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ALEGRIA, A VERDADEIRA RESISTÊNCIA

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1 
 
ALEGRIA, A VERDADEIRA 
RESISTÊNCIA 
O que faz de Sísifo o mais humano de todos 
os heróis gregos não é certamente a sua origem 
mortal (afinal, todos os heróis são mortais), mas, 
sim, a forma como ele luta incansavelmente 
contra o destino, e contra a própria morte, para 
permanecer nesta vida. Na aparência, ele é 
totalmente oposto a Aquiles, que trocou a 
existência física (morrendo jovem no campo de 
batalha) para conquistar a eternidade na voz do 
poeta. 
Sim, para Aquiles, morrer é ser esquecido; 
para Sísifo, é simplesmente deixar de existir. Mas, 
apesar de tudo, a diferença entre os dois é menor 
do que parece. Nos dois casos, os heróis lutam 
contra a finitude e em ambos a vitória é da vida 
que, longa ou curta, é vivida por eles com paixão e 
plenitude. Sem dúvida, Sísifo, que aprisionou a 
morte por algum tempo, impedindo os homens de 
2 
 
morrer; que enganou os deuses para retornar à 
existência que ele tanta amava, é a expressão 
máxima da paixão pela vida, vida que se vive na 
carne, no “aqui e agora”, no presente do tempo. 
Sísifo é, de fato, o herói da resistência: essa é 
a sua melhor definição, talvez até mais apropriada 
do que a do “herói do absurdo” (como o filósofo e 
escritor Albert Camus o definiu), pois além de lutar 
até o fim por esta vida, mostrando que viver é o 
maior de todos os bens, ele não fraquejou nem 
mesmo diante da condenação de Hades. O seu 
castigo, por enganar os deuses e a morte duas 
vezes para retornar à vida, foi duro: empurrar, por 
toda eternidade, e sem descanso, um rochedo até 
o cume da montanha, de onde então ele rolaria e 
Sísifo teria que recomeçar tudo outra vez. 
Mas nem mesmo diante deste trágico 
desenlace, Sísifo se mostra ressentido e, no fundo, 
parece continuar dizendo “sim” à vida toda vez 
que sobe e desce a montanha sem reclamar de 
seu destino. 
Sem dúvida, muitos entendem este mito 
como o símbolo máximo da inutilidade da vida 
humana, da louca rotina que vivemos ou até 
3 
 
mesmo da falta de sentido da própria existência 
em si. Mas, apesar do próprio Camus concordar 
com o aspecto absurdo da existência (no sentido 
de que, para ele, não existe uma teleologia, uma 
razão de ser intencional para a vida; o que faria 
dela, em princípio, gratuita, sem finalidade), ele 
(que escreveu O mito de Sísifo, em que a questão 
central é exatamente discutir o valor de se viver 
esta vida), vê em Sísifo a afirmação máxima do 
espírito trágico nietzschiano. Afinal, como 
sabemos, o herói trágico, para Nietzsche, é, antes 
de tudo, o homem alegre e afirmativo, aquele que, 
mesmo diante dos aspectos mais sombrios da 
existência, não perde sua paixão pela vida — 
paixão esta que deve ser entendida como uma 
espécie de “sim” integral que se dá inti-mamente 
a ela, do início ao fim, no melhor e no pior. 
Não se trata, portanto, de pensar um Sísifo 
que, por fim, já vencido e humilhado, se entrega 
submisso e resignado ao destino inexorável, mas 
antes, pelo contrário, de imaginar que ele 
continua resistindo, to-mando nas mãos a própria 
vida e levando-a ao limite de si mesma. Afirmá-la 
até o último instante. Não olhar para trás, não se 
4 
 
arrepender de nada. Cada instante vivido como 
uma vitória sobre a morte. Amor fati, já 
proclamava Nietzsche. O amor incondicional pela 
vida: porque não importa o quão difícil seja viver 
e nem se existe uma razão superior para 
permanecer vivo. É a própria vida que é o objeto 
de afirmação do ser. 
Num célebre aforismo de Nietzsche, o 341 da 
Gaia Ciência, o filósofo alemão nos pergunta 
sobre o que sentiríamos se soubéssemos que 
nossa vida se repetiria, tal como ela é e foi, 
inúmeras vezes, por toda a eternidade. Nós 
diríamos que nunca ouvimos algo tão terrível ou 
saudaríamos como um deus aquele que nos 
dissesse coisa tão bela? E completa: o quanto é 
preciso estar bem consigo mesmo e com a vida 
para “não desejar nada além desta última eterna 
confirmação e chancela”? Pois, de fato, para 
Nietzsche, esta deve ser a medida de nossa 
afirmação, a maneira de avaliarmos se temos 
realmente vivido plenamente: querer a vida outra 
vez e querê-la inúmeras vezes e por toda a 
eternidade. 
É claro que poderíamos nos perguntar se a 
5 
 
