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1 IGREJA LUTERANA Revista Semestral de Teologia IGREJA LUTERANA 2 Diretor Leonerio Faller Professores Acir Raymann, Anselmo Ernesto Graff, Clóvis Jair Prunzel, Leonerio Faller, Gerson Luis Linden, Leopoldo Heimann, Paulo Proske Weirich, Paulo Wille Buss, Raul Blum, Vilson Scholz Professores Eméritos Donaldo Schüler, Paulo F. Flor Norberto Heine SEMINÁRIO CONCÓRDIA IGREJA LUTERANA ISSN 0103-779X Revista semestral de Teologia publicada em junho e novembro pela Faculdade de Teologia do Seminário Concórdia, da Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB), São Leopoldo, Rio Grande do Sul, Brasil. Conselho Editorial Paulo P. Weirich (Editor), Gerson L. Linden e Acir Raymann Assistência Administrativa Ivete Terezinha Schwantes e Alisson Jonathan Henn A Revista Igreja Luterana está indexada em Bibliografi a Bíblica Latino-Americana e Old Testament Abstracts. Os originais dos artigos serão devolvidos quando acompanhados de envelope com endereço e selado. Solicita-se permuta We request exchange Wir erbitten Austausch CORRESPONDÊNCIA Revista Igreja Luterana Seminário Concórdia Caixa Postal 202 93001-970 – São Leopoldo/RS Telefone: (0xx)51 3037 8000 e-mail: revista@seminarioconcordia.com.br www.seminarioconcordia.com.br 3 SUMÁRIO IGREJA LUTERANA Volume 72 – Junho 2013 - Número 1 ARTIGOS A SANTA CEIA COMO UM EVENTO ESCATOLÓGICO 5 Rosemir Mauro Benati AUXÍLIOS HOMILÉTICOS 47 5 ARTIGO A SANTA CEIA COMO UM EVENTO ESCATOLÓGICO Rosemir Mauro Benati1 INTRODUÇÃO Durante os séculos que nos precederam, a Santa Ceia foi objeto de exaustivos estudos, de longos debates e de inúmeras interpretações. Isto demonstra sua importância na vida da Igreja Cristã, a qual, desde a pri- meira celebração, quando foi instituída por Jesus, crê que nela o próprio Cristo se faz presente em, com e sob o pão e o vinho, não simbolicamente, mas real e verdadeiramente, e através dela se dá em favor de nós para o perdão dos nossos pecados. Graças ao nosso Deus, ainda hoje podemos celebrá-la conforme Cristo a instituiu. E, para que assim continue e para que a Igreja possa, por meio dela, ser edifi cada e consolada, faz-se necessária a constante pre- LISTA DE ABREVIATURAS BÍBLIA A abreviatura dos livros da Bíblia segue conforme se acha na 2.ed. Revis- ta e Atualizada de João Ferreira de Almeida. CONFISSÕES LUTERANAS Ap - Apologia da Confi ssão de Augsburgo CA - Confi ssão de Augsburgo CM - Catecismo Maior Cm - Catecismo Menor DS - Declaração Sólida da Fórmula de Concórdia Ep - Epítome da Fórmula de Concórdia FC - Fórmula de Concórdia EDIÇÕES DE LUTERO OS - Obras Selecionadas 1 Rosemir Mauro Benati é bacharel em Teologia pelo Seminário Concórdia de São Leopoldo/ RS (2000); tem Bacharelado e Licenciatura em Teologia pela ULBRA (2001); Especialização (Pós-graduação “lato sensu”) em psicopedagogia clínica e escolar pela Faculdade de Edu- cação de Joinville (2005); foi pastor da CEL Trindade, Vila Bom Jesus, Pelotas/RS, de 2001 a 2010; pastor da CEL São Mateus, Sapiranga/RS, de 2011 em diante. Estudo produzido como trabalho de conclusão do curso de Teologia no Seminário Concórdia. IGREJA LUTERANA 6 ocupação em mantê-la conforme a ordem de Cristo e com o signifi cado que Ele quis lhe dar. Isto exige preparo de nossa parte, o que nos leva a estudá-la com toda a reverência e dedicação, sendo este o objetivo deste estudo. Dentre os muitos aspectos relacionados à Santa Ceia está o seu caráter escatológico. Para melhor compreensão do tema proposto – A Santa Ceia como um evento escatológico – o mesmo foi dividido em três partes: na primeira é dada a defi nição e a fundamentação do Reino de Deus e da escatologia bíblica, antecipada e futura; num segundo momento faz-se a abordagem da antecipação da vinda do Reino de Deus, com suas bênçãos, a cada celebração da Santa Ceia; por fi m, e não menos importante, trata-se da Santa Ceia como apontando para o fi m dos tempos, preparando-nos para a vida eterna e levando-nos a experimentar o banquete celestial. 1 ESCATOLOGIA BÍBLICA E REINO DE DEUS Este capítulo tem razão de ser devido à necessidade de se estabelecer a base para os capítulos posteriores. Visto ser a Santa Ceia um evento escatológico, requer-se uma defi nição dos termos “escatologia” e “reino de Deus” para um melhor entendimento do tema proposto, já que na Santa Ceia há aspectos de antecipação e de consumação do Reino de Deus, aspectos da escatologia inaugurada e futura. Não tenciono entrar em pormenores. Ater-me-ei a aspectos relevantes para o tema. 1.1 Defi nição de escatologia “A doutrina das Últimas Cousas (de novissimis) leva este nome por tratar do que vem ‘por último’, a saber, aquilo ‘com que termina o mundo presente’ (Schmid)”.2 Provém do vocábulo "e;scatoj, h, on - último”.3 O adjetivo eschatos signifi ca “temporalmente, os últimos eventos de uma série”.4 “Como substantivo, to eschaton signifi ca o ‘fi m’ em assuntos de espaço e de tempo”5 e;scatoj refere-se, portanto, ao “[...] time nearest the return of Christ from heaven and the consummation of the divine kingdom”.6 2 MUELLER, J. Theodore. Dogmática cristã. HASSE, Martinho L. (Trad.). Porto Alegre: Concórdia, 1960. v. 2. p.293. 3 GINGRICH, F. Wilbur; DANKER, Frederick W. Léxico do Novo Testamento grego - Por- tuguês. ZABATIERO, Júlio P. T. (Trad.). São Paulo: Vida Nova, 1993. p.86. 4 LINK, H.-G. e;scatoj. In: BROWN, Colin; COENEM, Lothar. Dicionário internacional de Teologia do Novo Testamento. CHOWN, Gordon (Trad.). 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000. v.I.p.90. 5 LINK, op. cit., p.90. 6 “[...] tempo mais próximo do retorno de Cristo e da consumação do reino divino.” THAYER, 7 A SANTA CEIA COMO UM EVENTO ESCATOLÓGICO No AT, vemos que a fé do crente era completamente escatológica,7 voltada para o futuro, estando este totalmente nas mãos de Deus.8 Al- guns profetas usavam a expressão “lastday/latterdays”.9 “Era um período de tempo histórico renovado, o tempo fi nal ou do fi m [...] marcado pela atividade salvífi ca do Senhor”.10 Escatologia, ao menos até aqui, parece resumir-se a eventos futuros. Mas ela é mais do que isto, é também a “parte da Teologia que estuda o sentido último e defi nitivo já presente”.11 O que está de acordo com a compreensão cristã do fi m: Já a compreensão cristã do fi m é escatológica, dividida em duas fases: o primeiro advento de Jesus Cristo, que ocorreu há quase dois mil anos, culminando com sua parousia ou a segunda vinda em um futuro glorioso desconhecido.12 Também Gourgues chama a atenção para estes dois aspectos: A esperança de uma vida futura se encontra, primeiro, implícita no anúncio do reino de Deus, tema central da pregação de Jesus. É claro, com efeito, que esse reino, embora já se ache inaugu- rado através da missão, da pregação e da atividade de Jesus, possui também dimensão escatológica, e que o acolhimento a esse reino supõe repercussões que se estendem para além da vida presente.13 No NT há a mesma compreensão, havendo a distinção entre o tempo caracterizado pela vinda de Jesus e o passado, e o contraste do futuro fi nal de Deus com o presente.14 Joseph H. Thayer’s Greek-English Lexicon of the New Testament. Massachussetts: Hendrickson Publishers, 1996. p.253. 7 OS TEMPOS DO FIM: Um Estudo sobre a Escatologia e Milenismo – Relatório da Comissão de Teologia e Relações Eclesiais da Lutheran Church-Missouri Synod. Gerson L. Linden (Trad.). São Leopoldo, 1995. p.11. 8 GOWAN, Donald. Eschatology in the Old Testament. Philadelphia: Fortress Press, 1986. p.122. 9 “últimos dias” (Is 2.2; Mq 4.1) VOELZ, James W. What Does This Mean? Principles of Biblical Interpretation in the Post-Modern World. St. Louis: Concordia Publishing House, 1995. p.247. 10 LINK, op. cit., p.91. 11 LIBÂNIO, João B.; BINGEMER, Maria Clara L. Escatologia cristã – o novo céu e a nova terra. Petrópolis: Vozes, 1985. Tomo X. p.295. 12 SHEDD, Russel. A escatologia do Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1983. p.7. 13 GOURGUES, M.A vida futura segundo o Novo Testamento. FERREIRA, I. F. L. (Trad.). São Paulo: Paulinas, 1986. p.9. 14 LINK, op. cit., p.92. IGREJA LUTERANA 8 Podemos afi rmar, com base no exposto acima, que o termo e;scatoj “não serve meramente para signifi car o novo tempo que começou com a vinda de Jesus. Refere-se, também, à ação fi nal, consumadora de Deus, que ainda há de vir”.15 Escatologia, portanto, divide-se em duas partes: inaugurada e futura. 1.1.1 Escatologia inaugurada Defi nimos a expressão escatologia inaugurada como abrangendo tudo “o que as Escrituras do Antigo e Novo Testamentos ensinam sobre a posse e gozo presentes do crente das bênçãos que serão plenamente experimentadas quando Cristo retornar”.16 Nos tempos do AT os crentes aguardavam “um Redentor futuro”, aguardavam o “reino de Deus escatológico”, tinham a promessa da “nova aliança”, ansiavam pela “restauração de Israel”, bem como pelo “derramamento do Espírito”, esperavam o “dia do Senhor” e “os novos Céus e a nova Terra”.17 Tudo isto se cumpriu com o primeiro advento de Cristo: Segundo o Novo Testamento, o fi m (eschaton) foi inaugurado com a encarnação, morte e ressurreição de Jesus Cristo, o Messias. Os ‘últimos dias’ (Hb 1:2) já começaram. Paulo afi rma: ‘vindo, porém, a plenitude dos tempos, Deus enviou o seu fi lho’ (Gl 4:4), apontando para o início de uma nova época.18 Cristo é o cumprimento das promessas feitas aos crentes do AT. Ele é o antítipo do tipo: Um tipo é uma pessoa, uma instituição ou um evento que prefi gura e prenuncia uma realidade nova e maior (o antítipo). O antítipo, tanto histórica como teologicamente, corresponde, elucida, cumpre e completa escatologicamente o tipo. O antítipo não é mera repeti- ção do tipo, mas é sempre maior do que sua antecipação. E, visto que as Escrituras são cristológicas, os tipos do Antigo Testamento (que são assim mostrados pela Escritura) estão relacionados, centrados e cumpridos em Cristo e no Seu povo, a Igreja.19 Isto signifi ca que o reino de Deus já veio na pessoa e obra de Cristo: Jesus and His apostles were of the conviction that the end had already defi nitively come. Dodd took as his starting point the 15 Ibid., p.93. 