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J. E. Carreira Alvim AÇÃO DE INVENTÁRIO E PARTILHA 2ª Edição - Revista e Atualizada de Acordo com a Lei 13.105/2015 e com as Reformas Introduzidas pela Lei 13.256/2016 Para o Dia a Dia, Exame da Ordem e Concursos Curitiba Juruá Editora 2016 APRESENTAÇÃO DA SÉRIE Cada volume desta série trata de um tema jurídico específico, abordando-o sob os seus variados aspectos, seja de forma doutrinária, seja na prática jurídica. A obra se divide em duas partes distintas, a saber: TEORIA: Onde se apresentam de modo claro, objetivo e sucinto, todas as carac- terísticas e elementos constitutivos do tema tratado, tanto sob o prisma do direito material quanto do direito processual. PRÁTICA: Composta de modelos das principais peças processuais, que abran- gem todo o rito processual, ou seja, desde a petição inicial até a sentença. Apresenta também fluxogramas sobre o procedimento de cada ação comenta- da, para que o operador do direito se oriente sobre os trâmites percorridos pelos respectivos processos até desaguarem na sentença de mérito. Pelo teor dos comentários concisos sobre o tema abordado, bem como pela excelente estrutura acadêmica adotada na obra, constitui-se esta, na atualida- de, no método mais eficiente de pesquisa técnico-jurídica, sendo instrumento de trabalho indispensável a todos aqueles que militam no âmbito jurídico. TEORIA E PRÁTICA PLANO DESTA COLEÇÃO: 1. Ação de Inventário e Partilha. 2. Ação de Consignação em Pagamento. 3. Embargos de Terceiro. 4. Ações Possessórias. 5. Arrolamento Judicial de Bens. 6. Protestos, Notificações e Interpelações. 7. Ação de Usucapião de Terras Particulares. 8. Interdição de Pessoas. 9. Ação de Execução de Entrega de Coisa (Certa e Incerta). 10. Ação de Execução de Obrigação de Fazer e Não Fazer. 11. Recursos de Embargos no Processo Civil (de Declaração, Au- tomáticos, Declaratórios com Efeito Modificativo, de Prequestio- namento e de Divergência). 12. Agravos Cíveis (de Instrumento, Interno, em Recursos Especial e Extraordinário). 13. Ação de Alimentos. 14. Mandado de Segurança Individual. 15. Mandado de Segurança Coletivo. 16. Ação Monitória. 17. Ação Comum no Processo Civil. 18. Liquidação e Cumprimento de Sentença por Quantia Certa. 8 J. E. Carreira Alvim 19. Produção Antecipada da Prova. 20. Litisconsórcio e Assistência. 21. Intervenção de Terceiros (Nomeação à autoria, Denunciação da Lide, Chamamento ao Processo, Desconsideração da Personali- dade Juridica eAmicus Curiae). 22. Recursos Especial e Extraordinário. 23. Ação de Divórcio. 24. Ação de Guarda de Filho. 25. Ação Sumaríssima (Juizados Especiais Cíveis Estaduais). 26. Ação Rescisória. 27. Ação de Revisão de Aluguel. 28. Ação Renovatória de Locação. 29. Ação de Despejo. 30. Nova Tutela Provisória (de Urgência e da Evidência). APRESENTAÇÃO Aproveitando os Comentários que fiz ao Código de Processo Civil de 2015, alterado pela Lei 13.256/2016, em quinze volumes, entendi que pudesse ser útil aos operadores do Direito destacar alguns temas, disciplinados pelo novo Código, nascendo assim a ideia de dar vida própria à Ação de Inventário e Partilha, de grande interesse para os opera- dores do Direito. Para que essa obra tivesse maior utilidade, decidi desmembrá-la em duas partes, sendo uma teórica e outra prática, esta última composta de alguns modelos das prin- cipais peças processuais, tanto a cargo das partes (petição inicial, contestação, réplica etc.) quanto do juiz (despa- chos, decisões interlocutórias, sentenças etc.), para que aqueles que estiverem se iniciando na seara jurídica pos- sam se orientar no curso do processo. Para facilitar essa caminhada, acrescentei tam- bém fluxogramas sobre os respectivos procedimentos, para que o operador do Direito saiba os passos que percorrem até desaguarem na sentença de mérito. Outros livros virão, versando sobre outras ações es- peciais de jurisdição contenciosa e procedimentos voluntá- rios; sobre os processos de conhecimento e de execução e sobre os procedimentos cautelar e antecipatório de tutela; e sobre alguns dos recursos mais utilizados na inferior instân- cia contra as decisões judiciais. Se algum leitor detectar algum erro ou equivoco do autor, ao dar vida a esta obra, por favor, faça contato pelo e-mail carreira.alvim@yahoo.com.br ou pelo Facebook. O autor SUMÁRIO PARTE TEÓRICA Inventário e Partilha Judicial ...................................................................................... 17 2 Inventário Negativo .................................................................................................... 19 3 Inventário e Partilha Extrajudiciais ............................................................................. 23 4 Assistência em Juízo por Advogado ou Defensor Público ......................................... 25 5 Assistência Judiciária e Justiça Gratuita ..................................................................... 27 6 Prazo pára Instauração do Inventário .......................................................................... 29 7 Questões Decidíveis no Tnventário ............................................................................. 35 8 Administrador Provisório do Espólio ...•..................................................................... 39 9 Atribuições do Administrador Provisório ................................................................... 43 10 Legitimidade para Requerer o Inventário ................................................................... 4 7 11 Legitimidade Concorrente .......................................................................................... 49 12 Legitimação para Ser Inventariante ............................................................................ 59 13 Compromisso de Inventariante ................................................................................... 65 14 Incumbências do Inventariante .............•..................................................................... 67 15 Outras Incumbências do Inventariante ..•..................................................................... 75 16 Primeiras Declarações do Inventariante ...................................................................... 79 17 Sonegação de Bens pelo Inventariante ....................................................................... 89 18 Remoção do Inventariante .......................................................................................... 91 19 Procedimento na Remoção do Inventariante .............................................................. 97 20 Citação no Inventário e Partilha ............................................................................... 103 21 Manifestação Sobre as Primeiras Declarações .......................................................... 107 22 Retificação das Primeiras Declarações ..................................................................... 111 12 J. E. Carreira Alvim 23 Ainda a Remoção do Inventariante ........................................................................... 113 24 Disputa Sobre a Qualidade de Herdeiro .................................................................... 115 25 Preterição de Herdeiro no Inventário ........................................................................ 119 26 Informação de Valores pela Fazenda Pública ........................................................... 123 27 Avaliação dos Bens do Espólio ................................................................................. 125 28 Balanço do Estabelecimento e Apuração de Haveres ............................................... 127 29 Dispensa de Avaliação e Concordância Parcial ........................................................ 129 30 Bens Situados Fora da Comarca ............................................................................... 133 31 Dispensa de Avaliação ..............................................................................................135 32 Valores dos Bens Declarados pela Fazenda Pública ................................................. 139 33 Laudo de Avaliação e Manifestação das Partes ........................................................ 141 34 Impugnação da Avaliação e Decisão Judicial de Plano ............................................ 143 35 Procedência da Impugnação e Retificação da Avaliação .......................................... 145 36 Últimas Declarações do Inventariante ...................................................................... 147 37 Cálculo do Tributo .................................................................................................... 149 38 Procedimento Sobre o Cálculo do Tributo ................................................................ 153 39 Colação de Bens ....................................................................................................... 155 40 Herdeiro Renunciante e Herdeiro Excluído .............................................................. 159 41 Negativa de Recebimento de Bens ou de Colacionar ................................................ 163 42 Pagamento das Dívidas do Espólio ........................................................................... 167 43 Remessa do Credor às Vias Ordinárias ..................................................................... 173 44 Reserva de Bens para Pagamento do Credor ............................................................ 175 45 Pagamento de Dívida Não Vencida .......................................................................... 177 46 Manifestação do Legatário Sobre as Dívidas do Espólio .......................................... 179 47 Nomeação à Penhora de Bens do Espólio ................................................................. 181 48 Pedido de Quinhão e Deliberação de Partilba ........................................................... 