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Manual de Tronco Comum Introdução à Filosofia Código A0010 Universidade Católica de Moçambique (UCM) Centro de Ensino à Distância (CED) Direitos de autor (copyright) Este manual é propriedade da Universidade Católica de Moçambique (UCM), Centro de Ensino à Distância (CED) e contém reservados todos os direitos. É proibida a duplicação e/ou reprodução deste manual, no seu todo ou em partes, sob quaisquer formas ou por quaisquer meios (electrónicos, mecânico, gravação, fotocópia ou outros), sem permissão expressa de entidade editora (Universidade Católica de Moçambique – Centro de Ensino à Distância). O não cumprimento desta advertência é passível a processos judiciais. Elaborado Por: António Luís Rosa – Licenciado em Ensino de Filosofia pela Universidade Pedagógica – Moçambique, Delegação da Beira. Universidade Católica de Moçambique (UCM) Centro de Ensino à Distância (CED) Rua Correia de Brito No 613 – Ponta-Gêa Beira – Sofala Telefone: 23 32 64 05 Cell: 82 50 18 440 Moçambique Fax: 23 32 64 06 E-mail: ced@ucm.ac.mz Website: www.ucm.ac.mz Agradecimentos A Universidade Católica de Moçambique (UCM) – Centro de Ensino à Distância (CED) e o autor do presente manual, António Luís Rosa, agradecem a colaboração de todos que directa ou indirectamente participaram na elaboração deste manual. À todos sinceros agradecimentos. Introdução à Filosofia i Índice Visão geral 7 Benvido à Introdução à Filosofia ................................................................................... 7 Objectivos do curso ....................................................................................................... 7 Quem deveria estudar este módulo ................................................................................ 7 Como está estruturado este módulo................................................................................ 8 Ícones de actividade ...................................................................................................... 8 Acerca dos ícones ........................................................................................ 9 Habilidades de estudo .................................................................................................... 9 Precisa de apoio? ......................................................................................................... 10 Tarefas (avaliação e auto-avaliação) ............................................................................ 10 Avaliação .................................................................................................................... 11 Unidade N0 01-A0010 12 Tema: Introdução à Filosofia ....................................................................................... 12 Introdução .......................................................................................................... 12 Sumário ....................................................................................................................... 12 Exercícios.................................................................................................................... 17 Unidade N0 02-A0010 18 Tema: Atitude filosófica .............................................................................................. 18 Introdução .......................................................................................................... 18 Sumário ....................................................................................................................... 18 Exercícios.................................................................................................................... 31 Unidade N0 03-A0010 32 Tema: Breve contextualização histórica da Filosofia .................................................... 32 Introdução .......................................................................................................... 32 ii Índice Sumário ....................................................................................................................... 32 Exercícios........................................................................................................................ Unidade N0 04-A0010 36 Tema: A Pessoa Humana ............................................................................................. 36 Introdução .......................................................................................................... 36 Sumário ....................................................................................................................... 36 Exercícios.................................................................................................................... 39 Unidade N0 05-A0010 40 Tema: A Consciência Moral ........................................................................................ 40 Introdução .......................................................................................................... 40 Sumário ....................................................................................................................... 40 Exercícios.................................................................................................................... 43 Unidade N0 06-A0010 44 Tema: Aspectos da Ética Individual. ............................................................................ 44 Introdução .......................................................................................................... 44 Sumário ....................................................................................................................... 44 Exercícios.................................................................................................................... 48 Unidade N0 07-A0010 49 Tema: A acção humana. .............................................................................................. 49 Introdução .......................................................................................................... 49 Sumário ....................................................................................................................... 49 Exercícios.................................................................................................................... 51 Unidade N0 08-A0010 52 Tema: Introdução aos Valores ..................................................................................... 52 Introdução .......................................................................................................... 52 Introdução à Filosofia iii Sumário ....................................................................................................................... 52 Exercícios.................................................................................................................... 57 Unidade N0 09-A0010 58 Tema: Aspectos da Bioética......................................................................................... 58 Introdução .......................................................................................................... 58 Sumário ....................................................................................................................... 58 Exercícios.................................................................................................................... 61 Unidade N0 10-A0010 62 Tema: Teoria do Conhecimento. .................................................................................. 62 Introdução .......................................................................................................... 62 Sumário ....................................................................................................................... 62 Exercícios....................................................................................................................71 Unidade N0 11-A0010 72 Tema: Possibilidades do Conhecimento. ...................................................................... 72 Introdução .......................................................................................................... 72 Sumário ....................................................................................................................... 72 Exercícios.................................................................................................................... 75 Unidade N0 12-A0010 76 Tema: Origem do Conhecimento. ................................................................................ 76 Introdução .......................................................................................................... 76 Sumário ....................................................................................................................... 76 Exercícios.................................................................................................................... 81 Unidade N0 13-A0010 82 Tema: Natureza do Conhecimento ............................................................................... 82 Introdução .......................................................................................................... 82 iv Índice Sumário ....................................................................................................................... 82 Exercícios.................................................................................................................... 84 Unidade N0 14-A0010 85 Tema: Níveis de Conhecimento ................................................................................... 85 Introdução .......................................................................................................... 85 Sumário ....................................................................................................................... 85 Exercícios.................................................................................................................... 95 Unidade N0 15-A0010 96 Tema: Introdução à Lógica. ......................................................................................... 96 Introdução .......................................................................................................... 96 Sumário ....................................................................................................................... 96 Exercícios.................................................................................................................... 99 Unidade N0 16-A0010 100 Tema: As dimensões do discurso humano. ................................................................. 100 Introdução ........................................................................................................ 100 Sumário ..................................................................................................................... 100 Exercícios.................................................................................................................. 104 Unidade N0 17-A0010 105 Tema: Os princípios da razão .................................................................................... 105 Introdução ........................................................................................................ 105 Sumário ..................................................................................................................... 105 Exercícios.................................................................................................................. 111 Unidade N0 18-A0010 112 Tema: A convivência políticas entre os Homens. ....................................................... 112 Introdução ........................................................................................................ 112 Introdução à Filosofia v Sumário ..................................................................................................................... 112 Exercícios.................................................................................................................. 120 Unidade N0 19-A0010 121 Tema: Os Direitos Humanos ...................................................................................... 121 Introdução ........................................................................................................ 121 Sumário ..................................................................................................................... 121 Exercícios.................................................................................................................. 125 Unidade N0 20-A0010 126 Tema: A Filosofia Política na História ....................................................................... 126 Introdução ........................................................................................................ 126 Sumário ..................................................................................................................... 126 Exercícios.................................................................................................................. 136 Unidade N0 21-A0010 139 Tema: Ciência ........................................................................................................... 139 Introdução ........................................................................................................ 139 Sumário ..................................................................................................................... 139 Exercícios.................................................................................................................. 141 Unidade N0 22-A0010 142 Tema: A Estética ....................................................................................................... 142 Introdução ........................................................................................................ 142 Sumário ..................................................................................................................... 142 Exercícios.................................................................................................................. 143 Unidade N0 23-A0010 144 Tema: A expressão artística ....................................................................................... 144 Introdução ........................................................................................................ 144 vi Índice Sumário ..................................................................................................................... 144 Exercícios.................................................................................................................. 147 Unidade N0 24-A0010 148 Tema: A experiência Religiosa .................................................................................. 148 Introdução ........................................................................................................ 148 Sumário ..................................................................................................................... 148 Exercícios.................................................................................................................. 150 Introdução à Filosofia 7 Visão geral Benvindo à Introdução à Filosofia O mundo que nos rodeia é caracterizado pela multiplicidade de saberes, os quais fazem com que o Homem se questione sobre qual é a verdadeira sabedoria. Nesse contexto, o que importa não são as respostas, mas as perguntas levantadas pelo próprio Homem. Esta é a principal característica do filósofo: levantar perguntas constantes, profundas e radicais para buscar a verdade das coisas e do ser humano. Com a filosofia se é capaz de buscar o sentido davida, segundo Sócrates “uma vida sem filosofia não vale a pena ser vivida”. Objectivos do curso Quando terminar o estudo da Introdução à Filosofia, o estudante deve ser capaz de: Identificar o sentido e o significado da Filosofia, através da reflexão sobre a relação que ela tem para com outras ciências, com a existência humana e toda a realidade, particularmente tudo o que se refere ao mundo actual. Quem deveria estudar este módulo Este módulo foi concebido para todos aqueles que frequentam os cursos à distância, oferecidos pela Universidade Católica de Moçambique (UCM), através do seu Centro de Ensino à Distância (CED). 8 Unidade Como está estruturado este módulo Todos os módulos dos cursos produzidos por UCM - CED encontram-se estruturados da seguinte maneira: Páginas introdutórias Um índice completo. Uma visão geral detalhada do curso / módulo, resumindo os aspectos-chave que você precisa conhecer para completar o estudo. Recomendamos vivamente que leia esta secção com atenção antes de começar o seu estudo. Conteúdo do curso / módulo O curso está estruturado em unidades. Cada unidade incluirá uma introdução, objectivos da unidade, conteúdo da unidade incluindo actividades de aprendizagem, um resumo da unidade e uma ou mais actividades para auto-avaliação. Outros recursos Para quem esteja interessado em aprender mais, apresentamos uma lista de recursos adicionais para você explorar. Estes recursos podem incluir livros, artigos ou sites na internet. Tarefas de avaliação e/ou Auto-avaliação Tarefas de avaliação para este módulo encontram-seno final de cada unidade. Sempre que necessário, dão-se folhas individuais para desenvolver as tarefas, assim como instruções para as completar. Estes elementos encontram-se no final do módulo. Comentários e sugestões Esta é a sua oportunidade para nos dar sugestões e fazer comentários sobre a estrutura e o conteúdo do curso / módulo. Os seus comentários serão úteis para nos ajudar a avaliar e melhorar este curso / módulo. Ícones de actividade Ao longo deste manual irá encontrar uma série de ícones nas margens das folhas. Estes icones servem para identificar diferentes partes do processo de aprendizagem. Podem indicar Introdução à Filosofia 9 uma parcela específica de texto, uma nova actividade ou tarefa, uma mudança de actividade, etc. Acerca dos ícones Os icones usados neste manual são símbolos africanos, conhecidos por adrinka. Estes símbolos têm origem no povo Ashante de África Ocidental, datam do século XVII e ainda se usam hoje em dia. Pode ver o conjunto completo de ícones deste manual já a seguir, cada um com uma descrição do seu significado e da forma como nós interpretámos esse significado para representar as várias actividades ao longo deste módulo. Habilidades de estudo Caro estudante, procure olhar para você em três dimensões nomeadamente: o lado social, profissional e estudante, daí ser importante planificar muito bem o seu tempo. Procure reservar no mínimo 2 (duas) horas de estudo por dia e use ao máximo o tempo disponível nos finais de semana. Lembre-se que é necessário elaborar um plano de estudo individual, que inclui, a data, o dia, a hora, o que estudar, como estudar e com quem estudar (sozinho, com colegas, outros). Evite o estudo baseado em memorização, pois é cansativo e não produz bons resultados, use métodos mais activos, procure desenvolver suas competências mediante a resolução de problemas específicos, estudos de caso, reflexão, etc. O manual contém muita informação, algumas chaves, outras complementares, daí ser importante saber filtrar e apresentar a informação mais relevante. Use estas informações para a resolução dos exercícios, problemas e desenvolvimento de actividades. A tomada de notas desempenha um papel muito importante. Um aspecto importante a ter em conta é a elaboração de um plano de desenvolvimento pessoal (PDP), onde você reflecte sobre os seus pontos fracos e fortes e perspectivas o seu desenvolvimento. Lembre-se que o teu sucesso depende da sua entrega, você é o responsável pela sua própria aprendizagem e cabe a ti planificar, organizar, gerir, controlar e avaliar o seu próprio progresso. 10 Unidade Precisa de apoio? Caro estudante, temos a certeza de que por uma ou por outra situação, o material impresso, lhe pode suscitar alguma dúvida (falta de clareza, alguns erros de natureza frásica, prováveis erros ortográficos, falta de clareza conteudística, etc). Nestes casos, contacte o tutor, via telefone, escreva uma carta participando a situação e se estiver próximo do tutor, contacte-o pessoalmente. Os tutores têm por obrigação, monitorar a sua aprendizagem, dai o estudante ter a oportunidade de interagir objectivamente com o tutor, usando para o efeito os mecanismos apresentados acima. Todos os tutores têm por obrigação facilitar a interação, em caso de problemas específicos ele deve ser o primeiro a ser contactado, numa fase posterior contacte o coordenador do curso e se o problema for da natureza geral, contacte a direcção do CED, pelo número 825018440. Os contactos só se podem efectuar, nos dias úteis e nas horas normais de expediente. As sessões presenciais são um momento em que você caro estudante, tem a oportunidade de interagir com todo o staff do CED, neste período pode apresentar dúvidas, tratar questões administrativas, entre outras. O estudo em grupo, com os colegas é uma forma a ter em conta, busque apoio com os colegas, discutam juntos, apoiem-me mutuamnte, reflictam sobre estratégias de superação, mas produza de forma independente o seu próprio saber e desenvolva suas competências. Juntos na Educação à Distância, vencendo a distância. Tarefas (avaliação e auto- avaliação) O estudante deve realizar todas as tarefas (exercícios, actividades e auto-avaliação), contudo nem todas deverão ser entregues, mas é importante que sejam realizadas.As tarefas devem ser entregues antes do período presencial. Para cada tarefa serão estabelecidos prazos de entrega, e o não cumprimento dos prazos de entrega , implica a não classificação do estudante. Introdução à Filosofia 11 As trabalhos devem ser entregues ao CED e os mesmos devem ser dirigidos ao tutor/docentes. Podem ser utilizadas diferentes fontes e materiais de pesquisa, contudo os mesmos devem ser devidamente referenciados, respeitando os direitos do autor. O plagiarismo deve ser evitado, a transcrição fiel de mais de 8 (oito) palavras de um autor, sem o citar é considerado plágio. A honestidade, humildade cintífica e o respeito pelos direitos autorais devem marcar a realização dos trabalhos. Avaliação Vocé será avaliado durante o estudo independente (80% do curso) e o período presencial (20%). A avaliação do estudante é regulamentada com base no chamado regulamento de avaliação. Os trabalhos de campo por si desenvolvidos , durante o estudo individual, concorrem para os 25% do cálculo da média de frequência da cadeira. Os testes são realizados durante as sessões presenciais e concorrem para os 75% do cálculo da média de frequência da cadeira. Os exames são realizados no final da cadeira e durante as sessões presenciais, eles representam 60% , o que adicionado aos 40% da média de frequência, determinam a nota final com a qual o estudante conclui a cadeira. A nota de 10 (dez) valores é a nota mínima de: (a) admissão ao exame, (b) nota de exame e, (c) conclusão do módulo. Nesta cadeira o estudante deverá realizar: 3 (três) trabalhos; 2 (dois) testes escritos e 1 (um) exame escrito. Não estão previstas quaisquer avaliação oral. Algumas actividades práticas, relatórios e reflexões serão utilizadas como ferramentas de avaliação formativa. Durante a realização das avaliações, os estudantes devem ter em consideração: a apresentação; a coerência textual; o grau de cientificidade; a forma deconclusão dos assuntos, as recomendações, a indicação das referências utilizadas, o respeito pelos direitos do autor, entre outros. Os objectivos e critérios de avaliação estão indicados no manual. Consulte-os. Alguns feedbacks imediatos estão apresentados no manual. 12 Unidade Unidade N0 01-A0010 Tema: Introdução à Filosofia Introdução A Filosofia é uma disciplina que está presente em todos os tempos e lugares. Desde a antiguidade foi considerada a mãe de todas as ciências, pois ela busca a verdade na sua totalidade. Ao completar esta unidade, você será capaz de: Objectivos Conhecer a origem do termo Filosofia; Conhecer o conceito, método, objectivo e objecto de estudo da Filosofia; Conhecer as Funções da Filosofia. Sumário O termo “filosofia” é composto de dois termos gregos: phílos, que significa amigo de, amante de, afeiçoado a, que gosta de, que tem gosto em, que se compraz em, que busca com afã, que anseia, etc., e sophía, que significa sabedoria, saber, ciência, conhecimento, etc. Assim pois, etimologicamente, o termo filosofia significa: amor à sabedoria, gosto pelo saber. Filósofo é aquele que ama o saber, tem gosto pela sabedoria, conhecimento e busca incansavelmente os conhecimentos de forma radical, profunda e total. Origem do termo “filosofia” O termo filosofia nasceu no “círculo socrático”, quer dizer, no círculo de Sócrates e dos discípulos dele, ou talvez antes ainda no “círculo pitagórico”, quer dizer, no círculo de Pitágoras e dos seus discípulos. Eram chamados de “filósofos” os homens que buscavam a “sabedoria suprema”, quer dizer, “a sabedoria última e radical Introdução à Filosofia 13 da vida e das coisas”, ou seja, o saber que busca a dimensão última e radical da vida e das coisas. O que é filosofia? Segundo a tradição, o criador do termo filosofia foi Pitágoras, o que, embora não sendo historicamente seguro, no entanto é verossimível. O termo certamente foi cunhado por um espírito religioso, que pressupunha só ser possível aos deuses uma sofia (sabedoria) ou seja, uma posse certa e total do verdadeiro, uma contínua aproximação ao verdadeiro, um amor ao saber nunca saciado totalmente, de onde, justamente, o nome, filosofia, ou seja, “amor pela sabedoria”. O Homem é naturalmente filósofo, isto é, “amigo da sabedoria”. Ávido de saber, não se contenta em viver o momento presente e aceitar passivamente as informações fornecidas pela experiência imediata, como acontece com os animais. Em seu olhar interrogativo quer conhecer o porquê das coisas, sobretudo o porquê da própria vida. No decorrer da história da filosofia, foi assumindo várias definições, de acordo com o filósofo e o tempo em que se encontrasse. Assim, Aristóteles (384-322 a.C) define filosofia como sendo a disciplina que estuda “as causas últimas de todas as coisas”; Cícero (106-46 a.C) define a filosofia como sendo “o estudo das causas humanas e divinas das coisas”; Descartes (1596-1650) afirma que filosofia “ensina a bem raciocinar”; Hegel (1770-1831) concebe a filosofia como “saber absoluto”. Whitehead (1861-1947) julga que a tarefa da filosofia é “fornecer uma explicação orgânica do universo”. Dentre as várias definições acima apresentadas, podemos concluir que a filosofia não estuda uma única realidade, mas várias. Assim, podemos levantar a seguinte pergunta: qual é o objecto de estudo da filosofia? No entender dos filósofos, a filosofia estuda tudo, ou seja, a filosofia pretende explicar a totalidade das coisas, toda a realidade, sem exclusão de partes ou momentos delas. Assim, a filosofia distingue-se das ciências particulares, que assim se chamam exactamente porque se limitam a explicar partes ou sectores da realidade, grupos de coisas ou de fenômenos. E a pergunta levantada pelos primeiros filósofos foi: “Qual é o príncípio de todas as coisas?” Esta pergunta já mostra a perfeita consciência desse ponto. No que se refere ao método, a filosofia recorre ao método racional. Mas os métodos racionais são múltiplos, e os mais importantes são indução e a dedução. A filosofia utiliza ambos: a indução para ascender dos factos aos princípios primeiros e a dedução para descer de novo dos primeiros princípios e iluminar posteriormente os factos, para compreendê-los melhor. O que vale em filosofia é a razão, a motivação lógica, o logos. Por último, o objectivo ou fim da filosofia está no puro desejo de conhecer e contemplar a verdade. Ela tem como objectivo único o conhecimento; tem em vista simplesmente pesquisar a verdade em si mesma, prescindindo de eventuais utilizações práticas. A 14 Unidade filosofia tem um objectivo puramente teórico, ou seja, contemplativo. Funções da Filosofia A principal função para a Filosofia não seriam os conhecimentos (que ficam por conta da ciência), nem as aplicações de teorias (que ficam por conta da tecnologia), mas o ensinamento moral e ético. A Filosofia seria a arte de bem-viver. Estudando as paixões e os vícios humanos, a liberdade e a vontade, analisando a capacidade de nossa razão para impor limites aos nossos desejos e paixões, ensinando-nos a viver de modo honesto e justo na companhia dos outros seres humanos e na virtude, que é o princípio de bem-viver. A Filosofia permite ao Homem ter mais de uma dimensão, além da que é dada pelo agir imediato, no qual o Homem “prático” se encontra mergulhado. É a Filosofia que dá o distanciamento para avaliação dos fundamentos dos actos humanos e dos fins a que eles se destinam; reúne o pensamento fragmentado da ciência e a reconstrói na sua unidade; retoma a acção pulverizada no tempo e procura compreendê-la. Portanto, a filosofia é a possibilidade da transcendência humana, ou seja, a capacidade que só o Homem tem de superar a situação dada e não escolhida. Pela transcendência o ser humano surge como ser de projecto, capaz de liberdade e de construir o seu destino. A filosofia recupera o processo perdido no imobilismo das coisas feitas e impede a estagnação. Por isso, o filosofar sempre se confronta com o poder, e sua investigação não fica alheia à ética e à política. A filosofia é crítica da ideologia, enquanto forma ilusória de conhecimento que visa a manutenção de privilégios. Karl Jaspers diz-nos que a Filosofia ensina, pelo menos, a não nos deixarmos iludir. Não permite que se descarte facto algum e nenhuma possibilidade. Ensina a enfrentar de frente a catástrofe possível. Em meio à serenidade do mundo, ela faz surgir a inquietude, mas proíbe a atitude tola de considerar inevitável a catástrofe. Com efeito, só ela tem o poder de alterar nossa forma de pensamento. Finalmente, a filosofia exige coragem. Filosofar não é um exercício puramente intelectual. Descobrir a verdade é ter a coragem de enfrentar as formas estagnadas de poder que tentam manter o status quo, é aceitar o desafio da mudança. Lembremo- nos que Sócrates foi aquele que enfrentou o dasafio máximo da morte. Introdução à Filosofia 15 Exercícios Auto-avaliação 1- Qual é a origem e o conceito etimológico da palavra “Filosofia”. Resposta: A palavra “Filosofia” é de origem grega e divide-se em duas partes, que são: filos, que significa amigo, amor, gosto, afeicção e, sofia que significa sabedoria, conhecimento, ciência. Desse modo, Filosofia, significa: amor à sabedoria; gosto pelo saber ou pelo conhecimento, e, Filósofo é aquele que ama o saber, ou seja, busca incansavelmente os conhecimentos. 2- Apresente o método, objecto e objectivos de estudo da Filosofia. Resposta: A Filosofia recorre ao método puramente racional; o seu objecto de estudo é toda a realidade e tem como objectivo o desejo de conhecer e contemplar a verdade. 