Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Manual de Tronco Comum Introdução à Filosofia Código A0010 Universidade Católica de Moçambique (UCM) Centro de Ensino à Distância (CED) Direitos de autor (copyright) Este manual é propriedade da Universidade Católica de Moçambique (UCM), Centro de Ensino à Distância (CED) e contém reservados todos os direitos. É proibida a duplicação e/ou reprodução deste manual, no seu todo ou em partes, sob quaisquer formas ou por quaisquer meios (electrónicos, mecânico, gravação, fotocópia ou outros), sem permissão expressa de entidade editora (Universidade Católica de Moçambique – Centro de Ensino à Distância). O não cumprimento desta advertência é passível a processos judiciais. Elaborado Por: António Luís Rosa – Licenciado em Ensino de Filosofia pela Universidade Pedagógica – Moçambique, Delegação da Beira. Universidade Católica de Moçambique (UCM) Centro de Ensino à Distância (CED) Rua Correia de Brito No 613 – Ponta-Gêa Beira – Sofala Telefone: 23 32 64 05 Cell: 82 50 18 440 Moçambique Fax: 23 32 64 06 E-mail: ced@ucm.ac.mz Website: www.ucm.ac.mz Agradecimentos A Universidade Católica de Moçambique (UCM) – Centro de Ensino à Distância (CED) e o autor do presente manual, António Luís Rosa, agradecem a colaboração de todos que directa ou indirectamente participaram na elaboração deste manual. À todos sinceros agradecimentos. Introdução à Filosofia i Índice Visão geral 7 Benvido à Introdução à Filosofia ................................................................................... 7 Objectivos do curso ....................................................................................................... 7 Quem deveria estudar este módulo ................................................................................ 7 Como está estruturado este módulo................................................................................ 8 Ícones de actividade ...................................................................................................... 8 Acerca dos ícones ........................................................................................ 9 Habilidades de estudo .................................................................................................... 9 Precisa de apoio? ......................................................................................................... 10 Tarefas (avaliação e auto-avaliação) ............................................................................ 10 Avaliação .................................................................................................................... 11 Unidade N0 01-A0010 12 Tema: Introdução à Filosofia ....................................................................................... 12 Introdução .......................................................................................................... 12 Sumário ....................................................................................................................... 12 Exercícios.................................................................................................................... 17 Unidade N0 02-A0010 18 Tema: Atitude filosófica .............................................................................................. 18 Introdução .......................................................................................................... 18 Sumário ....................................................................................................................... 18 Exercícios.................................................................................................................... 31 Unidade N0 03-A0010 32 Tema: Breve contextualização histórica da Filosofia .................................................... 32 Introdução .......................................................................................................... 32 ii Índice Sumário ....................................................................................................................... 32 Exercícios........................................................................................................................ Unidade N0 04-A0010 36 Tema: A Pessoa Humana ............................................................................................. 36 Introdução .......................................................................................................... 36 Sumário ....................................................................................................................... 36 Exercícios.................................................................................................................... 39 Unidade N0 05-A0010 40 Tema: A Consciência Moral ........................................................................................ 40 Introdução .......................................................................................................... 40 Sumário ....................................................................................................................... 40 Exercícios.................................................................................................................... 43 Unidade N0 06-A0010 44 Tema: Aspectos da Ética Individual. ............................................................................ 44 Introdução .......................................................................................................... 44 Sumário ....................................................................................................................... 44 Exercícios.................................................................................................................... 48 Unidade N0 07-A0010 49 Tema: A acção humana. .............................................................................................. 49 Introdução .......................................................................................................... 49 Sumário ....................................................................................................................... 49 Exercícios.................................................................................................................... 51 Unidade N0 08-A0010 52 Tema: Introdução aos Valores ..................................................................................... 52 Introdução .......................................................................................................... 52 Introdução à Filosofia iii Sumário ....................................................................................................................... 52 Exercícios.................................................................................................................... 57 Unidade N0 09-A0010 58 Tema: Aspectos da Bioética......................................................................................... 58 Introdução .......................................................................................................... 58 Sumário ....................................................................................................................... 58 Exercícios.................................................................................................................... 61 Unidade N0 10-A0010 62 Tema: Teoria do Conhecimento. .................................................................................. 62 Introdução .......................................................................................................... 62 Sumário ....................................................................................................................... 62 Exercícios....................................................................................................................71 Unidade N0 11-A0010 72 Tema: Possibilidades do Conhecimento. ...................................................................... 72 Introdução .......................................................................................................... 72 Sumário ....................................................................................................................... 72 Exercícios.................................................................................................................... 75 Unidade N0 12-A0010 76 Tema: Origem do Conhecimento. ................................................................................ 76 Introdução .......................................................................................................... 76 Sumário ....................................................................................................................... 76 Exercícios.................................................................................................................... 81 Unidade N0 13-A0010 82 Tema: Natureza do Conhecimento ............................................................................... 82 Introdução .......................................................................................................... 82 iv Índice Sumário ....................................................................................................................... 82 Exercícios.................................................................................................................... 84 Unidade N0 14-A0010 85 Tema: Níveis de Conhecimento ................................................................................... 85 Introdução .......................................................................................................... 