183 49 Direito de Usar e Fruir Bens do Espólio ................................................................... 187 50 Regras Observáveis na Partilba ................................................................................ 189 51 Bens Insuscetíveis de Divisão Cômoda .................................................................... 191 52 Quinhão de Nascituro ............................................................................................... 193 53 Esboço de Partilba .................................................................................................... 195 Ação de Inventário e Partilha 13 54 Lançamento da Partilha nos Autos ........................................................................... 199 55 Auto de Orçamento e Folha de Pagamento ............................................................... 203 56 Julgamento da Partilha ............................................................................................. 205 57 Formal de Partilha .................................................................................................... 209 58 Certidão de Pagamento de Quinhão .......................................................................... 213 59 Emenda da Partilha ................................................................................................... 215 60 Ação Anulatória de Partilha Amigável... .................................................................. 219 61 Prazo para Anular a Partilha ..................................................................................... 223 62 Ação Rescisória de Partilha ...................................................................................... 227 63 Tutela Provisória no Inventário ................................................................................ 231 64 Sobrepartilha de Bens no Inventário ......................................................................... 237 65 Processo na Sobrepartilha ......................................................................................... 243 66 Curador Especial ...................................................................................................... 245 67 Cumulação de Inventários ........................................................................................ 249 FLUXOGRAMAS Inventário Solene (Arts. 610 a 638) ................................................................................ 257 Partilha Judicial (Arts. 647 a 658) .................................................................................. 259 PARTE PRÁTICA-INVENTÁRIO SOLENE E PARTILHA Petição Inicial ................................................................................................................. 263 Decisão Inicial ................................................................................................................ 264 Termo de Compromisso de Inventariante ....................................................................... 265 Primeiras Declarações do Inventariante .......................................................................... 266 Citação dos Interessados e Intimação da Fazenda Pública .............................................. 267 Manifestação dos Herdeiros ............................................................................................ 268 Manifestação da Fazenda Pública ................................................................................... 269 Decisão Sobre Discordãncia da Fazenda Pública ............................................................ 270 Manifestação da Inventariante ........................................................................................ 271 Manifestação dos Herdeiros ............................................................................................ 272 Decisão de Avaliação do Imóvel .................................................................................... 273 14 J. E. Carreira Alvim Auto de Avaliação do Imóvel ......................................................................................... 274 Decisão Sobre o Auto de Avaliação do Imóvel... ............................................................ 275 Manifestação Sobre a Avaliação do Imóvel .................................................................... 276 Manifestação da Fazenda Pública Sobre a Avaliação do Imóvel .................................... 277 Vista para as Últimas Declarações .................................................................................. 278 Últimas Declarações do Inventariante ............................................................................. 279 Decisão Sobre o Cálculo do Imposto .............................................................................. 280 Cálculo do Imposto ......................................................................................................... 281 Decisão de Vista Sobre o Cálculo do Imposto ................................................................ 282 Manifestação das Partes Sobre o Cálculo do Imposto ..................................................... 283 Manifestação da Fazenda Pública Sobre o Cálculo do Imposto ...................................... 284 Sentença Sobre o Cálculo do Imposto ............................................................................. 285 Pagamento do Imposto Causa Mortis e Pedido de Quinhão ........................................... 286 Esboço do Formal de Partilba ......................................................................................... 287 Manifestação das Partes Sobre o Esboço do Formal de Partilba ..................................... 288 Auto de Partilba .............................................................................................................. 289 Julgamento da Partilba .................................................................................................... 291 Trânsito em Julgado da Sentença de Partilba ..................................................................292 Formal de Partilba ........................................................................................................... 293 REFERÊNCIAS ............................................................................................................ 295 ÍNDICE ALFABÉTIC0 ............................................................................................... 297 Parte TEÓ.RICA 1 INVENTÁRIO E PARTILHA JUDICIAL O Código Civil não dá um conceito de "inventário", no que an- dou bem1, limitando-se a dizer, no art. 1.991, que, desde a assinatura do compromisso até a homologação da partilha, a administração da herança será exercida pelo inventariante. Mais analítico era o Código Civil de 1916, que, no seu art. 1.771, dispunha que, no inventário, seriam descri- tos com individuação e clareza todos os bens da herança, assim como os alheios nela encontrados. A partir dessa disposição, poder-se-ia concei- tuar o inventário como sendo a descrição, individuada e clara, de todos os bens da herança, inclusive os alheios nela encontrados. A "partilha'', por seu turno, é a divisão dos bens inventariados entre os sucessores, quando se tratar de partilha decorrente de inventário causa mortis, ou, entre os cônjuges, quando se tratar de partilha decorren- te de inventário entre vivos, como o que se segue à separação ou divórcio Gudicial ou extrajudicial). O Código Civil não define o "testamento", deixando esse en- cargo para a doutrina, limitando-se a dispor, no art. 1.857, caput, que "toda pessoa capaz pode dispor, por testamento, da totalidade dos seus bens, ou de parte deles, para depois da sua morte"2 . Não há, realmente, necessidade de 1Illl Código definir o que seja inventário, pois as definições são perigosas, ficando mais bem localizadas nos compêndios doutrinários, cabendo à doutrina desincumbir-se dessa tarefa. O Código Civil contém outras disposições sobre a sucessão testamentária nos arts. 1.860 a 1.990, vindo a seguir a disciplina do inventário e da partilha nos arts. 1.991 a 2.027. 18 J. E. Carreira Alvim A incapacidade vem disciplinada pelo Código Civil, alterado pela Lei 13.146/2015, dispondo o art. 3° que são absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezes- seis) anos, e o art. 4º, I a IV, que são incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; os ébrios habituais e os viciados em tóxico; aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade; e os pródigos. O art. 610, caput, estabelece que, "havendo testamento ou inte- ressado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial". Este preceito disciplina tanto o inventário e a partilha judicial, perante o juiz, quanto o extrajudicial, perante o tabelião (art. 610, §§ 1° e 2º), ao mesmo tempo em que estabelece os requisitos para o procedimen- to extrajudicial, porquanto o judicial segue as demais prescrições legais. O novo Código, no caput do art. 610, como o seu antecessor de 1973 ( art. 982, caput)3 teve o propósito de simplificar o inventário e partilha. Sendo o inventário e a partilha um procedimento especial de ju- risdição contenciosa, a expressão "partes capazes" seria mais adequada, para qualificar a legitimação ativa, do que "interessado incapaz'', como consta da atual redação do art. 610, caput, porque "interessados" só exis- tem na hipótese de inventário e partilha extrajudicial, pois, se forem judi- ciais, o que haverá mesmo são partes. Aliás, no § 2º do art. 610 o novo Código fala em "partes interessadas'', e também no art. 611, caput, den- tre outros. O disposto no art. 610 se aplica, também, quando haja herdeiro único, sendo este capaz, caso em que, em vez de partilha, haverá adjudi- cação de bens ao herdeiro. 