16 OS TEMPOS DO FIM, op. cit., p.11. 17 Ibid., p.11,12. 18 SHEDD, op. cit., p.7. 19 OS TEMPOS DO FIM, op. cit., p.7,8. 9 A SANTA CEIA COMO UM EVENTO ESCATOLÓGICO readily-documented fact that the earthly Jesus regarded the kingdom of God as a reality already actually present in His own person and work.20 O Messias prometido reina sobre nós e nos dá desde já as bênçãos escatológicas prometidas por Deus (Hb 6.5; 1Pe 2.2,3; Rm 8.37-39; 6.1- 11).21 Isto Ele faz através do Evangelho e dos Sacramentos: Através do Batismo, o cristão já ressuscitou para a vida e está, assim, assegurado da ressurreição corpórea fi nal (Rm 6.5,11,13; Cl 2.12; 3.1-4). O habitar do Espírito Santo, que foi dado no Batis- mo, é o penhor que assegura a ressurreição futura do cristão (Rm 8.11,23; 2 Co 1.22; 5.5; Ef 1.13,14). Da mesma forma, o corpo e o sangue de Cristo na Ceia do Senhor são uma antecipação das bênçãos escatológicas futuras (Mt 26.29; 1 Co 11.26). 22 1.1.2 Escatologia futura Por escatologia futura entendemos o estudo dos “eventos que ainda es- tão no futuro, tais como a ressurreição, julgamento e os novos céus e nova terra”.23 Este assunto normalmente é discutido sob os seguintes títulos: 1) A Morte Temporal; 2) As Condições da Alma entre a Morte e a Ressurreição (status medius); 3) O Segundo Advento de Cristo; 4) A Ressurreição dos Mortos; 5) O Juízo Final; 6) O Fim do Mundo; 7) A Condenação Eterna e 8) A Salvação Eterna.24 Sabemos que Cristo voltará para julgar os vivos e os mortos. Este retorno de Cristo e o fi m do mundo são confessados nos Credos.25 Pelas Escrituras, “A Parusia do Senhor é o fi m da história humana”.26 No fi m do mundo, quando Cristo vier “[...] será o último dia (João 6.40) da presente ordem de coisas, depois da qual haverá novo céu e nova terra (2 Pedro 3.10-13)”.27 20 “Jesus e seus apóstolos eram da convicção que o fim já tinha vindo definitivamente. Dodd tomou como seu ponto de partida o fato legivelmente documentado de que o Jesus terreno considerou o reino de Deus como uma realidade já presente em sua própria pessoa e obra.” STEPHENSON, J. Confessional Lutheran Dogmatics. Fort Waine: The Luther Academy, 1993. v. XIII, Eschatology. p.21. 21 OS TEMPOS DO FIM, op. cit., p.12. 22 Ibid., p.18. 23 OS TEMPOS DO FIM, op. cit., p.11. 24 MUELLER, op. cit., p.293. 25 PLUEGER, Aaron Luther. Things to Come for Planet Earth – What the Bible Says About the Last Times. St. Louis: Concordia Publishing House, 1977. p.51. 26 LIBÂNIO, op. cit., p.217. 27 KOEHLER, E. W. Sumário da doutrina cristã. SCHÜLER, Arnaldo (Trad.). Porto Alegre: Concórdia, 1969. p.280. IGREJA LUTERANA 10 Para os cristãos, este último dia será de imensa alegria, pois O fato de o Verbum incarnatum (logos énsarkos), ou seja, o Homem-Deus, ser o Senhor onipotente, que no dia derradeiro dará a bem-aventurança ou a condenação (At 17.31: “Por meio de um varão”), é de grande conforto para todos os crentes (Jo 11.23-27; Apocalipse 1.5, 6), ao passo que para todos os incrédulos é causa de indizível terror (Jo 19.37; Apocalipse 1.7; 6.16, 17).28 Com este ensino, revelado nas Escrituras, Deus quer que todos venham a crer no Evangelho, levar uma vida santa em serviço a Cristo e ansiosamente esperar o último dia, com paciência (Rm 13.12-14; Tt 2.11-13; 1Pe 1.13-15; 2 Pe 3.11,12; 1 Jo 3.2,3; 1 Tm 6.14; Mt 25.14-30).29 E, de fato, diante deste conforto o crente “‘aguarda’ pacientemente a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo e regozija-se na gloriosa redenção que este dia da salvação lhe promete (Mt 24:44-46; Lc 21:31)”.30 Neste dia, “Deus abençoará a Igreja com descanso eterno, um descanso que já é nosso através da fé em Cristo (Hb 3.1; 4.1,8-10)”.31 Enquanto este dia não chega, os cristãos vivem na proverbial tensão entre o já e o ainda não. [...] Por um lado, o fi m chegou em Cristo. O crente recebe agora as bênçãos escatológicas prometidas através do Evangelho e dos Sacramentos. Por outro lado, a consumação ainda é uma realidade futura. O cristão ainda não entrou na glória do céu.32 Sendo assim, “a presente vida é vivida à luz da vida por vir, e isso dá sentido e direção à nossa peregrinação terrena”.33 1.2 Defi nição de Reino de Deus No NT basilei,a ocorre 144 vezes com referência ao Reino de Deus, sendo 111 delas nos sinóticos.34 Na LXX35 ocorre em torno de 250 vezes,36 o que mostra a importância deste termo para o presente estudo. 28 MUELLER, op. cit., p.307. 29 OS TEMPOS DO FIM, op. cit., p.16. 30 MUELLER, op. cit., p.296. 31 OS TEMPOS DO FIM, op. cit., p.11. 32 Ibid., p.12. 33 KOEHLER, op. cit., p.299. 34 ZABATIERO, Júlio Paulo T. Rei, Reino. In: BROWN, op. cit., v.II., p.2035. 35 Tradução grega do AT. 36 STOLL, William A. Rei, Reino. In: BROWN, op. cit., v.II. p.2026. 11 A SANTA CEIA COMO UM EVENTO ESCATOLÓGICO Porém, antes de analisarmos o signifi cado e o referente desta ex- pressão, é importante notar que na Bíblia há duas expressões diferentes: basilei,a tw/n ouvranw/n e basilei,a tou/ qeou/ para referir-se ao que Libâ- nio diz ser “o núcleo central e fundamental da escatologia cristã: o Reino de Deus.”37 Por que esta distinção? Estariam os autores das Escrituras fazendo referência a conceitos diferentes? Na verdade, ambos “are used interchangeably and with the same audience – and this by inspiration of the Holy Spirit”.38 Ambos são “synonymous, describing one and the same eternal kingdom”.39 basilei,a tw/n ouvranw/n é um semitismo e refl ete o termo preponderantemente usado pelo judeu Mateus o relutante temor dos judeus de pronunciar o nome de Deus. Mateus usa, portanto, basileia tou ouranon, simplesmente como uma perífrase e sinônimo para basileia tou theou, que ele também emprega ocasionalmente.40 Visto que pode ser usado tanto um quanto outro, usarei,a partir daqui, apenas o termo basilei,a tou/ qeou (Reino de Deus), cujo signifi cado mais simples é o “domínio ou governo real de Deus, seu direito de mando e o seu atual governar”.41 Este domínio ou reinado de Deus data do princípio da história de Israel, quando Abrão obedeceu a Deus e mudou-se para Canaã.42 Porém, com o passar dos tempos, sob os reis exigidos pelo povo, Israel deixou de cumprir suas funções como povo especial,43 tornando-se deso- bediente e idólatra, diante do que Deus o repreendeu levando-o ao exílio. Deus, no entanto, não os havia abandonado, mas enviou-lhes profetas que lhes deram a esperança de que toda esta situação seria corrigida.44 Esta es- perança escatológica estava relacionada com a “manifestação dessa basileia theou com o aparecimento do Messias que deveria vir”45 e salvar Israel dos seus inimigos. E isto era aguardado ainda nos tempos do AT.46 37 LIBÂNIO, op. cit., p.287. 38 “são usados alternadamente e com a mesma audiência – e isso por inspiração do Espírito Santo.” PLUEGER, op. cit., p.12. 39 “sinônimos, descrevendo um e o mesmo reino eterno.” COX, William E. The Millennium. Nutley, New Jersey: Presbyterian and Reformed Publishing Co.,1964. Apud PLUEGER, op. cit., p.12. 40 ROTTMANN, Hans. “Igreja” e “Reino de Deus” no Novo Testamento. Porto Alegre: Casa Publicadora Concórdia, 1966. p.26. 41 Ibid., p.27. 42 STOLL, op. cit., v.II.p.2027. 43 VOELZ, op. cit., p.246. 44 VOELZ , op. cit., p.246. 45 ROTTMANN, op. cit., p.27. 46 VOELZ, op. cit., p.247. IGREJA LUTERANA 12 Na plenitude do tempo preparado por Deus, o Messias de fato veio para dentro da história na pessoa de Jesus como personifi cação do Reino de Deus.47 O Reino se fez “presente na pessoa e obra de Jesus”,48 que cumpriu tudo o que havia sido prometido pelos profetas,49 não em defi - nitivo, mas em princípio. Reino de Deus, portanto, é, em resumo, “o Reino de um Deus voltado para os homens, com face de amor, como graça, como dom. É proximidade salvífi ca de Deus”.50 É “o próprio poder de Deus atuando sob a forma de juízo e, sobretudo, de salvação, em nossa história”.51 É, ainda, a realeza redentora de Deus, dinamicamente ativa para estabe- lecer Seu domínio entre os homens, e que esse Reino, que irá aparecer como um ato apocalíptico no fi nal desta era, já veio à história humana na pessoa e missão de Jesus, para vencer o mal, libertar os homens do seu poder, e trazer-lhes as bênçãos do reinado de Deus. O Reino de Deus envolve dois grandes mo- mentos: cumprimento dentro da história, e consumação no fi m da história.52 O evangelista Mateus compreendeu bem isto e viu que o anúncio de Jesus da proximidade do Reino não se restringia à proclamação de uma vinda futura iminente desse Reino, mas, sim, que o Reino já estava vindo – embora não consumada e completamente – a era futura já fora iniciada, a presença do Rei já se fazia sentir.53 Marcos também entendeu que “o tempo está cumprido – um perfeito de estado – o tempo do cumprimento das profecias messiânicas já chegou, o futuro invadiu o presente e, por isso, o Reino ‘está próximo’”.54 Também outros autores do NT concordam que o Reino é “presente e futuro; teo- cêntrico (cristocêntrico) e transcendente, dinâmico, salvífi co”.55 Com sua vinda, Jesus passou a ser o “representante visível da au- toridade real de Deus sobre a terra”.56 Autoridade que lhe foi dada por 47 LIBÂNIO, op. cit., p.119-124. 