamentos, como é o caso das cidades nordestinas ou dos municípios pequenos de outras regiões do Brasil, com poucas alternativas de desenvolvimento econômico e que ficam de fora dos programas nacionais da área social ou são alvo apenas de medidas paliativas. A juventude da periferia encontra-se em situação de maior vulnerabilidade em função da falta de condições apropriadas ao desenvolvimento da criança e do adolescente, bem como das condições de inserção na sociedade atual, baseada na cultura da competição e do consumo. Oliveira (2001) diz que: 1 Ver o arquivo “Informação 1” em anexo na plataforma. 2 Ver o arquivo “Informação 2” em anexo na plataforma. Trabalhamos com o argumento de que, quanto mais desigual for uma nação, maiores serão suas taxas de violência e de criminalidade. Logo, a questão não pode ser apresentada a partir de qualquer relação de causalidade com a miséria em si mesma, na medida em que muitas nações extremamente pobres, mas com menor desigualdade social, possuem indicadores de violência reduzidos. Refletindo sobre a questão – Tendo em vista que o Estado e a sociedade brasileira não cumprem a legislação no que tange à priorização da infância e da juventude, como esperar que o jovem cumpra obrigações mediante a cassação de seus direitos e da sua cidadania? Após refletir, leia a entrevista Medo e Insegurança a Vida com Carmem Silveira de Oliveira, psicóloga e professora na Unisinos, São Leopoldo, RS, que aborda sobre os jovens em situação de risco. Para ampliar seu conhecimentosobre o tema, assista PROFISSÃO REPÓRTER “Jovens em Perigo”, exibido no dia 01/09/2009, terça-feira. No Profissão Repórter da terça-feira, 1º de setembro, Caco Barcellos e sua equipe passaram 48 horas em três cidades com o maior índice de assassinato de jovens no Brasil. Os repórteres Mariane Salerno e Caio Cavechini esteve em Foz do Iguaçu, a cidade número 1 no ranking de adolescentes vítimas da violência. Por que eles morrem e matam tanto na fronteira? Thaís Itaqui e Felipe Gutierrez passaram o fim de semana no Espírito Santo, estado com três cidades incluídas entre as 10 mais perigosas para jovens. E Caco Barcellos percorreu a Grande Recife e mostrou a rotina de medo e dor numa das regiões mais violentas do Nordeste brasileiro. 1º Bloco | 2º Bloco Finalizando... Neste módulo, você estudou que: De acordo com o ECA, criança é a pessoa até 12 anos e adolescente é a pessoa entre os 12 e os 18 anos de idade. Estudos científicos comprovam que o desenvolvimento humano possui uma fase primordial, denominada 1ª infância, que compreende o período do nascimento até o sexto ano de vida. Nessa fase, o desenvolvimento cerebral é mais rápido, sofrendo influências dos fatores biológicos, psicossociais, herança genética e pela qualidade do ambiente em que se vive e se convive. Esse processo define o desenvolvimento cognitivo e sócio emocional do ser humano, podendo afetar a capacidade estrutural e funcional que ele terá na vida adulta. A conformidade com o grupo torna-se muito importante para o adolescente que precisa ser aceito nele. Por isso, ele tende a buscar a consolidação da auto-imagem e o estabelecimento de uma identidade pessoal. A juventude da periferia se encontra em situação de maior vulnerabilidade em função da falta de condições apropriadas ao desenvolvimento da criança e do adolescente, bem como das condições de inserção na sociedade atual, baseada na cultura da competição e do consumo. Módulo 2 – O Estatuto da Criança e do Adolescente Apresentação do módulo Neste módulo você estudará o que é o Estatuto da Criança e do Adolescente, seus antecedentes históricos – legislação – diretivas internacionais de proteção, além da sistemática de garantias dos direitos das crianças e adolescentes e dados sobre violência e mortalidade de crianças e adolescentes no contexto brasileiro. Objetivos do módulo Ao final do estudo deste módulo, você será capaz de: Analisar os antecedentes históricos da proteção à criança e ao adolescente; Compreender, de forma desmistificada, o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei n° 8.069, 13 de julho de 1990) e apreender sua aplicação, no sentido de garantir o respeito aos direitos da criança e do adolescente; Identificar os sistemas de garantias dos direitos das crianças e adolescentes; Relacionar as medidas protetivas e socioeducativas aos referidos artigos do ECA; Analisar dados sobre a violência e a mortalidade entre crianças e adolescentes. Estrutura do módulo Este módulo é formado por três aulas: Aula 1– Antecedentes históricos e principais instrumentos normativos de defesa da criança e do adolescente em âmbito nacional e internacional. Aula 2– Compreendendo o ECA –sistemática de garantias. Aula 3 – Violência e mortalidade. Aula 1 – Antecedentes históricos e principais instrumentos normativos de defesa da criança e do adolescente em âmbito nacional e internacional. 1.1. Antecedentes históricos – diretivas internacionais de proteção Segundo Mendes (2009), podem ser apontados histórica e cronologicamente fatos e alguns instrumentos normativos que fundamentam a doutrina da proteção integral, em âmbito nacional e internacional, acerca dos Direitos da Criança, conforme se segue: 1919: A Sociedade das Nações cria o Comitê de Proteção da Infância. A existência desse Comitê faz com que os Estados não sejam os únicos soberanos em matéria dos direitos da criança. 1923: EglantyneJebb (1876-1928), fundadora da SavetheChildren, formula junto com a União Internacional de Auxílio à Criança a Declaração de Genebra sobre os Direitos da Criança, conhecida por Declaração de Genebra. 1924: A Sociedade das Nações adota a Declaração de Genebra. 1927: Durante o IV Congresso Panamericano da Criança, dez países americanos (Argentina, Bolívia, Brasil, Cuba, Chile, Equador, Estados Unidos, Peru, Uruguai e Venezuela) subscrevem a ata de fundação do Instituto Interamericano da Criança (IIN –Instituto Interamericano delNiño– hoje vinculado à OEA e estendido à adolescência), organismo destinado à promoção do bem-estar da infância e da maternidade na região. 1946: O Conselho Econômico e Social das Nações Unidas recomenda a adoção da Declaração de Genebra. Logo após a II Guerra Mundial um movimento internacional se manifesta a favor da criação do Fundo Internacional de Emergência das Nações Unidas para a Infância –UNICEF. 1948: A Assembléia Geral das Nações Unidas proclama a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Nela os direitos e liberdades das crianças e adolescentes estão implicitamente incluídos. 1959: A Declaração dos Direitos da Criança é adotada por unanimidade. Entretanto, esse texto não é de cumprimento obrigatório para os estados-membros. 1979: Celebra-se o Ano Internacional da Criança. São realizadas atividades comemorativas ao vigésimo aniversário da Declaração dos Direitos da Criança. 1983: Diversas ONGs se organizam para elaborar uma Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, possuindo o estatuto de consulta junto à ONU. 1989: A Convenção sobre os Direitos da Criança é adotada pela Assembléia Geral da ONU e aberta à subscrição e ratificação pelos Estados. 1990: Celebra-se a Cúpula Mundial de Presidentes em favor da infância. Nesta cúpula se aprova o Plano de Ação para o decênio 1990-2000, o qual serve de marco de referência para os Planos Nacionais de Ação para cada Estado parte da Convenção. 1990: No Brasil é promulgado o Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8.069/90, de 13 de junho de 1990 (ECA). 