sabedoria de Sísifo nega a de Aquiles e a dos 
heróis homéricos, mas a verdade é que, em ambos 
os casos, trata-se de uma afirmação apaixonada 
da existência, de um mesmo desejo de 
permanecer nesta vida. 
Acontece que os heróis homéricos 
reconheciam que a única eternidade a que os 
homens têm direito é a da memória. E é por esta 
razão que, seguindo sua natureza e seus ideais 
guerreiros, Aquiles vive pouco, mas vive 
intensamente e honradamente. E é esta vida 
autêntica que lhe garante seu direito à 
imortalidade. 
Não é só pela sua “bela morte” (assim era 
chamada a morte dos guerreiros valorosos que 
eram ceifados da vida, no campo de batalha, em 
pleno esplendor da juventude e beleza) que ele 
merece ser lembrado às gerações futuras, mas, 
sim, por sua bela vida de feitos e glórias. Na 
verdade, a bela morte do guerreiro deve ser 
apenas a coroação de uma vida em consonância 
consigo mesmo, como nos mostra o grande 
helenista Jean-Pierre Vernant em seu belíssimo 
texto A bela morte e o cadáver ultrajado. 
6 
 
Em poucas palavras, são as virtudes de 
Aquiles que lhe asseguram o direito de inscrever 
seu nome na memória de seu povo, na memória 
de seu campo social. Sua imortalidade, garantida 
pelo registro dos poetas, que cantam as suas 
façanhas e as façanhas dos guerreiros aqueus em 
geral, tem uma função social precisa: manter vivo 
o exemplo de coragem, nobreza e dignidade dos 
grandes homens, manter vivo os seus feitos. Não 
se trata, portanto, de escolher viver menos, mas 
de viver até o fim e com verdade o seu próprio 
destino, assim como Sísifo, que também deve ser 
lembrado pelo seu grande feito, que foi o de 
resistir a tudo por sua paixão maior: a própria vida. 
Se o herói é mesmo alegre, como diz 
Nietzsche, é porque a alegria é uma espécie de 
afirmação, é um grande “sim” que se dá à 
existência. 
É por isto que, quando o filósofo Clément-
Rosset afirma, a respeito de Nietzsche, que “a 
alegria é a força maior”, ele deseja mostrar que a 
alegria não é um sentimento dentre outros, mas a 
força motriz que nos impele à vida, que nos faz 
querer e agir, a despeito de todas as dores da 
7 
 
existência. Neste sentido, a alegria é mais do que 
um sentimento comum, como tantos outros; ele é 
um sentimento vital, algo que se confunde com a 
própria força de existir. E aqui nos aproximamos 
de outro filósofo, Espinosa, que, como Nietzsche, 
vê a alegria como o sentimento possibilitador da 
vida, como aquele que aumenta a nossa força de 
ser, de existir, o nosso poder ou impulso de vida 
(que Espinosa chama de “conatus”). 
Sem dúvida, todos nós sabemos o que é a 
alegria ou o que é sentir-se alegre. Afinal, este 
sentimento (emoção ou afeto) envolve todos os 
nossos sentidos e nos fortalece de tal maneira 
que, uma vez alegres, nada mais parece pesar em 
nós. Mas repetimos que a alegria, vista em 
profundidade, está longe de ser um sentimento 
fugaz e passageiro, mas é algo que se apresenta 
como inseparável da potência de vida, no fundo, 
confundindo-se com ela. 
Sim, a alegria é a força que nos coloca 
verdadeiramente em movimento, é o que nos faz 
agir, ir para o mundo, é o que nos faz querer viver. 
Não é sem razão que, na falta dela, os homens 
costumam recorrer a narcóticos, a drogas, a 
8 
 
qualquer coisa que produza, mesmo que de modo 
superficial e passageiro, o prazer e a alegria de 
viver. Uma frase de Nietzsche é emblemática 
neste sentido. Ele diz: “A mãe da orgia não é a 
alegria, mas a ausência dela”. 
No fundo, a busca incessante por diversão e 
prazeres já indica a própria falta desta alegria mais 
íntima; é, na verdade, a maneira que encontramos 
para suportar o “peso da existência”. O problema 
é que, para Nietzsche, a vida se torna pesada 
exatamente pela diminuição desta alegria vital. 
Sim, éisso também que pensa Espinosa, ou seja, 
para ele, esta é a lógica que atravessa todo ser: 
quanto maior a alegria, maior o poder de ação, 
maior o poder de vida. 
É claro que nem todos entendem a alegria 
desta forma, vinculada à potência de vida. Para 
muitos, a alegria é apenas um ímpeto passageiro, 
uma sensação fugaz de contentamento e júbilo, 
algo que apenas contrasta com a dor (geralmente 
considerada mais permanente e profunda, como 
pensava o próprio Schopenhauer). Porém, para 
filósofos como Nietzsche e Espinosa — que 
colocam a alegria no centro de suas reflexões 
9 
 
