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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO Andressa Wiebusch APRENDIZAGEM DOCENTE NO ENSINO SUPERIOR: DESAFIOS E ENFRENTAMENTOS NO TRABALHO PEDAGÓGICO DO PROFESSOR INICIANTE Santa Maria, RS 2016 Andressa Wiebusch APRENDIZAGEM DOCENTE NO ENSINO SUPERIOR: DESAFIOS E ENFRENTAMENTOS NO TRABALHO PEDAGÓGICO DO PROFESSOR INICIANTE Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM, RS), como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Educação. Orientadora: Profª. Drª. Doris Pires Vargas Bolzan Santa Maria, RS 2016 © 2016 Todos os direitos autorais reservados a Andressa Wiebusch. A reprodução de partes ou do todo deste trabalho só poderá ser feita mediante a citação da fonte. E-mail: andressagpfope@gmail.com Andressa Wiebusch APRENDIZAGEM DOCENTE NO ENSINO SUPERIOR: DESAFIOS E ENFRENTAMENTOS NO TRABALHO PEDAGÓGICO DO PROFESSOR INICIANTE Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM, RS), como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Educação. Aprovado em 30 de agosto de 2016: Doris Pires Vargas Bolzan, Profª. Drª (UFSM) (Presidente/Orientadora) Ana Carla Hollweg Powaczuk, Profª. Drª (UFSM) Leila Adriana Baptaglin, Profª. Drª (UFRR) Santa Maria, RS 2016 AGRADECIMENTOS É o momento de relembrar as pessoas que participaram desse processo e também daqueles que passaram rápido e deixaram sua marca, contribuindo com a produção deste trabalho e fazendo parte de meu processo formativo. O mestrado foi um desafio, vivenciei momentos de alegria, mas também de tristeza, onde tive pessoas que de perto ou de longe me apoiaram e que compartilharam desses momentos ao meu lado. À minha mãe, Eloisa, que acreditou em mim e, mesmo distante, se mostrou presente, me dando suporte nos momentos difíceis, com palavras de força e carinho. À minha vó Lília, pela compreensão da minha ausência e pelas palavras carinhosas nos telefonemas a distância. Aos meus familiares, amigas e amigos, obrigada por compreenderem minha ausência em muitos momentos. À minha orientadora, professora doutora Doris Pires Vargas Bolzan, gratidão especial, pelos ensinamentos, desde a graduação até a conclusão deste curso. Referência de profissional na minha trajetória. Às professoras doutoras da banca, Ana Carla e Leila, pela leitura cuidadosa desde a qualificação deste trabalho até a conclusão dele. As contribuições de vocês colaboraram com a pesquisa. À CAPES pelo financiamento dos meus estudos. Ao grupo de pesquisa GPFOPE, pois foram muitos aprendizados, amizades e momentos inesquecíveis. Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) e colegas do mestrado, sou grata pelos conhecimentos construídos, pelas aprendizagens e pelas trocas de experiências. Aos professores iniciantes da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), sujeitos do estudo, por aceitarem participar deste trabalho. Vocês foram essenciais para que esta pesquisa acontecesse. Enfim, a todos os demais que, de uma forma ou de outra, contribuíram para a realização deste estudo. Muito obrigada! Concluo o curso com a sensação de que novos desafios virão... Cada ser humano trilha seu próprio percurso de formação, fruto do que é e do que o contexto vivencial lhe permite que seja, fruto do que quer e do que pode ser. Isabel Alarcão, 1997 RESUMO APRENDIZAGEM DOCENTE NO ENSINO SUPERIOR: DESAFIOS E ENFRENTAMENTOS NO TRABALHO PEDAGÓGICO DO PROFESSOR INICIANTE AUTORA: Andressa Wiebusch ORIENTADORA: PROFª. DRª. Doris Pires Vargas Bolzan Esta pesquisa insere-se na linha de pesquisa Formação, Saberes e Desenvolvimento Profissional do Programa de Pós-graduação, Mestrado em Educação, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). O objetivo foi compreender os desafios e enfrentamentos na docência dos professores iniciantes na Educação Superior. A partir dos pressupostos teóricos de Bolzan (2001, 2002, 2006, 2008, 2009, 2010, 2011, 2012, 2014, 2015, 2016), Cunha (2000, 2005, 2006, 2007, 2010), Isaia (1992, 2000, 2001, 2003, 2006, 2010), Isaia e Bolzan (2004, 2007, 2008, 2009), Marcelo Garcia (1988,1999, 2009, 2010, 2011), Zabalza (2004), Pimenta e Anastasiou (2014) entre outros, buscamos problematizar o Ensino Superior, a formação docente, o desenvolvimento profissional, a aprendizagem da docência, tendo em vista o processo de inserção na docência e o desenvolvimento do trabalho pedagógico dos professores iniciantes. O estudo caracteriza-se como uma pesquisa qualitativa, desenvolvida a partir da abordagem narrativa sociocultural, de Bolzan (2001, 2002, 2006, 2009, 2010), com base nos estudos de Bakthin (1992), Vygotstki (1991, 1994), Connelly e Clandinin (1995) e Freitas (2002) fontes para a construção do caminho investigativo. Para a coleta de dados, utilizamos entrevistas semiestruturadas, com tópicos guia direcionados à iniciação à docência, à aprendizagem do ser professor e ao trabalho pedagógico. Evidenciamos a categoria de estudo como a aprendizagem docente do professor iniciante universitário constituída por duas dimensões: os processos formativos e o trabalho pedagógico e um eixo articulador que caracteriza a dinâmica institucional. Esses elementos de análise representam a sistematização dos achados. A pesquisa realizada permite-nos problematizar o reconhecimento de demandas emergentes da docência do Ensino Superior e do desenvolvimento profissional como: a necessidade de preparação para atuar nesse nível de ensino, de políticas públicas, de infraestrutura institucional, de criação de programas de apoio e acolhimento aos professores iniciantes, diante da complexidade da profissão. Palavras-chave: Professor Iniciante. Ensino Superior. Aprendizagem da Docência. Desafios e Enfrentamentos. Trabalho Pedagógico. ABSTRACT TEACHERS LEARNING AT UNIVERSITY: CHALLENGES AND DIFFICULTIES IN THE PEDAGOGICAL PROCESS TO THE BEGINNING TEACHER AUTHOR: ANDRESSA WIEBUSCH ADVISOR: DORIS PIRES VARGAS BOLZAN This study is related to the Training, Knowledge and Professional Development research group from the Postgraduate Program in Education, Master‟s Degree in Education, at the Federal University of Santa Maria. The aim was to understand the challenges and difficulties to beginning teachers practice at university. Based on authors such as Bolzan (2001, 2002, 2006, 2008, 2009, 2010, 2011, 2012, 2014, 2015, 2016), Cunha (2000, 2006, 2007, 2010), Isaia (1992, 2000, 2001, 2003, 2006, 2010) Isaia and Bolzan (2004, 2007, 2008, 2009), Marcelo Garcia (1988,1999, 2009, 2010, 2011), Zabalza (2004), Pimenta and Anastasiou (2014) among others, higher education, teaching training, professional development and teaching learning aspects were analyzed, considering the process of starting the teaching experience as well as the development of the pedagogical work by beginning teachers. It is a qualitative research, in the light of a sociocultural narrative approach by Bolzan (2001, 2006, 2009, 2010), based on Bakthin (1992), Vygotstki (1991, 1994), Connelly and Clandinin (1995) and Freitas (2002) that gave support to the investigation. The data were collected through semi-structured interviews, with guiding topics taking into account beginning teaching, the teachers learning and the pedagogical work. The study category was defined as beginning teacher learning university and it involved two dimensions: thetraining processes and the pedagogical work combined with the institutional dynamics. These analysis elements lead to the findings organization. This study contributes to examine emergent characteristics of teaching in higher education and professional development such as: the necessary background for teaching in this context, public politics, institutional infrastructure, support programs for beginning teachers due to the complexity of this job. Key words: Beginning Teacher. Higher Education. Teaching Learning. Challenges and Difficulties. Pedagogical Work. LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Levantamento do número de professores que ingressaram na UFSM nos anos de 2013, 2014 e 2015 ............................................................. 73 Figura 2 – Procedimentos de coleta de dados e análise ......................................... 77 Figura 3 – Representativa da análise dos dados .................................................... 80 LISTA DE GRÁFICO Gráfico 1 – Expansão das universidades federais e câmpus .................................... 41 LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Panorama da expansão universitária ..................................................... 42 Quadro 2 – Síntese de informações dos professores participantes da pesquisa ...... 74 Quadro 3 – Síntese dos tópicos guia da entrevista com os professores ................... 76 Quadro 4 – Síntese da categoria de análise ............................................................. 