2001: É celebrado o Ano Interamericano da Infância e Adolescência. As primeiras discussões acerca dos direitos da criança se deram no início do século XX, por parte da extinta Liga das Nações e da Organização Internacional do Trabalho (OIT), preocupadas com a situação da infância no mundo. Essas discussões provocaram a adoção de três Convenções pela OIT com o objetivo de abolir ou regular o trabalho infantil em 1919 e 1920, e a criação de um comitê especial pela Liga das Nações que tratava das questões relativas à proteção da criança e da proibição do tráfico de crianças e mulheres. Da mesma forma, na Declaração de Genebra, de 1924, já se nota a preocupação internacional em assegurar os direitos de crianças e adolescentes (Mendes, 2009). Entretanto, foi somente depois do fim da Segunda Guerra Mundial, com a criação da ONU e sua subsidiária –UNESCO– a partir da década de 1950, que os países passaram a mais detidamente debruçar-se sobre a situação das crianças e adolescentes. A Declaração dos Direitos da Criança (Resolução da Assembléia Geral da ONU de 20/11/1959) estabeleceu que a criança precisa de proteção e cuidados especiais, inclusive proteção legal apropriada, antes e depois do nascimento, em decorrência de sua imaturidade física e mental. O princípio 9° enfatiza que “a criança gozará proteção contra quaisquer formas de negligência, crueldade e exploração”. Essa proteção foi baseada na premissa da necessidade de proteção à criança, estabelecida pela Declaração Universal dos Direitos Humanos e pela Declaração dos Direitos da Criança em Genebra, de 1924. A Declaração de 59 foi sendo aprimorada com as chamadas: 1. "Regras de Beijing”, de 1985 – que estabeleceram Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça da Infânciae da Juventude; 2. Regras Mínimas das Nações Unidas para a Elaboração de Medidas não Privativas de Liberdade (Regras de Tóquio), adotadas pela Assembléia Geral das Nações Unidas na sua resolução 45/110, de 14 de dezembro de 1990; e 3. As "Diretrizes de Riade", de 1990, que estabeleceram as Diretrizes das Nações Unidas para a Prevenção da Delinqüência Juvenil; Nesse campo considera-se que o avanço mais significativo para as Nações, em termos de efetivação da garantia de direitos das crianças, ocorreu a partir da Convenção sobre os Direitos das Crianças – Resolução nº. 44/25 da Assembléia Geral da ONU em 20/11/1989. Importante – De acordo com Mendes (2009), sobre as conquistas da Convenção de 1989, pode ser citada a consolidação da Doutrina da Proteção Integral da Criança, cuja origem se encontra textualmente na Declaração Universal dos Direitos da Criança (1959). No preâmbulo, a Doutrina traz o reconhecimento da necessidade de um sistema de proteção diferenciado para a criança, dando-lhe prerrogativas e privilégios concernentes à seguridade social, educação, trabalho, convívio, a fim de proporcionar-lhe condições favoráveis ao seu desenvolvimento saudável. Essa autora destacou alguns artigos da Convenção sobre os Direitos da Criança que trazem o conceito de criança (como é o caso do art. 1º) e estabelecem as responsabilidades da proteção especial a esse sujeito em desenvolvimento: Artigo 3º: Todas as decisões que digam respeito à criança devem levar em conta o seu interesse superior. O Estado deve garantir cuidados adequados à criança, quando os pais ou outras pessoas responsáveis por ela não tenham capacidade para fazê-lo. Artigo 6º: Todas as crianças têm o direito inerente à vida, e o Estado tem obrigação de assegurar a sua sobrevivência e seu desenvolvimento. Artigo 19: O Estado deve proteger a criança contra todas as formas de maus tratos por parte dos pais ou de outros responsáveis pelas crianças e estabelecer programas sociais para a prevenção dos abusos e para tratar as vítimas. 1.2. O contexto brasileiro: o nascimento da doutrina de proteção integral No Brasil, a partir dos anos 80, por ocasião da redemocratização, as pressões dos movimentos sociais em defesa da infância, em torno da Assembléia Constituinte, marcaram uma das maiores conquistas pelos direitos da criança: a incorporação de uma nova visão sobre a infância na Carta Magna. Na Assembléia Constituinte, um grupo de trabalho sobre a temática da criança e do adolescente incluiu um artigo na Constituição da República de 88, introduzindo a doutrina da proteção integral à criança, preconizada nos tratados internacionais da ONU, no direito brasileiro: Art.227- É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Constituição Federal, 1988). Ao romper definitivamente com a doutrina da situação irregular, até então admitida pelo Código de Menores (Lei 6.697, de 10.10.79), e estabelecer como diretriz básica e única no atendimento de crianças e adolescentes a doutrina de proteção integral, o legislador pátrio agiu de forma coerente com o texto constitucional de 1988 e documentos internacionais aprovados com amplo consenso da comunidade das nações. É nesse sentido que a Constituição Federal de 1988, pela primeira vez na história brasileira, aborda a questão da criança como prioridade absoluta, tornando sua proteção dever da família, da sociedade, do Estado. Se é certo que a própria Constituição Federal proclamou a doutrina da proteção integral, revogando implicitamente a legislação em vigor à época, o país clamava por um texto infraconstitucional consoante com as conquistas da Carta Magna. Aula 2–Compreendendo o Estatuto da Criança e Adolescente – sistemática de garantias 2.1. O ECA Como você estudou na aula anterior, a CF/88 proclamou a doutrina de proteção integral,estabelecendo a co-responsabilidade entre: família – sociedade – Estado. Mas o país clamava por um texto específico, infraconstitucional que traduzisse essa doutrina. Nesse sentido nasceu a Lei nº. 8.069, de 13 de julho de 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), elaborada por uma comissão formada por representantes da sociedade civil, juristas e técnicos dos órgãos governamentais, com a participação fundamental do Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua (MNMMR) e da Pastoral da Criança. Importante – O ECA é a lei que reconhece a criança e o adolescente como sujeito de direitos em nosso país, defendendo o seu interesse superior. Composto por 267 artigos, o referido documento, no Brasil, é um marco histórico em termos dos direitos infanto-juvenis. A prioridade absoluta que preceitua o artigo 227 da CF/1988 foi reafirmada no seu art. 4º. Senão vejamos: Art. 4º. É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende: a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude. A sistemática do ECA ressalta, dentre o rol dos direitos fundamentais que estão interligados, o direito à vida e à saúde e em seu art. 7º preconiza: “Art. 7º. A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.” O direito à vida possibilita a concretização dos outros direitos, como direito à educação, ao esporte e ao convívio familiar. Assim, a proteção à vida e à saúde permeia todas as políticas públicas voltadas à criança e ao adolescente. Refletindo sobre a questão – A realização desse artigo implica a reformulação das prioridades nacionais tanto no nível da sociedade como, principalmente, do Estado. Passa a ser prioridade o gasto público com as crianças e adolescentes, de modo a garantir-lhes condições plenas de vida. (Comentário de Herbert de Souza sobre o Artigo 7º do ECA.) Na sua opinião, essa prioridade está sendo seguida? 2.2. O ECA e os sistemas de garantias Conforme Saraiva (2005), no ECA encontram-se os fundamentos dos três grandes sistemas de garantias (primário, secundário e terciário) que estabeleceram as diretrizes para uma política pública que prioriza as crianças e os adolescentes, reconhecendo a sua condição de pessoa em processo de desenvolvimento. São eles: Sistema primário – refere-se às políticas públicas de caráter universal para atendimento a toda população infanto-juvenil brasileira sem quaisquer distinções (traduzido especialmente pelos arts. 4º, 86 e 87, do ECA). Art. 4º. É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende: a) primazia de receber proteção e socorroem quaisquer circunstâncias; b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude. Art. 86. A política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente far-se-á através de um conjunto articulado de ações governamentais e não governamentais, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Art. 87. São linhas de ação da política de atendimento: I. políticas sociais básicas; II. políticas e programas de assistência social, em caráter supletivo, para aqueles que deles necessitem; III. serviços especiais de prevenção e atendimento médico e psicossocial às vítimas de negligência, maus-tratos, exploração, abuso, crueldade e opressão; IV. serviço de identificação e localização de pais, responsável, crianças e adolescentes desaparecidos; V. proteção jurídico-social por entidades de defesa dos direitos da criança e do adolescente”. Sistema secundário– possui natureza preventiva e abrange as medidas de proteção dirigidas a crianças e adolescentes em situação de risco pessoal ou social que sejam vítimas, cujos direitos fundamentais foram violados (especialmente os arts. 98 e 101). Essas medidas protetivas são aplicáveis às crianças e adolescentes vitimados. Art. 98. As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados: I. por ação ou omissão da sociedade ou do Estado; II. por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável; III. em razão de sua conduta. Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas: I. encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade; II. orientação, apoio e acompanhamento temporários; III. matrícula e freqüência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental; IV. inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente; V. requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; VI. inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos; VII. acolhimento institucional; VIII. inclusão em programa de acolhimento familiar; IX. colocação em família substituta. (Parágrafos 1º. ao 12 – ver no texto oficial) Sistema terciário – trata das medidas socioeducativas destinadas a adolescentes em conflito com a lei por terem cometido atos infracionais, ou seja, aqueles que passam da condição de vitimizados a vitimizadores (refletido especialmente nos arts. 103 e 112. Art. 103. Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal. Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas: I. advertência; II. obrigação de reparar o dano; III. prestação de serviços à comunidade; IV. liberdade assistida; V. inserção em regime de semi-liberdade; VI. internação em estabelecimento educacional; VII. qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI. § 1º A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração. § 2º Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a prestação de trabalho forçado. § 3º Os adolescentes portadores de doença ou deficiência mental receberão tratamento individual e especializado, em local adequado às suas condições. Pela legislação brasileira, o direito à proteção especial às crianças e adolescentes abrange os aspectos relativos ao trabalho, como idade mínima de 14 anos para a admissão, aquisição de direitos trabalhistas e previdenciários; garantia de acesso do trabalhador adolescente à escola; conhecimento da atribuição de ato infracional com defesa técnica por profissional qualificado; respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, obedecendo aos princípios da excepcionalidade na aplicação de medidas privativas de liberdade; estímulo do poder público para o acolhimento por guarda de órfãos ou abandonados; acesso a programas de prevenção e atendimento especializado aos dependentes químicos. Além disso, a lei prevê a punição contra abuso, a violência e a exploração sexual infanto-juvenil. Importante – O ECA (Lei nº. 8069/1990) prevê a aplicação das medidas protetivas, mediante a ameaça ou violação a direitos, pela ação ou omissão da sociedade ou do Estado, por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsáveis pelas crianças e adolescentes. O acionamento do sistema secundário de prevenção, enquanto medida de proteção da criança ou adolescente vitimizado tem caráter preventivo da delinqüência. As medidas específicas de proteção também são aplicáveis à conduta conflitante com a lei, nas hipóteses previstas no art. 98 do ECA. Contudo, tais medidas devem levar em conta as necessidades pedagógicas, visando o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários, o que comumente tem se distanciado da prática das instituições responsáveis e do poder público. Segundo Saraiva (2005), mediante alguma falha do sistema primário de prevenção, o sistema secundário é acionado para proteger a criança ou adolescente, por meio do Conselho Tutelar. No caso de adolescente em conflito com a lei ou de ato infracional atribuído a este, são determinadas as medidas socioeducativas do terceiro sistema de prevenção, através da intervenção da Polícia, do Ministério Público, Defensoria e órgãos executores das medidas socioeducativas. Investigando a realidade – As políticas de atendimento à criança e ao adolescente são hoje temas importantes das agendas dos governos estaduais e municipais. Procure saber em seu estado e município quais ações e projetos estão sendo realizados para implementação dessa política. Aula 3 – Violência e mortalidade Apesar da priorização absoluta dos direitos das crianças e dos adolescentes, da clareza das regras da proteção integral no sistema jurídico brasileiro, a atenção do Estado dada a estes sujeitos ainda é deficitária e por vezes, incongruente com o arcabouço normativo construído no âmbito nacional e internacional. A realidade da infância e da juventude brasileira se configura numa problemática de violações de direitos fundamentais enfrentada cotidianamente, dos quais se destacam, além de diversos tipos de violência, os seguintes problemas: - a mortalidade infantil e juvenil; - a exploração do trabalho infantil; - o tráfico e a exploração sexual infanto-juvenil. Diante da legislação mais avançada acerca dos direitos da criança e do adolescente, o que se observa é que há muito ainda o que fazer, em especial para a implementação dos dispositivos contidos nos principais tratados internacionais, dos quais o Brasil é signatário e que orientaram a legislação sobre os direitos da criança para a consolidação de políticas públicas que garantam a proteção integral: a Declaração Universal dos Direitos da Criança e a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança. Desde os anos 1990, muitos foram os avanços em termos da concepção da proteção integral à criança, da criação de um sistema de garantias, dos investimentos em programas governamentais na área de saúde e educação que apresentaram reduções nas taxas de mortalidade, analfabetismo e desnutrição da população infantil. Em vista da realização da 8ª Conferência Nacional da Criança e do Adolescente, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) disponibilizou um texto-base para que municípios e estados aprofundassem o debate sobreos eixos prioritários dessa conferência. Entre os eixos, consta a “Proteção e Defesa no Enfrentamento das Violações de Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes” que expressa a preocupação do Conselho com o crescimento das denúncias de diversas violências e violações contra crianças e adolescentes na mídia. Através do Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (VIVA) do Ministério da Saúde, no período de 2006-2007, os dados demonstraram que crianças e adolescentes estão expostos às mais variadas formas de violência em 27 unidades da federação. Além de tantos estudos que demonstram o recrudescimento das violências, constata-se que os altos índices de letalidade possuem um recorte etário, étnico, econômico e de gênero, sendo vitimados majoritariamente jovens do sexo masculino, negros e pobres residentes em comunidades periféricas. Conforme Mendes (2009), das condições de vida da população infanto-juvenil, focaliza-se a mortalidade, que no Brasil apresenta-se com os seguintes indicadores descritos pela Agência de Notícias dos Direitos da Infância (ANDI, 2007): a) Mortalidade infantil: i. A taxa de mortalidade infantil no País é de 21,1 mortes por mil nascidos vivos, a terceira maior da América Latina, atrás da Bolívia e da Guiana. O índice brasileiro é considerado médio pelos critérios da OMS. Contudo, em alguns estados é bem mais elevado, como em Alagoas (44,4 por mil), Maranhão (32,7) e Paraíba (34). ii. Acidentes e agressões, juntos, são a primeira causa de morte de meninos e meninas com até seis anos no País, de acordo com a Análise da Violência Contra a Criança e o Adolescente, do Unicef. A pesquisa A Ponta do Iceberg, do Laboratório de Estudos da Criança da Universidade de São Paulo (Lacri), estima que apenas 10% dos casos de violência intrafamiliar chegam a ser conhecidos. b) Mortalidade juvenil: Os jovens de 15 a 24 anos continuam sendo as maiores vítimas de homicídio, conforme aponta o Mapa da Violência 2006 – Os Jovens do Brasil, da Organização dos Estados Ibero- Americanos para a Educação, a Ciência e Cultura (OEI). O estudo, que abrange o período de 1994 a 2004 com base em dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde, revela que aconteceram 175.548 assassinatos no período. De toda a população dessa faixa etária no País, 39,7% são atingidos pela violência letal. A situação é mais grave nos estados de Pernambuco, Rio de Janeiro e Espírito Santo, onde metade dos jovens foram alvos de mortes violentas na década analisada. Outro dado apontado pela OEI é de que os homicídios cresceram 48,4% no geral da população, mas o acréscimo foi de 64,2% entre os jovens. No principal grupo de risco estão os adolescentes do sexo masculino, afro descendentes que residem em bairros pobres ou nas periferias das metrópoles, com baixa escolaridade e pouca qualificação profissional. Ampliando seu conhecimento – Apesar dos dados apresentados acima serem do Mapa da Violência 2006, eles são bastante significativos, pois fazem parte da série intitulada “Os Jovens do Brasil” que tinha como foco a mortalidade violenta da faixa jovem. De 2006 a 2010 os dados, além de serem atualizados, ganharam outros recortes: os dados são apresentados por unidades federativas, capitais, regiões metropolitanas e municípios, conformando um dos capítulos do Mapa da Violência 2010 e possibilitando outras análises sobre a questão. Acesse o mapa na íntegra nos materiais complementares. Segundo o UNICEF, é significativo o número de mortes de crianças com menos de sete anos de idade por causas não especificadas: de acordo com o Sistema de Informação de Mortalidade do Ministério da Saúde, em 2003, representou 32,5% entre todas as causas externas (intoxicação, sequelas de queimadura, operações de guerra, entre outros). A tabela abaixo aponta que, no período pesquisado, as mortes por acidentes de transportes concentram os índices mais altos em todas as faixas etárias entre menores de um ano e 19 anos. Entretanto, as causas externas não especificadas acometeram um percentual considerável de crianças menores de um ano (58,24%). A falta de especificação se deve à forma da apresentação e classificação e não à irrelevância dos dados. 