16 Unidade Unidade N0 02-A0010 Tema: Atitude filosófica Introdução Umas das atitudes do ser humano diante da realidade que o rodeia consiste na admiração.Pela admiração, o homem formula perguntas para encontrar a solução de suas inquietações. Ao completar esta unidade, você será capaz de: Objectivos Conhecer as atitudes filosóficas; Conhecer as disciplinas auxiliares da Filosofia; Diferenciar a Filosofia das outras ciências. Sumário Entre os antigos gregos predominava inicialmente a consciência mítica, cuja maior expressão se encontra nos poemas de Homero e Hesíodo. Quando se dá a passagem da consciência mítica para a racional, aparecem os primeiros sábios, um deles chamado Pitágoras (séc. VI a.C.), que também era matemático e usou pela primeira vez a palavra filosofia. O trabalho filosófico é essencialmente teórico. Mas isso não significa que a filosofia esteja à margem do mundo, nem que ela constitua um corpo de doutrina ou um saber acabado, com determinado conteúdo, ou seja, um conjunto de conhecimentos estabelecidos de uma vez por todas. Para Platão (427-347 a.C), a primeira atitude do filósofo é admirar-se. A admiração é a condição de onde deriva a capacidade de problematizar, o que marca a Filosofia não como posse da verdade, mas como sua busca. Para Kant, filósofo alemão do século XVIII, “não há filosofia que se possa aprender; só se pode aprender a filosofar”. Isto significa que a filosofia é, sobretudo, uma atitude, um pensar permanente. É um conhecimento instituinte, no sentido de que questiona o saber instituído. Introdução à Filosofia 17 A atitude filosófica possui algumas características que são as mesmas, independentemente do conteúdo investigado, que são: - Perguntar o que a coisa, ou o valor, a idéia, é. A Filosofia pergunta qual é a realidade ou a natureza e qual é o significado de alguma coisa, não importa qual; - Perguntar como a coisa, a idéia ou o valor, é. A filosofia pergunta qual é a estrutura e quais são as relações que constituem uma coisa, uma idéia ou um valor; - Perguntar por que a coisa, a idéia ou o valor, existe e é como é. A filosofia pergunta pela origem ou pela causa de uma coisa, de uma idéia, de um valor. A atitude filosófica inicia-se dirigindo essas perguntas ao mundo que nos rodeia e as relações que mantemos com ele. Aos poucos, porém, descobre que essas questões se referem, afinal, a nossa capacidade de conhecer e de pensar. Por isso as perguntas de Filosofia se dirigem ao próprio pensamento: o que é pensar, como é pensar, por que há o pensar? A Filosofia torna-se então, o pensamento interrogando-se a si mesmo. Por ser uma volta que o pensamento realiza sobre si mesmo, a Filosofia se realiza como reflexão. Disciplinas auxiliares da Filosofia Dentre as várias disciplinas auxiliares da Filosofia, passamos a enumerar as seguintes: Psicologia experimental, Lógica, Ética, Estética, Teoria do Conhecimento, Metafísica, Antropologia filosófica, Filosofia Politica, filosofia do Direito, filosofia da religião, ... Filosofia e outras Ciências No seu começo a ciência estava ligada à Filosofia, sendo o filósofo, o sábio que reflectia sobre todos os sectores da indagação humana. Nesse sentido os filósofos como Tales, Pitágoras, eram também geómetras, e Aristóteles escreveu sobre física e astronomia. Ora, apesar da separação entre a Filosofia e a ciência, aquela não deixou de ser uma ciência, porque se preocupa a investigar as causas primeiras e finais de toda a realidade. A filosofia distingue-se de outras ciências pelas seguintes razões: Pela profundidade da investigação: enquanto a ciência procura as causas próximas imediatas da s coisas, a Filosofia procura as causas últimas e finais das coisas; Pela reflexão crítica: enquanto a ciência pressupõe reflexão e crítica, a Filosofia põe em questão tudo o que se apresenta ao espírito para examinar, discutir, avaliar e descobrir o seu significado, inclusive o da própria ciência; 18 Unidade Pelo grau de generalidade e síntese: a ciência limita-se à realidade dos factos e ocupa-se dos fenómenos, enquanto que a Filosofia procura dar unidade total ao saber e pretende penetrar na realidade global; Pela humanidade e valorização: a ciência ocupa-se em geral, da realidade estranha ao homem, enquanto que a Filosofia é essencialmente humana e axiológica, ou seja, ela dá valor à acção e a existência humana. Se a ciência tende cada vez mais a especialização, a Filosofia, no sentido inverso, quer superar a fragmentação do real, para que o homem seja resgatado na sua integridade e não sucumba à alienacão do poder parcelado. Por isso a filosofia tem uma função de interdisciplinaridade, estabelecendo o elo entre as diversas formas do saber e do agir. A filosofia ainda se distingue da ciência pelo modo como aborda seu objecto: em todos os sectores de conhecimento e da acção, a filosofia está presente como reflexão crítica a respeito dos fundamentos desse conhecimento e desse agir. Portanto, a Filosofia não faz juízos da realidade, como a ciência, mas juízos de valor. O filósofo parte da experiência vivida do homem trabalhando na linha de montagem, repetindo sempre o mesmo gesto, e vai além dessa constatação. Não vê apenas como é, mas como deveria ser. Julga o valor da acção, sai em busca do significado dela. Filosofar é dar sentido à experiência. Introdução à Filosofia 19 Exercícios Auto-avaliação 1- Qual é o motivo que levou Platão(427-347 a.C) a concluir que admiração era a primeira atitude do filósofo? Resposta: Porque a admiração é a condição de onde deriva a capacidade de problematizar, o que a faz a filosofia não como posse da verdade, mas como sua busca. 2- Qual é a diferença existente entre a filosofia e outras ciências? Resposta: A ciência busca a especialização e a filosofia quer superar a fragmentação do real, para que o Homem seja resgatado na sua integridade; a filosofia tem uma função de interdisciplinaridade, estabelecendo o elo de ligação entre as diversas formas do saber e do agir; a filosofia se distingue ainda da ciência pelo modo de abordar o seu objecto. A filosofia está sempre presente em todos sectores de conhecimento e da acção como reflexão crítica a respeito dos fundamentos desse conhecimento e agir. 20 Unidade Unidade N0 03-A0010 Tema: Breve contextualização histórica da Filosofia Introdução Os primeiros filósofos da humanidade foram os gregos. Isso significa que, embora tenhamos referências de grandes homens na China (Confúcio, Lao Tsé), na Índia (Buda), na Pérsia (Zaratustra), suas teorias ainda estão por demais vinculadas à religião para que se possa falar propriamente em reflexão filosófica. Neste tema veremos o processo pelo qual se tornou possível a passagem da consciência mítica para a consciência filosófica na civilização grega, constituída por diversas regiões politicamente autónomas. Ao completar esta unidade, você será capaz de: Objectivos Compreender a passagem da Filosofia da fase mítica para a fase racional. As condições que levaram o surgimento da Filosofia. As fases ou etapas da Filosofia Clássica. Sumário No período arcaíco surgiram os primeiros filósofos gregos, por volta de fins do século VII a. C. e durante o século VI a.C. alguns autores costumam chamar de “milagre grego” a passagem do pensamento mítico para o pensamento crítico racional e filosófico. O surgimento da racionalidade crítica foi o resultado de um processo lento, preparado pelo passado mítico, cuja características não desapareceram na nova abordagem filosófica do mundo, ou seja, o surgimento da filosofia na Grécia não é o resultado de um salto, um “milagre”, realizado por um povo privilegiado, mas a culminação de um processo que se fez através dos tempos e tem sua dívida com o passado mítico. Introdução à Filosofia 21 Algumas novidades surgidas no período arcaíco ajudaram a transformar a visão que o homem mítico tinha do mundo e de si mesmo. São elas:a invenção da escrita, o surgimento da moeda, a lei escrita, o nascimento da polis (cidade-estado), todas elas contribuiram para o surgimento da filosofia. Etapas da Filosofia Grega Clássica No decorrer dos séculos, a Filosofia teve um conjunto de preocupações, perguntas e interesses que lhe vieram de nascimento na Grécia. Para isso, devemos primeiro conhecer os principais períodos da Filosofia grega que definiram os campos de investigação filosófica na Antiguidade. A história da Grécia costuma ser dividida pelos historiadores em quatro fases ou épocas: a) a da Grécia Homérica, correspondente aos 400 anos narrados pelo poeta Homero, em seus dois grandes poemas, Ilíada e Odisséia; b) a da Grécia arcaica ou dos sete sábios, do século VII ao século V a. C, quando os gregos criam cidades como Atenas, Esparta, Tebas, Mégara, Samos, etc., e predomina a economia urbana, baseada no artesanato e no comércio; c) a da Grécia clássica, nos séculos V e IV a. C, quando a democracia se desenvolve, a vida intelectual e artística no apogeu e Atenas domina a Grécia com seu império comercial e militar; d) a helenística, a partir do final do século IV a. C., quando a Grécia passa para o poderio do império de Alexandre da Macedônia e, depois, para as mãos do Império Romano, terminando a história de existência independente. Os períodos da filosofia não correspondem exactamente a essas épocas, já que ela não existe na Grécia Homérica, e só aparece nos meados da Grécia arcaíca. O apogeu da Filosofia acontece durante o apogeu da cultura e da sociedade gregas; portanto, durante a Grécia clássica. Os quatro grandes períodos da Filosofia grega, nos quais seu conteúdo muda e se enriquece são: Período pré-socrático ou cosmológico, do final do século VII ao final do século V a. C., quando a Filosofia se ocupa fundamentalmente com a origem do mundo e as causas das transformações na Natureza. Período socrático ou antropológico, do final do século V e todo o século IV a. C., quando a Filosofia investiga as questões humanas, isto é, a ética, a política e as técnicas ( em grego, antropos quer dizer homem; por isso o período recebeu o nome de antropológico). Período sistemático, do final do século IV ao final do século III . C., quando a Filosofia busca reunir e sistematizar tudo quanto foi pensado sobre a cosmologia e a antropologia, interessando-se sobretudo em mostrar que tudo pode ser objecto de conhecimento filosófico, desde que as leis do pensamento e de suas 22 Unidade demonstrações estejam firmemente estabelecidas para oferecer os critérios da verdade e da Ciência. Período helenístico ou greco-romano, do final do século III a. C. até o século VI depois de Cristo. Nesse longo período, que já alcança Roma e o pensamento dos Padres da Igreja, a Filosofia se ocupa sobretudo com as questões da ética, do conhecimento humano e das relações entre o homem e a Natureza e de ambos com Deus. Introdução à Filosofia 23 Exercícios Auto-avaliação 1- Como foi feita a passagem da concepção mítica para a racionalidade? Resposta: A passagem da concepção mítica para a racionalidade foi o resultado de um processo lento, cujas características não desapareceram na nova abordagem filosófica do mundo, ou seja, a passagem da concepção mítica para a racionalidade não é o resultado de um salto, um “milagre”, realizado por um povo privilegiado, mas a culminação de um processo que se fez através dos tempos e tem sua dívida com o passado mítico. 2- Apresente as condições que teriam contribuído para o surgimento da Filosofia. Resposta: As condições que teriam contribído para o surgimento da Filosofia são: a invenção da escrita, o surgimento da moeda, a lei escrita e o nascimento da polis (cidade-estado). 3- Quais são as fases ou etapas que caracterizaram a Filosofia grega? Resposta: As fases ou etapas que caracterizaram a Filosofia grega são as seguintes: Primeira etapa: Grécia Homérica - correspondente aos 400 anos narrados pelo poeta Homero, em seus dois grandes poemas, Ilíada e Odisséia; Segunda etapa: Grécia arcaica ou dos sete sábios, do século VII ao século V a. C - quando os gregos criam cidades como Atenas, Esparta, Tebas, Mégara, Samos, etc., e predomina a economia urbana, baseada no artesanato e no comércio; Terceira atapa: Grécia clássica, nos séculos V e IV a. C - quando a democracia se desenvolve, a vida intelectual e artística no apogeu e Atenas domina a Grécia com seu império comercial e militar; Quarta: Helenística, a partir do final do século IV a. C. - quando a Grécia passa para o poderio do império de Alexandre da Macedônia e, depois, para as mãos do Império Romano, terminando a história de existência independente. 24 Unidade Unidade N0 04-A0010 Tema: A Pessoa Humana Introdução Costuma-se dar um nome compreensível à singularidade do ser humano: diz-se que o Homem, ao contrário das outras coisas que o circundam, é uma pessoa. Muitos filósofos fizeram da pessoa o epicentro de suas reflexões, dando origem à uma visão filosófica que recebeu o nome de personalismo. O problema da pessoa é estudado pelos psicólogos, psicanalistas, educadores políticos e jurístas. Ao completar esta unidade, você será capaz de: Objectivos Conhecer os diferentes conceitos de Pessoa de acordo com vários filósofos. Conhecer a relação da pessoa com Deus, consigo mesmo, com o mundo e com o trabalho. Sumário Os estudiosos estão de acordo em reconhecer que o conceito de pessoa é estranho à Filosofia grega. Com efeito, o conceito de pessoa, acentua a singularidade, a individualidade, o concreto, enquanto que a filosofia grega dá importância só ao universal, ao ideal e ao abstracto. O singular, o individuo, o concreto, para o pensamento grego tem valor provisório, como momentânea fenomenização da espécie universal, ou então como instante transitório do grande ciclo, que tudo compreende da história. Uma memorável definição da pessoa, a mais célebre de todas, muito completa e precisa do ponto de vista ontológico deixou-nos Severino Boécio e diz o seguinte: “Pessoa é uma substância individual de natureza racional”. Para S. Tomás de Aquino: “Pessoa significa o que de mais nobre há no universo, isto é, o subsistente de uma natureza racional”. Introdução à Filosofia 25 Para Kant, “os seres humanos são chamados pessoas porque a sua natureza os distingue já como fins em si…o homem e em geral cada ser racional, existe como fim em si e não como um meio de que esta ou aquela vontade pode servir-se ao seu bel- prazer”. Paul Ricoeur concebe a pessoa como um projecto da humanidade, a qual por sua vez é assim definida: “a humanidade é o modo de ser sobre a qual deve regular-se cada aparição empírica do que nós chamamos de ser humano”. Para Scheler, “a pessoa é antes a unidade, imediatamente vivida pelo vivente espiritual e não uma coisa pensada atrás e fora do imediatamente vivido”. A pessoa é a unidade essencial concreta do ser de actos de essências diferentes, que em si mesma precede todas as diferenças de actos. Romano Guardini elaborou um conceito de pessoa em que são fundidos habilmente os elementos mais característicos da concepção clássica e da moderna: a substancialidade, individualidade, a incomunicabilidade e a autoconsciência. A sua definição diz: “A pessoa é a forma da individualidade enquanto é determinada pelo espírito”. Assim, a pessoa significa que eu, no meu ser, em definitivo não posso ser possuido por nenhuma outra instância, mas que me pertenço; pessoa significa, que eu não posso ser habitado por nenhum outro, mas que, em relação à mim, estou só comigo mesmo; não posso ser representado por nenhum outro, mas eu respondo por mim mesmo; não posso ser substituído por nenhum outro, mas sou único. A interioridade da vida, o saber, o querer, o agir, o criar do espírito,etc., tudo isso não é ainda pessoa; pessoa significa que tudo isso, o Homem está em si mesmo. O fundamento último da personalidade é dado à seu juízo, pela autonomia no ser por parte de uma realidade racional, ou seja, pela posse de um próprio acto de ser: graças à tal posse, a realidade humana torna-se completa em si mesma, e não pode mais ser comunicada e associada a outros. Quando um acto de ser, próprio e proporcionado a uma certa essência particular ou substância individual intelectiva, a faz existir por si e em si, por isso mesmo é incomunicada e incomunicável, é pessoa. A pessoa quer dizer antes de tudo, autonomia de ser, domínio de si mesmo, inviolabilidade, individualidade, incomunicabilidade, unidade. O homem é pessoa porque é dotado de um modo de ser que supera nitidamente o modo de ser das plantas e dos animais. A Pessoa em suas relações Soren Kierkegaard (1813 – 1855), é um dos filósofos que procurou analisar os problemas da relação existencial do homem com o mundo, consigo mesmo e com Deus. 26 Unidade A relação do homem com o mundo - outros seres humanos e na natureza - são dominadas pela angústia. A angústia é entendida como o sentimento profundo que temos ao perceber a instabilidade de viver num mundo de acontecimentos possíveis, sem garantia de que nossas expectativas sejam realizadas. “No possível, tudo é possível”, escreve Kierkegaard. Assim, vivemos num mundo onde tanto é possível a dor como o prazer, o bem como o mal, o amor como o ódio, o favorável como o desfavorável. A relação do homem consigo mesmo é marcada pela inquietação e pelo desespero. Isso acontece por duas razões: ou porque o homem nunca está plenamente satisfeito com as possibilidades que realizou, ou porque não conseguiu realizar o que pretendia, esgotando os limites do possível e fracassando diante de suas expectativas. A relação do homem com Deus seria talvez a única via para a superação da angústia e do desespero. Contudo, é marcado pelo paradoxo de ter de compreender pela fé o que é incompreensível pela razão. O trabalho O termo trabalho vem do latim tripalium, que significa um instrumento de tortura feito de três paus. O trabalho é toda actividade no qual o ser humano utiliza sua energia física e psíquica para satisfazer suas necessidades ou para atingir um determinado fim. Por intermédio do trabalho, o homem acrescenta um “mundo novo” ( a cultura) ao mundo natural já existente. O trabalho é, portanto, elemento essencial da relação dialéctica entre o homem e a natureza, entre o saber e o fazer, entre a teoria e a prática. Nesse sentido, o trabalho é uma actividade tipicamente humana, porque implica a existência de um projecto mental que determina a conduta a ser desenvolvida para se alcançar um objectivo almejado. Pelo trabalho, o homem é capaz de expandir suas energias, desenvolver sua criatividade e realizar suas potencialidades; pelo trabalho o ser humano é capaz de moldar a natureza e, ao mesmo tempo, transformar a si próprio. Ou seja, trabalhando podemos transformar o mundo e a nós mesmos. Em seu aspecto social, isto é, como esforço conjunto dos membros de uma comunidade, o trabalho teria como objectivos últimos a manutenção da vida e o desenvolvimento da sociedade. Assim dentro da visão positiva, o trabalho poderia promover a realização do indivíduo, a edificação da cultura e a solidariedade entre os homens. Introdução à Filosofia 27 Exercícios Auto-avaliação 1- Qual é o conceito de pessoa segundo Severino Boécio? Resposta: Segundo Severino Boécio, a “Pessoa é uma substância individual de natureza racional”. 2- Qual é a relação da Pessoa com outros e com a natureza, consigo mesmo, com Deus e com o trabalho? Resposta: A relação da pessoa com os outros e com a natureza é dominada pela angústia; a relação consigo mesma é marcada pela inquietação e desespero; com Deus é marcada pela superação da angústia e desespero. Porém, esta relação é marcada pelo paradoxo de ter de compreender pela fé o que é incompreensível pela razão e, pelo trabalho, o homem é capaz de expandir suas energias, desenvolver sua criatividade e realizar suas potencialidades; pelo trabalho o ser humano é capaz de moldar a natureza e, ao mesmo tempo, transformar a si próprio. Ou seja, trabalhando podemos transformar o mundo e a nós mesmos. 28 Unidade Unidade N0 05-A0010 Tema: A consciência moral Introdução O homem é o único animal consciente de suas acções. A consciência é o conhecimento que acompanha as nossas vivências; é um conhecimento (das coisas e de si) e um conhecimento desse conhecimento (reflexão). Ao completar esta unidade, você será capaz de: Objectivos Explicar o conceito de consciência moral em diferentes perspectivas; Conhecer os graus da consciência moral; Diferenciar a ética da moral. Sumário A consciência pode ser definida na perspectiva psicológica, ético e moral, política e na da teoria de conhecimento. Na perspectiva psicológica, a consciência é um sentimento de nossa própria identidade: é o eu, um fluxo temporal de estados corporais e mentais, que retém o passado na memória, percebe o presente pela atenção e espera o futuro pela imaginação e pelo pensamento. O eu é o centro ou a unidade de todos esses estados psíquicos. A consciência psicológica é formada por nossas vivências. Na perspectiva ético e moral, a consciência é a espontaneidade livre e racional, para escolher, deliberar, e agir conforme à liberdade aos direitos alheios e deveres. É a pessoa dotada de vontade livre e de responsabilidade. É a capacidade para compreender e interpretar sua situação e condição (física, mental, social, cultural, histórica), viver na companhia dos outros segundo as normas e os valores morais definidos por sua sociedade, agir tendo em vista fins escolhidos por deliberação e decisão, realizar as virtudes e, quando necessário, contrapôr-se e opôr-se aos valores estabelecidos em nome de outros, considerados mais adequados à liberdade e à responsabilidade. Introdução à Filosofia 29 Na perspectiva política, a consciência é o cidadão, isto é, tanto o indivíduo situado no tecido das relações sociais, como portador de direitos e deveres, relacionando-se com a esfera pública de poder e das leis, quando o membro de uma classe social, definido por sua situação e posição nessa classe, é portador e defensor de interesses específicos de seu grupo ou de sua classe, relacionando-se com a esfera pública do poder e das leis. Na perspectiva da teoria de conhecimento, a consciência é uma actividade sensível e intelectual dotada de poder de análise, síntese e representação. É o sujeito, que se reconhece como diferente dos objectos, cria e descobre significações, institui sentidos, elabora conceitos, idéias, juízos e teorias. É dotado de capacidade de conhecer à si mesmo no acto de conhecimento, ou seja, é capaz de reflexão. É saber de si e saber sobre o mundo, manifestando-se como sujeito que percebe, imagina, memoriza, fala e pensa. A consciência moral (pessoa) e a consciência política (o cidadão) formam-se pelas relações entre as vivências do eu e os valores e as instituições de sua sociedade ou de sociedade ou de sua cultura. São as maneiras pelas quais nos relacionamos com os outros por meio de comportamentos e práticas determinadas pelos códigos morais (que definem deveres, obrigações, virtudes), e políticos (que definem direitos, deveres e instituições colectivas públicas), a partir do modo como uma cultura e uma sociedade definem o bem e o mal, o justo e o injusto, o legítimo e o ilegítimo, o legal e o ilegal, o privado e o público. O eu é uma vivência e uma experiência que se realiza por comportamentos; a pessoa e o cidadão são consciência como agente (moral e político), como práxis. Em sua essência, a consciência é um vazio, um nada, um silêncio que nos possibilita sentire escutar, reflectir e querer. Nela ouvimos a voz do nosso ser. Na vida familiar, a consciência é considerada apenas uma vivência. Platão definiu a consciência como o “diálogo da alma consigo mesma”. A alma interroga a si mesma sobre que relação e compromisso tem ela com essa outra realidade, que se dá a conhecer no íntimo diálogo consigo mesma. Graus da consciência Distinguem-se três graus da consciência: 1. Consciência passiva: aquela na qual temos uma vaga e uma confusa percepção de nós mesmos e do que se passa à nossa volta, como no devaneio, no momento que precede o sono ou o despertar, na anestesia, e sobretudo, quando somos muito criança ou muito idosos. 2. Consciência vivida, mas não reflexiva: é nossa consciência afectiva, que tem a peculiaridade de ser egocêntrica, isto é, de perceber os outros e as coisas apenas a partir de nossos sentimentos com relação à elas, como por exemplo, a criança que 30 Unidade bate numa mesa ao tropeçar nela, julgando que a “mesa faz de propósito para machucá-lo”. Nesse grau de consciência não conseguimos superar o eu e o outro, o eu e as coisas. É típico por exemplo, das pessoas apaixonadas, para as quais o mundo existe a partir de seus sentimentos de amor, ódio, cólera, alegria, tristeza, etc. 3. Consciência activa e reflexiva: aquela que reconhece a diferença entre interior e o exterior, entre si e os outros, entre si e as coisas. Esse grau de consciência é o que permite a existência da consciência em suas quatro modalidades, que são: o eu, a pessoa, o cidadão e o sujeito. Ética e moral A palavra ética vem do grego, ethos, que significa costume. É a ciência que tem por objecto o fim da vida humana e os meios para alcançá-los. Historicamente, a palavra ética foi aplicada à moral sob todas as suas formas, quer como ciência do comportamento efectivo dos homens, quer como arte de guiar o comportamento. Propriamente a ética deveria ocupar-se do bem como valor primário e ser assumido pela liberdade como guia das próprias escolhas. A palavra moral vem do latim, mores, que significa hábitos. Ética e moral, possuem com efeito, acepções muito próximas uma da outra; se o termo ética é de origem grega, e a moral, de origem latina, ambos remetem a conteúdos vizinhos, à ideia de costumes, de hábitos, de modos de agir determinados pelo uso. Portanto, a grande distinção entre ética e moral está no facto de que a primeira é mais teórica, pretende-se mais voltada à uma reflexão sobre os fundamentos que esta última. A ética se esforça por desconstruir as regras de conduta que forma a moral, os juízos do bem e do mal que se reúnem no seio desta última. A ética desígna uma “metamoral”, uma doutrina que se situa além da moral, uma teoria raciocinada sobre o bem e o mal, os valores e os juízos morais. Em suma, a ética desconstrói as regras de conduta, desfaz suas estruturas e desmonta sua edificação, para se esforçar em descer até os fundamentos ocultos da obrigação. Diversamente da moral, ela se pretende pois desconstrutora e fundadora, enunciadora dos prícipios ou de fundamentos últimos. Introdução à Filosofia 31 Exercícios Auto-avaliação 1- O que é a consciência na perspectiva Platónica? Resposta: Para Platão, a consciência é o diálogo da alma consigo mesma. A alma interroga a si mesma sobre que relação e compromisso ela tem com a outra realidade, que se dá a conhecer no íntimo diálogo consigo mesma. 2- Indique os graus da consciência moral. Resposta: Os graus da consciência moral são: consciência passiva, consciência vivida, mas não reflectida e a consciência activa e reflexiva. 32 Unidade Unidade N0 06-A0010 Tema: Aspectos da ética individual Introdução A pessoa humana em sua acção exige-se que seja responsável e livre de todas as suas escolhas e opções. Ao ser acusado e julgado pelo que assume de forma livre e responsável, exige-se que seja feita a justiça e sejam tomadas as sansões. Ao completar esta unidade, você será capaz de: Objectivos Conhecer e diferenciar os elementos da ética individual; Conhecer os princípios da Justiça em John Rawls. Sumário A palavra liberdade, etimologicamente significa: isenção de qualquer coação ou negação de determinação para uma coisa. Pode-se entender como a faculdade de fazer ou deixar de fazer alguma coisa. Ela tem sido entendida como a possibilidade de autodeterminação e de escolha, acto voluntário, espontaneidade, indeterminação, ausência de interferências, libertação de impedimentos, realização de necessidades, direcção prática para uma meta , ideal de maturidade, autonomia sapiencial ética, razão de ser da própria moralidade. A liberdade pode ser definida em dois sentidos imediatos: no nosso cotidiano e na linguagem filosófica. No nosso cotidiano, invocamos constantemente a palavra liberdade para reivindicar liberdade de opinião, de reunião, de livre circulação, considerando-se nesse sentido comum, a liberdade como ausência de constrangimentos externos; Introdução à Filosofia 33 Na linguagem filosófica, referimo-nos à liberdade em termos absolutos e, neste sentido, à um poder de agir independentemente de quaisquer obstâculos ou determinismos. Ora, as escolhas do ser humano exercem-se num campo onde há tendências e limitações de vária ordem (biológica, psicológica e sociológica), e apesar disso são livres porque conseguem superar racionalmente esses obstâculos que acabam por se transformar em força impulsionadora. Responsabilidade A palavra responsabilidade, deriva etimologicamente do latim respondere, que significa responder pelos próprios actos e ter a obrigação de prestar contas pelos actos praticados perante a nossa consciência e perante outras pessoas e a sociedade. A pessoa é moralmente responsável quando age livremente, isto é, na ausência de qualquer forma de constrangimento; quando se está plenamente consciente das intenções e das consequências de nossa acção, e quando, estando consciente da intenção, da acção e do seu efeito, se quer a sua realização. A responsabilidade pode assumir diferentes formas, que são: Responsabilidade civil: refere-se ao compromisso de ter de responder perante a autoridade social e a lei jurídica pelas consequências e implicações de nossos actos em relação à terceiros; Responsabilidade moral: refere-se à obrigação de responder perante nós mesmos, perante a nossa consciência, pela intenção dos nossos actos. O dever O dever pode ser entendido como um imperativo, isto é, como uma ordem a que o indivíduo se terá de submeter e que assume duas dimensões, que são as seguintes: Dimensão subjectiva: que traduz o sentimento de respeito devido à lei imposta pela consciência moral; Dimensão objectiva: que traduz uma obrigação de submissão e acatamento dessa lei. A Justiça As palavras hebraicas bíblicas que significam justiça (tzedek, tzedaká, mishpat) possuem muitas tonalidades de sentido (justiça, rectidão, bom comportamento, lealdade, integridade, etc). A palavra tzedaká veio a significar também bondade e, daí, caridade, sendo não raro discutível, por isso, a acepção em que os vários contextos bíblicos aplicam tais termos. Por justiça tem-se geralmente entendido a vontade firme e constante de reconhecer e atribuir o que é devido aos outros. Trata-se de uma virtude cardeal, a par da prudência, da fortaleza 34 Unidade e da temperança. E trata-se também de um ideal, situado no plano axiológico dos padrões que iluminam o espírito dos homens e dão sentido à vida na tradição clássica, a justiça acaba por confundir-se com o direito. Assim, a palavra grega “dikaion” tanto exprime a idéia de direito como a de justo, ou a de justiça. A justiça é comumente dividida em retributiva e distributiva. Justiça distributiva: aquela parte da justiça que se preocupa com a justa distribuição de benefícios e sofrimentosdentro de uma sociedade. Na medicina (“quem recebe o que por quê”) que afectam toda a sociedade, bem como as questões de racionamento, que afectam paciêntes em particular ou grupos de pacientes em particular. Justiça retributiva: parte da teoria da justiça que considera a punição sob as bases do mero merecimento em vez de sob as bases de detenção ou reabilitação, baseada na ideia da compensação por um dano; baseada na ideia de “olho por olho, dente por dente”. John Rawls em sua obra Teoria da Justiça (1971), apresenta dois princípios de justiça: O primeiro princípio exige a igualdade das distribuições dos direitos e dos deveres básicos. Cada pessoa, diz-nos Rawls, tem um direito igual ao conjunto mais extenso de liberdades fundamentais, iguais para todos. O segundo princípio põe que as desigualdades sócio-econômicas são justas se produzem, em compensação, vantagens para cada um, se beneficiam os indivíduos menos favorecidos. Não há nenhuma injustiça em um pequeno número obter vantagens superiores à média, sob a condição de que seja melhorada a situação dos desfavorecidos. Uma sociedade justa, de acordo com a nossa concepção, seria aquela onde as pessoas pudessem melhorar suas posições por meio de trabalho ( com oportunidades de trabalho disponíveis para todos), mas elas não aproveitariam posições superiores simplesmente porque nasceram com sorte. Introdução à Filosofia 35 Exercícios Auto-avaliação 1- Destaque os elementos da ética social. Resposta: Liberdade, responsabilidade, mérito, sansão, dever, justiça. 2- Quando é que se diz uma pessoa agiu moralmente responsável? Resposta: Diz-se que uma pessoa agiu moralmente responsável quando age livremente, isto é, na ausência de qualquer forma de constrangimento; quando se está plenamente consciente das intenções e das consequências de nossa acção, e quando, estando consciente da intenção, da acção e do seu efeito, se quer a sua realização. 3- Apresente os princípios de justiça em John Rawls. Resposta: Os princípios de justiça em John Rawls são: O primeiro princípio que exige a igualdade das distribuições dos direitos e dos deveres básicos e, o segundo princípio indica que as desigualdades sócio-econômicas são justas se produzem, em compensação, vantagens para cada um, se beneficiam os indivíduos menos favorecidos. 