48 ZABATIERO, op. cit., p.2038. 49 VOELZ, op. cit., p.249. 50 LIBÂNIO, p.109. 51 Ibid., p.103. 52 ZABATIERO, op. cit., p.2042. 53 ZABATIERO, op. cit., p.2046. 54 Ibid., p.2046. 55 Ibid., p.2054. 56 ROTTMANN, op. cit., p.28. 13 A SANTA CEIA COMO UM EVENTO ESCATOLÓGICO ocasião da conclusão de sua obra redentora e que foi confi rmada com sua ascensão aos céus à direita de Deus Pai. “A ascensão foi, por assim dizer, o ato pelo qual o, ao mesmo tempo divino e humano, Redentor e Senhor da Igreja tomou posse visível de seu trono da basileia”.57 De posse de seu governo, Jesus reina presente em nosso meio através de sua Igreja, da qual fazemos parte, e na qual “a basiléia theou se realiza, concretiza e torna-se perceptível aqui na terra”.58 Este Reino, com todas as suas bênçãos, nós o recebemos pela fé,59 sendo esta a única maneira de estarmos no Reino. E “estar ‘no Reino’ signifi ca receber a salvação messiânica e desfrutar suas bênçãos mesmo enquanto vivendo na era má de mortalidade e pecado”.60 2 A SANTA CEIA COMO ANTECIPAÇÃO DA VINDA DO REINO DE DEUS Como foi frisado no capítulo anterior, na obra de Cristo o Reino de Deus já veio. Já estamos nos “tempos do fi m”. Neste capítulo tenciono mostrar que o Reino de Deus vem também a cada celebração da Santa Ceia, con- cretizando, assim, a obra de Cristo em nossa vida para proveito presente, tornando-a, desta forma, objetiva, pois todas as vezes que comemos este pão e bebemos o cálice, anunciamos a morte do Senhor, lembrando a obra de Cristo na cruz e recebendo os benefícios da mesma. Primeiramente apresento o testemunho das Sagradas Escrituras a respeito desta antecipação, em seguida trago o relato das Confi ssões Lu- teranas, para, então, relacionar os resultados obtidos na vida cristã, isto na seção Aplicações Teológicas. 2.1 Bíblia O texto escolhido, 1Co 11.25,26, faz parte de um relato paulino da instituição, contendo, também, uma interpretação (v. 26) inspirada pelo Espírito Santo, interpretação esta que nos permite chegar a algumas considerações a respeito do tema proposto. 2.1.1 1Co 11.25,26 Texto grego: “25 ẁsau,twj kai. to. poth,rion meta. to. deipnh/sai le,gwn( Tou/to to. poth,rion h` kainh. diaqh,kh evsti.n evn tw/| evmw/| ai[mati\ tou/to poiei/te( o`sa,kij eva.n pi,nhte( eivj th.n evmh.n avna,mnhsinÅ 26 o`sa,kij ga.r eva.n evsqi,hte to.n a;rton tou/ton kai. to. poth,rion pi,nhte( to.n qa,naton tou/ kuri,ou katagge,llete a;crij ou- e;lqh|Å”61 57 Ibid., p.30. 58 Ibid., p.47. 59 Ibid., p.30. 60 ZABATIERO, op. cit., p.2050. 61 NESTLE-ALAND. Novum Testamentum Graece. 26.ed. Stuttgart: Deutsche Bibelstiftung, 1979. p.460. IGREJA LUTERANA 14 Tradução: 25 Semelhantemente também [tomou] o cálice, depois de cear, dizendo: Este cálice é a nova aliança no meu sangue; fazei isto, todas as vezes que o beberdes, em memória minha. 26 Porque todas as vezes que comerdes este pão e beberdes o cálice, anunciais a morte do Senhor, até que ele venha. 2.1.1.1 Aspectos isagógicos No tempo da escrita de 1Co, a cidade de Corinto era a “mais impor- tante da Grécia”.62 Destruída por L. Mummius Achaicus em 146 A.C.,63 foi reerguida um século mais tarde por ordem de Júlio César.64 Sua situação geográfi ca era privilegiada, tendo dois portos, de modo que veio a ser o principal empório entre a Ásia e Roma.65 “A população era constituída de gregos nativos, colonos romanos e de judeus”.66 No entanto, “a cidade, famosa pela sua riqueza e cultura, era conhecida também pela corrupção moral dos seus habitantes e pela libertinagem que dominava os costumes da sociedade”.67 “Era sede de uma aviltante modalidade de culto a Vênus, bem como de outros cultos licenciosos originários do Egito e da Ásia”.68 “Templo, santuários e altares pontilhavam a cidade. Mil prostitutas sagradas se punham à disposição de qualquer um no templo da deusa grega Afrodite”.69 Era, em resumo, um lugar muito cosmopolita. Era uma cidade importante. Era intelectualmente viva. Era materialmente próspera. Era moral- mente corrupta. Os seus habitantes eram pronunciadamente propensos a satisfazer os seus desejos, fossem de que espécie fossem.70 Entretanto, não se tem certeza de que o caráter da antiga Corinto estivesse também associado com a nova. O que se pode dizer é que uma reputação tão infame custa “a desaparecer e, na condição de cidade 62 ERDMAN, Charles R. Primeira epístola de Paulo aos Coríntios. M., D. A. (Trad.). São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1956. p.7. 63 MORRIS, Leon. I Coríntios – introdução e comentário. OLIVETTI, Odayr (Trad.).São Paulo: Vida Nova e Mundo Cristão, 1983. p.11. 64 Ibid., p.7. 65 Ibid., p.8. 66 DAVIDSON, F. O novo comentário da Bíblia. São Paulo: Vida Nova, [19--]. p.1187. 67 BÍBLIA de estudos Almeida- RA. 2.ed. Barueri: SBB,1999. p.239 do NT. 68 ERDMAN, op. cit., p.8. 69 GUNDRY, Robert H. Panorama do Novo Testamento. 4.ed. BENTES, João Marques (Trad.). São Paulo: Vida Nova, 1991. p.309. 70 MORRIS, op. cit., p.12. 15 A SANTA CEIA COMO UM EVENTO ESCATOLÓGICO portuária importante, é improvável que Corinto tenha criado fama de probidade moral (veja 1 Co 6.12 e ss.)”.71 Nesta cidade, com todos os seus problemas, Paulo foi pregar o Evange- lho, sendo o pioneiro na evangelização da cidade.72 A situação geográfi ca parece ter infl uenciado, pois dali o Evangelho poderia facilmente espalhar- se para as regiões vizinhas.73 Durante sua 2ª Viagem Missionária, tendo saído de Atenas, chegou a Corinto, onde encontrou Áqüila e Priscila, judeus fabricantes de tendas, com os quais passou a morar e a trabalhar, pois eram do mesmo ofício. Aos sábados Paulo anunciava o evangelho na sinagoga (At 18.1-4). Contudo, devido à oposição de seus adversários judeus, abandonou a sinagoga e fundou uma assembleia cristã na casa de Tito Justo, a qual fi cava perto da sinagoga.74 Através de sua pregação muitos creram e foram batizados,75 formando a Igreja à qual a epístola de 1Co foi endereçada. Esta igreja era composta de uns poucos judeus e muitos gentios,76 sendo a maioria de classes mais humildes.77 Depois de 18 meses naquela cidade (At 18.11), Paulo viajou para Jerusalém e Antioquia, deixando “uma igreja forte e fl orescente, prati- camente sob a proteção de Roma e capacidade a prosseguir na evange- lização de toda a província da Acaia”.78 Mas nem tudo se deu conforme o esperado: os antecedentes pagãos da maioria daqueles irmãos continuavam pesando na conduta de alguns, e a corrupção geral, característica da cidade, era infl uente também na congregação, de modo que, inclusive no seu seio, se davam casos de imoralidade que exigiam ser imediatamente corrigidos.79 Paulo, em sua 3ª Viagem Missionária, quando estava em Éfeso por volta de 55 A.D., tomou conhecimento destes casos por intermédio de uma carta da igreja (1Co 7.1), possivelmente levada pelas mãos de Estéfanas, Fortunato e Acaico (1Co 16.17), e também por gente da casa de Cloe (1Co 1.11). Paulo, então, escreveu à igreja em Corinto a segunda carta, a qual 71 CARSON, D. A.; MOO, Douglas J.; MORRIS, Leon. Introdução ao Novo Testamento. REDONDO, Márcio Loureiro (Trad.). São Paulo: Vida Nova, 1999. p.292. 72 DAVIDSON, op. cit., p.1187. 73 MORRIS, op. cit., p.13. 74 ERDMAN, op. cit., p.9. 75 MORRIS, op. cit., p.14. 76 DAVIDSON, op. cit., p.1189. 77 ERDMAN, op. cit., p.9. 78 Ibid., p.10. 79 BÍBLIA, op. cit., p.239 do NT. IGREJA LUTERANA 16 conhecemos como 1Coríntios. Nela Paulo aborda as questões problemáticas da igreja, as quais são tratadas por ele na seguinte ordem: Paulo trata primeiro de uma questão eclesiástica, ou sejam divisões na igreja. Seguem-se três questões morais: o caso de disciplina, litígios perante os tribunais, e a impureza na vida social. Vêm após duas questões dependentes das circunstância, isto é, o casamento e o uso de carnes oferecidas aos ídolos. Adiante considera três questões litúrgicas: a maneira de a mulher se portar durante o culto, a administração da Ceia do Senhor, e o exercício ordeiro dos dons espirituais. Por fi m, uma questão de ordem doutrinária: a ressurreição.80 A questão que nos interessa para o presente estudo é a referente à administração da Ceia do Senhor (1Co 11.17-34), que, segundo informa- ções passadas a Paulo (v. 18), estava sendo desvirtuada principalmente pela falta de comunhão entre os irmãos, havendo, inclusive, divisões entre eles (v. 18). Pelo que se sabe, a Ceia do Senhor, nos tempos apostólicos, era precedida pela “festa do amor”,81 a qual reunia os fi éis de modo fraterno revelando o amor mútuo dos cristãos. Todos participavam, desde os mais favorecidos até os que nada possuíam.82 “Mas, ao invés de repartirem os alimentos com todos, cada qual conservava para si a parte que tinha levado”,83 comendo-a sem esperar os que chegariam mais tarde (v. 33), – talvez por questão de horário de trabalho84 – transformando, desta forma, a refeição comum em uma ceia particular, inclusive com excessos, como a embriaguez. Enquanto isso, aqueles que nada tinham trazido permaneciam com fome (v. 21). O que se pensava era que a refeição comum valesse por si mesma, desligada de qualquer contexto de amor recíproco, e que criasse e exprimisse uma relação somente vertical com o Cristo ressuscitado. O sacramento, celebrado materialmente com todos juntos, tornou-se um ato individual dos fi éis, não da Igreja.85 Segundo Paulo (v. 20), o que eles comiam não era a Ceia do Senhor – a qual é convívio com Cristo e com os irmãos – mas uma ceia particular, pois excluindo os pobres do convívio mútuo, exclui-se a convivência com 80 ERDMAN, op. cit., p.11. 81 DAVIDSON, op. cit., p.1208. 82 BARBAGLIO, Giuseppe. As cartas de Paulo (I). ALMEIDA, José Maria de (Trad.). São Paulo: Edições Loyola, 1989. p.310. 