4 "Art 982. Havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial; se todos forem capazes e concordes, poderá fazer-se o inventário e a partilha por escritura pública, a qual constituirá titulo hábil para o registro imobiliário (. .. )". "Art 611. O processo de inventário e de partilha deve ser instaurado dentro de 2 (dois) meses, a contar da abertura da sucessão, ultimando-se nos 12 (doze) meses subsequentes, podendo o juiz prorrogar esses prazos, de oficio ou a requerimento de parte". 2 INVENTÁRIO NEGATIVO O inventário judicial só é obrigatório quando o autor da herança deixar bens, caso em que se tem o inventário positivo, mas, na prática, tem-se admitido também o inventário negativo, quando o morto não dei- xa bens, e o cônjuge supérstite, tendo filho do cônjuge falecido, pretender casar-se de novo, enquanto não fizer inventário dos bens do casal e der partilha aos herdeiros (CC, art. 1.523, I)5. Sergio Fadel6 aventa outra hipótese, que justifica o interesse do herdeiro no inventário negativo, para caracterizar ou tomar público que o finado nada lhe deixou, prevenindo assim evitar fiquem seus bens sujeitos às dívidas suportáveis pela herança; também pelo viúvo, que tenha filhos do falecido, para que não incida na causa suspensiva de casar antes de inventariar os bens do casal e dar partilha aos herdeiros (CC, arts. 1.641, I e 1.523, I). Para esse jurista, não há obrigação de abrir o inventário nega- tivo, podendo haver conveniência. Embora o inventário negativo possa parecer uma contradictio in terminis1, tem evitado, na prática, a ocorrência de disputa por bens que 5 7 Este exemplo é dado também por Humberto Theodoro Júnior, lembrando que a lei não permite o casamento do viúvo que tiver filho do cônjuge falecido, enquanto não promover o inventário dos bens do casal e der partilha aos herdeiros (CC, art. 1.523, I); sendo a infração dessa disposição legal a sujeição ao regime obrigatório da separação de bens no novo casamento (CC, art. 1.641, I). THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997. v. III, p. 228. FADEL, Sergio Sabione. Código de Processo Civil Comentado. 8. ed. Rio de Janeiro: Gen-Forense, 2010. v. II, p. 1.193. Contradição dos termos. 20 J. E. Carreira Alvim foram adquiridos depois do casamento, o que não seria tranquilo se o cônjuge supérstite não se antecipasse a declarar solenemente em juízo a inexistência de bens a inventariar8• A meu ver, embora não exista nenhuma obrigatoriedade a que alguém dê a inventário bens que não existem, também não existe proibi- ção a que o cônjuge supérstite faça em juízo uma declaração solene de que não possui bens a inventariar9; além do que, o juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade na lei, cumprin- do-lhe aplicar as normas legais, e, não as havendo, recorrer à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito (art. 140)10• Outra circunstância que, no passado, determinava o pedido de inventário negativo era quando o finado deixava valores depositados em estabelecimento bancário, ou mesmo valores do FGTSll, PIS/P ASEP12 etc., mas, mais recentemente, a Lei 6.858/1980 13, sobre pagamento de valores não recebidos em vida pelo titular, permitiu a dependentes habili- tados perante a Previdência Social, e independentemente de alvará, o recebimento desses valores não pagos em vida ao empregado 14• Posterior- Esse mesmo jurista reconhece que a criticada praxe é incorporada pelas próprias regras sobre custas judiciais, como no caso do Rio de Janeiro, em que há atribuição de valor diferenciado para o inventário negativo (Lei Estadual 3.350, de 29.12.1999). CARNEIRO, Paulo Cezar Pereira. Op. cit., nota 20, p. 14. Quando advogado, requeri um inventário negativo para fins de obtenção de alvará, quando ainda não havia nenhuma lei autorizando o levantamento; mas o juiz, que era um professor de processo civil, proferiu uma decisão, nestes termos: "Indefiro como inventário negativo. Processe-se como pedido de alvará. Preste o requerente o compromisso legal e faça as declaraçõesde direito". Ficou pior a emenda do que o soneto. Nesse caso sui generis o requerente teve que prestar um "compromisso"· e fazer as "declarações", de que não havia bens a inventariar. No fundo, criou-se um procedimento misto de inventário negativo com pedido de alvará; e sem nenhuma necessidade. 10 "Art 140. O juiz não se exime de decidir sob a alegação de lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico (. .. )". 11 Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). 12 Programa de Integração Social (PIS); Programa de Formação do Patrimônio do Servi- dor Público (P ASEP). Ambas as contribuições foram fundidas no fundo PIS/P ASEP. 13 A Lei 6.858/1980 foi regulamentada pelo Decreto 85.845/1981, que autoriza o levantamento de valores relativos à relação de emprego nas áreas privada e pública, às restituições referentes ao imposto sobre a renda e demais tributos recolhidos por pessoas físicas, aos saldos de contas bancárias, cadernetas de poupança e contas de fundos de investimento, desde que não passem o valor de R$ 3.198,01, correspondente, hoje, a 50 ORTN, desde que não existam, na sucessão, outros bens sujeitos a inventário. CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Op. cit., p. 12. 14 Idem, p. 11. Ação de Inventário e Partilha 21 mente, a Lei 8.213/1991, sobre benefícios previdenciários, permitiu que o valor não recebido em vida pelo segurado fosse pago (e continua sendo) aos dependentes habilitados à pensão por morte ou, na falta desses, aos seus sucessores na forma da lei civil, independentemente de inventário ou arrolamento15 . Na prática, se o interessado no levantamento de valores do autor da herança não lograr fazê-lo na forma autorizada por lei, não há alterna- tiva senão o pedido de alvará judicial, perante a justiça competente16• 15 Ibidem. 16 Nos termos da Súmula 161 do STJ: "É da competência da justiça estadual autorizar o levantamento dos valores relativos ao PIS-PASEP e FGTS, em decorrência do falecimento do titular da conta". CARl:'mIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Op. cit., p. 12. 3 INVENTÁRIO E PARTILHA EXTRAJUDICIAIS Reza o § 1° do art. 610 que, "se todos forem capazes e concor- des, o inventário e a partilha poderão ser feitos por escritura pública, a qual constituirá documento hábil para qualquer ato de registro, bem como para levantamento de importância depositada em instituições ji- nanceiras". Este preceito abre aos interessados (rectius, às partes) a opor- tunidade de fazer o inventário e a partilha por escritura pública - "po- derão" ser feitos por escritura pública, diz o texto -, quando o proce- dimento será realizado em sede extrajudicial, mas, se assim não quise- rem, poderão fazê-los pela via judicial como, por tradição, têm sido feito. Nesse caso, todos os interessados (rectius, partes) devem ser capazes e estarem de acordo em fazer o inventário e a partilha extraju- dicialmente, porque, se houver interessado incapaz, ou a discordância de um deles, o inventário deverá ser processado necessariamente pela via judicial. Se o inventário for feito por escritura pública, não terá cabimento a homologação judicial. Contém, também, o art. 610 uma condição para que o inventário e a partilha sejam feitos por escritura pública, que é a inexistência de testamento, porque, se houver testa- mento, o inventário e a partilha serão processados necessariamente pela via judicial. Na medida em que todos os beneficiários do testamento sejam capazes, essa restrição tem fundamento na hipótese de testamento cer- 24 J. E. Carreira Alvim rado (art. 735, caput)17, particular (art. 737, caput) 18, marítimo, militar, nuncupativo ou mesmo codicilo (art. 737, § 3º) 19, por exigirem cumpri- mento judicial. Para que o inventário possa ser extrajudicial, não basta que to- dos os interessados sejam capazes e concordem em fazê-lo por essa for- ma, sendo, também, indispensável que estejam de acordo quanto à parti- lha de bens, pois, se houver discordância, o inventário será necessaria- mente judicial. Sendo o inventário e a partilha feitos por escritura pública, terá a mesma eficácia dos feitos em sede judicial, de modo que constituirá docu- mento hábil para qualquer ato de registro - especialmente no Cartório de Registro de Imóveis -, bem como para levantamento de importância depo- sitada em instituições financeiras. Para efeito de levantamento desses valo- res, é preciso que eles tenham sido partilbados ao herdeiro ou sucessor, ou seja, que este seja o seu titular. Embora não o diga o novo Código, como não dizia o seu antecessor, deve a partilha extrajudicial valer-se do "formal de partilba" para fins de distribuição dos bens entre os herdeiros ou suces- sores do finado. Finalizando, são condições para que se possa fazer o inventário e partilba extrajudicialmente: a) os interessados sejam capazes; b) estejam concordes; c) sejam assistidos por advogado privado, defensor público ou Serviço de Assistência Judiciária; d) comprovem o recolbimento dos tribu- tos devidos; e) promova-se a lavratura de uma escritura pública perante o tabelião. Ad cautelam, determina a parte final do§ 2º do art. 610 que de- verão constar do ato notarial a qualificação e a assinatura do advogado ou defensor público que intervier no ato. 17 "Arl 73 5. Recebendo testa1nento ce1Tado, o juiz, se não achar vício que o tonze sus- peito de nulidade ou falsidade, o abrirá e mandará que o escrivão o leia em presença do apresentante (. .. )". 18 "Art. 737. A publicação do testamento particular poderá ser requerida, depois da morte do testador, pelo herdeiro, pelo legatário ou pelo testamenteiro, bem como pelo terceiro detentor do testamento, se impossibilitado de entregá-lo a algum dos outros legitimados para requerê-la (. .. )". 19 "A ri. 73 7. (. .. ) § 3° Aplica-se o disposto neste artigo ao codicilo e aos testamentos nzaritimo, aeronáutico, militar e nuncupativo (. .. )''. 