85 Sumário ....................................................................................................................... 85 Exercícios.................................................................................................................... 95 Unidade N0 15-A0010 96 Tema: Introdução à Lógica. ......................................................................................... 96 Introdução .......................................................................................................... 96 Sumário ....................................................................................................................... 96 Exercícios.................................................................................................................... 99 Unidade N0 16-A0010 100 Tema: As dimensões do discurso humano. ................................................................. 100 Introdução ........................................................................................................ 100 Sumário ..................................................................................................................... 100 Exercícios.................................................................................................................. 104 Unidade N0 17-A0010 105 Tema: Os princípios da razão .................................................................................... 105 Introdução ........................................................................................................ 105 Sumário ..................................................................................................................... 105 Exercícios.................................................................................................................. 111 Unidade N0 18-A0010 112 Tema: A convivência políticas entre os Homens. ....................................................... 112 Introdução ........................................................................................................ 112 Introdução à Filosofia v Sumário ..................................................................................................................... 112 Exercícios.................................................................................................................. 120 Unidade N0 19-A0010 121 Tema: Os Direitos Humanos ...................................................................................... 121 Introdução ........................................................................................................ 121 Sumário ..................................................................................................................... 121 Exercícios.................................................................................................................. 125 Unidade N0 20-A0010 126 Tema: A Filosofia Política na História ....................................................................... 126 Introdução ........................................................................................................ 126 Sumário ..................................................................................................................... 126 Exercícios.................................................................................................................. 136 Unidade N0 21-A0010 139 Tema: Ciência ........................................................................................................... 139 Introdução ........................................................................................................ 139 Sumário ..................................................................................................................... 139 Exercícios.................................................................................................................. 141 Unidade N0 22-A0010 142 Tema: A Estética ....................................................................................................... 142 Introdução ........................................................................................................ 142 Sumário ..................................................................................................................... 142 Exercícios.................................................................................................................. 143 Unidade N0 23-A0010 144 Tema: A expressão artística ....................................................................................... 144 Introdução ........................................................................................................ 144 vi Índice Sumário ..................................................................................................................... 144 Exercícios.................................................................................................................. 147 Unidade N0 24-A0010 148 Tema: A experiência Religiosa .................................................................................. 148 Introdução ........................................................................................................ 148 Sumário ..................................................................................................................... 148 Exercícios.................................................................................................................. 150 Introdução à Filosofia 7 Visão geral Benvindo à Introdução à Filosofia O mundo que nos rodeia é caracterizado pela multiplicidade de saberes, os quais fazem com que o Homem se questione sobre qual é a verdadeira sabedoria. Nesse contexto, o que importa não são as respostas, mas as perguntas levantadas pelo próprio Homem. Esta é a principal característica do filósofo: levantar perguntas constantes, profundas e radicais para buscar a verdade das coisas e do ser humano. Com a filosofia se é capaz de buscar o sentido davida, segundo Sócrates “uma vida sem filosofia não vale a pena ser vivida”. Objectivos do curso Quando terminar o estudo da Introdução à Filosofia, o estudante deve ser capaz de: Identificar o sentido e o significado da Filosofia, através da reflexão sobre a relação que ela tem para com outras ciências, com a existência humana e toda a realidade, particularmente tudo o que se refere ao mundo actual. Quem deveria estudar este módulo Este módulo foi concebido para todos aqueles que frequentam os cursos à distância, oferecidos pela Universidade Católica de Moçambique (UCM), através do seu Centro de Ensino à Distância (CED). 8 Unidade Como está estruturado este módulo Todos os módulos dos cursos produzidos por UCM - CED encontram-se estruturados da seguinte maneira: Páginas introdutórias Um índice completo. Uma visão geral detalhada do curso / módulo, resumindo os aspectos-chave que você precisa conhecer para completar o estudo. Recomendamos vivamente que leia esta secção com atenção antes de começar o seu estudo. Conteúdo do curso / módulo O curso está estruturado em unidades. Cada unidade incluirá uma introdução, objectivos da unidade, conteúdo da unidade incluindo actividades de aprendizagem, um resumo da unidade e uma ou mais actividades para auto-avaliação. Outros recursos Para quem esteja interessado em aprender mais, apresentamos uma lista de recursos adicionais para você explorar. Estes recursos podem incluir livros, artigos ou sites na internet. Tarefas de avaliação e/ou Auto-avaliação Tarefas de avaliação para este módulo encontram-seno final de cada unidade. Sempre que necessário, dão-se folhas individuais para desenvolver as tarefas, assim como instruções para as completar. Estes elementos encontram-se no final do módulo. Comentários e sugestões Esta é a sua oportunidade para nos dar sugestões e fazer comentários sobre a estrutura e o conteúdo do curso / módulo. Os seus comentários serão úteis para nos ajudar a avaliar e melhorar este curso / módulo. Ícones de actividade Ao longo deste manual irá encontrar uma série de ícones nas margens das folhas. Estes icones servem para identificar diferentes partes do processo de aprendizagem. Podem indicar Introdução à Filosofia 9 uma parcela específica de texto, uma nova actividade ou tarefa, uma mudança de actividade, etc. Acerca dos ícones Os icones usados neste manual são símbolos africanos, conhecidos por adrinka. Estes símbolos têm origem no povo Ashante de África Ocidental, datam do século XVII e ainda se usam hoje em dia. Pode ver o conjunto completo de ícones deste manual já a seguir, cada um com uma descrição do seu significado e da forma como nós interpretámos esse significado para representar as várias actividades ao longo deste módulo. Habilidades de estudo Caro estudante, procure olhar para você em três dimensões nomeadamente: o lado social, profissional e estudante, daí ser importante planificar muito bem o seu tempo. Procure reservar no mínimo 2 (duas) horas de estudo por dia e use ao máximo o tempo disponível nos finais de semana. Lembre-se que é necessário elaborar um plano de estudo individual, que inclui, a data, o dia, a hora, o que estudar, como estudar e com quem estudar (sozinho, com colegas, outros). Evite o estudo baseado em memorização, pois é cansativo e não produz bons resultados, use métodos mais activos, procure desenvolver suas competências mediante a resolução de problemas específicos, estudos de caso, reflexão, etc. O manual contém muita informação, algumas chaves, outras complementares, daí ser importante saber filtrar e apresentar a informação mais relevante. Use estas informações para a resolução dos exercícios, problemas e desenvolvimento de actividades. A tomada de notas desempenha um papel muito importante. Um aspecto importante a ter em conta é a elaboração de um plano de desenvolvimento pessoal (PDP), onde você reflecte sobre os seus pontos fracos e fortes e perspectivas o seu desenvolvimento. Lembre-se que o teu sucesso depende da sua entrega, você é o responsável pela sua própria aprendizagem e cabe a ti planificar, organizar, gerir, controlar e avaliar o seu próprio progresso. 