83 DAVIDSON, op. cit., p.1208. 84 BARBAGLIO, op. cit., p.309. 85 Ibid., p.310. 17 A SANTA CEIA COMO UM EVENTO ESCATOLÓGICO Cristo, anulando, assim, o relacionamento de comunhão e participação com o Senhor – que são próprias da Santa Ceia –, visto que se anula o relacionamento de comunhão e solidariedade com os irmãos mais neces- sitados – que são próprias da ceia comum.86 Os coríntios, agindo da forma acima descrita, estavam menosprezan- do a igreja de Deus e humilhando os que nada tinham (v. 22), mesmo porque a igreja é uma realidade criada por Deus e por sua graça, perten- ce totalmente a ele, mas exprime essencialmente fraternidade, participação. Por isso, a afronta feita aos pobres equivale a um desprezo pela Igreja de Deus.87 O modo encontrado por Paulo para sanar esta irregularidade é lembrar- lhes a instituição da Santa Ceia. Este fato servia “para dar ênfase ao amor de Cristo pelos discípulos, amor que se esquece de si em benefício dos outros”.88 Amor que deveria fazer parte da vida dos cristãos coríntios. Alguns aspectos deste relato serão abordados na seção seguinte. 2.1.1.2 Aspectos textuais Tou/to to. poth,rion h` kainh. diaqh,kh evsti.n evn tw/| evmw/| ai[mati A palavra “cálice”, neste texto, “é uma forma gramatical ou, para ser- mos mais exatos, uma fi gura de sintaxe, chamada metonímia, onde o con- tinente é tomado pelo conteúdo”.89 O que signifi ca dizer que to. poth,rion refere-se ao vinho contido no cálice, o qual “is not merely ‘this wine’ but ‘this wine consecrated by the Lord to be the bearer of his sacrifi cial blood’”,90 pelo qual estabeleceu uma nova aliança entre Deus e seu povo. Esta “Nova Aliança” dá a ideia de uma “antiga aliança”.91 Aquela fi rmada no monte Sinai,92 – registrada em Êx 24 – e que, conforme a profecia de Jr 31.31ss., “seria substituída por uma nova baseada no perdão de pecados, e com a lei de Deus escrita no coração das pessoas”.93 86 BARBAGLIO, op. cit., p. 312. 87 Ibid., p. 312. 88 ERDMAN, op. cit., p.100. 89 FELDMANN, C. L.; HOLDORF, C. J. O significado das palavras da instituição da Santa Ceia, conforme 1 Co 11.23-26. Igreja Luterana. Porto Alegre, ano XXXII, 1971. p.51. 90 “... ‘Este cálice’ não é meramente ‘este vinho’ mas ‘este vinho consagrado pelo Senhor para ser portador do seu sangue sacrificial’.” LENSKI, R. C. H. The Interpretation of St. Paul’s First and Second Epistle to the Corinthians. Columbus: Wartburg Press, 1946. p.470. 91 FELDMANN, op. cit., p.51. 92 CHAMPLIN, Russell N. O Novo Testamento interpretado - versículo por versículo. Guaratinguetá: A Voz Bíblica, [19--]. v.IV. p.182. 93 MORRIS, op. cit., p.130. IGREJA LUTERANA 18 O sangue da antiga aliança “typifi ed and promised the blood of Christ, God’s own Son, the seal of ‘the new testament’ by which we inherit all that thisblood has purchased and won for us”94 “Está em pauta a vida que Jesus Cristo nos deu, a sua expiação no sacrifício da cruz”.95 Jesus, com estas palavras, está nos dizendo “que o derramamento do Seu sangue é o meio de estabelecer a nova aliança”.96 Com Sua morte uma ‘nova aliança’ foi fi rmada, prefi gurada pela primeira, capaz de realizar aquilo que a primeira tão somente apontava como necessário, mas que não podia concretizar, a saber, a expiação pelo pecado, a redenção através do poder transmissor de vida que há no sacrifício de Cristo”.97 tou/to poiei/te( o`sa,kij eva.n pi,nhte( eivj th.n evmh.n avna,mnhsin poiei/te – imperativo presente ativo de poie,w – fazei. “The imperative is a durative present tense and denotes indefi nite repetition: ‘This do again and again’”.98 Por esta ordem inferimos que Cristo deseja “que a Santa Ceia seja celebrada sempre, bem assim como ele a instituiu, em memória dele, da sua morte, da sua obra, para a remissão de nossos pecados”.99 Isto porque a Santa Ceia é um dos meios “que Jesus estabeleceu para Ele estar presente no coração e na mente da comunidade da igreja”.100 o`sa,kij eva.n pi,nhte parece ser una inserción paulina em las palabras del mandato, para hacer resaltar su proprio énfasis especial. Esto parece tanto más proba- ble a la luz del v. 26, donde emplea el mismo lenguaje junto con un ‘así pues’ explicativo, com el fi n de reforzar la razón que había tenido, desde un inicio, para citar la tradición completa”.101 avna,mnhsin – substantivo acusativo feminino singular de “avna,mnhsij( ewj( h` recordação Hb 10.3; lembrança, memória Lc 22.19; 1 Co 94 “tipificava e prometia o sangue de Cristo, o próprio Filho de Deus; o selo da ‘nova aliança’ pelo qual nós herdamos tudo que esse sangue adquiriu e ganhou para nós.” LENSKI, op. cit., p.471. 95 CHAMPLIN, op. cit., p.182. 96 MORRIS, op. cit., p.130. 97 CHAMPLIN, op. cit., p.182. 98 “O imperativo é um presente duradouro e denota repetição indefinida: ‘Fazei isto de novo e de novo’.” LENSKI, op. cit., p.468. 99 FELDMANN, op. cit., p.52. 100 BARTELS, K. H. In: BROWN, op. cit., v.I, p.1184. 101 “uma inserção paulina nas palavras do mandamento, para fazer ressaltar sua própria ênfase especial. Isto parece tanto mais provável à luz do v. 26, onde emprega a mesma linguagem junto com um “assim pois” explicativo, com o fim de reforçar a razão que havia tido, desde o início, para citar a tradição completa.” FEE, Gordon. Primera epístola a los Corintios. VARGAS, Carlos Alonso (Trad.). Buenos Aires: Nueva Criación, 1994.p.629. 19 A SANTA CEIA COMO UM EVENTO ESCATOLÓGICO 11.24s.”.102 “the phrase ‘in (or for) my remembrance’ is an echo of the Passover rite: ‘And this shall be unto you for a memorial’”.103 “Está em foco todas as vezes que a comemoração for levada a efeito, com o pro- pósito de relembrar a pessoa de Cristo”.104 No entanto, o antecedente do AT para este termo, “zikkarôn impede que se entenda a Ceia do Senhor como mera lembrança psicológica. A comunidade cristã participa efi cazmente do evento salvífi co da morte de Jesus”.105 A Santa Ceia é também uma “recordatorio constante y repetido – como también una experiencia – de la efi cacia de esa muerte para nosotros”.106 Quando participamos da Santa Ceia, lembramos “the content of the entire sacramental act. And this remembrance is the oral reception of Christ’s body that was sacrifi ced for us on the cross”.107 Esta memória também inclui grato reconhecimento e confi ssão da ação redentora divina.108 Assim vivia a igreja primitiva, tendo a eucaristia como sendo “o relembrar diante de Deus do sacrifício único de Cristo em toda a sua plenitude realizada e efi caz, de tal modo que opera aqui e agora mediante os seus efeitos na alma dos redimidos”.109 Este memorial, portanto, não é uma simples lembrança. òsa,kij ga.r eva.n evsqi,hte to.n a;rton tou/ton kai. to. poth,rion pi,nhte Paulo dá sua própria explicação ou comentário sobre a Santa Ceia.110 Ele liga esta explicação às palavras de Jesus “[...] ‘as often as you drink it,’ but mentions both elements: ‘as often as you eat this bread and drink this cup,’ and indicates that he refers to the celebration of the entire sacrament”.111 A conjunção “porque” é uma “palavra que olha de volta para o ele- mento ‘memorial’ da Ceia do Senhor”,112 explicando-o: “Quando Jesus diz 102 GINGRICH, op. cit., p.21. 103 “a frase ‘ em (ou para) memória minha’ é um eco do rito da Páscoa: ‘E isto vos será por memorial.’” LENSKI, op. cit., p.468. 104 CHAMPLIN, op. cit., p.182. 105 BARBAGLIO, op. cit., p. 314. 106 “[...] recordação constante e repetida – como também uma experiência – da eficácia dessa morte para nós.” FEE, op. cit., p.631. 107 “[...] o conteúdo de todo o ato sacramental. E essa memória é a recepção oral do corpo de Cristo que foi sacrificado por nós na cruz.” LENSKI, op. cit., p.468. 108 FRANZMANN, Martin H.; ROEHRS, Walter R. Concordia Self-Study Commentary. St. Louis: Concordia Publishing House, 1979. p.155. 109 DIX, Gregory. The Shape of the Liturgy. 1945. p.243. Apud.BARTELS, op. cit., p.1184. 110 BARBAGLIO, op. cit., p. 314. 111 “[...] ‘todas as vezes que o beberdes,’ mas menciona ambos elementos: ‘todas as vezes que comerdes este pão e beberdes este cálice,’ e indica que ele recorre à celebração do sacramento inteiro.” LENSKI, op. cit., p.473. 112 CHAMPLIN, op. cit., p.183. IGREJA LUTERANA 20 ‘em memória de mim’, Paulo explica essas palavras dizendo: ‘anunciais a morte do Senhor’”.113 Para Paulo, todas as vezes em que celebramos a Santa Ceia, o fazemos em memória de Jesus. E “fazer a ‘memória’ de Jesus signifi ca anunciar a morte do Senhor”,114 signifi ca anunciar e receber os benefícios de sua morte, até que Ele venha. to.n qa,naton tou/ kuri,ou katagge,llete a;crij ou- e;lqh katagge,llete – presente indicativo ou presente imperativo ativo 2ª pessoa do plural de katagge,llw, que signifi ca ‘anunciar’ (assim na ARA), ‘proclamar’. No Novo Testamento é empregado mormente com referência à pregação do Evangelho. Sempre denota uma atividade exercida para com os homens, e nunca uma atividade exercida para com Deus. Assim, aqui signifi ca que a solene observância do ofício da Santa Comunhão é uma vívida proclamação da morte do Senhor.115 Se for presente do imperativo, há uma ligação com a ordem de Cristo (poiei/te v.25) de celebrarmos a Santa Ceia em sua memória, manifes- tando, assim, seu desejo de que todas as vezes que comermos o pão e bebermos o cálice (v.26) também anunciemos sua morte e os benefícios da mesma (o “fazer” e o “anunciar” estão juntos). Se for presente do indicativo não há ligação direta com a ordem de Cristo, mas o anúncio também é feito (ao “fazermos” também “anunciamos”). A ARA traduz no modo indicativo: “anunciais”. Os coríntios estavam sendo instruídos a participarem dignamente da Santa Ceia. Havia abusos que mereciam reprimendas. Paulo, então, advertiu-os, “dizendo que ao ‘comer o pão’ e ‘beber o cálice’ (refere-se ao sacramento todo), eles não estavam apenas celebrando um rito tra- dicional ou um ágape, mas anunciando a morte do Senhor”.116 Só que eles, na verdade, estavam desvirtuando a Ceia do Senhor, porque “Each time we receive the Lord’s Supper we proclaim to both Christians and non-Christians that Christ gave his body and shed his blood to redeem all mankind”,117 sendo a correta administração, de acordo com as palavras de 113 FELDMANN, op. cit., p.53. 