81 LISTA DE SIGLAS ANFOPE − Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação ANPED − Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação AVEA – Ambiente Virtual de Ensino-Aprendizagem CAPES − Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal em Nível Superior CCR − Centro de Ciências Rurais CE − Centro de Educação CEPE – Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão CPA – Comissão Própria de Avaliação CPPD – Comissão Permanente de Pessoal Docente ENADE − Exame Nacional de Desempenho de Estudantes ENEM − Exame Nacional de Ensino médio FIES − Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior GEPEIS – Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação e Imaginário Social GPFOPE − Grupo de Pesquisa Formação de Professores e Práticas Educativas: Educação Básica e Superior IES − Instituição de Ensino Superior IGC − Índice Geral de Cursos INEP − Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira LDB − Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional MEC − Ministério da Educação NED/PROGEP – Núcleo de Educação e Desenvolvimento da Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas NTE – Núcleo de Tecnologia Educacional PAAPI – Projeto de Acolhida e Acompanhamento do Professor Ingressante PADS – Projeto de Aperfeiçoamento à Docência Superior http://portal.inep.gov.br/indice-geral-de-cursos PARFOR − Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica PIBID − Programa Institucional de Bolsa de Iniciação a Docência PPC – Projeto Pedagógico do Curso PPGE − Programa de Pós-Graduação em Educação PRE – Política de Extensão Universitária PROGRAD − Pró-Reitoria de Graduação PROUNI − Programa Universidade para Todos REUNI − Reestruturação e Expansão das Universidades Federais RIES − Rede Sulbrasileira de Investigadores em Educação Superior SEAD − Secretaria de Educação à distância SENAC – Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial SERES – Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior SESU − Secretaria de Educação Superior SISU − Sistema de Seleção Unificada TICS – Tecnologias de Informação e Comunicação UAB – Universidade Aberta do Brasil UAP – Unidade de Apoio Pedagógico UFPEL − Universidade Federal de Pelotas UFSCAR − Universidade Federal de São Carlos UFSM − Universidade Federal de Santa Maria UNIPAMPA − Universidade Federal do Pampa UNL – Universidad Nacional del Litoral SUMÁRIO APRESENTAÇÃO ........................................................................................ 23 1 DELINEAMENTO DA TEMÁTICA ............................................................... 29 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ................................................................... 39 2.1 O ENSINO SUPERIOR E A APRENDIZAGEM DA DOCÊNCIA UNIVERSITÁRIA .......................................................................................... 39 2.2 O PROFESSOR INICIANTE E O PROCESSO DE INSERÇÃO PROFISSIONAL NA DOCÊNCIA UNIVERSITÁRIA ..................................... 51 2.3 O TRABALHO PEDAGÓGICO DO PROFESSOR INICIANTE ..................... 60 3 DESENHO DA INVESTIGAÇÃO.................................................................. 69 3.1 TEMÁTICA DA PESQUISA .......................................................................... 69 3.2 PROBLEMA DE PESQUISA ........................................................................ 69 3.3 OBJETIVOS ................................................................................................. 69 3.3.1 Objetivo geral .............................................................................................. 69 3.3.2 Objetivos específicos ................................................................................. 70 3.4 ABORDAGEM METODOLÓGICA ................................................................ 70 3.5 O CONTEXTO E OS SUJEITOS DA PESQUISA ......................................... 72 3.6 INSTRUMENTOS, PROCEDIMENTOS DE PESQUISA E ANÁLISE ........... 74 3.7 CONSIDERAÇÕES DE CARÁTER ÉTICO DA PESQUISA ......................... 78 3.8 DIMENSÕES CATEGORIAIS DE ANÁLISE ................................................. 79 4 ANÁLISE DOS ACHADOS: AS NARRATIVAS DOCENTES ...................... 83 4.1 PRIMEIRA DIMENSÃO: PROCESSOS FORMATIVOS ............................... 83 4.2 SEGUNDA DIMENSÃO: TRABALHO PEDAGÓGICO ............................... 102 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................... 135 REFERÊNCIAS .......................................................................................... 141 APÊNDICES ............................................................................................... 151 APÊNDICE A – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE) ............................................................................. 153 APÊNDICE B – TÓPICOS GUIA PARA ENTREVISTAS .......................... 156 ANEXOS .................................................................................................... 159 ANEXO A – APROVAÇÃO DO COMITÊ DE ÉTICA ................................. 161 ANEXO B – TERMO DE CONFIDENCIALIDADE ..................................... 165 ANEXO C – AUTORIZAÇÃO INSTITUCIONAL ........................................ 166 ANEXO D – LEVANTAMENTO DOS PROFESSORES QUE INGRESSARAM NA UFSM NOS ANOS DE 2013, 2014 E 2015 .............. 167 23 APRESENTAÇÃO Ao iniciar este estudo, é imprescindível apresentar elementos e acontecimentos significativos da trajetória de vida, pessoal e profissional, os quais constituem a minha1 formação. Em minha infância, brinquei muito de “escolinha”, de ser “professora” e de ter “alunos imaginários”. Como sou filha de professora, a profissão docente sempre esteve muito presente na minha trajetória pessoal. Acompanhei a atuação da minha mãe como professora, diretora e coordenadora pedagógica em diversas escolas. Iniciei meus estudos na Educação Infantil com quatro anos de idade, lembro- me de que, desde pequena, na Pré-escola, já estava alfabetizada e ajudava os colegas da turma nas atividades que envolviam a leitura e a escrita. Aos sete anos de idade ingressei nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. A escola sempre foi um espaço/tempo de aprendizagens, de construção de conhecimento e de desafios. Após concluiro primeiro ano do Ensino Médio, optei por realizar o Curso Normal, o antigo Magistério, para estudar sobre a educação e a profissão docente, o ser professor. Assim, realizei o segundo e o terceiro ano do Ensino Médio concomitantemente com o Curso Normal. Durante o curso, realizei diversas inserções nas escolas e passei a "olhar" este espaço com outros olhos, que não eram mais apenas de uma estudante, mas de uma estudante em formação, de uma futura professora. No ano de 2008, no Estágio Supervisionado de seis meses com uma turma de 1° ano dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, que vivenciei um pouco da profissão e dos desafios implicados na atuação docente. Essa foi minha primeira experiência na docência como professora iniciante, na qual aprendi muito com a professora titular e com as crianças. Ao término do estágio do Curso Normal, decidi fazer vestibular2 para o curso de licenciatura em Pedagogia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Em 2009, ao ingressar no curso de Pedagogia desta instituição de ensino superior, como acadêmica, evidenciei a relevância da formação de professores e o 1 Na escrita deste item utilizarei a primeira pessoa do singular quando for fazer referência à minha trajetória pessoal e profissional e a primeira pessoa do plural nos demais capítulos. 2 Prova para o ingresso no Ensino Superior. A partir de 2014, na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), o ingresso no Ensino Superior acontece por meio da nota do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). 24 quanto o professor é um ser inacabado, que precisa estar em constante formação para suprir suas necessidades e interesses. Nesse sentido, como acadêmica em formação, no segundo semestre do curso, busquei a inserção em um grupo de pesquisa no Centro de Educação (CE) dessa universidade. Assim, iniciei os estudos no Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação e Imaginário Social (GEPEIS). Mas, no outro ano, surgiu a possibilidade de participar da seleção de bolsistas para atuação no Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID). Com o intuito/desejo de complementar minha formação, ao consolidar a teoria do curso com experiências práticas, fui selecionada e permaneci nesse projeto de pesquisa, ensino e extensão durante dois anos. Participar do PIBID foi muito significativo para o meu processo formativo, uma vez que atuei como bolsista de duas escolas do sistema de ensino público estadual e municipal de Santa Maria (RS) com realidades distintas, onde, juntamente com mais bolsistas, acompanhei os estudantes que precisavam de um olhar sensível para o seu processo de aprendizagem. Por meio dessas experiências vivenciadas nos contextos escolares, comecei a participar de eventos, seminários, congressos e palestras que visavam dialogar acerca do ser professor e da formação de professores, bem como iniciei a escrita de artigos sobre o PIBID e as atividades desenvolvidas nesse programa de iniciação a docência. Em 2012, procurei um grupo de pesquisa para estudar e dialogar sobre a profissão docente. A inserção/participação no Grupo de Pesquisa, Formação de Professores e Práticas Educativas: Ensino Básico e Superior (GPFOPE) instigou-me a aprofundar as leituras acerca da formação de professores no contexto da Educação Básica e Superior. As discussões sobre o professor, sua formação e sua aprendizagem docente, nesses contextos, foram consolidadas por meio do projeto de pesquisa intitulado “Aprendizagem docente e processos formativos: novas perspectivas para educação básica e superior”. As vivências como participante e bolsista de iniciação científica nesse projeto permitiram-me construir e reconstruir conhecimentos acerca do ser professor e da docência. A partir das inquietações sobre a aprendizagem docente, ao buscar compreender como o sujeito aprende a ser professor, surgiu o interesse em realizar o trabalho de conclusão de curso com as acadêmicas em formação inicial. Neste 25 trabalho, procurei compreender a aprendizagem da docência das acadêmicas em formação inicial e quais