sobre a produção de um homem verdadeiramente 
forte e vigoroso — ela é, como dissemos, um 
sentimento vital, afirmativo, um grande “sim” que 
se dá à vida. 
Em poucas palavras, é preciso que se 
entenda que sem alegrias o corpo vai adoecendo 
e a paralisia das ações (e, sobretudo, da vontade) 
torna-se inexorável. É a ocasião certa (aliás, é a 
condição necessária) para a angústia se instalar e 
ir afunilando a nossa percepção da vida. Porque é 
isto exatamente a angústia: uma sensação ou 
sentimento de vazio, de incompletude, de 
insignificância, uma espécie de afunilamento, de 
perda de sentido e perspectiva, de indisposição 
para com a própria existência. 
É claro que existe a chamada angústia 
produtiva, a da criação, mas esta aparece muito 
mais como o resultado de uma ânsia profunda, 
típica daquele que deseja ver logo nascer sua 
“cria” (o que nunca poderá se dar também sem 
medos e dúvidas). E há também aquela angústia 
que nos assalta de repente, com algum fato 
trágico ou alguma mudança muito significativa, 
que faz, de repente, tudo perder o sentido e nos 
10 
 
lança num certo vazio, nos descentrando de 
nossas certezas e nos obrigando a refazer mais 
uma vez nossos pensamentos. Mas esta é mais 
natural e pode ser associada a um efeito de 
“desterritorialização” pelo qual passamos muitas 
vezes e que, de algum modo, nos coloca diante de 
nossa natureza essencialmente nômade. Sim, 
somos todos nômades, antes de sermos 
sedentários, ou, pelo menos, o somos em 
profundidade, e isto é literal: o homem, enquanto 
espécie, só se sedentarizou bem tardiamente, no 
período neolítico; foi só então neste momento 
que o homem se fixou ao solo, à terra, 
possibilitando o desenvolvimento de várias de 
suas potencialidades, embora não sem o tornar 
mais frágil ou mais inapto em relação aos devires, 
às mudanças da vida. Não é sem razão que o 
sedentário se apega tão fortemente aos seus 
hábitos, à sua rotina, e sofre tanto com qualquer 
alteração. É que a desterritorialização — algo que 
os nômades reais experimentam continuamente 
pelo próprio fato de estarem constantemente em 
movimento, sem terra firme ou ponto de apoio 
fixo — implica numa sensação de “perda do 
11 
 
território”, de um esvaziamento de sentido, pois, 
de repente, tudo muda de lugar, todas as 
referências se perdem. 
Ainda que angustiante, a desterritorialização 
é um processo natural que leva a uma necessária 
reterritorialização, porque é fato que a vida 
também não se sustenta no caos puro, absoluto. 
Em poucas palavras, esta é a própria dinâmica do 
pensamento (em sua mais alta acepção e não 
como mero raciocínio lógico), de modo que se 
pode dizer que pensar também gera angústia, mas 
é uma angústia que sinaliza uma mudança, uma 
transformação, um movimento mais profundo e 
visceral das ideias. Resumindo: a angústia, até um 
certo nível, é natural e tão necessária quanto 
qualquer outro sentimento. O que não é natural é 
ela se fixar na alma; e menos ainda aceitá-la como 
a “essência” mesmo do ser humano. De fato, a 
angústia, como qualquer outro sentimento, tem 
seu lugar, sobretudo quando a vida nos força a 
tomar decisões e a agir, mas quando um filósofo 
como Kierkegaard atribui como causa verdadeira 
da angústia a própria liberdade (já que somos, 
segundo ele, obrigados a decidir o tempo inteiro 
12 
 
sem a menor garantia de que escolheremos o 
melhor), ele está dizendo que o homem é, por 
natureza e sem escapatória, um ser angustiado. 
Não é assim que pensam Espinosa e Nietzsche, 
para os quais a angústia não existe por conta da 
liberdade, mas exatamente pela ausência dela. 
Na verdade, tornamo-nos seres inclinados à 
imobilidade, dependentes de uma rotina que 
criamos para nos ordenar melhor, mas que depois 
passa a agir contra nós, como uma camisa de força 
que impede qualquer movimento mais livre. 
Desde a estrutura sedentária do Estado até a 
estrutura mais íntima do homem, tudo foi criado 
para nos manter rigidamente obedientes, 
controlados. A angústia não poderia deixar de 
nascer de nossas circunstâncias reais, mas ela é 
secundária, e não primária; ela nasce do 
encurralamento da vida; ela não pertence à 
essência do ser. 
Então, o problema, de fato, não é o fato de se 
ter angústia, mas, sim, quando ela se instala 
fixamente no espírito, como resultado 
exatamente da diminuição da alegria de viver. É aí 
que a angústia impede o pulsar da própria 
13 
 