114 BARBAGLIO, op. cit., p. 314. 115 MORRIS, op. cit., p.130. 116 FELDMANN, op. cit., p.52,53. 117 “Cada vez que nós recebemos a Ceia do Senhor nós proclamamos a cristãos e não-cristãos que Cristo deu seu corpo e derramou seu sangue para redimir todo gênero humano.” TOPPE, Carleton A. First Corinthians. St. Louis: Concordia Publishing House, 1992. p.108. 21 A SANTA CEIA COMO UM EVENTO ESCATOLÓGICO Jesus, e a participação na Ceia um testemunho vivo disso, visto que nela é o próprio Deus que está presente,118 se oferecendoa nós119 de maneira efi caz para enriquecer e unifi car a igreja.120 Comendo o pão e bebendo o cálice tornamo-nos participantes da morte de Jesus, pois os benefícios são para nós, tendo, portanto, valor salvífi co, expiatório.121 e;lqh| – aoristo subjuntivo ativo 3ª pessoa do singular de e;rcomai – que ele venha. Denota um simples ato futuro e uma vinda real,122 dando-nos “a medida do caráter escatológico da Santa Ceia”,123 – a qual está entre a morte de Jesus e a sua vinda fi nal124 – fazendo-nos olhar “prospectiva- mente para o dia em que o Senhor voltará”.125 Com as palavras do v.26, Paulo “determinou a prática contínua da ordenança da Ceia do Senhor, até à restauração da presença visível do Senhor Jesus”,126 ou seja, até que Ele venha. Mais detalhes sobre a perspectiva futura da Santa Ceia serão dados no próximo capítulo. 2.2 Confi ssões Como já foi frisado no primeiro capítulo,127 as bênçãos escatológicas prometidas por Deus já são recebidas em nosso tempo, a cada parti- cipação na Santa Ceia. Isto se dá porque “existe uma conexão entre o sacramento e a escatologia.128 Isto nos leva a fazer breves considerações a respeito dos sacramentos, que são atos sagrados ordenados por Deus e nos quais Ele, “por certos meios externos, ligados com sua palavra, oferece, dá e sela aos homens a graça merecida por Cristo”.129 Os sacra- mentos foram instituídos “para serem sinais e testemunhos da vontade divina para conosco, com o fi m de que por eles se desperte e fortaleça nossa fé” (CA XIII, 1). Por isso são chamados, juntamente com a Palavra, 118 BROWN, op. cit., v.I, p.1178. 119 CHAMPLIN, op. cit., p.183. 120 FRANZMANN, op. cit., p.155. 121 BARBAGLIO, op. cit., p. 314. 122 LENSKI, op. cit., p.474. 123 FELDMANN, op. cit., p.53. 124 BARBAGLIO, op. cit., p. 315. 125 MORRIS, op. cit., p.130. 126 CHAMPLIN, op. cit., p.183. 127 Nota 21 128 SASSE, Hermann. Isto é o meu corpo. 2.ed. REHFELDT, Mário L. (Trad.). Porto Alegre: Concórdia, 1993. p.137. 129 KOEHLER, op. cit., p.190. IGREJA LUTERANA 22 de meios da graça,130 meios através dos quais a graça de Deus chega até nós. Da mesma forma como a absolvição fi nal no Dia Derradeiro é antecipada na absolvição, e, assim como nossa morte e ressurreição são antecipadas no Batismo, do mesmo modo se recebe uma dádiva escatológica já agora na Ceia do Senhor.131 Esta dádiva é o perdão dos pecados,132 com a vida e salvação.133 “Pois onde há remissão dos pecados, há também vida e salvação” (Cm VI, 6). Tudo isto nos foi conquistado por Cristo mediante seu sacrifício expiatório134 – o único e sufi ciente – no qual Ele se entregou e morreu por nós. E, para assegurar e dar o perdão a cada pecador que se arrepende, Cristo instituiu a santa ceia, em que ele dá, como selo de sua promes- sa, o corpo e sangue com que ele nos obteve esses tesouros celestes. E o que crê nessas palavras da promessa, ‘tem o que elas dizem e expressam: remissão dos pecados’.135 Por isso dizemos que a Santa Ceia é puro evangelho,136 pois “o corpo de Cristo, juntamente com todos os seus benefícios, é distribuído com o pão de modo não diverso do em que o é com a palavra do evangelho” (FC DS VII, 18), de modo que “todo o conteúdo do evangelho é o conteúdo deste sacramento”,137 o qual nos é oferecido como um remédio, “como medicina inteiramente salutar e consoladora, que te ajuda e te dá a vida, tanto na alma quanto no corpo. Porque onde está restaurada a alma, aí também está auxiliado o corpo” (CM IV, 68), antecipando, assim, a redenção futura do corpo e da alma138 e nos dando uma amostra do que nos está prepa- rado nos céus. A Ceia, portanto, foi instituída “to nourish and sustain his people and assure them of his grace”.139Trata-se de um alimento para as almas, que nutre e fortalece o novo homem. Pois no batismo nascemos novamente; mas [...] ainda permanece, a 130 Ibid., p.221. 131 SASSE, op. cit., p.289. 132 Ibid., p.85. 133 MUELLER, op. cit., p.215. 134 SASSE, op. cit., p.17. 135 KOEHLER, op. cit., p.217. 136 MUELLER, op. cit., p.187. 137 SASSE, op. cit., p.82. 138 LUTERO, M. Luther’s Works. St. Louis: Concordia, 1955. p.360-372. Apud. PRUNZEL, C. J. Estudos na Teologia de Lutero. São José dos Pinhais: Adesão Editora, 1996. p.44. 139 “para nutrir e sustentar seu povo e lhes assegurar de sua graça.” LCMS - CTCR. Admis- sion to the Lord’s Supper: Basics of Biblical and Confessional Teaching. St. Louis, novembro 1999. p.52. 23 A SANTA CEIA COMO UM EVENTO ESCATOLÓGICO antiga natureza corrupta de carne e sangue no homem . Por esse motivo nos é dado para alimento e sustentação diários, para que a fé se revigore e fortaleça.140 Lutero lembra que “nos são dadas neste sacramento a incomensurá- vel graça e misericórdia de Deus” (OS 1, 431). Isto é possível porque o próprio Cristo está presente na Santa Ceia. Ele “não só diz que virá, ele está aí”141 com o mesmo corpo que Ele deu a seus discípulos na última ceia, o mesmo corpo com que fora crucifi cado e que ressuscitou.142 Por isso, todas as vezes que participamos da Santa Ceia, Cristo se entrega a nós,143 antecipando, assim, sua parusia, fazendo-nos, já agora, partici- pantes da ceia do Cordeiro. Esta visão de antecipação – na Santa Ceia – do banquete messiânico é ensinada no Novo Testamento.144 Na Ceia a esperança do retorno de Jesus já se cumpre.145 Em cada celebração a petição “Vem, Senhor Jesus!” é levada a efeito, graças à sua presença real neste sacramento,146 sem a qual todas estas dádivas acima citadas seriam apenas símbolo, sem valor e sem signifi cado real para nossas vidas. Lutero tratou a Santa Ceia como um dos assuntos centrais para a vida da Igreja,147 tornando-se um grande defensor da presença real do verdadeiro corpo e sangue de Cristo no Sacramento.148 Isso é comprovado pelos inúmeros escritos seus para refutar falsos ensinamentos a respeito. Nossas Confi ssões são claras ao dizer que “na ceia do Senhor estão verda- deira e substancialmente o corpo e o sangue de Cristo, sendo oferecidos verdadeiramente com os elementos visíveis, pão e vinho. E falamos da presença do Cristo vivo” (Ap X, 4). Negando-se a presença real, tira-se da Ceia o que lhe dá razão de ser e nega-se as palavras de Cristo, as quais, segundo a doutrina luterana, exprimem todas a mesma verdade sublime, a saber, que em, com e sob o pão e o vinho, como por verdadeiros vehicula et media collativa, o comungante recebe o verdadeiro corpo e sangue de Cristo para graciosa remissão dos seus pecados.149 140 SASSE, op. cit., p.135. 141 LUTERO, M. D. Martin Luthers Werke: Kritische Gesamtausgabe. Weimar (WA), 1883. Apud. BAESKE, A. Comunhão Escatológica.16/07/1999. p.5. 142 SASSE, op. cit., p.283. 143 Ibid., p.176. 144 SASSE, Hermann. We Confess the Sacraments. St. Louis: Concordia Publishing House, 1985. v. 2. p.92. 145 Ibid., p.92. 146 Id., Isto é o meu corpo, op. cit., p.297,298. 147 WARTH, Martim C. In: OS 1, 425. 148 SASSE, Isto é o meu corpo, op. cit., p.76. Apud. PRUNZEL, op. cit., p.40. 149 MUELLER, op. cit., p.203. IGREJA LUTERANA 24 Nós, luteranos, tomamos as palavras da instituição em seu sentido simples e confi amos em que Cristo, que fez a promessa, também será capaz de cumpri-la,150 visto que elas são efi cazes e operam “onde quer que se observe sua instituição e se pronunciem suas palavras sobre o pão e o cálice e se distribuam o pão e o cálice abençoados” (FC DS VII, 75). Lutero estava ciente da importância destas palavras, razão porque as usava como base em se tratando da Santa Ceia.151 Ele tinha na Palavra de Deus sua única fonte de doutrina cristã.152 Para ele, “é a palavra de Cristo e nada além dessa palavra que é a causa da presença real do corpo e do sangue na Ceia do Senhor”.153 As palavras são o principal, pois sem as palavras o cálice e o pão nada seriam; por outra, sem pão e cálice o corpo e o sangue de Cristo não estariam presentes. Sem a nova aliança, o perdão dos pecados não estaria presente. Sem perdão dos pecados, a vida e a bem-aventurança não estariam presentes. (OS 4, 351) Por esta razão, não poderia ser sacramento nem haveria “presença do corpo e do sangue de Cristo ‘separadamente do uso instituído por Cristo’ ou ‘separadamente da ação instituída por ordem divina’”.154 Para Lutero, a presença real signifi cava que a encarnação era mais que fato histórico do passado. Era uma realidade: aqui está Deus que se tornou homem, aqui está Cristo em sua divindade e humanidade. Aqui está o verdadeiro corpo e sangue do Cordeiro de Deus, dado por vós, presente convosco. Aqui o perdão dos pecados é uma realidade e, com ela, ‘vida e salvação’.155 Neste ponto precisamos tratar da doutrina da pessoa de Cristo, en- tendendo ser imprescindível conhecê-la para a correta compreensão da presença real. Importante para o momento é que [...] Jesus Cristo é verdadeiro, essencial, natural, completo Deus e homem em uma pessoa, inseparado e indiviso ... a mão direita de Deus está em toda a parte, junto à qual Cristo, real e verdadeiramente colocado segundo a sua natureza humana, reina presente ... a palavra de Deus não é falsa e não mente ... Deus tem e conhece vários modos de estar em algum lugar (FC Ep VII, 11-14) 150 Ibid., p.200. 