1 Finalizando... Neste módulo, você estudou que: Segundo Mendes (2009), podem ser apontados histórica e cronologicamente fatos e alguns instrumentos normativos que fundamentam a doutrina da proteção integral, em âmbito nacional e internacional, acerca dos Direitos da Criança. No Brasil, a Constituição Federal de 1988, pela primeira vez na história brasileira, aborda a questão da criança como prioridade absoluta, tornando sua proteção dever da família, da sociedade e do Estado(Art. 227). A Lei nº. 8.069, de 13 de julho de 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é a lei que reconhece esse público como sujeito de direitos em nosso país, defendendo o seu interesse superior. 1 Fonte: UNICEF (2005) Apesar da priorização absoluta dos direitos das crianças e dos adolescentes, da clareza das regras da proteção integral no sistema jurídico brasileiro, a atenção do Estado dada a esses sujeitos ainda é deficitária e, por vezes, incongruente com o arcabouço normativo construído no âmbito nacional e internacional. Módulo 3–Adolescentes em Conflito com a Lei Apresentação do módulo Neste módulo, você estudará sobre o que é ato infracional, a questão da inimputabilidade penal, além de refletir sobre o tema da redução da maioridade penal. Objetivos do módulo Ao final do estudo deste módulo, você será capaz de: Compreender o que é ato infracional e distingui-lo de crime e contravenção penal, além de apreender a sistemática da punição dos atos infracionais; Distinguir a aplicação da legislação à criança e ao adolescente infrator; Compreender o que significa inimputabilidade penal e distingui-la de impunidade; Refletir a respeito da redução da maioridade penal no país; Analisar os sistemas de responsabilização adotados em outros países. Estrutura do módulo Este módulo é formado por três aulas: Aula 1–Adolescentes em conflito com a lei. Aula 2–A Imputabilidade Penal pelo Mundo: Estudo de Direito Comparado. Aula 3–A redução da maioridade penal. Aula 1–Adolescentes em conflito com a lei A questão fundamental não é saber o que faz do jovem um “infrator da lei”, mas sim analisarmos o porquê de adolescentes e crianças, que são as principais vítimas, poderem ser também autores de infrações penais. Segundo o Manual para a Medição dos Indicadores da Justiça Juvenil (2006) do Escritório de Drogas e Crime da Unicef, as causas sociais subjacentes que levam crianças a estarem em conflito com a lei incluem pobreza, lares destruídos, falta de educação e oportunidades de emprego, migração, drogas ou mau uso de substâncias, pressão de pares, falta de orientação parental, violência, abuso e exploração. Nesse sentido, reforça-se importância de se ter as políticas de prevenção da violência integradas com as políticas de repressão da criminalidade, em especial quando se trata de crianças e adolescentes. 1.1. A inimputabilidade penal e o ECA A idade da responsabilidade criminal ou maioridade penal é a idade a partir da qual um indivíduo pode ser responsabilizado penalmente por seus atos. A maioridade penal pode ser diferente da maioridade civil, que consiste nas idades mínimas necessárias para dirigir, trabalhar e casar. De acordo com o referido manual da Unicef, a idade da responsabilidade criminal está entre 7 e 18 anos nos países pesquisados, uma vez que a maioridade penal pode variar em cada país de acordo com sua jurisdição própria. Existem países que utilizam mais de uma idade de responsabilidade criminal, conforme a categoria do ato infracional cometido.O Manual explica que: Quando a idade de responsabilidade criminal for especialmente elevada – 17 ou 18 anos – é possível que o sistema de justiça juvenil do país seja voltado basicamente para o bem-estar. Sob tal sistema, as crianças não são descritas como tendo cometido um ato infracional, visto que tal comportamento por parte das crianças é percebido como uma questão de bem-estar, social ou educacional. Mesmo assim, estes tipos de sistema ainda assim podem condenar crianças à privação de liberdade em instituições tais como estabelecimentos educacionais fechados. [...] Quando a idade de responsabilidade criminal é menor, é mais provável que os sistemas nacionais utilizem juizados e tribunais de menores. No Brasil, a idade da responsabilidade penal é a partir de 18 anos, pois a legislação brasileira determina que as pessoas abaixo dessa idade são penalmente inimputáveis, ou seja, não podem ser condenadas pela prática de crimes ou contravenções penais. A maioridade penal foi definida no artigo 271 do Código Penal e reforçada pelos artigos 2282da CF/88 e 1043 do ECA. Importante – Segundo Saraiva (2005), o desconhecimento sobre o sistema de responsabilidade penal juvenil contido no ECA favorece uma confusão acerca dos conceitos de inimputabilidade penal e impunidade, ocasionando o pleito de que o sistema penal adulto seja estendido ao adolescente em conflito com a lei, bem como de se reduzir a idade de imputabilidade penal, desprezando inclusive o dispositivo constitucional. Ocorre que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) foi concebido com o objetivo de garantir legalmente as condições necessárias para o desenvolvimento pleno das crianças e dos adolescentes que necessitam de proteção diferenciada, especializada e integral. Todavia, o ECA contém os mecanismos de responsabilização penal dos infratores, de modo pedagógico e retributivo, por intermédio das medidas socioeducativas. Esse modelo de responsabilização penal do adolescente possibilita a aplicação de sanções aptas a interferir, limitar e até suprimir temporariamente a liberdade com um caráter socioeducativo e uma essência retributiva. Santos (2002) afirma que, É verdade que ao criar as medidas sócio-educativas, o legislador tentou dar um tratamento diferenciado aos menores, reconhecendo neles a 1Art. 27. Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial. 2Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial. 3Art. 104. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às medidas previstas nesta Lei. Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, deve ser considerada a idade do adolescente à data do fato. condição peculiar de pessoas em desenvolvimento. Nessa linha, as medidas deveriam ser aplicadas para recuperar e reintegrar o jovem à comunidade, o que lamentavelmente não ocorre, pois ao serem executadas transformam-se em verdadeiras penas, completamente inócuas, ineficazes, gerando a impunidade, tão reclamada e combatida por todos. De acordo com Colpani (2003), as Regras de Beijing, recomendadas no 7º Congresso das Nações Unidas sobre prevenção de delito e tratamento do delinqüente, realizado em Milão (1985), e adotadas pela Assembléia Geral em 29.11.85, estabeleceram uma orientação acerca da necessidade de promover o bem-estar da criança e do adolescente, bem como de sua família, disponibilizando a Justiça da Infância e da Juventude como parte integrante do processo de desenvolvimento de cada país. Assim, a Regra 7 prevê: Respeitar-se-ão as garantias processuais básicas em todas as etapas do processo, como a presunção de inocência, o direito de ser informado das acusações, o direito de não responder, o direito à assistência judiciária, o direito à presença dos pais ou tutores, o direito à confrontação com testemunhas e a interrogá-las e o direito de apelação ante uma autoridade superior. Em relação aos estudos sobre o perfil do adolescente infrator, Colpani (2003) afirma que “depreende-se assim que os motivos que levam o adolescente a cometer atos infracionais resultam dos problemas econômicos, sociais e culturais, bem como pela influência de amigos, a evasão escolar, o uso de drogas e a pobreza, indicando assim as áreas que as políticas públicas devem atuar com maior urgência”. Considerando a realidade brasileira e o contexto dos serviços de atendimento socioeducacional, a autora defende que a aplicação de medidas socioeducativas esteja interligada ao contexto social, político e econômico no qual o adolescente está inserido. Para reintegrá-lo à sociedade, com vistas a diminuir a reincidência e a prática de atos infracionais cometidos por adolescentes, é preciso que o Estado promova políticas públicas infanto-juvenis que garantam os direitos à convivência familiar e comunitária, à saúde, à educação, à cultura, esporte e lazer, bem como aos demais direitos universalizados. Importante – Inimputabilidade é diferente de impunidade. 