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Biossalinidade e produção agrícola Pedro D. Fernandes1, Hans R. Gheyi2, Alberício P. de Andrade1 & Salomão de S. Medeiros1 1 Instituto Nacional do Semi-Árido 2 Universidade Federal do Recôncavo da Bahia Manejo da salinidade na agricultura: Estudos básicos e aplicados ISBN 978-85-7563-489-9 Fortaleza - CE 2010 Introdução Halofitismo Ecofisiologia das halófitas Ecofisiologia da adaptação ao estresse salino Escape, tolerância ou resistência Adaptações morfológicas e anatômicas Germinação - Propagação via vegetativa Absorção, transporte e acumulação de íons - Metabólitos orgânicos e ajustamento osmótico Eficiência de uso da água e fotossíntese Outros fatores considerados na ecofisiologia das halófitas Salinidade x Produção Espécies para a agricultura salina Cultivos biossalinos Água do mar na agricultura biossalina Aspectos técnicos e econômicos Sustentabilidade Exemplos de agricultura irrigada com água do mar Referências INTRODUÇÃO Em nível global, a cada ano vem declinando a taxa de aumento populacional, o que poderia ser alvissareiro, considerando a necessidade de produzir alimentos e suprir as demandas de tanta gente. Entretanto, tal declínio em nada diminui as perspectivas sombrias para o futuro, exigindo maior responsabilidade de governos e, principalmente, maior compromisso dos organismos de CT&I, em gerar novos conhecimentos para aumentar a produção de alimentos. Mesmo com a queda de prolificidade, a cada ano a população do planeta aumenta cerca de 80 milhões de pessoas, sendo projetados pelas Nações Unidas mais de 9 bilhões em 2050; aproximadamente, 95% desse aumento ocorrerá em países do Terceiro Mundo, onde justamente se concentram os menos desenvolvidos, com deficiências de água e alimento. A população mundial, em 01/01/2010, era estimada em 6.793.593.686 habitantes (USCENSUS, 2010). Em várias regiões do planeta, está aumentando a dificuldade para se conseguir água, em termos quantitativos e qualitativos, para satisfazer a demanda sempre crescente da população; o problema é mais sério na Ásia Ocidental e no Norte da África. Segundo Ozturk et al. (2006), a crise por água é o maior desafio a ser enfrentado pela humanidade; desde o início do século passado, a demanda pelo precioso líquido tem aumentado duas vezes mais que o crescimento da população. Altas temperaturas, resultantes do aquecimento global, e escassez de precipitações pluviais e de águas de superfície têm provocado desertificação à medida que os aquíferos e as águas subterrâneas se tornam mais salinos, como resultado de bombeamento crescente e da incorporação de sais. Em muitas áreas, a salinidade de aquíferos do interior está aumentando, atingindo taxas superiores a 16 g L-1 (20 dS m-1), chegando a 20 g L-1 (25 dS m-1) em zonas costeiras (FIDA, 2004). Aliás, extensas áreas do planeta são, naturalmente, salinas ou têm sido salinizadas por ações antrópicas, geralmente como consequência de práticas equivocadas de irrigação (Pereira et al., 2002). Naturalmente, ocorrem solos salinos ao longo da costa de continentes, em estuários e em áreas salinas internas (‘Great Salt Lakes’ nos Estados Unidos, Mar Morto em Israel, ‘Neusiedlersee’ na Áustria, dentre outros). À ação do homem é atribuída a salinização de áreas em regiões áridas e semi-áridas, manejando, inadequadamente, a água em projetos de irrigação; civilizações antigas desapareceram na Mesopotâmia (Tigris e Eufrates), na China e na América pré-Colombiana; áreas foram salinizadas, posteriormente no Norte da África, no rio Indus - Paquistão, rio Ganges na Índia e no Vale de São Joaquim - Califórnia (Choukr-Allah et al., 1996; Ozturk et al., 2006). A lição desastrosa da salinização parece não ter sido apreendida totalmente pela humanidade, considerando a continuidade de ocorrência do processo nos tempos contemporâneos (Abdelly et al., 2008). Segundo estimativas do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, contidas em Jaradat et al. (2004), 20% das terras agricultáveis e 50% das atualmente cultivadas estão afetadas por sais. Um dos problemas mais urgentes da sociedade atual é encontrar suficiente água e terra para dar suporte à necessidade de alimentos do mundo. A FAO (2005) estima em 200 milhões de hectares a área adicional necessária a produção de alimentos, até 2025, para alimentar tanta gente. As terras de boa qualidade, passíveis de serem cultivadas, agricolamente, cerca de 93 milhões de ha, estão hoje cobertas por florestas, sendo difícil visualizar a Biossalinidade e produção agrícola 190 Pedro D. Fernandes et al. sua devastação para atender à demanda de alimentos. Em contraste, água do mar é abundante, mares e oceanos contêm, aproximadamente, 97% das águas; em muitos locais, por características de solo e clima, as águas superficiais e de poços rasos são, também, salinos. Igualmente, solos salinos ocorrem em todo o globo, 43% das terras do planeta são áridas ou semi-áridas, com cerca de 15% (130 milhões de hectares), em áreas costeiras ou de interior que poderiam ser cultivadas com água do mar para produção de alimentos, preservando-se florestas e destinando-se águas de boa qualidade para fins de uso direto pelas populações (Glenn et al., 1998a, 1998b; Ozturk et al., 2006). Claramente, fica patente a necessidade de serem incorporadas à agricultura terras marginais, como as naturalmente salinas, as encharcadas, as areias de desertos e as áreas costeiras arenosas. Desde o início da década de 60, século passado, muitos cientistas vêm se dedicando a estudos de reabilitação e funcionamento de ecossistemas salinos, com a preocupação constante de monitorar a acumulação de sais e mantê-los produtivos. O conhecimento científico será, absolutamente, essencial ao desenvolvimento de práticas adequadas ao manejo da agricultura biossalina (Mohammad & Scanes, 2004; Shahid & Hasbini, 2007; Toderich et al., 2008a ) . Como agricultura biossalina entende-se o uso de águas salinas, geralmente em solos salinos ou salinizados, para o cultivo de espécies tolerantes ao estresse salino, quando água e solos de boa qualidade se tornam escassos. Na agricultura biossalina tem predominado o uso de halófitas, espécies naturalmente adaptadas a crescer e produzir em condições com alta concentração de sais, tema a ter uma melhor abordagem em outros subitens deste trabalho. Caberá à agricultura biossalina um papel relevante na produção de alimentos de origem vegetal ou animal. Tal necessidade é mais patente quando se constata estar a água doce se tornando escassa; segundo Hendricks & Bushnell (2009) e Khan et al. (2009), os usos doméstico, industrial e agrícola de água fresca estão aumentando tão rapidamente que haverá escassez em todo o mundo. Outro fator agravante foi detectado nas últimas décadas, com a constatação de estarem se tornando progressivamente salinas as águas superficiais e subterrâneas, em muitas áreas agrícolas (Wilt & Oosten, 2000; Miranowski, 2004). HALOFITISMO Durante muito tempo, acreditou-se que a ocorrência de halófitas em solos salinos tinha relação com uma possível exigência dessas plantas por concentrações altas de sais, particularmente sódio e cloreto, para seu crescimento e desenvolvimento (Flowers et al., 1986; Rozema, 1996). Posteriormente, vários pesquisadores constataram não ser verdadeira tal interpretação, ao verificarem que as halófitas não têm exigência por concentrações altas de sais, mas vegetam em uma faixa de concentração salina, específica para cada genótipo, sem causar alterações em sua fisiologia e sem reduzir, significativamente, seu crescimento (Orcutt & Nilsen, 2000; Ashraf et al., 2006). Com a evolução das pesquisas, conhece-se, atualmente, a importância do sódio na fisiologia das halófitas, considerando prevalecer na maioria de suas espécies, o mecanismo de fixação de CO2 do tipo C4, em que o substrato orgânico básico do ciclo inicial de carboxilação é o fosfoenolpiruvato, envolvendo a enzima PEP-carboxilase. Epstein & Bloom (2006) citam ser Na um micronutriente essencial para as plantas C4 e CAM, por estar envolvido, diretamente,na reconstituição do fosfoenolpiruvato. Com esse novo conhecimento, entende-se a importância do sódio para as halófitas, mas na concentração de um micronutriente, o que é muito menor do que o conteúdo do elemento em águas e solos salinos, onde ocorrem. Portanto, não há relação direta entre concentrações altas de sais e sua exigência pelas halófitas, mas o Na deve estar presente em seu habitat/ nicho ecológico. Visando a um melhor entendimento da importância de Na para as halófitas, apresentamos na Figura 1 os ciclos de carboxilação, típicos das plantas C4, com explicações. Figura 1. Ciclos de carboxilação das plantas C4, em que se enquadra a maioria das halófitas, ocorrendo o primeiro nas células do mesófilo e o segundo - Ciclo de Calvin - em células da bainha vascular 191Biossalinidade e produção agrícola Halofitismo ocorre em cerca de 1/3 das angiospermas (classe mais importante para agricultura biossalina que as gimnospermas) e