4 ASSISTÊNCIA EM JUÍZO POR ADVOGADO OU DEFENSOR PÚBLICO Estabelece o § 2° do art. 61 O que "o tabelião somente lavrará a escritura pública se todas as partes interessadas estiverem assistidas por advogado ou por defensor público, cuja qualificação e assinatura cons- tarão do ato notarial". Essa regra, impondo às partes interessadas que sejam assistidas por advogado, para efeito de inventário e partilha por escritura pública, tem duas faces, sendo uma, sem dúvida, positiva, na medida em que impede alegação de eventuais nulidades, que possam contaminar o consenso (acor- do) das partes, e outra, negativa, pois encarece o procedimento, com a con- tratação de um causídico, na medida em que a Defensoria Pública só atende àqueles que se enquadrem nos critérios legais da assistência judiciária20• Na prática, o inventàrio extrajudicial limitar-se-á à prova do fa- lecimento do autor da herança, da relação dos bens por ele deixados, da qualificação dos herdeiros e da partilha dos bens, pelo que tudo isso será repassado ao advogado pelos interessados, o qual fará um esboço a ser submetido ao tabelião, para a lavratura da escritura pública. Se houver imposto a ser recolhido, como o imposto de renda, de transmissão de bens imóveis etc., deverá ser recolhido mediante guia 20 Essa disposição não deixa, também, de ser produto do espírito de corpo da OAB, sempre interessada em inserir o advogado na estrutura dos procedimentos, mesmo quando estes já não são mais judiciais, com o indisfarçável propósito de evitar que se restrinja, com tais medidas, o campo de trabalbo desses profissionais. 26 J. E. Carreira Alvim própria, comprovando-se o recolhimento perante o tabelião, como condi- ção para a lavratura da escritura pública. Como a Fazenda Pública interessada não é ouvida a priori, po- de, posteriormente, fazer o controle dos tributos devidos, exigindo o reco- lhimento da diferença, se houver. Embora essa condição não conste ex- pressamente da lei, impõe-se a sua observância, da mesma forma como ocorre no inventário judicial. O defensor público é um advogado que atuaem nome da insti- tuição à qual se vincula, que é a Defensoria Pública, e que, pelo simples fato de patrocinar a assistência faz presumir que os assistidos, ou um deles, sejam carentes de recursos para custear o patrocínio por advogado; a não ser naqueles Estados em que se permite à Defensoria Pública atuar em juízo na defesa de não necessitados, mediante remuneração, como acontece, por exemplo, no Estado do Rio de Janeiro. 5 ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA E JUSTIÇA GRATUITA Esqueceu-se o novo Código de outra instituição, que é o Servi- ço de Assistência Judiciária, muito atuante nos escritórios-modelos das Faculdades de Direito, tanto públicas quanto privadas, que patrocinam causas de pessoas com insuficiência de recursos, em condições análogas às prestadas pela Defensoria Pública, quando essa instituição não exista na comarca. A concessão de assistência judiciária aos necessitados vem dis- ciplinada pela Lei 1.060/1950 e alterações posteriores, estando a gratui- dade de justiça disciplinada pelos arts. 98 a 102 do novo CPC. Por justiça gratuita, deve ser entendida a gratuidade de todas as custas e despesas, judiciais ou não, a serem suportadas pelo necessitado, para o início e movimentação do processo; enquanto a assistência judiciá- ria envolve o patrocínio gracioso da causa pelo advogado, constituindo um munus público, que deve, em princípio, ser patrocinada pelo Estado; mas que pode também ser prestada por entidades não estatais, convenia- das ou não, com o poder público, como os escritórios-modelo das Facul- dades de Direito públicas e privadas. Assim, enquanto a assistência judiciária é prestada aos ne- cessitados por órgãos ou entidades, adrede constituídos para esse fim, a justiça gratuita é concedida aos necessitados, independentemente de quem seja o seu patrono, se órgãos de assistência judiciária ou advoga- dos privados. 6 PRAZO PARA INSTAURAÇÃO DO INVENTÁRIO Trata o art. 611 do prazo para a instauração do processo de in- ventário e partilha, no qual a Fazenda Pública tem especial interesse, para fins de recebimento do imposto de transmissão causa mortis, e eventuais outros tributos devidos pelo espólio ou pelos herdeiros ou sucessores, estabelecendo que ele deve ser aberto dentro de 2 (dois) meses, a contar da abertura da sucessão, ultimando-se nos 12 (doze) meses subsequentes, podendo o juiz prorrogar tais prazos, de oficio ou a requerimento de parte. A abertura da sucessão se dá com a morte do autor da heran- ça21, transmitindo-se, desde logo, os bens que a compõem aos herdeiros legítimos e testamentários (CC, art. 1.784)22, contando-se a partir da data do óbito o prazo de dois meses para a instauração do inventário. Melhor teria sido se o novo Código tivesse mantido o prazo pa- ra a instauração do processo de inventário e de partilha em dias, como no seu antecessor de 1973 (art. 983)23, porque 1 (um) mês nem sempre cor- 21 Costuma-se usar também o vocábulo de cujus como sinônimo de falecido, morto; expressão que é usada, inclusive, pelo inciso XXXI do art. 5º da Constituição: "XXXI - a sucessão de bens de estrangeiros situados no País será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de cujus. 22 "Art J. 784. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários". 23 ''.Art 983. O processo de inventário e partilha deve ser aberto dentro de 60 (sessenta) dias a contar da abertura da sucessão, ultimando-se nos 12 (doze) meses subsequentes, podendo o juiz prmTogar tais prazos, de oficio ou a requerimento de parte". 30 J. E. Carreira Alvim responde ao período de 30 (trinta) dias como se supõe, porque, nos ter- mos do art. 2º da Lei 810/1949: "Considera-se mês o período de tempo contado dia do início ao dia correspondente do mês seguinte"; e, nos termos do art. 3° dessa mesma Lei: "Quando no ano ou mês do vencimen- to não houver o dia correspondente ao do início do prazo, este findará no primeiro dia subsequente". Se o autor da herança falecer, por exemplo, no dia 1 º de julho, o prazo começará no dia 2 (não se computa o dia do começo) e terminará no dia 2 de setembro, num total de 61 (sessenta e um) dias; mas, se fale- cer no dia 1 ºde janeiro, (tendo fevereiro 28 dias) esse prazo terminará no dia 2 de março, num total de 60 (sessenta dias); o que faz com que, mes- mo sendo essa diferença de apenas um dia a isonomia é afrontada, e se a interposição for extemporânea, por conta da diferença de um dia, o espó- lio estará sujeito ao pagamento de multa e de todas as consequências que resultam dessa extemporaneidade. Neste exemplo, considerei que todos os dias, tanto de começo como de término eram dias úteis, porque pelo novo sistema, somente estes são contados. Talvez, por isso, tenha o legis- lador preferido o prazo em mês do que o prazo em dias, porque, nesse caso, os dias não úteis seriam excluídos da contagem. Na contagem desse prazo para instaurar o inventário e a parti- lha, quer se o considere de natureza processual (CPC: art. 224, caput)24 quer de natureza substancial (CC, art. 132, caput)25, deve ser excluído o dia do começo e incluído o do vencimento; de modo que, se o falecimen- to tiver ocorrido, por exemplo, no dia 1 º de julho (sendo dia útil), come- çará a contar no dia 2 e terminará no dia 2 de setembro (sendo dia útil). Se o dia do vencimento do prazo cair em feriado (CC, art. 132, § 1 º26; CPC: art. 224, § 1°)27, o prazo será protraído para o primeiro dia útil se- guinte. Se o prazo de dois meses for insuficiente para a instauração do inventário e da partilha, pode qualquer dos legitimados a fazê-lo (arts. 24 "Art. 224. Salvo disposição em contrário, computar-se-ão os prazos, excluindo o dia do começo e incluindo o do vencimento (. .. )". 25 "Art. 132. Salvo disposição em contrário, os prazos serão contados excluído o dia do começo e incluído o dia do vencimento (. .. )". 26 "Art. 132. (. .. ) § 1° Se o dia do vencimento cair em feriado, considerar-se-á pronogado o prazo até o seguinte dia útil(. .. )". 27 "Art. 224. (. .. ) § 1° Os dias do começo e do vencimento do prazo serão protraídos para o primeiro dia útil seguinte, se coincidirem com dia em que o expediente forense for encenado antes ou iniciado depois da hora nonnal ou houver indisponibilidade da comunicação eletrônica (. . .)". Ação de Inventário e Partilha 31 615, caput28 e 616)29 pedir a sua prorrogação, mediante petição, devendo o pedido conter um mínimo de fundamentação, porque essa prorrogação afasta a imposição da multa (calculada sobre o valor do ITBI30 na trans- missão causa mortis), em favor do Estado beneficiário do tributo. O pedido de prorrogação desse prazo é uma iniciativa da parte, não cabendo ao juiz fazê-lo de oficio, porquanto a instauração do inven- tário constitui um ônus da parte, que, não cumprido, provoca uma conse- quência desagradável para o espólio, onerado com a imposição da multa. Por outro lado, o prazo para a conclusão do inventário é uma iniciativa do juiz, porque, em se tratando de processo, este se movimenta por autodinâ- mica, ou seja, impulso a cargo do próprio juízo; e, se não tiver terminado no prazo de doze meses, é porque a lentidão da justiça não permitiu que fosse concluído. A decisão do juiz que decide sobre a prorrogação dos prazos deve ser suficientemente fimdamentada, porque o Estado pode sentir-se prejudicado por ela, na medida em que deixará de receber a multa de- corrente do retardamento; além do que, mesmo em se tratando de pedi- do formulado antes da instauração efetiva do processo, tem natureza interlocutória, desafiando agravo de instrumento (art. 1.015, parágrafo único)31 • A prorrogação do prazo referido no art. 611 pode ser tanto para o inicio quanto para o término do inventário, mas as legislações estaduais só preveem multa pelo retardamento na sua instauração e não pelo seu término extemporâneo; mesmoporque o atraso, nesse último caso, não pode ser debitado à parte, porque, quase sempre, decorre do mau funcio- namento da justiça. 