foram seus percursos formativos no curso de pedagogia. Para dar continuidade à minha formação, após concluir o curso de Pedagogia em 2013, iniciei os estudos na Pós-Graduação, no curso de Especialização (Lato-Sensu) em Gestão Educacional da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Este curso ampliou minhas concepções acerca da gestão educacional e da gestão escolar. A pesquisa realizada, nesse curso, resultou em uma monografia com foco central na formação do pedagogo e nos processos formativos. O objetivo foi compreender quais concepções os professores formadores e os estudantes em formação inicial do curso de Pedagogia (diurno) da UFSM apresentavam acerca da gestão educacional e escolar. Ao entrevistar seis estudantes em formação inicial foi possível entender as potencialidades e as fragilidades que constituem a formação no curso de Pedagogia e, ao entrevistar os docentes desse curso, pude compreender os desafios e os enfrentamentos que constituem a docência universitária. Nesse mesmo ano, iniciei o trabalho na graduação como tutora do curso de licenciatura em Pedagogia a distância da UFSM, vinculado a Universidade Aberta do Brasil (UAB), onde fui selecionada para atuar nos Estágios Supervisionados na Educação Infantil e nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. A atuação na educação a distância foi e é desafiadora quanto ao domínio de conteúdo e da dinâmica nessa modalidade de ensino, para poder interagir com os estudantes em um ambiente virtual de aprendizagem. Quando comecei a buscar estratégias e ferramentas tecnológicas que pudessem contribuir no processo de ensino e aprendizagem dos estudantes, passei a refletir e a questionar minha atuação como pessoa e profissional nesse curso de formação de professores. Continuando minha trajetória, em 2014, ingressei no curso de Mestrado em Educação, na linha de pesquisa (LP1), Formação, Saberes e Desenvolvimento Profissional, do Programa de Pós-Graduação em Educação, (PPGE/UFSM). Ao realizar a docência orientada3 I e II em disciplinas da graduação, no curso de licenciatura em Pedagogia (presencial), enfrentei diversos desafios na atuação como docente orientada e senti a necessidade de buscar mais aprofundamento da 3 São disciplinas da matriz curricular do curso de Mestrado em Educação do Programa de Pós- Graduação da Universidade Federal de Santa Maria obrigatórias para os estudantes bolsistas da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal em Nível Superior) e FAPERGS (Fundação de Amparo a pesquisa do Rio Grande do Sul). 26 teoria e do conteúdo, de compreender que estudante é esse que está na universidade, quais são seus interesses e como contemplá-los em uma turma com diferentes idades e com experiências/vivências distintas. A docência orientada causou um impacto, levando-me a um desafio: repensar minha formação. Uma vez que tinha que ministrar aulas na graduação, percebi que era preciso estudar mais para elaborar e construir conhecimentos acerca dos conceitos de alfabetização e letramento que permeiam a leitura e a escrita, conceitos esses que não foram consolidados na minha graduação. Em 2015, realizei o intercâmbio em Santa Fé - Argentina, na Universidad Nacional del Litoral (UNL) e participei de um curso de formação intitulado “Análisis de las Prácticas de La Eneñanza” com o intuito de discutir as práticas de ensino na sala de aula. Com essas experiências e com o diálogo com os pares acerca dos desafios da docência no Ensino Superior, principalmente do professor iniciante, evidenciei a complexidade que é a iniciação a docência desse professor e, também, os desafios e os enfrentamentos no início da carreira docente. Com os estudos do mestrado,as leituras e discussões com o Grupo de Formação de Professores e Práticas Educativas: Educação Básica e Superior (GPFOPE)4, emergiu meu interesse em pesquisar sobre o professor iniciante, buscando refletir sobre esse profissional que está ingressando na universidade e na docência. Esse grupo de pesquisa desenvolve estudos e investigações sobre a formação de professores na Educação Básica e na Educação Superior5, com as seguintes temáticas: aprendizagem docente, desenvolvimento profissional docente, pedagogia universitária, processos formativos, trabalho pedagógico e outras temáticas que envolvem a docência nesses níveis de ensino. Assim, o interesse pela temática surgiu a partir das minhas inquietações acerca de compreender o professor iniciante, à docência no Ensino Superior e a atuação profissional no contexto universitário. Este é um tema que me instiga a pesquisar e a buscar compreender as especificidades da formação e da atuação docente deste profissional que está iniciando sua carreira docente na universidade pública. 4 Grupo de pesquisa que participo e é coordenado pela orientadora deste trabalho. 5 Neste trabalho, ao mencionar a palavra Educação Superior, refiro-me às instituições de Ensino Superior, públicas ou privadas. Ao fazer referência ao Ensino Superior, refiro-me ao ensino, ao trabalho pedagógico. 27 Concomitante à pesquisa, surgiu a oportunidade de trabalhar no Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC), onde estou convivendo com professores iniciantes e experientes da educação profissional e tecnológica, acompanhando os desafios e os enfrentamentos vivenciados na docência e refletindo sobre aspectos deste estudo. Logo a seguir, apresento a organização deste trabalho, a partir dos seguintes capítulos: Na primeira sessão deste estudo, realizamos uma introdução sobre o interesse da temática a ser pesquisada. Na segunda, apresentamos a fundamentação teórica, com base nos estudos de Bolzan (2001, 2002, 2006, 2009, 2010, 2011, 2012), Cunha (2000, 2005, 2006, 2007, 2010), Isaia (2001, 2003, e 2006), Isaia e Bolzan (2004, 2007, 2008, 2009), Marcelo Garcia (1999), Zabalza (2004), Morosini (2000), Pimenta e Anastasiou (2014); assim, buscamos problematizar o Ensino Superior, a formação docente, o desenvolvimento profissional e a aprendizagem de ser professor, para dialogar sobre a inserção na docência de professores iniciantes. Na terceira sessão, destacamos a abordagem metodológica, a qual se efetivou a partir de uma pesquisa qualitativa (TAYLOR; BOGDAN, 1984), desenvolvida com base na abordagem narrativa sociocultural de Bolzan (2001, 2002, 2006, 2009, 2010), dos estudos de Bakthin (1992), Vygotstki (19991, 1994), Connelly e Clandinin (1995) e Freitas (2002), autores fontes para a construção do caminho investigativo da pesquisa. No desenho da investigação, destacamos os objetivos da pesquisa, os sujeitos, os procedimentos e instrumentos, bem como as considerações de caráter ético, pertinentes à pesquisa. Também apresentamos o processo de análise, a definição da categoria aprendizagem docente dos professores iniciante universitários, as dimensões, os elementos categoriais e o eixo articulador. Na quarta sessão, apresentamos a análise dos achados a partir das narrativas dos professores iniciantes, salientamos a aprendizagem docente, os desafios e os enfrentamentos no início da profissão. Posteriormente, nas considerações finais, retomamos os caminhos percorridos na investigação, bem como o problema e os objetivos da pesquisa, de modo a expor considerações acerca deste estudo. Assim, destacamos as tensões enfrentadas pelos docentes no processo de aprendizagem da docência universitária e as possibilidades para a superação dos desafios vivenciados. 29 1 DELINEAMENTO DA TEMÁTICA A dissertação de mestrado intitulada “Aprendizagem docente no ensino superior: desafios e enfrentamentos no trabalho pedagógico do professor iniciante” insere-se na Linha de pesquisa (LP1): Formação, saberes e desenvolvimento profissional do Programa de Pós-graduação em Educação (PPGE), Mestrado em Educação da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). No Brasil, o professor iniciante e sua atuação no Ensino Superior têm sido destaque nos estudos e pesquisas do campo da educação, entretanto, há poucas pesquisas realizadas sobre esse profissional que está ingressando na universidade. A temática também apresenta discussões do campo da Pedagogia Universitária, nas Instituições de Ensino (IES) e na formação de formadores. Ao ingressar no Ensino Superior muitos docentes são iniciantes da profissão e, desse modo, temos a chegada de profissionais inexperientes na docência universitária. Nesse sentido, a inserção/iniciação à docência é marcada por muitos desafios em relação à prática docente e a atuação profissional no contexto universitário. Compreendemos o professor iniciante como o profissional em início da carreira, sendo considerados os cinco primeiros anos de profissão. Ao iniciar a docência universitária, os professores buscam aprender a ser professores, aprender a ensinar e almejam o desenvolvimento pessoal e profissional por meio de processos formativos vivenciados na formação e na instituição de ensino que atuam. Sendo assim, realizamos um mapeamento no banco de dados da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações, o portal da BDTD6, a fim de identificar o que vem sendo produzido acerca da temática desta investigação. A seleção dos trabalhos orientou-se pelos seguintes critérios: 1º) disponibilizados eletronicamente entre 2010 a 2015; 2º) descritores relacionados com a temática de pesquisa: “professores iniciantes”, “professores iniciantes no ensino superior”, “professores iniciantes universitários”, “iniciação à docência dos professores iniciantes universitários, “inserção à docência universitária”, “aprendizagem docente de 6 Inicialmente realizamos um mapeamento no Banco de Tese da