cerca de 50% dos gêneros tolerantes a sais pertencem a 20 famílias; entre as angiospermas dicotiledôneas, a família Chenopodiaceae abrange a maior parte das halófitas (20% delas), distribuídas, também, em Aizoaceae, Caryophyllaceae, Cruciferae (Brassicaceae), Compositae (Asteraceae), Leguminoseae e Plumbaginaceae (O’Leary & Glenn, 1994; Abdelly et al., 2008). ECOFISIOLOGIA DAS HALÓFITAS Em ecologia, o termo ‘nicho ecológico’ representa a soma das características que determinam a posição e função de uma espécie em um determinado ecossistema; deve-se distinguir ‘nicho ecológico’ de ‘habitat’, sendo este o local onde evolui a espécie, enquanto o ‘nicho’ é a função desempenhada pelos indivíduos da espécie no ecossistema. Entre as características determinantes, estão fatores químicos e físicos, além de sua distribuição espacial e temporal, todos eles requeridos para a ocorrência e sobrevivência da espécie em um determinado habitat, condicionando seu crescimento (Larcher, 2000; Hans-Werner et al., 2008). No habitat das halófitas, determinante para caracterizar o seu nicho ecológico, são encontradas altas concentrações de sais no solo e na água (Flowers et al., 1986; Rozema, 1996; Orcutt & Nilsen, 2000). No Norte da Holanda, por exemplo, o valor médio de concentração de sais para ocorrência de Glaux maritima é de 8880 mg de NaCl L-1 (Rozema, 1978), considerado o ‘ótimo ecológico’ em relação à característica de salinidade do nicho dessa halófita; através de estudos hidropônicos esse autor verificou não ser afetada a acumulação de biomassa daquela espécie, até esse nível de NaCl, significando que 0 – 8880 mg de NaCl L-1 é a faixa de salinidade favorável, fisiologicamente, para ocorrência de Glaux marítima; pelos novos conhecimentos sobre a essencialidade de Na, como micronutriente, para essa classe de plantas, esse elemento deve ter estado presente no meio de estudos para suprir suas necessidades fisiológicas. Entretanto, a interpretação não é tão simples assim, devendo ser, ainda, considerada a competição por espaço com outras espécies. Na Figura 2 está esquematizada a relação entre concentração de sais e crescimento de plantas da espécie Glaux maritima, em que no eixo “y” está representado o incremento de biomassa ou a probabilidade de ocorrer uma determinada espécie numa área, em função da concentração de sais no meio (eixo “x”) (Rozema, 1996); o ‘ótimo ecológico’ corresponde à concentração máxima de sais em que ocorre o máximo de incremento de biomassa da espécie ou, em termos de probabilidade, à concentração de sais no meio a partir da qual é menos provável a sua ocorrência. Sob tais condições de salinidade, dificilmente uma glicófita teria condições de vegetar, o que explica ser considerado ‘ótimo’ para a halófita, por não ter que competir com outras espécies. Figura 2. Relações entre incremento de biomassa ou probabilidade de ocorrência de uma espécie (eixo “y”) e aumento da concentração de sais no meio (Fonte: Adaptado de Rozema, 1996) Ecofisiologia da adaptação ao estresse salino São variadas as adaptações das plantas ao meio salino, razão de estudos da ecofisiologia, abrangendo desde mecanismos de ordem fenológica, morfológica e fisiológica, passando, também, por eficiência de uso de água, aspectos bioquímicos, biomoleculares e genéticos (Arzani, 2008). As halófitas desenvolveram mecanismos diversos para se adaptar a ambientes com altas concentrações de sais. Algarie et al. (2007) destacam três adaptações principais: acumulação de osmólitos, controle do fluxo de água no interior da planta e a manutenção da homeostase iônica. Em algumas halófitas, enzimas exercem, também, importante função, fazendo com que sejam menos sensíveis ao estresse salino (Ghosh et al., 2006) Conhecimentos sobre alguns desses itens serão abordados em outros capítulos deste livro. No caso presente, pretende-se tecer considerações sobre tais aspectos, quando diretamente relacionados ao meio de ocorrência de espécies vegetais (ecofisiologia), ou seja, nos casos de uso de água com altas concentrações de sais na agricultura biossalina. Escape, tolerância ou resistência Hans-Werner et al. (2008) usam os termos escape (‘fuga’) e tolerância para aspectos específicos de PARA SER SUBSTITUÍDA 192 Pedro D. Fernandes et al. respostas das plantas ao estresse. Como exemplos de escape têm-se os casos de plantas anuais que completam o seu ciclo no curto tempo de condições climáticas favoráveis, evitando as estações mais secas, e os casos de plantas com raízes profundas (Prosopis e Tamarix, por exemplo), capazes de absorver água do subsolo, onde, geralmente, são mais baixos os teores de sais. O termo escape ou ‘fuga’ se aplica, também, aos casos em que o vegetal protege os seus tecidos do efeito do estresse; em algumas halófitas, é o caso de prevenir a entrada de sal nos tecidos da planta, conhecido como exclusão de íons. A resistência é mais abrangente, decorrente da combinação de vários mecanismos de escape e de tolerância. O escape (evitar) contrasta com o termo tolerância, por se relacionar este último à presença do fator antiestressante dentro da planta; no caso de estresse hídrico, ocorre tolerância à dessecação dos tecidos e, no estresse salino, há tolerância à alta concentração de sais nos tecidos das halófitas. Bem conhecido de todos os estudiosos, as plantas variam muito a sua tolerância à salinidade, com diferenças entre espécies, dentro de genótipos de uma mesma espécie e, até mesmo, entre estádios de desenvolvimento de um mesmo genótipo (Tester & Davenport, 2003; Hendricks & Bushnell, 2009). Em outras palavras, a sensibilidade ao estresse salino tem sido identificada como um fenômeno específico a um estádio de desenvolvimento da planta, podendo variar em outros estádios (Orcutt & Nilsen, 2000; Ashraf et al., 2006; Ahmed et al., 2008). Ainda mais, em cada estádio de desenvolvimento, a tolerância à salinidade é controlada por mais de um gene e altamente influenciada por fatores ambientais (Flowers, 2004; Flowers & Flowers, 2005; Munns, 2005; Ozturk et al., 2008). Entre as adaptações ao estresse salino, relacionadas a aspectos de ecofisiologia, já foram identificados vários mecanismos, com destaque para os de natureza morfológica e anatômica, abscisão (descarte) de tecidos e órgãos, ajustamento osmótico e metabólitos orgânicos, suculência e germinação/multiplicação via vegetativa. Adaptações morfológicas e anatômicas As adaptações das halófitas podem variar em natureza, grau ou eficácia, dependendo da espécie e, também, do habitat. Há certo grau de plasticidade no efeito da salinidade sobre as plantas, em diferentes condições ambientais, dependendo da severidade do estresse (Batanouny, 1996; Khan & Weber, 2006) Uma das adaptações de ordem morfológica é a redução de área foliar, quer pela formação de um menor número de folhas, quer pela redução de seu tamanho ou por abscisão foliar (Khan & Weber, 2006; Taiz & Zeiger, 2008). Algumas halófitas descartam as folhas mais velhas quando estão repletas de sais; o excesso de sais vai sendo acumulado nas folhas mais velhas, ao mesmo tempoem que contribui para tornar mais negativo o potencial osmótico das células e consequente aumento na retenção de água nos tecidos; enquanto compartimentaliza os sais nas folhas mais velhas, novas folhas são formadas sem problemas de aumento na concentração de sais e suprem a planta de fotoassimilados, por sua atividade fotossintética maior, até passarem a servir de estoque de sais, quando novas folhas passam a desempenhar aquela importante função (Gorham, 1996; Yensen, 2006). A acumulação de sódio nas folhas mais velhas é uma consequência, também, da saída de potássio dos seus tecidos (agindo como fonte), translocando-se para as folhas novas em formação (dreno). Glândulas de sal - Em diversas espécies, a adaptação consiste na formação de glândulas de sal nas folhas, através das quais excretam sais, uma forma de controlar o seu excesso no interior das células. As glândulas são formações frouxas de células, com espaço intercelular mais aberto do que geralmente ocorre nos outros tecidos (Mohr & Schopfer, 1995); a solução flui para o espaço entre as células e daí para uma abertura na cutícula, onde se evapora a água, cristalizando-se os sais na superfície da folha, sendo lavados pelas chuvas ou pela irrigação. A estrutura da glândula de sal é similar dentro de uma mesma espécie e, com raras exceções, também nas espécies de uma mesma família, mas com variações entre famílias. O tipo mais simples é encontrado nas Poáceas (gramíneas) e os mais complexos - glândulas multicelulares - foram identificados nos gêneros Limonium, Limoniastrum e Distichlis (Figura 3) e na espécie Cressa cetica. O número e localização das glândulas de sal também variam: em Limoniastrum monopetalum, Batanouny & Sitta (1979) encontraram 1955 glândulas por cm2 na face adaxial e 2315 cm-2 na abaxial das folhas; na espécie Limonium delicatulum os autores Batanouny et al. (1992) registraram 2022 e 2930, respectivamente. A secreção de sais contribui