10 Unidade Precisa de apoio? Caro estudante, temos a certeza de que por uma ou por outra situação, o material impresso, lhe pode suscitar alguma dúvida (falta de clareza, alguns erros de natureza frásica, prováveis erros ortográficos, falta de clareza conteudística, etc). Nestes casos, contacte o tutor, via telefone, escreva uma carta participando a situação e se estiver próximo do tutor, contacte-o pessoalmente. Os tutores têm por obrigação, monitorar a sua aprendizagem, dai o estudante ter a oportunidade de interagir objectivamente com o tutor, usando para o efeito os mecanismos apresentados acima. Todos os tutores têm por obrigação facilitar a interação, em caso de problemas específicos ele deve ser o primeiro a ser contactado, numa fase posterior contacte o coordenador do curso e se o problema for da natureza geral, contacte a direcção do CED, pelo número 825018440. Os contactos só se podem efectuar, nos dias úteis e nas horas normais de expediente. As sessões presenciais são um momento em que você caro estudante, tem a oportunidade de interagir com todo o staff do CED, neste período pode apresentar dúvidas, tratar questões administrativas, entre outras. O estudo em grupo, com os colegas é uma forma a ter em conta, busque apoio com os colegas, discutam juntos, apoiem-me mutuamnte, reflictam sobre estratégias de superação, mas produza de forma independente o seu próprio saber e desenvolva suas competências. Juntos na Educação à Distância, vencendo a distância. Tarefas (avaliação e auto- avaliação) O estudante deve realizar todas as tarefas (exercícios, actividades e auto-avaliação), contudo nem todas deverão ser entregues, mas é importante que sejam realizadas.As tarefas devem ser entregues antes do período presencial. Para cada tarefa serão estabelecidos prazos de entrega, e o não cumprimento dos prazos de entrega , implica a não classificação do estudante. Introdução à Filosofia 11 As trabalhos devem ser entregues ao CED e os mesmos devem ser dirigidos ao tutor/docentes. Podem ser utilizadas diferentes fontes e materiais de pesquisa, contudo os mesmos devem ser devidamente referenciados, respeitando os direitos do autor. O plagiarismo deve ser evitado, a transcrição fiel de mais de 8 (oito) palavras de um autor, sem o citar é considerado plágio. A honestidade, humildade cintífica e o respeito pelos direitos autorais devem marcar a realização dos trabalhos. Avaliação Vocé será avaliado durante o estudo independente (80% do curso) e o período presencial (20%). A avaliação do estudante é regulamentada com base no chamado regulamento de avaliação. Os trabalhos de campo por si desenvolvidos , durante o estudo individual, concorrem para os 25% do cálculo da média de frequência da cadeira. Os testes são realizados durante as sessões presenciais e concorrem para os 75% do cálculo da média de frequência da cadeira. Os exames são realizados no final da cadeira e durante as sessões presenciais, eles representam 60% , o que adicionado aos 40% da média de frequência, determinam a nota final com a qual o estudante conclui a cadeira. A nota de 10 (dez) valores é a nota mínima de: (a) admissão ao exame, (b) nota de exame e, (c) conclusão do módulo. Nesta cadeira o estudante deverá realizar: 3 (três) trabalhos; 2 (dois) testes escritos e 1 (um) exame escrito. Não estão previstas quaisquer avaliação oral. Algumas actividades práticas, relatórios e reflexões serão utilizadas como ferramentas de avaliação formativa. Durante a realização das avaliações, os estudantes devem ter em consideração: a apresentação; a coerência textual; o grau de cientificidade; a forma deconclusão dos assuntos, as recomendações, a indicação das referências utilizadas, o respeito pelos direitos do autor, entre outros. Os objectivos e critérios de avaliação estão indicados no manual. Consulte-os. Alguns feedbacks imediatos estão apresentados no manual. 12 Unidade Unidade N0 01-A0010 Tema: Introdução à Filosofia Introdução A Filosofia é uma disciplina que está presente em todos os tempos e lugares. Desde a antiguidade foi considerada a mãe de todas as ciências, pois ela busca a verdade na sua totalidade. Ao completar esta unidade, você será capaz de: Objectivos Conhecer a origem do termo Filosofia; Conhecer o conceito, método, objectivo e objecto de estudo da Filosofia; Conhecer as Funções da Filosofia. Sumário O termo “filosofia” é composto de dois termos gregos: phílos, que significa amigo de, amante de, afeiçoado a, que gosta de, que tem gosto em, que se compraz em, que busca com afã, que anseia, etc., e sophía, que significa sabedoria, saber, ciência, conhecimento, etc. Assim pois, etimologicamente, o termo filosofia significa: amor à sabedoria, gosto pelo saber. Filósofo é aquele que ama o saber, tem gosto pela sabedoria, conhecimento e busca incansavelmente os conhecimentos de forma radical, profunda e total. Origem do termo “filosofia” O termo filosofia nasceu no “círculo socrático”, quer dizer, no círculo de Sócrates e dos discípulos dele, ou talvez antes ainda no “círculo pitagórico”, quer dizer, no círculo de Pitágoras e dos seus discípulos. Eram chamados de “filósofos” os homens que buscavam a “sabedoria suprema”, quer dizer, “a sabedoria última e radical Introdução à Filosofia 13 da vida e das coisas”, ou seja, o saber que busca a dimensão última e radical da vida e das coisas. O que é filosofia? Segundo a tradição, o criador do termo filosofia foi Pitágoras, o que, embora não sendo historicamente seguro, no entanto é verossimível. O termo certamente foi cunhado por um espírito religioso, que pressupunha só ser possível aos deuses uma sofia (sabedoria) ou seja, uma posse certa e total do verdadeiro, uma contínua aproximação ao verdadeiro, um amor ao saber nunca saciado totalmente, de onde, justamente, o nome, filosofia, ou seja, “amor pela sabedoria”. O Homem é naturalmente filósofo, isto é, “amigo da sabedoria”. Ávido de saber, não se contenta em viver o momento presente e aceitar passivamente as informações fornecidas pela experiência imediata, como acontece com os animais. Em seu olhar interrogativo quer conhecer o porquê das coisas, sobretudo o porquê da própria vida. No decorrer da história da filosofia, foi assumindo várias definições, de acordo com o filósofo e o tempo em que se encontrasse. Assim, Aristóteles (384-322 a.C) define filosofia como sendo a disciplina que estuda “as causas últimas de todas as coisas”; Cícero (106-46 a.C) define a filosofia como sendo “o estudo das causas humanas e divinas das coisas”; Descartes (1596-1650) afirma que filosofia “ensina a bem raciocinar”; Hegel (1770-1831) concebe a filosofia como “saber absoluto”. Whitehead (1861-1947) julga que a tarefa da filosofia é “fornecer uma explicação orgânica do universo”. Dentre as várias definições acima apresentadas, podemos concluir que a filosofia não estuda uma única realidade, mas várias. Assim, podemos levantar a seguinte pergunta: qual é o objecto de estudo da filosofia? No entender dos filósofos, a filosofia estuda tudo, ou seja, a filosofia pretende explicar a totalidade das coisas, toda a realidade, sem exclusão de partes ou momentos delas. Assim, a filosofia distingue-se das ciências particulares, que assim se chamam exactamente porque se limitam a explicar partes ou sectores da realidade, grupos de coisas ou de fenômenos. E a pergunta levantada pelos primeiros filósofos foi: “Qual é o príncípio de todas as coisas?” Esta pergunta já mostra a perfeita consciência desse ponto. No que se refere ao método, a filosofia recorre ao método racional. Mas os métodos racionais são múltiplos, e os mais importantes são indução e a dedução. A filosofia utiliza ambos: a indução para ascender dos factos aos princípios primeiros e a dedução para descer de novo dos primeiros princípios e iluminar posteriormente os factos, para compreendê-los melhor. O que vale em filosofia é a razão, a motivação lógica, o logos. Por último, o objectivo ou fim da filosofia está no puro desejo de conhecer e contemplar a verdade. Ela tem como objectivo único o conhecimento; tem em vista simplesmente pesquisar a verdade em si mesma, prescindindo de eventuais utilizações práticas. A 14 Unidade filosofia tem um objectivo puramente teórico, ou seja, contemplativo. Funções da Filosofia A principal função para a Filosofia não seriam os conhecimentos (que ficam por conta da ciência), nem as aplicações de teorias (que ficam por conta da tecnologia), mas o ensinamento moral e ético. A Filosofia seria a arte de bem-viver. Estudando as paixões e os vícios humanos, a liberdade e a vontade, analisando a capacidade de nossa razão para impor limites aos nossos desejos e paixões, ensinando-nos a viver de modo honesto e justo na companhia dos outros seres humanos e na virtude, que é o princípio de bem-viver. A Filosofia permite ao Homem ter mais de uma dimensão, além da que é dada pelo agir imediato, no qual o Homem “prático” se encontra mergulhado. É a Filosofia que dá o distanciamento para avaliação dos fundamentos dos actos humanos e dos fins a que eles se destinam; reúne o pensamento fragmentado da ciência e a reconstrói na sua unidade; retoma a acção pulverizada no tempo e procura compreendê-la. Portanto, a filosofia é a