existência. Isso é o que significa, para nós, a 
instalação do niilismo no âmago do ser, algo que 
Nietzsche abordou de modo tão decisivo. É neste 
momento que a própria vida começa a ser sentida 
e vivida como nada. Mas o que parece estar no 
cerne do niilismo, antes mesmo de qualquer 
descrença generalizada nos valores superiores, é 
nosso modo de viver, é esta contenção máxima 
dos fluxos da vida que se tornou o mundo 
sedentário que criamos para nos proteger (mas 
que terminou por nos aprisionar). 
Se a melancolia é tão antiga, e desde 
Hipócrates (e quase sem variação alguma) é 
considerada uma doença que hoje chamamos de 
depressão ou de tristeza aguda (já que se trata de 
uma tristeza que não cessa), é porque, em última 
instância, é a própria vida que perdeu o seu 
sentido. Ou melhor, é quando perdemos o 
“sentido da Terra”, quando perdemos nossa 
alegria de viver, é que afundamos nesta sensação 
de vazio, de nulidade. O “nada”, enquanto tal, é 
uma mera abstração, um delírio da alma, um 
distúrbio da razão que busca sem cessar, e em 
vão, decifrar uma vida que vai muito além das 
14 
 
nossas conexões estritamente lógicas. A ideia do 
“nada da existência” ou até mesmo de uma 
existência absurda, sem sentido, comum aos 
existencialistas, já é, no fundo, um sintoma desta 
mente que perdeu sua conexão mais visceral com 
a existência e com o mundo. De fato, Camus está 
certo quando diz que o silencio do mundo 
contrasta com nossa sede de entendê-lo, mas tal 
silêncio é também apenas uma ficção. O mundo 
não cessa de emitir sons, signos, o tempo inteiro; 
só que é preciso estar em consonância com a vida 
para compreendê-lo, e foi isso que perdemos de 
mais profundo desde que, pela cultura, nos 
entendemos à parte da natureza, e contra ela na 
maioria das vezes. O flerte com a morte, com o 
nada, nasce exatamente desta ruptura do homem 
com o mundo, e também consigo mesmo, pois 
não se pode negar a natureza sem negar a si 
mesmo, já que somos parte dela. 
É assim que não é incomum vermos dois 
movimentos distintos do espírito (mente, ou 
psique, como quisermos chamar) frente a esta 
vida que perdeu sua alegria e seu sentido: um 
deles consiste na paralisação total das ações e da 
15 
 
vontade. É quando as dores da alma invadem o 
corpo, que se deprime e não quer mais agir, ou 
seja, viver. O segundo, que só na aparência é mais 
saudável (talvez porque seja o único que tem sua 
utilidade no campo social), traduz-se numa vida 
mecânica, automática, com pausas (também elas 
rotineiras) para as diversões banais ou para as 
transgressões compensatórias (já que movidas 
pela ausência real da alegria). 
Sim, a rotina quando excessiva torna-se uma 
camisa de força, funciona como uma espécie de 
engessamento, uma couraça que revela bem o 
medo daquele que teme viver, daquele que busca 
reduzir desesperadamente a zero os riscos e 
traumas da existência. É verdade que Aristóteles 
afirmava que a felicidade consiste na ausência de 
dor, mas quem reduzdemasiadamente os riscos 
para a dor, reduz também as possibilidades das 
alegrias, porque viver é fluxo, é devir, é mudança 
contínua de estados, de sentimentos, como dizia 
Bergson... Já Wilhelm Reich dizia que o homem 
começa fugindo das dores e termina fugindo 
também das alegrias, porque a vida é feita de 
ambas. O pulsar da vida consiste em experimentar 
16 
 
estes movimentos intensivos, chorar e sorrir, se 
alegrar e se entristecer. Quem não pode digerir as 
dores, não poderá chegar às alegrias também. Não 
é por outra razão que o homem, tal como 
Nietzsche denuncia, termina fugindo da própria 
vida, negando-se a ela num nível mais profundo. 
De fato, ainda que secundariamente, esta termina 
sendo a estrutura mesma deste ser de cultura que 
nos tornamos. 
Pois bem, Schopenhauer, que nunca foi con-
descendente com os que vivem em busca de 
diversões e prazeres, entende tal comportamento 
como efeito de uma vida interior fraca. Para ele, 
apenas os “pobres de espírito” não suportam 
passar muito tempo em sua própria companhia e, 
assim, vivem buscando algo para se entreterem 
toda vez que lhes sobra algum tempo livre. Tédio 
e diversão: Pascal tratou deste tema antes dele, 
mas termina, como bom cristão que é, 
defendendo que a causa dos nossos infortúnios 
reside “na infelicidade natural de nossa condição 
fraca e mortal”. Aliás, completa ele, “tão miserável 
que nada pode nos consolar”. 
Sim, a miséria humana é real, mas ela é bem 
17 
 