28 "Art. 615. O requerimento de inventário e de partilha incumbe a quem estiver na posse e na administração do espólio, no prazo estabelecido no art. 611". 29 "Art. 616. Têm, contudo, legitimidade concorrente: I - o cônjuge ou companheiro supérstite; II - o herdeiro; III - o legatário; IV - o testamenteiro; V - o cessioná- rio do herdeiro ou do legatário; VI - o credor do herdeiro, do legatário ou do autor da herança; VII - o Ministério Público, havendo herdeiros incapazes; VIII - a Fazenda Pública, quando tiver interesse; IX - o administrador judicial da fa- lência do herdeiro, do legatário, do autor da herança ou do cônjuge ou compa- nheiro supérstite11 • 3o Imposto sobre a Transnússão de Bens Imóveis e de Direitos a eles Relativos (Lei 5.172/1966, art. 35). 3! "Art. 1.015. (. .. ) Parágrafo único. Também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumpri- niento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário". 32 J. E. Carreira Alvim O novo Código não prevê sanção expressa para o retardamento na instauração do inventário, mas os Estados federados, interessados no recolhimento do imposto de transmissão causa mortis, têm previsto multa progressiva pelo descumprimento do prazo. O questionamento sobre a constitucionalidade dessa medida levou o STF a expedir a Súmula 542, dispondo que a multa aplicada pelos Estados pelo descumprimento do prazo para a instauração do inventário não é inconstitucional32• O fato de os interessados (cônjuge ou companheiro supérsti- te, herdeiros, legatários etc.) se descuidarem da instauração do inven- tário não traz para o espólio outra consequência senão o pagamento da multa imposta pela legislação estadual, podendo haver condenação por litigância de má-fé, mas não por essa omissão, mas por qualquer ato ou fato praticado no curso do processo que se enquadre na moldura do art. 80. O inventário e a partilha não são um procedimento simples co- mo parece, mormente quando haja divergência entre os herdeiros quanto aos bens a inventariar, caso em que cada um constitui o seu próprio ad- vogado, temendo ser passado pra trás, desenvolvendo-se todo o proce- dimento sob um clima realmente beligerante. Muitas vezes, nem há dis- cordância entre os herdeiros quanto aos bens a inventariar, mas interesse em procrastinar o término do inventário, para dilatar também o prazo para o pagamento dos tributos, especialmente o imposto de transmissão de bens imóveis, dado o seu expressivo valor. Mesmo tendo o art. 611 concedido o prazo de dois meses, para o início do inventário e de doze meses para a sua conclusão, continuará sendo um prazo recomendatório (ou programático), pois, dificilmente, os grandes inventários e os inventários litigiosos serão concluídos dentro do prazo. A regra do art. 611, que disciplina o prazo para a instauração e a ultimação do inventário, aplica-se tanto ao inventário judicial quanto ao extrajudicial. O inventário e partilha de bens situados no Brasil é da compe- tência exclusiva da justiça brasileira, ainda que o autor da herança (o fale- cido) seja de nacionalidade estrangeira e ou tenha domicílio fora do terri- tório nacional (art. 23, II); assim como é da competência da justiça es- 32 Registra Pinheiro Carneiro precedente do Tribunal de Justiça do RGS (RJTJRGS 134/265), reconhecendo não haver sanção processual para a abertura (rectius, instau- ração) do inventário fora do prazo. CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Op. cit., p. 19. Ação de Inventário e Partilha 33 trangeira o inventário e partilha quanto aos bens do finado localizados no seu território33 . O foro do domicílio do autor da herança (rectius, do finado), no Brasil, é o competente para o inventário, a partilha, a arrecadação, o cumprimento de disposições de última vontade, a impugnação ou anula- ção de partilha extrajudicial e para todas as ações em que o espólio for réu, ainda que o óbito tenha ocorrido no estrangeiro (art. 48, caput); mas, se o autor da herança não possuía domicílio certo, o foro competente será o da situação dos bens imóveis (art. 48, parágrafo único, I); se o autor da herança possuía bens imóveis em foros diferentes, em qualquer destes (art. 48, parágrafo único, II); e, se não possuía bens imóveis, o foro do local de qualquer dos bens do espólio (art. 48, parágrafo único, Ill). 33 Existe precedente jurisprudencial, proclamando não competir à Justiça brasileira inventário e partilha de bens situados fora do País (RT 520/119; RF 269/208 E RTJ 110/750). CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Op. cit., nota 34, p. 21. 7 QUESTÕES DECIDÍVEIS NO INVENTÁRIO Estabelece o art. 612 que "o juiz decidirá todas as questões de direito desde que os fatos relevantes estejam provados por documento, só remetendo para os meios ordinários as questões que dependerem de ou- tras provas". Qualquer questão de direito, das mais simples às mais com- plexas, que surja no curso do inventário, deve ser decidida pelo juiz, de forma incidente, como, por exemplo, se o filho adotivo do autor da he- rança, com prova da adoção e pedido de habilitação no inventário tem, ou não, direito hereditário; se o cessionário do herdeiro ou legatário, com contrato de cessão de herança de parte determinada do imóvel, tem, ou não, o direito que pretende; se o credor do herdeiro ou do lega- tário, munido de um título de crédito, tem, ou não, o direito ao recebi- mento do seu crédito etc. A questão de direito pode, excepcionalmente, ser também exigir provas, quando se trate, por exemplo, de inventário de bens de estrangei- ro, domiciliado no Brasil, por ser mais favorável ao cônjuge ou filhos brasileiros a lei pessoal do autor da herança (CF: art. 5°, XXXI)34, pois, nesse caso, pode ser necessária a prova do direito que ampara a alegação da parte. Nesta direção, aponta o art. 376 do CPC, dispondo que a parte que alegar direito estrangeiro provar-lhe-á o teor e a vigência, se assim o juiz determinar. A prova, em se tratando de questão juridica apoiada em 34 Dispõe o inc. XXXI do art. 5° da Constituição que a sucessão de bens de estrangeiros situados no País será regulada pela lei brasileira em beneficio do cônjuge ou dos filhos brasileiros, sempre que não lhes s!ja mais favorável a lei pessoal do de cujus. 36 J. E. Carreira Alvim norma material estrangeira, compreende não apenas a exibição do texto legal (lato sensu), pois esta comprova apenas o teor do direito, cumprindo à parte provar, também, a sua vigência, ou seja, que está (ou estava) em vigor quando do nascimento do direito35• Também as questões de fato devem ser resolvidas no processo de inventário, das mais simples às mais complexas, de forma incidente, se o fato estiver provado por documento, não havendo outras provas a serem produzidas, porque, se houver, não poderão ser produzidas no inventário, devendo o juiz remeter as partes para as vias comuns. A expressão "que dependerem de outras provas", no novo Có- digo, remete à expressão "questões relevantes dependente de prova que não a documental'', que, no sistema de 1973, era qualificada como ques- tões de "alta indagação" (art. 984)36, porque, se a questão tiver relevância, mas não houver outras provas a serem produzidas, além dos documentos juntados nos autos, não faz sentido remeter as partes para um processo futuro (procedimento comum), onde as provas serão as mesmas e nada será acrescentado37 . Pinheiro Cameiro38 pesquisou a jurisprudência e fez uma rela- ção casuística das questões que devem ser resolvidas no âmbito do inven- tário39; se bem que a doutrina é que deve dar o rumo da jurisprudência, e não o contrário, ir a reboco dela. Dentre as questões que devem ser resolvidas no âmbito do in- ventário estão: a) condição de filho e herdeiro, e a de companheira do autor da herança, desdeque documentalmente provados os fatos, sem necessidade de procurar provas fora do processo de inventário; b) direito da companheira40 à meação pela colaboração na aquisição do patrimônio comum; c) saber se o filho adotivo é considerado herdeiro, ou se, ao con- 35 CARREIRA ALVIM, J. E. Comentários ao Código de Processo Civil. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2010. v. 4, p. 38. 36 ''Art; 984. O juiz decidirá todas as questões de direito e também as questões de fato, quando este se achar provado por documento, só remetendo para os meios ordinários as que demandarem alta indagação ou dependerem de outras provas". 37 Assim pensa, também, Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, para quem a questão de alta indagação é aquela que depende de dilação probatória ou que a lei, expressamente, em face de determinada condição, não permita que o juízo do inventário decida. CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Op. cit., p. 26. 38 Idem, p. 33. 39 A jurisprudência apresentada, na sua maioria, como ele próprio esclarece, tem por base o antigo Código Civil (1916). CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Op. cit., nota 51, p. 33. 