36 Unidade Unidade N0 07-A0010 Tema: Acção Humana Introdução No contexto de uma Filosofia da Acção, o que se pretende é analisar a praxis humana, isto é, o modo como o ser humano actua enquanto tal, o que faz a diferença e a especificidade do seu comportamento. Ao completar esta unidade, você será capaz de: Objectivos Conhecer e diferenciar as palavras fazer e agir; Conhecer e explicar os condicionantes da acção humana. Sumário Aristóteles, na ética e na Política, distinguia entre o fazer ou produzir (poiein) e o agir (praxein). Segundo ele: No fazer, a acção tem como finalidade dominar e organizar uma matéria exterior – produção técnica ou actividade centrada no objecto; No agir, a acção não tem como principal finalidade transformar uma matéria exterior, mas transformar o próprio agente, pois agir remete uma actividade centrada no sujeito ou no agente da acção. Apesar da diferença, o termo fazer continua ainda hoje a ser usado no domínio da actividade moral como sinónimo de agir, sendo por isso, que na linguagem cotidiana, se diz indiferentemente “fez bem” ou “agiu bem”. Contudo, para designar a actividade técnica, usamos o termo fazer e não dizemos que alguém “agiu uma casa ou um quadro ou um objecto de barro”. Nesse âmbito mantemo-nos à tradição aristotélica. Introdução à Filosofia 37 Agir é, pois, o termo usado para traduzir um determinado tipo de comportamento (intencional, consciente) e remete para uma rede de conceitos que aparecem interligados: agente, intenção e motivo. A acção reflecte um projecto, isto é, uma intenção do agente; supõe uma vontade, um querer e uma possibilidade de optar, isto é, de poder fazer ou poder não fazer algo; implica uma explicação ou justificação – um motivo ou razão de … Condicionantes da acção humana Contrariamente aos animais, sujeitos a um determinismo que os faz comportar-se de acordo com uma pré-programação biológica, o Homem é um ser com possibilidades de escolher e de decidir o que fazer de si mesmo e aberto em relação ao futuro. Na verdade, as suas características biológicas, as condições físicas de seu ambiente, as representações sociais, influênciam e condicionam a sua acção. O Homem toma-as como um conjunto de possibilidades e de alternativas que lhe são dadas para que, a partir delas, construa o seu ser e dê um sentido à própria vida. O ser humano possui um corpo, uma natureza biológica, que lhe dá um certo número de capacidades. As nossas características biológicas condicionam, naturalmente, a nossa acção, e é óbvio que os nossos hábitos e modos de agir dependem de aptidões que possuimos e que procuramos desenvolver e rentabilizar. As necessidades básicas ou primárias, tais como a necessidade de alimento, de água, de oxigênio e de repouso, determinam o próprio ritmo de nossas acções. Por outro lado, habitamos um determinado ambiente, um mundo de coisas e objectos materiais, recursos indispensáveis à nossa sobrevivência e a uma existência com qualidade. Os recursos e as matérias primas existentes numa determinada região, o clima e as outras condições ambientais, condicionam até hoje, o tipo de actividade produtiva, os costumes, as crença, os valores sociais, religiosos, estéticos, etc. O Homem, porém, vive inserido num meio sócio-cultural, que também condiciona o seu modo de agir e diversifica as formas de satisfação das suas necessidades básicas. Logo no acto de nascer, na maneira como se faz o parto, nos rituais que acompanham o nascimento, nas roupas com que se veste o bebé, começa a modelação sócio – cultural do ser humano. A cultura, que aprendemos a respeitar, permitindo-nos moldar a nossa natureza biológica e tornarmo-nos verdadeiramente homens é, pois, um factor indispensável à nossa construção como seres humanos – um factor de humanização. Assim, o Homem é capaz de crescer de forma humana, isto é, aprender a viver como vive o nosso grupo social; aprender a sua 38 Unidade linguagem e adoptar os seus costumes e formas padronizadas de comportamento social. O agente criador O ser humano, é o ser activo e criador, nasce inacabado e produz- se a si próprio mercê da sua própria acção, a partir das características biológicas que recebe dos seus progenitores e da influência da cultura. O ser humano é, portanto, um agente criador: ao nível do fazer e através do trabalho, fabrica e produz artefactos e transforma a natureza. Ao nível do agir, nas suas acções intencionais: apropria-se e assume valores e normas socialmente estabelecidas; recria valores, através dos quais dá sentido à sua existência; constrói a sua própria natureza a partir de um conjunto de factores (biológicos e sócio-culturais), constituíndo-se como um ser que se inventa a si mesmo num processo criador sempre inacabado. Exercícios Auto-avaliação 1- Quem é o agente criador da cultura? Resposta: O agente criador da cultura é o ser humano em seus níveis do fazer e agir. 2- Quais são as diferenças entre o fazer e o agir? Resposta: No fazer, a acção tem como finalidade dominar e organizar uma matéria exterior, como por exemplo uma produção técnica ou actividade centrada no objecto, enquanto que no agir, a acção tem como principal finalidade transformar o próprio agente, pois agir remete uma actividade centrada no sujeito ou no agente da acção. Por outro lado, o termo fazer é usado no domínio da actividade moral como sinónimo de agir, sendo por isso, que na linguagem cotidiana, se diz indiferentemente “fez bem” ou “agiu bem”.3- Mencione os condicionantes da acção humana. Resposta: Os condicionantes da acção humana são as características biológicas, as condições físicas de seu ambiente e as representações sociais. Introdução à Filosofia 39 40 Unidade Unidade N0 08-A0010 Tema: Valores. Introdução Na Sociedade em que nos encontramos somos impelidos a buscar o que é bom e o que não é bom. Diante disso, mesmo no nosso contexto cultural, buscamos o que é aceite e o que não é aceite pela colectividade humana. Aquilo que é aceite é chamado de valor e, o que não é aceite é um anti-valor. Ao completar esta unidade, você será capaz de: Objectivos Explicar e caracterizar os valores; Identificar a hierarquia dos valores. Sumário A nossa relação conosco, com a realidade e com os outros é mediada pela linguagem (no caso, conceptual), e a linguagem se serve de instrumentos lógicos para comunicar a nossa apreensão da realidade (ao formular juízos de facto); além de juízos de facto também fazemos juízos de preferência em que não nos limitamos a descrever a realidade, mas utilizamos valores com que predicamos essa mesma realidade (ao formular juízos de valor). Os juízos de facto se referem à ordem de ser e do real indicando os seus atributos, pois se referem a acontecimentos; Juízos de valor são apreciações subjectivas, implicam uma avaliação ou uma escolha, expressam a relação da consciência individual ou social com o que a realidade deve ser, e apontam para um horizonte de ordem ideal. A preocupação com os valores é tão antiga como a humanidade, mas só no século XIX, surge uma disciplina específica, a teoria dos valores ou axiologia (do grego axios, “valor”). A axiologia Introdução à Filosofia 41 não se preocupa com os seres, mas das relações que se estabelecem entre os seres e o sujeito que os aprecia. O conceito valor pode ter várias acepções. Com efeito: Um significado afectivo: ao significar o carácter das coisas que nos merecem estima; pode ter um significado moral ao ser atribuido por alguém a uma atitude: é o caso da coragem em frente ao perigo, da solidariedade ( o valor das acções da solidariedade social), da beleza de um gesto, do altruísmo e do egoísmo; e um significado técnico: por exemplo o valor de uma mercadoria ou o valor de uma incógnita. Os valores podem ter uma vertente subjectiva ou objectiva: Subjectiva: quando designam um padrão de comportamento a que alguém dá importância ou relevo (por exemplo, a honestidade, a parcimónia no uso dos prazeres, a preocupação com questões espirituais); Objectiva: quando designam padrões de comportamentos reconhecidos e adoptados por um grupo ou comunidade mais ou menos vasta (a moda de um abraço, uma determinada estação, a indumentária tradicional de uma região ou os valores de uma mercadoria). Características dos valores - A polaridade: visão positiva e negativa, ou seja, ausência de neutralidade perante os acontecimentos; - A hierarquização: organização dos valores em termos de mais importantes e menos importantes, o que permite depois, na acção, o estabelecimento de prioridades sem o que nenhum projecto é realizável; - A historicidade; - A relactividade; - A objectividade e subjectividade. Hierarquia dos valores A hierarquia dos valores foi proposta pela primeira vez por Max Scheler, que forneceu cinco critérios para determinar a altura dos valores. A hierarquia dos valores proposta por Scheler é, no seu entender, objectiva, universal e eterna porque é constituida a priori pela sensibilidade. É constituida por quatro grupos fundamentais de valores: - Valores do agradável e do desagradável, correspondentes à função do gozo e do sofrimento; - Valores vitais (como saúde, a doença, etc.); - Valores espirituais, isto é, estéticos e cognitivos; - Valores religiosos. São critérios os cinco seguintes: 42 Unidade 1º Os valores são tanto mais altos quanto maior for a duração, qualquer que seja aliás a duração do seu suporte real. Max Scheler, por exemplo, na peugada de Santo Agostinho, distingue entre tempo e duração. O amor, por exemplo, é sempre sentido como eterno. Amar por uma noite não é amar, mas fazer amor. E dizer: “amar-te-ei eternamente” seria um pleonasmo. 2º Os valores são tanto mais altos quanto menos divisíveis forem. Diz-se bens materiais exactamente porque são divisíveis. E se no fundo da escala dos bens materiais colocarmos os bens económicos este serão os mais divisíveis que todos. Os bens espirituais são indivisíveis. Conclusão, os valores espirituais são mais altos, são superiores aos valores materiais. 3º O valor que serve de fundamento a outros é mais alto que os valores que se fundam nele. Segundo Max Scheler, o valor do “útil” funda-se na valor do “agradável”. O agradável, por seu turno, funda-se sobre um valor vital, como a saúde, etc. Nas suas grandes linhas, os valores religiosos servem de fundamento aos valores espirituais, estes aos valores vitais e estes aos valores do agradável e do desagradável. 4º Os valores são tanto mais altos quanto maior é a satisfação que a sua realização produz em nós. Max Scheler quando fala em “satisfação” está a pensar em satisfação duradoira. Um prazer duradoiro (os do espirito) é sempre um valor mais alto que um prazer transitório (porque sensível, ligado ao corpo). 5º Um valor é tanto mais alto quanto menos relativo for. Por exemplo, os valores morais são mais altos que os valores vitais e estes mais altos que o simples agradável ou desagradável. Para Johannes Hessen, na sua obra Filosofia dos valores, nos seria de guia até aqui, qualquer escala de valores a construir deverá obedecer a três princípios gerais: 1º Os valores espirituais prevalecem sobre os sensíveis; 2º Na classe dos valores espirituais é fora de dúvida que o primado pertence aos valores éticos; 3º Os mais altos de todos os valores são os valores do “sagrado” ou os valores religiosos porquanto todos os outros se fundam neles. Introdução à Filosofia 43 Exercícios Auto-avaliação 1- Explique qual o significado afectivo e moral do termo valor. Resposta: Significado afectivo é o carácter das coisas que nos merecem estima; e o significado moral trata-se de uma atitude diante de uma situação: é o caso da coragem em frente ao perigo, da solidariedade ( o valor das acções da solidariedade social), da beleza de um gesto, do altruísmo e do egoísmo; e um significado técnico: por exemplo o valor de uma mercadoria ou o valor de uma incógnita. 2- Quais são as caracteristicas dos valores? Resposta: Os valores são caracterisados pela sua polaridade, hierarquização, historicidade, relactividade, objectividade e subjectividade. 3- Qual é a proposta da hierarquia dos valores apresentada por Max Scheler? Resposta: A hierarquia dos valores proposta por Scheler é, no seu entender, objectiva, universal e eterna porque é constituida a priori pela sensibilidade e, é constituida por quatro grupos fundamentais de valores que são: valores do agradável e do desagradável, correspondentes à função do gozo e do sofrimento; valores vitais (como saúde, a doença, etc.); valores espirituais, isto é, estéticos e cognitivos e, valores religiosos. 44 Unidade Unidade N0 09-A0010 Tema: Aspectos da Bioética Introdução A palavra “bioética” nasceu na América e se transformou profundamente, passando para o vocabulário corrente. Inventada nos Estados Unidos por R. Potter, a bioética designa, neste último, um projecto de utilização das ciências biológicas destinadas a melhorar a qualidade de vida. Na nossa linguagem, a palavra “bioética” se inscreve desde o início dos anos oitenta, em virtude dos progressos da biologia. Originalmente, a bioética se insere num plano com perspectiva pragmática e técnica, bem mais que um sistema reflectidode valores: ela se liga, primeiro, a um optimismo científico. Ao completar esta unidade, você será capaz de: Objectivos Explicar o conceito de Bioética. Identificar os problemas tratados pela bioética. Sumário Bioética, vem da palavra ética e de bios (vida, em grego). Pode designar, então, ou uma reflexão sobre os valores subordinada a bios, a vida, ou então uma metamoral que se interessa pelos desafios e as repercussões da Biologia e Medicina. Eis pois algumas definições: A bioética é a ciência normativa do comportamento humano aceitável no campo da vida e da morte (Pierre Deschamps – jurísta); A bioética é o estudo interdisciplinar do conjunto das condições que uma gestão responsável da vida humana (ou da pessoa humana) exige, no quadro dos progressos rápidos e complexos do saber e das tecnologias bio-médicas (David Roy); Introdução à Filosofia 45 A bioética designa a investigação do conjunto das exigências do respeito e da promoção da vida humana e da pessoa, no sector bio-médico (Guy Durand). Essas diferentes definições, revelam que há uma dúpla óptica da bioética: de um lado, científica e preocupada com a eficácia; de outro, centrada no debate ético, a responsabilidade e os valores. A bioética é, pois a expressão da responsabilidade em face da humanidade futura e distante que está confiada à nossa guarda, e a busca das formas de respeito devidas à pessoas , busca que se efectua particularmente considerando o sector biológico e suas aplicações. Eutanásia Eutanásia (do grego- eu "bom", tanasia "morte") é a prática pela qual se abrevia a vida de um enfermo incurável de maneira controlada e assistida por um especialista. A eutanásia representa actualmente uma complicada questão de bioética e biodireito, pois enquanto o Estado tem como princípio a protecção da vida dos seus cidadãos, existem aqueles que, devido ao seu estado precário de saúde, desejam dar um fim ao seu sofrimento antecipando a morte. Independentemente da forma de Eutanásia praticada, seja ela legalizada ou não (tanto em Portugal como no Brasil esta prática é considerada como ilegal), é considerada como um assunto controverso, existindo sempre prós e contras – teorias eventualmente mutáveis com o tempo e a evolução da sociedade, tendo sempre em conta o valor de uma vida humana. Sendo eutanásia um conceito muito vasto, distinguem-se aqui os vários tipos e valores intrinsecamente associados: eutanásia, distanásia, ortotanásia, a própria morte e a dignidade humana. Em primeiro lugar, é importante ressaltar que a eutanásia pode ser dividida em dois grupos: a "eutanásia activa" e a "eutanásia passiva". Embora existam duas “classificações” possíveis, a eutanásia em si consiste no acto de facultar a morte sem sofrimento a um indivíduo cujo estado de doença é crónico e, portanto, incurável, normalmente associado a um imenso sofrimento físico e psíquico. A eutanásia activa conta com o traçado de acções que têm por objectivo pôr término à vida, na medida em que é planeada e negociada entre o doente e o profissional que vai levar e a termo o acto. A eutanásia passiva por sua vez, não provoca deliberadamente a morte, no entanto, com o passar do tempo, conjuntamente com a interrupção de todos e quaisquer cuidados médicos, farmacológicos ou outros, o doente acaba por falecer. São cessadas todas e quaisquer acções que tenham por fim prolongar a vida. Não há por isso um acto que provoque a morte (tal como na eutanásia activa), mas também não há nenhum que a impeça (como na distanásia). 46 Unidade É relevante distinguir eutanásia de "suicídio assistido", na medida em que na primeira é uma terceira pessoa que executa, e no segundo é o próprio doente que provoca a sua morte, ainda que para isso disponha da ajuda de terceiros. Etimologicamente, distanásia é o oposto de eutanásia. A distanásia defende que devem ser utilizadas todas as possibilidades para prolongar a vida de um ser humano, ainda que a cura não seja uma possibilidade e o sofrimento se torne demasiadamente penoso. Aborto O aborto consiste na expulsão ou extracção de um feto pesando menos de mil gramas, ou com uma idade gestacional inferior a vinte e oito semanas completas. Nos países mais desenvolvidos, em que os fetos pesando quinhentos a mil gramas muitas vezes sobrevivem, utiliza-se a definição recomendada pela Organização Mundial da Saúde: “a extracção ou expulsão de um feto pesando menos de quinhentas gramas ( o que equivale aproximadamente a 22 semanas completas de gestação. Os tipos e graus de aborto foram já classificados de muitas maneiras. A partir das definições e os tipos de aborto acima apresentados, podemos concluír que há varias formas de fazer o aborto, seja de forma legal ou de forma ilegal. Porém, não deixa de ser aborto. Especialistas da bioética e diferentes camadas da sociedade questionam se é lícito fazer ou não o aborto, já que se trata de matar uma vida em formação, particularmente o aborto provocado. É correcto fazer o aborto? Existe países como a Holanda, que a lei aprovou a permissão do aborto. Mas o Brasil e outros países consideram o aborto como um crime. Qual desses países está agindo moralmente em relação ao aborto? É ou não é permitido fazer o aborto? São questões a ser reflectidas, debatidas sobre o certo e o errado, tendo em conta que a expulsão do fecto corresponde a morte de uma vida do ser humano em formação. A prática do aborto e a eutanásia é proibida em qualquer sociedade. Introdução à Filosofia 47 Exercícios Auto-avaliação 1- Que significa Bioética? Resposta: Bioética, vem da palavra ética e de bios (vida, em grego). Pode designar, então, ou uma reflexão sobre os valores subordinados a bios, a vida, ou então uma metamoral que se interessa pelos desafios e as repercussões da Biologia e Medicina. 2- Quais são os problemas abordados pela bioética? Resposta: São problemas referentes a vida tais como: eutanásia, aborto, meio ambiente, entre outros. 48 Unidade Unidade N0 10-A0010 Tema: Teoria de Conhecimento Introdução Conhecimento é o pensamento que resulta da relação que se estabelece entre o sujeito que conhece e o objecto a ser conhecido. A apropriação intelectual do objecto supõe que haja regularidade nos acontecimentos do mundo; caso contrário, a consciência cognoscente nunca poderia superar o caos. O conhecimento pode designar o acto de conhecer, enquanto relação que se estabelece entre a consciência que conhece e o mundo conhecido. Mas o conhecimento se refere também ao produto, ao resultado do conteúdo desse acto, ou seja, o saber adquirido e acumulado pelo homem. Ao completar esta unidade, você será capaz de: Objectivos Definir o conceito de Teoria do Conhecimento. Conhecer a gênese histórica da Teoria de Conhecimento na Antiguidade, bem como seus representantes. Sumário A Teoria do Conhecimento é uma disciplina filosófica que investiga quais são os problemas decorrentes da relação entre sujeito e objecto do conhecimento, bem como as condições do conhecimento verdadeiro. Teoria do conhecimento na Antiguidade A passagem do mundo tribal à polis na Grécia, determina a maneira de pensar, que antes era predominantemente mítica e depois, com o aparecimento das cidades, faz surgir a racionalidade crítica típica do pensar filosófico. O advento da polis grega é concomitante a outras transformações também marcantes, como o aparecimento da escrita, da moeda e dos legisladores. Essas transformações culminam com a figura do Introdução à Filosofia 49 cidadão e do filósofo, em um mundo marcado pelo desígnio divino. Começa então a grande aventura filosófica dos gregos, cuja influência se faz sentir até nossos dias. Filosofia pré-socrática A Filosofia pré-socrática se caracteriza pela preocupação com a natureza do mundo exterior. O nascimentoda filosofia na Grécia é marcado pela passagem da cosmogonia para a cosmologia. A cosmogonia, típica do pensamento mítico, é descritiva e explica como do caos surge o cosmos, a partir da geração dos deuses, identificados às forças da natureza. Na cosmogonia, as explicações rompem com a religiosidade: a arché (princípio) não se encontra mais na ordem do tempo mítico, mas significa princípio teórico, enquanto fundamento de todas as coisas. Daí a diversidade das escolas filosóficas, dando origem a fundamentações conceituais (e portanto abstractas) muito diferentes entre si. Dentre os pré-socráticos que nos interessam na teoria do conhecimento, destacamos os seguintes: Heráclito de Éfeso e Parmênides de Éleia. Porém, não deixamos de mencionar os demais filósofos pré-socráticos e seus pensamentos. Tales de Mileto (Séc. VI-V a.C.) é um dos sete sábios da Grécia. Conhecedor da cultura oriental por cantactos directos efectuados em numerosas viagens, interessa-se por vários campos de actividade, desde a engenharia e a matemática até à política e finanças. Foi astrónomo e, como tal, previu a ocorrência de um eclipse total do sol, que veio a acontecer em 585 a.C. Tales diz que o princípio de tudo é a água, pelo que sustentava ainda que a terra está sobre a água; considerava talvez como prova, o facto de verificar que o alimento de todas as coisas é húmido e de que, mesmo o que é quente, se gera e vive no húmido; ora, aquilo de que tudo provém é o princípio de tudo. Como vemos, não se trata de encontrar uma explicação mítica para o origem do universo; mas antes se nota a preocupação de descobrir a substância primordial subjacente à natureza na sua totalidade. Anaximandro de Mileto (611-546 a.C): vê no infinito ou indeterminado a arché, isto é, o princípio de tudo. O infinito, susceptível de produzir constantemente seres novos, é anterior à própria água. É dele que tudo vem e para onde tudo regressa. Arché para ele é o apeiron, que podemos traduzir como sendo o indeterminadamente infinito ou infinitamente indeterminado, pois com isso quer-se significar tanto a indeterminação lógica como infinito espacial e temporal, eterno e omnipresente. 50 Unidade Anaxímenes de Mileto: considera o ar como elemento primordial. Para ele, o ar é tão necessário como a água, sendo, contudo, de natureza mais subtil. O ar origina todas as coisas mediante processos de condensação, dilatação e outros. Assim, por exemplo, da rarefação crescente do ar resultariam as estrelas; da solidificação do ar nasceriam os corpos de natureza cristalina. É com Anaxímenes que se encerra a Escola Jônica, o que não impede o pensamento grego de continuar a sua marcha. Heráclito de Éfeso: Tudo muda Heráclito (544-484 a.C.), nasceu em Éfeso, na Jônia, actualmente Turquia. Tal como os seus contemporâneos pré-socráticos, busca compreender a multiplicidade do real. Mas, ao contrário deles, não rejeita as contradições e quer apreender a realidade na sua mudança, no seu devir. Todas as coisas mudam sem cessar, e o que temos diante de nós em dado momento é diferente do que foi a pouco e do que será depois: “Nunca nos banhamos duas vezes no mesmo rio”, pois na segunda vez não somos os mesmos, e também o rio mudou. Portanto, não há ser estático, e o dinamismo pode bem ser representado pela metáfora do fogo, forma visível da instabilidade, símbolo de eterna agitação do devir, “o fogo eterno e vivo, que ora se acende e ora se apaga”. Para Heráclito o ser é o múltiplo. Não no sentido apenas de que existe a multiplicidade das coisas, mas de que o ser é múltiplo por estar constituído de oposições internas. O que mantém o fluxo do movimento não é o simples aparecer de novos seres, mas a luta dos contrários, pois, “a guerra é pai de todos, rei de todos”. E é da luta que nasce a harmonia , como sínteses dos contrários. O que faz de Heráclito um pensador original é o facto de não ter uma visão estática do mundo. Considera, portanto, que há um dinamismo inerente às coisas, o que explica que tudo esteja em constante mudança. É, por isso, considerado o pai da filosofia do devir. Parmênides de Eléia: o ser é imutável Parmênides (540-470 a.C), viveu em Eléia, cidade do sul da Magna Grécia (actual Itália) e é o principal expoente da escola eleática. Elaborou uma importante teoria filosófica na medida em que influenciou de forma decisiva o pensamento ocidental. Ocupou-se longamente a criticar a filosofia heraclitana: ao “tudo muda”de Heráclito, contrapôs a imobilidade do ser. Para Parmênides é absurdo e impensável considerar que uma coisa pode ser e não ser ao mesmo tempo. À contradição opõe o princípio segundo o qual “o ser é” e o “não-ser não é”. Mais tarde os lógicos chamarão a isto princípio de identidade, base de toda construção metafísica posterior. Introdução à Filosofia 51 Parmênides conclui que, o ser é único, imutável, infinito e imóvel. Não há, entretanto, como negar a existência do movimento no mundo que percebemos, onde as coisas nascem e morrem, mudam de lugar e se expõem em infinita multiplicidade. Para Parmênides, o movimento existe apenas no mundo sensível, e a percepção levada a efeito pelos sentidos é ilusória. Só o mundo inteligível é verdadeiro, pois está submetido ao princípio que hoje chamamos de identidade e de não-contradição. Uma das consequências dessa teoria é a identidade entre o ser e o pensar. Ou seja, as coisas que existem fora de mim são idênticas ao meu pensamento, e o que eu não conseguir pensar não pode ser na realidade. Os sofistas O século de Péricles (V a. C.) constitui o período áureo da cultura grega, quando a vida democrática de Atenas convida a participação dos cidadãos na vida política e se desenvolve uma intensa vida cultural e artistica. Os pensadores do período clássico, embora ainda discutam questões refrentes à natureza, desenvolvem o enfoque antropológico, abrangendo a moral e apolítica. Os sofistas vivem nessa época e alguns deles são interlocutores de Sócrates. Os mais famosos sofistas foram: Protágoras de Abdera (485-411 a.C); Górgias de Leontinos (485-380 a.C); Hípias de Élis, e ainda, Trasímaco, Pródico, Hipódamos, entre outros. Tal como ocorreu com os pré-socráticos, dos sofistas só nos restam fragmentos de suas obras, alem das referências feitas pelos filósofos anteriores. A palavra sofista, etimologicamente, vem de sophos, que significa sábios, ou melhor “professor da sabedoria”. Posteriormente adquiriu um sentido pejorativo de “homem que emprega sofismas”, ou seja, alguém que usa de raciocínio capcioso, de má-fé, com intenção de enganar. Sóphisma significa “sutileza de sofisma”. Os sofistas sempre foram mal interpretados devido às críticas que sobre eles fizeram Sócrates e Platão. A imagem de certa forma caricatural da sofística tem sido reelaborada no sentido de procurar recuperar a verdadeira importância do seu pensamento. São muitos os motivos que levaram à visão deturpada dos sofistas que a tradição nos oferece. Em primeiro lugar, há enorme diversidade teórica entre os pensadores reunidos sob a designação de sofistas. Talvez, o que passa a identificá-los é o facto de serem considerados sábios e pedagogos. Vindos de todas as partes do mundo grego, desenvolvem um ensino itinerante pelos locais em que passam, mas não se fixam em lugar algum. Deve-se a isso o gosto pela crítica, o exercício do pensar resultante da circulação de ideias diferentes. Para o escândalo de seus contemporâneos, costumavam cobrar pelas aulas e por esse motivo Sócrates os acusava de prostituição. 52 Unidade Os sofistas, faziam das aulas seu ofício, já que não eram suficientemente ricos para filosofarem sem compromissos. Os sofistas exerceram influência muito forte, vinculando-se à tradição educativa dos poetas Homero e Hesíodo. Deram importante contribuição para a sistematização do ensino. Formaram um currículo de estudos: gramática(da qual foram os iniciadores), retórica e dialéctica; por influência dos pitagóricos, desenvolveram a aritmética, a geometria, a astronomia e a música. Se foram acusados pelos seus detractores de pronunciarem discursos vazios, essa fama se deve à excessiva atenção dada por alguns deles ao aspecto formal da exposição e da defesa das ideias, pois se achavam preocupados com a persuação, instrumento por excelência do cidadão na cidade democrática. Os melhores deles, buscam aperfeiçoar os instrumentos da razão, ou seja, a coerência e o rigor da argumentação, porque não basta dizer o que se considera verdadeiro, é preciso demostrá-lo pelo raciocínio. Pode-se dizer que aí se encontra o embrião da lógica, mais tarde desenvolvida por Aristóteles. Quando Protágoras, um dos mais importantes sofistas, diz que “o homem é a medida de todas coisas coisas”, esse fragmento deve ser entendido não como expressão do relativismo do conhecimento, mas enquanto exaltação da capacidade de construir a verdade: o logos não mais é divino, mas decorre do exercício técnico da razão humana. Sócrates Sócrates (470-399 a. C) nada deixou escrito, e teve suas idéias divulgadas por dois de seus principais discípulos, Xonofonte e Platão. Evidentemente, devido ao brilho deles, é de se supor que nem sempre fossem realmente fiéis ao pensamento do mestre. Nos diálogos que Platão escreveu, Sócrates figura sempre como o principal interlocutor. Mesmo tendo sido concluído muitas vezes entre os sofistas, Sócrates recusava tal classificação, e opunha-se a eles de forma crítica. Sócrates se indispôs com os poderosos de seu tempo, sendo acusado de não crer nos deuses da cidade e corromper a mocidade. Por isso foi condenado e morto. Costumava conversar com todos, fossem velhos ou jovens, nobres e escravos, preocupado com o método do conhecimento. Sócrates parte do pressuposto “só sei que nada sei”, que consiste justamente na sabedoria de reconhecer a própria ignorância, ponto de partida para a procura do saber. Por isso seu método começa pela parte considerada “destrutiva”, chamada ironia (em grego, “perguntar”). Nas discussões afirma inicialmente nada saber, diante do oponente que se diz conhecedor de determinado assunto. Com hábeis perguntas, desmonta as certezas até o outro reconhecer a ignorância. Parte então para a segunda etapa do método, a maiêutica (em grego, “parto”). Dá esse nome em homenagem a sua mãe, que era Introdução à Filosofia 53 parteira, acrescentando que, se ela fazia parto de corpos, ele “dava a luz” ideias novas. Sócrates, por meio de perguntas, destrói o saber constituido para reconstruí-lo na procura da definição do conceito. Esse processo aparece bem ilustrado nos diálogos relatados por Platão, e é bom lembrar que nem sempre Sócrates tem resposta: ele também se põe em busca do conceito e às vezes as discussões não chegam a conclusões definitivas. As questões que Sócrates privilegia são as referentes à moral, daí perguntar em que consiste a coragem, a covardia, a piedade, a justiça e assim por diante. Diante de diversas manifestações de coragem, quer saber o que é a “coragem em si”, o universo que a representa. Ora, enquanto a filosofia ainda é nascente, precisa inventar palavras novas, ou usar as antigas dando-lhes sentido diferente. Por isso Sócrates utiliza o termo logos, que na linguagem comum, significava “palavra”, “conversa”, e que no sentido filosófico passa a significar “a razão que se dá de algo”, ou mais propriamente, conceito. Quando Sócrates pede o logos, quando pede que indiquem qual é logos da justiça, que é a justiça, o que pede é o conceito da justiça, a definição de justiça. Platão Platão (428-347 a. C), viveu em Atenas, onde fundou uma escola denominada Academia. Para sintetizar as suas ideias, recorremos ao livro VII de A República, onde seu pensamento é ilustrado pelo famoso “mito de caverna”. Platão imagina uma caverna onde estão acorrentados os homens desde a infância, de tal forma que, não podendo se voltar para a entrada, apenas enxergam o fundo da caverna. Aí são projectadas as sombras das coisas que passam às suas costas, onde há uma fogueira. Se um desses homens se soltar das correntes para contemplar a luz do dia os verdadeiros objectos, quando regressasse, relatando o que viu aos seus antigos companheiros, esses o tomariam por louco, não acreditando em suas palavras. A análise do mito pode ser feita pelo menos sob dois pontos de vista: o epistemológico (relativo ao conhecimento) e o político (relativo ao poder). Segundo a dimensão epistemológica, o mito de caverna é uma alegoria a respeito das duas principais formas de conhecimento: na teoria das ideias, Platão distingue o mundo sensível, dos fenômenos, e o mundo inteligível, das idéias. O mundo sensível, acessível aos sentidos, é o mundo da multiplicidade, do movimento, e é ilusório, pura sombra do verdadeiro mundo. Assim, mesmo se percebemos inúmeras abelhas dos mais variados tipos, a ideia de abelha deve ser una, imutável, a verdadeira realidade. Com isto, Platão se aproxima do instrumento teórico de Parmênides e, aliando-os aos ensinamentos de Sócrates, elabora uma teoria original. 