mais o efeito de nossa própria negação da vida, 
efeito deste niilismo profundo que se apodera de 
nós quando a paixão pela vida se esvai. Sem 
dúvida, Schopenhauer não está equivocado 
quando liga este comportamento obsessivo de 
busca de prazeres e diversão contínua, a uma vida 
interior fraca, mas esta também é a condição dos 
continuamente angustiados: a da via do 
esquecimento de si mesmos, ou seja, o caminho 
da fuga. É a forma encontrada para se protegerem 
de uma dor que parece transcender a força do 
corpo. 
É uma forma de não pensarem na própria 
condição ou de simplesmente deixarem de sentir 
(mesmo que seja por alguns momentos) a própria 
dor, embora ela continue agindo num segundo 
plano. 
Esta é, afinal, uma dor que não cessa fácil e 
ainda que se diga que se trata de uma dor moral, 
de uma dor espiritual, é no corpo que ela age. 
Quando o espírito sofre, o corpo padece e o 
inverso também é verdadeiro, já dizia Espinosa em 
seu paralelismo psicofísico. Não há hierarquia do 
espírito sobre o corpo, o que é dor em um é dor 
18 
 
no outro. 
Resumindo: há, pelo menos, dois tipos de 
angustiados: os que se sentem absolutamente 
impossibilitados de agir, estão paralisados, e 
apenas veem tudo desmoronar à sua volta, e os 
que procuram se ocupar o tempo inteiro, para não 
terem tempo para pensar ou sentir. No primeiro, 
a angústia se apresenta aguda e perigosa e, no 
segundo, tornou-se crônica e silenciosa. Em 
ambos os casos, a vida se tornará um peso e o 
resultado final será o mesmo: a perda do poder de 
ação real, a paralisação dos fluxos da vida. 
Kierkegaard, que considera a condição humana 
essencialmente desesperada, chamando o próprio 
desespero de a “doença mortal” (e não porque 
mata, mas porque o desespero impossibilita a 
vida, a paralisa, instala a morte no próprio ser) 
defende que, no momento em que o desespero se 
instala de modo profundo no homem, sobram 
para ele apenas duas saídas: Deus ou o suicídio. 
No fundo, Albert Camus parte desta 
constatação em seu “mito de Sísifo”, quando 
coloca a questão do suicídio como sendo a 
questão filosófica por excelência, já que se trata 
19 
 
de saber, antes de qualquer outra coisa, se esta 
vida vale a pena ou não ser vivida, independente 
das garantias e recompensas do além. 
Camus fala que é preciso imaginar Sísifo feliz; 
fala em paixão e afirmação da existência, e com 
isso escapa do niilismo dos existencialistas, escola 
a qual ele pertence, mas sem se deixar tragar 
plenamente por ela. 
Voltando, portanto, à questão do peso da 
existência (ou seja, a esta sensação de cansaço 
que experimentamos diante do mundo), 
repetimos que ela não diz respeito ao ser, isto é, 
ela não diz respeito à essência do ser, como 
pensava Freud (que, neste sentido, ainda que se 
guardem as devidas diferenças e proporções, não 
deixa de fazer coro com Pascal, Kierkegaard ou 
Heidegger). É que, para Freud, existiriam dois 
impulsos no seio do ser: um impulso ou pulsão de 
vida e um impulso ou pulsão de morte: Eros e 
Thánatos. Mas o que aqui defendemos, junto com 
Reich (que se opôs a Freud neste ponto e em 
vários outros), é que o impulso de morte, a 
vontade de nada, que Nietzsche chama de 
niilismo, diz respeito a uma condição diminuída do 
20 
 
ser. É porque algo se rompeu no interior deste ser; 
é porque algo violentou sua vontade, sua alegria 
de viver, que a morte se instala sorrateira, 
minando progressivamente o que ainda há de vida 
e frescor neste homem. Repetimos então, em 
outros termos, que o impulso de morte é uma 
afecção secundária e não primária. É resultado da 
diminuição da potência de existir. 
É exatamente porque nossa potência de 
existir está diminuída que se anula a nossa 
capacidade de interferir nas coisas, de 
transformar, de mudar nossa vida. Mas, isso, já foi 
dito. O que ainda não foi dito, e só poderemos 
entender mais adiante, ao entendermos melhor o 
conceito de alegria, é como aumentar nosso poder 
de ação e de vida num mundo em que temos sido 
escravos das circunstâncias, joguetes do destino. 
Entender como se aumenta o nosso conatus (esse 
termo usado por Espinosa para definir o impulso 
vital, o grau de potência ou força de existir que já 
nasce conosco e que aumenta e diminui ao longo 
da existência, em função dos encontros alegres ou 
tristes que fazemos), é entender a própria lógica 
da vida. 
21 
 