Capes, disponíveis no período de 2011 e 2012. Mas como o repositório não está atualizado e não contém os trabalhos dos últimos cinco anos, optamos pelo portal da BDTD. 30 professores iniciantes universitários” e “aprendizagem da docência do professor iniciante universitário”. Referente ao descritor “professor iniciante”, foram encontrados 91 trabalhos, sendo que alguns deles estavam duplicados e a maioria dos textos está relacionada à Educação Básica; somente dois trabalhos pautam sobre o professor iniciante do Ensino Superior com até cinco anos de experiência docente. Aires e Santos (2015) buscaram investigar a prática docente do professor bacharel iniciante no Ensino Superior, tendo como objetivo identificar e analisar dificuldades, tensões e aprendizagens frequentemente vivenciadas por aqueles que não tiveram formação pedagógica específica para atuar e recentemente exercem essa atividade. A pesquisa qualitativa foi realizada a partir de uma coleta de dados por meio da aplicação de questionário e realização de entrevistas semiestruturadas com 12 professores iniciantes com até cinco anos de experiência que trabalhavam em instituições privadas de Ensino Superior. Os resultados evidenciaram que os professores bacharéis, em virtude da ausência de formação pedagógica, realizam o seu trabalho pedagógico priorizando o conteúdo da disciplina e que predomina o ensino transmissivo. Para eles, o acolhimento institucional e o diálogo com outros docentes na instituição foram aspectos importantes para a socialização profissional. Os professores também evidenciaram a necessidade de formação continuada específica em educação, aspecto que deveria ser considerado importante, como um pré-requisito para a docência. Para os sujeitos, a formação continuada e a sua profissionalizaçãodevem integrar o conjunto de competências necessárias para o desempenho dessa atividade. Cunha (2014) objetivou compreender os processos formativos dos professores em início de carreira a partir de suas narrativas autobiográficas orais e escritas, motivada pela seguinte questão norteadora: que experiências vivenciadas pelos professores do curso de Letras-Inglês, antes do exercício da profissão docente e no início da carreira, configuram-se como formadoras ao se tornarem profissionais do Ensino Superior? Como objetivo geral da pesquisa, a autora buscou conhecer e analisar as narrativas autobiográficas dos professores do curso de Letras-Inglês da UESPI, iniciantes no magistério superior, acerca das experiências formadoras vivenciadas antes do exercício da profissão docente e no início da carreira. Os sujeitos do estudo 31 foram três professores de língua inglesa, iniciantes na carreira no Ensino Superior na UESPI, câmpus de Parnaíba (PI). Esses professores destacaram que a iniciação à docência foi marcada por sentimentos conflitantes e, ao mesmo tempo, determinantes para a permanência ou não da profissão, foram unânimes em afirmar que as dificuldades enfrentadas transformaram-se em desafios a serem vencidos, que eles não demonstraram apenas coragem e disposição, mas também determinação e comprometimento com a profissão. Com o descritor “professores iniciantes no ensino superior”, foram encontrados nove trabalhos, porém os trabalhos são os mesmos do descritor “professores iniciantes”. Com o descritor “professores iniciantes universitários”, encontramos quatro trabalhos, sendo que estes não estão relacionados aos professores iniciantes que atuam na universidade, e apenas um está relacionado a aprendizagem da docência, não no Ensino Superior, mas na educação a distância. A pesquisa de Brito (2014) foi com professores universitários da UAB/UFSCar que são iniciantes na educação a distância. O objetivo do estudo foi analisar o processo de aprendizagem da docência virtual, levando-se em conta os dilemas dos professores iniciantes na modalidade à distância e os saberes produzidos a partir dessa experiência. Com o descritor “iniciação à docência dos professores iniciantes universitários” foi encontrado apenas um trabalho, sendo que este não está relacionado ao Ensino Superior, mas ao exercício da docência na Educação Básica, a partir de ressignificações da experiência de professores iniciantes. Com o descritor “inserção à docência universitária”, encontramos sete trabalhos, porém somente um deles se aproxima da temática. Santos (2013) investigou como ocorre o processo de socialização dos professores ingressantes no Ensino Superior da Universidade Federal de Uberlândia, nos cursos de Engenharia, especificamente, Engenharia Civil, Engenharia Elétrica, Engenharia Mecânica, Engenharia Química e Engenharia Mecatrônica, com experiência de até três anos no magistério. A coleta de dados foi por meio de questionário e entrevista, com o objetivo de compreender as concepções de docência; saberes e práticas; identidade profissional; socialização profissional; desenvolvimento profissional; formação inicial e continuada; relação teoria-prática; aprendizagem; aula; avaliação; necessidades formativas para atuação como docente; importância dos saberes didático- 32 pedagógicos para a docência. A questão que norteou a pesquisa foi: como ocorre o processo de socialização dos novos professores universitários que atuam nos cursos de engenharia da Universidade Federal de Uberlândia? Um número significativo dos professores realizou o curso de graduação, posteriormente a pós- graduação (mestrado e doutorado) e, após, ingressou na carreira docente. A formação nesses cursos foi direcionada à pesquisa, os engenheiros não tiveram experiências na docência antes de se tornaram professores universitários e também não tiveram apoio institucional para auxiliá-los em sua inserção na carreira docente. Os sujeitos da pesquisa destacaram a importância da formação continuada e a importância da universidade oferecer um espaço de apoio com profissionais qualificados a quem possam recorrer em situações de dúvidas e dificuldades. Nessa perspectiva, o estudo aponta para a necessidade de políticas institucionais de formação para os professores iniciantes. Com os descritores “aprendizagem docente de professores iniciantes universitários” e “aprendizagem da docência do professor iniciante universitário” foi encontrado apenas um trabalho que é direcionado a educação a distância. Na busca de pesquisas no repositório durante o mês de setembro de 2015, evidenciamos um conjunto de estudos que, mesmo apresentando alguns descritores pesquisados, não tinham nenhuma relação com a temática em foco. Logo, foram pouquíssimos trabalhos encontrados sobre os professores iniciantes no Ensino Superior, mesmo com a expansão das IES, principalmente das universidades federais, com a implantação de novos câmpus. No banco de dados, obtivemos poucas teses e dissertações enfatizando a temática a ser pesquisada. Além desse mapeamento, realizamos um levantamento dos programas de apoio aos professores iniciantes existentes no âmbito nacional e internacional. As pesquisas demonstram que, em muitos países, os professores iniciantes vêm enfrentando desafios na profissão docente. Na América Latina, de acordo com Vaillant (2009), a inserção à docência não é objeto de políticas, e são raros os programas institucionalizados. Aos poucos é que os países estão criando iniciativas formativas para os professores iniciantes, mostrando que as dificuldades encontradas/vivenciadas ao ingressar na docência não são uma particularidade ou especificidade de país, de uma região ou de um estado. 33 Alen (2009) apresenta uma experiência muito interessante com professores principiantes7 na Argentina. Em 2005, foi implantado um projeto piloto, com base em uma experiência da França, intitulado “Programa de Acompañamiento a Docentes Nóveles” que visa um acompanhamento aos professores principiantes, envolvendo o Instituto Nacional de Formação Docente, as Direções de Educação Superior de distintas províncias argentinas e os Institutos Superiores de Formação Docente. No ano de 2007, esse programa foi declarado como uma política de desenvolvimento profissional docente, na qual são realizadas ações decorrentes de políticas de acompanhamento aos professores principiantes. Na Argentina, o foco do programa foram os professores principiantes das escolas e, posteriormente, os professores das universidades. Nesse país, também há o “Nuestra Escuela” que é um programa nacional de formação permanente para a escola básica e, também, para o ensino superior. Uma experiência semelhante é no Uruguai, que, desde 2010, desenvolvem o projeto “Acompañamiento de Noveles Maestros y Profesores del Uruguay en sus primeras experiencias de inserción laboral” (DOCENTES NOVELES DE URUGUAY- MEC/OEI, 2013). De acordo com descrição no site Noveles del Uruguay8, o projeto foi desenvolvido a partir do entendimento de necessidade de formação para o exercício da profissão; prevê que as instituições formadoras têm que assumir responsabilidades para assegurar formas eficazes no processo de acompanhamento aos novos docentes. Participam desse projeto professores iniciantes com até cinco anos de atividade profissional inseridos nas escolas, liceus e escolas técnicas do sistema de educação pública do país. No que se refere aos programas desenvolvidos na Argentina e no Uruguai, compreendemos que esses países estão investindo na formação dos professores iniciantes e estão avançados, desenvolvendo estudos sobre suas repercussões na docência. Já no Brasil, recentemente algumas IES públicas e privadas apresentam programas de formação que visam direcionar um alicerce aos professores iniciantes da instituição, onde acontecemencontros semanais, quinzenais ou mensais. No Rio Grande do Sul, algumas instituições de ensino tiveram iniciativas para o desenvolvimento de apoio e de acompanhamento. 