54 Unidade Do seu mestre aproveita a noção nova de logos, e continuando o processo de compreensão do real, cria a palavra ideia (eidos), para referir-se a intuição intelectual, distinta da intuição sensível. Acima do ilusório mundo sensível, há o mundo das ideias gerais, das essências imutáveis que o homem atinge pela contemplação e pela depuração dos enganos dos sentidos. Sendo as ideias a única verdade, o mundo dos fenômenos só existe na medida em que participa do mundo das ideias, do qual é apenas sombra ou cópia. Por exemplo, um cavalo só é cavalo, enquanto participa da ideia de “cavalo em si”. Trata-se da teoria de participação, mais tarde duramente criticada por Aristóteles. Para Platão há uma dialéctica que fará a alma elevar-se das coisas múltiplas e mutáveis às ideias unas e imutáveis. As ideias gerais são hierarquizadas, e no topo delas está a ideia do Bem, a mais alta em perfeição e a mais geral de todas: os seres e as coisas não existem se não enquanto participam do Bem. E o Bem supremo é também a Suprema Beleza. É o Deus de Platão. Se lembrarmos o que foi dito a respeito dos pré-socráticos, podemos verificar que Platão tenta superar a oposição instalada pelo pensamento de Heráclito, que afirmava a mutabilidade essencial do ser, e a posição de Parmênides, para o qual o ser é imóvel. Platão resolve o problema: o mundo das ideias se refere ao ser permanente, e o mundo dos fenômenos ao devir heraclitano. Platão supõe que os homens já teriam vivido como puro espírito quando contemplaram o mundo das ideias. Mas tudo esquecem quando se degradam ao se tornarem prisioneiros do corpo, que é considerado o “túmulo da alma”. Pela teoria da reminiscência, Platão explica como os sentidos se constituem apenas na ocasião para despertar nas almas as lembranças adormecidas. Em outras palavra, conhecer é lembrar. No diálogo Menon, Platão descreve como um escravo, ao examinar figuras sensíveis que lhe são oferecidas, é induzido a “lembrar-se”das ideias e descobre uma verdade geomêtrica. Voltando ao mito de caverna: o filósofo (aquele que se libertou das correntes), ao contemplar a verdadeira realidade e ter passado da opinião (doxa) à ciência (epísteme), deve retornar ao meio dos homens para orientá-los. Eis assim a segunda dimensão do mito, a política, surgida da pergunta: como influenciar os homens que não vêem? Cabe ao sábio ensinar a governar. Trata-se da necessidade da acção política, da transformação dos homens e da sociedade, desde que essa acção seja dirigida pelo modelo ideal contemplado. Aristóteles Aristóteles (384-322 a.C) nasceu em Estagira, na Calcídica (região dependente da Macedônia). Seu pa era médico de Filipe, rei da Macedônia. Mais tarde, Alexandre, filhode Filipe, foi discípulo de Aristóteles, até o momento em que precisou assumir precocentemente o poder e continuar a expansão do império. Introdução à Filosofia 55 Frequentou a Academia de Platão e a fidelidade ao mestre foi entremeada por críticas que mais tarde justificaria dizendo: “Sou amigo de Platão, mas mais amigo da verdade”. Em 340 a.C. fundou em Atenas o Liceu, assim chamado por ser vizinho do templo de Apolo Lício. Aristóteles retoma a problemática do conhecimento e se preocupa em definir a ciência como conhecimento verdadeiro, conhecimento pelas causas, capaz de superar os enganos da opinião e de compreender a natureza do devir. Mas ao analisar a oposição entre o mundo sensível e o mundo inteligível segundo a tradição de Heráclito, Parmênides e Platão, Aristóteles recusa as soluções apresentadas e critica o “mundo” separado das ideias platônicas. A teoria de Aristóteles se baseia em três distinções fundamentais: substância-essencia-acidente: acto-potência; forma-matéria, por sua vez desembocam na teoria das quatro causas. Aristóteles “traz as ideias do céu à terra”: rejeita o mundo das ideias de Platão, fundindo o mundo sensível e o inteligível no conceito da substância, enquanto “aquilo em si mesmo”, ou enquanto suporte dos atributos. Ora, quando dizemos algo de uma substância, podemos nos referir a atributos de essência propriamente dita, e chamamos de acidente o atributo que a substância pode ter ou não, sem deixar de ser o que é. Então, a substância individual “este homem” tem como características essenciais os atributos pelos quais este homem é homem (Aristóteles diria que a essência do homem e a racionalidade) e outros, acidentais (como ser gordo, velho ou belo), atributos esses que não mudam o ser do homem em si. O problema da transformação dos seres ainda não se resolve com os conceitos de essência e acidente, e por isso Aristóteles recorre às noções de forma e matéria. Matéria é o princípio indeterminado de que o mundo físico é composto, é “aquilo de que é feito algo”, o que não coincide exactamente com o que nós entendemos por matéria, na física, por se caracterizar pela indeterminação. Forma é “aquilo que faz com que uma coisa seja o que é”. Todo o ser é constituido de matéria e forma, princípios indissociáveis. Enquanto a forma é o princípio inteligível, a essência comum aos indivíduos da mesma espécie, pela qual todos são o que são, a matéria é pura passividade, contendo a forma em potência. Numa estátua, por exemplo, a matéria é o mármore; a forma é a ideia que o escultor realiza na estátua. É através da noção de matéria e forma se explica só devir. Todo o ser tende a tornar actual a forma que tem em si como potência. Assim, a semente, quando enterrada, tende a se desenvolver e se transformar no carvalho que era em potência. O conceito de potência não pode ser confundido com força, mas sim com ausência da perfeição em um ser capaz de vir a possuí- la. Pois uma potência é a capacidade de tornar-se alguma coisa, e 56 Unidade para tal, é preciso que sofra a acção de outro ser já em acto. A semente que contém o carvalho em potência foi gerada por um carvalho em acto. O movimento é pois, a passagem da potência para o acto. O movimento é “o acto de um ser em potência enquanto tal”, é a potência se actualizando. Tais considerações levam à distinção dos diversos tipos de movimentos ou teoria das quatro causas: as mudanças derivam da causa material, da causa formal, da causa eficiênte e da causa final. Mesmo ainda considerando o postulado parmenídeo de que o ser é idêntico ao pensar, Aristóteles pode superar Parmênides e Platão ao usar os conceitos acima expostos, pelos quais se compreende a imutabilidade e a mutabilidade, o acidental e o essencial, o individual e o universo. Se conhecer é lidar com os conceitos universais, é também aplicar esses conceitos a cada coisa individual. Com isso, nem é preciso justificar a imobilidade do ser, nem criar o mundo das essencias imutáveis. Deus, Acto Puro Toda a estrutura teórica da filosofia de Aristóteles desemboca na teologia. A descrição das relações entre as coisas leva ao reconhecimento da existência de um ser superior e necessário, ou seja, Deus. Isso porque, se as coisas são contingentes, já que tem em si mesmas a razão de sua existência, é preciso concluir que são produzidas por causas a elas exteriores. Assim, todo o ser contingente foi produzido por outro ser, que também é contingente e assim por diante. Para não ir ao infinito na sequência de causas, é preciso admitir uma primeira causa, por sua vez incausada, um ser necessário (e não contingente). Esse primeiro motor (imóvel, por não ser movido por nenhum outro) é também um puro acto (sem nenhuma potência). Chamamos Deus ao Primeiro Motor Imóvel, Acto Puro, Ser Necessário, Causa Primeira de todo existente. Metafísica A filosofia grega, desde o momento em que se destaca do pensamento mítico, elabora conceitos para instrumentalizar a razão no esforço de compreensão do real. Entre as diversas e diferentes contribuições do pensamento grego, destaca-se o caminho percorrido por Parmênides, Platão e Aristóteles na busca dos conceitos que explicassem o ser em geral e que hoje reconhecemos como sendo o assunto tratado pela parte da filosofia denominada metafísica. O termo metafísica surgiu no século I a.C., quando Andrônico de Rodes, ao classificar as obras de Aristóteles, colocou a Filosofia Primeira depois das obras de física: Meta Física, ou seja, “depois da física”. De qualquer forma, nada impediu que esse “depois”, puramente espacial, fosse considerado “além”, no sentido de tratar de assuntos que transcendem a física, que estão além dela porque ultrapassam as questões postas a partir do conhecimento do mundo sensível. Portanto, no sentido pelo qual o conhecemos Introdução à Filosofia 57 hoje, o termo só começou a ser aplicado a partir do século V da nossa era. A filosofia primeira não é primeira na ordem do conhecer, já que partimos do conhecimento sensível, mas a que busca as causas mais universais (e portanto as mais distantes dos sentidos) e que são as mais fundamentais na ordem real. Trata-se da parte nuclear da filosofia, onde se estuda “o ser enquanto ser”, isto é, o ser independentemente de suas determinações particulares. É a metafísica que fornece a todas as outras ciências o fundamento comum, o objecto ao qual todas se referem e os princípios dos quais dependem. Ou seja, todas as ciências se referem continuamente ao ser e a diversos conceitos ligados directamente a ele, tais como identidade, oposição, diferença, género, espécie, parte, perfeição, necessidade, possibilidade, realidade, etc. Mas nenhuma ciência examina tais conceitos. É nesse sentido que consideramos que o objecto da metafísica consiste em examinar o ser e suas propriedades. Exercício Auto-avaliação 1 – O que é Teoria do Conhecimento? Resposta: Teoria do conhecimento é uma disciplina filosófica que investiga os problemas decorrentes da relação entre sujeito e objecto do conhecimento, bem como as condições do conhecimento verdadeiro. 58 Unidade Unidade N0 11-A0010 Tema: Possibilidade de Conhecimento Introdução Uma das discussões em torno do problema do conhecimento diz respeito à possibilidade ou não de o espírito humano atingir a certeza. Distinguiremos inicialmente duas tendências principais: o cepticismo e o dogmatismo. Ao completar esta unidade, você será capaz de: Objectivos Conhecer a possibilidades do conhecimento; Conhecer e analisar as teorias do cepticismo e dogmatismo. Sumário Cepticismo A palavra cepticismo vem do grego, sképtikós, que significa: olhar à distância, examinar, observar, que considera O céptico tanto observa e tanto considera que conclui, nos casos mais radicais, pela impossibilidade do conhecimento, e nas tendênciasmoderadas, pela suspensão provisória de qualquer juízo. Cepticismo é a doutrina que afirma que não se pode obter nenhuma certeza a respeito da verdade, o que implica numa condição intelectual de dúvida permanente e na admissão da incapacidade de compreensão de fenômenos metafísicos, religiosos ou mesmo da realidade. O termo originou-se a partir do nome comumente dado a uma corrente filosofia originada na Grécia Antiga. Introdução à Filosofia 59 O Cepticismo filosófico originou-se a partir da filosofia grega e o seu fundador é Pirro de Élis (360-275 a.C.), que viajou até a Índia e lá estudou, e propôs a adopção do cepticismo "prático" . Subsequentemente, na "Nova Academia", Arcesilau (315-241 a.C.) e Carnéades (213-129 a.C.) desenvolveram mais perspectivas teóricas, que refutavam concepções absolutas de verdade e mentira. Carnêades criticou as visões dos dogmatistas, especialmente os defensores do estoicismo, alegando que a certeza absoluta do conhecimento é impossível. Sexto Empírico (200 d.C.), a maior autoridade do cepticismo grego, desenvolveu ainda mais a corrente, incorporando aspectos do empirismo em sua base para afirmar o conhecimento, ou seja, o cepticismo filosófico é procurar saber, não se contentando com a ignorância fornecida actualmente pelos meios públicos, por meio da dúvida. Opõem-se ao dogmatismo, em que é possível conhecer a verdade. Portanto, há gradações no cepticismo. Os cépticos moderados admitem uma forma relativa do conhecimento (relativismo), reconhecendo os limites para a apreensão da verdade. Para outros moderados, mesmo que seja impossível encontrar a certeza, não se deve abandonar a busca. Mas para o cepticismo radical, como o pirronismo, se a certeza é impossível, é melhor renunciar ao conhecimento, o que traz, como consequência prática, a indiferença absoluta em relação a tudo. O cepticismo radical se contradiz ao se afirmar, pois concluir que “toda a certeza é impossível e a verdade é inacessível” não deixa de ser uma certeza, e tem valor de verdade. O cepticismo costuma ser dividido em duas correntes: - Cepticismo filosófico - uma postura filosófica em que pessoas escolhem examinar de forma crítica se o conhecimento e percepção que possuem são realmente verdadeiros, e se alguém pode ou não dizer se possui o conhecimento absolutamente verdadeiro; - Cepticismo científico - uma postura científica e prática, em que alguém questiona a veracidade de uma alegação, e procura prová-la ou desaprová-la usando o método científico. As formas do cepticismo Cepticismo absoluto, também conhecido de radical ou sistemático: é aquele que afirma que é impossível todo e qualquer tipo de conhecimento. Rigorosamente, é a única espécie de cepticismo possível, porque perante o problema da possibilidade da relação sujeito-objecto, ou se afirma ou se nega esta possibilidade. O cepticismo absoluto ou pirrónico nega-a. Foi defendido na antiguidade, por Pirron de Elis, que para evitar cair em contradição, recomenda que nada se afirme nem negue, isto é, recomenda a suspensão do juízo. Cepticismo moderado, entende que o sujeito atinge o objecto, porém, de modo não total, mas limitado. Rigorosamente, não é 60 Unidade cepticismo, porque afirma a possibilidade da relação, mas uma forma mitigada do cepticismo. Apresenta duas modalidades: o probabilismo e o relativismo. O probabilismo entende que é possível um conhecimento provável, mas não um conhecimento certo; que podemos formular uma opinião, mas não garantir uma certeza. Os seus principais defensores foram na antiguidade: Arcesilau e Carneades. O relativismo sustenta que as nossas verdades são relativas que e não absolutas. Esta posição pode resultar do sujeito ou do objecto. Crítica do cepticismo O cepticismo conclui, pela impossibilidade de qualquer conhecimento (cepticismo absoluto) ou dum conhecimento de validade universal (cepticismo moderado). Mas, o cepticismo não tem justificação: porque, os sentidos não erram: os sentidos são simples instrumentos de captação de estímulos, instrumentos limitados, que a técnica humana vai ampliando, e nunca capacidade interpretáveis. Porque, se a razão erra, e na verdade, erra, porque só ela interpreta, é susceptível de corrigir o erro. Por conseguinte, não há motivo para uma descrença total no valor dos sentidos e da razão. Por outro lado, é evidente que, quer o cepticismo absoluto quer o cepticismo moderado, se contradizem, porque ambos têm a certeza da verdade absoluta das suas posições. Dogmatismo A palavra dogmatismo vem do grego dogmatikós, significa, “que se funda em princípios”, ou “relativo a uma doutrina”. Dogmatismo é doutrina segundo a qual o homem pode atingir a certeza. Filosoficamente é uma atitude que consiste em admitir que a razão humana tem a possibilidade de conhecer a realidade. Do ponto de vista religioso, chamamos dogma a uma verdade fundamental e indiscutível da doutrina. Na religião cristã, por exemplo, há o dogma da Santissima Trindade, segundo a qual as três pessoas (Pai, Filho e Espirito Santo) não são três deuses, mas apenas um. Deus é uno e trino. Não importa se a razão consegue entender, já que é um principio aceito pela fé e o seu fundamento é a revelação divina. Quando transpomos a ideia de dogma para o campo não- religioso, ela passa a designar as verdades inquestionáveis. Só que, nesse caso, não se estando no domínio da fé religiosa, o dogmatismo torna-se prejudicial, já que o homem, de posse de uma verdade, fixa-se nela e abdica de continuar a busca. O mundo muda, os acontecimentos se sucedem e o homem dogmático permanece petrificado nos conhecimentos dados de Introdução à Filosofia 61 uma vez por todas. Nietzsche dizia que “as convicções são prisões”. Refractário ao diálogo, o homem dogmático teme o novo e não raro se torna intransigente e prepotente. Quando resolve agir, o fanatismo é inevitável, e com ele, a justificação da violência. Também chamamos dogmáticos, os seguidores de “escolas” e tendências quando se recusam a discutir suas verdades, permanecendo refractários às mudanças. Quando o dogmatismo atinge a politica, assume um caracter ideológico que nega o pluralismo e abre caminho para a imposição da doutrina oficial do Estado e do partido único, com todas as infelizes decorrências, como sensura e repressão. Em nome do dogma da raça ariana, Hítler cometeu genocídios dos judeus e ciganos nos campos concentração. Exercícios Auto-avaliação 1- Quais são as correntes filosóficas que falam da possibilidade do espírito humano alcançar ou não o conhecimento? Resposta: As Correntes filosóficas que falam da possibilidade do espirito humano alcansar ou não o conhecimento são o cepticismo e o dogmatismo. 2- Qual é a diferença entre o Cepticismo e o Dogmatismo? Resposta: Cepticismo é a doutrina que afirma que não se pode obter nenhuma certeza a respeito da verdade, o que implica numa condição intelectual de dúvida permanente e na admissão da incapacidade de compreensão de fenômenos metafísicos, religiosos ou mesmo da realidade. O termo originou-se a partir do nome comumente dado a uma corrente filosofia originada na Grécia Antiga, enquanto que Dogmatismo é doutrina segundo a qual o homem pode atingir a certeza; filosoficamente é uma atitude que consiste em admitir que a razão humana tem a possibilidade de conhecer a realidade. 62 Unidade Unidade N0 12-A0010 Tema: Origem do conhecimento Introdução Desde a antiguidade a Filosofia buscou perceber sobre qual era a origem do conhecimento. Alguns defenderam que o homem nasce com os conhecimentos, e outros ainda afirmaram que o conhecimento adquir-se pela experiência. Ao completar esta unidade, você será capaz de: Objectivos Conhecer a origem do conhecimento; Identificar as correntes e os representantes da origem do conhecimento; Diferenciar oempirismo do racionalismo. Sumário Empirismo A palavra empirismo vem do grego empeiria, que significa “experiência”. O empirismo, sustenta que todo o conhecimento é, de raiz; particular e contingente, a posteriori, visto que procede inteiramente da experiência, isto é, o fundamento e a fonte de todo e qualquer conhecimento é experiência sensível, responsável pela existência das ideias na razão e controlando o trabalho da própria razão, pois o valor e o sentido da actividade racional dependem do que é determinado pela experiência sensível. Para os empiristas, o modelo do conhecimento verdadeiro é dado pelas ciências naturais ou ciências experimentais, como a física e a química. Os principais representantes do empirismo são: Francis Bacon, John Locke e David Hume. Francis Bacon Francis Bacon (1561-1626), seguindo a tradição empirista inglesa que remonta a Roger Bacon (séc. XIII), realça o significado histórico da ciência e do papel que ela poderia desempenhar na vida da humanidade. Seu lema “saber é poder” mostra como ele Introdução à Filosofia 63 procura, bem no espírito da nova ciência, um saber instrumental, que possibilita a dominação da natureza. Na sua obra Novum Organon (Novo órgão, no sentido de instrumento de pensamento), Bacon faz uma crítica da lógica aristotélica, opondo ao ideal dedutivista a eficácia da indução como método da descoberta. Inicia pela denúncia dos preconceitos e noções falsas que dificultam a apreensão da realidade, aos quais chama de ídolos. Os ídolos da tribo: estão fundados na própria natureza humana, na própria tribo ou espécie humana. Todas as percepções, tanto dos sentidos como da mente, guardam analogia com a natureza humana e não com o universo. Isso significa que muitos dos nossos enganos derivam da tendência ao antropomorfismo. Os ídolos da caverna: são os dos homens enquanto indivíduos. Pois cada um, além das aberrações próprias da natureza em geral, tem uma caverna ou uma cova que intercepta e corrompe a luz da natureza; seja devido à natureza própria singular de cada um; seja devido à educação ou conversação com os outros. Os ídolos do foro: são os provenientes, de certa forma, das relações estabelecidas entre os homens devido ao comércio. “Com efeito, os homens se associam graças ao discurso, e as palavras são cunhadas pelo vulgo. E as palavras, impostas de maneira imprópria e inepta, bloqueiam espontaneamente o intelecto. E os homens são assim arrastados a inúmeras e inúteis controvérsias e fantasias”. Os ídolos do teatro: são os “ídolos que imigraram para o espírito dos homens por meio das diversas doutrinas filosóficas e também pelas regras viciosas da demonstração. Ademais, não pensamos apenas nos sistemas filosóficos, na sua universalidade, mas nos numerosos princípios e axiomas das ciências que entraram em vigor, mercê da tradição, da credulidade e da negligência”. Francis Bacon desenvolve um estudo da indução a partir do carácter estéril do silogismo e insiste na necessidade da experiência e da investigação segundo métodos precisos. John Locke John Locke (1632 – 1704) tornou-se conhecido pela contribuição como teórico do liberalismo. Sua reflexão a respeito da teoria do conhecimento parte da leitura da obra de Descartes e consiste em saber “qual é a essência , qual é a origem, qual é o alcance do conhecimento humano”. Na sua obra Ensaio sobre o entendimento humano, Locke deixa o caminho “lógico” percorrido por Descartes e escolhe o “psicológico”. Escolhendo o caminho psicológico, distingue duas ideias possíveis para as nossas ideias: a sensação e a reflexão. A sensação é o resultado da modificação feita na mente através dos sentidos, e a reflexão é a percepção que a alma tem daquilo que nela ocorre. Portanto, a reflexão se reduz apenas a 64 Unidade experiência interna do resultado da experiência externa produzida pela sensação. David Hume David Hume (1711-1776), filósofo escocês, leva mais adiante o empirísmo de Francis Bacon e Locke. Partindo do princípio de que só os fenômenos são observáveis e de que o mecanismo íntimo do real não é passível da experiência, afirma que as relações são exteriores aos seus termos, ou seja, se não são observáveis, não podem pertencer aos objectos. As relações são simples modo que o homem tem de passar de um objecto a outro, de um termo a outro, de uma ideia particular a outra. São apenas passagens externas que nos permitem associar os termos a partir dos princípios de causalidade, semelhança e contiguidade. Assim, Hume nega a validade universal do princípio de causalidade e da noção de necessidade a ele associada. Para Hume, o que observamos é a sucessão dos factos ou a sequência de eventos, e não o nexo causal entre esses mesmos factos ou eventos. O que nos faz ultrapassar o dado e afirmar mais do que pode ser alcançado pela experiência é o hábito criado através da observação dos casos semelhantes. A partir deles, imaginamos que o facto actual se comportará de forma análoga. A única base para as ideias ditas gerais, é a crença, que, do ponto de vista do entendimento, faz uma extensão ilegítima do conceito. O racionalismo Doutrina que afirma que tudo que existe tem uma causa inteligível, mesmo que não possa ser demonstrada de fato, como a origem do Universo. Privilegia a razão em detrimento da experiência do mundo sensível como via de acesso ao conhecimento. Considera a dedução como o método superior de investigação filosófica. René Descartes (1596-1650), Spinoza (1632-1677) e Leibniz (1646-1716) introduzem o racionalismo na filosofia moderna. Friedrich Hegel (1770-1831), por sua vez, identifica o racional ao real, supondo a total inteligibilidade deste último. O racionalismo é baseado nos princípios da busca da certeza e da demonstração, sustentados por um conhecimento a priori, ou seja, conhecimentos que não vêm da experiência e são elaborados somente pela razão. Na passagem do século XVIII para o XIX, Immanuel Kant (1724-1804) revê essa tendência de associar o pensamento à análise pura e simples e inaugura o neo-racionalismo. A nova doutrina aceita as formas a priori da razão, afirmando, entretanto, que elas necessariamente devem ser conjugadas aos dados da experiência para que possa haver conhecimento. O racionalismo dos séculos XVII e XVIII influencia a religião e a ética até hoje. Está presente nas várias seitas do protestantismo, que dispensam a autoridade e a revelação religiosa em favor dos postulados lógicos e racionais sobre a existência de Deus. Influencia, Introdução à Filosofia 65 também, a conduta moral que atribui à razão e aos princípios inatos de bondade, entre outros, a capacidade humana de se bem conduzir. O racionalismo cartesiano René Descartes (1596-1650), cujo nome latino era Cartesius (daí seu pensamento ser conhecido como “cartesiano”), é considerado o “pai da filosofia moderna”. Dentre suas obras, o Discurso do método e Meditações metafísicas expressa a tendência de preocupação com o problema do conhecimento. O ponto de partida é a busca de uma verdade primeira que não possa ser posta em dúvida. Por isso, converte a dúvida em método. Começa duvidando de tudo, das afirmações do senso comum, dos argumentos da autoridade, do testemunho dos sentidos, das informações da consciência, das verdades deduzidas pelo raciocínio, da realidade do mundo exterior e da realidade de seu próprio corpo. O cogito Descartes só interrompe essa cadeia de dúvidas diante de seu próprio ser que duvida. Se duvido, penso; se penso, existo: “Cogito, ergo sum”, “Penso, logo existo”. Eis, aí o fundamento, o ponto de partida para a construção de todo o seu pensamento. Mas este “eu” cartesiano é puro pensamento, pois, no caminho da dúvida, a realidade do corpo (res extensa, coisa externa, material), foi colocada em questão. A partir dessa intuição primeira (a existência do ser que pensa), que é indubitável,Descartes distingue os diversos tipos de idéias, percebendo que algumas são duvidosas e confusas e outras são claras e distintas. As idéias claras e distintas são idéias gerais que não derivam do particular, mas já se encontram no espírito, como instrumentos de fundamentação para a apreensão de outras verdades. São as idéias inatas, que não estão sujeitas a erro pois vêm da razão, independentemente das idéias que “vêm de fora”, formadas pela acção dos sentidos, e das outras que nós formamos pela imaginação. São inatas, não no sentido de o homem já nascer com elas, mas como resultantes exclusivas da capacidade de pensar. São idéias verdadeiras. Nessa classe estão a idéia de substância infinita de Deus e a idéia de substância finita, com seus dois grandes grupos: a res cogitans e a res extensa. Embora o conceito de idéias claras e distintas resolva alguns problemas com relação à verdade de parte do nosso conhecimento, não dá nenhuma garantia de que o objecto pensado corresponda a uma realidade fora do pensamento. Como sair do próprio pensamento e recuperar o mundo. Deus Para isso, lança mão, entre outras provas, da famosa prova ontológica da existência de Deus. O pensamento deste objecto – Deus – é a idéia de um ser perfeito; se um ser é perfeito, deve ter 66 Unidade a perfeição da existência, se não lhe faltaria algo para ser perfeito. O mundo Se Deus existe e é infinitamente perfeito, não me engana. A existência de Deus é garantia de que os objectos pensados por idéias claras e distintas são reais. Portanto, o mundo tem realidade. E dentre as coisas do mundo, o meu próprio corpo existe. O que caracteriza a natureza do mundo é a matéria e o movimento (res extensa), em oposição à natureza espiritual do pensamento (res cogitans). Podemos perceber, nesse relato, uma tendência forte e absoluta de valorização da razão, do entendimento e do intelecto. O intelectualismo O intelectualismo, do latim intus legere = ler dentro, é uma criação de Aristóteles (séc. IV a.C.), mais tarde desenvolvida por Santo Tomás de Aquino. Aristóteles estava sob influência de duas correntes opostas, a empirista dos pré-socráticos e a racionalista de Platão, de que era discípulo. O intelectualismo é superação destes contrários. Aristóteles concorda com Platão, que só há ciência em geral, do universal e do necessário, que o verdadeiro conhecimento é constituído por idéias. Porém, porque é mais amigo da verdade que do mestre, recusa a teoria da reminiscência. No seu entender, as idéias não estão fora e por cima deste mundo. Estão nas coisas, no fundo das coisas, encobertas pelo véu dos caracteres existenciais, particulares e contingentes, de cada coisa concreta. Constituem a síntese dos caracteres comuns, essenciais, das coisas. Importa, pois, afastar o véu das aparências mutáveis para se apreender, então, a verdadeira realidade, a idéia ou essência. E, como? Os sentidos põem-nos em contacto com as existências, as coisas concretas, dão-nos delas imagens sensíveis, percepções. Seguidamente, a razão debruça-se sobre essas percepções e extrai delas as essências. Utiliza, para isso, duas faculdades: o intelecto activo ou agente e o intelecto passivo ou possível. O intelecto activo ou agente é uma luz potente que atravessa o véu das características singulares e põe a descoberto, no fundo da coisa, a essência mesma. Realiza assim a leitura do conhecimento, que, imediatamente é recebido, tanto quanto possível, pelo intelecto passivo ou possível. Construtivismo No construtivismo, Piaget afirma o seguinte: “só se conhece e aprende aquilo que se faz”. Portanto, o conhecimento resulta não da assimilação de percepções, mas da interiorização das acções do sujeito sobre os objetos. Esta teoria opõe-se ao empirismo e, em certo sentido aproxima-se do apriorismo Kantiano, do qual dá versão psicológica e Introdução à Filosofia 67 experimental, pondo em evidência o carácter evolutivo e processual da estruturação dos conceitos com base nos quais opera o nosso conhecimento. O construtivismo defende a tese de que qualquer conhecimento, é produto de uma construção progressiva a partir das formas evolutivas da embriogénese biológica. Quanto mais avançamos no conhecimento do desenvolvimento lingüístico da criança, mais tomamos consciência da actividade intensa que ela desenvolve na descoberta das regras e das funções da sua própria capacidade lingüística. Relativismo O relativismo entende que não existem verdades absolutas, mas apenas verdades relativas, que têm uma validade limitada a um certo tempo, a uma situação determinada. É o oposto do absolutismo, que defende a existência de verdades absolutas. Exercícios Auto-avaliação 1- Quais são as principais correntes que falam da origem do conhecimento? Resposta: As principais correntes que falam da origem do conhecimento são o racionalismo e o empirismo. 2- Qual é a diferença entre racionalismo e empirismo? Resposta: O racionalismo defende que o conhecimento vem da razão, enquanto que o empirismo, defende a experiência como a principal fonte do conhecimento. 68 Unidade Unidade N0 13-A0010 Tema: Natureza do conhecimento Introdução Assim como no capitulo anterior falamos da origem do conhecimento, nesse capitulo abordaremos sobre a natureza do conhecimento. Alguns pensadores indicam que o conhecimento é real e outros ainda, que o conhecimento e ideal. Ao completar esta unidade, você será capaz de: Objectivos Conhecer a natureza do conhecimento; Identificar as correntes e os representantes que falam da natureza do conhecimento. Sumário Realismo Realismo é a posição filosófica que afirma a existência objectiva ou em si da realidade externa como uma realidade racional em si e por si mesma e, portanto, que afirma a existência da razão objetiva. O realismo se manifestou naturalmente e de modo sistemático na filosofia antiga e medieval. A partir do século XII, com o advento da filosofia moderna e do idealismo, o realismo não tem deixado de se manifestar em escolas e pensadores dos mais diversos. Assim destacam-se os seguintes representantes: Russel e Samuel Alexander, que representam o neo-realismo inglês; Jasper e Sartre, que são os filósofos existencialistas; Lukacs e Kosik são pensadores marxistas, como, aliás, Sartre também. Formas do realismo Realismo ingênuo: espontaneamente convictos de que o sujeito apreende, imediatamente, e na sua corporeidade, o objeto, os primeiros pensadores não se dão conta de que o conhecimento de Introdução à Filosofia 69 modo mediato, através duma percepção. E, porque não distinguem o conteúdo da percepção do objecto percepcionado, são, espontaneamente, levados a considerar objectivas, isto é, como existindo nas coisas, todas as qualidades daquele conteúdo. Quer dizer, o objecto é tal qual o sujeito o percepciona: é um realismo ingênuo. Realismo natural: o posterior aparecimento do espírito crítico põe a descoberta isso mesmo que o realismo ingênuo ignora: que o conhecimento não se faz por contacto direto, mas mediante uma percepção. Distingue-se, pois, entre conteúdo da consciência e objeta percebido. Porém, continua naturalmente a acreditar-se que todas as propriedades desse conteúdo exprime as do objeto. É um realismo natural: o vermelho existe na crista do galo, o agradável na aroma da flor, a doçura no açúcar, etc. Esta concepção foi defendida por Aristóteles e vigorou até a idade moderna. É característica da física medieval, uma física qualitativa. Realismo crítico: a partir do século XVI, com a conversão da física a ciência quantitativa, o realismo natural cede ao realismo crítico, para quem só são objetivas, só existem realmente nas coisas, as propriedades atingidas por mais do que um sentido, a saber, a extensão e o movimento. Todas as outras – cores, sons, sabores, odores – experimentadospor um só sentido, não existem nos objetos, são meras reações subjetivas da nossa sensibilidade. Pois que nas coisas só existem a extensão e o movimento, então, a matéria ou o mundo reduz-se a figuras e a números, isto é, a matemática. A física moderna é uma físico-matemática. As propriedades objetivas, percebidas por mais do que um sentido, chamará, mais tarde Locke, qualidades primárias, e as restantes, de natureza subjetiva, as qualidades secundárias.. Em conclusão e fundamentalmente, o realismo reduz-se em duas formas: natural e crítico. Idealismo Tendência filosófica que reduz toda a existência ao pensamento. Opõe-se ao realismo, que afirma a existência dos objetos independentemente do pensamento. No idealismo absoluto, o ser é reduzido à consciência. Ao longo da história da filosofia, ele aparece sob formas menos radicais não nega categoricamente a existência dos objetos no mundo, mas reduz o problema à questão do conhecimento. O idealismo toma como ponto de partida para a reflexão o sujeito, não o mundo exterior. O idealismo metódico de Descartes é uma doutrina racionalista que, colocando em dúvida todo o conhecimento estabelecido, parte da certeza do pensar para deduzir, por meio da idéia da existência de Deus, a existência do mundo material. O idealismo dogmático surge com George Berkeley (1685-1753), que considera a realidade do mundo exterior justificada somente pela sua existência anterior na mente divina ou na mente humana. Para ele, "ser é ser percebido". Immanuel Kant formula o idealismo transcendental, no qual o objeto é algo que só existe em uma relação de conhecimento. Ele 70 Unidade distingue, portanto, o conhecimento que temos dos objetos, sempre submetidos a modos especificamente humanos de conhecer, como as idéias de espaço e tempo, dos objetos em si, que jamais serão conhecidos. Na literatura, o romantismo adota boa parte dessas idéias. Johann Gottlieb Fichte (1762-1814) e Friedrich Von Schelling (1775-1854) desenvolvem esse conceito e se tornam expoentes do idealismo alemão pós-kantiano. Eles conferem às idéias de Kant um sentido mais subjetivo e menos crítico: desconsideram a noção da coisa-em-si e toma o real como produto da consciência humana. Friedrich Hegel (1770-1831) emprega o termo idealismo absoluto para caracterizar sua metafísica. Ao considerar a realidade como um processo, ele discute o desenvolvimento da idéia pura (tese), que cria um objeto oposto a si - a natureza (antítese) -, e a superação dessa contradição no espírito (síntese). Esse movimento se dá na história até que o espírito se torne espírito absoluto, ou seja, supere todas as contradições, por meio da dialética, e veja o mundo como uma criação sua. Exercícios Auto-avaliação 1- Quais são as correntesfilosóficas que defendem a natureza do conhecimento? Resposta: As correntes filosóficas que defendem a natureza do conhecimento são o realismo e o idealismo. 