Seguindo esta mesma linha de pensamento, 
Nietzsche vai afirmar que a indisposição para com 
a vida, tão comum em pessimistas e niilistas, 
revela apenas a impotência deles diante da 
existência. É porque estamos despotencializados 
que não suportamos bem a vida; é porque 
perdemos a natural alegria de viver que julgamos 
tudo vão e vazio. Não se trata de dizer que 
Nietzsche é um otimista, longe disso; Nietzsche é 
um trágico, na acepção mais profunda da palavra, 
é alguém que afirma a existência a despeito de 
suas dores. É por isso que, para ele, a vida não 
deve ser medida ou julgada pela razão. E, mais 
ainda, para ele, e também para Espinosa, alegria 
significa força, potência. É alegre quem é forte; é 
forte quem é alegre. 
Mas força quer dizer simplesmente potência 
de vida. 
Sem dúvida, isto subverte o pensamento de 
Sartre, e antes os de Kierkegaard e Heidegger, que 
a despeito das diferenças entre eles, acreditam 
que a angústia está instalada no homem de um 
modo primário, inseparável de sua própria 
condição de homem livre e finito. No fundo, tais 
22 
 
filosofias não deixam de ser um lamento de 
cristãos decaídos, já que no fundo delas está a 
crença cristã do homem superior e dotado de 
livre-arbítrio. E também o desespero de quem se 
descobre finito, como se a vida só pudesse ter 
valor se o homem fosse eterno. Mas não existe, e 
nisso concordamos com Camus, uma 
correspondência entre ser finito e negar-se a viver 
esta vida. Pelo menos não deveria existir, já que a 
consciência da finitude seria, em princípio, aquilo 
que nos faria querer viver cada instante com ainda 
mais paixão e intensidade, já que não sabemos a 
hora em que tudo termina. Mas, no homem, a 
consciência matou a paixão: é assim, no fundo, 
que pensam os existencialistas. Pois, para nós, o 
que matou a paixão pela vida é algo ainda mais 
profundo que a consciência da morte. É a maneira 
como nos constituímos contra a própria vida; é a 
maneira pela qual as culturas, em geral, com raras 
exceções, terminam por negar esta existência, 
sempre a espera de outra melhor por vir. 
Aqui se faz mister, para Espinosa (e também 
para o iluminista Holbach),a crítica a uma classe 
sacerdotal que dá aos homens esperanças no 
23 
 
além enquanto desviam suas atenções desta 
existência, quase sempre considerada desprezível 
e sem valor. Isso, no entanto, só faz sentido se 
entendermos o que significou, em profundidade, 
a sedentarização do homem. Sem dúvida, vem de 
muito longe a guerra que o homem começou a 
travar contra a vida, contra a natureza que o gerou 
e, por consequência direta, contra si mesmo. 
Nós trocamos a liberdade pela proteção, mas 
não existe proteção sem vigilância e punição: eis o 
que significa a vida no interior do aparelho do 
Estado. 
É por isso que repetimos que não se trata 
simplesmente de nos sabermos finitos; trata-se 
muito mais da forma como vivenciamos esta 
finitude. O filósofo grego Epicuro, que está na 
base de uma filosofia de cunho mais prático, e que 
tem por meta a produção de um homem mais 
livre, forte e pleno, entende o próprio medo da 
morte como algo que vem de fora, isto é, como 
algo estimulado para submeter os homens ao 
domínio dos poderes estabelecidos. Em Espinosa, 
ele é entendido como fruto de uma manipu-lação 
dos tiranos, e das classes sacerdotais que lhe dão 
24 
 
sustentação. Isto não quer dizer que não se deva 
temer a morte (também os animais a temem 
quando ela se apresenta como um risco iminente 
às suas vidas). O que acontece é que, em nós, 
humanos, isto acaba se convertendo num medo 
atávico, patológico, que nos faz viver 
assombrados o tempo inteiro, como se a morte 
fosse um ente sobrenatural que nos espreitasse a 
todo instante. Não devemos, como diz Sêneca, 
viver como se fôssemos eternos, porque isso nos 
leva também a desperdiçar os momentos mais 
preciosos da vida, mas também não podemos 
viver o tempo todo com a “morte nos olhos”, com 
o olhar voltado para este horizonte, porque isso 
também tornaria a vida completamente 
impossível. E, afinal, como diz o próprio Epicuro, 
negando Platão, a filosofia deve ensinar a viver e 
não a morrer. 
Dizer que esse medo vem de fora, portanto, 
é dizer que esta é a maneira que o poder 
encontrou de nos enfraquecer e dominar. Epicuro 
é um dos primeiros filósofos a chamar a atenção 
para este fato, que encontraremos séculos mais 
tarde, na obra de Espinosa, em especial em seu 
25 
 