1.2. O ato infracional atribuído à criança e ao adolescente De acordo com o art. 103 do ECA, ato infracional é a conduta descrita na lei correlata a crime ou contravenção penal praticada por criança ou adolescente. Importante – Tanto crianças como adolescentes poderão cometer ato infracional. Entretanto, as conseqüências é que serão diferentes, uma vez que as medidas adotadas sempre terão, também, um caráter protetivo. Quando a criança ou adolescente pratica um ato infracional, haverá um tratamento diferenciado para cada um deles, não obstante possa ocorrer a mesma conduta ilícita. Na verdade, a distinção entre criança e adolescente tem importância no Estatuto, posto que, não obstante usufruírem dos mesmos direitos fundamentais, recebem medidas diferenciadas na hipótese de ocorrência de ato infracional. Assim, de acordo com o art. 105, do ECA, às crianças (menores de 12 anos – art. 2º) que cometerem ato infracional serão aplicadas as medidas protetivas previstas no art. 101, que implicam num tratamento, através da sua própria família ou da comunidade, sem que ocorra privação de liberdade. São elas: I. encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade; II. orientação, apoio e acompanhamento temporários; III. matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental; IV. inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente; V. requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; VI. inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos; VII. acolhimento institucional; VIII. inclusão em programa de acolhimento familiar; IX. colocação em família substituta. Importante – Se uma criança for acusada de cometer um ato infracional, deve ser encaminhada ao Conselho Tutelar. Caso este não exista, ela deve ser conduzida ao Juiz da Infância e da Juventude ou aquele que exerça essa função. Quando um ato infracional for atribuído a um adolescente (de doze a 18 anos – art. 2º, Lei 8.069/90), nos termos do art. 112do ECA, este ficará sujeito às medidas socioeducativas previstas no capítulo IV desse diploma legal e, cumulativamente, às medidas de proteção do artigo 101. Reveja o que dispõe o art. 112: Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas: i. advertência; ii. obrigação de reparar o dano; iii. prestação de serviços à comunidade; iv. liberdade assistida; v. inserção em regime de semiliberdade; vi. internação em estabelecimento educacional; vii. qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI. Vejao que significa cada uma das medidas socioeducativas: Advertência– Pode ser conceituada como a admoestação verbal aplicada pela autoridade judicial e reduzida a termo. Nesse ato devem estar presentes o juiz e o membro do Ministério Público. Na advertência, o juiz normalmente conversa com o adolescente sobre os atos cometidos e produz um documento sobre o ocorrido. Obrigação de reparar o dano – Ao estabelecer essa medida, a autoridade judicial poderá determinar, se for o caso, que o adolescente restitua o objeto, promova o ressarcimento do dano ou compense o prejuízo da vítima. Prestação de serviços à comunidade–Consiste na realização de tarefas gratuitas de interesse geral, por período não excedente a seis meses, em uma jornada máxima de 08 horas semanais, junto a entidades assistenciais, hospitais, escolas e outros estabelecimentos congêneres, bem como em programas comunitários ou governamentais. Exemplo - Veja a seguir, a título de exemplo, a jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo, no qual foi aplicada a medida de serviços à comunidade: “Ementa: Menor infrator. Ato infracional equiparado ao furto qualificado. Prestação de serviços à comunidade decretada. Recurso pretendendo ver reconhecido o furto de uso, com a consequente absolvição do adolescente. Parecer da Procuradoria Geral de Justiça pelo improvimento do apelo. Em sede menorista importa o envolvimento do menor em ato ilícito. Adolescente que, aliás, já conta com anterior passagem pelo juízo especializado. Medida sócio-educativa bem aplicada. Acerto da decisão. Recurso improvido. (Apelação n. 79.297.0/5-00, TJ/SP)”. Liberdade assistida – É uma medida que será adotada sempre que a autoridade responsável entender seja a alternativa mais viável para o acompanhamento, auxílio e orientação do adolescente. Nesse caso, o adolescente e sua família serão acompanhados por um profissional por, no mínimo, seis meses. Nesse período, se necessário, eles poderão ser inseridos em projetos sociais e o adolescente terá sua frequência e rendimento escolar acompanhados, além de receber incentivo para o ingresso no mercado de trabalho formal, caso sua idade seja compatível. Semiliberdade – É a privação parcial da liberdade do adolescente que praticou ato infracional. É cumprida da seguinte forma: a) durante o dia – realiza atividades externas (trabalho/escola); b) no período noturno – ele é recolhido ao estabelecimento apropriado, com o acompanhamento de orientador. No ECA não foi fixada a duração máxima da semiliberdade, cabendo à autoridade judicial avaliar cada caso. O regime de semiliberdade pode ser determinado desde o início ou como forma de transição para o meio aberto, e a realização das atividades externas é possibilitada, independentemente de autorização judicial. Internação–É a medida mais grave e complexa imposta aos adolescentes. É conhecida como privação de liberdade. Trata-se de restrição ao direito de liberdade do adolescente. Ela é aplicada nos seguintes casos e presentes os seguintes requisitos: a) ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência à pessoa; b) reiteração no cometimento de outras infrações graves; c) descumprimento reiterado e injustificável de medida anteriormente imposta (que pode ser de internação ou outra medida socioeducativa). Importante – O período máximo de internação deverá ser de três anos. Atingido esse limite de tempo, o adolescente deverá ser liberado, colocado em regime de semiliberdade ou de liberdade assistida. O STF já consolidou seu entendimento no sentido de que, para a aplicação da medida de internação, devem estar presentes esses requisitos. Prova disto é o HC 93900, do Rio de Janeiro, julgado pela Segunda Turma, em 10/03/2009: EMENTA: Infância e Juventude. Menor. Ato infracional. Fatos assemelhados a tráfico de entorpecentes e porte ilegal de armas. Medida de internação. Inadmissibilidade. Atos praticados sem violência nem grave ameaça. Reiteração ou reincidência não demonstrada. Cassação da medida socioeducativa para que outra seja aplicada. HC concedido para esse fim. Inteligência do art. 122, I e II, do ECA (Lei nº 8.069/90). Precedente. Não é lícito impor a menor infrator medida de internação, se o ato infracional não foi praticado mediante violência nem grave ameaça, nem seja caso de reiteração ou reincidência. Ampliando seu conhecimento – Antes de continuar seus estudos, leia a entrevista com Mário Volpi, gerente de projetos do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e coordenador do programa Cidadania dos Adolescentes no Brasil,sobre a medida de internação. 