para a adaptação da planta à salinidade de forma quantitativa e qualitativa; quantitativamente, quando o status de sal na folha alcança um limite máximo tolerável, sendo a excreção de sais fundamental para a sobrevivência da planta; qualitativamente, por contribuir para o balanço iônico das folhas, quando fica alterada a relação entre íons essenciais e tóxicos, secretando o que estiver em excesso (Hans-Werner et al., 2008). A taxa de secreção de sais é afetada por inúmeros fatores, com destaques para concentração e natureza de 193Biossalinidade e produção agrícola Tabela 1. Plantas que excretam sais através de glândulas salinas encontradas em folhas Fonte: Gorham (1996) Figura 3. Extrusão de sais de glândulas de sal, localizadas no caule de Distichlis palmieri. Fonte: MBARI (2005) íons no meio, luz, temperatura, balanço hídrico na planta, umidade relativa e presença de metabólitos inibidores, dentre outros. A eficácia da excreção através de glândulas depende de condições que impeçam a sua reabsorção pela cutícula. Na Tabela 1 consta uma relação de espécies em que é comum a excreção de sais através de glândulas salinas nas folhas. Pelos vesiculares - Além de glândulas, os sais podem ser acumulados em formações especiais, tipo tricomas, que se desenvolvem na epiderme de caules e folhas, denominadas de células vesiculares ou pelos vesiculares, comuns em alguns gêneros de Chenopodiaceae, especialmente em espécies de Atriplex (Mohr & Schopfer, 1995; Hans-Werner et al., 2008; Ahmed et al., 2008) e espécies de Salsola, Chenopodium, Obione, Halimione e em Mesembryanthemum crystallinum (Figura 4) (Luttge et al., 1978; MBARI, 2005; Agrarie et al., 2007). As vesículas se caracterizam por um grande vacúolo central, em que podem se acumular componentes inorgânicos (sódio, cloreto) e orgânicos, como flavonoides e betacianinas (Steudle et al., 1977; Vogt et al., 1999); açúcares compatíveis com álcoois, pinitol e seus precursores inositol e ononitol (Bohnert et al., 1995; Nelson et al., 1998). As vesículas, além de participarem na regulação do sequestro de íons e regulação das relações hídricas nas células, atuam, também, no controle dos níveis de malato em células do mesófilo de plantas CAM (Rygol et al., 1989; Agarie et al., 2007). As vesículas podem se romper ou se destacar das folhas, reduzindo o conteúdo salino da planta. Comparadas com as glândulas salinas, as células vesiculares têm uma ação comparativamente menor, mas são particularmente efetivas em proteger folhas jovens, em expansão. A descarga de sais em vacúolos de células vesiculares pode, efetivamente, reduzir o fluxo de sais para tecidos fotossintetizantes ativos, em plantas se desenvolvendo em meio de alta salinidade. Batanouny (1996) se refere 194 Pedro D. Fernandes et al. à concentração de sais 60 vezes superior em pelos vesiculares de Helimione portulacoides, em relação às células do mesófilo circundante; conforme o autor, uma poderosa bomba de sais deve operar entre as células vesiculares e as do mesófilo, para garantir a alta diferença de gradiente entre ambos os tecidos. Suberização de cutículas e formação de cera - Outro fator que limita a entrada de sais com o fluxo da transpiração é a prevenção à perda de água, através da suberização de cutículas e da formação de cera na superfície foliar, comuns em halófitas (Flowers et al., 1986; Yensen, 2006), isto é, reduzindo-se a transpiração, menos sais entrarão pelas raízes. Tais formações têm importante função, também, em prevenir a reabsorção de sais de glândulas salinas ou de vesículas. Abscisão de órgãos e tecidos – A abscisão (descarte) de órgãos e tecidos é, também, um dos importantes mecanismos de adaptação das plantas ao meio salino, fato comum em Juncus spp e em folhas suculentas de Suaeda spp. As folhas, quando estão lotadas com íons indesejáveis, são descartadas (‘shedding’), contribuindo, também, para a redução da área foliar, resultando em menor perda de água através da transpiração, importante nas estações de déficit hídrico (Yensen, 2006). Além do descarte de folhas, em Atriplex podem ocorrer seca de ramos e do córtex do caule que, após morte das células, se desprendem da planta (Batanouny, 1996); em ambos os casos, os tecidos são carregados de íons, contribuindo para o seu descarte, diminuindo a concentração de sais no vegetal. Suculência – A exposição das espécies halófitas ao ambiente salino resulta em numerosas mudanças estruturais nas plantas, destacando-se, dentre elas, a suculência, caracterizando-se por: maior espessura das folhas, células maiores, especialmente as do parênquima esponjoso, menor espaço intercelular, maior elasticidade da parede celular, desenvolvimento de tecidos estocadores de água, menor relação entre superfície/ volume, baixo conteúdo de clorofila e menor número e menores estômatos por unidade de área (Batanouny, 1993; Ahmed et al., 2008; Hans-Werner et al., 2008). Suculência tem o efeito de diluição dos íons dentro das células, o que possibilita que as halófitas convivam com altas concentrações de sais em parte de seus tecidos. Dois tipos de suculência têm sido distinguidos em halófitas: suculência mesomórfica e suculência xeromórfica. Na mesomórfica, típico das hidrohalófitas, todas as células das folhas, inclusive as da epiderme, são suculentas e é baixo o número de estômatos por unidade de área; as plantas do tipo xeromórfico, usualmente, vegetam em condições de alto estresse hídrico e são caracterizadas por terem mesófilo com células grandes e suculentas, grande número de estômatos e um sistema vascular altamente lignificado (Batanouny, 1993). A seiva orgânica das suculentas xeromórficas, geralmente, contém mais ácidos orgânicos que a seiva das mesomórficas, em que predominam íons inorgânicos. O cloreto de sódio tem sido considerado o sal mais eficiente em promover suculência. Decréscimo em suculência, associado ao aumento de características xeromórficas, foram observados em plantas expostas a sulfato de sódio. Chapman (1974) cita haver uma relação entre concentração de Cl-, SO42- e o grau de suculência, em halófitassuculentas típicas, com prevalência mais favorável do cloreto. Germinação - Propagação via vegetativa As sementes das halófitas sobrevivem em solos altamente salinos (Rozema, 1996; Atia et al., 2006), mas só germinam em condições de maior diluição dos sais, (A) (B) Figura 4. Planta florida de Mesembryanthemum crystallinum (A) com pelos vesiculares no caule (B). Fonte: MBARI (2005) 195Biossalinidade e produção agrícola em épocas coincidentes com precipitações pluviais; fatores diversos, como vento e animais, dentre outros, podem dispersá-las em áreas diversas, propiciando a germinação das que forem depositadas em solo com menor concentração de sais. As fases de germinação e de crescimento das plântulas, em geral, são as mais sensíveis ao estresse salino (Tester & Davenport, 2003; Atia et al., 2006; Liu et al., 2006). Estabelecidas, após condições favoráveis para germinar, as halófitas são favorecidas por baixa competição com outras espécies, devido os fatores do ambiente em que poucos genótipos sobrevivem; caso não fosse salino o meio, as halófitas não teriam como competir com glicófitas, na fase inicial de estabelecimento. Esta interpretação é útil para se compreender melhor o conceito ‘ótimo ecológico’, abordado nas relações entre incremento de biomassa e aumento de concentração de sais no meio, apresentado na Figura 2. Fato comum a muitas espécies não domesticadas, nas halófitas a germinação das sementes se distribui no tempo, em um mesmo habitat, e é afetada pelo conteúdo de cloreto na casca que as envolve, bem como pelo seu grau de polimorfismo. Muitas espécies de Atriplex contam com unidades de dispersão polimórficas; como exemplo, Atriplex hortensis tem quatro tipos de flores, cada uma resultando em frutos de cores e formas diferentes; as sementes de Atriplex dimorphostegia diferem em tamanho e variam na germinação (Liu et al., 2006; Ahmed et al., 2008). Digno de atenção, também, são os resultados divulgados por Batanouny (1993), sobre a importância da origem das sementes para a germinação de Limonium pruinosum, Alhagi maurorum, Prosopis farcta e Phragmites australis; nessas espécies, taxas mais altas de germinação foram obtidas quando as sementes eram provenientes de plantas sob condições de halofitismo (desenvolvendo-se em altas concentrações de sais), em comparação com a germinação obtida de sementes originadas das mesmas espécies, produzidas em plantas vegetando sem estresse salino; contudo, o autor cita que tal conhecimento não é válido para todas as espécies vegetais. Em mangues, as condições não são favoráveis à germinação de sementes, desenvolvendo algumas espécies mecanismos especiais de propagação. Foi constatado em espécies de Rhizofora, Bruguiera e Avicennia o fenômeno de viviparidade, isto é, a semente germina ainda na planta e o seedling, enquanto ainda está ligado à planta mãe, desenvolve um longo hipocótilo, garantindo-lhe a ancoragem no solo, para depois se desprender