possibilidade da transcendência humana, ou seja, a capacidade que só o Homem tem de superar a situação dada e não escolhida. Pela transcendência o ser humano surge como ser de projecto, capaz de liberdade e de construir o seu destino. A filosofia recupera o processo perdido no imobilismo das coisas feitas e impede a estagnação. Por isso, o filosofar sempre se confronta com o poder, e sua investigação não fica alheia à ética e à política. A filosofia é crítica da ideologia, enquanto forma ilusória de conhecimento que visa a manutenção de privilégios. Karl Jaspers diz-nos que a Filosofia ensina, pelo menos, a não nos deixarmos iludir. Não permite que se descarte facto algum e nenhuma possibilidade. Ensina a enfrentar de frente a catástrofe possível. Em meio à serenidade do mundo, ela faz surgir a inquietude, mas proíbe a atitude tola de considerar inevitável a catástrofe. Com efeito, só ela tem o poder de alterar nossa forma de pensamento. Finalmente, a filosofia exige coragem. Filosofar não é um exercício puramente intelectual. Descobrir a verdade é ter a coragem de enfrentar as formas estagnadas de poder que tentam manter o status quo, é aceitar o desafio da mudança. Lembremo- nos que Sócrates foi aquele que enfrentou o dasafio máximo da morte. Introdução à Filosofia 15 Exercícios Auto-avaliação 1- Qual é a origem e o conceito etimológico da palavra “Filosofia”. Resposta: A palavra “Filosofia” é de origem grega e divide-se em duas partes, que são: filos, que significa amigo, amor, gosto, afeicção e, sofia que significa sabedoria, conhecimento, ciência. Desse modo, Filosofia, significa: amor à sabedoria; gosto pelo saber ou pelo conhecimento, e, Filósofo é aquele que ama o saber, ou seja, busca incansavelmente os conhecimentos. 2- Apresente o método, objecto e objectivos de estudo da Filosofia. Resposta: A Filosofia recorre ao método puramente racional; o seu objecto de estudo é toda a realidade e tem como objectivo o desejo de conhecer e contemplar a verdade. 16 Unidade Unidade N0 02-A0010 Tema: Atitude filosófica Introdução Umas das atitudes do ser humano diante da realidade que o rodeia consiste na admiração.Pela admiração, o homem formula perguntas para encontrar a solução de suas inquietações. Ao completar esta unidade, você será capaz de: Objectivos Conhecer as atitudes filosóficas; Conhecer as disciplinas auxiliares da Filosofia; Diferenciar a Filosofia das outras ciências. Sumário Entre os antigos gregos predominava inicialmente a consciência mítica, cuja maior expressão se encontra nos poemas de Homero e Hesíodo. Quando se dá a passagem da consciência mítica para a racional, aparecem os primeiros sábios, um deles chamado Pitágoras (séc. VI a.C.), que também era matemático e usou pela primeira vez a palavra filosofia. O trabalho filosófico é essencialmente teórico. Mas isso não significa que a filosofia esteja à margem do mundo, nem que ela constitua um corpo de doutrina ou um saber acabado, com determinado conteúdo, ou seja, um conjunto de conhecimentos estabelecidos de uma vez por todas. Para Platão (427-347 a.C), a primeira atitude do filósofo é admirar-se. A admiração é a condição de onde deriva a capacidade de problematizar, o que marca a Filosofia não como posse da verdade, mas como sua busca. Para Kant, filósofo alemão do século XVIII, “não há filosofia que se possa aprender; só se pode aprender a filosofar”. Isto significa que a filosofia é, sobretudo, uma atitude, um pensar permanente. É um conhecimento instituinte, no sentido de que questiona o saber instituído. Introdução à Filosofia 17 A atitude filosófica possui algumas características que são as mesmas, independentemente do conteúdo investigado, que são: - Perguntar o que a coisa, ou o valor, a idéia, é. A Filosofia pergunta qual é a realidade ou a natureza e qual é o significado de alguma coisa, não importa qual; - Perguntar como a coisa, a idéia ou o valor, é. A filosofia pergunta qual é a estrutura e quais são as relações que constituem uma coisa, uma idéia ou um valor; - Perguntar por que a coisa, a idéia ou o valor, existe e é como é. A filosofia pergunta pela origem ou pela causa de uma coisa, de uma idéia, de um valor. A atitude filosófica inicia-se dirigindo essas perguntas ao mundo que nos rodeia e as relações que mantemos com ele. Aos poucos, porém, descobre que essas questões se referem, afinal, a nossa capacidade de conhecer e de pensar. Por isso as perguntas de Filosofia se dirigem ao próprio pensamento: o que é pensar, como é pensar, por que há o pensar? A Filosofia torna-se então, o pensamento interrogando-se a si mesmo. Por ser uma volta que o pensamento realiza sobre si mesmo, a Filosofia se realiza como reflexão. Disciplinas auxiliares da Filosofia Dentre as várias disciplinas auxiliares da Filosofia, passamos a enumerar as seguintes: Psicologia experimental, Lógica, Ética, Estética, Teoria do Conhecimento, Metafísica, Antropologia filosófica, Filosofia Politica, filosofia do Direito, filosofia da religião, ... Filosofia e outras Ciências No seu começo a ciência estava ligada à Filosofia, sendo o filósofo, o sábio que reflectia sobre todos os sectores da indagação humana. Nesse sentido os filósofos como Tales, Pitágoras, eram também geómetras, e Aristóteles escreveu sobre física e astronomia. Ora, apesar da separação entre a Filosofia e a ciência, aquela não deixou de ser uma ciência, porque se preocupa a investigar as causas primeiras e finais de toda a realidade. A filosofia distingue-se de outras ciências pelas seguintes razões: Pela profundidade da investigação: enquanto a ciência procura as causas próximas imediatas da s coisas, a Filosofia procura as causas últimas e finais das coisas; Pela reflexão crítica: enquanto a ciência pressupõe reflexão e crítica, a Filosofia põe em questão tudo o que se apresenta ao espírito para examinar, discutir, avaliar e descobrir o seu significado, inclusive o da própria ciência; 18 Unidade Pelo grau de generalidade e síntese: a ciência limita-se à realidade dos factos e ocupa-se dos fenómenos, enquanto que a Filosofia procura dar unidade total ao saber e pretende penetrar na realidade global; Pela humanidade e valorização: a ciência ocupa-se em geral, da realidade estranha ao homem, enquanto que a Filosofia é essencialmente humana e axiológica, ou seja, ela dá valor à acção e a existência humana. Se a ciência tende cada vez mais a especialização, a Filosofia, no sentido inverso, quer superar a fragmentação do real, para que o homem seja resgatado na sua integridade e não sucumba à alienacão do poder parcelado. Por isso a filosofia tem uma função de interdisciplinaridade, estabelecendo o elo entre as diversas formas do saber e do agir. A filosofia ainda se distingue da ciência pelo modo como aborda seu objecto: em todos os sectores de conhecimento e da acção, a filosofia está presente como reflexão crítica a respeito dos fundamentos desse conhecimento e desse agir. Portanto, a Filosofia não faz juízos da realidade, como a ciência, mas juízos de valor. O filósofo parte da experiência vivida do homem trabalhando na linha de montagem, repetindo sempre o mesmo gesto, e vai além dessa constatação. Não vê apenas como é, mas como deveria ser. Julga o valor da acção, sai em busca do significado dela. Filosofar é dar sentido à experiência. Introdução à Filosofia 19 Exercícios Auto-avaliação 1- Qual é o motivo que levou Platão(427-347 a.C) a concluir que admiração era a primeira atitude do filósofo? Resposta: Porque a admiração é a condição de onde deriva a capacidade de problematizar, o que a faz a filosofia não como posse da verdade, mas como sua busca. 2- Qual é a diferença existente entre a filosofia e outras ciências? Resposta: A ciência busca a especialização e a filosofia quer superar a fragmentação do real, para que o Homem seja resgatado na sua integridade; a filosofia tem uma função de interdisciplinaridade, estabelecendo o elo de ligação entre as diversas formas do saber e do agir; a filosofia se distingue ainda da ciência pelo modo de abordar o seu objecto. A filosofia está sempre presente em todos sectores de conhecimento e da acção como reflexão crítica a respeito dos fundamentos desse conhecimento e agir. 20 Unidade Unidade N0 03-A0010 Tema: Breve contextualização histórica da Filosofia Introdução Os primeiros filósofos da humanidade foram os gregos. Isso significa que, embora tenhamos referências de grandes homens na China (Confúcio, Lao Tsé), na Índia (Buda), na Pérsia (Zaratustra), suas teorias ainda estão por demais vinculadas à religião para que se possa falar propriamente em reflexão filosófica. Neste tema veremos o processo pelo qual se tornou possível a passagem da consciência mítica para a consciência filosófica na civilização grega, constituída por diversas regiões politicamente autónomas. Ao completar esta unidade, você será capaz de: Objectivos Compreender a passagem da Filosofia da fase mítica para a fase racional. As condições que levaram o surgimento da Filosofia. As fases ou etapas da Filosofia Clássica. Sumário No período arcaíco surgiram os primeiros filósofos gregos, por volta de fins do século VII a. C. e durante o século VI a.C. alguns autores costumam chamar de “milagre grego” a passagem do pensamento mítico para o pensamento crítico racional e filosófico. O surgimento da racionalidade crítica foi o resultado de um processo lento, preparado pelo passado mítico, cuja características não desapareceram na nova abordagem filosófica do mundo, ou seja, o surgimento da filosofia na Grécia não é o resultado de um salto, um “milagre”, realizado por um povo privilegiado, mas a culminação de um processo que se fez através dos tempos e tem sua dívida com o passado mítico. Introdução