Tratado Teológico-Político, no qual ele fala da 
aliança mortal que se produziu entre o déspota (o 
tirano, o Estado) e o poder sacerdotal, no sentido 
de produzir homens de paixões tristes, em uma 
palavra, despotencializados. 
Na verdade, o que Epicuro e Espinosa estão 
tentando dizer é que somos quase sempre mais 
sufocados por medos imaginários do que pelos 
medos reais, e que estes medos imaginários são 
disseminados pelo tirano para perpetuar seu 
poder sobre nós. Epicuro nos pergunta por que 
temer a morte se ela não está presente quando 
nós estamos, assim como somos nós também que 
não estamos presentes quando ela está. Ou seja, 
se a nossa morte não tem uma relação direta 
conosco, então não deveria interferir em nossa 
vida. Espinosa chega a dizer que a morte não pode 
ser uma ideia inerente ao ser, porque ela é a 
própria negação dele. Para Espinosa, a morte é 
algo que vem de fora também (num outro 
sentido), no sentido em que ela é concebida como 
um “mau encontro de corpos”, como um encontro 
triste que nos decompõe de maneira irremediável. 
Em outras palavras, a morte se dá quando dois 
26 
 
corpos se encontram e um aniquila o conatus do 
outro. 
Isso também é válido no campo das ideias. 
Um mau encontro de ideias também leva à morte, 
e quase nunca muito rapidamente. É que nem 
todas as ideias se compõem com nosso ser. Aliás, 
é na ânsia de vi-vermos ou, mais exatamente, de 
nos adaptarmos a pessoas e ideias que não 
convêm com a nossa natureza que vamos, 
paulatinamente, nos destruindo. É neste sentido 
que, para Espinosa, a moral do déspota já é, de 
antemão, um mau encontro de corpos. 
E tudo isso ainda é agravado pela forma 
como a vida humana se estruturou em seu 
sedentarismo, já que protegidos das intempéries 
e dos acasos, passamos a viver projetando o 
futuro, e isso enquanto nos esquecemos de viver 
o próprio presente. É assim que este homem 
sedentário traz, de fato, “a morte nos olhos”, e 
neste ponto Heidegger está certo em dizer que é 
a morte que contemplamos quando olhamos 
demais para frente. Mas é exatamente esta 
contem-plação que nos leva a um “pathos” 
destrutivo, a um niilismo inexorável. Afinal, como 
27 
 
bem sabiam Epicuro e Espinosa (e também 
Nietzsche, é claro), viver com medo já é ser um 
escravo. 
É por isto, e por tudo o mais, que está na hora 
de compreendermos a alegria como uma forma de 
resistência, como uma forma de enfrentamento 
do mundo e de suas falsas promessas de 
felicidade. Não é sem razão que a tratamos como 
um sentimento mais nômade, porque ele implica 
numa rejeição do niilismo humano, decorrente 
das estruturas que nos constituíram. É aqui que o 
pensamento de Espinosa e de Nietzsche se tornam 
tão essenciais para nos fazer entender como a 
busca dos bons encontros é fundamental para nos 
tornar mais fortes e livres. Na verdade, a lógica da 
vida (ou da potência) é a lógica dos encontros ou 
lógica dos afetos, e ela é bem simples: todo bom 
encontro (que Espinosa chama de paixão alegre) 
aumenta nosso poder de existir, aumenta o nosso 
conatus, enquanto as paixões tristes diminuem 
nossa força, nosso poder de ação. Mas, ainda 
assim, não basta apenas ter paixões alegres; é 
preciso que, em algum momento, a paixão se 
transforme em ação, ou seja, que nós sejamos a 
28 
 
causa dos afetos que estão em nós ou fora de nós, 
que governemos a nós mesmos, pois só assim 
seremos verdadeiramente livres. 
Nietzsche não usa estes termos, mas é ainda 
mais duro que Espinosa quando nos mostra os 
danos que o mundo produz enquanto não 
tomamos nas mãos nossas próprias vidas, 
enquanto não nos tornamos “os poetas de nossa 
existência”. 
Não existe uma regra para o que nos 
fortalece: pode ser uma bela música, um grande 
amor, um livro, uma amizade profunda, a filosofia 
ou um afeto animal. 
Podem ser até mesmo os prazeres mais 
simples do corpo — que foi sempre tão 
violentamente esmagado por uma moral hipócrita 
que condena as alegrias físicas em nome das 
alegrias “metafísicas”. Seja como for, é preciso 
buscar sem cessar o que nos potencializa, porque 
é a fraqueza que alimenta os tiranos, diz Espinosa. 
E os tiranos, ao contrário do que se pensa, 
não são homens fortes (no sentido estrito do 
termo), mas, sim, covardes que vivem da 
exploração e da energia alheia. 
29 
 