151 WARTH, op. cit., p.426. 152 SASSE, Isto é o meu corpo, op. cit., p.59-62. Apud. PRUNZEL, op. cit., p.39. 153 SASSE, Isto é o meu corpo, op. cit., p.127. 154 Ibid., p.129. 155 Ibid., p.301. 25 A SANTA CEIA COMO UM EVENTO ESCATOLÓGICO “A natureza humana, a carne de Cristo, participa da onipresença da divindade de Cristo, e, desse modo, pode estar presente sem abandonar o céu, onde quer que Cristo deseja que ela se encontre”.156 Onde Cristo está conforme sua divindade, aí ele é uma pessoa naturalmente divina e está presente de maneira natural e pessoal, como o demonstra sua concepção no ventre de sua mãe. Pois para que fosse o Filho de Deus, tinha de estar natural e pessoalmente no útero de sua mãe e se tinha de tornar homem. Se ele está presente natural e pessoalmente onde está agora também deve aí estar como homem. Pois não há duas pessoas separadas, mas uma única pessoa. Onde esta pessoa está, aí está como uma pessoa indivisa. E quando podes dizer, aí está Deus, en- tão igualmente deves poder dizer, Cristo, o homem também está aí.157 É o que ocorre na Santa Ceia, o corpo e o sangue de Jesus Cristo, Deus e homem, estão presentes verdadeira e essencialmente e são verdadei- ramente distribuídos e recebidos com o pão e o vinho (FC Ep VII, 6). A presença neste sacramento, no entanto, não é a presença de um evento ou ação ocorrida no passado [...] mas é antes a presença do corpo e do sangue de Cristo, de sua verdadeira humanidade e verdadeira divindade. É esta a presença real do Senhor crucifi cado e ressurgido o qual dá seu verdadeiro corpo e sangue para ser comido e bebido, que confe- re à lembrança de sua morte uma realidade atual como a não encontramos em nenhum outro tipo de recordação de um evento histórico. Por isso ‘lembrança’ e ‘presença real’ pertencem juntas inseparavelmente.158 Isso se dá de tal modo que a parusia visível de Jesus Cristo é antecipa- da, de forma invisível, na Ceia do Senhor (WA 23,211.6ss; 26,442,32ss), fazendo da mesa da Ceia do Senhor uma mesa especial, onde o Senhor se dá, agora mesmo, real e corporalmente (26,442.32ss.), como em lugar nenhum (23,151.28ss.) – a não ser na sua parusia.159 Durante 19 séculos a igreja tem orado pelo retorno do Senhor, pelo qual tem esperado por tão longo tempo. Ela só permaneceu fi rme porque “Sunday after Sunday is the ‘Day of the Lord,’ the day of the anticipated 156 SASSE, Isto é o meu corpo, op. cit., p.29,30. 157 Ibid., p.113. 158 Ibid., p.284. 159 LUTERO, WA, Apud. BAESKE, op. cit., p.5. IGREJA LUTERANA 26 parousia, the day on which He comes to His congregation under the lowly forms of bread and wine and ‘incorporates’ Himself in it anew”.160 2.3 Aplicações teológicas Chegamos, agora, ao ponto culminante deste capítulo, no qual este aspecto de antecipação da vinda do Reino de Deus por ocasião da ce- lebração da Santa Ceia será aplicado à vida cristã, levando-nos a glori- fi car e a exaltar nosso Deus por ter nos dado este maravilhoso dom da salvação. Inicialmente, importa dizer que não há como negar que Cristo inau- gurou seu advento fi nal, quando, então, julgará vivos e mortos. Em vá- rias passagens da Escritura vemos que o Reino já se manifestou em sua pessoa. Em Mc 1.15: “O tempo está cumprido, e o reino de Deus está próximo”;161 em Mt 8.29: “Vieste aqui atormentar-nos antes do tempo?”; e em Mt 12.28: “certamente é chegado o reino de Deus sobre vós”. Por estas passagens, e outras, comprova-se que Deus estava já presente, soberanamente, em Seu ministério, particularmente na expulsão de demônios, indicando e demons- trando que o Reino de Deus já chegara e conquistara o reino das trevas. Não eram meros ‘sinais’ do Reino que estavam presentes, mas o próprio Reino.162 Este Reino não foi embora com Jesus, em sua ascensão. Ele continua se manifestando entre nós por intermédio da Palavra e dos Sacramentos.163 E, na Santa Ceia, em especial, já experimentamos antecipadamente um pouco “as delícias daquilo que será o banquete escatológico fi nal”.164 Ela justamente foi instituída devido à vontade de Jesus de nos deixar um sinal visível da vinda do Reino.165 Até mesmo as refeições tomadas pelos discípulos na companhia de Jesus eram “uma prefi guração, uma antecipação (mais exatamente, um dom antecipado) da refeição escatológica”,166 um “sinal escatológico de 160 “[...] domingo após domingo é o ‘Dia do Senhor,’ o dia da parusia antecipada, o dia no qual Ele vem à Sua congregação sob as formas humildes de pão e vinho e se ‘junta’ a ela novamente.” SASSE, We Confess the Sacraments, op. cit., p.105. 161 Cf. nota 53. 162 ZABATIERO, op. cit., p.2047. 163 Cf. notas 21, 31 e 126. 164 ZIMMER, Rudi. A Centralidade da Eucaristia no Culto. Vox Concordiana. São Paulo, ano 1, nº 2, p.2-8, 1985. p.7. 165 ALLMEN, Jean Jacques von. Estudo sobre a Ceia do Senhor. São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1968. p.124. 166 JEREMIAS, Joachim. Isto é o meu corpo. LEMOS, Benôni (Trad.). São Paulo: Paulinas, 1978. p.14. 27 A SANTA CEIA COMO UM EVENTO ESCATOLÓGICO que o reinado de Deus está próximo e até presente em seu modo de agir”.167 Agora que Jesus não está mais visivelmente entre nós para ce- armos com Ele face a face, temos a sua Ceia, na qual Ele “presents His body and blood in Bread and Wine as the means of divine grace ‘for the forgiveness of sins’”.168 Já agora e aqui podemos estar junto dEle – ainda que não o veja- mos – à mesa do Pai,169 por ocasião da Santa Ceia, que é “a pledge, a foretaste, an anticipation of that Best of God which is yet to be”,170 “é realização antecipada do reinado de Deus.”171 Sendo assim, a congregação que celebra este sacramento torna-se “o sinal visível da real presença do Reino de Deus, antecipação do festim messiânico”.172 Participando da Ceia do Senhor, somos incluídos no futuro que o Senhor nos abre, visto que a vida eterna já “está presente naquele que se une com o Senhor. O mundo futuro já agora irrompe no nosso mundo presente”.173 Esse era o entendimento da igreja primitiva, a qual considerava a eucaristia como sendo a pronouncement of the death of Jesus which had occurred in the past, a new affi rmation of the present bond between Jesus and his church, and an anticipation of the coming eschatological banquet.174 Por este motivo e em virtude da ordem de Jesus de celebrarem a Ceia em memória dele, ela passou a ser celebrada regularmente, havendo vín- culo entre o dia do Senhor e o partir do pão.175 Para eles, a Ceia era a “base 167 FEINER, Johannes, LOEHRER, Magnus. Mysterium salutis: compêndio de dogmática histórico-salvífica. BINDER, Edmundo (Trad.). Petrópolis: Vozes, 1976. v. IV, p.14. 168 “apresenta Seu corpo e sangue no pão e vinho como os meios da graça divina ‘para o perdão dos pecados’...” LCMS - CTCR.Theology and Practice of the Lord’s Supper. St. Louis, maio 1983. p.8. 169 JEREMIAS, op. cit., p.51. 170 “um penhor, um antegosto, uma antecipação daquele melhor de Deus que ainda está para acontecer.” BROMILEY, Geofrei W. Six Certainties About The Lord’s Supper. Christianity Today, St. Louis, p.953-956, 1971.p.956. 171 FEINER, op. cit., p.17. 172 ALLMEN, op. cit., p.63. 173 A CEIA do Senhor. São Leopoldo: Editora Sinodal, 1978. p.21. 174 “... um pronunciamento da morte de Jesus que tinha acontecido no passado, uma nova afirmação do presente vínculo entre Jesus e sua igreja, e uma antecipação do banquete escatológico vindouro...” BECK, Norman A. The Last Supper As An Efficacious Symbolic Act. Journal of Biblical Literature, Philadelphia, n.89, p.192-198, 1970.p.198. 175 ALLMEN, Von. O culto cristão: teologia e prática. São Paulo: ASTE, 1968. p.175. Apud. ZIMMER, op. cit., p.2. IGREJA LUTERANA 28 e o objetivo de cada reunião”,176 “o centro e coroamento do culto cristão”,177 “o ponto culminante. O mais importante de todo o programa”.178 Tanto isso é verdade que suas celebrações litúrgicas vinham carregadas de esperança na vinda de Jesus para terminar a história. Eles “viviam na expectativa desse fi nal, da ressurreição dos mortos, da parusia do Senhor. “Maranatha” – vem, Senhor Jesus (Ap 22,20)”.179 “Maranata” (1Co 16.22) é uma palavra aramaica cujo signifi cado é “Vem, nosso Senhor”, podendo também ser “O Senhor veio”, caso lida “maran-atá”.180 Era uma frase dita pelos cristãos primitivos por ocasião da celebração da Ceia: ’Vem, Senhor’ – rezavam os primeiros cristãos (Ap 22,20). Na oração de graças depois da ceia (eucarística) de uma comunida- de do primeiro século lemos esse belíssimo pedido: ‘Lembra-te, Senhor, de tua igreja... Venha aquele que é santo! Aquele que não é (santo) faça penitência: Maranatá! Amém’.181 Como resposta a esta oração, o Senhor de fato vinha, antecipando, a cada Ceia, sua parusia,182 levando-nos a também orar “Venha o teu reino”,183 o qual, na verdade, vem por si mesmo, sem as nossas petições, e contudo pedimos que venha a nós, isto é, que atue entre nós e junto a nós, de sorte que também sejamos parte daqueles entre os quais o seu nome é santifi cado e seu reino está em vigor. (CM III, 50) De fato este Reino está atuante em nosso meio e, pelo que pudemos perceber no que foi dito até aqui, no Sacramento da Santa Ceia ele mostra sua cara. É o Reino em ação, antecipação das dádivas que só teríamos no céu. Cabe-nos, então, considerar qual o nosso papel como igreja e como cristãos individuais diante de tudo isso. Como Igreja de Jesus Cristo – comunhão dos santos – devemos zelar para que a Palavra e os sacramentos sejam oferecidos e administrados corretamente, de acordo com Seu mandato e em virtude de Sua vontade, a qual é que todos tenham oportunidade de salvação, a fi m de que todos cheguem ao pleno conhecimento da verdade, visto que Ele quer salvar 176 CULLMANN, Oscar. Early Christian Worship, Studies in Biblical Theology. Londres: ACM Press LTD, 1962. nº 10. p.29. Apud. ZIMMER, op. cit., p.2. 