à Filosofia 21 Algumas novidades surgidas no período arcaíco ajudaram a transformar a visão que o homem mítico tinha do mundo e de si mesmo. São elas:a invenção da escrita, o surgimento da moeda, a lei escrita, o nascimento da polis (cidade-estado), todas elas contribuiram para o surgimento da filosofia. Etapas da Filosofia Grega Clássica No decorrer dos séculos, a Filosofia teve um conjunto de preocupações, perguntas e interesses que lhe vieram de nascimento na Grécia. Para isso, devemos primeiro conhecer os principais períodos da Filosofia grega que definiram os campos de investigação filosófica na Antiguidade. A história da Grécia costuma ser dividida pelos historiadores em quatro fases ou épocas: a) a da Grécia Homérica, correspondente aos 400 anos narrados pelo poeta Homero, em seus dois grandes poemas, Ilíada e Odisséia; b) a da Grécia arcaica ou dos sete sábios, do século VII ao século V a. C, quando os gregos criam cidades como Atenas, Esparta, Tebas, Mégara, Samos, etc., e predomina a economia urbana, baseada no artesanato e no comércio; c) a da Grécia clássica, nos séculos V e IV a. C, quando a democracia se desenvolve, a vida intelectual e artística no apogeu e Atenas domina a Grécia com seu império comercial e militar; d) a helenística, a partir do final do século IV a. C., quando a Grécia passa para o poderio do império de Alexandre da Macedônia e, depois, para as mãos do Império Romano, terminando a história de existência independente. Os períodos da filosofia não correspondem exactamente a essas épocas, já que ela não existe na Grécia Homérica, e só aparece nos meados da Grécia arcaíca. O apogeu da Filosofia acontece durante o apogeu da cultura e da sociedade gregas; portanto, durante a Grécia clássica. Os quatro grandes períodos da Filosofia grega, nos quais seu conteúdo muda e se enriquece são: Período pré-socrático ou cosmológico, do final do século VII ao final do século V a. C., quando a Filosofia se ocupa fundamentalmente com a origem do mundo e as causas das transformações na Natureza. Período socrático ou antropológico, do final do século V e todo o século IV a. C., quando a Filosofia investiga as questões humanas, isto é, a ética, a política e as técnicas ( em grego, antropos quer dizer homem; por isso o período recebeu o nome de antropológico). Período sistemático, do final do século IV ao final do século III . C., quando a Filosofia busca reunir e sistematizar tudo quanto foi pensado sobre a cosmologia e a antropologia, interessando-se sobretudo em mostrar que tudo pode ser objecto de conhecimento filosófico, desde que as leis do pensamento e de suas 22 Unidade demonstrações estejam firmemente estabelecidas para oferecer os critérios da verdade e da Ciência. Período helenístico ou greco-romano, do final do século III a. C. até o século VI depois de Cristo. Nesse longo período, que já alcança Roma e o pensamento dos Padres da Igreja, a Filosofia se ocupa sobretudo com as questões da ética, do conhecimento humano e das relações entre o homem e a Natureza e de ambos com Deus. Introdução à Filosofia 23 Exercícios Auto-avaliação 1- Como foi feita a passagem da concepção mítica para a racionalidade? Resposta: A passagem da concepção mítica para a racionalidade foi o resultado de um processo lento, cujas características não desapareceram na nova abordagem filosófica do mundo, ou seja, a passagem da concepção mítica para a racionalidade não é o resultado de um salto, um “milagre”, realizado por um povo privilegiado, mas a culminação de um processo que se fez através dos tempos e tem sua dívida com o passado mítico. 2- Apresente as condições que teriam contribuído para o surgimento da Filosofia. Resposta: As condições que teriam contribído para o surgimento da Filosofia são: a invenção da escrita, o surgimento da moeda, a lei escrita e o nascimento da polis (cidade-estado). 3- Quais são as fases ou etapas que caracterizaram a Filosofia grega? Resposta: As fases ou etapas que caracterizaram a Filosofia grega são as seguintes: Primeira etapa: Grécia Homérica - correspondente aos 400 anos narrados pelo poeta Homero, em seus dois grandes poemas, Ilíada e Odisséia; Segunda etapa: Grécia arcaica ou dos sete sábios, do século VII ao século V a. C - quando os gregos criam cidades como Atenas, Esparta, Tebas, Mégara, Samos, etc., e predomina a economia urbana, baseada no artesanato e no comércio; Terceira atapa: Grécia clássica, nos séculos V e IV a. C - quando a democracia se desenvolve, a vida intelectual e artística no apogeu e Atenas domina a Grécia com seu império comercial e militar; Quarta: Helenística, a partir do final do século IV a. C. - quando a Grécia passa para o poderio do império de Alexandre da Macedônia e, depois, para as mãos do Império Romano, terminando a história de existência independente. 24 Unidade Unidade N0 04-A0010 Tema: A Pessoa Humana Introdução Costuma-se dar um nome compreensível à singularidade do ser humano: diz-se que o Homem, ao contrário das outras coisas que o circundam, é uma pessoa. Muitos filósofos fizeram da pessoa o epicentro de suas reflexões, dando origem à uma visão filosófica que recebeu o nome de personalismo. O problema da pessoa é estudado pelos psicólogos, psicanalistas, educadores políticos e jurístas. Ao completar esta unidade, você será capaz de: Objectivos Conhecer os diferentes conceitos de Pessoa de acordo com vários filósofos. Conhecer a relação da pessoa com Deus, consigo mesmo, com o mundo e com o trabalho. Sumário Os estudiosos estão de acordo em reconhecer que o conceito de pessoa é estranho à Filosofia grega. Com efeito, o conceito de pessoa, acentua a singularidade, a individualidade, o concreto, enquanto que a filosofia grega dá importância só ao universal, ao ideal e ao abstracto. O singular, o individuo, o concreto, para o pensamento grego tem valor provisório, como momentânea fenomenização da espécie universal, ou então como instante transitório do grande ciclo, que tudo compreende da história. Uma memorável definição da pessoa, a mais célebre de todas, muito completa e precisa do ponto de vista ontológico deixou-nos Severino Boécio e diz o seguinte: “Pessoa é uma substância individual de natureza racional”. Para S. Tomás de Aquino: “Pessoa significa o que de mais nobre há no universo, isto é, o subsistente de uma natureza racional”. Introdução à Filosofia 25 Para Kant, “os seres humanos são chamados pessoas porque a sua natureza os distingue já como fins em si…o homem e em geral cada ser racional, existe como fim em si e não como um meio de que esta ou aquela vontade pode servir-se ao seu bel- prazer”. Paul Ricoeur concebe a pessoa como um projecto da humanidade, a qual por sua vez é assim definida: “a humanidade é o modo de ser sobre a qual deve regular-se cada aparição empírica do que nós chamamos de ser humano”. Para Scheler, “a pessoa é antes a unidade, imediatamente vivida pelo vivente espiritual e não uma coisa pensada atrás e fora do imediatamente vivido”. A pessoa é a unidade essencial concreta do ser de actos de essências diferentes, que em si mesma precede todas as diferenças de actos. Romano Guardini elaborou um conceito de pessoa em que são fundidos habilmente os elementos mais característicos da concepção clássica e da moderna: a substancialidade, individualidade, a incomunicabilidade e a autoconsciência. A sua definição diz: “A pessoa é a forma da individualidade enquanto é determinada pelo espírito”. Assim, a pessoa significa que eu, no meu ser, em definitivo não posso ser possuido por nenhuma outra instância, mas que me pertenço; pessoa significa, que eu não posso ser habitado por nenhum outro, mas que, em relação à mim, estou só comigo mesmo; não posso ser representado por nenhum outro, mas eu respondo por mim mesmo; não posso ser substituído por nenhum outro, mas sou único. A interioridade da vida, o saber, o querer, o agir, o criar do espírito,etc., tudo isso não é ainda pessoa; pessoa significa que tudo isso, o Homem está em si mesmo. O fundamento último da personalidade é dado à seu juízo, pela autonomia no ser por parte de uma realidade racional, ou seja, pela posse de um próprio acto de ser: graças à tal posse, a realidade humana torna-se completa em si mesma, e não pode mais ser comunicada e associada a outros. Quando um acto de ser, próprio e proporcionado a uma certa essência particular ou substância individual intelectiva, a faz existir por si e em si, por isso mesmo é incomunicada e incomunicável, é pessoa. A pessoa quer dizer antes de tudo, autonomia de ser, domínio de si mesmo, inviolabilidade, individualidade, incomunicabilidade, unidade. O homem é pessoa porque é dotado de um modo de ser que supera nitidamente o modo de ser das plantas e dos animais. A Pessoa em suas relações Soren Kierkegaard (1813 – 1855), é um dos filósofos que procurou analisar os problemas da relação existencial do homem com o mundo, consigo mesmo e com Deus. 26 Unidade A relação do homem com o mundo - outros seres humanos e na natureza - são dominadas pela angústia. A angústia é entendida como o sentimento profundo que temos ao perceber a instabilidade de viver num mundo de acontecimentos possíveis, sem garantia de que nossas expectativas sejam realizadas. “No possível, tudo é possível”, escreve Kierkegaard. Assim, vivemos num mundo onde tanto é possível a dor como o prazer, o bem como o mal, o amor como o ódio, o favorável como o desfavorável. A relação do homem consigo mesmo é marcada pela inquietação e pelo desespero. Isso acontece por duas razões: ou porque o homem nunca está plenamente satisfeito com as possibilidades que realizou, ou porque não conseguiu realizar o que pretendia, esgotando os limites do possível e fracassando