da planta (Batanouny, 1996). Em relação à propagação vegetativa, esta é a principal via de multiplicação de muitas halófitas, especialmente, Limonium vulgare, Limonium humile e Tamarix aphylla; uma característica vantajosa é a formação de raízes adventícias, fundamental para a formação dos novos indivíduos (Hans-Werner et al., 2008). Nas espécies de halófitas, Aeluropus littoralis, Prosopis farcta e Tamarix aphylla, a multiplicação vegetativa é de grande importância, por se desenvolverem rebentos (‘runners’), ligados à planta mãe, formando raízes à medida que vão se afastando do ponto inicial de sua emissão; essas raízes são dependentes da planta mãe, na absorção de água e de íons, até atingirem uma camada do solo com menor concentração de sais, onde se tornam independentes, originando novas plantas (Pollak & Waisel, 1972); isso ajuda as novas plantas, formadas via vegetativa, a aprofundar suas raízes, atravessando os horizontes de concentração mais alta de sais, enquanto estão dependentes da planta matriz. Toda essa gama de variações é importante, ecologicamente, para a adaptação das espécies à salinidade. Absorção, transporte e acumulação de íons - Metabólitos orgânicos e ajustamento osmótico Embora seja motivo de controvérsias, o efeito maior da salinidade sobre o crescimento vegetal deve-se mais à toxicidade dos sais acumulados nas células que ao efeito osmótico. Há, contudo, diferenças consideráveis entre espécies, entre genótipos de uma mesma espécie, bem como, entre estádios de desenvolvimento e, também, entre órgãos e células de uma mesma planta, quanto aos níveis de concentração interna de sais capazes de causar toxidez (Hans-Werner et al., 2008; Hendricks & Bushnell, 2009). Outra questão é sobre qual o mais tóxico, se sódio ou cloreto, quando em excesso; em glicófitas, as evidências são para o sódio, principalmente em trigo, segundo resultados obtidos por Kingsbury & Epstein (1986); em halófitas, o crescimento das suculentas pode ser inibido pelo excesso de potássio na ausência de sódio e a maioria das halófitas tolerantes à salinidade acumula altas concentrações de sódio e cloreto em seus tecidos (Fricke & Peters, 2002; Ahmed et al., 2008). Vários autores citam que regular a absorção de sais é uma das características mais importantes para a tolerância à salinidade das plantas (Tester & Davenport, 2003, Abdelly et al., 2006; Izzo et al., 2008). Os sais chegando à parte aérea, através do fluxo de seiva inorgânica, não são distribuídos uniformemente entre as folhas e não seguem, obrigatoriamente, o fluxo 196 Pedro D. Fernandes et al. da transpiração (Izzo et al., 2008). Um dos mecanismos de tolerância à salinidade consiste na redistribuição dos sais, em toda a planta, de modo a evitar a sua concentração em folhas novas e naquelas com altas taxas de fotossíntese e, também, nos frutos em início de formação (Khan et al., 2000; Zhang & Blumwald, 2001). Para melhor entendimento desse processo, foi fundamental a evolução do conhecimento, quando se observou haver fluxo de íons entre xilema e floema (Taiz & Zeiger, 2008). Em folhas de Puccinellia peisonis foi constatada a formação de um tipo de endoderme, com suberização de células, acumulando-se o sódio em vacúolos da bainha vascular, sem chegar, portanto, às células do mesófilo (Gorham, 1996; Blumwald et al., 2000). A acumulação de sais em vacúolos é, particularmente, evidente em dicotiledôneas halófitas do gênero Salicornia e Suaeda, plantas com folhas suculentas, compostas por células grandes, nas quais o vacúolo ocupa a maior parte de seu volume. Nessas plantas, a concentração de sódio nas folhas (mais particularmente nos vacúolos) pode exceder 1.000 mol m-3, enquanto a concentração de potássio fica em torno de 40 mol m-3. Tal comportamento raramente é visto em gramíneas e outras monocotiledôneas que tenham células menores e mais rígidas (menos expansíveis), com exceção de Triglochin maritimum (NRCS/USDA, 2005). Aliás, como já abordado em um dos parágrafos anteriores, a suculência é um dos mecanismos de adaptação ao estresse salino, uma forma de diluir os sais no citossol; o volume da célula aumenta, diminuindo a concentração dos íons no protoplasto (Larcher, 2000; Hans-Werner et al., 2008). Espécies das famílias Chenopodiaceae e Mesembryanthemaceae ajustam o potencial osmótico das raízes por grande acumulação de íons sódio e cloreto, compartimentalizados em vacúolos (Albert & Popp, 1977; Agrarie et al., 2007). Em outras espécies, o ajustamento osmótico ocorre através da síntese de compostos orgânicos de baixo peso molecular, denominados de solutos compatíveis (Hasegawa et al., 2000; Hans-Werner et al., 2008; Izzo et al., 2008). Em geral, plantas crescendo sob condições de salinidade mantêm altas concentrações de substâncias osmoticamente ativas nas células, uma forma de garantir a absorção de água do meio em que vegetam, no qual é muito negativo o potencial hídrico da solução do solo, decorrente do componente osmótico; o ajustamento se dá por metabólitos, com destaque para ácidos orgânicos e açúcares, além de íons, principalmenteNa+ e Cl–, conforme Hasegawa et al. (2000), Hans-Werner et al. (2008). Foi elemento chave, para se entender a tolerância das plantas superiores à salinidade, a descoberta de serem muitas enzimas inibidas por altas concentrações de sais (Greenway & Osmond, 1972; Blumwald et al., 2000; Ashraf & Foolad, 2007). Em halófitas, as enzimas citoplasmáticas são protegidas de concentrações salinas altas, através do sequestro do excesso de sais no vacúolo, livrando organelas vitais do protoplasma desse contato direto (Munns et al., 2002). A pressão osmótica (e o volume) do citoplasma é garantida pela acumulação de metabólitos, compatíveis com as atividades enzimáticas (osmólitos compatíveis); citam-se, dentre eles, os carboidratos (trealose, frutose, sacarose, frutanos), polióis (glicerol pinitol, sorbitol, manitol, ornitol), compostos de amônio quaternários ou derivados de aminoácidos (prolina, glicina, glicina-betaína) e o potássio (K+) (Hasegawa et al., 2000; Arzani, 2008); o tipo de soluto produzido depende do genótipo, mas em geral, uma espécie produz no máximo dois ou três deles. Segundo Ashraf & Harris (2004), as vias enzimáticas adotadas pela planta para adaptação ao estresse podem ser mais importantes que a acumulação do metabólito, em si. Com relação à prolina, no início foi considerada um importante metabólito para o processo de ajustamento osmótico, especialmente nas plantas que não acumulavam íons inorgânicos. Com a evolução das pesquisas, ficou constatado, entretanto, que a quantidade de prolina acumulada não poderia ser considerada como um bom fator para diagnóstico de tolerância à salinidade, em todos os grupos de plantas; além do fator genético, a quantidade de prolina varia durante o dia, por sua estreita relação com as condições hídricas dos órgãos transpirantes (Khan & Weber, 2006; Yensen, 2006; Hans-Werner et al., 2008). Por exemplo, Batanouny et al. (1985) encontraram valores de prolina, em Sporobolus virginicus, variando de 20 µ moles g-1 às 6 horas da manhã a 45,2 µ moles g-1 às 17 h. Em alguns genótipos, a concentração dos solutos no citoplasma é muito superior à real necessidade da célula, uma clara evidencia de protegerem as enzimas dos efeitos das altas concentrações de sais (Hans-Werner et al., 2008; Taiz & Zeiger, 2008). Segundo Munns (2005), quando presentes em concentrações ligeiramente superiores às necessidades da célula, os metabólitos têm função protetora e quando em concentrações muito altas, a função é de osmorregulação. Segundo Tester & Davenport (2003) e Mansour & Salama (2004), na produção de solutos orgânicos, para se adaptarem ao estresse salino, as plantas gastam energia, com consequências na redução da fitomassa produzida e esse dispêndio energético é maior que o do 197Biossalinidade e produção agrícola ajustamento osmótico, através da compartimentalizaçao de íons; na produção dos solutos, grande proporção do carbono assimilado é desviada, representando cerca de 10% do peso total da planta, segundo Hans-Werner et al. (2008) e Ashraf & Foolad (2008). Outro fator fisiológico, a considerar na tolerância de uma planta ao estresse salino, refere-se à velocidade com que os sais que chegam às folhas são incorporados às células, uma vez que as enzimas de genótipos tolerantes ao estresse salino têm a mesma sensibilidade à presença de sais que as de espécies glicófitas; caso haja demora na incorporação, os sais ficarão durante um tempo mais longo no apoplasto (parede celular e espaços intercelulares), com sérios problemas osmóticos ao tecido foliar, resultando em plasmólise das células (Muhling & Lauchli, 2002; Fricke & Peters, 2002; Izzo et al., 2008). Na célula, por sua vez, a concentração de sais no citossol não poderá ultrapassar 100 mM, sob pena de injúrias a diversas organelas, desnaturação de proteínas e de serem inibidas muitas enzimas (Munns, 2002); o caminho é a compartimentalização dos sais em vacúolos ou sua extrusão através de glândulas