7 Na Argentina utiliza-se o termo professor principiante ao se fazer referência ao professor iniciante. 8 Disponível em <http://sites.google.com/site/novelesdeluruguay/project-definition>. Acesso em: 15 set. 2015. 34 A Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), a qual foi realizado o estudo com os professores iniciantes, não possui um programa de apoio e acompanhamento aos que ingressam na instituição. Em 2009, foi criado o programa CICLUS, um programa Institucional de formação e desenvolvimento profissional de docentes e gestores9. O objetivo primeiramente desse programa era a participação dos professores substitutos que ingressavam na instituição por meio do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI)10, mas não se restringiu apenas a essa público, pois todos os professores da universidade receberam o convite para participação. Os encontros presenciais aconteceram nas quintas-feiras, das 17 horas às 19 horas e contou com atividades a distância no ambiente virtual de aprendizagem (Moodle). A unidade de apoio pedagógico (UAP) do centro de ciências rurais (CCR) da UFSM oferta o “curso de formação docente” que visa oferecer formação continuada aos docentes de todos os centros e áreas da universidade. As temáticas do curso são: profissionalização docente, políticas públicas e gestão educacional no ensino superior, desenvolvimento humano com foco no adolescente, jovem adulto e adulto, inclusão social, processos de ensinar e aprender e dimensões da docência: ensino, pesquisa e extensão11. Os encontros acontecem todas as quartas-feiras, das 17 às 19 horas, no câmpus em Santa Maria e participam professores iniciantes e experientes. A Universidade Federal de Pelotas (UFPel), sob coordenação da pró-reitoria de graduação (PROGRAD), tem o “Programa de Formação/Integração do Professor Ingressante à Cultura Acadêmica da UFPel”, desde 2009. O programa tem como objetivo geral subsidiar a avaliação institucional a partir da integração do professor ingressante. Desse modo, todos/as os/as professores/as ingressantes e em estágio probatório devem participar, perfazendo um total de 40 horas de atividades, com frequência mínima de 70%12. A Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), com o intuito de melhorar a qualidade de ensino nos cursos de graduação, em 2010, instituiu o programa de 9 Disponível em <http://w3.ufsm.br/ciclus/>. Acesso em: 15 set. 2015. 10 Para atender à demanda da expansão, o REUNI prevê a contratação de professores substitutos. 11 Informações retiradas do site: http://w3.ufsm.br/ccruap/index.php/formacao-docente/programa. 12 Informações retiradas do site: http://wp.ufpel.edu.br/prg/programas/professsor-ingressante/. http://w3.ufsm.br/ciclus/ 35 desenvolvimento profissional docente, que se constitui como uma política institucional de formação continuada. Sua estrutura centra-se nas discussões de perspectivas atuais para Educação Superior; contexto social atual e o desenvolvimento profissional, sob o eixo dos processos formativos da Pedagogia Universitária e está organizada em torno de grupos de trabalho: (1) professores ingressantes, (2) professores estáveis e (3) professores coordenadores de cursos, os quais estruturarão projetos individuais13. A instituição tem o “Projeto de Acolhida e Acompanhamento do Professor Ingressante (PAAPI)”14, que é um dos projetos que integram o programa de desenvolvimento profissional, e uma das ações formativas do projeto é um seminário que busca dialogar à docência, com os professores dos diferentes multicampi15 da IES. O objetivo do projeto é recepcionar e acolher os professores iniciantes, apresentar a UNIPAMPA nos seus aspectos normativos, estruturais e nas suas concepções pedagógicas adotadas, como forma de integrar estes novos docentes à realidade de uma universidade, e também criar uma perspectiva de apoio constante ao docente para aperfeiçoamento de suas práticas. A instituição também tem o “Projeto de Aperfeiçoamento à Docência Superior” (PADS), que visa à formação continuada, e as atividades direcionam-se para que, além de beneficiar o aperfeiçoamento pedagógico do professor, levem-no a refletir sobre suas práticas cotidianas16. Ao pesquisar sobre esses projetos desenvolvidos nessa instituição, percebemos sua preocupação com os professores iniciantes, buscando promover uma formação continuada e um acompanhamento. Outro exemplo é a Universidade Federal de São Carlos (UFScar) no estado de São Paulo que, por meio pró-reitoria de graduação (PROGRAD), em parceria com a secretaria geral de educação a distância (SEAD) da universidade, oferece, desde 2014, um curso de formação para os docentes que estão nos três anos iniciais de suas carreiras na instituição, como parte do Programa de Formação Continuada de Docentes da UFSCar. As atividades acontecem no âmbito do 13 Informações retiradas do site:http://porteiras.r.unipampa.edu.br/portais/cap/files/2012/04/ PROGRAMA_Desenv_Prof_Docente.pdf. 14 Informações retiradas do site: http://porteiras.r.unipampa.edu.br/portais/cap/files/2013/05/Projeto_ Novos_Docentes.pdf. 15 Cidades multicampi da Unipampa: Alegrete, Bagé, Caçapava do Sul, Dom Pedrito, Itaqui, Jaguarão, Santana do Livramento, São Borja, São Gabriel e Uruguaiana. 16 Informações retiradas do site:http://porteiras.r.unipampa.edu.br/portais/cap/files/2013/05/Projeto- deAperfei%C3%A7oamento-%C3%A0-Doc%C3%AAncia-Superior.pdf. http://porteiras.r.unipampa.edu.br/portais/cap/files/2012/04/PROGRAMA_Desenv_Prof_Docente.pdf.%20Acesso%20em%2016 http://porteiras.r.unipampa.edu.br/portais/cap/files/2012/04/PROGRAMA_Desenv_Prof_Docente.pdf.%20Acesso%20em%2016 http://porteiras.r.unipampa.edu.br/portais/cap/files/2013/05/Projeto-deAperfeiçoamento-à-Docência-Superior.pdf http://porteiras.r.unipampa.edu.br/portais/cap/files/2013/05/Projeto-deAperfeiçoamento-à-Docência-Superior.pdf 36 ambiente virtual de aprendizagem denominado Espaço de Desenvolvimento Docente (EDD). Em 2014, o curso foi realizado com atividades de leitura e análise de textos que abordam temas fundamentais do exercício da docência, subsidiando as discussões sobre as experiências vividas pelos participantes. A primeira parte do curso deu-se por meio de narrativas de formação e especificidades da docência universitária. Na segunda parte, a estratégia central consistiu em analisar situações concretas de ensino e aprendizagem no contexto de cada professor, bem como na elaboração de um caso de ensino17. O objetivo desse curso foi oferecer oportunidade para que o professor iniciante pudesse refletir e discutir coletivamente aspectos relacionados à docência, levando em consideração a aprendizagem e desenvolvimento profissional. A instituição UFSCar também oferece um programa de formação, intitulado como programa de mentoria via educação a distância, que é direcionado aos professores iniciantes de escolas (com até cinco anos de exercício profissional) de 1º a 4º ano do Ensino Fundamental18. Já os países da Europa e na América do Norte possuem uma expansão de programas de mentoria. Esses programas são direcionados aos professores iniciantes e contam com o auxílio de mentores que são professores experientes no trabalho docente, responsáveis por problematizar a iniciação à docência e o desenvolvimento profissional. A partir do levantamento de dados, sinalizamos a necessidade de mais estudos e programas de apoio aos professores iniciantes no Ensino Superior, um “olhar” para os que estão ingressando na universidade,enfrentando muitos desafios e a complexidade da profissão docente. Sendo assim, a relevância da pesquisa mostrou a importância de compreender e discutir acerca do trabalho pedagógico desenvolvido pelos professores iniciantes na universidade, bem como dessa iniciação à docência e da aprendizagem da docência, tendo em vista que não há uma preparação para atuação no Ensino Superior. 17 Informações retiradas do blog da reitoria da instituição UFScar, site; http://www.blogdareitoria.ufscar.br/?p=2259. 18 Informações retiradas do site: http://www.portaldosprofessores.ufscar.br/mentoria Apresentacao.jsp. 37 Consideramos, nesse sentido, que o estudo desenvolvido também contribui para as discussões no campo da Pedagogia Universitária, com o objetivo de dialogar mais sobre a iniciação à docência do professor iniciante no Ensino Superior, bem como compreender os desafios e os enfrentamentos vivenciados pelos docentes na universidade. 39 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 2.1 O ENSINO SUPERIOR E A APRENDIZAGEM DA DOCÊNCIA UNIVERSITÁRIA A partir da década de 70, com a expansão dos cursos de pós-graduação19 nas universidades, iniciam-se as pesquisas sobre a formação do professor do Ensino Superior20. Nesse sentido, queremos dialogar sobre esse nível de ensino e sobre o tornar-se professor no contexto universitário, a partir dos estudos internacionais de Marcelo Garcia (1988, 1999, 2009, 2010, 2011) e Zabalza (2004), bem como de estudos nacionais de Bolzan (2001, 2002, 2006, 2009, 2010, 2011, 2012, 2014, 2015, 2016), Cunha (2000, 2004, 2005, 2006, 2007 e 2010), Isaia (1992, 2000, 2001, 2003, 2006, 2010), Isaia e Bolzan (2004, 2007, 2008, 2009), Morosini (2000), Pimenta e Anastasiou (2014), sendo os principais referenciais desta pesquisa. No Brasil, a Educação Básica é composta pela Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio, sendo obrigatória dos 4 aos 17 anos. Ao concluir a Educação Básica, o aluno poderá ingressar na Educação Superior21. As políticas públicas educacionais do Ensino Superior, no âmbito da gestão educacional, são “regulatórias” e têm o objetivo de regular o credenciamento das instituições de Ensino Superior (IES), autorizar a criação de cursos, avaliar o sistema e supervisionar as IES. A Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior (Seres), do Ministério da Educação (MEC), é a unidade responsável por garantir que a legislação seja cumprida. No âmbito da gestão institucional, cada IES possui autonomia para dinamizar os modos organizacionais da instituição de ensino. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), nº 9.394/96, no Art. 45°, define que “a educação superior será ministrada em instituições de ensino superior, públicas ou privadas, com variados graus de abrangência ou especialização” (BRASIL, 1996). Consideramos que são IES as universidades, os centros universitários, as faculdades, os institutos superiores e os centros de educação tecnológica (atualmente, os Institutos Federais de Educação, Ciência e 19 De acordo com as diretrizes do Plano Nacional de Pós-Graduação (PNPG 1975-1979) e do II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND 1975-1979). 20 Correspondente ao trabalho pedagógico docente. 21 Correspondente as Instituições de Ensino Superior (IES). 40 Tecnologia) que ofertam cursos de graduação e de pós-graduação, presencial, semipresenciais e a distância. Os cursos de graduação têm as Diretrizes Curriculares Nacionais que visam um direcionamento para o modo organizacional e pedagógico da matriz curricular e do projeto político pedagógico. Para os cursos de pós-graduação, a Resolução CNE/CES nº 1, de 3 de abril de 2001, estabeleceu normas para o funcionamento com o objetivo de uma definição e uma padronização de critérios que devem ser seguidos pelas IES. A Secretaria de Educação Superior (SESu) do MEC é responsável por planejar, orientar, coordenar e supervisionar a formulação e a implementação da política nacional de Educação Superior, bem como da manutenção, supervisão, desenvolvimento das instituições públicas e privadas de Educação Superior22. Para a avaliação da qualidade do ensino dos cursos de graduação, os estudantes desses cursos precisam realizar, anualmente, o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade), o qual o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) do Ministério da Educação (MEC) é responsável pela realização das provas. A divulgação dos resultados é com base no Índice Geral de Cursos (IGC), que utiliza a média dos conceitos dos cursos de graduação, da instituição, ponderada a partir do número de matrículas, mais as notas de pós-graduação de cada instituição de Ensino Superior23. Para ingressar nas IES brasileiras, é preciso realizar um processo seletivo, por meio do vestibular ou do Exame Nacional de Ensino Médio (ENEM). O compromisso das IES é com a formação dos cidadãos, articulando com o tripé24 de ensino, pesquisa e extensão. Nessa perspectiva, o Plano de Desenvolvimento da Educação Superior (PDE), criou programas e ações com o objetivo de incentivar aos cidadãos o ingresso nas IES privadas e públicas. Em 2004, com a Lei nº 11.096/2005, foi criado o Programa Universidade para Todos (ProUni), cuja finalidade é conceder bolsas de estudos integrais e parciais aos estudantes de instituições privadas, e os estudantes também têm direito ao Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES) que é um 22 Informações retiradas do site: http://portal.mec.gov.br/secretarias-e-orgaos-vinculados/sesu. 23 Informações retiradas do site: http://portal.inep.gov.br/enade. 24 O termo tripé (ensino, pesquisa e extensão) começou a ser utilizado nas universidades brasileiras, a partir da Reforma Universitária de 1968, com a Lei nº 5.540/68. http://portal.inep.gov.br/indice-geral-de-cursos http://portal.inep.gov.br/enade 41 financiamento das mensalidades do curso. Em 2007, o Decreto n° 6.096, de 24 de abril, instituiu o Programa de Apoio a Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), com o objetivo de ampliar o acesso e a permanência na Educação Superior, buscando reduzir as taxas de evasão e aumentar o número de vagas ao ingresso. Em nosso país, com o passar dos anos, percebemos a crescente expansão na Educação Superior, a partir das reformas educacionais que ocorreram nas últimas décadas e das políticas públicas vigentes que consideraram questões de ordem política, econômica e pedagógica, estas viabilizaram a ampliação do acesso ao ensino e, consequentemente, a expansão das Instituições de Ensino Superior (IES), das universidades federais, com a criação de novos câmpus, e, desde 2008, dos Institutos Federais (IFs). Gráfico 1 – Expansão das universidades federais e câmpus 2002 2014 Universidades Câmpus Fonte: SIMEC/MEC. Essa expansão ocorreu devido à necessidade de formação em nível superior, melhores oportunidades de trabalho, qualificação e valorização profissional. O Sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB) e a Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (PARFOR) são exemplos de programas de expansão do Ensino Superior, visando o acesso. Com a democratização do acesso, o ingresso em uma IES ficou mais fácil, pois os sujeitos que estavam distantes dos bancos acadêmicos tiveram possibilidades de ingressar nesse nível de ensino, bem como houve a criação da política de cotas para negros/pardos, estudantes de escolas públicas e pessoas com deficiências e o sistema de seleção unificada (SiSU). 148 45 63 321 42 Quadro1 – Panorama da expansão universitária 2002 2014 Universidades Federais 45 63 Câmpus 148 321 Cursos Graduação Presencial 2.047 4.867 Vagas Graduação Presencial 113.263 245.983 Matrículas Graduação Presencial 500.459 932.263 Matrículas Educação a Distância 11.964 83.605 Matrículas Pós-Graduação 48.925 203.717 Fonte: CENSO/2013-Inep. A partir desse panorama da expansão universitária, podemos perceber o crescimento das universidades federais, com novos câmpus, dos cursos e da quantidade de vagas e matrículas ofertadas na graduação e pós-graduação. Porém, o acesso ao IES não garante a permanência dos estudantes, logo, não basta ter o acesso, é preciso um equilíbrio entre a expansão e a qualidade no ensino para que os estudantes permaneçam nesse espaço e tenham sucesso acadêmico. Com um número expressivo de estudantes matriculados na Educação Superior, para atender a demanda dessa expansão, evidenciou-se a necessidade de abrir mais concursos e contratos para professores atuarem nas instituições. Conforme o Art. 67°, no inciso I da LDB, o ingresso de profissionais da educação nas IES deve ser “exclusivamente por concurso público de provas e títulos” (BRASIL, 1996). Sendo assim, novos professores ingressam e iniciam a docência universitária nas IES. Nessa direção, Morosini (2000, p. 11) relata que: [...] encontramos exercendo a docência universitária, professores com formação didática obtida em cursos de licenciatura; outros, que trazem sua experiência profissional para a sala de aula; e, outros ainda, sem experiência profissional ou didática, oriundos de curso de especialização e/ou stricto sensu. Assim, evidenciamos, no Ensino Superior, docentes iniciantes na profissão e, desse modo, a chegada de profissionais inexperientes. As autoras Pimenta e Anastaisou (2014) enfatizam que a LDB não concebe a docência universitária como um processo complexo de formação, mas algo que se consegue por meio de 43 preparação. Sendo assim, os cursos indicados para essa preparação, segundo a LDB, Lei n° 9.394/96, são os cursos de pós-graduação, de mestrado e doutorado (stricto sensu), mas o locus da formação nesses cursos é direcionado a pesquisa e não uma formação específica para docência, “se garante a formação para a pesquisa e a perspectiva de que o sujeito está apto a produzir conhecimentos” (CUNHA, 2010, p. 49). Nesse viés, sinalizamos que existem algumas iniciativas nos cursos de Especialização e Mestrado em Docência Universitária e que também os Programas de Pós-Graduação, ao incluírem em sua matriz curricular a disciplina de metodologia do ensino superior, visam na formação um direcionamento para a docência no Ensino Superior. Inclusive nos cursos de Pós-Graduação (stricto sensu) para os estudantes que são bolsistas CAPES (Coordenação de Apoio ao Ensino Superior) é obrigatório o estágio de docência25 durante o curso. Como muitos desses estudantes almejam a docência universitária, consideramos que esse estágio seja minimamente uma inserção do estudante no contexto universitário e um espaço/tempo para construir conhecimentos iniciais acerca do que é a docência nesse nível de ensino. Inclusive, a LDB, em seu Art. 65, determinou que: “a formação docente, exceto a educação superior, incluirá prática de ensino, de no mínimo trezentas horas” (BRASIL, 1996). Então, questionamo-nos: por que não há indicações de práticas de ensino para o docente do Ensino Superior? Por que para o professor atuar nesse nível de ensino não se tem a “exigência de experiências” práticas antes desse ingresso? Nessa mesma direção, os estudos de Isaia e Bolzan (2004) problematizaram esse campo, perguntando: “ser professor é um processo que se aprende? Quais conhecimentos necessários para a docência no Ensino Superior”? Esses questionamentos têm nos auxiliado a refletir sobre a docência universitária, como campo complexo, para o qual não há preparação. Esses elementos também são alvo de pesquisas e discussões da Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (Anfope), da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped) e dos estudos da 25 É parte integrante da formação do pós-graduando, objetivando a preparação para a docência e a qualificação do ensino de graduação, sendo obrigatório para todos os bolsistas do Programa de Demanda Social. Informações retiradas da Portaria nº 76, de 14 de abril de 2010/CAPES. 