2- Destaque as diferenças existentes entre o realismo e o idealismo. Resposta: Realismo é a posição filosófica que afirma a existência objectiva da realidade externa como uma realidade racional em si e por si mesma, ou seja, afirma a existência da razão objetiva, enquanto que idealismo é tendência filosófica que reduz toda a existência ao pensamento. No idealismo absoluto, o ser é reduzido à consciência. Introdução à Filosofia 71 Unidade N0 14-A0010 Tema: Níveis de conhecimento Introdução Como acabamos de nos referir acima, o conhecimento é a relação que se estabelece entre o sujeito que conhece e o objecto conhecido. O sujeito que conhece se apropria, de certo modo, do objecto conhecido. Ao completar esta unidade, você será capaz de: Objectivos Conhecer os níveis do conhecimento; Analisar a importância, limites e perigos do conhecimento cientifico; Descrever as perspectivas da análise do conhecimento; Conhecer os elementos que interagem no conhecimento. Sumário Através do conhecimento, reconstruímos, em nós, a realidade (o Ser), através de imagens (conhecimento sensível) e de idéias (conhecimento intelectual). a) Senso comum ou popular: é o conhecimento do povo, que nasce da experiência do dia-a-dia: por isso, é chamado também de “empírico”, ou “vulgar”, quer dizer, do povo (criança, lavrador iletrado, dados encontrados na TV, nos jornais etc.). É ametódico e assistemático, mas é a base do saber. b) Científico: durante a Antigüidade e a Idade Média desenvolveu-se um saber racional, distinto do mito e do saber comum: e era chamado de filosofia. Mas, a partir de Galileu (1564-1642), nasce a ciência moderna pois é determinado o objeto e o método desta ciência. A ciência tem como objeto a descoberta das leis que presidem os fenômenos sensíveis; e, como método, serve-se da observação sistemática e, quando possível, da experimentação. Dessa maneira, a ciência se separa da filosofia. 72 Unidade As ciências são particulares, pois privilegiam setores distintos da realidade sensível (física, química, biologia...). Serve-se de instrumentos (balança, termômetro, microscópio, computador...) e utilizam a matemática (ex. na estatística). Mesmo aspirando à objetividade, as ciências não são infalíveis: para o filósofo Karl Popper (1902-1994), todo conhecimento científico é hipotético e se desenvolve a partir de erros anteriores. A ciência gerou a tecnologia que mudou o habitat humano, particularmente no século XX. De fato, permite a previsibilidade dos fenômenos: o que possibilita um maior poder para a transformação da natureza. c) Filosófico: Enquanto as ciências estudam uma parte da realidade sensível, a filosofia questiona todas as coisas, procurando saber sua essência (o que é?), sua origem (de onde vem?), seu destino (para onde vai?), seu sentido (por quê?). Do ponto de vista etimológico, “filosofia” significa “amor à sabedoria”. Pode ser definida como “aquela disciplina que procura descobrir o sentido último (origem, essência, destino) de todas as coisas, servindo-se da razão (método racional)”. Por isso, a filosofia tem como objeto analisar tudo. A título de exemplo, enquanto o biólogo (cientista) questiona os dados sensíveis do ser humano (como a célula, o tipo de sangue...), o filósofo questiona o homem como um todo e se pergunta: Quem é o homem? De onde ele vem? Para onde ele vai? Quais são seus elementos constitutivos fundamentais? Os principais problemas da filosofia são: cosmológico (do mundo); gnosiológico (do conhecimento); epistemológico (questiona a ciência); antropológico (do homem); metafísico ou ontológico (do ser e de sua origem); ético (do bem e do mal); político (da sociedade); estético (da arte); pedagógico (da educação); lingüístico (filosofia da linguagem); jurídico (filosofia do direito). Na filosofia, além de estudar as reflexões dos pensadores do passado, colocam-se as novas questões que surgem na atualidade, por exemplo, o sentido da técnica, os aspectos éticos da globalização ou da engenharia genética. d) teológico: A verdade pode ser encontrada tanto pelo caminho da investigação (nas ciências e na filosofia), como pelo caminho da revelação e do encontro com o Transcendente (típico da experiência religiosa). O homem responde à “Revelação de Deus” através da “Fé”. A Teologia procura integrar os conhecimentos da Razão com os dados da Fé. Seu método é, pois, caracterizado por esta integração; enquanto que seu objeto de investigação é constituído pelos dados da fé. Introdução à Filosofia 73 No exemplo específico do cristianismo, pertencem à razão os seguintes dados: a existência histórica de Moisés, dos profetas, de Jesus de Nazaré, dos apóstolos; a historicidade dos evangelhos; o estudo dos gêneros literários ou das línguas da Bíblia, etc. E pertencem à fé as afirmações do credo cristão: Jesus Filho de Deus e Salvador, o perdão dos pecados, a ressurreiçãofinal, etc. Fé e razão são as duas asas através das quais o espírito humano “voa” rumo à verdade. Por isso, a fé e a razão podem se enriquecer reciprocamente. A ciência sem a religião é claudicante; e a religião sem a ciência é cega, diz Albert Einstein. O filósofo francês Jacques Maritain (1882-1973), na sua obra “Os graus do saber”, fala de cinco graus de conhecimento: 1. O saber da ciência; 2. o saber da matemática (a abstração do número); 3. o saber filosófico; 4. o saber teológico (síntese entre fé e razão); 5. o saber místico (a experiência direta de Deus em si mesmo e na sua relação com o homem, típica da oração contemplativa). Para ele, no que diz respeito à relação fé-razão, os princípios do saber provêm da razão; e a fé oferece o sentido da verdade, a necessidade de procurá-la. A fé confere à razão seja o sentido do seu limite (pois a razão não explica tudo), seja um corpo de verdades transcendentais, quer dizer, comuns a toda a humanidade, que dão sentido ao saber: por exemplo, o cristianismo ensinou a fé no progresso civil da humanidade; a dignidade da pessoa humana; a dignidade do povo; a igualdade entre os homens; o caráter relativo de toda autoridade; a coincidência entre política e moral; a liberdade; a fraternidade. Importância e perigos do conhecimento científico O nascimento do “método científico” é, ao mesmo tempo, o início de um processo que, juntamente com outros factores (políticos, sociais, culturais), foi definido como “época moderna”, ou “modernidade”. Nesse processo começa a emergir um novo tipo de humanidade, consciente da própria autonomia e de sua própria força racional. No momento em que Descartes cunha o famoso axioma “Penso, logo existo”, a razão começa a celebrar o seu triunfo. Tal autonomia do ser humano recebe novo impulso a partir do século XVIII, com a civilização industrial ou o desenvolvimento técnico-científico. A civilização tecnológica trouxe consigo uma crescente urbanização, com o conseqüente anonimato citadino, uma mobilidade constante, a valorização da educação, das mudanças e do progresso, e uma acentuada disparidade entre países ricos e países pobres. Tanto os países capitalistas como os socialistas tiveram o mesmo ideal: resolver os problemas da humanidade pelo ter mais e pelo não ser mais. A civilização tecnológica é essencialmente urbana: e no século XX, esse fenômeno se generalizou no mundo inteiro. Então, viu- 74 Unidade se que o mundo está a se tornado “cidade”, mas as cidades de hoje têm seus grandes contrastes de vida e de morte, de esperança e de desespero. A civilização tecnológica separa o homem da natureza e obriga a viver em um ambiente totalmente artificial, e não inadequado, tirânico e psicologicamente aterrador. A educação hoje não é mais responsabilidade apenas da família, pois se tornou condição essencial no processo de desenvolvimento técnico-científico. Eis a razão pela qual as sociedades tecnopolitanas investem uma grande percentagem do seu orçamento na educação, o que consequentemente, estimula as pesquisas científicas. A racionalidade, o espírito crítico e a evolução do próprio pensamento filosófico requerem uma margem muito grande de liberdade de pensamento e de expressão. O homem tecnopolitano se caracteriza por uma crença quase cega com referência ao poder das ciências e da técnica. Como estas são dinâmicas e não estáticas, o homem de hoje valoriza, e às vezes de maneira ingênua e irracional, as mudanças e o progresso. Para ele, as ciências e a técnica são as únicas vias de acesso à solução de todo e qualquer problema. Essa crença na ciência esta vinculada a “fé” num progresso sem limites. Portanto, o que vale é o pregresso, não importante que ele seja racional, trazendo assim benefícios a todos, ou se irracional, destruído e ameaçador. Quanto maior forem as descobertas científicas, maior é mudança de ritmo na vida dos homens: mudanças de mentalidade e a maneira de ser, do conceber a realidade e de se relacionar com a mesma. Estes sucessos científicos levaram fizeram com que os filósofos ganhassem maior confiança nas ciências físico-matemáticas, deprecionando todo o tipo de saber que não é empírico. August Comte (1798-1857), inspirado pela realidade do século XVII, fez um estudo geral da evolução da história e formulou a lei dos três estádios, segundo a qual a humanidade, assim como o psiquismo humano, atravessa três estádios, a saber: teológico, metafísico e positivo. O estádio teológico, corresponde à infância, o metafísico à juventude e o positivo à sua maturidade. No estádio positivo não se admite a justificação nem teológica, nem filosófica da realidade, mas apenas a científica. O científico está ligado ao empírico, ao prático. O critério científico deita por terra todo o discurso relativo à religião e aos sentimentos que são constitutivos do homem. A Ciência, mostra-se como aquela que vem emancipar o homem do obscurantismo, da tradição, da cultura, etc., tornando-o mais racional, procurando, cada vez mais o seu bem-estar. É, portanto, progressista. A ciência proporcionou um avanço tecnológico, que nem sempre se mostrou favorável ao homem. A crença no progresso vacilou Introdução à Filosofia 75 com II Guerra Mundial. Os efeitos do industrialismo tornam-se assustadoramente evidentes da degradação do meio ambiente, no esgotamento dos recursos naturais não renováveis e na desorientação da camada do ozono. A tecno-ciência é ao mesmo tempo construtora e destruidora. Enquanto se produz cimento para melhorar a habitação dos homens, destrói-se consequentemente a camada do ozono, através dos gazes que a indústria expele no acto de fabrico do cimento, tão necessária para a sobrevivência humana. Como não é difícil perceber, o homem auto-destrói-se-à medida que procura emancipar-se. Este ponto fez com que Francis Fukuyama negasse a própria idéia de progresso. Outro ponto em que o avanço da ciência tecnológica mingua refere-se à substituição de mão de obra humana pelas máquinas. O trabalho realizado pelas máquinas tende a ser mais perfeito do que o feito pelas mãos humanas. As conseqüências disto são desastrosas. Por exemplo: um computador leva ao desemprego milhares e milhares de homens, desgraçando assim muitas famílias. Limites do conhecimento científico As limitações da ciência em responder aos problemas concretos do homem fez com que a confiança autrora dada à ciência passasse a ser questionada. A classificação tripartida da história humana, proposta pelo positivismo errou por ter hipertrofiado o método das ciências experimentais, desvalorizando todo o tipo de saber diferente do proposto pelo seu método. Dilthey, o maior representante da nova corrente filosófica oposto ao positivismo, observa que o método positivo das ciências experimentais satisfaz apenas às exigências do estudo dos fenômenos naturais, sendo absolutamente inadequado para o estudo e a compreensão dos fenômenos culturais ou espirituais. Existe, portanto, dois grupos de ciências: o das ciências da natureza e o das ciências do espírito, cada um deles dotado de método próprio e, por isso, também de objecto próprio. Perspectivas de análise do conhecimento Perspectiva fenomenológica – conhecimento como um fenômeno A fenomenologia é um método de análise ou uma atitude face ao real, que consiste em descrever aquilo que se manifesta ou aparece numa experiência. A palavra “fenômeno”, nesta perspectiva, significa, “o que se manifesta ou revela, o que se mostra”. O fenômeno constituiu-se pois, como descrição dos elementos presentes numa situação, numa vivência, procurando observar e descrever aquilo que se passa, com o objectivo de captar a estrutura geral do que acontece. 76 Unidade A fenomenologia procura centrar-se na captação directa daquilo que nos é imediatamente dado no mundo da consciência. Propõe- se orientar a investigação para a matéria concreta dasnossas vivências, para observação daquilo que nos é dado ou que se nos revelam por si mesmo, na intuição dos dados presentes à consciência. Antes de tentar qualquer tipo de interpretação, pretende deixar falar os dados da nossa experiência imediata, fazer a descrição do que é dado à consciência do sujeito. A fenomenologia realça, pois, a intuição e a receptividade da nossa apreensão directa dos fenômenos; analisa o modo como os factos se apresentam à consciência. Na descrição dos conteúdos da consciência, ou das coisas tal como elas surgem perante a consciência, a fenomenologia procura descobrir as estruturas e as características fundamentais dos vários domínios da experiência. Nicolai Hartmann (1882-1950), filósofo alemão mostrou a análise fenomenológica segundo os seguintes passos: - No conhecimento existe alguém que conhece, algo a conhecer e um encontro entre estes dois elementos – uma interacção e uma correlação; - No conhecimento, o sujeito como que sai de si, está fora de si e regressa a si com as determinações do objecto; - A função do objecto no conhecimento é deixar-se apreender, a função do sujeito é apreender o objecto; - O conhecimento é uma apreensão que o sujeito faz das determinações do objecto; - O conhecimento é, portanto, uma relação de representação, isto é, o sujeito é um ser capaz de ter “presente” o objecto, mesmo quando este está ausente; na verdade, o sujeito é dotado de uma faculdade de representar o objecto na sua essência, faculdade essa a que chamamos “consciência”; na consciência, o sujeito representa, através de uma imagem, ou, através de um conceito, um conjunto de objectos. Perspectiva filogética – história evolucionista A perspectiva filogenética trata da evolução das espécies; os estudos antropológicos e paleontológicos dão-nos conta de uma progressiva transformação do sistema nervoso, desde os primeiros animais invertebrados até ao homem. A natureza selecciona e aprova a adaptação biogenética. Por exemplo: um lago ou um mar que seca só deixa a possibilidade de sobrevivência aos peixes que possam respirar o ar atmosférico. Deste modo, a libertação das mãos e a posição erecta levou o Homo sapiens ao desenvolvimento bio-psico-social, em que as actividades sensório-motores passaram, através da experiência, às actividades perceptivo motoras, tornando possível uma Introdução à Filosofia 77 interiorização das imagens que, por sua vez, constituíram o suporte da linguagem e da reflexão. Perspectiva ontogenética – formação das estruturas cognitivas No nascimento e no desenvolvimento cognitivo, há uma relação entre o individuo e o meio, relação esta, que é determinada por um processo de adaptação do indivíduo ao meio. Para Jean Piaget, neste processo de adaptação identificam-se duas actividades inter-relacionadas: assimilação e acomodação, que por sua vez resulta no equilíbrio. Deste modo, pela actividade, acção e movimento, a criança vai assimilando ou incorporando o mundo exterior e, acomodando-se ou integrando-se nesse mundo, estabelecendo os estádios de equilíbrio cada vez mais estáveis. Elementos do conhecimento: sujeito e objecto “Conhecer é representar cuidadosamente o que é exterior à mente” (Richard Rorty). A representação, por sua vez, é o processo pelo qual a mente torna presente diante de si a imagem, a idéia ou o conceito de algum objecto. Portanto, para haja o conhecimento, sempre será necessária a relação entre dois elementos básicos: um sujeito conhecedor ( nossa consciência, nossa mente) e um objecto conhecido ( a realidade, o mundo, os inúmeros fenômenos). Só haverá conhecimento se o sujeito conseguir apreender o objecto, isto é, consegui-lo representar mentalmente. Dependendo da corrente filosófica, será dada, no processo de conhecimento, maior ou menor importância ao sujeito (é o caso do idealismo) ou ao objecto (é o caso do realismo ou materialismo). Para o realismo, as percepções que temos dos objectos correspondem de facto às características presentes nesses objectos, na realidade, e, para o idealismo, o sujeito é que predomina em relação ao objecto, isto é, o objecto se mostra como realmente é ao sujeito que o percebe, determinando o conhecimento que se estabelece. Classificação das ciências segundo Augusto Comte Augusto Comte considera a existência de seis ciências fundamentais: a matemática, a astronomia, a física, a química, a biologia e a física social - a hierarquia que se estabelece naturalmente entre elas, baseia-se em critérios históricos, lógicos e pedagógicos. A hierarquia das ciências fundamentais indica a ordem histórica necessária pela qual foram nascendo, o espírito humano tendo passado ao objecto mais complicado só depois de dominar os mais simples e nessa perspectiva o recente intento de fundar a 78 Unidade física social como ciência positiva, supunha obviamente os progressos alcançados nas demais ciências. A filosofia não é equiparada às ciências fundamentais que são objecto da referida classificação hierárquica. Cada uma destas ciências é particularizada por uma classe própria de problemas e por um método específico de abordagem dos mesmos, muito embora respeitando os princípios gerais do método positivo, condição necessária ao estatuto do saber científico. Exercícios Auto-avaliação 1- Quais são os elementos do conhecimento? Resposta: Os elementos do conhecimento são o sujeito que conhece e o objecto que se faz conhecer. 2- Identifique os níveis do conhecimento. Resposta: Os níveis do conhecimento são conhecimento do senso comum ou pupolar, conhecimento científico, conhecimento filosófico e conhecimento teológico. 3- Apresente alguns limites e perigos do conhecimento científico. Resposta: O conhecimento científico separa o homem da natureza, obrigando-o a viver em um ambiente artificial e não inadequado, tirânico e psicologicamente aterrador, aumento do anonimato citadino, bem como a disparidade entre países ricos e pobres. Introdução à Filosofia 79 Unidade N0 15-A0010 Tema: Introdução à Lógica. Introdução A lógica é uma disciplina propedêutica, é o vestíbulo da filosofia, ou seja, o instrumento que vai permitir o caminhar rigoroso do filósofo ou do cientista. A lógica é o ramo da filosofia que se preocupa com as regras de bem pensar, ou do pensar carrecto, sendo, portanto, um instrumento do pensar. Ao completar esta unidade, você será capaz de: Objectivos Conhecer a origem e o fundador da lógica; Conhecer a relação entre linguagem e comunicação; Conhecer a importância da linguagem no Homem; Conhecer a relação entre linguagem, pensamento e discurso. Sumário Etimologicamente lógica vem do grego logos, que significa “palavra”, “expressão”, “pensamento”, “conceito”, “discurso”, “razão”. A lógica trata dos argumentos, isto é, das conclusões a que chegamos através da apresentação das evidências que a sustentam. O seu fundador é Aristóteles, com a sua obra chamada organon. Ele divide a lógica em formal e material. Lógica formal (ou menor): que estabelece a forma correcta das operações do pensamento. Se as regras forem aplicadas adequadamente, o raciocínio é considerado válido ou correto. Lógica material (ou maior): é parte da lógica que trata da aplicação das operações do pensamento segundo a matéria ou natureza dos objectos a conhecer. Enquanto a lógica formal se preocupa com a estrutura do pensamento, a lógica material investiga a adequação do raciocínio à realidade. É também chamada metodologia, e como tal procura o método próprio de cada ciência. 80 Unidade A lógica estuda as condições do pensamento válido, isto é, do pensamento que procura alcançar a verdade. A linguagem como fundamento da condição humana A linguagem é um sistema simbólico. O homem é o único animal capaz de criar símbolos, isto é, signos arbitrários em relação ao objecto querepresentam e, por isso mesmo, convencionais, ou seja, dependentes de aceitação social. No momento em que nascemos entramos imediatamente em comunicação com os outros e com a realidade que nos circunda. Uma das expressões primárias dessa necessidade comunicativa é o primeiro choro à saída do ventre da mãe, traduzido na única linguagem naquele momento. A linguagem humana, na sua forma comum que é a palavra, ocupa um lugar de relevo entre os instrumentos culturais humanos. Pelas palavras, podemos transmitir o conhecimento acumulado por uma pessoa ou sociedade. Podemos passar adiante esta construção da razão que se chama cultura. A linguagem, é assim, um dos principais instrumentos na formação do mundo cultural, pois é ela que nos permite transcender a nossa experiência. No momento em que damos nome a qualquer objeto da natureza, nós o individuamos, o diferenciamos do resto que o cerca; ele passa a existir para a nossa consciência. Com esse simples acto de nomear, distanciamo-nos da inteligência concreta animal, limitada ao aqui e agora, e entramos no mundo do simbólico. O nome é símbolo dos objectos que existem no mundo natural e das entidades abstractas que só têm existência no nosso pensamento (por exemplo: ações, estados ou qualidades como tristeza, beleza, liberdade). Pela linguagem, o homem deixa de reagir somente ao presente, ao imediato; passa a pensar o passado e o futuro e, com isso, a construir o seu projecto de vida. Certas necessidades do âmbito biológico, como comer, dormir e respirar, se manifestam naturalmente, pois como sabemos, a linguagem se insere no âmbito cultural, tem de ser aprendida sob a forma da língua própria da comunidade onde nascemos, crescemos, manifestando-se nos actos de fala próprios dessa comunidade. A linguagem é, portanto, o fundamento da nossa humanidade, ela tem um estatuto antropológico, uma vez que é ela que assegura a constituição do ser humano no seu processo antropológico e cultural. Linguagem e comunicação A linguagem é um sistema de signos artificiais e convencionais destinados à comunicação. Ela comporta uma estrutura essencialmente intencional. Com efeito a linguagem quer significar intenções, idéias, sentimentos, coisas, etc. Pode-se dizer com justa razão que a linguagem é o instrumento ideal da intencionalidade essencial do homem. A linguagem usa-se Introdução à Filosofia 81 frequentemente em oposição a língua para distinguir a função de se exprimir, em geral com a palavra, dos vários sistemas lingüísticos fixos em uma sociedade (as línguas), e comunicação é qualquer situação de interacção entre os seres humanos, evocando imediatamente a simples conversação, o diálogo, a discussão, o debate, os enunciados discursivos nas diversas situações diárias. A linguagem humana compreende tanto a linguagem verbal e não verbal. A linguagem verbal se distingue em linguagem oral, ou vocal, isto é, a fala, e linguagem escrita. No nosso tempo, a comunicação aparece como fenômeno complexo, uma vez que o termo designa objectos e situações diversas. Quando falamos em comunicação pensamos nos meios técnicos: rádio, televisão, telefone, fax, internet, etc.; falamos de comunicação pensando nos dispositivos que a permitem (informação, formação, publicidade, etc.). Vários modelos explicativos da comunicação humana têm sido propostos. Na sua forma mais simples podemos dizer que a comunicação é o resultado de três elementos fundamentais: uma fonte (o ser humano, um animal ou uma máquina) que emite uma mensagem (uma frase, um gesto, um filme, etc.) em direcção a um alvo (um interlocutor, um espectador, ou outro). Alguns modelos de comunicação conhecem uma enorme divulgação. É, por exemplo, o caso dos modelos de C. Shannon (engenheiro de telecomunicação) e de W. Weaver (filósofo da comunicação), datados de 1949, e o de H. Lasswell (especialista em ciências políticas), datado de 1948. Linguagem, pensamento e discurso Pensamento é a consciência ou a inteligência saindo de si para ir colhendo, reunindo, recolhendo os dados fornecidos pela experiência, pela percepção, pela imaginação, pela memória, pela linguagem, e voltando a si, para considerá-los atentamente, colocá-los diante de si, observá-los intelectualmente, pesá-los, avaliá-los, retirando deles conclusões, formulando idéias, conceitos, juízos, raciocínios, valores. O pensamento exprime nossa existência como seres racionais e capazes de conhecimento abstracto e intelectual, e sobretudo manifesta sua capacidade para dar a si mesmo leis, regras e princípios para alcançar a verdade de alguma coisa. O pensamento pode ser concreto e abstracto. É concreto, quando se forma a partir da percepção, ou seja, da representação de objectos reais, e é imediato, sensível e intuitivo; enquanto que o pensamento abstracto é aquele que estabelece relações (não – perceptíveis), que cria os conceitos e as noções gerais e abstract as, é mediato (precisa das mediações da linguagem) e racional. O termo “discurso” é usado em filosofia para significar uma operação intelectual que se processa por uma série de operações 82 Unidade elementares e sucessivas, encadeando-se numa seqüência ordenada de enunciados em que cada um retira o seu valor dos antecedentes, procurando chegar a determinadas conclusões. Há uma estreita ligação com a lógica, considerada a ciência reflexiva do discurso. Por isso, os gregos usam o termo logos que foi traduzido por discurso, razão, e ainda linguagem. A maioria dos lingüistas parece concordar que o discurso é em primeiro lugar, um acontecimento de linguagem, uma atualizarão da língua na palavra, materializada no acto de fala, e num acto de comunicação lingüística. Pensadores como Dubois (1973) defende que o termo “discurso” designa todo o enunciado superior à frase, considerado do ponto de vista das regras de encadeamento das seqüências de frases. Na perspectiva filosófica, diz-se que há discurso quando há um conjunto de enunciados articulados entre si de uma forma coerente e lógica. Esta dimensão lógico-linguística do discurso é por isso fundamental. Introdução à Filosofia 83 Exercícios Auto-avaliação 1- Que é a lógica e quem é o seu fundador? Resposta: Lógica é a ciência que ensina o homem a raciocinar correctamente. O Seu fundador é Aristóteles com a sua famosa obra organon. Nela, divide a lógica em duas partes: lógica formal e lógica material. 2- Qual é a relação existente pensamento, discurso e linguagem? Pensamento é a consciência ou a inteligência saindo de si para ir colhendo, reunindo, recolhendo os dados fornecidos pela experiência, pela percepção, pela imaginação, pela memória, pela linguagem, e voltando a si, para considerá-los atentamente, colocá-los diante de si, observá-los intelectualmente, pesá-los, avaliá-los, retirando deles conclusões, formulando idéias, conceitos, juízos, raciocínios, valores. Discurso é uma operação intelectual que se processa por uma série de operações elementares e sucessivas, encadeando-se numa seqüência ordenada de enunciados em que cada um retira o seu valor dos antecedentes, procurando chegar a determinadas conclusões. A linguagem é um sistema de signos artificiais e convencionais destinados à comunicação. Ela comporta uma estrutura essencialmente intencional. Com efeito a linguagem quer significar intenções, idéias, sentimentos, coisas, etc. Pode-se dizer com justa razão que a linguagem é o instrumento ideal da intencionalidade essencial do homem. 