No fundo, eles são os menos aptos para a 
vida; é por isso que só podem viver parasitando a 
vida dos outros, vampirizando as almas alheias, 
sugando-lhes o sangue e a alegria. Abutres da 
vida, é o que eles são. 
Sim, a tirania é uma espécie de doença, de 
pato-logia da alma. E não é por outra razão que 
um tirano nunca é feliz ou alegre. Afinal, ele vive 
atormentado pelo medo. Ele mal consegue dormir 
por medo dos seus inimigos, os externos e os 
internos, porque um tirano sabe bem que 
ultrapassou a linha proibida: aquela que termina 
em nós e começa no outro. 
Sem dúvida, a questão da alegria, posta 
assim, é de uma grandeza descomunal. É aí que 
começa a verdadeira batalha pela felicidade: na 
aposta da alegria, na busca de uma vida plena e 
forte. A regra para saber se algo nos potencializa 
ou não é relativamente fácil, ainda que, como diz 
genialmente Espinosa, “não queremos uma coisa 
porque ela é boa; nós a queremos, e por isso ela é 
boa”. A regra é medir a qualidade do encontro 
pela nossa própria força de existir. Se algo nos 
fortalece, temos um aumento de nosso poder de 
30 
 
ação; se está nos enfraquecendo, perdemos o 
controle total de nossa vida e acabamos nos 
perdendo de nós mesmos. 
Eis que estamos diante de uma questão 
política e existencial das mais profundas: a tirania 
domina não apenas pela força, mas, sobretudo, 
infundindo o medo e propagando ideias 
enfraquecedoras.Em outras palavras, nos 
despotencializando, cindindo nossa vontade, 
nosso poder de ação. É assim que a tirania 
domina: nos separando de nosso poder de vida e 
ação. E não é exatamente assim também que as 
religiões conquistam seus fiéis: de um lado, lhes 
infundem o medo da morte e dos castigos eternos, 
de outro, lhes oferecem uma sal-vação, uma 
esperança? Mas, como já mostrava Epicuro, é 
preciso enfrentar o medo da morte se desejamos 
viver de modo pleno. Afinal, o que se deve temer, 
mais do que tudo, é não viver de verdade! 
Em suma, falar da alegria é falar em potência 
e, sobretudo, em uma ética que possibilite a 
produção de homens mais fortes e plenos para a 
vida, ou seja, homens verdadeiramente livres. É 
isso exatamente o que propõe Espinosa, e 
31 
 
também Nietzsche. Eis que aqui a questão se 
apresenta em sua clareza maior: a liberdade é 
uma conquista, não uma condição “a priori”. 
E a ética, diferentemente da moral, é a esfera 
que nos permite problematizar os valores e 
transformá-los. É a esfera da problematização da 
própria liberdade, como dizia Foucault em seus 
últimos cursos. Pode-se dizer que a ética é a moral 
dos homens livres. 
É assim que a ética da alegria não deixa de ser 
uma transgressão num mundo onde o niilismo im-
pera com força total. É aí que esta ética se 
converte, de fato, numa verdadeira resistência, 
numa espécie de máquina de guerra nômade em 
prol da vida e da liberdade. Sem liberdade não há 
verdadeira alegria. E sem verdadeira alegria não 
há liberdade. Então, a luta é por ambas as coisas: 
quanto mais nos libertarmos do jugo que criamos 
para nós mesmos, mais nos tornamos alegres; e 
quanto mais produzimos alegrias, mais nos 
tornamos fortes para a conquista da liberdade. 
Como diz Nietzsche, é preciso reencontrar o 
verdadeiro “sentido da Terra”, redescobrir a 
alegria de estar plenamente vivo e forte para 
32 
 
poder, enfim, dizer um sonoro “Sim” à existência. 
Um “sim” sem mais senões ou meias vontades, 
sem mais trapaças e covardias. Só assim 
estaremos livres da tirania, livres para viver de 
verdade. E, afinal, na vida, é tudo ou nada! É como 
se uma esfinge estivesse sempre a nos sussurrar: 
“Viva ou devoro-te!”.

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