44 Rede Sulbrasileira de Investigadores em Educação Superior (RIES26) que conta com o apoio de investigadores universitários do Brasil e do Sul – da América27, que desejam investigar a Educação Superior e a pedagogia universitária28. Cunha (2006, p. 351) define este como um “campo polissêmico de produção e aplicação dos conhecimentos pedagógicos na educação superior”. Ao tornar-se professor universitário, é necessário conhecer a gestão da instituição de ensino, a partir da sua dinâmica institucional, administrativa e pedagógica. Sendo assim, ao ingressar na universidade, é necessário que os professores sejam apresentados à instituição, de modo a conhecerem os espaços de atuação, a fim de reconhecerem-se com propriedade no campo profissional. Para conhecer o(s) curso(s) em que o professor irá atuar, é preciso compreender o projeto político pedagógico, as ementas e os componentes que constituem a matriz curricular do(s) curso(s), buscando atribuir sentido e significado a sua atuação docente. Para Pimenta e Anastasiou (2014), as condições de trabalho dos professores são diversas nas IES brasileiras e, dependendo do tipo de instituição ao qual o professor está vinculado, um tipo de produção diferente será exigido dele, seja ela relativa à docência ou às atividades do tripé: ensino, pesquisa e extensão, enfatizando ao professor a função de pesquisador. Para o professor a pesquisa não é vista como uma experiência formativa, como uma formação continuada à sua profissão. A pesquisa é vista como parte do seu trabalho docente, contudo ela não conta na carga horária de trabalho. O que é contado como atividade principal é a atividade de ensino, ou seja, os componentes disciplinares ministrados em cada semestre letivo, não havendo uma atribuição de 26 A RIES surgiu em 1998, quando um grupo de professoras-investigadoras de diferentes instituições de ensino superior do Rio Grande do Sul e envolvidas com a temática de metodologia sobre o ensino superior resolveram unir seus esforços afim construir uma caminhada coletiva em relação às discussões sobre essa temática. Os objetivos da RIES são de duas ordens, “a primeira diz respeito ao mapeamento da produção acadêmica sobre Educação Superior e o seguinte à organização da rede” (MOROSINI, 2006, p. 334). A RIES tem organizado uma série de encontros científicos de âmbito nacional, e internacional, relativos à Pedagogia Universitária e desde 2005 é reconhecida pelo CNPq/FAPERGS como o único Núcleo de Excelência em Ciência, Tecnologia e Inovação em Educação do Rio Grande do Sul, envolvendo as seguintes instituições: PUCRS, UFRGS, UFSM e UNISINOS. 27 Informação retirada do site da RIES: www.pucrs.br/faced/pos/ries/index.php. 28 A pedagogia universitária é uma construção sempre em aberto, que se constitui na complexidade dos saberes da docência e práticas pedagógicas nas diferentes áreas do conhecimento, considerando as suas especificidades. É, também, um campo do conhecimento substancial, que precisa ser apropriado e (re) construído permanentemente por todos os educadores que atuam nesse contexto, não apenas pelos pedagogos (MACIEL, 2009, p. 283). http://www.pucrs.br/faced/pos/ries/index.php 45 carga horária à pesquisa que o professor desenvolve, considerando-se essa atividade como secundária. No caso das universidades comunitáriase/ou privadas a carga horária de pesquisa é distribuída como um “benefício” ao professor que receberá como se fosse ministrar aulas na graduação. Assim, o conjunto de exigências feitas aos docentes repercute em um excesso de trabalho do professor que é docente e pesquisador na instituição. Os estudos de Bolzan (2015) indicam que o professor universitário busca poucos espaços de formação fora da universidade, a procura, em geral, está centrada em cursos de pós-graduação e pós-doutorado. Entretanto, a universidade pode ser um lugar formativo no momento que os docentes atribuem sentido e significado a ele e a docência como um ambiente de aprendizagem. Desse modo, é importante compreendermos como os professores produzem sentido acerca da docência, quais os processos de significação sobre o ser professor, em termos de exigências e desafios implicados na docência. Segundo Bolzan (2014), a produção de sentido refere-se ao modo como é atribuído valor sobre os elementos que constituem a docência (sentido e significado social e cultural), ou seja, o que é importante e necessário no processo de aprender a ser professor. Conforme Cunha (2010, p. 55): “A universidade ocupa o lugar da formação quando os sujeitos, que desse processo se beneficiam, incorporam experiências na sua biografia. Portanto, fazem parte do lugar”. Assim, a produção de sentido e significado acerca desse lugar de formação é particular de cada sujeito, implica no processo reflexivo e na mobilização para estabelecer mediações e relações inter e intrapessoais com o outro e com os pares, de modo que os processos de significação repercutem em aprendizagem e saberes acerca da docência. A autora também afirma que: “as experiências, que dão à universidade a condição de lugar de formação, reconhecem nela a condição de locus cultural, que fazem intermediações de significados com os sujeitos em formação” (CUNHA, 2010, p. 55). Assim, podemos pontuar que o espaço universitário é formativo, quando atribuídos sentidos e significados a este lugar. Nessa perspectiva, os professores buscam constituir o ser professor ao longo da trajetória formativa e no modo como cada um produz/atribui sentido e significado à profissão, à docência e aos processos 46 formativos, é peculiar, é pessoal de cada docente. Nesse processo, estão imbricadas a autoformação, a heteroformação e a interformação. Para Vaillant e Marcelo Garcia (2012, p. 30), “a autoformação é uma formação na qual o indivíduo participa independentemente e tem sob seu controle os objetivos, os processos, os instrumentos e os resultados da sua própria formação”. Entendemos a autoformação como um processo em que o professor tem a tomada de consciência da sua própria formação, tornando-se responsável pelo seu processo formativo. A heteroformação docente, de acordo com Vaillant e Marcelo Garcia (2012), se organiza e se desenvolve “de fora”, define-se pela relação que se estabelece entre o professor em formação e os elementos do contexto em que ocorre o processo formativo. O comprometimento do professor e a tomada de consciência acerca de seu papel de formador na docência universitária são fundamentais para compor espaços/tempos formativos capazes de mobilizar a aprendizagem do ser professor. Marcelo Garcia (1999) destaca que a interformação é o processo por meio do qual os professores se constituem a partir de atividades interpessoais no período de preparação inicial ou ao longo da carreira, buscando o desenvolvimento e o aperfeiçoamento profissional. Compartilha essa ideia Isaia (2006, p. 352) ao afirmar que “este processo envolve atividades formativas vinculadas a professores conscientes de sua atuação como formadores de outros profissionais e a um projeto institucional de formação”. A interformação contitui-se na busca, no interesse e na necessidade de vivências e experiências formativas que mobilizem o docente. Os estudos de Bolzan (2015) evidenciam que os aspectos autoformativos, heteroformativos e interformativos são elementos que permeiam a cultura universitária, porque estão relacionados à trajetória formativa e a profissão em contexto, que potencializam a produção de sentido da e na docência. Assim, compreendemos que a formação se caracteriza por aprendizagens nas quais os professores buscam o desenvolvimento profissional ao longo da vida, onde é imprescindível a consciência de que são sujeitos em permanente aprendizagem. De acordo com Isaia e Bolzan (2004, p. 1) “ao longo da carreira, os professores vão se formando e se (trans)formando, tendo presentes as demandas da vida e da profissão”. Essas autoras também ressaltam que os sujeitos elaboram 47 suas concepções de docência e que estas são refletidas nos processos de aprender a ser professor a partir de suas trajetórias formativas29. Consideramos que trajetória formativa corresponde à formação inicial do professor universitário, ou seja, o curso de graduação bacharelado, licenciatura ou tecnólogo, posteriormente, de mestrado e de doutorado (stricto sensu) e/ou pós- doutorado, os espaços de atuação profissional e a formação continuada. Afirmamos isso, tendo em vista os movimentos construtivos30 durante a formação, que perpassam o ser docente a partir da sua trajetória, visando assim uma aproximação das bases teóricas construídas ao longo formação, consolidadas na prática pedagógica (BOLZAN, 2009; 2012). Ao falarmos da formação, relembramos o conceito de simetria invertida31, em que o aprender a ser professor está relacionado com sua trajetória e com os percursos formativos vivenciados pelo docente, até mesmo antes de ingressar na universidade. São os percursos formativos que direcionam a trajetória formativa e o desenvolvimento profissional docente, e são as escolhas, as necessidades que implicam a busca de espaços formativos que colaborem para a sua trajetória. Nessa perspectiva, Cunha (2010, p. 49) ressalta que a universidade “é o espaço de formação de professores da educação superior”, sendo assim, o professor universitário forma-se processualmente ao longo da carreira docente, transformando-se e constituindo-se como professor em um processo de formação permanente, que é um processo interpessoal e intrapessoal (BOLZAN, 2001, 2002; ISAIA, 2006). O que implica em afirmar que a aprendizagem da docência é um processo que se estabelece ao longo da vida e da carreira profissional, quando os professores se colocam como aprendizes da sua própria formação, na profissão docente e na instituição de atuação profissional, na qual eles estabelecem vínculos entre docentes e estudantes, visando o compartilhamento e a troca de saberes entre os pares e o 29 Trajetórias formativas são entendidas, neste estudo, como os movimentos que os sujeitos realizam na sua formação, seja no âmbito profissional seja no pessoal. É um processo “contínuo que vai desde a fase de opção pela profissão, passando pela formação inicial, até os diferentes espaços institucionais onde a profissão se desenrola” (ISAIA, 2006, p. 368). 