84 Unidade Unidade N0 16-A0010 Tema: As dimensões do discurso humano Introdução O discurso humano é pluridimensional, isto é, é constituído por diversas dimensões. Dentre elas destacamos as seguintes: dimensão sintáctica, semântica e pragmática. Existem outras dimensões, cuja importância parece-nos facilmente compreensível, assim como será fácil estabelecer entre elas as respectivas relaçõese implicações. Dentre elas, destacamos as seguintes: lingüística, textual, lógico-racional, expressiva ou subjectiva, intersubjectiva ou comunicacional, argumentativa, apofântica ou representativa, comunitária, institucional e ética. Ao completar esta unidade, você será capaz de: Objectivos Conhecer as dimensões do discurso humano; Caracterizar cada uma das dimensões do discurso humano; Destacar os novos domínios da lógica e suas implicações sociais. Sumário Dimensão é todo plano, grau ou direcção no qual se possa efectuar uma investigação ou realizar uma acção. Dimensão sintáctica A palavra sintáctica vem do grego, syntaxis, que significa coordenação. Tradicionalmente, define-se sintaxe, como a parte da gramática que trata das regras combinatórias entre os diversos elementos da frase, ou seja, trata da relação intralingüística dos signos entre si (Apel, Karl-Otto; sprach-pragmatik und Philosophie; Frankfurt; 1975) ou das relações internas que os signos mantêm entre sí ( Meyer, Michel; Lógica, Linguagem e Argumentação; Teorema; Lisboa; 1992). Introdução à Filosofia 85 Por outro lado, pode-se definir a sintaxe como o “conjunto dos meios que nos permitem organizar os enunciados, afectar a cada palavra uma função e marcar as relações que se estabelecem entre as palavras. A ordem das palavras é um dos traços característicos de qualquer sintaxe”. (Yagello, Marina; Alice no País da Linguagem; Estampa; Lisboa; 1990). Assim, por razões de carácter sintático: uma série de letras ao acaso não é uma palavra; uma série de palavras postas ao acaso não é uma frase; uma série de frases dispostas ao acaso não é um texto nem um discurso. Dimensão semântica A palavra semântica, do grego, semantikê (tékhne), que significa literalmente, “arte da significação”, ou arte (ciência) do significado. Semântica é a ciência que se dedica ao estudo das significações (Michel Bréal). Semântica trata da relação dos signos com o seu significado, e logo com o mundo (Michel Meyer). Portanto, a semântica trata das relações dos signos (as palavras ou frases) com os seus significados (significações) e destes com as realidades a que dizem respeito (referência). No que diz respeito ao domínio da semântica lingüística podemos considerar: Semântica lexical: aquela que se dedica ao estudo da significação das palavras entre si (as relações de sinonímia, de antinomia, os campos lexicais, a evolução das palavras); Semântica da frase: estuda o modo como as palavras se combinam para que a frase tenha sentido (uma palavra pode ter vários significados ou sentidos, que só descodificaremos se considerarmos o contexto); Semântica do discurso (frase ou enunciados): é que constitui e dá coerência a um texto. ( Perante um texto que não tenha um sentido unitário, que não respeita as regras de articulação, dificilmente alguém conseguirá captar o seu global. Dimensão pragmática A palavra pragmática, vem do grego pragmatiké (de pragma, acção), a sua raiz. Entre os percursores da pragmática, encontramos, o filósofo e literário alemão Von Humboldt (1767 – 1835), que afirmou que a essência da linguagem era a ação. Michel Meyer define-a como disciplina que se prende com os signos na sua relação com os utilizadores. C. Morris, é considerado fundador da disciplina, pois exigiu a pragmática como complemento da sintaxe e da semântica. Na 86 Unidade comunicação, segundo ele, há um signo, um significado e um intérprete, desenrolando-se entre eles uma tríplice relação. A pragmática é o estudo do uso das proposições, mas também, pode definir-se como o estudo da linguagem, procurando ter em conta a adaptação das expressões simbólicas aos contextos referencial, situacional, de acção e interpessoal. A atitude pragmática diz respeito à procura de sentido nos sistemas de signos, tratando-os na sua relação com os utilizadores, considerando sempre o contexto, os costumes e as regras sociais. Uma análise pragmática de um texto, escrito ou falado, procura ver de que modo o texto está estruturado e quais as suas funções específicas. Qualquer texto, oral ou escrito, representa fundamentalmente a realização de um acto que não é apenas locutório, mas representa igualmente um acto ilucotório e um acto per locutório. Se considerarmos o que dissemos anteriormente, concluiremos que, do ponto de vista pragmático, interessa sobretudo considerar os aspectos ilocutórios e per locutórios. Quando um sujeito falante diz algo, podemos distinguir facilmente: o que diz (acto locutório); do que faz, dizendo (acto ilocutório); e dos factos resultantes da acção de dizer (acto perlocutório). Estas três dimensões do discurso (sintática, semântica e pragmática) não podem ser isoladas; são indissociáveis, pois a sintaxe preocupa-se com a forma gramatical da linguagem; a semântica coloca o problema do significado das palavras e frases que constituem os nossos enunciados discursivos e, obviamente, remete para a relação que a linguagem estabelece com o mundo, com os objetos, colocando assim o problema de referência. A pragmática preocupa-se com o uso que fazemos da linguagem num dado contexto. Os novos domínios da Lógica e suas implicações sobre o homem e a sociedade Informática A palavra informática foi criada por Philippe Dreyfus, em 1962. Contudo, foi introduzido oficialmente na Academia Francesa de Ciências em 1966. Informática é a ciência do tratamento racional, nomeadamente por máquinas automáticas, da informação considerada como suporte dos conhecimentos e das comunicações nos domínios técnico, econômico e social. Apesar de o termo ter surgido nesta altura, os estudiosos da informática, dizem que ela começou a ser um domínio autônomo por volta dos anos 50. são entre outros, marcos importantes da constituição dessa autonomia os seguintes: o congresso de Paris de 1951; o primeiro computador baseado na tecnologia dos transistores (Bell-1955) e a linguagem de alto nível ( Basic-1954; Fortran-1957; Cobol-1960). Introdução à Filosofia 87 Entre 1945 e meados dos anos 60 surge a primeira informática. Dá-se o aparecimento dos primeiros computadores propriamente ditos. O ENIAC é o primeiro exemplar. É o período da definição dos princípios básicos, da definição do corpo teórico e técnico. Nos anos 60 até finais dos anos 70, surge à segunda informática, desenvolvem-se os computadores baseados na técnica dos transistores e os computadores pessoais. Nos anos 80, surge a terceira informática, com o aperfeiçoamento dos computadores pessoais das redes, da microinformática. É o que poderíamos chamar banalização dos computadores pessoais e transformação da sociedade da informática numa cultura de comunicação, frutos que colhemos atualmente. Cibernética A palavra cibernética, vem do grego kibernétes. O termo foi usado por Platão para designar a “arte de pitotar navios”. É nesta raiz grega que se filia a palavra latina gubernare, que origina o termo governo. Assim como o piloto dirige o navio, da mesma forma o governo é o timoneiro que dirige o Estado. A teoria da cibernética remonta a 1948 e o seu fundador é o matemático norte-americano Norbert Wiener (1895-1964). Cibernética é a ciência da comunicação e do controlo de homens e máquinas. É no seio deste movimento de idéias que vimos surgir o primeiro computador da nossa era e será igualmente fruto do seu trabalho que se desenvolve a posterior robotização. Inteligência artificial A inteligência artificial é um domínio relativamente recente. Encontramos as suas raízes no grande desenvolvimento dos computadores dos anos 50. Porque estas máquinas ofereciam enorme possibilidade de armazenamento e processamento de informações a altas velocidades, os investigadores apostaram em construir sistemas que em tudo se assemelhassem às potencialidades da inteligência humana. Podemos dizer que a inteligência artificial encontrasua fonte de inspiração na inteligência natural própria dos seres humanos. Relação entre inteligência natural e inteligência artificial Afirmar que os seres humanos são inteligentes, é pensar nas suas habilidades para adquirirem, compreenderem e aplicarem certos conhecimentos, bem como capacidades para exercitarem o seu pensamento e raciocínio. A inteligência engloba todo o conhecimento consciente e inconsciente, que fomos adquirindo ao longo da nossa vida, fruto do estudo, ou em resultado das multifacetadas experiências que realizamos, das muitas situações mais ou menos problemáticas que fomos ou vamos enfrentando. 88 Unidade Exercícios Auto-avaliação 1- Quais são as dimensões do discurso humano? Resposta: Sintáctica, semântica, pragmática, lingüística, textual, lógico- racional, expressiva ou subjetiva, intersubjetiva ou comunicacional, argumentativa, apofântica ou representativa, comunitária, institucional e ética. 2- Quais são os novos domínios da lógica? Resposta: Os novos domínios da lógica são a informáticae a cibernética. Introdução à Filosofia 89 Unidade N0 17-A0010 Tema: Os princípios da razão. Introdução A palavra princípio, do latim principium, significa ponto de partida e fundamento de um processo qualquer. Os dois significados, “ponto de partida” e “fundamento” ou “causa”, estão estreitamente ligados na noção deste termo, que foi introduzido em filosofia por Anaximandro. Já a palavra razão, do latim ratio e do grego lógos, significam pensar e falar ordenadamente, com medida e proporção, com clareza e de modo compreensível para outros. Assim, na origem, a razão é a capacidade intelectual para pensar e exprimir-se correcta e claramente, para pensar e dizer as coisas tais como são. A razão é uma maneira de organizar a realidade pela qual esta se torna compreensível. A razão obedece os seguintes princípios: Identidade, Não- contradição, Terceiro Excluído e Razão Suficiente. Ao completar esta unidade, você será capaz de: Objectivos Conhecer os princípios da razão. Relacionar o conceito e compreensão do conceito. Classificar os conceitos e os termos. Sumário Princípio de identidade: Cujo enunciado pode aparecer: “A é A” ou “o que é, é”. Este princípio afirma que uma coisa, seja ela qual, só pode ser conhecida e pensada se for percebida e conservada com sua identidade. O princípio de identidade é a condição para que definamos as coisas e possamos conhecê-las a partir de suas definições. 90 Unidade Princípio de Não – Contradição: Cujo enunciado é: “A é A e não é possível que, ao mesmo tempo e na mesma relação seja não-A”. Assim, é indispensável que a árvore que está diante de mim seja e não seja, ao mesmo tempo, uma mangueira. O princípio de não-contradição afirma que uma coisa ou uma idéia da qual uma coisa é afirmada e negada ao mesmo tempo e na mesma relação são coisas e idéias que se negam a si mesmas e que por isso se autodestroem, desaparecem, deixam de existir. Eis porque o princípio enuncia que isso é impossível, ou seja, afirma que as coisas e as idéias contraditórias são impensáveis e impossíveis. Princípio do Terceiro excluído: Cujo enunciado é: “A é ou X ou é Y e não há a terceira possibilidade”. Por exemplo: “Ou este homem é Sócrates ou não é Sócrates”; “Ou faremos a guerra ou faremos a paz”. Este princípio define a decisão de um dilema – “ou isto ou aquilo” – no qual as duas alternativas são possíveis e cuja solução exige que apenas uma delas seja verdadeira. Princípio de Razão Suficiente: A firma que tudo o que existe e tudo o que acontece tem uma razão (causa ou motivo) para existir ou para acontecer, e que tal razão (causa ou motivo) pode ser conhecida pela nossa razão. Pode ser enunciado da seguinte maneira: “Dado A, necessariamente se dará B”. E também: “Dado B, necessariamente houve A”. Lógica do Conceito/Termo Conceito ou idéia: é a representação intelectual da essência de um objecto, representa o que de permanente, imutável e comum em todos os objectos de uma espécie. É chamado de conceito porque a sua formação realiza-se no espírito: uma espécie de concepção, pela união da inteligência com o objeto, cujo fruto é o conceito ou idéia. É fácil concluir que uma idéia não é falsa nem verdadeira, porque nela nada se afirma e nada se nega. Os conceitos podem ser possíveis (animal racional) e impossíveis (círculo quadrado), conforme são formados de elementos logicamente compatíveis ou incompatíveis entre si. Enquanto o conceito é a representação intelectual de um objeto, o termo é o que dá existência objectiva ao conceito; o termo é a expressão externa (verbal) de um conceito ou nada. Não se deve confundir termo e palavra, porque o termo pode ter várias palavras e até proposições gramaticais ou ser constituído por simples gestos. Exemplo: Aristóteles é o filósofo da antiguidade que mais contribuiu para o desenvolvimento da Filosofia. Introdução à Filosofia 91 O termo é como que a idéia exteriorizada e concretizada, visto que, concebido um conceito, só lhe damos existência depois de encontrarmos o termo que a pode exprimir. Relação entre a extensão e a compreensão do conceito Chama-se compreensão (conotação ou intenção) de uma idéia: ao conjunto de propriedades que lhe podem ser atribuídas. Por exemplo: a idéia de “triângulo” contém uma extensão, figura, três linhas, três ângulos, etc. Chama-se extensão (denotação ou domínio da aplicação) de uma idéia: ao conjunto de seres a que essa idéia é atribuível. Por exemplo: o conceito de “Homem” convém a portugueses, franceses, brancos, amarelos, negros, António, Rute, etc. A extensão e a compreensão variam em sentido inverso: quanto mais complexa é uma idéia tanto mais limitada será a sua esfera de aplicação. É possível e necessário os conceitos e, portanto, os seres que eles representam, numa hierarquia fundada na sua extensão. O conceito de maior extensão chama-se gênero, em relação à extensão menos, e esta denomina-se espécie em relação àquela. Diz-se gênero próximo ou supremo, consoante o grau de sua generalidade. O gênero próximo é o conceito de generalidade imediatamente superior ao conceito que é a espécie; o gênero superior representa as grandes classes de seres ou grandes divisões de ser. Aos conceitos que constituem os gêneros supremos, os lógicos chamam categorias. A diferença específica é a característica que se junta ao gênero próximo para constituir a espécie, aumentado-lhe a compreensão (racional que se junta ao gênero animal para constituir a espécie homem). O gênero próximo e a diferença específica são os carácteres essenciais de qualquer ser. Classificação dos conceitos e dos termos Quanto à compreensão podem ser: Simples: aquelas que são divisíveis. Exemplo: homem, animal, planta. Concretas: que são aplicáveis a sujeitos ou objetos. Exemplo: gato, cão, planta. Abstractas: que são aplicáveis a qualidades, acções ou estados. Exemplo: beleza, alegria, amizade. Quanto à extensão podem ser: Universais: os que são aplicáveis a todos os elementos de uma classe. Exemplo: homem, círculo, mesa. Particulares: os que são aplicáveis apenas a uma parte de classe. Exemplo: aqueles homens, alguns livros, estes cadernos. 92 Unidade Singulares: os que são aplicáveis apenas a um indivíduo. Exemplo: Paulo, Almiro, este carro. Quanto à relação mútua, são: Contraditórios: quando há oposição e exclusão mútua. Exemplo: ser/não ser, escuro/não escuro Contrários: quando há oposição sem exclusão. Exemplo: branco/preto, alto/baixo Relativos: quando um não é sem o outro (implicação mútua). Exemplo: pai/filho, direita/esquerda. Os termos são expressões verbais dos conceitos e classificam-se de acordo com os seguintes critérios: Quanto ao modo de significação: Unívocos: os que se atribuem de modo idêntico a objectosdiversos. Exemplo: homem (aplicado a brancos, negros, João, americanos, etc.). Equívocos: os que se aplicam a sujeitos diversos em sentido totalmente distinto. Exemplo: manga (fruto), manga (de camisa). Análogos: os que são aplicáveis a realidades diversas num sentido que não é totalmente idêntico nem totalmente distinto. Exemplo: saudável (aplicado ao corpo), saudável (dito dos alimentos). Quanto à perfeição com que representam o objeto: Adequados: quando representam com perfeição o objeto. Exemplo: ave (aplicado a um morcego) Claros - quando são suficientes para fazer reconhecer o objeto. Obscuros – quando insuficientes para fazer reconhecer o objeto. Distintos – quando permitem distinguir bem um objeto de outros. Confusos – quando não permitem distinguir suficientemente um objecto de outros. Quanto à maneira como a exteriorização do conceito é feita: - Oral; - Escrita; - Gesticular (mímica). A definição essencial ou característica atinge os caráter essencial da coisa; é aquela que se faz pelo gênero próximo, espécie e diferença específica. Introdução à Filosofia 93 Exemplo 1: O homem (espécie) é animal (gênero próximo) racional (diferença específica). A definição descritiva é aquela que enumera as características exteriores mais salientes de uma coisa que a individualiza e permitem distinguí-la de todas as outras. Exemplo 2: O homem é um mamífero, bípede, de posição ereta, etc. A definição: tipos e regras Definir quer dizer demarcar limites, isto é, indicar de entre as propriedades de uma coisa, as que bastam para dizer o que à coisa é, e a distingue do que não é; definir é dizer o que um conceito é, e distinguí-la do que não é. Espécies de definições: - a definição nominal: é aquela que resulta da análise etimológica da palavra, ou seja, que exprime o sentido de uma palavra. Exemplo: filosofia é o amor da sabedoria. - a definição real: é aquela que exprime a natureza do próprio objeta que a palavra representa. Exemplo: paixões são tendências exacerbadas. A única definição verdadeira e usada por todas as ciências é a definição essencial. Na impossibilidade de usar a definição essencial, a ciência recorre à pura definição descritiva. As definições reais podem subdividir-se em três: Explicativas: se o objecto definido existe independentemente do objeto. Exemplo: Os aracnídeos são antropóides octópodes. As definições explicativas podem ser: a) Essenciais: quando nos dão o conhecimento do objecto pela indicação dos seus elementos intrínsecos ou estruturais. Exemplo: O homem é um animal racional b) Acidentais: quando permitem a indicação de caráteres extrínsecos que, no conjunto, lhes são exclusivas. Exemplo: emoção, “reação global, intensa e breve do organismo a uma situação inesperada, acompanhada de estado afectivo de tonalidade penosa ou agradável” (Larousse). Construtivas: Se o objecto inseparável de conceito é criado pelo próprio acto da definição. Estas definições são específicas de matemática. Exemplo: quilógono é o polígono de mil lados. As construtivas podem ser: a) Essenciais: se dizem o que o objecto é. Exemplo: Losango é um paralelogramo com os lados todos iguais. b) Genéticas: se indicam o modo de produção do objeto. Exemplo: O bronze é uma liga de diversos metais. 94 Unidade Pragmáticas: Se a definição deriva do uso que do termo pode ser feito em conformidade com determinada situação. Neste sentido, ela supõe em cada caso um contexto – “sempre que as condições são assim, o termo T será usado assim e assim”. As regras que deve obedecer uma definição são: 1º A definição deve ser mais clara do que o termo a definir, isto é, deve ser breve e feita em termos precisos e distintos e não pode ser dada pela negativa. 2º A definição deve convir a todo o definido e só ao definido. Quer dizer, não deve ser muito restrita ( o homem é um animal racional de cor branca ou negra ou amarela), nem muito extensiva ( o homem é um animal). 3º A definição deve ser recíproca. Isto é, sendo o definido o primeiro membro de uma igualdade e a definição o segundo, devem poder trocar de lugar. Exemplo: o homem é um animal racional ou o animal racional é o homem. Divisão e classificação Divisão Divisão é a análise das idéias sob o ponto de vista de sua extensão; dividir um conceito significa indicar a quantos seres ou objectos diferentes ele se aplica; divisão é a decomposição de um todo nas suas partes. A divisão pode ser dicotômica ou politómica. Mas a divisão perfeita é a dicotômica, que consiste em passar de um gênero a duas espécies, das quais uma tenha um atributo que não existe na outra. Classificação Classificar é reunir ordenadamente em grupos vários seres ou objectos que uma idéia abrange, de harmonia com as suas semelhanças e diferenças, atendendo ao mesmo tempo, à compreensão e à extensão do conceito. Princípios da classificação: 1º Não deve deixar resíduos, isto é, deve ser exaustiva, não ficando nada que não seja classificado; 2º Deve haver mais semelhanças entre dois seres reunidos numa mesma classe do que entre dois seres colocados em classes diferentes; 3º Deve ser irredutível, isto é, uma classe não deve incluir a outra. A classificação pode ser natural ou artificial. - Classificação natural: baseia-se em características essenciais, exigindo o estudo completo de todos os caracteres e propriedades do objeto; Introdução à Filosofia 95 - Classificação artificial: tem um carácter arbitrário ou convencional e funda-se em algumas características ou propriedades do objeto, que sejam mais fáceis de conhecer. Exercícios Auto-avaliação 1- Quantos e quais são os princípios da razão? Resposta: São quatro princípios da razão: Identidade, Não- contradição, Terceiro Excluído e Razão Suficiente. 2- Que diferenças existem entre conceito e termo? Resposta: A diferença entre conceito e termo é: o conceito é a representação intelectual de um objeto, enquanto que o termo é o que dá existência objectiva ao conceito; o termo é a expressão externa (verbal) de um conceito ou nada. Não se deve confundir termo e palavra, porque o termo pode ter várias palavras e até proposições gramaticais ou ser constituído por simples gestos. 96 Unidade Unidade N0 18-A0010 Tema: A convivência política entre os Homens. Introdução Desde antiguidade o homem foi caracterizado pela capacidade de administrar o local em que se encontra: casa, aldeia, cidade, instituições e a nação. “O homem é por natureza um ser politico”. Aristóteles Ao completar esta unidade, você será capaz de: Objectivos Explicar o conceito de Politica; A relação entre politica e filosofia; Clarificar o conceito de Estado; Identificar os elementos do Estado; Identificar as diferentes teorias sobre a origem do Estado; Conhecer os simbolos de unidade nacional. Sumário A palavra política (do grego “politiké”, arte de governar a “polis”, a cidade) tanto pode ser entendida como o modo de partilha e organização do poder (regime político), como a arte de governar, isto é, os princípios directivos da acção de um governo, quer no que diz respeito à sua administração interna, quer no tocante às relações com os outros Estados. Na antiguidade grega, a “política” traduzia-se por República, para significar organização, regime político, a constituição de uma cidade soberana, de uma comunidade ou Estado com individualidades e autonomia própria. Introdução à Filosofia 97 Pode-se definir a política como sendo o conjunto das acções levadas a afeito por um grupo de indivíduos, grupos e governantes com vista a resolver os problemas com que se depara uma colectividade humana. Estas são orientadas por imperativos como: o bem comum, a ordem pública, a justiça, a harmonia e o equilíbrio social. A política oscila entre duas interpretaçõesdiametralmente opostas, embora com um objecto comum: o poder. Para os que querem conquistar o poder, a política é essencialmente uma luta, um combate, o poder que permite aos individuos e aos grupos que detêm assegurar o seu domínio sobre a sociedade, e dele tirar proveito. Nesse caso, a política serve para manter os privilégios de uma minoria sobre a maioria. Para os outros, a política é o esforço para fazer reinar a ordem e a justiça, assegurando o poder, o interesse geral e o bem comum contra a pressão das reivindicações particulares. Aqui, a política é concebida como meio de realizar a integração de todos os individuos na comunidade e criar a Cidade justa de que falava Aristóteles. A luta política, quer consentida (nas chamadas “sociedades abertas” ou democráticas), quer clandestinas (nas “sociedades fechadas”ou totalitárias), é sempre expressão de interesses de classes, de modos de produção, das relações de trabalho e, de um modo mais geral, de uma tradição histórica. O problema político é relativo à origem do estado e à sua função, à sua organização, à sua melhor forma, à sua função e o seu fim específico, à sua natureza da acção política e as suas relações com a acção moral, à relação entre estado e individuos, entre Estado e Igreja e Estado e partidos. A filosofia política é ramo da filosofia que visa a fundamentação de idéias de organização dos homens que vivem em sociedade. Em suma, é a actividade racional e crítica, à razão política. A Filosofia política é alento vivificador e a força de dinamismo para a actividade política de uma sociedade. Ela não deve ser usada como justificação posterior de elucubrações prévias e, nem como depósito para aplicar na sociedade; ela é referência primária em cujo contraste se ilumina de forma nova a realidade social de uma nação. A filosofia política não é uma solução cómoda e gratuita de problemas da Humanidade; ela não invalida a autonomia da actividade dos políticos e a sua capacidade de liderança; não apresenta um sistema político de conteúdos concretos; a sua mensagem pertence ao nível da intencionalidade; são orientações globais, isto é, pertence ao universo da cosmovidência. 98 Unidade Relação entre Filosofia e Política A relação que se encontra entre a Filosofia e a política está no facto de que, a filosofia procura deter-se e abarcar nas condições de emergência da coisa pública no homem como animal político e na tipologia dos regimes. A filosofia examina o nascimento das instituições políticas e a sua maturidade; Ernesto Chambisse acrescenta ainda que, a Filosofia vem iluminar os conceitos inerentes à Política, tais como: justiça, bem comum, estado, tolerância, bem como a própria definição de política; questiona o grau de liberdade consentâneo com a coesão social e o equilíbrio na divisão do poder. É a filosofia que deve denunciar a absolutização da política e a redução à sua natureza precária; deve criticar a política e todas as formas de dominação do homem pelo homem. Política, como dissemos acima, é actividade inerente à organização das instituições, os factos que dizem respeito à actividade política; tem a ver com os processos e estratégias eleitorias, mecanismos para se alcançar o poder, composição de partidos políticos, sindicatos, flutuação da opinião pública, as acções dos governantes e a reação dos governados. A atitude crítica da filosofia perturba em alguns casos a ordem política, ou seja, os filósofos chama para si o patrono da racionalidade. Por isso, Platão em sua obra A República, não é alheio a idëia de que a racionalidade política consiste no rei tornar-se filósofo ou vice-versa. E Lévy, acrescenta que o “filósofo fala e por isso mesmo perturba a ordem do mundo, incluindo o próprio mundo da política”. E ainda “quem quiser saber para onde nos encaminhamos deverá prestar atenção, não aos políticos, mas aos filósofos: aquilo que os filósofos anunciam hoje será a crença do amanhã”. A Ética Política A política tem como finalidade a vida justa e feliz, ou seja, a vida propriamente humana digna de seres livres, que portanto é inseparável da ética. Para os gregos, era inconcebível a ética fora da comunidade política, a pólis como koinonia ou comunidade dos iguais, pois nela a natureza ou essência humana encontrava sua realização mais alta. Quando se fala em ética, Aristóteles distingue entre teoria e prática, e nesta, entre fabricação e acção, isto é, diferencia entre poiesis de práxis. Ele reserva à práxis um lugar mais alto do que a fabricação, definindo-a como a acção voluntária de um agente racional em vista de um fim considerado bom. A práxis por excelência é a política. Platão identifica a justiça no indivíduo e a justiça na pólis. Já Aristóteles, subordina o bem do indivíduo ao Bem Supremo da pólis. Esse vínculo interno entre política e ética significava que as qualidades das leis e do poder dependiam das qualidades morais Introdução à Filosofia 99 dos cidadão e vice-versa, isto é, das qualidades da cidade dependiam as virtudes dos cidadãos. Somente na cidade boa e justa podem se encontrar bons e justos; e somente homens bons e justos são capazes de instituir uma cidade boa e justa. Estado Estado é o modo como o poder está organizado num território e entre uma população. Sahid Maluf, em sua obra Teoria Geral do Estado, define o estado como sendo uma organização destinada a manter, pela aplicação do Direito, as condições universais de ordem social. E o Direito é o conjunto das condições existenciais da sociedade, que ao estado cumpre assegurar. O direito pode ser natural e positivo. Direito natural é o que emana da própria natureza, independentemente da vontade do homem (Cícero). É invariável no espaço e no tempo, insusceptível de variação pelas opiniões individuais ou pela vontade do Estado (Aristóteles). Ele reflecte a natureza como foi criada. É anterior e superior ao estado, portanto, conceituado como de origem divina. Direito positivo é o conjunto orgânico das condições de vida e desenvolvimento do individuo e da sociedade, dependente da vontade humana e das garantias dadas pela força coerciva do estado (Pedro Lessa). O direito positivo divide-se em público e privado. O direito público é o que regula as coisas do Estado; o direito privado é o que diz respeito aos interesses particulares. O Estado tem uma constituição e uma divisão de poderes: poder legislativo, poder executivo e poder judicial, conforme a norma nas sociedades democráticas. Há uma relação entre Estado e Direito, cuja opinião divide-se em três grandes grupos doutrinários: Teoria Monística: também chamada de estatismo jurídico, defende que o Estado e o Direito confundem-se em uma só realidade. Para os monistas só existe o direito estatal, pois não admitem eles a idéia de qualquer regra jurídica fora do Estado. O Estado é a fonte única do Direito, porque quem dá vida ao Direito é o Estado através da “força caótica” de que só ele dispõe. Regra jurídica sem coação, é uma contradição em si, diz Ihering. Logo, como só existe o Direito emanado do Estado, ambos se confundem em uma só realidade. Os seus defensores foram Hegel, Hobbes e Jean Bodin. Mas tarde, Rudolf Von Ihering e John Austin desenvolveram esta teoria, alcançado a sua máxima expressão na escola Técnico- jurídica liderada por Jellinek e a Escola de Viena de Hans Kelsen. Teoria Dualística ou pluralista: sustenta que o Estado e o Direito são duas realidades distintas, independentes e inconfundíveis. 100 Unidade Os dualistas dizem que o Estado não é a única fonte do Direito e nem este se confunde. O que provém do Estado é apenas uma categoria especial do direito: o direito positivo. Existem também princípios do direito natural, as normas de direito costumeiro e as regras que se afirmam na consciência colectiva, que adquirem positivamente e que, nos casos omissos, o Estado deve acolher para lhes darjurisdicidade. Além do direito não escrito, existem o direito canônico que independe da força coativa do poder civil, e o direito das associações menores que o estado reconhece e ampara. Esta corrente defende que o Direito é criação social, não estatal. O direito é um facto social, em contínua transformação. A função do Estado é de positivar o Direito, isto é, traduzir as normas escritas e os princípios que se afirmam na consciência social. O direito traduz, no seu desenvolvimento, as mutações que se operam na vida de cada povo, por influência das causas éticas, pesquisas, biológicas, científicas e econômicas, etc. Os seus defensores são Gierke e Gurvich, e mais tarde foi desenvolvida por Léon Duguit. Teoria do Paralelismo: o Estado e o Direito são realidades distintas, porém necessariamente interdependentes. Esta teoria procura solucionar a antítese monismo-pluralismo, adoptando assim a concepção racional da graduação da positividade jurídica, defendida por Gorgio Del Vecchio. A teoria do paralelismo completa a teoria pluralista, e ambas se contrapõem com vantagem à teoria monísitca. O estado e direito são duas realidades distintas, que se completam na interdependência. Elementos do Estado Alguns autores destacam que os elementos constituintes do Estado são três: população, território e governo. Alguns autores pretenderam a inclusão da soberania como o quarto elemento. Passemos a apresentar alguns dos elementos: Governo É conjunto das funções pelas quais, no estado é assegurado a ordem jurídica. Esse elemento apresenta-se de várias modalidades, quanto à sua origem, natureza e composição, do qual resultam as diversas formas de governo. Pela sua origem, o governo pode ser de direito ou de facto; pela sua natureza das suas relações com os governados, pode ser legal ou despótico; quanto à extensão de poder, classifica-se como constitucional ou absolutista. Governo de direito é aquele que foi constituído em conformidade com a lei fundamental do Estado, senso, por isso, considerado como legítimo perante a consciência jurídica da nação. Introdução à Filosofia 101 Governo de facto é aquele implantado ou mantido por via de fraude ou violência. Governo legal é aquele que, seja qual for sua origem, se desenvolve em restrita conformidade com as normas vigentes de direito positivo. Subordina-se aos preceitos jurídicos, como condição de harmonia e equilíbrio sociais. Governo despótico é aquele que se conduz pelo arbítrio dos detentores eventuais do poder, oscilando ao sabor dos interesses e caprichos pessoais. Governo Constitucional é aquele que se forma e se desenvolve sob a égide de uma constituição, instituindo a divisão do poder em três órgãos distintos e assegurando, a todos os cidadãos a garantia dos direitos fundamentais, expressamente declarados. Governo absolutista é o que concentra todos os poderes num só órgão. O regime absolutista tem suas raízes nas monarquias de direito divino e se explicam pela máxima do cesarismo romano que dava a vontade do príncipe como fonte da lei. Constituição O termo constituição deriva do prefixo cum e do verbo stituire, stituto, compor, organizar, constituir. No seu sentido comum, indica o conjunto dos caracteres morfológicos, físicos ou psicológicos de cada individuo ou a formação material de cada coisa. Na Ciência do Estado, essa palavra tem dupka acepção: no sentido lato, é o conjunto dos elementos estruturais do estado, sua composição geográfica, política, social, económica, jurídica e administrativa; e no sentido restrito, constituição é a lei fundamental do Estado, ou seja, o corpo de leis que rege o estado, limitando o poder de governo e determinando a sua realização (Sahid Maluf). A palavra constituição implica um documento, sobre uma folha de papel, estabelecendo todas as instituições e princípios de governo de um país. O sistema constitucional remonta desde os tempos mais antigos da história da humanidade, destacando-se as leis de Creta, elaboradas por Minos, e as leis de Licurgo e Sólon. O regime jurídico de Atenas, repousava na existência de uma ordem constitucional, criada pela vontade popular, mediante leis. A constituição, lei fundamental do estado, provém de um poder soberano (a nação ou povo, nas democracias) que não podendo elaborá-la directamente, face à complexidade do estado moderno, o faz através de representantes eleitos e reunidos em Assembléia Constituínte. A nação tem o direito de organizar-se politicamente, como fonte de poder político. Esse poder que ela exerce em determinados momentos chama-se poder constituinte. 