ou vesículas celulares (Figuras 3 e 4). A compartimentalização de íons nos vacúolos deve ser considerada, também, como um mecanismo de acumulação de sais em partes da planta, como súber do caule e partes mais externas de frutos (evitando prejuízos ao embrião). Em frutos de coqueiro irrigado com águas salinas de até 15 dS m–1, Ferreira Neto et al. (2002; 2007b) encontraram maior concentração de Na em cascas do coco que no endosperma líquido. Pode ocorrer, também, exclusão de íons diretamente de tecidos da planta, através de substâncias voláteis, principalmente na forma de clorometano, bromometano ou iodometano (Wuosmaa & Hager, 1990). Eficiência de uso da água e fotossíntese Vale tecer considerações sobre ‘eficiência de uso da água’, considerando-se a relação entre a quantidade de água transpirada e a quantidade de CO2 fixada na fotossíntese, resultando em aumento da fitomassa. Como o fluxo de sais para a parte aérea é função da taxa transpiratória, um aumento na eficiência de uso da água pode retardar a acumulação de sais nas folhas, segundo Gorham (1996), já detectado em algumas espécies da família Mesembryanthemaceae; a fixação do CO2 por essas plantas à noite, favorece uma maior eficiência de uso da água, decorrente de queda na taxa transpiratória. Da mesma forma, o metabolismo de plantas C4 se reflete em menor transpiração e menor bombeamento de sais para o interior das folhas, por sua própria natureza de maior eficiência de uso da água (Mohr & Schopfer, 1995; Mahmoudi, et al., 2008; Taiz & Zeiger, 2008). O metabolismo de fixação do CO2 na fotossíntese de plantas tolerantes a sais é variável, com predominância do ciclo comum às plantas C4, sendo exemplo típico as espécies de Atriplex. Entretanto, têm sido observadas, em plantas tolerantes a sais da família Mesembryanthemaceae, alterações no metabolismo do CO2, variando de C3 ao metabolismo ácido das crassuláceas (CAM), uma adaptação fotossintética dependendo das condições do meio (Flowers et al., 1986; Ungar, 1991; Winter & Holtum, 2005). A salinidade diminui a fixação de CO2, por afetar a abertura dos estômatos e a eficiência do aparato fotossintético (Hans-Werner et al., 2008; Taiz & Zeiger, 2008), decorrente da quebra da homeostase hídrica e iônica, em nível celular e em toda a planta (Zhu, 2001; Izzo et al., 2008); como consequência, reduz-se a expansão celular e a área foliar disponível para a fotossíntese. Nas halófitas, mecanismos de proteção são desenvolvidos pelas plantas, para contornar tais problemas. Agarie et al. (2007), por exemplo, estudando a importância da formação de pelos (tricomas) na epiderme de Mesembryanthemum crystallinum , verificaram que os mesmos contribuem para a suculência das plantas, como reservatórios de água, e para a tolerância à salinidade, pelo sequestro de íons e manutenção de homeostase nos tecidos fotossinteticamente ativos. Outros fatores considerados na ecofisiologia das halófitas Em seu nicho, as halófitas enfrentam, além do estresse salino, outros fatores decorrentes das características do habitat: hipoxia, associada à toxicidade de sulfetos e desarranjos nutricionais; períodos de inundação e de deposição de solos ou areia; períodos de estresse hídrico, dentre outros (Khan & Weber, 2006). Entre as mais promissoras halófitas estão árvores e arbustos tropicais, coletivamente denominados de mangroves (plantas de mangues), algumas das quais sobrevivem, diariamente, a flutuações de alguns metros do nível da água do mar; no outro extremo, plantas das várias espécies de Atriplex sobrevivem em áreas desérticas à alta salinidade e a secas prolongadas (Glenn, 1998a, 1998b). Em zonas áridas e semi-áridas, o estresse salino é agravado pela falta de água, na maior parte do ano; quando ocorrem chuvas, os níveis de salinidade variarão diária, mensal ou sazonalmente, dependendo da quantidade e frequência das precipitações. Como consequência, a salinidade raramente é uniforme em um terreno, variando no perfil do solo, geralmente com valores mais altos de CE nas camadas superiores, devido 198 Pedro D. Fernandes et al. à evaporaçãoda água (Levy et al., 2003). A salinidade varia, também, espacialmente, podendo ocorrer em uma área, circundando solos com valores de CE relativamente baixos (Souza et al., 2008; Shahid et al., 2009). SALINIDADE X PRODUÇÃO A pressão por água de boa qualidade vem forçando o uso das consideradas marginais, requerendo o desenvolvimento de tecnologias, visando à dessedentação de pessoas e de animais e produção de alimentos, condições indispensáveis à garantia de vida. Para alimentar a população mundial que cresce a cada segundo, deverão ser desenvolvidas tecnologias que garantam a produção sustentável de alimentos de origem vegetal e animal. Os cientistas terão a missão de explorar os recursos naturais, garantindo a sustentabilidade, sem agredir o meio ambiente, e deverão incorporar ao processo produtivo as áreas naturalmente salinas e as salinizadas pelo homem, ao longo da história. A possibilidade de utilização de águas de qualidade marginal liberará água doce para beber e a identificação e obtenção de genótipos tolerantes a sais abrirão perspectivas para produção de alimentos, para consumo direto da população e para alimentação animal, gerando proteínas para uso humano, além da produção de outros bens de origem vegetal. A utilização de água salina para produção de alimentos requererá estudos de novos ‘designs’ e de manejos mais apropriados de sistemas de irrigação. No tocante a plantas, há uma divisão entre as que toleram a salinidade do solo e da água, denominadas de halófitas, e as que são sensíveis ao estresse salino, as glicófitas (Taiz & Zeiger, 2008), já mencionadas em itens anteriores. Com base em abordagens contidas na literatura especializada (Rozema, 1996; Yensen, 2006; Hamed et al., 2008; Hans-Werner et. al., 2008), dividimos as halófitas em dois grupos: (i) espécies halófitas de origem, as que evoluíram sob condições permanentes de alta salinidade, e (ii) halófitas facultativas, abrangendo espécies evoluídas em ambientes sujeitos a variações na concentração de sais, durante parte das estações de crescimento/desenvolvimento. Em função da salinidade da água, podem ser distinguidos quatro níveis de agricultura salina (ULPGC, 2005): a - agricultura em baixa salinidade (concentração de sais < 1,5 g L-1); b - agricultura em média salinidade (1,5 a 15 g L-1); c - agricultura em salinidade alta (15 a 25 g L-1); d - agricultura com uso de água do mar (> 25 g L-1). É importantíssimo o estabelecimento inicial da planta, coincidindo com período de chuvas, por serem, em geral, críticas as fases de germinação e início de formação do sistema radicular; se a planta sobrevive na fase inicial, aumentam as chances de sobrevivência nas estações seguintes (Tester & Davenport, 2003; Atia et al., 2006; Liu et al., 2006). Além do efeito favorável de chuvas, lixiviando sais, outras práticas, altamente recomendáveis na agricultura salina, são: cobertura morta para conservar a umidade e diminuir a evaporação; semeio e plantio em camalhões; irrigações com lâminas pequenas, mas frequentes; rotação de culturas, explorando as diferenças nutricionais entre genótipos. Drenagem e lixiviação são as principais providências para manter a produtividade do solo em agricultura salina irrigada. Mesmo nos níveis de salinidade mais alta, objetiva-se obter um benefício mínimo que compense o balanço de energia e os custos e cuja atividade tenha sustentabilidade, sem causar impactos adicionais ao meio ambiente. Como benefícios, podem ser consideradas utilidades as mais diversas, a começar por produção de alimentos, forragens, óleos, ceras, bioprodutos para a farmacologia e uso industrial, flores (inclusive secas) e folhagens ornamentais, bioenergia e paisagismo, além de recuperação de áreas degradadas e sequestro de carbono. Espécies para a agricultura salina É limitado o conhecimento desenvolvido em agricultura salina. Um paradoxo, pois a literatura sobre halófitas é extensiva, mas a utilização desse conhecimento é mínima. Um exemplo disso está no fato de os programas de desenvolvimento da agricultura convencional terem, em geral, como foco o uso de boa terra, culturas especializadas glicófitas e manejo de irrigação com água de boa qualidade, sem incluir o uso de halófitas sob condições salinas. São muitas as espécies adaptadas à salinidade, com graus variados de tolerância, dependendo dos habitats e nichos em que evoluíram. Na Tabela 2 constam informações sobre tolerância à salinidade, registradas em trabalhos conduzidos pelo NIAB (Nuclear Institute for Agriculture and Biology) do Paquistão. Antes, porém, destacamos alguns genótipos, com maiores potencialidades econômicas, indicados por autores diversos: Atriplex spp (erva sal – há 36 espécies de Atriplex – Huxley, 1992) Distichlis palmeri (capim sal), Salicornia spp (‘glasswort’), Suaeda spp (‘sea blithe’) e Batis spp (DaSilva, 2002; Yensen, 2006; Khan & Weber, 2006); Suaeda fruticosa (Khan et al., 2000); Kochia scoparia (Kafi & Jami-Al-Ahmad, 2008); Batis 199Biossalinidade e produção agrícola marítima e Crithmum maritimum (Hamed et al., 2008); Atriplex lentiformis (Al-Attar, 2002); Atriplex nummularia (Glenn et al., 1998b); Atriplex halimus (Ahmed et al., 2008); Kosteletzia virginica (Ruan, 2008); Panicum turgidum (Khan et al., 2009); Distichlis palmieri, Distichlis spicata, Sporobulus virginicus e Sporobulus airoides (Huxley, 1992; Al-Attar, 2002); Cakile marítima (Debez et al., 2006); Salicornia bigelovi (Al-Attar, 2002). muito utilizada em estudos de fisiologia vegetal e é uma das indicadas para trabalhos de recuperação de áreas salinizadas (Kholodova et al., 2002). Uma curiosidade é haver genótipo de arroz, classificado como halófita; Dastidar et al. (2006), por exemplo, identificaram uma espécie de arroz selvagem, classificada como Porteresia coarctata (Roxb.) Tateoka, espécie halofítica, isolando e caracterizando, por meio de estudos bioquímicos, aminoácidos relacionados à tolerância ao estresse salino. Como complemento, estão listadas na Tabela 3 informações sobre a tolerância à salinidade, ao encharcamento e à seca de diversas espécies de diferentes portes (arbóreas, arbustivas e gramíneas), muito úteis para as atividades relacionadas à agricultura biossalina. Em síntese, são muitos os exemplos de cultivos apropriados para condições de salinidade, a depender do nível de concentração de sais. Considerando-se glicófitas, quando a concentração de sais na água de irrigação está abaixo de 15 g L -1, as espécies recomendadas são: arroz, fava (Vicia faba) trigo, aveia, sorgo, colza, cana, espinafre, beterraba açucareira (Beta vulgaris ssp vulgaris), figo, uva e algodão; para níveis mais altos de salinidade, podem ser cultivadas tamareira, coco, capins, cereja selvagem, sena, beterraba de praia (Beta vulgaris ssp maritima). Plantas diversas de mangues e halófitas em geral, são capazes de suportar condições hostis, principalmente quando a única fonte de água é de má qualidade (Ashraf et al., 2006; Daoud et al., 2008). CULTIVOS BIOSSALINOS Em todos os casos de uso de águas salinas na agricultura, devem-se manejar, adequadamente, solo, água e plantas, visando a controlar e minimizar a acumulação de sais e/ou de sódio na superfície do solo e na zona radicular das plantas; algumas técnicas e práticas já foram desenvolvidas e são, hoje, consagradas para esse fim. Objetiva-se com tais práticas: reduzir e controlar a concentração excessiva de sais na zona radicular; reduzir problemas de formação de crosta, impermeabilização ou desestruturação em solos sódicos; promover condições para o desenvolvimento desejável de plantas e utilizar o excesso de água, quando existente na zona radicular, geralmente salina. Os cuidados se aplicam em todos os casos onde a concentração ou toxicidade de sais limita o crescimento das plantas cultivadas ou quando o excesso de Na pode criar crosta e problemas de permeabilidade. O conhecimento sobre tais temas será objeto de outros capítulos deste livro, Tabela 2. Tolerância de diferentes genótipos à salinidade, com os níveis deCEes (Condutividade elétrica do extrato de saturação) em que há redução de 50% de produção da matéria verde, em trabalhos conduzidos no Paquistão. Fonte: Adaptação de Ahmad (1988) Vale ser ressaltado que tais potencialidades apenas são indicativos de terem sido mais estudadas as espécies. Tomando Mesembryanthemum crystallinum (Figura 4), como exemplo de planta pouco citada entre as de maior potencialidade, destacamos, a seguir, algumas de suas utilidades, uma evidência de haver, ainda, muito a ser pesquisado e difundido sobre as halófitas. Utilidades de M.crystallinum: folhas e sementes são comestíveis; podem ser utilizadas as folhas para preparar sopa, inclusive com propriedades medicinais; esta espécie é 200 Pedro D. Fernandes et al. Tabela 3. Tolerância à salinidade e sodicidade, ao encharcamento e à seca de diferentes espécies arbóreas, arbustivas e gramíneas Fonte: Ahmad (1988) com ênfase para manejo de irrigação, drenagem, biodrenagem, recuperação de solos salinos, sódicos e salinos sódicos, dentre outros, razão por que nos ateremos, diretamente, ao manejo da agricultura biossalina. Segundo Wilt & Oosten (2000), com o cultivo de halófitas em sistemas irrigados com águas marginais, é possível se ter benefícios os mais diversos, já comprovados, destacando-se, dentre eles: alimento para 201Biossalinidade e produção agrícola consumo humano e animal; óleo comestível de excelente qualidade; produtos de química fina; obtenção de biomassa a baixo custo para produção de energia renovável; biofiltração de efluentes urbanos, efluentes de criação de peixes/camarões e de indústrias; produtos bioativos; materiais de construção; produção de papel; recuperação de áreas degradadas, com benefícios ecológicos importantes; proteção e desenvolvimento de áreas costeiras; estabilização de solos e de dunas; melhoria do clima; drenagem de terrenos alagados e salinos; quebra-ventos; enriquecimento paisagístico; recreação e campos de golf; sequestro de CO2 – todos de máxima importância no contexto internacional. Vale ser destacado, ainda, o benefício de contribuir para a contenção do processo de desertificação, possibilidade de converter desertos localizados na orla marítima em áreas produtivas, mudando a paisagem, com grande significado ambiental, ecológico e social. Tomando, como exemplo, espécies de Salicornia, capazes de crescer e produzir em condições de alta salinidade, muitas utilidades já foram identificadas, com destaque para o uso de brotos em saladas; as sementes são fonte de proteína e de óleo comestível fino e de boa qualidade para consumo humano; ramos e folhas são fontes de forragens para animais e a madeira tem, também, utilidades diversas (Abdelly et al., 2006; Toderich et al., 2008b). São muitos os exemplos de sucesso no cultivo de halófitas. Fazendas de Salicornia e de Atriplex foram implantadas no Egito, México, Paquistão, Emirados Árabes, na Índia e na Arábia Saudita (Glenn et al., 1998b). Segundo DaSilva (2002), na China são cultivados 300 mil hectares de terras costeiras com halófitas, nas províncias de Hainan, Hebei, Guandog e Shandong; aquele autor relaciona, ainda, os seguintes casos: no Egito halófitas são cultivadas para alimentação animal e como elemento paisagístico; em Marrocos, há cultivo de halófitas como plantas ornamentais; na Tunísia e na Arábia Saudita, em gramados de golfe, irrigados com água do mar; no Chile, também com água do mar é cultivada a leguminosa Tamarugo (Prosopis tamarugo) no deserto de Atacama (Habit et al., 1981; Asatudillo et al., 2000). Algumas espécies têm sido utilizadas em trabalhos agroflorestais, em solos com altos teores de sais e/ou de sódio, com destaques para Prosopis juliflora, Acacia nilotica, Tamarix articulata e Casuarina equisetifolia (Islam, 2009); algumas dessas espécies voltarão a ser mencionadas no capítulo sobre biodrenagem, pela importância de seu cultivo em solos encharcados ou com lençol freático próximo à superfície. Uma glicófita que se destaca é a cevada (Hordeum vulgare L.), tolerante à salinidade, com genótipos que germinam com uso da água do mar, cerca de 47 dS m-1 (Mano & Takeda, 1997) e com níveis satisfatórios de produtividade a 20 dS m-1, com redução de apenas 7,9%, em relação ao tratamento testemunha (Jaradat et al., 2004). Segundo Maas (1990), os maiores valores de salinidade limiar em glicófitas foram observados em: centeio (Secale cereale: 11,4 dS m-1); guar (Cyamopsis tetragonoloba: 8,8 dS m-1); trigo (Triticum aestivum: 8,6 dS m-1); cevada (Hordeum vulgare: 8,0 dS m-1); algodão (Gossypium hirsutum: 7,7 dS m-1); beterraba (Beta vulgaris: 7,0 dS m-1). Coqueiro (Cocos nucifera) é outra glicófita tolerante à salinidade. Em trabalhos conduzidos em casa-de- vegetação e em condições de campo, pesquisadores da Unidade Acadêmica de Engenharia Agrícola/CTRN/ UFCG estudaram os efeitos da aplicação de água salina em várias fases fenológicas da cultura de coco ‘Anão Verde’. Nas fases de germinação e crescimento inicial de plântulas, foram testados cinco níveis de salinidade da água de irrigação (CEa = 2,2, 5, 10, 15 e 20 dS m-1), até 120 dias após semeadura; as águas salinas foram preparadas com adição de NaCl comercial. O incremento da CEa não influenciou, significativamente, a germinação que variou de 80 a 97,5%, porém afetou a velocidade de germinação e o crescimento das plântulas. O tempo necessário para as sementes germinarem aumentou de 0,63 dia por incremento unitário da CEa, acima de 2,2 dS m-1; a fitomassa total das plântulas foi afetada a partir de 5,4 dS m-1, sendo o sistema radicular mais sensível que a parte aérea (Marinho et al., 2005a; Marinho et al., 2005b). Numa segunda etapa desse trabalho, após repicagem para o viveiro, as plantas provenientes dos vários tratamentos se recuperaram do estresse salino, após passarem a ser irrigadas com água de CEa = 2,2 dS m-1, durante 120 dias, crescendo no mesmo ritmo daquelas germinadas em baixos níveis de salinidade (Marinho et al., 2005a). Em condições de campo, na Estação Experimental de Jiqui, em Parnamirim, RN, pertencente à Empresa de Pesquisa Agropecuária do Rio Grande do Norte - EMPARN, a mesma equipe de pesquisadores estudou, durante dois anos, a viabilidade de utilização de águas de elevada salinidade (CEa = 0,1, 5,0, 10,0 e 15 dS m-1 a 25º C) na irrigação do coqueiro, cv. Anão Verde, em fase inicial de produção, com 3,5 anos de cultivo (Marinho et al., 2005a; Marinho et al., 2006). Constatou- se tendência de aumento do número de flores femininas por inflorescência, com o uso de águas salinas. 