1.3. Os mecanismos legais a que adolescentes em conflito com a lei podem ser submetidos Percebe-se que os adolescentes autores de ato infracional, ao contrário do que o senso comum por vezes imagina, não ficam impunes. Estes são julgados e considerados responsáveis pelos atos tipificados como crime ou contravenção no Código Penal e na Lei de Contravenções Penais. Os artigos 100 a 125 do ECA apresentam os mecanismos legais a que crianças e adolescentes em conflito com a lei devem ser submetidos. Entretanto, do ponto de vista jurídico, criança e adolescente nunca cometerão crime, que é, junto com ato infracional e contravenção penal, espécie do gênero infração penal. Nesse sentido, veja a jurisprudência do Supremo: EMENTA: Estatuto da Criança e do Adolescente. Ato infracional. Equiparação ao crime de roubo qualificado por emprego de arma de fogo e concurso de pessoas. Grave ameaça caracterizada. Possibilidade de internação. Observância do devido processo legal. HC indeferido. Inteligência dos arts. 121 e 122 da Lei nº 8.069/90. A medida sócio- educativa de internação do menor constitui-se em ato excepcional que se configura quando atendidos os requisitos dos artigos 121 e 122 da Lei nº 8.069/90. A decisão que culminou na aplicação de medida sócio- educativa de internação demonstrou com suficiente clareza as razões fáticas e jurídicas autorizadoras do ato de segregação. Assim, presentes os requisitos previstos nos artigos 121 e 122, inc. I, ambos da Lei nº 8.069/90, possível é a manutenção da medida de internação. Precedente: HC 84.603, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ nº 232 de 03.12.2004. Ordem denegada. (HC 94193 / PE, Relator(a): Min. Joaquim Barbosa, julgado pela Segunda Turma, em 09/12/2008). Exemplo – Veja também inteiro teor de “Acórdão recente do Supremo” em anexo na plataforma. 1.4. Quando há flagrante Ainda no caso dos adolescentes, as condutas se distinguem, relativamente à ocorrência de flagrante. De acordo com art. 1784 e 2325 do ECA, se houver flagrante, o adolescente deve ser encaminhado a autoridade policial especializada, sem algema ou qualquer situação vexatória, em veículo comum. A lei estabelece, de acordo com o sistema integrado de proteção, que é o cerne do Estatuto da Criança e Adolescente, tratamento diferenciado aos jovens infratores. Importante – Novamente é importante reiterar que o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) não pretende com isso proteger os autores de ato infracional. Eles são responsabilizados por seus atos, mas estão de acordo com sua condição especial de cidadão em desenvolvimento. Quanto à utilização de algemas, esta também não se aplica indistintamente aos adultos autores de crime. Seu uso deve ser restrito a situações especiais que as exijam. Nesse sentido o próprio Supremo Tribunal Federal já se manifestou editando a Súmula Vinculante n. 11, que dispõe: 4Art. 178. O adolescente a quem se atribua autoria de ato infracional não poderá ser conduzido ou transportado em compartimento fechado de veículo policial, em condições atentatórias à sua dignidade, ou que impliquem risco à sua integridade física ou mental, sob pena de responsabilidade. 5Art. 232. Submeter criança ou adolescente sob sua autoridadeguarda ou vigilância a vexame ou a constrangimento: Pena – detenção de seis meses a dois anos. Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado. Também não se pretende que os profissionais de segurança pública deixem de tomar todas as medidas necessárias a sua segurança, à segurança de terceiros e do adolescente infrator. Entretanto, suas práticas devem ser pautadas no princípio de que esse adolescente é sujeito de direitos e deveres, e os procedimentos previstos no seu tratamento são universais. Aula 2–A Imputabilidade Penal pelo Mundo – Estudo de Direito Comparado Diferentemente do que tem sido divulgado nos meios de comunicação, a idade de responsabilidade penal em nosso país encontra-se em consonância com a maioria dos países do mundo. De acordo com dados da publicação “Porque dizer não à Redução da Idade Penal”, da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República – de uma lista de 54 países analisados, incluindo o Brasil, a maioria adota a maioridade penal aos 18 anos. Desse universo de 53 países – excluído o Brasil – temos que 79%, ou seja, 42 países, adotam esse referencial para a responsabilidade penal. Isso decorre das recomendações internacionais que sugerem um sistema de justiça especializado para processar, julgar e responsabilizar os menores de 18 anos. Estudo dirigido – Acesse o quadro comparativo6 extraído da publicação “Porque dizer não à Redução da Idade Penal”, contendo a idade de responsabilidade penal de jovens (responsabilidade especial) e adultos em 53 países e acompanhe a seguir a análise. Analisando o quadro, observe que: 6 Ver o arquivo “Quadro comparativo” em anexo na plataforma. - Há no mundo a tendência de implantação de legislações e justiças especializadas para tratar de menores de 18 anos em conflito com a lei. - No que tange à idade mínima de responsabilização7 nesses 53 países, verificou-se que a predominância (47%) é a fixação da idade entre 13/14 anos. - Adotam a idade mínima de13 anos para responsabilização dez países: Argélia, Estônia, França, Grécia, Guatemala, Honduras, Nicarágua, Polônia, República Dominicana e Uruguai. - A Alemanha, Áustria, Bulgária, Colômbia, Chile, China, Croácia, Eslovênia, Hungria, Itália, Japão, Lituânia, Panamá, Paraguai e Rússia (em casos graves) fazem parte do grupo de 15 países que adotam a idade mínima de 14 anos. - Há países que fixam o início da responsabilidade penal abaixo dos 12 anos: Escócia – em alguns casos – (8 anos), Estados Unidos (10), Inglaterra e País de Gales (10 anos), México (11 anos), Suíça – em alguns casos – (7 anos) e Turquia (11 anos). - Doze são os países que estabelecem a idade de início de “responsabilização” aos 12 anos (responsabilização especial): Brasil, Bolívia, Canadá, Costa Rica, El Salvador, Espanha, Equador, Holanda, Irlanda, Países Baixos, Portugal, Peru e Venezuela. - Cinco países fixam a idade inicial aos 15 anos: Dinamarca, Finlândia, Noruega, República Checa e Suécia. E por fim, aos 16 anos, temos Argentina, Bélgica e Romênia. Cabe destacar que o direito brasileiro, quanto à idade inicial de incidência da justiça da infância e juventude, fixada aos 12 anos em nossa legislação, encontra-se entre os países que adotam idades relativamente precoces para responsabilização. 7 Ver o arquivo “Responsabilização” em anexo na plataforma. Aula 3 – Redução da maioridade penal Em 1993, foi apresentada no Congresso Nacional a PEC 171/93 com o objetivo de alterar o artigo 228 da Constituição da República de 88, reduzindo a maioridade penal para 16 anos. De lá pra cá diversas PECs foram apensadas à PEC 171/93 (PEC 37/95; PEC 91/95; PEC 301/96; PEC 531/97; PEC 386/96; PEC 426/96; PEC 633/99; PEC 321/01 e PEC 377/01). Em 2007, o tema foi objeto de deliberação da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal e uma votação apertada, de 12 a 10, aprovou o substitutivo de autoria do Senador Demóstenes Torres (DEM/GO), que reunia seis propostas de emenda à Constituição. Atualmente, tendo sido aprovada na CCJ do Senado, a proposta se encontra no Plenário da Casa para discussão. Se aprovada em dois turnos, por 3/5 dos senadores em cada um dos turnos, a matéria será encaminhada à Câmara Federal. O substitutivo do Senado prevê a redução da maioridade penal para 16 anos nos casos de crimes hediondos e equiparados, como tráfico, tortura e terrorismo, desde que um laudo técnico psicológico, elaborado por junta médica designada pelo juízo, ateste a plena capacidade de entendimento do adolescente infrator. Em que pese a PEC esteja tramitando no Congresso Nacional e dado o caráter polêmico das várias propostas com esse mesmo teor, nenhuma destas foi efetivada nem debatida seriamente com a sociedade. Ao contrário, o debate em torno da redução da maioridade no Brasil costuma vir à tona em situações extremas, em momentos de grande comoção nacional, quando algum “crime” extremamente violento é cometido por um adolescente e acaba se mostrando superficial, tendencioso e pouco racional. Nesse sentido, você estudará a seguir alguns argumentos tanto favoráveis como contrários à redução, para que tenha subsídios para realizar essa discussão de forma qualificada sobre a questão. 