102 Unidade Poder constituinte é uma função da soberania nacional. É o poder de constituir e reconstituir ou reformular a ordem jurídica estatal. É um poder ilimitado, em regra. Soberania Soberania é uma autoridade superior que não pode ser limitada por nenhum poder. Etimologicamente o termo soberania provém de soperanus, supremitas, ou super omnia, que significa “poder absoluto e perpétuo de uma repúblia”. Denominava-se poder de soberania, entre os romanos, suprema potestas. Era o poder supremo do Estado na ordem política e administrativa. Posteriormente passaram a denominar poder de imperium, com amplitude internacional. Historicamente, no Estado grego antigo, na obra de Aristóteles falava-se em autarquia, significando um poder moral e econômico, de auto-suficiência do Estado. Já entre os romanos, o poder de imperium era um poder político transcendente que reflectia na majestade imperial incontrastável. Nas monarquias medievais era o poder de suserania de fundamento carismático e intocável. No absolutismo monárquico, que teve o seu clímax em Luíz XIV, a soberania passou a ser o poder pessoal exclusivo dos monarcas, sob a crença generalizada da origem divina do poder de Estado, e finalmente no Estado moderno, a partir das Revolução Francesa, firmou-se o conceito de poder político e jurídico, emanado da vontade geral da nação. Há várias definições de soberania, segundo vários autores, como por exemplo: Soberania é uma espécie de fenômeno genérico do poder (Miguel Reale). Pra Pinto Ferreira, soberania é a capacidade de impor a vontade própria, em última instância, para a realização do direito justo. E, para Clóvis Bevilácqua, soberania é autoridade superior, que sintetiza, politicamente, e segundo os preceitos de direito, a energia coativa do agregado nacional. A soberania é limitada pelos princípios de direito natural, e pelo direito grupal, isto é, pelos direitos dos grupos particulares que compõem o Estado (grupos biológicos, pedagógicos, econômicos, políticos, espirituais, etc.. O Estado existe para servir o povo e não o povo para servir o Estado. O governo há-de ser um governo de leis, não a expressão de soberania nacional, simplesmente. A soberania é limitada pelos princípios de Direito Natural, porque o Estado é apenas instrumento de coordenação de direito, e porque o Direito Positivo de que o Estado emana só encontra legitimidade quando se conforma com as leis eternas e imutáveis da natureza. Santo Tomás de Aquino, afirma que uma lei humana não é verdadeiramente lei senão enquanto deriva da lei natural; se em certo ponto se afasta da lei natural, não é mais lei e sim uma violação da lei natural. Introdução à Filosofia 103 O Direito grupal limita a soberania, porque sendo o fim do estado a segurança do bem comum, compete-lhe coordenar a actividade e respeitar a natureza de cada um dos grupos menores que, integram a sociedade civil. A família, escola, a corporação econômica ou sindicato profissional, o município ou a comuna e a igreja, são grupos intermediários entre o indivíduo e Estado, alguns anteriores ao Estado, como é a família, todos eles com sua finalidade própria e um direito natural à existência e aos meios necessários para a realização dos seus fins. No plano internacional, a soberania encontra limitaçõespelos imperativos da coexistência de estados soberanos, não podendo invadir a esfera de acção das outras soberanias. Símbolos nacionais a) O emblema da República de Moçambique foi estabelecido após a independência do país de Portugal. Devido às ligações do movimento de independência em 1970 com o comunismo internacional do período da Guerra Fria, o brasão é baseado nos elementos gráficos do antigo brasão de armas da União Soviética. O brasão de armas de Moçambique tem como elementos centrais um livro aberto sobre o qual se cruzam uma arma e uma enxada, estando o conjunto disposto sobre o mapa de Moçambique como se estivesse a ser olhado a partir do Oceano Índico. Por baixo do mapa está representado o mar e por cima o sol nascente, de cor avermelhada sobre um campo dourado delimitado por uma roda dentada. À direita e à esquerda deste conjunto encontram-se, respectivamente, uma planta de milho, com uma maçaroca e uma planta de cana de açúcar e, entre elas, no topo uma estrela vermelha fimbriada de ouro. Por baixo encontra-se uma faixa vermelha com os dizeres “República de Moçambique”. O significado destes símbolos, segundo a constituição da República de Moçambique, é o seguinte: - O livro simboliza a educação; - A arma simboliza a luta de resistência ao colonialismo, a Luta Armada de Libertação Nacional e a defesa da soberania; - A enxada simboliza o campesinato; - O sol nascente simboliza a nova vida em construção; - A roda dentada simboliza a indústria e o operariado; - As plantas simbolizam a riqueza agrícola; e - A estrela representa a solidariedade entre os povos. b) A Bandeira de Moçambique é composta por três faixas horizontais com as cores verde, preta e amarela, de cima para baixo, separadas por estreitas faixas brancas; sobreposto às 104 Unidade faixas, junto à tralha, encontra-se um triângulo isósceles de cor vermelha, dentro do qual há uma estrela de cinco pontas dourada, sobre a qual se cruzam uma arma e uma enxada. O significado das cores, segundo a constituição da República de Moçambique, é o seguinte: - Vermelha: a luta de resistência ao colonialismo, a Luta Armada de Libertação Nacional e a defesa da soberania; - Preta: o Continente Africano; - Verde: a riqueza do solo; - Amarela-dourada: a riqueza do subsolo; e - Branca: a paz. A estrela representa a solidariedade entre os povos, a arma AK- 47 simboliza de novo a luta armada e a defesa do país, o livro faz lembrar a educação por um país melhor e a enxada, a agricultura. É a única bandeira no mundo a incluir a ilustração de um fusil moderno. c) Pátria Amada é o hino nacional de Moçambique. Introdução à Filosofia 105 Exercícios Auto-avaliação 1- O que é politica? Resposta: Politica e a arte de gerir o destino de uma cidade ou polis. 2- Qual é a relação entre Filosofia e Politica? Resposta: A relação entre a Filosofia e a política está no facto de que, a filosofia procura deter-se e abarcar nas condições de emergência da coisa pública no homem como animal político e na tipologia dos regimes. A filosofia examina o nascimento das instituições políticas e a sua maturidade; a Filosofia vem iluminar os conceitos inerentes à Política, tais como: justiça, bem comum, estado, tolerância, bem como a própria definição de política; questiona o grau de liberdade consentâneo com a coesão social e o equilíbrio na divisão do poder. É a filosofia que deve denunciar a absolutização da política e a redução à sua natureza precária; deve criticar a política e todas as formas de dominação do homem pelo homem. 3- O que é Estado segundo Sahid Maluf? Resposta: Para Sahid Maluf, Estado é a organização destinada a manter, pela aplicação do Direito, as condições universais da ordem social. 4- Quais são os elementos do Estado? Resposta: Os elementos do Estado são população, território, governo e soberania. 106 Unidade Unidade N0 19-A0010 Tema: Os Direitos Humanos. Introdução A questão dos Direitos Humanos surgiu como resposta à necessidade de protecção do indivíduo face à acção do Estado e do seu poder discricionário, isto é, foi um meio de garantir a sua segurança face aos frequentes abusos de poder por parte do Estado. A preocupação e o combate pelos Direitos Humanos reflectem uma visão mais positiva das funções do Estado concebido, agora, como uma instância de poder que deve assegurar as condições e os recursos necessários para que cada um se realize simultaneamente como indivíduo e como membro de uma comunidade. É nesse sentido que falamos, quando reivindicamos do Estado o direito à educação ou à assistência médica. Ao completar esta unidade, você será capaz de: Objectivos Conhecer a história e os objectivos dos Direitos Humanos; Conhecer a lista de documentos emanados da ONU sobre a consciência dos Direitos; Classificar os Direitos Humanos. Sumário A Declaração Universal dos direitos do Homem data a 10 de Dezembro de 1948. Só então, o ser humano viu reconhecidos os seus direitos inalienáveis e seu reconhecimento universal pelas nações unidas representadas na ONU. Os Direitos do Homem representam a aspiração humana à liberdade e o seu nascimento está associado à concepção individualista da sociedade e à consequente necessidade de limitar o poder do estado, fazendo-o servir os interesses do indivíduo, por isso, são de certo modo identificados com a ideia de civilização e com os ideais democráticos. Introdução à Filosofia 107 A questão dos direitos Humanos começou a ganhar relevância na reflexão dos filósofos iluministas do século XVIII, Montesquieu (1689-1755), Voltaire (1691-1778) e Rousseau (1712-1778) e, a partir de então, teve um desenvolvimento crescente e começou a ser tida em consideração na elaboração dos programas dos governos e a traduzir-se em declarações de direitos fundamentais comuns a todos os homens. Embora haja declarações célebre como a Magna Carta de 1215, a petição dos Direitos de 1628 ou a Bill of Rights de 1689, em Inglaterra, que tinham um conteúdo e objectivos políticos, pois eram exigências dos cidadãos aos reis e ao estado no sentido de respeitarem os direitoas de seus súbditos, a “Declaração dos Direitos de Virgínia”, a “Declaração da Independência dos Estados Unidos da América”, ambas de 1776, e a “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão” de 18 de Agosto de 1789, (Revolução Francesa), é que constituem as fontes de enunciação dos valores individuais, naturais e inalienáveis, inerentes a qualquer cidadão que, ainda hoje, estão longe de estar garantidos em todos os Estados do mundo. Foram, pois as revoluções americana e francesa que consagraram os princípios de dignidade humana, de igualdade perante a lei, de liberdade de pensamento e de governo democrático, que são hoje, considerados os princípios básicos da ética política e social do nosso tempo. Após a II Guerra Mundial, em que a humanidade suportou sofrimentos e crueldades gratuitas e constatou a violação sistemática dos mais elementares direitos da pessoa humana, a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas promulgou, em Dezembro de 1948, a “Declaração Universal dos Direitos Do Homem”, que constitui, ainda hoje, o conjunto dos princípios básicos que devem ser respeitados nas relações internacionais; é por isso, o documento fundamental de referência no estabelecimento da paz entre os povos e do consenso generalizados das nações. A consciência dos Direitos, conduziu a uma lista de documentos emanados da ONU, que se ocupam e consagram internacionalmente os direitos de minorias ou de grupos mais desfavorecidos. Assim, foram sendo proclamadas, entre outras: - A Convenção Européia dos Direitos do Homem: 1950; - A Convenção sobre os Direitos Políticos da Mulher: 1952; - Convenção para a Prevenção e Repressão do Genocídio: 1958; - A Declaração dos direitos da Criança:1959; - Declaração sobre a concessão da Independência aos Países e Povos Colonizados: 1960; - Declaração sobre a Eliminação de todas as Formas de Descriminação Racial: 1963. 108 Unidade Na generalidade de todos os países, os textos constitucionais estabelecem de forma geral, as protecções mínimas que permitem ao indivíduo viver uma vida digna. Assim, são estabelecidos: - O direito à satisfação das necessidades vitais, tais como a alimentação, habitação, assistência na doença e educação; - O direito de usufruir de liberdades políticas e civis, como a liberdade de pensamento, religião e associação; - O respeito pela integridade da pessoa individual; - A igualdade de todos perante a lei; etc. Classificação dos Direitos Humanos As Declarações dos direitos Humanos estão divididos em duas partes: a. Direitos políticos ou direitos de cidadania: referem-se à definição da qualidade de cidadão nacional e suas prerrogativas, aquisição e perda de nacionalidade, formação do corpo eleitoral, capacidade eleitoral activa e passiva, acesso aos cargos públicos, etc. Estes direitos, variam no espaço e no tempo, segundo a ordem política e jurídica de cada Estado. b. Direitos fundamentais propriamente ditos: referem-se aos atributos naturais da pessoa humana, invariáveis no espaço e no tempo, segundo a ordem natural estabelecida pelo Criador do mundo e, partindo-se do princípio de que todos os homens nascem livres e iguais em direitos. Entendem-se à todos os homens, sem distinção de nacionalidade, raça, sexo, ideologia, crenças, condições econômicas ou quaisquer outras discriminações. São os direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança individual, à propriedade, etc. Além dos direitos fundamentais definidos nas declarações clássicas, novos direitos de personalidade vêm se configurando nos horizontes sociais conturbados pela crescente hipertrofia do poder estatal, assumindo configurações mais nítidas no mundo jurídico actual, os seguintes: a) direito à própria imagem; b) direito à intimidade pessoal; e c) direito à informação. O primeiro tende a desvencilhar o homem de seu condicionamento pelos estereótipos dos chamados mass-media. O direito à intimidade pessoal dirige-se à preservação da vida íntima do indivíduo, ameaçada pelo emprego de despositivos modernos de visão, audição e outros meios de controle à distância. O direito à informação se contrapõe, em nome da soberania nacional da sociedade de consumo e aos exageros dos chamados “motivos de segurança nacional”. Introdução à Filosofia 109 Exercícios Auto-avaliação 1- O que são Direitos humanos? Resposta: Direitos Humanos são o conjunto de prerrogativas que devem ser reconhecidas ao indivíduo e tidas como essenciais para lhe garantir uma vida digna; pode-se definir também como um conjunto de regras que devem ser respeitadas pelos estados e por todos os cidadãos para proteger os indivíduos das arbitrariedades e dos abusos de poder. 2- Como se classificam os Direitos Humanos? Resposta: Os Direitos Humanos classificam-se em direitos políticos ou de cidadania e direitos fundamentais. 110 Unidade Unidade N0 20-A0010 Tema: A Filosofia Política na História Introdução Na unidade anterior afirmamos que o homem é por natureza um animal politico, segundo a concepção de Aristóteles. Desde a antiguidade a politica se fez sentir entre os homens até na actualidade. Durante esse tempo ela foi adquirindo diferentes concepções no tempo e no espaço. Ao completar esta unidade, você será capaz de: Objectivos Conhecer a história politica; Caracterizar a história da Filosofia Politica na época Antiga, Medieval, Moderna e Contemporânea. Sumário Filosofia Política na Antiguidade Platão (428-347 a.C) Platão sentia-se atraído pela actividade política e, por isso desenvolveu uma filosofia política muito profunda e original que chegou até aos nossos dias. Ele sustentava que a política deve-se inspirar na filosofia, por ser ela a via segura de acesso aos valores de justiça e de bem. A origem do estado em Platão é convencional, ou seja, como o homem não é capaz de satisfazer à todas as necessidades para a sua sobrevivência, precisa do outro para se abster. Por isso, ninguém pode ocupar ao mesmo tempo diferentes profissões. Daí a necessidade de cada um associar-se aos outros, cada um com tarefas sociais específicas. Platão distingue três classes sociais: Introdução à Filosofia 111 - A classe dos trabalhadores: predomina nesta classe a virtude da temperança, o domínio e a disciplina dos prazeres e desejos, capacidade de se submeter a classes imediatamente superiores. - A Classe dos guardas: predomina nesta classe o domínio da força da lama, composta por homens que à semelhança dos cães de raça, dotados de mansidão e ferocidade, têm como virtude a força e a coragem. Deve impedir que a classe baixa produza mais riquezas e garantir que esta tenha uma vida mínima e decente. - A classe dos Governantes: os integrantes desta classe devem ter amor pela pátria em relação a todas as restantes classes; devem conhecer e contemplar o bem. Predomina a alma racional e a sua virtude é a sabedoria. As ideias políticas de Platão encontram-se em sua famosa obra intitulada A República. Segundo ele, o governante deve se tornar filósofo ou vice-versa. O bom governo é aquele que tem como finalidade o bem do homem na sua plenitude. Aristóteles (384-322 a.C) Aristóteles é mais “amigo da verdade que do mestre”. Foi discípulo de Platão, mas em muitos pontos contesta as doutrinas de seu mestre. Sobre a origem do Estado, é contrário a ideia de Platão segundo a qual a origem do Estado é convencional. Em Aristóteles, o Estado é natural e o homem é, por natureza um animal político, pois é caracterizado pela sua integração numa pólis (cidade), que resulta de uma civilização da espécie humana, tais como: família, tribo, aldeia e cidade. A cidade é a constituição e esta, cria o Estado, de maneiras que, a mudança da constituição implica a mudança do tipo de Estado. A constituição é a estruturas que dá ordem à cidade, estabelece o funcionamento de todos os cargos, sobretudo os de soberania. Há três espécies de constituição: - Monarquia: governo de um só homem; - Aristocracia: governo de uma classe restrita; - Democracia: governo de muitos homens. A democracia, para Aristóteles é uma demagogia, pois o principal erro está no facto de considerar que, como todos são iguais na liberdade, todos podem e devem ser iguais em tudo o resto. As melhores formas de governo são a monarquia e a aristocracia. Mas como os homens são o que São, considera a democracia, a melhor forma de governo pois é regida pelo segmento médio. O estado tem como objectivo o bem da alma, por isso tem como finalidade a moral. E o seu ideal supremo é a autodeterminação, ou seja, viver em paz e fazer coisas belas. Assim poderosos concluir que a finalidade do Estado é produzir homens com finalidade aristocrática e com amor aos estudos e às artes. De 112 Unidade qualquer modo, a sociedade e o estado existem para garantir a felicidade e a virtude dos cidadãos. Aristóteles defende que a felicidade da cidade é consequência de boas acções – acções positivas e, nenhuma boa acção, pode realizar-se sem virtude e bom senso: o valor, a justiça e o bom senso de uma cidade têm a mesma potência e forma que sua presença em cada cidadão privado. A forma suprema de estar na cidade é a participação na gestão do bem comum e na gestão da justiça. Filosofia política na idade média Santo Agostinho (354-430) Nasceu em Tagaste, na Numídia. Converteu-se ao cristianismo após uma juventude conturbada que culminou com a sua conversão em Milão. Foi professor de retórica e nunca exerceu a vida política. Foi bispo de Hipona e dedicou a sua vida em defesa da religião, contra os hereges.A sua doutrina política encontra-se em sua famosa obra intitulada Cidade de Deus (413-427), que absorve o direito do Estado pelo da Igreja. Santo Agostinho fez uma apresentação do modelo em duas cidades: a Cidade de Deus e a Cidade dos Homens. Para os pensadores medievais, a esfera política se integrava num horizonte muito vasto e profundo do que no pensamento grego. Aqui transcende-se o hábito natural, isto é, a compreensão da política como uma necessidade tendente aos bens materiais e aos valores do homem para o bem do corpo e da alma. A política edificada sobre os fundamentos da razão e a política baseada no corpo místico de Cristo, fez com que todos os homens se congregassem numa comunidade de comunhão, de intenções, de amor total aplicado para fazer dos homens um só corpo e fazer com os mesmos homens sejam uma só família criados à imagem e semelhança de Deus. A Cidade de Deus É a cidade fundada no amor de Deus, prefigurando a Cidade Celeste. Nesta cidade, apela-se à uma vocação sobrenatural e traduz-se na introdução de valores cristãos na sociedade, que implicam um bom uso da liberdade. Os cidadão vivem em conformidade com os mandamentos da lei de Deus, e por essa via se alcança o amor perfeito, a paz profunda, a justiça plena, a liberdade e a realização pessoal. O cidadão da cidade divina é um peregrino que marcha para a salvação eterna; é um conhecedor da história, desde o seu princípio, que é a criação, e o fim, que é a ressurreição. A Cidade Terrena É uma cidade pagã que se fundamenta no amor à si próprio e no desprezo de Deus. Não se propõe um ideal de civilização que tem como fim assegurar a felicidade do homem; é o reino de satanás, Introdução à Filosofia 113 caracterizado por pessoas que vivem num estado de conflitos, injustiças e guerras. Resume-se no amor à si mesmo, levado ao desprezo de Deus; procura a glória dos Homens; o cidadão da cidade terrena julga-se dominador e está condenado à eterna danação. Nesta cidade, o que importa é a realização dos valores terrenos, tais como: a boa saúde, a força física, a liberdade, ter uma família, ter vizinhos e amigos, pertencer à um Estado, buscar honras, recompensas, os bens económicos e tem um discurso filosófico racional. Estas duas cidades estão em constantes conflitos com o objectivo de controlar o mundo. Santo Agostinho defende a necessidade da existência da autoridade política do Estado, de forma que se possa manter a paz, a justiça e a segurança social. Para Santo Agostinho, o poder vem de Deus e, portanto, o homem não tem autoridade sobre o homem por direito de natureza. A autoridade dos chefes funda-se na delegação do poder divino. Assim, Deus não o delega nem ao regime, nem a pessoa do chefe, mas confia nas pessoas secundárias quanto à questão de pormenores. A história dos Impérios e dos regimes particulares obedece a plano da providência divina. Em Santo Agostinho não há a coincidência entre o Império e a Igreja. Ele retoma a diferença que existe entre a lei natural e a lei positiva. A lei natural está no coração de cada homem, é a lei divina; e a lei cristã é a promulgação exterior da lei interna da alma. O direito positivo deveria ser o desenvolvimento da lei natural. A filosofia política tem a ver com a melhor forma de organização social, ou seja, a análise das comunidades, das suas estruturas, do Estado, do sistema do direito e das bases e princípios da sua existência como comunidade. A Filosofia política analisa as comunidades e as instituições, ocupa-se da fundamentação das orientações do Estado e da Sociedade, buscando novos modelos da ordem social. Santo Tomás de Aquino A filosofia de Santo Tomás de Aquino (1225-1274) tem como fonte de inspiração o aristotelismo. Por isso, Tomas de Aquino defende que o Homem é por natureza um ser social político e pode viver e resolver todos os problemas em coordenação com os outros membros da sociedade. Ele deu um sentido pleno de justiça, ética política e económica, tentado por Aristóteles, onde a temperança é recomendada aos trabalhadores; a força compete aos defensores da cidade e a prudência é apanágio dos chefes filósofos. A origem do Estado está na própria natureza do Homem, definindo o homem como animal político social porque está ordenado a viver em sociedade, e é através desta vivência social que o homem necessita de um princípio de governo. A necessidade do Estado não procede do pecado original que 114 Unidade existiria mesmo que o legado original não existisse. Os Homens vivem mutuamente relacionados. Uma sociedade de indivíduos com relações mútuas sem uma autoridade que zele pelo bem comum, não pode subsistir por muito tempo. Daí que, toda a direcção da natureza procede de uma unidade e que a monarquia seria o regime ideal conforme o estado de natureza. Mas para evitar que a monarquia caía na tirania, Tomás de Aquino aconselha para uma Constituição monárquico-moderado. Para Tomás de Aquino, governar é o mesmo que conduzir uma coisa ao fim devido, de maneira conveniênte; e o fim do Estado consiste em conduzir os Cidadãos para uma vida feliz e virtuosa, assegurando a paz, a justiça, a felicidade, que é a função de quem governa e, os princípios são os primeiros a estar sujeitos à prática e a salvaguardar os direitos da paz e segurança. Filosofia Política na Idade Moderna A Idade Moderna começa com o fim da Idade Média. Esta mudança reflecte-se em todos os sectores dos saberes humanos, como: a política, a religião, a filosofia, ciência, a arte, a moral e a toda a cultura em geral. Na Idade Média a vida do espírito é orientada para o mundo sobrenatural. A existência humana é a preparação para outra vida, na qual se realiza o destino de cada um, e ela se realiza pela virtude sobrenatural da graça de Deus. A Igreja é a depositária da verdade revelada e a indispensável intermediária entre a terra e o céu. Ela tem o poder de atar e desatar; a ela compete formar as almas e ordenar toda a esfera da actividade humana, individual e social. O mundo moderno tem o seu início no século XV e não há um facto histórico concreto que assinala a modernidade. Mas os historiadores apresentam várias hipóteses, entre eles a queda do Império Romano do Oriente em 1453; outros indicam a chegada de Cristôvão Colombo às Américas em 1492; outros apontam para o movimento da Reforma Protestante como acontecimento que, pelo seu impacto e significado, marca a passagem da Idade Média para a Idade Moderna, quando Martinho Lutero fixou as 95 teses na porta da paróquia de Wittenberg na Alemanha, exigindo umas reforma na Igreja Católica, em 1517. A modernidade caracteriza-se pelo oposto: não mais teocentrismo, nem autoritarismo eclesiástico, mas autonomia do mundo da cultura em relação a todo o fim transcendente; livre explicação da actividade que a constitui; supremacia da razão na procura da verdade; consciência do valor absoluto da pessoa humana e afirmação do seu poder soberano no mundo. A vida e a natureza são valorizadas por si mesmas. O homem sente que a sua missão e o seu destino é a posse sempre mais plena deste mundo. Introdução à Filosofia 115 Nicolau Maquiavel (1469-1527) “Os fins justificam os meios.” Maquiavel Nasceu Florença (Itália) e pertencia à uma família da burguesia. Desempenhou diversos cargos políticos e diplomáticos. Dentre as suas obras, destacam-se: O Príncipe (1513) e Discursos sobre a Primeira Década de Tito Lívio (1519). Na sua primeira obra, apresenta as experiências das coisas modernas e das lições aprendidas no passado. Ele parte duma visão pessimista da natureza humana e propõe um Estado fundado na força. Os governantes devem partir do pressuposto de que todos os homens réus, e deste a empregarem todos os meios para alcançar o fim de conservar a própria vida e do Estado. O governante deve impor-se mais pela força do que pelo amor. Mas o Principe, deve aparentar queestá agir com a melhor das intenções, o que significa que o principe deve ser “uma espécie de lobo vestido de carneiro”. Maquiavel é considerado o fundador da Ciência Política moderna, na medida e que substitui a especulação, a observação directa e indirecta feita através de leituras. Fez uma classificação original e inovadora dos regimes políticos: a República e a Monarquia. A República: caracteriza-se por uma vontade colectiva que seria uma república aristocrática ou uma república popular democrática, consoante a vontade de todos ou muitos. A melhor forma de governo depende das circunstâncias e, ele prefere uma república porque ele defende a liberdade; há uma manutenção da paz no território, expansão, descobertas e conquistas de novos territórios em que um exército numeroso implica a existência de base popular de apoio alargado. A monarquia: seria governada pela vontade de um só indivíduo; o monarca deve ter uma actuação apreciada em função do êxito político alcançado e não de acordo com os critérios éticos. É um defensor realista em que a razão do Estado deve obedecer regras próprias de acções diferentes das que foram aplicada para serem seguidas por vários indivíduos; sustenta que qualquer actividade levada à cabo para manter o poder deve ser justificada e, não obstante, neste caso, a apreciação que possa ser feita pela moral: “os fins justificam os meios”. Em política, deve se fazer o bem quando possível, mas também o mal, quando necessário. Thomas Hobbes (1588-1679) É um filósofo inglês, defensor do empirismo e da política. Ele se diferencia de outros pensadores ingleses pela sua concepção metafísica de cunho, claramente materialista e por sua visão ética essencialmente hedonística. Dentre as suas obras, apresentamos as seguintes: De corpore, que trata da física e da metafísica; De homine, que trata sobre a gnosiologia e a psicologia; Leviathan, que compreende a polítca e a ética. Essas obras, que forma um 116 Unidade todo, são conhecidas também pelo título geral de Elementos de filosofia. O seu pensamento político teve forte influência do ambiente em que ele viveu. Participou da vida polítca de seu país, e, mesmo quando se encontrava no exílio, continuou a seguir os acontecimentos que elevaram à queda da monarquia (decapitação de Carlos I, em 1649) e a instauração de Cromwell. E foi justamente no início desta ditadura que Hobbes escreveu a sua obra Leviathan (1651), que é uma vigorosa apologia do absolutismo do Estado. Hobbes distingue dois estados da humanidade: estado natural e o politico-social. No estado natural: o homem goza de liberdade total, tendo todos os direitos e nenhum dever. Mas, sendo a sua natureza egoísta, cada um busca satisfazer os seus instintos, sem nenhuma consideração pelos outros; segue-se daí uma luta de todos contra todos, na qual cada homem se comporta em relação aos outros como um lobo (o homem é o lobo do homem). Nesta situação é impossivel a existência da felicidade, porque todos vivem pelo temor de serem atacados uns pelos outros. Para que se possa viver com tranquilidade é necessário transigir quanto à liberdade e pôr-lhe limites ditados pela razão. Obedientes a este conselho, os homens fazem um pacto, um contracto social, com base no qual renunciam os seus direitos, colocando-os nas mãos de um só homem, o soberano. Assim, nasce o Estado. O soberano não tem nenhum dever para com os súbditos, uma vez que estes renunciaram para sempre à sua liberdade de homens isolados para usufruírem os benefícios da sociedade no Estado. Por isso, o soberano não é obrigado a prestar contas de seus actos a ninguém. E os súbditos não podem exigir de volta seus direitos porque a renúncia, uma feita, vale para sempre. Disso se segue que a revolução nunca é lícita. Estado político – social: caracteriza-se pela existência de um contrato social que está na origem de um poder político forte, com objectivo de estabelecer um ambiente de paz. Este contrato resulta da renúncia definitiva que cada homem faz a favor do Estado, de parte de seus direitos. Dentro deste estado, é preciso que os indivíduos sejam iguais no momento de contrato. Sem isso haverá sempre imposição de forças. A moral não é natural; o homem natural não tem dever, não tem senso de justiça, como também não tem solicitude; a moral nasce com a lei civil e, a lei civil deve se conformar com a lei da natureza. A monarquia é a melhor forma de governo, o governo de um só homem dotado de plenos poderes e que não deriva da graça de Deus, mas sim, de um contrato social feito pelo povo. Introdução à Filosofia 117 Assim, Hobbes é um grande defensor do absolutismo, e que sem dificuldade, entende o Estado, como o organismo que está acima dos cidadãos. John Locke (1632-1704) É o segundo grande expoente da filosofia inglesa no século XVII. À semelhança de Hobbes, Locke se interessa pelos problemas gnoseológicos e políticos. Locke nasceu em Wrington, na Inglaterra, aos 19 de Agosto de 1632 e faleceu aos 28 de outubro de 1704. Estudou na Universidade de Oxford, tendo-se em ciências experimentais, especialmente a medicina, na qual se destacou. As suas obras são as seguintes: Dois tratados sobre o Governo, Ensaio sobre o intelecto humano, Cartas sobre a tolerância religiosa. Participou por algum tempo na vida política e, depois se retirou para Oates, onde veio a falecer. Em relação à politica, Locke expõe a sua doutrina nos Dois tratados sobre o governo. Como Hobbes, ele distingue dois estados: o estado de natureza e estado social. O Estado de natureza não é um estado no qual cada um tenha direitos ilimitados sobre tudo. O Estado de natureza, diz Locke, tem uma lei da natureza que obriga a todos; e a razão, que é esta lei, ensina a humanidade quando esta a consulta, que, sendo todos iguais e independentes, ninguém deve causar danos a outrem em sua vida, em sua saúde, liberdade e em sua propriedade. O direito do homem é limitado à própria pessoa e, por isso, é direito à vida, à liberdade e à propriedade, esta última enquanto produto de seu trabalho. Este direito implica inegavelmenteo direito de punir o ofensor; não implica o uso de uma força absoluta e arbitrária, mas só aquela reacção que a razão e a consci6encia indicam como proporcional à transgressão. O primeiro impulso para a criação de uma sociedade civil é dado pela incerteza e pela instabilidade das formas pelas quais o direito punitivo é exercido no estado de natureza. Uma sociedade civil e um Estado nascem quando os Homens decidem de comum acordo confiar à sua comunidade o poder de estabelecer leis que regulem a punição das ofensas e o uso da força contra as transgressões destas leis. O contrato social cria a autoridade, isto é, confia a alguns o encargo de velar pelos direitos de todos. O contrato é uma delegação de sua defesa à autoridade. O cidadão conserva sempre os seus direitos naturais (à vida, à liberdade, à propriedade privada, à família, etc.). O contrato social implica somente a renúncia à defesa privada dos direitos e ao uso de alguns deles quando o bem comum o exige ( a renúncia, por exemplo, ao direito à vida quando a pátria está em perigo). A autoridade é legítima quando usa os seus poderes para o bem dos cidadãos; é tirânica quando os usa em benefício próprio, 118 Unidade contra a autoridade dos cidadãos. No segundo caso, os cidadãos têm o direito de se rebelarem contra o poder tirânico. Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) Natural de Genebra, na Suíça, deixou sua terra natal aos 16 anos de idade. Levou uma vida conturbada, andando por diversos lugares, ora por espirito de aventura, ora devido a perseguições religiosas. Dentre suas obras, destacam-se: Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens, Do contrato Social, ambos sobre política, e Emílio ou da Educação (1762). Tal como Locke, Rousseau criticou o absolutismo e elaborou os fundamentosda doutrina liberal. No entanto, o seu pensamento pedagógico não se separa de sua concepção política, que é mais democrática do que a teoria de Locke. Para Rousseau, o indivíduo em estado de natureza é bom, mas se corrompe na sociedade, que destrói sua liberdade. Ele defende que “o homem nasce livre e por toda parte encontra-se a ferros”. Considera então a possibilidade de um contrato social verdadeiro e legítimo, que reúne o povo numa só vontade, resultante do consentimento de todas as pessoas. A concepção política de Rousseau foi menos elitista que a de Locke, por conta da diferente noção de soberania. Segundo Rousseau, o cidadão não escolhe representantes a quem delegar o poder, como defendiam Locke e a tradição liberal, porque para ele só o povo é soberania. Ou seja, o pacto que institui o governo não submete o povo a ele, isto é, os depositários de poder não são senhores do povo, mas seus oficiais, e apenas executam as leis que emanam do povo. Nesse sentido, Rousseau critica o regime representativo e defende a democracia directa, pois toda a lei não ratificada pelo povo é nula. Portanto, o soberano é o povo incorporado, o corpo colectivo que exprime, na lei, a vontade geral. Segundo a teoria de Rousseau, a vontade geral não se confunde coma vontade da maioria, como o senso comum deveria pensar, porque as decisões não resultam da somatória das vontades individuais, mas expressam o interesse comum, isto é, o interesse de todos, como participantes da comunidade. O cidadão, activo e soberano, capaz de autonomia e liberdade, é ao mesmo tempo súbdito, porque se submete à lei que ele próprio ajudou a erigir. Liberdade e obediência são pólos que devem se completar na vida da pessoa em sociedade. Pólos que devem se completar na vida da pessoa em sociedade. Montesquieu (1689-1755) Nasceu perto de Bordéus, na França. Era filho de família nobre, e o seu nome era Charles – Louis de Secondant, barão da La Bréde e posteriormente barão de Montesquieu. Teve formação iluminista com os padres oratorianos, de modo que cedo se mostrou um crítico severo e irónico da monarquia absolutista Introdução à Filosofia 119 decadente, bem como do clero. Dentre as suas obras destacaram- se: Cartas persas e o Espírito das leis. Sua obra mais importante é o Espirito das Leis, onde discute a respeito das instituições e das leis, e busca compreender a diversidade das legislações existentes em diferentes épocas e lugares. ao procurar descobrir as relações que as leis têm com a natureza e o princípio de cada governo, Montesquieu desenvolve uma teoria do governo que alimenta as ideias fecundas do constitucionalismo, pelo qual se busca se distribuir a autoridade por meios legais, de modo a evitar o arbítrio e a violência. Tais ideias se encaminham para a melhor definição da separação dos poderes: legislativo, executivo e judiciário. Cada um desses poderes deve-se manter autônomo e constituído por pessoas diferentes. Reflectindo sobre o abuso do poder real, Montesquieu conclui que “só o poder freia o poder”. Por isso propõe a separação de poderes. Ele não defende uma separação tão rígida, pois o que ele pretendia de facto era realçar a relação de forças e a necessidade de equilíbrio e harmonia entre os três poderes. Critica toda a forma de despotismo, mas prefere a monarquia moderada e não aprecia a idéia de o povo assumir o poder. Em ralação a liberdade, Montesquieu diz-nos que “é verdade que nas democracias o povo parece fazer o que; mas a liberdade política não consiste nisso. Num Estado em que a leis, a liberdade não pode consistir senão em poder fazer o que se deve querer e em não ser constrangido a fazer o que não se deve desejar”. A Filosofia Política Contemporânea John Rawls (1921-2002) Nasceu em Baltimore a 21 de Fevereiro de 1921, e veio a falecer em 24 de Novembro de 2002. Foi professor de Filosofia Política na Universidade de Harvard, autor de Uma Teoria da Justiça (1971), Liberalismo Político (1993), e O Direito dos Povos (1999). A Justiça para Rawls é equidade no momento inicial do pacto, partindo-se da suposição que todos são iguais, e que por isso podem determinar a forma de actuar a defesa dos seus direitos, fixar os direitos, categorizar os bens que interessam ao grupo social. Num segundo momento a Justiça é vista como um bem, partindo da idéia primária de que ninguém teria conceitos de bem, conceito agora fixado contractualmente como também os seus princípios aptos a produzir vantagens para todos – o que somente seria justo, ou para alguns quando se destinar a melhorar os menos privilegiados – como redistribuição. Justiça e igualdade, à moda liberal, andam juntos no conceito proposto pela teoria de Rawls, representando efetivamente, sem assumir, uma postura de defesa do neoliberalismo. John Rawls apresenta dois princípois da justiça: 120 Unidade Primeiro princípio: exige a igualdade das atribuições dos direitos e dos deveres básicos. Cada pessoa, tem o direito igual ao cunjunto mais extenso de liberdades fundamentais, iguais para todos. O segundo princípio: põe que as desigualdades sócioeconômicas são justas se produzem, em compensação, vantagens para cada um, se beneficiam os indivíduos menos favorecidos. Não há nenhuma injustiça em um pequeno número obter vantagens superiores à média, sob a condição de que seja melhorada a situação dos desfavorecidos. Assim, o modelo de John Rawls da justiça se enraiza na ideia de um procedimento de escolha equitativa, estranha à predominância de tal ou tal interesse particular, procedimento onde se enraiza a escolha de princípios justos. Propriedade, considerada como um bem primário, é um direito de liberdade e de igualdade. A liberdade é um princípio inegociável, que identifica, no principio de diferença, um mecanismo para concretizar e satisfazer Direito de propriedade. Neste contexto, busca-se uma alternativa política para conflitos de direitos de políticas, de valores e de deveres constitucionais, principalmente decorrentes das demandas da liberdade e igualdades relacionadas ao direito de propriedade. Para uma justiça com equidade, é necessário que haja um pacto com uso ao recurso do véu da ignorância, em que as partes desconheçam habilidades, capacidades e benefícios. A ideia deste pacto, é desvincular os cidadãos de interesses pessoais, ideologias, habilidades, etc. É necessário um pacto que leve em conta o recurso do véu da ignorância na posição original para atingir o máximo a igualdade. O véu da ignorância se dá por um critério de racionalidade. Com isso, escolhem-se os princípios da justiça (o primeiro princípio da liberdade e o segundo da diferença, sendo que o segundo subdivide-se em dois: igualdade equitativa de oportunidades e os menos favorecidos sendo beneficiados ao máximo na ocorrência de desigualdades socioeconómicas). A propriedade é analisada como direito de liberdade ou direito de igualdade, sendo que, pelo direito de liberdade, é tida como essncial à persoalidade, ao auto-respeito e à auto-estima do cidadão. No segundo princípio, objectiva-se a concretização de direitos essenciais à promoção da cidadania. Demonstra-se que a Constituição preceitua o direito de propriedade, a função social, a liberdade e a igualdade, entre outros valores políticos e sociais. Karl Popper (1902-1994) Nasceu em Viena de Austria. Fez os seus estudos em Matemáticas, Fïsica, Filosofia, Psicologia e História da música. Foi professor do ensino secundário. Conviveu com o Círculo de Viena, embora não tenha sido convidado para nela colaborar. Introdução à Filosofia 121 Dentre as suas obras destacamos as seguintes: Lógica da Descoberta Científica (1934); A Sociedade Aberta e os seus inimigos (1943); Pobreza do Historicismo (1944); Conjenturas e Refutações. O crescimento do conhecimento científico (1963); Conhecimento Científico. Um enfoque Evolucionário (1973); SociedadeAberta. Universo Aberto (1982); Para um Mundo Melhor (1989), etc. Foi vítima do nazismo que se fez sentir sobre a Alemanha e a Áustria. Popper, procurou reflectir sobre a génese e a fundamentação ideológica dos regimes totalitários. Platão, Hegel e Marx foram por ele apresentados como os principais teóricos destes regimes, assim de uma visão da história que os justificava, o Historicismo. As suas idéias podem ser resumidas nos seguintes tópicos: - A história da humanidade não tem um sentido concreto que antecipadamente possa ser conhecido, o único sentido que possui é aquele que os homens lhe dão; o progresso da humanidade é possível, e não carece de um critério último de verdade; a razão humana é essencialmente falível, o dogmatismo não tem pois qualquer fundamento. A única atitude justificável para atingir a verdade é através do diálogo, o confronto de idéias por meios não violentos. Na ciência significa aceitar o risco de formular hipóteses que venham depois a ser refutadas pela experiência. Na política significa que cada um deve aceitar o risco de ver as suas propostas serem recusadas por outros no confronto de idéias ou projectos. Formas de Sistemas Políticos: Monocráticas e Pluricráticas A monocracia opõe-se a divisão de poderes. São monócráticos os governos que só têm poder em si próprios e tendem a confundir o poder com a propriedade. Na monocracia haveria um centro único de força política, independentemente do processo de designação ou de recrutamento da autoridade governamental, situação que formas pré-estaduais, onde existe confusão entre a Propriedade e o exercício de Poder e que se distinguiria com a autocracia, o regime em que os governos só têm o poder de si próprios. Já na divisão de poderes, eis que em lugar de confundir com uma vontade única, o Poder do Estado só se imporá por efeito de um acordo entre as vontades de vários órgãos, de tal maneira que a eficácia de cada uma delas se sobordinará ao consentimento de todas as outras. Este sistema político denomina-se pluricrático. 122 Unidade Exercícios Auto-avaliação 1- Qual é a origem do Estado em Platão e Aristóteles? Resposta: Para Platão, o Estado é convencional, ou seja, como o Homem não pode sobreviver por si mesmo, precisa associar aos outros para satisfazer as diferentes necessidades, enquanto que para Aristóteles, o Estado é natural e, o Homem é por natureza um animal político, pois é caracterizado pela sua integração numa cidade, que resulta de uma civilização de espécie humana: família, tribo, aldeia e cidade. 2- Qual é a fonte do poder na perspectiva Agostiniana? Resposta: Na perspectiva agostiniana, o poder vem de Deus e, portanto, o homem não tem autoridade sobre o homem por direito de natureza. A autoridade do chefe funda-se na delegação do poder divino. 3- Por que Maquiavel é considerado o fundador da Ciência Política? Resposta: Por que foi ele que substituiu a especulação, a observação directa e indirecta feita através de leituras. Introdução à Filosofia 123 Unidade N0 21-A0010 Tema: Ciência. Introdução O homem é um ser condenado a viver a sua existência no mundo. Pode ser existencial, tem que interpretar a si e ao mundo em que vive, atribuindo-lhe significados. Cria intelectualmente representações significativas da realidade. A essas representações chamamos conhecimento. O conhecimento, dependendo da forma pela qual se chega a essa representação significativa, pode ser, em linhas gerais, classificado em diversos tipos: mítico, ordinário, artístico, filosófico, religioso e cientifico. As duas formas que estão mais presentes e que mais interferem nas decisões da vida diária do homem são o conhecimento do senso comum e o cientifico. Ao completar esta unidade, você será capaz de: Objectivos Identificar as formas de conhecimentos; Caracterizar os tipos de conhecimentos. Sumário Conhecimento do senso comum A forma mais usual que o homem utiliza para interpretar a si mesmo, o seu mundo e o universo como um todo, produzindo interpretações significativas, isto é, conhecimento, é a do senso comum, também chamado de conhecimento ordinário, comum ou empírico (KOCHE, 1997: 32) Chamamos de conhecimento espontâneo ou senso comum o saber resultante das experiências levadas a efeito pelo homem ao enfrentar os problemas da existência. Nesse processo ele não se encontra solitário, pois tem o concurso dos contemporâneos com quem troca informações. Além disso, cada geração recebe das 124 Unidade anteriores a herança fecunda que não só é assimilada como também transformada. O conhecimento do senso comum é ametódico e assistemático, e nasce diante da tentativa do homem de resolver os problemas da vida diária. O homem do campo sabe plantar e colher segundo normas que aprendeu com seus pais, usando técnicas herdadas de seu grupo social e que se transformam lentamente em função dos acontecimentos casuais com os quais se depara. Ė um tipo de conhecimento empírico, porque se baseia na experiência cotidiana e comum das pessoas, distinguindo-se por isso da experiência cientifica, que exige um planeamento rigoroso. É também um conhecimento ingénuo: ingenuidade aqui deve-se entender como atitude não-critica, típica do saber que não se coloca como problema e não se questiona enquanto saber. Muitas vezes o conhecimento do senso comum é preso das aparências em comparação com a ciência, o senso comum é fragmentário, pois não estabelece conexões onde estas poderiam ser verificadas. É um conhecimento particular, restrito a pequena amostra da realidade, a partir da qual são feitas generalizações muitas vezes apressadas e imprecisas. O homem comum selecciona os dados observados sem nenhum critério de rigor, de forma ametódica e fortuita. Em outras palavras, conclui para todos os objectos o que vale para um ou para um grupo de objectos. É frequentemente um conhecimento subjectivo, o que ocorre, por exemplo, quando avaliamos a temperatura do ambiente com a nossa pele, já que só o termómetro dá objectividade a essa avaliação. Ainda mais o senso comum depende de juízos pessoais a respeito das coisas, com envolvimento das emoções e dos valores de quem observa. O conhecimento cientifico O conhecimento cientifico é uma conquista recente da humanidade: surgiu no século XVII com a revolução galileana. Isso não significa que antes dessa data não houvesse o saber rigoroso, pois desde o século VI a.C., na Grécia Antiga, os homens aspiravam um conhecimento que se distinguisse do mito e do saber comum. Tais sábios ocupavam-se com a filosofia e a ciência. No século V a. C., Sócrates buscava a definição dos conceitos, por meio da qual pretendia atingir a essência das coisas. Platão mostrava o caminho que a educação do sábio devia percorrer para ir da opinião a ciência. No pensamento grego, a ciência e a filosofia encontravam-se vinculadas e só vieram a se separar na Idade Moderna, buscando cada uma delas seu próprio caminho, ou seja, seu método. “A ciência moderna nasce ao determinar um objecto especifico de investigação e ao criar um método pelo qual se fará o controle desse conhecimento. A utilização dos métodos rigorosos permite Introdução à Filosofia 125 que a ciência atinja um tipo de conhecimento sistemático, preciso e objectivo, segundo o qual são descobertas relações universais e necessárias entre os fenómenos, o que permite prever acontecimentos e também agir sobre a natureza de forma mais segura” (ARANHA, 1993: 128-129). Assim , cada ciência se torna então uma ciência particular, no sentido de ter um campo delimitado de pesquisa e um método próprio. As ciências são particulares na medida na medida em que cada um privilegia sectores distintos da realidade: a física trata do movimento dos corpos; a química, da sua transformação; a biologia, do ser vivo, etc. Por outro lado, as ciências são tambémgerais, no sentido de que as conclusões não valem apenas para os casos observados, e sim para todos os que a ele se assemelham. O conhecimento cientifico é caracterizado pela objectividade: as conclusões podem ser observadas por qualquer membro competente da comunidade cientifica, pois a racionalidade desse conhecimento procura despojar-se do emotivo, tornando-se impessoal na medida do possível. Para ser objectivo e preciso, o conhecimento cientifico dispõe de uma linguagem rigorosa cujos conceitos são definidos de modo a evitar a ambiguidade. A linguagem se torna cada vez mais precisa, na medida em que utiliza a matemática para transformar qualidades em quantidades. Exercícios Auto-avaliação 1- Quais são as formas de conhecimento mais usados pelo homem? Resposta: As duas formas de conhecimento mais usados pelo homem são o conhecimento do senso comum e o conhecimento científico. 2- Apresente as caracteristicas dos conhecimentos do senso comum e científico. Resposta: O conhecimento do senso comum é ametódico, assistemático, empirico porque se baseia na experiência cotidiana e comum das pessoas, ingênuo, particular e subjectivo; ao passo que o conhecimento científico é objectivo, universal, preciso e dispõe de uma linguagem rigorosa. 126 Unidade Unidade N0 22-A0010 Tema: A Estética. Introdução “A Estética desígna simultaneamente: a capacidade humana de captação do que nos rodeia através dos órgãos dos sentidos; o sentimento de agrado ou de desagrado que acompanha as nossas percepções” (ALVES, 1997: 131). A atitude estética consiste em perceber o objecto como objecto estético, ou seja, como objecto de que se gosta ou não se gosta. Ao completar esta unidade, você será capaz de: Objectivos Definir o conceito de Estética. Destacar as modalidades da experiência estética. Sumário A palavra estética vem do grego aisthesis, com o significado de “faculdade de sentir”, “compreensão pelos sentidos”, “percepção totalizante”. A ligação da estética com a arte é ainda mais estreita se se considera que o objecto artístico é aquele que se oferece ao sentimento e a percepção. Por isso, enquanto disciplina filosófica, a estética está voltada para as teorias da criação e percepção artísticas. Modalidades da experiência estética Segundo J. Neves Vicente, a experiência estética pode desdobrar- se em três dimensões distintas, que são: Experiência estética da natureza: experiência estética do ser humano quando, na admiração da natureza, e sujeito de determinados sentimentos ou vivências, tais como o prazer, o deleite, a maravilha, o espanto que o conduzem a contemplação. Introdução à Filosofia 127 Experiência estética da criação artística: experiência do artista da fase da criação; uma experiência tantas vezes marcada pela reflexão, pelo silencio, pelo isolamento. Experiência estética da obra da arte: experiência do espectador na contemplação da obra da arte, também designada por experiência estética da recepção. Exercício Auto-avaliação 1- Quais são as modalidades da experiência estética? Resposta: As modalidades da experiência estética são: experiência estética de natureza; experiência estética da criação artística e experiência estética da obra da arte. 128 Unidade Unidade N0 23-A0010 Tema: A expressão artística. Introdução “A arte ou técnica era uma actividade que obedecia regras para a produção de uma obra. Em sentido amplo, arte significa habilidade ou agilidade para inventar meios para vencer uma dificuldade ou um obstáculo postos pela natureza. Em sentido restrito, significa a aprendizagem e a prática de um oficio que possui regras, procedimentos e instrumentos próprios. Ars ou tekhne era um saber pratico”(CHAUI, 2003: 275). Ao completar esta unidade, você será capaz de: Objectivos Conceituar a arte. Conhecer as atitudes perante uma obra de arte. Diferenciar o belo do feio. Sumário A palavra arte vem do latim ars e corresponde ao termo grego tékhne, “técnica”, que significa “toda actividade humana submetida a regras em vista da fabricação de alguma coisa”. No latim, artesão, artífice ou artista se diz artifex, “o que faz com arte”, e também opficis, “o que exerce um ofício”, e o resultado de sua acção se diz opus (no singular) e opera (no plural), isto é, obra. Que representação social se tem dos artistas? Que se diz dos artistas? Como se interpreta a sua actividade? Segundo J. Neves Vicente, aos artistas atribui-se-lhes originalidade, mas também fantasia. O mundo dos artistas e da arte apresenta-se como um mundo fechado, uma torre de marfim onde eles se refugiam. Introdução à Filosofia 129 Atribui-se-lhes sensibilidade e imaginação, mas atribui-se-lhes em particular a falsificação do mundo e da vida. A critica mais comum que e feita aos artistas e precisamente a de oferecerem um mundo irreal, um mundo de ficções. Como se arte e a vida se encontrassem em oposição irredutível. Mas não teria sentido opor a arte e a vida, a não ser que se entenda, erradamente, que a arte e imitação, ainda por cima imperfeita, se não mesmo enganadora. O poder da criação artística e não só a posse e o domínio de um outro olhar sobre os seres e as coisas, mas também sobretudo o domínio de um poder de criação incomparável ao poder de produção ou da fabricação de objectos úteis. Atitude perante a obra de arte Perante a obra de arte, o ser humano pode situar-se numa das seguintes tres posições: Como criador: o ser humano, por meio da realizaçao da obra, opera, como se disse, a transfiguraçao do real; inventa um mundo distinto do que é dado na percepção. Como espectador: o ser humano colabora na recriação da obra e também na transfiguração da realidade. Como critico: o ser humano procura, entre outras coisas, interpretar o significado antropológico da criação artistica e determinar os critérios da beleza, etc. Esta e a atitude do esteta, do historiador da arte, do sociólogo, do antropólogo, do psicólogo e do filósofo. O belo e o feio: a questão do gosto Desde Platão ao classicismo, os filósofos tentaram fundamentar a objectividade da arte e da beleza. Para Platão, a beleza é a única ideia que resplandece no mundo. Se, por um lado ele reconhece o carácter sensivel do belo, por outro, continua a afirmar a sua essência ideal, objectiva. Somos assim obrigados a admitir a existência do belo em si, independente das obras individuais que, na medida do possivel, devem se aproximar desse ideal universal. No classicismo, as artes seguem regras e procedimentos específicos a partir desse belo ideal, fundando a estética normativa. É o objecto que passa a ter qualidades que o tornam mais ou menos agradável e independente do sujeito que as percebe. Os filósofos empiristas como David Hume, relativizam a beleza ao gosto de cada um. Aquilo que depende do gosto e da opinião pessoal não pode ser discutido racionalmente, donde o ditado: “gosto não se discute”. O belo, portanto não está mais no objecto, mas nas condições de percepção do sujeito.Para Kant, “o belo é aquilo que agrada universalmente, ainda que não se possa justifica-lo intelectualmente”(ARANHA, 1993:342). Para ele, o 130 Unidade objecto de belo é uma ocasião de prazer, cuja causa reside no sujeito. O principio do sujeito estético é o sentimento do sujeito e não o conceito de sujeito. Belo, portanto, é umas qualidade que atribuimos aos objectos para exprimir um certo estado da nossa subjectividade. Sendo assim, não há uma ideia de belo nem pode haver regras para produzi-lo. Hegel, introduz o conceito de história. A beleza muda de face e de aspecto através dos tempos. Essa mudança (devir), que se reflecte na arte, depende mais da cultura e da visão do mundo vigentes do que de uma exigência interna do belo. Actualmente, considera-se o belo como uma qualidade decertos objectos singulares que nos são dados a percepção. Beleza é uma imanência total de um sentido ao sensivel. O objecto é belo porque realiza o seu destino, é autêntico, e verdadeiramente segundo o seu modo de ser, isto é, um objecto singular, sensivel, que carrega um significado que só pode ser percebido na experiência estética. Não existe mais a ideia de um único valor estético a partir do qual julgamos todas as obras. Cada objecto singular estabelece seu próprio tipo de beleza. O problema do feio: “está implicito nas colocações que são feitas sobre o belo. Por principio, o feio não pode ser objecto de arte. Há dois modos de representar o feio: a representação do assunto “feio” e a forma de representação feia. No primeiro caso, embora o assunto “feio” tenha sido banido do território artistico durante séculos, no século XIX ele vem a ser reabilitado. No momento em que arte rompe com a ideia de ser “cópia do real” para ser considerada criação autônoma que tem por função revelar as possibilidades do real, ela passa a ser avaliada de acordo com a autenticidade da sua proposta e com a sua capacidade de falar ao sentimento”(ARANHA, 1993: 342). O problema do belo e do feio é deslocado do assunto para o modo de representação. E só haverá obras feias na medida em que forem malfeitas, isto é, que não corresponderem plenamente a sua proposta. Em outras palavras, sempre que houver uma obra feia, não haverá uma obra de arte. A questão do gosto tem a ver com a capacidade de julgamento sem preconceitos. Gostar alguma coisa é, pois ter essa capacidade de avaliar e julgar tal coisa ou objecto sem preconceitos. Gosto é, finalmente, comunicação com a obra para além de todo o saber e de toda a técnica. Introdução à Filosofia 131 Exercício Auto-avaliação 1 – O que se entende de Belo na actualidade? Resposta: Na actualidade considera-se o belo como uma qualidade de certos objectos singulares que nos são dados a percepção. Beleza é uma imanência total de um sentido ao sensivel. O objecto é belo porque realiza o seu destino, é autêntico, e verdadeiramente segundo o seu modo de ser, isto é, um objecto singular, sensivel, que carrega um significado que só pode ser percebido na experiência estética. Não existe mais a ideia de um único valor estético a partir do qual julgamos todas as obras. Cada objecto singular estabelece seu próprio tipo de beleza. 132 Unidade Unidade N0 24-A0010 Tema: A experiência religiosa. Introdução O sentimento religioso corresponde a um sentir profundo da natureza humana que pretende estabelecer os laços com um plano da realidade que chamado sagrado; o sentimento religioso não passa de uma ilusão que se dissipará com a emancipação da razão, possível atravês da ciência e da reflexão filosófica. Ao completar esta unidade, você será capaz de: Objectivos Definir o conceito de religião. Destacar os modos de encarar a religião. Diferenciar o sagrado do profano. Descrever as diferentes concepções sobre a experiência religiosa. Sumário A palavra religião deriva do latim: de relegere, significa respeitar, prestar culto; de religare, que significa, voltar a juntar, unir. Neste último sentido, significa pois, que a religião é um laço de união entre os homens e o sagrado. Religião, segundo Cicero (106-43 a.C), é o respeito que o indivíduo sente, no mais profundo de si, perante qualquer ser que disso seja digno, em particular o divino ou o sagrado. Este respeito manifesta-se no cuidado que se coloca a quando da participação nos ritos e outros gestos tradicionais da sociedade. Para Lucrêcio, poeta romano, seguidor da filosofia materialista de Epicuro (99-55 a. C.), a religião é um sistema de ameaças e promessas que cultiva e desenvolve o medo instintivo do ser humano, contra o qual o individuo, se for corajoso, se revoltara Introdução à Filosofia 133 e sobre o qual triunfará graças ao conhecimento cientifico e a sabedoria filosofica. Modos de encarar a religião Segundo Albert Einstein, citado por J. Neves Vicente, existem três modos de encarar a religião: - A religião – temor: aquela que surgiu para compensar a fragilidade humana; - A religião-moral: existe para compensar os mecanismos de controle social; - A religiosidade – côsmica: expressa o sentimento de maravilha perante a natureza. A experiência religiosa Diante do sagrado, o homem religioso é possuído pelo sentimento de pavor, de medo, porque apresenta-se como algo de tremendo. Mas, ao mesmo tempo, o homem religioso é invadido pelo sentimento de atracção porque o mesmo sagrado se lhe apresenta também como fascinante e protector. Se, para alguns, a experiência religiosa teve a sua origem nos sentimentos de pavor e medo, para outros, ela teve a sua origem na experiência da dependência, de estar nas mãos de, de estar sujeita a forças indomáveis e em particular ante as forças da natureza que o ser humano não controla e que não raras vezes lhes são adversas. Para outros, a experiência religiosa confunde-se com a experiência da finitude, de limitação, de impotência, donde o sentimento de submetimento da fragilidade humana a um poder superior, presente ainda que oculto na própria natureza ou acima dela. Para outros, a experiência religiosa nasce sobretudo da necessidade ou vontade de sentido: sentido para ordem côsmica, para o mal, para a morte e sobretudo para a existência. O mundo apresenta-se como irracional e inóspito, incompatível com o Homem, se não tem em si ou por trâs de si uma realidade absoluta que lhe de consistência e assegure a sua inteligibilidade. Para outros ainda, a experiência religiosa nasce da experiência de se estar ligado, de ser-com, da abertura aos outros, ao universo, ao infinito, ao transcendente. Para outros ainda, a experiência religiosa nasce da necessidade que o Homem tem de viver num mundo onde lhe seja dado discernir o bom do mau, o junto do injusto. 134 Unidade O sagrado e o profano O sagrado é a experiência da presença de uma potência ou de uma força sobrenatural que habita algum ser: planta, animal, humano, coisas, ventos, águas, fogo. Essa potência é tanto um poder que pertence definitivamente a um determinado ser quanto algo que ele pode possuir e perder, não ter e adquirir. O sagrado é experiência simbólica da diferença entre os seres, da superioridade de alguns sobre os outros, do poderio de alguns sobre os outros: superioridade e poder sentidos como espantosos, misteriosos, desejados e temidos (CHAUI, 2003: 252-253). O sagrado pode definir-se pela negativa – opõe-se ao profano – ou pela positiva – como uma força ( a que os antropólogos e sociólogos chamam manã) que não dimana do mundo dito natural ou biofísico, mas do que se considera, em sentido lato, o mundo do sobrenatural. A experiência do sagrado é uma experiência do tremendo, pois o sagrado é sempre ambivalente, simultaneamente atrai e assusta, uma vez que a sua natureza reveste quer o carácter de divino (benéfico para o ser humano), quer de demoníaco (o maléfico para o ser humano), sendo a esse tremendo, a esse poder que aterroriza o mistério tremendo. O sagrado é uma hierofania, uma manifestação do que não é natural nem social, mas antes sobrenatural que transcende o nosso plano de experiência comum, pois é o completamente outro, que pode causar em quem a vive quer um sentimento de quietude e paz propícia ao recolhimento, quer um sentimento de profunda perturbação emocional, que se pode traduzir em actos convulsivos e violentos. Exercícios Auto-avaliação 1 – Quais os modos de encarar a religião? Resposta: Os modos de encarar a religião são: a) A religião – temor: aquela que surgiu para compensar a fragilidade humana; b) A religião-moral: existe para compensar os mecanismos de controle social; c) A religiosidade – cósmica: expressa o sentimento de maravilhaperante à natureza. Introdução à Filosofia 135 EXERCÍCIOS PARA RESOLVER Em cinco (05) páginas no mínimo, faça uma redacção dos seguintes sub-temas do tema – “Introdução à Filosofia”: 1. Trabalho1 para primeira sessão presencial – Código: T-F.E-01 A Questão de método, objecto e objectivos da Filosofia. a) Diferença entre Filosofia e outras ciências; b) Funções e atitudes da Filosofia; c) Etapas da História da Filosofia 2. Trabalho2 para segunda sessão presencial – Código: T-F.E-02 A Questão da Pessoa Humana: a) Destacar a relação da Pessoa Humana com: b) O mundo, consigo mesmo, com Deus e o trabalho. c) Falar da consciência moral em diferentes perspectivas. d) Relação entre liberdade e responsabilidade; e) Relação entre acção humana e os valores; f) Teoria do Conhecimento: Origem, natureza e possibilidades do Conhecimento. 3. Trabalho3 para terceira sessão presencial – Código: T-F.E-03 a) A Questão sobre a lógica: b) Relação entre linguagem, comunicação, pensamento e discurso; c) Comentar sobre as dimensões do discurso humano; d) Fazer referência dos novos domínios da lógicas e desenvolver apenas um. e) Princípios da razão. Sobre a politica: a) Relação entre Filosofia e Politica; b) Destacar os pensamentos políticos nas suas diferentes épocas históricas e seus principais representantes. c) Os poderes e elementos do Estado; d) Importância e história dos Direitos Humanos; e) Formas de Sistemas políticos; Sobre a Estética: a) Relacionar a estética da arte; 136 Unidade b) Relação entre arte e religião; c) Experiência religiosa e os modos de encarar a religião. Introdução à Filosofia 137 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA 1. ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia, Martins Fontes, S. Paulo, 2003 2. ALVES, Fátima, et al. A Chave do Saber – Introdução à Filosofia 10º Ano, Porto editora, Porto, 1998 3. ALVES, Fátima et al. A Chave do Agir - Introdução à Filosofia 10º Ano, Texto editora, Lisboa, 1997 4. ARANHA, Maria Lúcia de Arruda et al. Filosofando. Introdução à Filosofia; 2ª edição, S. Paulo, 1993 5. CHAMBISSE, Ernesto et al. A Emergência do Filosofar. Filosofia 11ª/12ª Classe, 1ª edição; S. Paulo, 2003 6. 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