diante de suas expectativas. A relação do homem com Deus seria talvez a única via para a superação da angústia e do desespero. Contudo, é marcado pelo paradoxo de ter de compreender pela fé o que é incompreensível pela razão. O trabalho O termo trabalho vem do latim tripalium, que significa um instrumento de tortura feito de três paus. O trabalho é toda actividade no qual o ser humano utiliza sua energia física e psíquica para satisfazer suas necessidades ou para atingir um determinado fim. Por intermédio do trabalho, o homem acrescenta um “mundo novo” ( a cultura) ao mundo natural já existente. O trabalho é, portanto, elemento essencial da relação dialéctica entre o homem e a natureza, entre o saber e o fazer, entre a teoria e a prática. Nesse sentido, o trabalho é uma actividade tipicamente humana, porque implica a existência de um projecto mental que determina a conduta a ser desenvolvida para se alcançar um objectivo almejado. Pelo trabalho, o homem é capaz de expandir suas energias, desenvolver sua criatividade e realizar suas potencialidades; pelo trabalho o ser humano é capaz de moldar a natureza e, ao mesmo tempo, transformar a si próprio. Ou seja, trabalhando podemos transformar o mundo e a nós mesmos. Em seu aspecto social, isto é, como esforço conjunto dos membros de uma comunidade, o trabalho teria como objectivos últimos a manutenção da vida e o desenvolvimento da sociedade. Assim dentro da visão positiva, o trabalho poderia promover a realização do indivíduo, a edificação da cultura e a solidariedade entre os homens. Introdução à Filosofia 27 Exercícios Auto-avaliação 1- Qual é o conceito de pessoa segundo Severino Boécio? Resposta: Segundo Severino Boécio, a “Pessoa é uma substância individual de natureza racional”. 2- Qual é a relação da Pessoa com outros e com a natureza, consigo mesmo, com Deus e com o trabalho? Resposta: A relação da pessoa com os outros e com a natureza é dominada pela angústia; a relação consigo mesma é marcada pela inquietação e desespero; com Deus é marcada pela superação da angústia e desespero. Porém, esta relação é marcada pelo paradoxo de ter de compreender pela fé o que é incompreensível pela razão e, pelo trabalho, o homem é capaz de expandir suas energias, desenvolver sua criatividade e realizar suas potencialidades; pelo trabalho o ser humano é capaz de moldar a natureza e, ao mesmo tempo, transformar a si próprio. Ou seja, trabalhando podemos transformar o mundo e a nós mesmos. 28 Unidade Unidade N0 05-A0010 Tema: A consciência moral Introdução O homem é o único animal consciente de suas acções. A consciência é o conhecimento que acompanha as nossas vivências; é um conhecimento (das coisas e de si) e um conhecimento desse conhecimento (reflexão). Ao completar esta unidade, você será capaz de: Objectivos Explicar o conceito de consciência moral em diferentes perspectivas; Conhecer os graus da consciência moral; Diferenciar a ética da moral. Sumário A consciência pode ser definida na perspectiva psicológica, ético e moral, política e na da teoria de conhecimento. Na perspectiva psicológica, a consciência é um sentimento de nossa própria identidade: é o eu, um fluxo temporal de estados corporais e mentais, que retém o passado na memória, percebe o presente pela atenção e espera o futuro pela imaginação e pelo pensamento. O eu é o centro ou a unidade de todos esses estados psíquicos. A consciência psicológica é formada por nossas vivências. Na perspectiva ético e moral, a consciência é a espontaneidade livre e racional, para escolher, deliberar, e agir conforme à liberdade aos direitos alheios e deveres. É a pessoa dotada de vontade livre e de responsabilidade. É a capacidade para compreender e interpretar sua situação e condição (física, mental, social, cultural, histórica), viver na companhia dos outros segundo as normas e os valores morais definidos por sua sociedade, agir tendo em vista fins escolhidos por deliberação e decisão, realizar as virtudes e, quando necessário, contrapôr-se e opôr-se aos valores estabelecidos em nome de outros, considerados mais adequados à liberdade e à responsabilidade. Introdução à Filosofia 29 Na perspectiva política, a consciência é o cidadão, isto é, tanto o indivíduo situado no tecido das relações sociais, como portador de direitos e deveres, relacionando-se com a esfera pública de poder e das leis, quando o membro de uma classe social, definido por sua situação e posição nessa classe, é portador e defensor de interesses específicos de seu grupo ou de sua classe, relacionando-se com a esfera pública do poder e das leis. Na perspectiva da teoria de conhecimento, a consciência é uma actividade sensível e intelectual dotada de poder de análise, síntese e representação. É o sujeito, que se reconhece como diferente dos objectos, cria e descobre significações, institui sentidos, elabora conceitos, idéias, juízos e teorias. É dotado de capacidade de conhecer à si mesmo no acto de conhecimento, ou seja, é capaz de reflexão. É saber de si e saber sobre o mundo, manifestando-se como sujeito que percebe, imagina, memoriza, fala e pensa. A consciência moral (pessoa) e a consciência política (o cidadão) formam-se pelas relações entre as vivências do eu e os valores e as instituições de sua sociedade ou de sociedade ou de sua cultura. São as maneiras pelas quais nos relacionamos com os outros por meio de comportamentos e práticas determinadas pelos códigos morais (que definem deveres, obrigações, virtudes), e políticos (que definem direitos, deveres e instituições colectivas públicas), a partir do modo como uma cultura e uma sociedade definem o bem e o mal, o justo e o injusto, o legítimo e o ilegítimo, o legal e o ilegal, o privado e o público. O eu é uma vivência e uma experiência que se realiza por comportamentos; a pessoa e o cidadão são consciência como agente (moral e político), como práxis. Em sua essência, a consciência é um vazio, um nada, um silêncio que nos possibilita sentire escutar, reflectir e querer. Nela ouvimos a voz do nosso ser. Na vida familiar, a consciência é considerada apenas uma vivência. Platão definiu a consciência como o “diálogo da alma consigo mesma”. A alma interroga a si mesma sobre que relação e compromisso tem ela com essa outra realidade, que se dá a conhecer no íntimo diálogo consigo mesma. Graus da consciência Distinguem-se três graus da consciência: 1. Consciência passiva: aquela na qual temos uma vaga e uma confusa percepção de nós mesmos e do que se passa à nossa volta, como no devaneio, no momento que precede o sono ou o despertar, na anestesia, e sobretudo, quando somos muito criança ou muito idosos. 2. Consciência vivida, mas não reflexiva: é nossa consciência afectiva, que tem a peculiaridade de ser egocêntrica, isto é, de perceber os outros e as coisas apenas a partir de nossos sentimentos com relação à elas, como por exemplo, a criança que 30 Unidade bate numa mesa ao tropeçar nela, julgando que a “mesa faz de propósito para machucá-lo”. Nesse grau de consciência não conseguimos superar o eu e o outro, o eu e as coisas. É típico por exemplo, das pessoas apaixonadas, para as quais o mundo existe a partir de seus sentimentos de amor, ódio, cólera, alegria, tristeza, etc. 3. Consciência activa e reflexiva: aquela que reconhece a diferença entre interior e o exterior, entre si e os outros, entre si e as coisas. Esse grau de consciência é o que permite a existência da consciência em suas quatro modalidades, que são: o eu, a pessoa, o cidadão e o sujeito. Ética e moral A palavra ética vem do grego, ethos, que significa costume. É a ciência que tem por objecto o fim da vida humana e os meios para alcançá-los. Historicamente, a palavra ética foi aplicada à moral sob todas as suas formas, quer como ciência do comportamento efectivo dos homens, quer como arte de guiar o comportamento. Propriamente a ética deveria ocupar-se do bem como valor primário e ser assumido pela liberdade como guia das próprias escolhas. A palavra moral vem do latim, mores, que significa hábitos. Ética e moral, possuem com efeito, acepções muito próximas uma da outra; se o termo ética é de origem grega, e a moral, de origem latina, ambos remetem a conteúdos vizinhos, à ideia de costumes, de hábitos, de modos de agir determinados pelo uso. Portanto, a grande distinção entre ética e moral está no facto de que a primeira é mais teórica, pretende-se mais voltada à uma reflexão sobre os fundamentos que esta última. A ética se esforça por desconstruir as regras de conduta que forma a moral, os juízos do bem e do mal que se reúnem no seio desta última. A ética desígna uma “metamoral”, uma doutrina que se situa além da moral, uma teoria raciocinada sobre o bem e o mal, os valores e os juízos morais. Em suma, a ética desconstrói as regras de conduta, desfaz suas estruturas e desmonta sua edificação, para se esforçar em descer até os fundamentos ocultos da obrigação. Diversamente da moral, ela se pretende pois desconstrutora e fundadora, enunciadora dos prícipios ou de fundamentos últimos. Introdução à Filosofia 31 Exercícios Auto-avaliação 1- O que é a consciência na perspectiva Platónica? Resposta: Para Platão, a consciência é o diálogo da alma consigo mesma. A alma interroga a si mesma sobre que relação e compromisso ela tem com a outra realidade, que se dá a conhecer no íntimo diálogo consigo mesma. 2- Indique os graus da consciência moral. Resposta: Os graus da consciência moral são: consciência passiva, consciência vivida, mas não reflectida e a consciência activa e reflexiva. 