40 Na obra original, a referência é à "concubina". Ação de Inventário e Partilha 37 trário, subsistem restrições estabelecidas no Código Civil, havendo filhos legítimos; d) direito do cônjuge viúvo ao usufruto legal; e) dívida do fale- cido, se comprovada documentalmente e não contestada pelos herdeiros; f) declaração de isenção de imposto; g) declaração de nulidade de incor- poração de bens à sociedade41 . Aponta também Pinheiro Cameiro42 questões que, por depende- rem de outras provas, não devem ser resolvidas no inventário, mas nas vias comuns estão: a) existência de sociedade de fato entre o inventariado e a companheira, e o direito desta à partilha de bens adquiridos pelo es- forço comum; b) comprovação das causas de deserdação, ainda que em autos apartados e sem resistência por parte do deserdado; c) ação de inva- lidação de documentos públicos, tais como certidões de nascimento; d) anulabilidade de ato praticado com fraude contra os interesses da heran- ça; e) incidente de falsidade de documento; f) averiguação da suposta inoficiosidade da liberalidade, pela avaliação da metade disponível dos doadores à data das doações; g) discussão acerca da validade de escritura pública de dissolução do vínculo adotivo43 ; h) relação de direito tributá- rio, estabelecida em contrato de direitos hereditários; i) reintegração de posse; j) interpretação de cláusula contratual de sociedade comercial44; 1) prova de erro na avaliação dos bens; m) interpretação de cláusula testa- mentária que demanda análise profunda da vontade do testador45; n) dis- cussão acerca de bem vendido a descendente sem o consentimento dos demais; o) aferição do esforço comum na aquisição dos bens adquiridos na constância do casamento celebrado sob o regime da separação legal; p) anulação de testamento46• 4I CARNEIRO, Paulo CezarPinheiro. Op. cit., p. 33. 42 Idem, p. 33-34. 43 Nesse caso (REsp. 64.403/SP), um dos ministros não conheceu do recurso por entender não ser cabível, no inventário, invalidação de documentos públicos (tal como se fez no acórdão da letra "c"); tendo outro entendido que a nulidade da escritura de dissolução de adoção é questão de direito e, como tal, passível de decisão pelo juízo do inventário. CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Op. cit., p. 34. 44 Esta questão não é de alta indagação, a menos que imprescindível a dilação probatória, e não simplesmente por não se tratar de matéria sucessória, como afJTIIlado no acórdão (TJRJ: Al 1998.002.09245). CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Op. cit., p. 34. 45 Também esta questão não é de alta indagação, a menos que imprescindível a dilação probatória, e não simplesmente por não se tratar de matéria sucessória, como afJTIIlado no acórdão (STJ: Ag. 220.857/GO). CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Op. cit., p. 34. 46 Idem, p. 33-34. 38 J. E. Carreira Alvim Questão não pacificada na doutrina se prende à discussão sobre a natureza do provimento judicial que remete a parte às vias comuns. Em qualquer hipótese, especialmente quando a parte é remetida às vias comuns, por se tratar de questão dependente de outras provas, tenha ou não, sido feito pedido de quinhão, o provimento é interlocutório, desafiando recurso de agravo47 recurso expressamente previsto, atualmen- te, pelo novo Código (art. 1.015, parágrafo único), não tendo mais sentido entender que "houve indeferimento sem julgamento de mérito", a justifi- car o recurso de apelação. Atualmente, o fato de a decisão ser de mérito não importa ne- cessariamente ser impugnável por meio de apelação, porque, na conces- são de tutela antecipatória, há decisão de mérito por antecipação, e, no entanto, trata-se de decisão interlocutória, impugnável por meio de agra- vo de instrumento. 47 Neste sentido, também Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, para quem é cabível também o recurso de agravo de instrumento em face da decisão inter!ocutória, proferida pelo juiz do inventário, que remete a questão duvidosa para ser decidida nas vias ordinárias. CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Op. cit., p. 35. 8 ADMINISTRADOR PROVISÓRIO DO ESPÓLIO Estabelece o art. 613 que, "até que o inventariante preste o com- promisso, continuará o espólio na posse do administrador provisório". O administrador provisório não é, como se supõe48, uma cria- ção do Código de Processo Civil, a ele se referindo o Código Civil, no seu art. 1.797, Ia N 49, dispondo que, até o compromisso do inventarian- te, a administração caberá, sucessivamente, às pessoas ali indicadas. Apesar de se referir ao administrador provisório, no singular, tal não significa que não possam os bens estar sob a administração de mais de um administrador, caso em que a responsabilidade decorrente desse en- cargo será de todos. O art. 613 passa a impressão, não de todo verdadeira, de que o administrador provisório seja aquele que já venha exercendo a administra- ção dos bens, quando da abertura da sucessão, pois que afirma que conti- nuará o espólio na posse do administrador provisório. 48 CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Op. cit., p. 36. SANTOS, Emane Fidélis dos. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1978, v. VI, p. 326. 49 "Art ]. 797. Até o compromisso do inventariante, a administração da herança caberá, sucessivamente: 1- ao cônjuge ou companheiro1 se com o outro convivia ao tempo da abertura da sucessão; II - ao herdeiro que estiver na posse e administração dos bens, e, se houver mais de um nessas condições, ao mais velho,- III - ao testamenteiro,' IV - a pessoa de confiança do juiz, na falta ou escusa das indicadas nos incisos antecedentes, ou quando tiverem de ser afastadas por motivo grave levado ao conhecimento do juiz". 40 J. E. Carreira Alvim O Código parte da presunção, e dá a entender isso no art. 61450, de que os bens do espólio se encontram na posse de alguém, que os venha administrando, e que, com a morte do autor da herança, prossiga ele nes- sa administração, até que venha a ser compromissado o inventariante. Na prática, pode até ser assim, se é que alguém vinha adminis- trando os bens, por exemplo, porque o autor da herança se encontre im- pedido de fazê-lo - por estar muito doente; estar internado num hospital etc. -, mas não quando morre de morte súbita - um ataque cardíaco ful- minante - pois, nesse caso, ninguém estará administrando os bens, que eram administrados pelo próprio dono ou proprietário (o falecido). Embora disponha o art. 1.784 do Código Civil que, aberta a su- cessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e tes- tamentários51, trata-se de uma transmissão de direito, porque, de fato, a administração da herança (rectius, dos bens do espólio) cabe, nos termos do art. 1.797, I a N, do mesmo Código, sucessivamente, ao cônjuge ou companheiro, se com o outro convivia ao tempo da abertura da sucessão; ao herdeiro que estiver na posse e administraçãodos bens, e, se houver mais de um nessas condições, ao mais velho; ao testamenteiro; e à pessoa de confiança do juiz, na falta ou escusa das indicadas nos incisos antece- dentes, ou quando tiverem de ser afastadas por motivo grave levado ou conhecimento do juiz. O qualificativo de "provisório" traduz bem a temporariedade e temporalidade dessa função, pois começa com a morte do autor da herança, quando se abre a sucessão, até que algum dos legitimados (art. 617, I a VIII)52 venha a ser compromissado como inventariante. Portanto, a sim- 50 "Art 614. O administrador provisório representa ativa e passivamente o espólio, é obrigado a trazer ao acervo os frutos que desde a abertura da sucessão percebeu, tem direito ao reembolso das despesas necessárias e úteis que fez e responde pelo dano a que, por dolo ou culpa, der causa". 51 Essa transmissão tem o objetivo de evitar que haja um hiato entre a morte do autor da herança e a tomada de posse dos bens pelos seus herdeiros; porquanto, se os bens ficassem sem dono, correriam o risco de serem arrecadados como "vacantes", passando ao domínio do Poder Público (Cód. Civil, art. 1.822, caput). 52 "Art 617. O juiz nomeará inventariante na seguinte ordem: I - o cônjuge ou compa- nheiro sobrevivente, desde que estivesse convivendo com o outro ao tempo da morte deste; II - o herdeiro que se achar na posse e na administração do espólio, se não houver cônjuge ou companheiro sobrevivente ou se estes não puderem ser nomeados,· III - qualquer herdeiro, quando nenhum deles estiver na posse e na administração do espólio; IV - o herdeiro menor, por seu representante legal; V - o testamenteiro, se lhe tiver sido confiada a administração do espólio ou se toda a herança estiver distri- buída em legados; VI - o cessionário do herdeiro ou do legatário; VII - o inventa- Ação de Inventário e Partilha 41 ples nomeação do inventariante não faz cessar o encargo de administra- ção provisória, pois, enquanto não se firmar a indicação na pessoa de um dos legitimados, com a assinatura do termo de compromisso. O Código Civil contempla o testamenteiro (CC, art. 1.797, III), como administrador provisório, em terceiro lugar, mas, não haven- do cônjuge ou companheiro sobrevivente, ou herdeiros necessários, tendo o testador concedido ao testamenteiro a posse e administração da herança (CC, art. 1.977), incumbe-lhe requerer inventário e cumprir o testamento (CC, art. 1.978). Nessa hipótese, o testamenteiro só exercerá a função de admi- nistrador provisório até que venha a ser nomeado o inventariante do espó- lio, na forma do art. 617, I a VIII, do CPC, que pode até ser o próprio testamenteiro, se lhe tiver sido confiada a administração do espólio ou toda a herança estiver distribuída em legados53 (CPC: art. 617, V). O último indicado na relação dos administradores provisórios, pelo art. 1.797, N, é a pessoa de confiança do juiz, na falta ou escusa das indicadas nos incisos I a III, ou quando tiverem de ser afastadas por mo- tivo grave levado ou conhecimento do juiz; mas, nessa hipótese, dificil- mente o escolhido exercerá essa função, porque, ao fazê-lo, já será na condição de inventariante. Uma vez prestado o compromisso legal pelo inventariante, ces- sa o encargo do administrador provisório, no suposto de que, formalizado esse compromisso, tenha o inventariante sido, realmente, investido na administração dos bens do espólio, porque, se, apesar de o haver presta- do, isso não ocorrer, não pode o administrador provisório deixar ao léu54 esses bens, cumprindo-lhe comunicar o fato ao juiz e pedir as providências necessárias. Se assim não fizer, poderá ser civilmente responsabilizado, perante o cônjuge ou companheiro, ou sucessores do de cujus, pelos pre- juízos que possa causar aos bens da herança. riante judicial, se houver; VIII - pessoa estranha idônea, quando não houver inventa- riante judicial (. .. )". 