177 ZIMMER, op. cit., p.4. 178 SALVADOR, José G. O Didaquê. São Paulo: Igreja Metodista, 1957. v.II. p.51. 179 LIBÂNIO, op. cit., p.204. 180 BÍBLIA, op. cit., notaq sobre 1Co 16.22, p.257 do NT. 181 DIDAQUÉ, Catecismo dos primeiros cristãos. Petrópolis: Ed. Vozes, 1978, p.33s. Apud Libânio, op. cit., p.214. 182 ALLMEN, op. cit., p.132. 183 Ibid., p.75. 29 a todos. Cumpre-nos, também, ensinar aos cristãos sobre o proveito da Santa Ceia, para que se sintam motivados a participarem cheios de alegria e com a certeza de estarem recebendo o melhor de Deus. Como cristãos, fi lhos de Deus e herdeiros das bem-aventuranças ce- lestiais, somos convidados e até ordenados a celebrar sua Ceia, pois nela Cristo se faz presente, dando-nos agora as bênçãos do Reino: perdão, vida e salvação. Lutero insistia em irmos ao Sacramento a fi m de receber tal tesouro. Pois me ordena comer e beber, para que seja propriedade minha e me aproveite como seguro e penhor e sinal, sim, como exatamente o próprio bem estabelecido para mim contra o meu pecado, a morte e toda desgraça. Conseguin- temente, é com razão que se chama alimento da alma, que nutre e fortalece o novo homem. Por isso o sacramento nos é dado para diária pastagem e alimentação, para que a fé se restaure e fortaleça. (CM IV, 22-24) Todas estas bênçãos prometidas deveriam ser sufi cientes para receber- mos o Sacramento frequentemente. Mas se, ainda assim, não nos dermos por satisfeitos, e “mesmo que nenhum benefício estivesse relacionado com o sacramento, o próprio fato de nosso Senhor pedir que participemos com frequência deveria induzir-nos a que o fi zéssemos”.184 Contudo, sabemos que há benefícios, que há proveito neste comer e beber, sendo isto possível porque a promessa de Cristo está ligada a estes atos,185 o que nos indicam as palavras: “Dado em favor de vós” e “derramado para remissão dos pecados.” Estas palavras, “juntamente com o comer e o beber físico, são a coisa mais importante no sacramento. E o que crê nessas palavras, tem o que elas dizem e expressam, a saber, ‘remissão de pecados.’” (Cm VI, 8). Com estas palavras, Cristo nos mostra quão maravilhoso é este sa- cramento, que nos é dado como herança, razão porque dele devemos participar sempre que possível, visto que foi instituído “especialmente para cristãos fracos na fé, contudo penitentes, para consolo e fortalecimento de sua débil fé” (FC Ep VII, 19). Ele também nos diz em Mateus 9.12 que “os sãos não precisam de médico, e sim os doentes”, ou seja, que os benefícios da Sua presença – também na Santa Ceia – são para os que “estão cansados e sobrecarregados com o pecado, o medo da morte e as tentações da carne e do diabo” (CM IV, 71), isto é, para nós, pecadores. Agora, cientes da importância da Ceia como meio da graça – através da qual Deus nos oferece não só o perdão dos pecados, mas também “o fortalecimento da fé, do amor e da esperança que são bênçãos para a 184 KOEHLER, op. cit., p.221. 185 SASSE, Isto é o meu corpo, op. cit., p.188. A SANTA CEIA COMO UM EVENTO ESCATOLÓGICO IGREJA LUTERANA 30 nossa vida em comunhão com ele e com o próximo”186 – e confi antes de que através de sua obra de expiação, pela qual Ele se sacrifi cou pelos pecados de todos nós, Jesus nos deu justamente o que mais precisáva- mos para a luta diária contra o diabo, o mundo e a nossa carne. Assim, podemos ir à mesa do Senhor confessando nossa fé,187 louvando e agra- decendo pela salvação de pecado e morte (OS 4, 337) – salvação que recebemos e desfrutamos já aqui neste mundo e neste corpo mortal, em virtude e por ocasião da celebração da Santa Ceia. Cristo, instituindo a Santa Ceia, quis que ela fosse observada pela igreja até o fi m dos tempos. Ele ordenou aos discípulos que fi zessem isso em memória dele, e estas palavras têm valor ainda hoje, de forma que também somos admoestados a fazê-lo muitas vezes, “até que Ele venha”.188 3 A SANTA CEIA APONTANDO PARA O e;scaton Neste capítulo tem lugar a relação entre o agora e o futuro na ce- lebração da Santa Ceia. Visto que já agora desfrutamos, em parte, das maravilhas que Deus nos tem preparado – como vimos no segundo ca- pítulo – e que as desfrutaremos em toda a plenitude nos céus, podemos fazer esta ligação no sentido de a Santa Ceia estar apontando para o nosso destino fi nal, que é o banquete celestial no Reino de Deus consu- mado e defi nitivo, do qual participaremos por ocasião da vinda gloriosa de Jesus Cristo, quando tomaremos posse defi nitiva da herança que nos está reservada. A exemplo do capítulo anterior, primeiramente é dado o testemunho bíblico através de um texto escolhido e que trata do assunto. Então, traz-se o que as Confi ssões nos revelam a respeito. Num último momento faz-se o fechamento do capítulo, ligando os resultados à vida cristã, aplicando-os à nossa atualidade e realidade como cristãos e como igreja.3.1 Bíblia Por entendermos que trata do direcionamento para o Reino vindouro e por estar diretamente ligado à Santa Ceia, o texto escolhido foi Marcos 14.25, que faz parte do contexto da instituição da Ceia do Senhor, sendo também a despedida de Jesus, que, logo em seguida, se entregaria à morte por nós. 186 LANGNER, Selvino. O valor do Sacramento do Altar. São Leopoldo, 1985. 53p. Monografia (Bacharelado em Teologia) – Faculdade de Teologia, Seminário Concórdia de São Leopoldo, 1985. p.46. 187 KOEHLER, op. cit., p.217,218. 188 Ibid., p.203. 31 3.1.1 Mc 14.25 Texto grego: avmh.n le,gw ùmi/n o[ti ouvke,ti ouv mh. pi,w evk tou/ genh,matoj th/j avmpe,lou e[wj th/j h`me,raj evkei,nhj o[tan auvto. pi,nw kaino.n evn th/| basilei,a| tou/ qeou/.. 189 Tradução: Em verdade vos digo que nunca mais beberei do fruto da videira até àquele dia quando o beberei, novo, no Reino de Deus. 3.1.1.1 Aspectos isagógicos Há discordância entre teólogos no que diz respeito à pergunta “qual foi escrito primeiro, Mateus ou Marcos?” Agostinho,190 Papias,191 Ireneu,192 Clemente,193 Orígenes194 e quase toda a igreja primitiva195 dão primazia a Mateus. Outros eruditos atribuem a primazia a Marcos, principalmente por sua brevidade; pelo paralelismo verbal entre os evangelhos; pela ordem dos acontecimentos e pelo seu estilo e teologia mais primitivos.196 A idéia de que Marcos é o primeiro Evangelho vem despertando maior interesse desde o séc. XIX, justamente por ser tido, por alguns, como o documento mais antigo que possuímos sobre a vida e a obra de Jesus.197De qualquer forma, diante desta indefi nição não nos cabe impor um ou outro. O que se pode afi rmar é que Marcos é o Evangelho mais resumido,198 talvez por ter sido a primeira obra deste gênero,199 bem como por ter sido escrita na língua grega popular, sendo difícil para o autor “escrever em uma língua que não tinha aprendido no regaço materno, e sim na convivência com os humildes”.200 O vocabulário, por conta disso, “não é dos mais ricos”,201 sendo, ao lado de Apocalipse, “a pior forma do grego de todo o N.T”.202 Contudo, 189 NESTLE-ALAND, op. cit., p. 210. 190 CARSON, op. cit., p.34. 191 EUSÉBIO.Ecclesiastical History. CRUSE, Christian Frederick (Trad.). Grand Rapids: Baker, 1991. livro III, p.127. 192 Ibid., livro V, p.187,188. 193 Ibid., livro VI, p.234. 194 Ibid., livro VI, p.245,246. 195 CARSON, op. cit., p.85,86. 196 Ibid., p.36-38. 197 BÍBLIA, op. cit., p.59 do NT. 198 AUNEAU, J.; BOVON, F.; CHARPENTIER, E., et. al. Evangelhos Sinóticos e Atos dos Apóstolos. DUPRAT, M. Cecília de M. (Trad.). São Paulo: Paulinas, 1986. p.76. 199 CHAMPLIN, op. cit., v. I, p.659. 200 BATTAGLIA, Oscar; URICCHIO, Francesco; LANCELLOTTI, Angelo. Comentário ao Evan- gelho de São Marcos. ALVES, Ephraim Ferreira (Trad.). Petrópolis: Vozes, 1978. p.11. 201 AUNEAU, op. cit., p.75. 202 CHAMPLIN, op. cit., p.659. A SANTA CEIA COMO UM EVENTO ESCATOLÓGICO IGREJA LUTERANA 32 a personalidade do escritor “compensou sua limitação linguística”.203 Ele tem uma maneira toda peculiar de contar os fatos, esquematizando e dramatizando as narrativas, dando uma aparência viva aos relatos.204 Ele também emprega com frequência os verbos “estar” e “ir” no gerúndio,205 o que faz da obra um evangelho de ação.206 O autor é apontado como sendo João Marcos, o qual é mencionado várias vezes no Livro de Atos (12.12,25; 15.37-39), nas cartas do após- tolo Paulo (Cl 4.10; 2Tm 4.11; Fm 24), e uma vez na Primeira Carta de Pedro (5.13). Ele era primo de Barnabé (Cl 4.10) e fi lho de Maria, a qual morava em Jerusalém, em uma casa que dispunha de um cenáculo onde se reuniam os apóstolos (At 1.13; 12.12). Mesmo não sendo apóstolo, sempre esteve em contato íntimo com os primeiros seguidores de Jesus,207 permanecendo com Pedro por um ano e meio em Roma208 e acompanhando Barnabé e Paulo entre os anos 45 e 48 dC.209 Conforme a tradição, o livro foi escrito para leitores gentios, em Roma,210 o que se comprova por conter explicação de alguns costumes judaicos (7.2-4; 15.42), tradução de termos aramaicos (3.17; 5.41; 7.11,34; 15.22; cf. 12.42 e 15.16), e interesse em temas como perse- guição e martírio (8.34-38; 13.9-13).211 A data da escrita pode ser fi xada entre as décadas de 40 e 70,212 sendo que a maior parte dos estudiosos da atualidade a fi xam no período que vai do “ano 60 (chegada de Paulo em Roma) ao ano 67 (quando o evangelista não está mais na capital)”.213 Marcos escreveu o seu evangelho, guiado pelo Espírito Santo, para edifi cação, instrução, fortalecimento e consolo, visto que os cristãos es- tavam sofrendo com perseguições e martírio e por haver a necessidade de um registro por escrito do ministério de Jesus na terra.214 O resultado é “uma narrativa mui simples das atividades de Jesus durante o Seu mi- nistério público”.215 203 BATTAGLIA, op. cit., p.11. 