32 Unidade Unidade N0 06-A0010 Tema: Aspectos da ética individual Introdução A pessoa humana em sua acção exige-se que seja responsável e livre de todas as suas escolhas e opções. Ao ser acusado e julgado pelo que assume de forma livre e responsável, exige-se que seja feita a justiça e sejam tomadas as sansões. Ao completar esta unidade, você será capaz de: Objectivos Conhecer e diferenciar os elementos da ética individual; Conhecer os princípios da Justiça em John Rawls. Sumário A palavra liberdade, etimologicamente significa: isenção de qualquer coação ou negação de determinação para uma coisa. Pode-se entender como a faculdade de fazer ou deixar de fazer alguma coisa. Ela tem sido entendida como a possibilidade de autodeterminação e de escolha, acto voluntário, espontaneidade, indeterminação, ausência de interferências, libertação de impedimentos, realização de necessidades, direcção prática para uma meta , ideal de maturidade, autonomia sapiencial ética, razão de ser da própria moralidade. A liberdade pode ser definida em dois sentidos imediatos: no nosso cotidiano e na linguagem filosófica. No nosso cotidiano, invocamos constantemente a palavra liberdade para reivindicar liberdade de opinião, de reunião, de livre circulação, considerando-se nesse sentido comum, a liberdade como ausência de constrangimentos externos; Introdução à Filosofia 33 Na linguagem filosófica, referimo-nos à liberdade em termos absolutos e, neste sentido, à um poder de agir independentemente de quaisquer obstâculos ou determinismos. Ora, as escolhas do ser humano exercem-se num campo onde há tendências e limitações de vária ordem (biológica, psicológica e sociológica), e apesar disso são livres porque conseguem superar racionalmente esses obstâculos que acabam por se transformar em força impulsionadora. Responsabilidade A palavra responsabilidade, deriva etimologicamente do latim respondere, que significa responder pelos próprios actos e ter a obrigação de prestar contas pelos actos praticados perante a nossa consciência e perante outras pessoas e a sociedade. A pessoa é moralmente responsável quando age livremente, isto é, na ausência de qualquer forma de constrangimento; quando se está plenamente consciente das intenções e das consequências de nossa acção, e quando, estando consciente da intenção, da acção e do seu efeito, se quer a sua realização. A responsabilidade pode assumir diferentes formas, que são: Responsabilidade civil: refere-se ao compromisso de ter de responder perante a autoridade social e a lei jurídica pelas consequências e implicações de nossos actos em relação à terceiros; Responsabilidade moral: refere-se à obrigação de responder perante nós mesmos, perante a nossa consciência, pela intenção dos nossos actos. O dever O dever pode ser entendido como um imperativo, isto é, como uma ordem a que o indivíduo se terá de submeter e que assume duas dimensões, que são as seguintes: Dimensão subjectiva: que traduz o sentimento de respeito devido à lei imposta pela consciência moral; Dimensão objectiva: que traduz uma obrigação de submissão e acatamento dessa lei. A Justiça As palavras hebraicas bíblicas que significam justiça (tzedek, tzedaká, mishpat) possuem muitas tonalidades de sentido (justiça, rectidão, bom comportamento, lealdade, integridade, etc). A palavra tzedaká veio a significar também bondade e, daí, caridade, sendo não raro discutível, por isso, a acepção em que os vários contextos bíblicos aplicam tais termos. Por justiça tem-se geralmente entendido a vontade firme e constante de reconhecer e atribuir o que é devido aos outros. Trata-se de uma virtude cardeal, a par da prudência, da fortaleza 34 Unidade e da temperança. E trata-se também de um ideal, situado no plano axiológico dos padrões que iluminam o espírito dos homens e dão sentido à vida na tradição clássica, a justiça acaba por confundir-se com o direito. Assim, a palavra grega “dikaion” tanto exprime a idéia de direito como a de justo, ou a de justiça. A justiça é comumente dividida em retributiva e distributiva. Justiça distributiva: aquela parte da justiça que se preocupa com a justa distribuição de benefícios e sofrimentosdentro de uma sociedade. Na medicina (“quem recebe o que por quê”) que afectam toda a sociedade, bem como as questões de racionamento, que afectam paciêntes em particular ou grupos de pacientes em particular. Justiça retributiva: parte da teoria da justiça que considera a punição sob as bases do mero merecimento em vez de sob as bases de detenção ou reabilitação, baseada na ideia da compensação por um dano; baseada na ideia de “olho por olho, dente por dente”. John Rawls em sua obra Teoria da Justiça (1971), apresenta dois princípios de justiça: O primeiro princípio exige a igualdade das distribuições dos direitos e dos deveres básicos. Cada pessoa, diz-nos Rawls, tem um direito igual ao conjunto mais extenso de liberdades fundamentais, iguais para todos. O segundo princípio põe que as desigualdades sócio-econômicas são justas se produzem, em compensação, vantagens para cada um, se beneficiam os indivíduos menos favorecidos. Não há nenhuma injustiça em um pequeno número obter vantagens superiores à média, sob a condição de que seja melhorada a situação dos desfavorecidos. Uma sociedade justa, de acordo com a nossa concepção, seria aquela onde as pessoas pudessem melhorar suas posições por meio de trabalho ( com oportunidades de trabalho disponíveis para todos), mas elas não aproveitariam posições superiores simplesmente porque nasceram com sorte. Introdução à Filosofia 35 Exercícios Auto-avaliação 1- Destaque os elementos da ética social. Resposta: Liberdade, responsabilidade, mérito, sansão, dever, justiça. 2- Quando é que se diz uma pessoa agiu moralmente responsável? Resposta: Diz-se que uma pessoa agiu moralmente responsável quando age livremente, isto é, na ausência de qualquer forma de constrangimento; quando se está plenamente consciente das intenções e das consequências de nossa acção, e quando, estando consciente da intenção, da acção e do seu efeito, se quer a sua realização. 3- Apresente os princípios de justiça em John Rawls. Resposta: Os princípios de justiça em John Rawls são: O primeiro princípio que exige a igualdade das distribuições dos direitos e dos deveres básicos e, o segundo princípio indica que as desigualdades sócio-econômicas são justas se produzem, em compensação, vantagens para cada um, se beneficiam os indivíduos menos favorecidos. 36 Unidade Unidade N0 07-A0010 Tema: Acção Humana Introdução No contexto de uma Filosofia da Acção, o que se pretende é analisar a praxis humana, isto é, o modo como o ser humano actua enquanto tal, o que faz a diferença e a especificidade do seu comportamento. Ao completar esta unidade, você será capaz de: Objectivos Conhecer e diferenciar as palavras fazer e agir; Conhecer e explicar os condicionantes da acção humana. Sumário Aristóteles, na ética e na Política, distinguia entre o fazer ou produzir (poiein) e o agir (praxein). Segundo ele: No fazer, a acção tem como finalidade dominar e organizar uma matéria exterior – produção técnica ou actividade centrada no objecto; No agir, a acção não tem como principal finalidade transformar uma matéria exterior, mas transformar o próprio agente, pois agir remete uma actividade centrada no sujeito ou no agente da acção. Apesar da diferença, o termo fazer continua ainda hoje a ser usado no domínio da actividade moral como sinónimo de agir, sendo por isso, que na linguagem cotidiana, se diz indiferentemente “fez bem” ou “agiu bem”. Contudo, para designar a actividade técnica, usamos o termo fazer e não dizemos que alguém “agiu uma casa ou um quadro ou um objecto de barro”. Nesse âmbito mantemo-nos à tradição aristotélica. Introdução à Filosofia 37 Agir é, pois, o termo usado para traduzir um determinado tipo de comportamento (intencional, consciente) e remete para uma rede de conceitos que aparecem interligados: agente, intenção e motivo. A acção reflecte um projecto, isto é, uma intenção do agente; supõe uma vontade, um querer e uma possibilidade de optar, isto é, de poder fazer ou poder não fazer algo; implica uma explicação ou justificação – um motivo ou razão de … Condicionantes da acção humana Contrariamente aos animais, sujeitos a um determinismo que os faz comportar-se de acordo com uma pré-programação biológica, o Homem é um ser com possibilidades de escolher e de decidir o que fazer de si mesmo e aberto em relação ao futuro. Na verdade, as suas características biológicas, as condições físicas de seu ambiente, as representações sociais, influênciam e condicionam a sua acção. O Homem toma-as como um conjunto de possibilidades e de alternativas que lhe são dadas para que, a partir delas, construa o seu ser e dê um sentido à própria vida. O ser humano possui um corpo, uma natureza biológica, que lhe dá um certo número de capacidades. As nossas características biológicas condicionam, naturalmente, a nossa acção, e é óbvio que os nossos hábitos e modos de agir dependem de aptidões que possuimos e que procuramos desenvolver e rentabilizar. As necessidades básicas ou primárias, tais como a necessidade de alimento, de água, de oxigênio e de repouso, determinam o próprio ritmo de nossas acções. Por outro lado, habitamos um determinado ambiente, um mundo de coisas e objectos materiais, recursos indispensáveis à nossa sobrevivência e a uma existência com qualidade. Os recursos e as matérias primas existentes numa determinada região, o clima e as outras condições ambientais, condicionam até hoje, o tipo de actividade produtiva, os costumes, as crença, os valores sociais, religiosos, estéticos, etc. O Homem, porém, vive inserido num meio sócio-cultural, que também condiciona o seu modo de agir e diversifica as formas de satisfação das suas necessidades básicas. Logo no acto de nascer, na maneira como se faz o