30 Essa sequência não linear, que carrega as peculiaridades de cada docente e de como ele interpreta os acontecimentos vividos, corresponde ao que denominamos de movimentos construtivos da docência (ISAIA; BOLZAN, 2008, p. 47). 31 Onde o preparo do professor, por ocorrer em lugar similar àquele em que vai atuar, demanda consistência entre o que faz na formação e o que dele se espera (BRASIL, 2002, s/p.). 48 desenvolvimento profissional docente, que, de acordo com Marcelo Garcia (1999), acontece a partir da interlocução individual e grupal. No contexto universitário, essa interlocução potencializa-se nas relações e interações que são mobilizadas no desenvolvimento profissional docente, quando começamos a pensar e problematizar acerca da formação docente, que “implica no exercíciocontinuado da aprendizagem docente tecida ao longo do percurso formativo, através da apropriação de conhecimentos/saberes/fazeres relativos ao magistério superior” (ISAIA; BOLZAN, 2007, p. 111). Assim, consideramos que os conhecimentos, os saberes e os fazeres são consolidados na formação inicial e continuada, bem como nas experiências formativas vivenciadas pelos sujeitos e são elaborados e (re) elaborados ao longo da profissão docente. Para compreender a complexidade dessa profissão, é preciso ter a tomada de consciência acerca da abrangência da atuação docente e refletir sobre os saberes específicos e os saberes pedagógicos que estão implicados na docência, “[...] os saberes para a docência, exigem uma preparação acadêmica numa perspectiva teórica e prática” (CUNHA, 2010, p. 38). Shulman (1986) define o conhecimento pedagógico do conteúdo incorporado aos conteúdos pertinentes do ensino e sua relevância para os processos formativos, visando o trabalho docente. Já Grossman (1990) analisou o conhecimento pedagógico do conteúdo em quatro categorias: o conhecimento dos propósitos para o ensino; o conhecimento curricular do conteúdo; o conhecimento das estratégias de ensino e o conhecimento sobre a compreensão dos alunos. O conhecimento específico é relacionado à disciplina ensinada pelo professor, constituída por conteúdos, e o conhecimento pedagógico implica no domínio do saber fazer (estratégias pedagógicas) e do saber teórico e conceitual e suas relações (MARCELO GARCIA, 1999). Com base no autor, compreendemos que, na docência do Ensino Superior, não bastam apenas os conhecimentos científicos referentes aos conteúdos, mas que são necessários conhecimentos acerca do saber “ensinar”, dos saberes pedagógicos. Nessa direção, a autora Pimenta (1999, p. 20- 24) enfatiza a importância da mobilização dos saberes para a construção da identidade docente, sendo três tipos: a) da experiência, que seria aquele aprendido pelo professor desde quando aluno com os professores que foram significativos etc., produzindo na prática um processo de reflexão e troca com os colegas; b) do conhecimento, que abrange a revisão da função da escola na transmissão 49 dos conhecimentos e as suas especialidades num contexto contemporâneo e c) dos saberes pedagógicos, aquele que abrange a questão do conhecimento juntamente com o saber da experiência e dos conteúdos específicos e que será construído a partir das necessidades pedagógicas reais. Esses saberes estão implicados na docência e no processo de aprender a ser professor, em que o conhecimento científico se refere ao conteúdo específico, e o conhecimento experiencial e os conhecimentos pedagógicos estão imbricados na formação docente e no exercício da docência. O professor “aprende a partir da análise e da interpretação de sua própria atividade, constrói, de forma pessoal seu conhecimento profissional o qual incorpora e ultrapassa o conhecimento emergente institucionalizado” (BOLZAN, 2006, p. 378). Consideramos que os saberes consolidados na formação inicial e continuada, na atuação profissional, bem como nas trajetórias formativas vivenciadas pelos sujeitos são elaborados e reelaborados ao longo da profissão docente. Isaia e Bolzan (2009, p. 165) salientam que: O saber-saber e o saber-fazer da profissão não são dados a priori, mas arduamente conquistados ao longo da carreira docente. [...] O processo formativo e, consequentemente, o desenvolvimento profissional apresentam um componente de autoignição, ou seja, é preciso a vontade do professor para envolver-se com atividades de formação e consequente profissionalização, para que possa construir a sua professoralidade. Esses saber-saber e saber-fazer que são consolidados ao longo da carreira docente estão relacionados aos saberes e fazeres da docência, almejando a construção da professoralidade que “caracteriza-se pela dimensão prospectiva de desenvolvimento da docência, expressando a relação entre as potencialidades do sujeito e as condições contextuais nos quais ela acontece [...]” (POWACZUCK, 2012, p. 70). A professoralidade está relacionada à atividade realizada pelo docente, quando identifica, compreende e ressignifica os conhecimentos que são próprios da sua atuação docente. Destacamos que, no conjunto de conhecimentos implicados no exercício da docência, o professor também precisa considerar o contexto institucional e o contexto sociocultural dos estudantes, para compreender quem são seus alunos e como esses aprendem. Além disso, apropriar-se de conhecimentos específicos e pedagógicos é essencial para aprendizagem docente e para a atuação do professor 50 universitário que fará a mediação dos processos de ensino e aprendizagem dos estudantes. A aprendizagem dos alunos no espaço universitário está relacionada ao seu processo de aprendizagem, ao modo que ele aprende e ao ensino que é ofertado nesse lugar, bem como às interações e mediações que estabelece com os professores e estudantes. Nesta direção, Zabalza (2004, p. 189) afirma que: Uma preocupação essencial para quem desenvolve seu trabalho formativo na universidade é a reconsideração dos processos e das estratégias por meio das quais os estudantes chegam à aprendizagem. Somente a partir de um claro conhecimento desses processos estaremos em condições de aprimorá-lo, ajustando para isso nossos métodos de ensino. Esse autor chama a atenção dos docentes sobre a necessidade de "olhar" para o processo de aprendizagem dos estudantes, de observar como os alunos chegam à aprendizagem e também de repensar os métodos de ensino. São os processos de interação e mediação estabelecidos em sala de aula que irão repercutir em sentidos e significados, permitindo essa a elaboração e reelaboração de saberes, a partir do confronto do saber que o outro possui, bem como do compartilhamento de saberes entre pares, consolidando o processo de aprendizagem. Consideramos que os saberes e as experiências dos professores e dos estudantes são distintos e diversos, nesse sentido, a dinâmica pedagógica da aula precisa ser pensada na direção de aproximar os saberes e as experiências discentes e docentes, permitindo a elaboração e a reelaboração de novos saberes. O autor ainda complementa que são “poucos professores universitários que assumem seu compromisso profissional como docentes de fazer (propiciar, facilitar, acompanhar) com que os alunos aprendam” (ZABALZA, 2004, p. 123). Isso nos faz questionar: qual o papel do professor? Qual o seu compromisso com o ensino e a aprendizagem dos estudantes? O que nos faz refletir acerca da profissão docente e da responsabilidade da atuação docente. Quanto à aprendizagem do professor, essa profissão implica em um processo de aprendizagem da docência com desafios e caminhos a serem enfrentados no Ensino Superior e que corroboram com os questionamentos propostos pela autora Morosini (2000, p. 11): “quem são (serão) esses novos professores? Estarão preparados didaticamente?”. 51 Essas são questões sobre as quais precisamos refletir, olhando com atenção a formação docente e, principalmente, os professores iniciantes que estão começando a carreira no Ensino Superior. Isaia (2006, p. 375) entendem esse desenvolvimento como “um processo contínuo, sistemático, organizado e autorreflexivo que envolve os percursos trilhados pelos professores, abarcando desde a formação inicial até o exercício continuado da docência” (MARCELO GARCIA, 1999; ZABALZA, 2004). Assim, compreendemos os esforços docentes para a elaboração e a reelaboração dos conhecimentos relacionados ao exercício da docência, uma vez que, esses docentes, não tiveram experiências anteriores na docência. Portanto, entendemos que a criação de espaços de interlocução pedagógica, nas IES, que viabilizassem o compartilhamento de experiências, dúvidas e auxílio mútuo seria fundamental para
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