202 Pedro D. Fernandes et al. Aumentou, também, o efeito da salinidade da água (p < 0,01) sobre a relação flor / fruto colhido (FL/FC), entre o 10° e o 19° cachos, com acréscimo linear de 11,1% por incremento unitário da CEa, em relação ao controle; ou seja, houve formação de 1,23 flor a mais por fruto colhido para cada unidade de acréscimo da CEa, relativamente ao nível mais baixo de salinidade, o que corresponde a 11,12 flores para cada fruto colhido (Figura 5). Apesar de a salinidade ter aumentado o número de flores femininas, conforme abordado, anteriormente, elas não resultaram em maior produção de frutos, havendo, portanto, maior percentual de abortamento de flores femininas nas plantas expostas ao estresse salino. coqueiro da cv. Anão Verde, sendo os decréscimos, respectivamente, de 2 e 3,4%, por aumento unitário da condutividade elétrica da água de irrigação. Durante a fase produtiva, o coqueiro da cv. Anão Verde pode ser classificado como uma cultura tolerante à salinidade. ÁGUA DO MAR NA AGRICULTURA BIOSSALINA O ser humano depende, basicamente, de vegetais, produzidos em larga escala sob irrigação, com uso de água de boa qualidade. As cinco espécies mais utilizadas na alimentação humana – trigo, milho, arroz, batata e soja – morrerão se expostas à água do mar. Mas a natureza é repleta de vegetais, desenvolvendo-se em condições de alta salinidade e diretamente em contato com a água de mares, oceanos e lagos salgados. Da mesma forma como os cientistassouberam domesticar e melhorar as espécies, tradicionalmente cultivadas, saberão fazer o mesmo com essas plantas adaptadas a condições adversas de salinidade. A agricultura com água do mar é uma idéia antiga, posta em prática após a II Guerra Mundial. Em 1949, o ecologista Hugo Boyko e a horticultora Elisabeth Boyko (Tromp, 1971; Glenn et al., 1998a), durante a formação do Estado de Israel, foram para a cidade de Eilat, próxima ao Mar Vermelho, com o objetivo de alterar a paisagem, Figura 5. Relação flor/fruto colhido (FL/FC) entre o 10º e 19º cacho de coco, cv. Anão Verde, em função do nível de salinidade da água (CEa) aplicada na irrigação (Fonte: Ferreira Neto et al., 2007a) Quanto à produção (Figura 6), no período compreendido entre a 8a e a 13a colheita (época de chuvas), foi crescente o número de frutos colhidos (NFC), até o nível de 10 dS m-1 e, mesmo no nível mais alto de salinidade (15 dS m-1), a produção foi maior que no tratamento controle; ressalte-se ter este período coincidido com período de chuvas, em que a irrigação com água salina complementava a exigência hídrica das plantas, quando era negativo o balanço hídrico. Por outro lado, na época de estiagem ou seca, coincidindo com o período entre a 14ª e a 19ª colheitas, a média mensal de NFC decresceu linearmente (p < 0,01), com taxa de 3,4% por incremento unitário da CEa, em relação ao nível mais baixo de salinidade. As perdas do número de frutos colhidos nesse período, em relação a N1, foram de 16,4, 33,1 e 49,8% em N2, N3 e N4, respectivamente (Ferreira Neto, 2007a). Com base, ainda, nos dados de produção, obtidos pelos pesquisadores da UAEAg/CTRN/UFCG, conclui- se que é preferível irrigar coqueiro ‘Anão Verde’ com águas de 15 dS m-1, do que deixar a cultura em condições de sequeiro, com base em registros de produção comercial nessas condições de cultivo. A salinidade da água reduz o número e o peso de frutos de Figura 6. Valores médios mensais do número de frutos colhidos (NFC) do coqueiro ‘Anão Verde`, entre a 8ª e a 13ª (A) e entre a 14ª e a 19ª colheitas (B), em função do nível de salinidade da água (CEa) aplicada na irrigação (Fonte: Ferreira Neto et al., 2007a) 203Biossalinidade e produção agrícola de modo a permitir a sua habitação e instalação de colônias. Na falta de água doce, os Boykos usaram água salgada de poços e água bombeada diretamente do mar. Os frutos desse trabalho difundiram a idéia para áreas semelhantes em todo o globo. Novos ecossistemas foram criados, em países como Índia, México, países do Golfo Árabe, China, dentre outros, onde áreas estão sendo cultivadas, utilizando água salgada, diretamente ou através de diluição com águas residuárias. No deserto Negev, em Israel, por exemplo, Tamarix aphylla cv. Erecta está sendo irrigada por gotejamento, com sucesso, para produção de madeira. No Golfo Árabe, pesquisadores da University of Arizona estão produzindo, experimentalmente, óleo de Salicornia e de Arthrocnemum, irrigadas com água do mar (Aronson & Floc’h, 1996). Segundo Glenn et al. (1998a), a utilização de águas salgadas de oceanos e mares precisa atender a duas condições: a - os cultivos devem ser úteis, com rendimento suficiente para justificar os custos de bombeamento da água do mar; b - devem ser desenvolvidas tecnologias para o cultivo de forma sustentável, sem agressão adicional ao meio ambiente. No desenvolvimento da agricultura com água do mar, os pesquisadores têm buscado duas alternativas: (a) tentam melhorar geneticamente as culturas tradicionais, como aveia e trigo, para tolerância a sais, ou (b) buscam domesticar plantas selvagens tolerantes a sais. Em 1979, por exemplo, a equipe de Emanuel Epstein registrou, com uso de água do mar, produção de pequena quantidade de grãos de aveia, em linhagens previamente propagadas por gerações em ambiente com baixos níveis de sal (Epstein, 1980). São limitados os resultados dos trabalhos de melhoramento, visando à seleção de genótipos tolerantes à salinidade, com base em métodos convencionais. A falta de sucesso se deve, em parte, à metodologia utilizada pelos melhoristas, na avaliação à tolerância ao estresse salino dos materiais genéticos. Segundo Yamaguchi & Blumwald (2005), as melhores perspectivas estão nos estudos de biologia molecular e de transgenia; esforços recentes de especialistas da engenharia genética visam incorporar genes de tolerância a sais em culturas tradicionais, sem divulgação de resultados, até então (Glenn et al., 1998a; Arzani, 2008). Considerando-se a dificuldade de alterar a fisiologia de uma espécie, tradicionalmente sensível à salinidade, outros pesquisadores têm investido seu trabalho em domesticar plantas selvagens tolerantes a sais, as halófitas, para uso alimentar, forragem e produção de sementes ricas em óleo. Esta linha de trabalho tem como garantia de sua viabilidade, o fato de povos antigos, habitantes do golfo do Rio Colorado, terem se alimentado de grãos de capim-sal (Distichlis palmieri) (Dregne, 1991). Vale, ainda, ressaltar que as culturas tradicionais tiveram origem em formas selvagens. De grande valia pode ser a observação de plantas vegetando em áreas costeiras e em mangues, em contato direto com a água salgada, uma indicação de sua tolerância a altas concentrações de sais, a serem utilizadas em pesquisas para melhor avaliação da tolerância à salinidade. Na Figura 7 estão detalhes de uma planta de Terminalia cattapa (sombreiro), em praia de Maragogi, Alagoas, com produção abundante de frutos, onde diariamente a maré banha as raízes da planta, expostas ao ar, devido à ruptura do quebra mar. Essa espécie é comum em arborização de cidades, sendo a polpa dos frutos utilizada como alimento de crianças e jovens famintos; a maior riqueza, entretanto, está na amêndoa, rica em proteínas, que, por desconhecimento, geralmente é desprezada. Portanto, a Terminalia cattapa pode ter grande potencial para cultivo em áreas costeiras, com irrigação com água do Figura 7. Vista de uma planta de Terminalia cattapa à beira mar em Maragogi, AL, com detalhes de frutos e folhas (no alto), sem sinais de injúrias, mesmo com o sistema radicular exposto ao ar e em contato direto com a água salgada, devido à ruptura do quebra mar (Foto: P.D.Fernandes, 15/11/2005) 204 Pedro D. Fernandes et al. mar, objetivando a produção de frutos, madeira (presta- se à fabricação de embalagens, por sua baixa densidade) ou, simplesmente, visando ao sequestro de carbono. No litoral de Maragogi, Al, foi encontrada outra espécie, não classificada pelos autores, ocorrendo à beira mar (Figura 8), com aspectos muito semelhantes a outras espécies, com potencialidades econômicas já comprovadas, ilustradas nas Figuras 9 e 10. para repor a quantidade evapotranspirada pela cultura. Com água do mar, a irrigação precisa ser diária e em quantidade maior que a utilizada pelas plantas, para prevenir a acumulação de sais na zona radicular. Como o cultivo se dá em solo arenoso, com alta facilidade