parto, nos rituais que acompanham o nascimento, nas roupas com que se veste o bebé, começa a modelação sócio – cultural do ser humano. A cultura, que aprendemos a respeitar, permitindo-nos moldar a nossa natureza biológica e tornarmo-nos verdadeiramente homens é, pois, um factor indispensável à nossa construção como seres humanos – um factor de humanização. Assim, o Homem é capaz de crescer de forma humana, isto é, aprender a viver como vive o nosso grupo social; aprender a sua 38 Unidade linguagem e adoptar os seus costumes e formas padronizadas de comportamento social. O agente criador O ser humano, é o ser activo e criador, nasce inacabado e produz- se a si próprio mercê da sua própria acção, a partir das características biológicas que recebe dos seus progenitores e da influência da cultura. O ser humano é, portanto, um agente criador: ao nível do fazer e através do trabalho, fabrica e produz artefactos e transforma a natureza. Ao nível do agir, nas suas acções intencionais: apropria-se e assume valores e normas socialmente estabelecidas; recria valores, através dos quais dá sentido à sua existência; constrói a sua própria natureza a partir de um conjunto de factores (biológicos e sócio-culturais), constituíndo-se como um ser que se inventa a si mesmo num processo criador sempre inacabado. Exercícios Auto-avaliação 1- Quem é o agente criador da cultura? Resposta: O agente criador da cultura é o ser humano em seus níveis do fazer e agir. 2- Quais são as diferenças entre o fazer e o agir? Resposta: No fazer, a acção tem como finalidade dominar e organizar uma matéria exterior, como por exemplo uma produção técnica ou actividade centrada no objecto, enquanto que no agir, a acção tem como principal finalidade transformar o próprio agente, pois agir remete uma actividade centrada no sujeito ou no agente da acção. Por outro lado, o termo fazer é usado no domínio da actividade moral como sinónimo de agir, sendo por isso, que na linguagem cotidiana, se diz indiferentemente “fez bem” ou “agiu bem”.3- Mencione os condicionantes da acção humana. Resposta: Os condicionantes da acção humana são as características biológicas, as condições físicas de seu ambiente e as representações sociais. Introdução à Filosofia 39 40 Unidade Unidade N0 08-A0010 Tema: Valores. Introdução Na Sociedade em que nos encontramos somos impelidos a buscar o que é bom e o que não é bom. Diante disso, mesmo no nosso contexto cultural, buscamos o que é aceite e o que não é aceite pela colectividade humana. Aquilo que é aceite é chamado de valor e, o que não é aceite é um anti-valor. Ao completar esta unidade, você será capaz de: Objectivos Explicar e caracterizar os valores; Identificar a hierarquia dos valores. Sumário A nossa relação conosco, com a realidade e com os outros é mediada pela linguagem (no caso, conceptual), e a linguagem se serve de instrumentos lógicos para comunicar a nossa apreensão da realidade (ao formular juízos de facto); além de juízos de facto também fazemos juízos de preferência em que não nos limitamos a descrever a realidade, mas utilizamos valores com que predicamos essa mesma realidade (ao formular juízos de valor). Os juízos de facto se referem à ordem de ser e do real indicando os seus atributos, pois se referem a acontecimentos; Juízos de valor são apreciações subjectivas, implicam uma avaliação ou uma escolha, expressam a relação da consciência individual ou social com o que a realidade deve ser, e apontam para um horizonte de ordem ideal. A preocupação com os valores é tão antiga como a humanidade, mas só no século XIX, surge uma disciplina específica, a teoria dos valores ou axiologia (do grego axios, “valor”). A axiologia Introdução à Filosofia 41 não se preocupa com os seres, mas das relações que se estabelecem entre os seres e o sujeito que os aprecia. O conceito valor pode ter várias acepções. Com efeito: Um significado afectivo: ao significar o carácter das coisas que nos merecem estima; pode ter um significado moral ao ser atribuido por alguém a uma atitude: é o caso da coragem em frente ao perigo, da solidariedade ( o valor das acções da solidariedade social), da beleza de um gesto, do altruísmo e do egoísmo; e um significado técnico: por exemplo o valor de uma mercadoria ou o valor de uma incógnita. Os valores podem ter uma vertente subjectiva ou objectiva: Subjectiva: quando designam um padrão de comportamento a que alguém dá importância ou relevo (por exemplo, a honestidade, a parcimónia no uso dos prazeres, a preocupação com questões espirituais); Objectiva: quando designam padrões de comportamentos reconhecidos e adoptados por um grupo ou comunidade mais ou menos vasta (a moda de um abraço, uma determinada estação, a indumentária tradicional de uma região ou os valores de uma mercadoria). Características dos valores - A polaridade: visão positiva e negativa, ou seja, ausência de neutralidade perante os acontecimentos; - A hierarquização: organização dos valores em termos de mais importantes e menos importantes, o que permite depois, na acção, o estabelecimento de prioridades sem o que nenhum projecto é realizável; - A historicidade; - A relactividade; - A objectividade e subjectividade. Hierarquia dos valores A hierarquia dos valores foi proposta pela primeira vez por Max Scheler, que forneceu cinco critérios para determinar a altura dos valores. A hierarquia dos valores proposta por Scheler é, no seu entender, objectiva, universal e eterna porque é constituida a priori pela sensibilidade. É constituida por quatro grupos fundamentais de valores: - Valores do agradável e do desagradável, correspondentes à função do gozo e do sofrimento; - Valores vitais (como saúde, a doença, etc.); - Valores espirituais, isto é, estéticos e cognitivos; - Valores religiosos. São critérios os cinco seguintes: 42 Unidade 1º Os valores são tanto mais altos quanto maior for a duração, qualquer que seja aliás a duração do seu suporte real. Max Scheler, por exemplo, na peugada de Santo Agostinho, distingue entre tempo e duração. O amor, por exemplo, é sempre sentido como eterno. Amar por uma noite não é amar, mas fazer amor. E dizer: “amar-te-ei eternamente” seria um pleonasmo. 2º Os valores são tanto mais altos quanto menos divisíveis forem. Diz-se bens materiais exactamente porque são divisíveis. E se no fundo da escala dos bens materiais colocarmos os bens económicos este serão os mais divisíveis que todos. Os bens espirituais são indivisíveis. Conclusão, os valores espirituais são mais altos, são superiores aos valores materiais. 3º O valor que serve de fundamento a outros é mais alto que os valores que se fundam nele. Segundo Max Scheler, o valor do “útil” funda-se na valor do “agradável”. O agradável, por seu turno, funda-se sobre um valor vital, como a saúde, etc. Nas suas grandes linhas, os valores religiosos servem de fundamento aos valores espirituais, estes aos valores vitais e estes aos valores do agradável e do desagradável. 4º Os valores são tanto mais altos quanto maior é a satisfação que a sua realização produz em nós. Max Scheler quando fala em “satisfação” está a pensar em satisfação duradoira. Um prazer duradoiro (os do espirito) é sempre um valor mais alto que um prazer transitório (porque sensível, ligado ao corpo). 5º Um valor é tanto mais alto quanto menos relativo for. Por exemplo, os valores morais são mais altos que os valores vitais e estes mais altos que o simples agradável ou desagradável. Para Johannes Hessen, na sua obra Filosofia dos valores, nos seria de guia até aqui, qualquer escala de valores a construir deverá obedecer a três princípios gerais: 1º Os valores espirituais prevalecem sobre os sensíveis; 2º Na classe dos valores espirituais é fora de dúvida que o primado pertence aos valores éticos; 3º Os mais altos de todos os valores são os valores do “sagrado” ou os valores religiosos porquanto todos os outros se fundam neles. Introdução à Filosofia 43 Exercícios Auto-avaliação 1- Explique qual o significado afectivo e moral do termo valor. Resposta: Significado afectivo é o carácter das coisas que nos merecem estima; e o significado moral trata-se de uma atitude diante de uma situação: é o caso da coragem em frente ao perigo, da solidariedade ( o valor das acções da solidariedade social), da beleza de um gesto, do altruísmo e do egoísmo; e um significado técnico: por exemplo o valor de uma mercadoria ou o valor de uma incógnita. 2- Quais são as caracteristicas dos valores? Resposta: Os valores são caracterisados pela sua polaridade, hierarquização, historicidade, relactividade, objectividade e subjectividade. 3- Qual é a proposta da hierarquia dos valores apresentada por Max Scheler? Resposta: A hierarquia dos valores proposta por Scheler é, no seu entender, objectiva, universal e eterna porque é constituida a priori pela sensibilidade e, é constituida por quatro grupos fundamentais de valores que são: valores do agradável e do desagradável, correspondentes à função do gozo e do sofrimento; valores vitais (como saúde, a doença, etc.); valores espirituais, isto é, estéticos e cognitivos e, valores religiosos. 44 Unidade Unidade N0 09-A0010 Tema: Aspectos da Bioética Introdução A palavra “bioética” nasceu na América e se transformou profundamente, passando para o vocabulário corrente. Inventada nos Estados Unidos por R. Potter, a bioética designa, neste último, um projecto de utilização das ciências biológicas destinadas a melhorar a qualidade de vida. Na nossa linguagem, a palavra “bioética” se inscreve desde o início dos anos oitenta, em virtude dos progressos da biologia. Originalmente, a bioética se insere num plano com perspectiva pragmática e técnica, bem mais que um sistema reflectido
Compartilhar