3.1. Argumentos favoráveis à redução da maioridade Os que defendem a redução da maioridade penal acreditam que os adolescentes infratores não recebem a punição devida; que o Estado é condescendente demais com os menores de 18 anos. Para eles, o Estatuto da Criança e do Adolescente é muito tolerante com os infratores e não intimida os que pretendem transgredir a lei. Eles argumentam que, se a legislação eleitoral considera que o jovem de 16 anos tem discernimento para votar, ele tem também idade suficiente para responder diante da justiça por seus crimes. Ainda, para os que são favoráveis à redução, esta se impõe pela necessidade do Estado em dar uma satisfação à vitima e a seus familiares. Nesse sentido, Sandro César Sell refuta com veemência a impossibilidade da redução da maioridade penal nos seguintes termos: Se a idade de 18 é assim, então, tão arbitrária, por que não se pode rediscuti-la? Arbitrária também era a idade de 21 anos para a determinação da capacidade civil absoluta; notou-se que era inadequada aos novos tempos e se a mudou. Arbitrária também era a idade de 18 anos para poder votar em alguém no Brasil, alguns acharam que os tempos eram outros e baixou-se para 16 anos. Isso significa que há o reconhecimento de que os jovens de hoje podem mais cedo fechar contratos civis, sem a assistência de seus pais, podem decidir sobre inúmeras coisas que antes lhes eram vedadas, podem também votar nos homens que fazem as leis penais, só não podem mesmo é responder por elas. (SELL, Sandro César. Maioridade penal: um debate legítimo). Luiz Flavio Gomes, por sua vez, embora tenha posicionamento contrário à redução da maioridade penal, entende que, quando necessário, devem ser extrapolados os limites de três anos de internação ou dos 21 anos de idade: Uma coisa é a prática de um furto, um roubo desarmado etc., outra bem distinta é a morte intencional (dolosa), especialmente quando causada com requintes de perversidade. Para o ECA, entretanto, tudo conta com a mesma disciplina, isto é, em nenhuma hipótese a internação do infrator (que é medida sócio-educativa voltada para sua proteção e também da sociedade) pode ultrapassar trêsanos (ou sobrepor a idade de 21 anos). (GOMES, Luiz Flávio. Redução da maioridade penal). 3.2. Argumentos contrários à redução da maioridade Os que são contrários à redução argumentam que: - a redução da maioridade penal é incompatível com a doutrina da proteção integral da criança e adolescente, cujo fundamento está na CF/88, em tratados e documentos internacionais e no ECA, uma vez que a imposição das medidas socioeducativas, e não das penas, aos adolescentes decorre do reconhecimento da condição peculiar de desenvolvimento na qual estes se encontram; - a redução da maioridade penal afronta compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, que, nos termos do art. 5º, p. 2º da CF/88, também têm peso de norma constitucional; - o ECA, quando devidamente aplicado, apresenta bons resultados; - o recrudescimento da legislação penal ou as medidas repressivas não coíbem a violência; e mais, não há dados que comprovem que o rebaixamento da idade penal reduz os índices de criminalidade juvenil. Ao contrário, o ingresso antecipado no sistema penitenciário brasileiro exporia os adolescentes a mecanismos reprodutores da violência, como o aumento das chances de reincidência, já que as taxas das penitenciárias ultrapassam 60%, enquanto no sistema socioeducativo se situam abaixo de 20%; - a adolescência é uma das fases do desenvolvimento psicológico dos indivíduos e, por ser um período de grandes transformações, deve ser pensada pela perspectiva educativa; - a redução está na contramão do que se discute na comunidade internacional e do que tem sido adotado pelo ordenamento jurídico da maioria dos países (vide – A Imputabilidade Penal pelo Mundo: Estudo de Direito Comparado); - a redução da maioridade penal é inconstitucional por ferir a principiologia da Constituição Federal, que confere tratamento diferenciado a todos os adolescentes, e por violar cláusula pétrea, uma vez que ainda que não esteja prevista no rol do art. 5º da CF/88, é uma garantia individual, e a Constituição assegura entre as cláusulas pétreas os direitos e garantias individuais, nos termos do art. 60, p. 4º, inciso IV. Saraiva afirma que, a tese do rebaixamento da idade penal, em princípio, é inconstitucional, porque o art. 228 da CF constitui-se em cláusula pétrea, devido ao seu conteúdo de "direito e garantia individual", referido no art. 60, IV da CF, que não é suscetível à interposição de emenda. Além disso, a pretensão de redução da maioridade penal viola o disposto no art. 41 da Convenção das Nações Unidas de Direito da Criança, na qual os signatários se comprometem a não tornar mais gravosa a lei interna de seus países. Como tal convenção foi ratificada pelo Estado brasileiro, seu texto se faz lei interna de caráter constitucional à luz do parágrafo segundo do art. 5º da CF. Entre os que se posicionam contrários à redução temos instituições como a Unicef, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, além de inúmeras organizações não governamentais. Vale ressaltar ainda que essa é também a posição do governo brasileiro. Independentemente do entendimento que se possa adotar, é preciso que se tenha em mente a multicausalidade dos fenômenos violentos8. Não se pode esquecer que problemas complexos exigem soluções igualmente complexas. Assim, a mera redução da maioridade penal nunca será suficiente para resolver a questão da violência e criminalidade. 8Exemplo disso é a problemática relativa ao consumo de drogas pelos adolescentes. Por outro lado, é preciso não esquecer que os jovens e adolescentes não são os principais autores de crimes violentos, em especial homicídios, no Brasil. Ao contrário, são as vítimas preferenciais desse tipo de delito, conforme comprovam diversos estudos9, entre eles os dados do Índice de Homicídios de Adolescente (IHA), o Mapa da Violência da Unesco e o estudo Homicídios de Crianças e Jovens no Brasil (1980-2002), do Núcleo de Estudos da Violência da USP, publicado em 2006. Finalizando... Neste módulo, você estudou que: - Segundo o Manual para a Medição dos Indicadores da Justiça Juvenil (2006) do Escritório de Drogas e Crime da Unicef, as causas sociais subjacentes que levam crianças a estarem em conflito com a lei incluem pobreza, lares destruídos, falta de educação e oportunidades de emprego, migração, drogas ou mau uso de substâncias, pressão de pares, falta de orientação parental, violência, abuso e exploração. - A idade da responsabilidade criminal ou maioridade penal é a idade a partir da qual um indivíduo pode ser responsabilizado penalmente por seus atos. A maioridade penal pode ser diferente da maioridade civil, que consiste nas idades mínimas necessárias para dirigir, trabalhar e casar. - No Brasil, a idade da responsabilidade penal é a partir de 18 anos, pois a legislação brasileira determina que as pessoas abaixo dessa idade são penalmente 9Segundo o estudo Homicídios de Crianças e Jovens no Brasil, publicado em 2006, no período estudado (1980-2002), a participação dos homicídios de crianças e adolescentes cresceu drasticamente para ambos os gêneros, especialmente na faixa da população entre 0 e 19 anos, representando um incremento na taxa de mortes por causas externas dessa população de 254,4% no período. No ano de 2002, os homicídios passaram a representar quase 40% das mortes por causas externas de crianças e adolescentes no Brasil. inimputáveis, ou seja, não podem ser condenadas pela prática de crimes ou contravenções penais. - De acordo com o art. 103do ECA, o ato infracional é a conduta descrita na lei correlata a crime ou contravenção penal praticada por criança ou adolescente. - Assim, de acordo com o art. 105do ECA, às crianças (menores de 12 anos – art. 2º) que cometerem ato infracional serão aplicadas as medidas protetivas previstas no art. 101, que implicam num tratamento, através da sua própria família ou da comunidade, sem que ocorra privação de liberdade. - Quando um ato infracional for atribuído a um adolescente (de doze a 18 anos – art. 2º, Lei 8.069/90), nos termos do art. 112do ECA, este ficará sujeito às medidas socioeducativas previstas no capítulo IV desse diploma legal e, cumulativamente, às medidas de proteção do artigo 101. - Os adolescentes autores de ato infracional, ao contrário do que o senso comum por vezes imagina, não ficam impunes. Estes são julgados e considerados responsáveis pelos atos tipificados como crime ou contravenção no Código Penal e na Lei de Contravenções Penais. Os artigos 100 a 125 do ECA apresentam os mecanismos legais a que crianças e adolescentes em conflito com a lei devem ser submetidos. Entretanto, do ponto de vista jurídico, criança e adolescente nunca cometerão crime, que é, junto com ato infracional e contravenção penal, espécie do gênero infração penal. - De acordo com art. 178 e 232do ECA, se houver flagrante, o adolescente deve