de drenagem, tal manejo é facilitado, lavando os sais que se depositam na superfície do terreno; outro aspecto a considerar, é a necessidade de ser mantida a umidade do solo em altos potenciais, tornando menos críticas a pressão osmótica e a absorção de água pelas plantas. O maior custo da agricultura irrigada, geralmente, é com o acesso à água, sendo proporcional à quantidade necessária e à profundidade de bombeamento. Na agricultura com água do mar, comumente esse custo é baixo, devido ao nível do mar, ao contrário do bombeamento de água na agricultura irrigada convencional, em que, muitas vezes, é de poços profundos. Uma vez bombeada a água, a irrigação com água do mar não requer equipamentos especiais de distribuição, por ser muito utilizado o sistema de distribuição superficial em bacias. Quando é utilizado pivô central ou aspersão por linha móvel, é imprescindível o revestimento interno com tubos plásticos para a água do mar não ter contato direto com a tubulação de metal (Glenn et al., 1998a). O cultivo de halófitas deve ser rentável, economicamente,avaliando-se se podem substituir culturas convencionais para uso específico. Como um dos maiores desafios, em terras áridas e semi-áridas, é alimentar animais, geralmente visa-se produzir forragem para bois, carneiros, cabras e aves. Além das utilidades já abordadas, muitas halófitas são fontes, também, de produtos químicos especiais, utilizados como fármacos. Como exemplos, folhas de Excoecaria agalloca tem sido utilizadas no tratamento de epilepsia e as cinzas da madeira no tratamento de lepra; efusão de cascas e de raízes de Acanthus ilicifolius é Figura 8. Espécie de folhas suculentas, não identificada, ocorrendo naturalmente à beira mar do litoral, em Maragogi, Alagoas, com detalhes de ramos com flores. Foto: P.D.Fernandes (17/01/2006) Figura 9. Salicornia bigelovii em habitat natural e desenho de detalhes de uma planta. Fonte: Ogle & St John (2003) Aspectos técnicos e econômicos Normalmente, as culturas são irrigadas quando a umidade do solo baixa a 60-50% da capacidade de campo (Bernardo et al., 2008); além disso, com água doce os irrigantes aplicam apenas a lâmina necessária Figura 10. Atriplex em habitat natural e detalhe de ramos na fase reprodutiva. Fonte: Ogle & St John (2003) 205Biossalinidade e produção agrícola recomendada para tratamento de alergias e doenças de pele (Albert & Popp, 1977). Sustentabilidade A maior exigência para uso de águas salgadas do mar deve ser a sustentabilidade da agricultura salina, preservando-se a possibilidade de produção por tempo longo. Contudo, este não é um problema apenas da agricultura irrigada com água do mar, pois muitos projetos de irrigação convencional não obedeceram a esse critério, com sérios impactos sobre o meio ambiente. Em regiões áridas, a irrigação com água de boa qualidade é praticada, geralmente, em terras do interior, com restrições de drenagem, resultando na elevação do teor de sais e do lençol freático. Quando o problema se agrava, os agricultores precisam instalar sistemas caros de drenagem subterrânea; a água coletada dos drenos passa a ser um outro problema, a exemplo dos grandes projetos no Vale São Joaquim na Califórnia, cuja água de drenagem contém alto teor de selênio, elemento presente em muitos solos do oeste americano; a acumulação de selênio tem causado morte e deformações de animais da fauna local, além de riscos à saúde humana (EPA, 1998; Hamon, 2004). O cultivo de halófitas é uma solução para esse caso de selênio, pelo fato de as plantas absorverem quantidades não muito altas do elemento, sem atingir níveis tóxicos, considerando que na quantidade retida pelo vegetal não há riscos para alimentação animal (National Research Council, 1990). Pode ser, também, solução para as extensas fazendas de criação de camarão localizadas em zonas costeiras; a descarga de efluentes dos tanques de criação têm causado proliferação de algas e de doenças em rios e baías, onde são despejados, pela riqueza em nutrientes. Nesses casos, o cultivo de halófitas pode ser uma solução, reciclando os efluentes na irrigação, em vez de descarregá-los em rios; no México há exemplos dessa associação (Glenn et al., 1991). A agricultura irrigada com água do mar não está isenta de tais problemas, mas tem algumas vantagens (Glenn et al., 1998a, 1998b): a - existe drenagem livre em terras costeiras, retornando a água drenada para o mar; em áreas cultivadas por mais de 10 anos não houve elevação dos teores de sais; b - aquíferos na costa e em áreas desérticas geralmente contém concentrações elevadas de sais, sem problemas de serem agravadas com uso de água do mar; c - geralmente, os solos nessas condições são estéreis ou quase estéreis, de modo que o cultivo com água do mar causa menos impacto no ecossistema que o da agricultura tradicional. Exemplos de agricultura irrigada com água do mar Produção de forragem: Glenn et al. (1998a) relatam experiências conduzidas em Puerto Peñasco, no Golfo da Califórnia, com uso de águas salinas (40.000 ppm de sais) para irrigar halófitas, sendo obtidas produções de biomassa seca de até 2 kg m-2, aproximadamente igual à produção de alfafa irrigada com água doce. As espécies mais produtivas foram dos gêneros Salicornia (‘glasswort’ – Figura 9), Atriplex (erva-sal – Figura 10) e Suaeda (‘sea blite’ – Figura 11), todos da família Chenopodiaceae que abrange cerca de 20% das espécies halófitas. Foram, também, altamente produtivos o capim Distichlis spp (família Poaceae) e a espécie Batis spp (família Batidaceae – Figura 12). Figura 11. Detalhes de uma planta da espécie Suaeda linearis. Fonte: Ogle & St John (2003) Figura 12. Batis marítima em seu habitat natural e detalhes de ramos com flores. Fonte: Ogle & St John (2003) Muitas halófitas são ricas em proteínas e carboidratos digestíveis. Infelizmente, essas plantas contêm, também, grandes quantidades de sais; acumular sais é uma das maneiras de ajustamento osmótico para as plantas se adaptarem aos ambientes salinos, conforme já abordado anteriormente. Como os sais não têm valor calórico, ao ocuparem espaço nas células, diluem o valor nutricional das plantas. Outro problema é a limitação da quantidade de 206 Pedro D. Fernandes et al. forragem rica em sais que deve ser fornecida aos animais. A solução é limitar a 30-50% a substituição de feno convencional por forrageiras halófitas. No trabalho relatado por Glenn et al. (1998a, 1998b), os animais alimentados com forragem de Salicornia, Suaeda e Atriplex ganharam peso correspondente aos alimentados apenas com feno, sem ser afetada a qualidade da carne; eles foram atraídos pelo gosto dos sais e beberam mais água. Fazendas produtoras de óleo: Segundo Glenn et al. (1991; 1998a), a mais promissora halófita é a Salicornia bigelovii, uma planta anual suculenta, presente em mangues, com produção de grande quantidade de sementes, ricas em óleo (30%) e em proteínas (35%); o óleo é rico em poli-insaturados, similar ao de girassol na composição de ácidos graxos; é comestível, com sabor e aroma agradáveis, similar ao óleo de oliva e pode ser refinado em equipamentos da indústria convencional. Na Figura 9 está uma foto e o desenho de uma planta dessa espécie. A torta, após extração do óleo, é rica em proteína, mas contém uma saponina amarga, que restringe o volume ingerido pelos animais; entretanto, na quantidade possível de ingestão, atende às necessidades da criação de frangos. Felizmente, a saponina não contamina o óleo. Há áreas cultivadas com Salicornia bigelovii no México, Emirados Árabes, na Arábia Saudita e Índia. No México, durante 6 anos de cultivo, a média de produção é de 1,7 kg m-2 de biomassa total, correspondendo a 0,2 kg de óleo m-2, produção esta superior à produção de óleo de soja irrigada com água doce. Um dos problemas é a irrigação da cultura, por causar a água salgada corrosão dos equipamentos de irrigação, passível, entretanto, de ser solucionado. Em testes de lisimetria, foi verificado que essa espécie de Salicornia pode sobreviver com uso de água de até 100.000 ppm (cerca de 3 vezes à do mar). Para altas produções de biomassa há necessidade de uma lamina de água do mar 35% maior do que se fosse na agricultura convencional, devido à seletividade da espécie na absorção de água, concentrando demasiadamente os sais no solo; o excesso de água contribuirá para a lixiviação do excesso de sais da área cultivada. Para altas produções, o período de 100 dias anteriores ao florescimento da Salicornia precisa coincidir com temperaturas baixas, restringindo-se, portanto, o seu cultivo em regiões sub-tropicais; não é possível cultivá- la na maioria das áreas costeiras desérticas do planeta, situadas nos trópicos quentes. Portanto, é viável e promissor o uso de água do mar para irrigar halófitas, dependendo da necessidade de produção de alimentos e da demanda de água de boa qualidade para outros fins. REFERÊNCIAS Abdelly, C.; Barhoumi, Z.; Ghnaya, T.; Debez, A.; Hamed, K.B.; Ksouri, R. 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