53 O legado é um bem individualizado que o testador deixa a uma pessoa, estranha ou não, à sucessão legítima; ou seja, uma deixa testamentária determinada dentro do acervo transmitido pelo autor da herança, como, por exemplo, um anel ou joías da herança, um terreno ou um número determinado de lotes, as ações de companhias ou de determinada companhia. O legado se distingue da herança porque esta vem a ser o patrimônio do falecido, o conjuoto de direitos e obrigações que se transmitem aos herdeiros legítimos ou testamentários, e o legado são apenas bens determinados do seu espólio. 54 Deixar ao léu é deixar ao acaso. 9 ATRIBUIÇÕES DO ADMINISTRADOR PROVISÓRIO Nos termos do art. 614 do novo CPC, "parte inicial, o adminis- trador provisório representa ativa e passivamente o espólio ( ... )''. Não podendo o espólio ter a sua representação acéfala55, alguém há de representá-lo na ordem civil, porque, apesar de ser um ente sim- plesmente formal, despido de personalidade juridica, é investido em todos os direitos e deveres que pertenciam ao autor da herança, que não se ex- tinguem com a sua morte. Assim, essa representação ativa e passiva é, preponderantemente, negociaz56, zelando para que as atividades do finado não sofram interrupção em razão da sua morte, até que o inventariante venha a assinar o compromisso, depois de aberto o inventário. No exercí- cio dessa atividade, porém, não dispõe o administrador provisório de poderes para movimentar a conta bancária do autor da herança; outorgar escrituras de imóveis etc., como se viu nos comentários ao art. 613, para o que necessitará de autorização judicial57• 55 Acéfalo significa: "sem cérebro". 56 Por exemplo, recebimento de créditos; pagamento de débitos; recolhimento de tributos; contratação e pagamento de empregados; aquisição de ração para o gado e de sementes para o plantio; realização de colheita e venda bens perecíveis; cumprimento dos contratos fmnados pelo autor da herança etc. 51 Marcos Afonso Borges não vê também necessidade e utilidade da nomeação do administrador provisório, tendo em vista que dentro de dois meses- na obra original, a referência é a sessenta dias (art. 983 do CPC/1973) deverá ser requerido o inventário; pelo que, a ter que se requerer a nomeação do administrador provisório, requeira-se de pronto o inventário. BORGES, Marcos Afonso. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: LEUD, 1977. v. N, p. 192. 44 J. E. Carreira Alvim Nenhuma representação do espólio exerce o administrador provi- sório em juízo, porque, se houver processo em curso, a morte do autor da herança, na qualidade de autor ou de réu, suspende temporariamente o processo, como dita o inc. Ido art. 31358, abrindo a oportunidade para que ocorra a habilitação59 do seu espólio, ou dos interessados (rectius, sucesso- res), que houverem de suceder-lhe60 no processo (art. 687)61 . Se houver necessidade de ajuizar alguma ação urgente em favor do espólio, a legiti- mação pertence a quem tiver legitimação para ser inventariante. Daí por que o Código faz a diferença entre a simples representação ativa e passiva do espólio (art. 614), quer dizer, para fins negociais, que não dependam de autorização judicial, e a representação ativa e passiva do espólio em juízo (art. 75, VII62 e618,1)63 , quer dizer para fins judiciais, cabendo a primeira, ao administrador provisório e a segunda, ao inventariante64• Mesmo sendo o administrador provisório o cônjuge ou compa- nheiro ou o herdeiro, não dispõem eles, nessa condição, de poderes -, além da simples administração negocial dos bens inventariáveis (representação ativa e passiva) -, para comprometer os interesses do espólio em juízo, de- mandando ou sendo demandado (representação ativa e passiva em juízo), com gastos e despesas em detrimento do monte; função esta que cabe, com exclusividade, ao inventariante, nos termos do art. 75, VII, e art. 618, I. Reza ainda o art. 614 que o administrador provisório é obrigado a trazer ao acervo os fnltos que desde a abertura da sucessão percebeu; tem direito aoreembolso das despesas necessárias e úteis que fez e res- ponde pelo dano a que, por dolo ou culpa, der causa. 58 "Art. 313. Suspende-se o processo: J - pela morte ou perda da capacidade processual de qualquer das partes, de seu representante legal ou de seu procurador;(. .. )". 59 "Art. 68 8. A habilitação pode ser requerida: J - pela parte, em relação aos sucessores do falecido; II - pelos sucessores do falecido, em relação à parte". 60 Neste sentido, dispõe também o art. 110 que, "Oc01Tendo a morte de qualquer das partes, dar-se-á a sucessão pelo seu espólio ou pelos seus sucessores, observado o disposto no art. 313, §§ 1~'. 61 "Art. 687. A habilitação ocorre quando, por falecimento de qualquer das partes, os interessados houverem de suceder-lhe no processo". 62 "Art. 75. Serão representados em juízo, ativa e passivamente: (. .. ) V - o espólio, pelo inventariante,· (. .. )". 63 "A rt. 618. Incumbe ao inventariante: 1 - representar o espólio ativa e passivamente, em juízo ou fora dele, observando-se, quanto ao dativo, o disposto no art. 7 5, § J'; (. .. )". 64 Equivocado, no particular, o STJ, proclamando caber ao administrador provisório a representação do espólio em juízo, enquanto ainda não prestado o compromisso pelo inventariante (REsp. 81.173/GO). Ação de Inventário e Partilha 45 O art. 614 minus dixit quam voluit65, porque a obrigação do administrador provisório, seja ele cônjuge ou companheiro, ou herdeiro, é trazer ao acervo (rectius, espólio) não apenas os frutos que percebeu (rectius, colheu) mas também um demonstrativo detalhado de todas as receitas produzidas durante a sua administração, e, também, as despesas feitas, que serão submetidas à decisão do juízo do inventário, em contra- ditório entre as partes. O administrador provisório é civilmente responsável pela sua administração, seja ela a simples administração, em seguimento à morte do autor da herança, seja a administração autorizada judicialmente, para a prática de atos mais complexos, e, em qualquer desses casos, responde por danos que vier a causar aos bens do espólio a título de dolo ou culpa. O dolo é, sabidamente, a vontade consciente de produzir determinado resultado, ocorrendo quando o administrador provisório quer malversar o patrimônio do espólio ou algum bem dele integrante; enquanto a culpa é a administração mal conduzida, ou seja, uma administração imprudente, negligente ou sem a necessária habilidade para fazer o que fez. 65 Disse menos do que queria. 10 LEGITIMIDADE PARA REQUERER O INVENTÁRIO Nos termos do art. 615 do novo CPC, "o requerimento de in- ventário e partilha incumbe a quem estiver na posse e administração do espólio, no prazo estabelecido no art. 61 J". Quem está, geralmente, na posse ou administração dos bens do espólio, é o cônjuge ou companheiro supérstite, pelo que, ao detenninar o art. 616 que um deles requeira o inventário e partilha dos bens do espólio, estará automaticamente autorizando os outros; mas, se não coincidirem essas duas qualidades, a de possuidor dos bens do espólio com a de ad- ministrador desses mesmos bens, sem dúvida, a legitimação para abrir o inventário deve começar pela ordem estabelecida pelo art. 61766• Ao posicionar o administrador provisório, na :frente dos herdei- ros e sucessores do autor da herança, o novo Código, como o seu ante- cessor, não se deu conta de que esse pedido depende também do preen- chimento da capacidade postulatória, pelo que, se esse administrador não for advogado -, como normalmente não será -, deverá contratar um ad- 66 "Art 617. O juiz nomeará inventariante: 1 - o cônjuge ou companheiro sobrevivente casado, desde que estivesse convivendo com o outro ao tempo da morte deste; II - o herdeiro que se achar na posse e administração do espólio, se não houver cônjuge ou companheiro sobrevivente ou se estes não puderem ser nomeados; III - qualquer herdeiro, quando nenhum deles estiver na posse e na administração do espólio; IV - o menor, por seu representante legal; V - o testamenteiro, se lhe tiver sido confiada a administração do espólio ou se toda a herança estiver distribuída em legados; VI - o cessionário do herdeiro ou legatário; VII - o inventariante judicial, se houver; VIII - pessoa estranha idônea, onde não houver inventariante judicial(. .. )". 48 J. E. Carreira Alvim vogado para formular esse requerimento, com o qual deverá fazer um contrato de prestação de serviços para esse fim; e, o que é pior, ao ser compromissado o inventariante, se não for o mesmo administrador, e não concordar com a contratação, e, sobretudo, com os honorários convencio- nados, ficará a questão de resolver sobre quem recairá esse pagamento pelos serviços até então prestados, ou até eventual multa pela rescisão do contrato de honorários. Não sendo o administrador provisório o cônjuge ou o compa- nheiro ou o herdeiro (ou o sucessor) do falecido, a ele o art. 615 não dá a menor bola, pelo que as imposições atécnicas feitas pelo novo Código acabam mesmo no papel, caminhando as coisas na direção da lógica, mais do que pela imposição feita por essa regra legal. Reza o parágrafo único do art. 615 que o requerimento será ins- truído com a certidão de óbito do autor da herança. Essa exigência, de se instruir o pedido de inventário com a cer- tidão de óbito do autor da herança, dificulta ainda mais o ônus imposto ao administrador provisório, quando não seja pessoa ligada à família, de ter que sair em busca de um documento (pelos seus próprios meios), que não pode deixar de acompanhar a petição inicial (art. 320)67 . Com as vistas voltadas para a realidade brasileira, observa Mar- cos Afonso Borges68 que, em vez de dizer o parágrafo único do art. 61569 que o requerimento (de inventário) será instruído com a "certidão de óbito do autor da herança", teria dito com mais propriedade se dissesse "prova do falecimento do autor da herança"; porque muitas vezes existe prova de que o indivíduo faleceu, mas não existe uma certidão de óbito. Registra o citado jurista que, no interior do Brasil, processam-se, diaria- mente, e às dezenas, inventários e partilhas de pessoas comprovadamente falecidas e cujos óbitos não foram registrados70 . 