ser encaminhado a autoridade policial especializada, sem algema ou qualquer situação vexatória, em veículo comum. A lei estabelece, de acordo com o sistema integrado de proteção, que é o cerne do Estatuto da Criança e Adolescente, tratamento diferenciado aos jovens infratores. - Diferentemente do que tem sido divulgado nos meios de comunicação, a idade de responsabilidade penal em nosso país encontra-se em consonância com a maioria dos países do mundo. Cabe destacar que o direito brasileiro, quanto à idade inicial de incidência da justiça da infância e juventude, fixada aos 12 anos em nossa legislação, se encontra entre os países que adotam idades relativamente precoces para responsabilização. - Desde 1993 foram apresentadas várias PECs que propõem a redução da maioridade penal. Entre os que defendem a reduçãoestão os que acreditam que os adolescentes infratores não recebem a punição devida e que o Estado é condescendente demais com os menores de 18 anos. Os que são contrários baseiam-se, principalmente, na inconstitucionalidade da questão. Módulo 4 – Prevenção: proteção aos direitos da criança e do adolescente Apresentação do módulo Neste módulo, você estudará sobre a rede de proteção social e o sistema de garantias no contexto brasileiro. Objetivos do módulo Ao final do estudo deste módulo, você será capaz de: Compreender a rede de proteção social das crianças e adolescentes; Identificar os principais instrumentos de atendimento a vítimas e agressores. Estrutura do módulo Este módulo é formado por duas aulas: Aula 1 – Rede de proteção social; Aula 2 – Atendimento a vítimas e agressores. Aula 1 – Rede de proteção social Art. 70. É dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente (ECA). Esse artigo impõe à sociedade, às instituições, aos poderes, às pessoas físicas e jurídicas o dever de evitar ameaças ou violações aos direitos da criança e do adolescente. A prevenção ocorre através da abstenção da prática de atos nocivos ao desenvolvimento da criança ou adolescente, mediante iniciativas tendentes a promover seus direitos fundamentais e também por meio do cumprimento espontâneo de obrigações relacionadas à prevenção especial. (Comentando sobre o ECA. Profª. Dirce Maria Bengel de Paula -Profª. universitária de São Paulo).Vale ressaltar que a família é responsável pela primeira socialização da criança, mas está inserida num determinado contexto social e faz parte de uma rede de relações que devem apoiá-la. As experiências familiares cotidianas influenciam direta e indiretamente o desenvolvimento saudável da criança e do adolescente. Todavia, a conjuntura socioeconômica, o aprofundamento das desigualdades sociais e o recrudescimento da violência atual permite-nos questionar sobre como prevenir a ameaça ou a violação dos direitos da criança e do adolescente. Para Francisco Xavier Medeiros Vieira, o caminho é investir na educação. Ele afirma que: Todos temos o dever de prevenir, como indivíduo ou como partícipe da comunidade, a ocorrência de ameaça e, mais que isso, assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos assegurados no art. 4º à criança e ao adolescente, colocando-os a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade, opressão, consoante preceitua o caput do art. 227 do Pergaminho Fundamental. Assim é que tanto se previne o risco futuro, ou indireto, quanto aquele em via de efetivação imediata, risco direto. (Comentário sobre o ECA. Sr. Francisco Xavier Medeiros Vieira – Tribunal de Justiça/Santa Catarina). Para os casos de ameaça e violação de direitos, o Estatuto da Criança e do Adolescente determina que seja ofertada uma política de atendimento aos direitos fundamentais da criança e do adolescente e que essa política deve ser implementada através da articulação de redes. Art. 86. A política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente far-se-á através de um conjunto articulado de ações governamentais e não-governamentais da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. Os artigos subseqüentes (arts. 87 e 88 – Lei nº 8.069) tratam das linhas de ação e diretrizes dessa política de atendimento, que deve abranger a promoção, prevenção, proteção e defesa dos direitos da criança e do adolescente, pretendendo que ela seja implementada através de ações e programas governamentais federais, estaduais e municipais integrados aos órgãos de defesa dos direitos da criança e do adolescente, bem como de entidades da sociedade civil organizada. Em consonância com a legislação brasileira (ECA e CF/1988), as organizações governamentais e não governamentais são responsáveis por disponibilizar os serviços na área das políticas sociais básicas, serviços de prevenção, assistência supletiva, proteção jurídico-social e defesa de direitos. A articulação interinstitucional das iniciativas dessas organizações é fundamental para implementação desses serviços, respeitando-se a natureza e especificidades diferentes e complementares de cada organização. Importante – As redes de proteção à infância e juventude contam com um marco teórico e jurídico para a sua implementação. Entretanto, a operacionalização dessas redes é obstaculizada por nossa cultura política marcada pelas relações hierárquicas, clientelistas e personalistas. 1.1. O Sistema Único de Assistência Social (SUAS) Para obter maior eficácia e atender as demandas sociais, as políticas sociais brasileiras foram recentemente descentralizadas e estruturadas por meio do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), adotando um modelo de gestão participativa em respeito ao pacto federativo. O SUAS foi implementado a partir dos seguintes níveis de complexidade: - Proteção Social Básica (PSB); - Proteção Social Especial (PSE). No nível básico, a proteção social é destinada à população que vive em situação de vulnerabilidade social decorrente da pobreza, privação, acesso precário aos serviços públicos e/ou fragilização de vínculos afetivos/relacionais e de pertencimento social (discriminações etárias, étnicas, de gênero ou por deficiências). No que tange a proteção social básica à família preconizada pelo SUAS, a principal ação governamental consiste no Programa de Atenção Integral à Família (PAIF). O objetivo desse Programa é “desenvolver ações e serviços básicos continuados para famílias em situação de vulnerabilidade social na unidade do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), tendo por perspectivas o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários, o direito à Proteção Social Básica e a ampliação da capacidade de proteção social e de prevenção de situações de risco no território de abrangência do CRAS”. (Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome – MDS). O objetivo da proteção social especial consiste em atender as famílias e indivíduos que se encontram em situação de risco pessoal e social em decorrência de abandono, maus-tratos físicos e/ou psíquicos, abuso sexual, uso de substâncias psicoativas, cumprimento de medidas socioeducativas, situação de rua, situação de trabalho infantil, entre outras situações de violação dos direitos. Importante – Em cada um desses níveis de complexidade são oferecidas ações e programas governamentais com articulação interinstitucional e participação social, no âmbito municipal, estadual e federal. Os serviços de proteção social especial estão interligados com o sistema de garantia de direito, por meio de uma gestão mais complexa e compartilhada com o Poder Judiciário, o Ministério Público e com outros órgãos e ações do Executivo. 1.2. O Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE) Em comemoração aos 16 anos da publicação do Estatuto da Criança e do Adolescente, a Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República e o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente criaram, em 2006, o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), fruto de uma construção coletiva que envolveu diversas áreas de governo, representantes de entidades e especialistas na área, além de uma série de debates protagonizados por operadores do sistema de garantia de direitos em encontros regionais que cobriram todo o País. O SINASE nasceu vinculado a um tema em especial que vinha mobilizando a opinião pública, a mídia e diversos segmentos da sociedade brasileira: o que deve ser feito no enfrentamento de situações de violência que envolvem adolescentes na condição de autores de ato infracional ou vítimas de violação de direitos no cumprimento de medidas socioeducativas. Por outro lado,
Compartilhar