67 "Arl 320. A petição inicial será instruída com os documentos indispensáveis à propositura da ação". 68 BORGES, Marcos Afonso. Op. cit., p. 194. 69 Na obra original, a referência é ao parágrafo único do art. 987 do CPC/1973. 70 Observa o mesmo Marcos Afonso Borges que fica a critério do juiz contentar-se com a prova produzida, ou determinar seja a mesma completada por outros elementos. 11 LEGITIMIDADE CONCORRENTE Nos termos do art. 616, "têm legitimidade conco1Tente: I - o cônjuge ou companheiro supérstite; II - o herdeiro; III - o legatário; IV - o testamenteiro; V - o cessionário do herdeiro ou do legatário; VI - o credor do herdeiro, do legatário ou do autor da herança; VII - o Minis- tério Público, havendo herdeiros incapazes; VIII - a Fazenda Pública, quando tiver interesse; IX - o administrador judicial da falência do her- deiro, do legatário, do autor da herança ou do cônjuge ou companheiro supérstite". O pedido de instauração do inventário não traduz nenhum privi- légio para quem pede, mas, ao contrário, despesas, porque o peticionante deverá contratar um advogado para fazê-lo, se não possuir ele próprio o ius postulandi71 . Destarte, apesar das disposições do art. 615, que cometem ao administrador provisório o ônus de requerer o inventário, e das do art. 616, que legitimam outras pessoas (o cônjuge ou companheiro supérstite, o herdeiro, o legatário, o testamenteiro etc.) a fazê-lo, uma vez instaura- do, instaurado estará, não tendo sentido que, sendo requerido, por exem- plo, pelo administrador provisório, viesse a ser anulado o processo, por se entender que essa legitimação caberia prioritariamente ao cônjuge ou companheiro supérstite. Se mais de um legitimado vier a requerer a ins- tauração do inventário,prevalecerá a prevenção, sendo competente o juízo a quem for distribuída a primeira petição inicial, onde houver mais 71 O ius postu/andi é o direito de postular, que, no Brasil, pertence ao advogado, regu- larmente inscrito na OAB. 50 J. E. Carreira Alvim de um juiz (art. 284)72, ou, quando não houver, por ocasião do protocolo da petição inicial (art. 312, parte inicial)73 • Reza o inc. I do art. 616 que tem legitimidade concorrente para requerer o inventário o cônjuge ou companheiro supérstite. Questão a resolver poderá surgir, caso o cônjuge ou companheiro supérstite não esteja convivendo com o outro, ao tempo da morte deste, por razões que não lhe possam ser imputadas, como, por exemplo, ter o de cujus abandonado o lar, situação que, em princípio, afeta a legitimação para ser inventariante, mas não, para requerer a instauração do inventário; mes- mo porque, atualmente, a sucessão legítima defere-se também ao cônjuge sobrevivente em concorrência com os ascendentes e descendentes. Como a legitimação para requerer a instauração do inventário não se identifica com a legitimação para ser nomeado inventariante, po- dendo o interessado preencher uma sem preencher a outra74, como acon- tece com os legitimados dos incs. V a IX do art. 61675, o cônjuge sobre- vivente tem legitimidade para requerer o inventário, embora não a tenha para ser inventariante, se não estiver convivendo com o de cujus ao tem- po da morte deste; a não ser, evidentemente, se, apesar disso, nenhum herdeiro se opuser à sua investidura no cargo. O novo Código não faz, como não fazia o seu antecessor, ne- nhuma distinção quanto ao regime do casamento, nem quanto à situação de fato do casal, subsistindo a legitimação e o interesse do sobrevivo para pedir a instauração do inventário, desde que subsistente a sociedade con- jugal, ao tempo da morte do autor da herança. Se o regime de bens for o da separação, doutrina Emane Fidélis dos Santos76, o interesse do cônjuge 72 "Art. 284. Todos os processos estão sujeitos a registro, devendo ser distribuídos onde houver mais de uni juiz". 73 "Art. 312. Considera-se proposta a ação quando a petição inicial for protocolada, (. .. )". 74 Neste sentido, também Pontes de Miranda, para quem não se confunde a legitimação ativa para requerer o inventário com a legitimação de direito material para ser inventariante (art. 990, I, correspondente ao art. 617, I do CPC/2015). PONTES DE MIRANDA. Comentários ao Código de Processo CM!. 2. ed., t. XN. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 30. 75 "Art. 616. Tem, contudo, legitimidade concorrente: (. .. ) V - o cessionário do herdeiro ou do legatán"o; VI - o credor do herdeiro, do legatário ou do autor da herança; VII - o Ministério Público, havendo herdeiros incapazes; VII - a Fazenda Pública, quando tiver interesse; IX - o administrador judicial da falência do herdeiro, do legatário, do autor da herança ou do cônjuge ou companheiro supérstite". 76 SANTOS, Emane Fidélis dos. Op. cit., p. 329. Ação de Inventário e Partilha 51 supérstite pode se revelar na comunhão de aquestos77, mas a simples cir- cunstância de ser cônjuge autoriza-lhe o requerimento de inventário e partilha, sem maiores indagações. Dispõe o inc. II do art. 616 que tem legitimidade concorrente para requerer o inventário o herdeiro. O herdeiro pode ser legítimo e testamentário, referindo-se ao primeiro o inciso II do art. 616, enquanto o segundo vem contemplado no inciso IIl desse mesmo artigo, sob a alcunha de legatário. No sentido do inc. II do art. 616, o vocábulo "herdeiro" alcança apenas o legítimo, compreendendo o descendente, o ascendente e o cola- teral sucessível (CC, art. 1.829, I, II e IV)78, que vai até o quarto grau (CC, art. 1.83979), estando o cônjuge sobrevivente contemplado no inciso I desse mesmo artigo, e o herdeiro instituído incluído, por equiparação, no inciso IIl do art. 616. Estabelece o inc. IIl do art. 616 que tem legitimidade concor- rente para requerer o inventário o legatário. O legatário não deixa de ser um herdeiro, diferindo deste ape- nas pelo fato de herdar um bem certo (detenninado) da herança, portes- tamento, enquanto o herdeiro herda todos os bens, indeterminados, da herança. Assim, o herdeiro é titular da universalidade de direito chamada herança, compreendendo a totalidade dos bens do de cujus, se único, ou uma cota-parte, se vários, sem limitações; já o legatário é um sucessor em bem específico, certo e determinado, limitado pela sua quantidade e qua- lidade. Reza o inciso IV do art. 616 que tem legitimidade concorrente para requerer o inventário o testamenteiro. O testamenteiro é a pessoa indicada pelo testador, para fazer cumprir o testamento, podendo essa indicação recair no cônjuge sobrevi- 77 Os aquestos são os bens adquiridos na constância da sociedade conjugal com o produto do trabalho de ambos os cônjuges, independentemente do regime matrimonial de bens. 78 "Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este co1n o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; 11 - aos ascendentes, em concorrência coni o cônjuge; (. .. )IV - aos colaterais". 79 "Art. 1.839. Se não houver cônjuge sobrevivente, nas condições estabelecidas no art. 1.830, serão chamados a suceder os colaterais até o quarto grau1', 52 J. E. Carreira Alvim vente, no herdeiro, no legatário (inclusive o herdeiro instituído), ou em qualquer pessoa estranha à herança, bastando que tenha a confiança do testador, o que se presume pela indicação. Quando o testamenteiro tem a posse e a administração dos bens, incumbe-lhe requerer o inventário e cumprir o testamento (CC, art. 1.978); o mesmo ocorre quando o testador tiver distribuído toda a herança em legados, exercendo o testamenteiro as funções de inventariante (CC, art. 1.990). Não apenas nessas hipóteses, mas sempre que houver testa- mento, o testamenteiro é legitimado a requerer o inventário, quando lhe for atribuído também esse encargo pelo testador, porque o inventário depende do testamento. Se o testamenteiro tiver a iniciativa de requerer o inventário, os honorários de advogado constituem encargo do espólio, devendo a pro- posta de honorários ser submetida à homologação do juiz80, ouvidos a respeito os demais interessados. Prescreve o inciso V do art. 616 que "tem legitimidade concor- rente para pedir a instauração do inventário o cessionário do herdeiro ou do legatário". A cessão é a transferência, a título gratuito ou oneroso, que al- guém, denominado cedente, faz a outrem, denominado cessionário, de um direito, de um dever, de uma ação ou de um complexo de direitos, deveres e bens, com conteúdo predominantemente obrigatório, de modo que o ces- sionário (ou adquirente) exerça posição jurídica idêntica à do cedente81 • Os direitos hereditários podem ser objeto de cessão, pela qual se opera a transmissão de direitos decorrentes da sucessão do de cujus, enquanto não dados à partilha, que declarará a partição, e deferimento dos bens da herança entre os herdeiros. Apenas depois de aberta a sucessão, podem os herdeiros e lega- tários ceder a sua quota hereditária, pois, antes incide o art. 426 do Cód. Civil, segundo o qual, "não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva"; mesmo porque, se o titular do patrimônio ainda estiver vivo, não haverá herança, mas simples expectativa de herança. Estabelece o inciso VI do art. 616 que tem legitimidade concor- rente para requerer o inventário o credor do herdeiro, do legatário ou do autor da herança. 80 Nada impede, também, que o testador faça reserva, no testamento, por cláusula específica, de numerário para pagamento dos honorários de advogado do espólio. 81 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil
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