204 AUNEAU, op. cit., p.79-81. 205 Ibid., op. cit., p.77. 206 FRANZMANN, op. cit., p.44. 207 PETERSON, H. Estudo sobre Marcos. WEY, Waldemar W. (Trad.). Rio: Casa Publicadora Batista, 1962. pp.14,15. 208 Ibid., p.16. 209 BATTAGLIA, op. cit., p.10. 210 FRANZMANN, op. cit., p.44. 211 SCHOLZ, Vilson. Material isagógico distribuído na disciplina “Isagoge do NT”. 212 CARSON, op. cit., p.108-112. 213 BATTAGLIA, op. cit., p.12. 214 PETERSON, op. cit., p.17-20. 215 Ibid., p.22. 33 Seu principal objetivo foi apresentar Jesus como o “Servo de Deus” (Is 40.61). Por isso enfatiza os feitos de Jesus (18 milagres, apenas quatro parábolas).216 “Na sua brevidade, o escritor escolheu os fatos essenciais”,217 chamando a atenção do leitor sobre a fi gura de Jesus,218 anunciando “a presença de Jesus no mundo como o sinal imediato da vinda do reino de Deus (1.14-15; 4.1-34)”, revelando que “Jesus de Nazaré, o Filho de Deus, é também o Filho do Homem. Participa dos sentimentos humanos e é sujeito ao sofrimento e à morte (8.31)”.219 Com esta fi nalidade, Marcos traz em seu Evangelho uma revelação progressiva que Jesus faz de si mesmo: por um lado, a sua personalidade (cf. 1.7-8,10-11; 4.41; 8.27-29; 9.7), o seu poder frente à natureza, à dor e à morte (cf. 1.30-31,40- 42; 2.3-12; 4.37-39; 5.22-42; 6.45-51) e a sua luta contra as forças do mal (cf. 1.24-27; 3.11; 5.15,19; 9.25-27); por outro lado, a índole da sua missão, primeiro como mestre e profeta (cf. 1.37-39; 2.18-28; 3.13-19,23-29; 4.1-34; 9.2-10.45; 13.3-37; 14.61-62) e defi nitivamente como Senhor e Salvador (16.15-18).220 Um esboço do Evangelho poderia ser feito dividindo-o em cinco partes, fi cando assim representado: Introdução (1.1-20); o ministério na Gali- léia (1.21-6.13); o ministério fora da Galiléia (6.14-10.52); o ministério fi nal em Jerusalém (11.1-14.42); a crucifi cação e a ressurreição (14.43- 16.20).221 A parte que nos interessa é a 4ª, especifi camente Marcos 14.17-25, que relata a Ceia de despedida realizada por Jesus com os seus discí- pulos. Como a hora de sua morte estava se aproximando, Ele enviou Pedro e João (Lc 22.8) para que preparassem a ceia da Páscoa. Esta seria a última ceia pascal dos componentes daquele grupo. Dali em diante o rito de maior signifi cação para eles seria a Ceia que come- moraria o novo pacto,222 fi rmado pela obra expiatória de Cristo. Neste contexto é que Jesus proferiu as palavras do v.25, objeto de estudo da próxima seção. 216 SCHOLZ, op. cit. 217 BATTAGLIA, op. cit., p.12. 218 Ibid., p.18. 219 BÍBLIA, op. cit., p.59.do NT. 220 Ibid., p.60. do NT. 221 PETERSON, op. cit., pp.20-22. 222 Ibid., p.136. A SANTA CEIA COMO UM EVENTO ESCATOLÓGICO IGREJA LUTERANA 34 3.1.1.2 Aspectos textuais Junto ao triste anúncio de sua morte, Jesus também deu outro mui glorioso, que chegaria o dia quando beberia o vinho, admirável e novo, dirigindo, assim, seu olhar sobre o reino a devir, que anunciara em sua obra terrena e, pela pala- vra e por sinais, tornara transparente como realidade presente e imperecível. Ele mesmo está repleto da certeza de que está prestes a vivenciar, comseus discípulos, a glória escatológica do reino de Deus.223 Com isso, Jesus nos diz que, por ocasião da Santa Ceia, ao mesmo tempo em que o reino se manifesta a nós, também se dá uma “anticipation of the messianic banquet when the Passover fellowship with his followers will be renewed in the Kingdom of God”.224 Na certeza desta comunhão celeste e para a aguardarmos fi elmente, Jesus nos alenta com as palavras do v.25, prometendo-nos um reencontro com Ele já agora, mas também na eternidade, nas bodas do Cordeiro, que é lembrada e, em parte, ex- perimentada a cada celebração. 25a avmh.n le,gw u`mi/n o[ti ouvke,ti ou vmh. pi,w evk tou/ genh,matoj th/j avmpe,lou avmh.n – “it came to be used as an adverb by which something is as- serted or confi rmed: a. At the beginning of a discourse, surely, of a truth, truly”.225 É uma “expressão de uso frequente nos discursos de Jesus, a qual ressalta a importância da declaração em foco”.226 le,gw – presente indicativo ativo 1ª pessoa singular de le,gw: digo ouvke,ti ou vmh – “nunca mais”227 pi ,w – aoristo subjuntivo ativo 1ª pessoa singular de pi ,nw: “beberei”.228 genh,matoj – substantivo genitivo neutro singular de ge,nhma: “fruto”.229 avmpe,lou – substantivo genitivo feminino singular de a;mpeloj: “videira”.230 223 SCHNACKENBURG, Rudolf. O Evangelho Segundo Marcos. BINDER, Frei Edmundo (Trad.). Petrópolis: Vozes, 1974. v. 2/2, p.253. 224 “antecipação do banquete messiânico quando a comunhão pascal com seus seguidores será renovada no Reino de Deus “. LANE, William L. The Gospel of Mark. Grand Rapids: Eerdmans, 1993. v.2, p.508. 225 “ela vem a ser usada como um advérbio pelo qual alguma coisa é declarada ou confirmada: a. No início de um discurso, certamente, em verdade, verdadeiramente” THAYER, op. cit., p.32. 226 CHAMPLIN, op. cit., p.781. 227 GINGRICH, op. cit., p.151. 228 Ibid., p.166. 229 Ibid., p.46. 230 Ibid., p.18. 35 Este trecho do versículo não acentua “que já não provará do fruto da vide, mas a sequência da frase, de que dele beberá de novo no reino de Deus”.231 O cálice que Ele recusou era o cálice of consummation, asso ciated with the promise that God will take his people to be with him. This is the cup which Jesus will drink with his own in the messianic banquet which inaugurates the saving age to come. The cup of redemp tion (verse 24), strengthened by the vow of abstinence (verse 25), con stitutes the solemn pledge that [...] will be extended and the unfi nished meal completed in the consummation, when Messiah eats with redeemed sinners in the Kingdom of God (cf. Lk. 14:15; Rev. 3:20f.; 19:6-9).232 Todas as promessas de Jesus estavam sendo confi rmadas com a solemn oath that he would not share the festal cup until the meal was resumed and completed in the consummation. The sober reference “no more” indicates that this is Jesus’ fi nal meal and lends to the situation the character of a fare well. The purpose of his vow of abstinence was to declare that his deci sion to submit to the will of God in vicarious suffering was irrevocable.233 A morte de Jesus era necessária para que o reinado e a salvação de Deus pudessem chegar a todos os homens, e pudesse um dia Deus instalar o reino consumado.234 Essa perspectiva escatológica “é parte fundamental da ação sagrada instituída por Jesus, e confere ao pensamento na morte iminente o seu signifi cado mais profundo: Sua morte se destina a instalar o reino de Deus que anunciou”.235 25b e[wj th/j h`me,raj evkei,nhj o[tan auvto. pi,nw kaino.n evn th/| basilei,a| tou/ qeou/Å e[wj th/j h`me,raj evkei,nhj o[tan – até àquele dia: “O dia do seu retorno, ou seja, a ‘parousia’ ou segundo advento”.236 Esta referência aponta tam- 231 SCHNACKENBURG, op. cit., p.253. 232 “da consumação, associada com a promessa de que Deus levará seu povo para estar com ele. Este é o cálice que Jesus beberá com os seus no banquete messiânico que inaugura a era da salvação por vir. O cálice da redenção (v. 24), que é fortalecido pelo voto de abstinência (v. 25), constitui a promessa solene que ... será estendida e a ceia inacabada será completada na consumação, quando o Messias come com pecadores redimidos no Reino de Deus (cf. Lc 14.15; Ap 3.20s; 19.6-9)”. LANE, op. cit., p.508,509. 233 “um juramento solene de que ele não compartilharia o cálice festivo até que a refeição fosse retomada e completada na consumação. A discreta referência “não mais” indica que esta é a refeição final de Jesus e empresta à situação o caráter de uma despedida. O propósito do seu voto de abstinência era declarar que sua decisão de submeter-se à vontade de Deus em sofrimento vicário era irrevogável “. Ibid., p.508. 234 SCHNACKENBURG, op. cit., p.253. 235 Ibid., p.252. 236 CHAMPLIN, op. cit., p.781. A SANTA CEIA COMO UM EVENTO ESCATOLÓGICO IGREJA LUTERANA 36 bém para o triunfo do Filho do Homem, que, naquele dia, estará conosco, visto ter redimido defi nitivamente o mundo.237 kaino.n- kaino,j – adjetivo acusativo neutro singular: novo, no sentido de comparação com o velho;238 novo tipo;239 de natureza diferente.240 Não signifi ca que Jesus irá beber outro vinho, mas “chama a atenção para a modalidade nova e diferente do reino a devir. Aquele reino consumado de Deus pertence a outra ordem que a atual terreno-histórica”.241 evn th/| basilei,a| tou/ qeou/ – no reino de Deus. Maiores detalhes, ler a seção 1.2. Aqui ele refere-se ao “reino escatológico de Deus, como alhures (Mt 8,11) é simbolizado pela metáfora do banquete”.242 Com as palavras do v.25, Jesus estava dizendo aos presentes que renovaria e continuaria a comunhão de mesa no Reino consumado, que seria instaurado e teria a forma de um banquete alegre com a presença de Jesus,243 como o relatado por João em Ap 19.7, as bodas do Cordeiro. Enquanto este banquete não chega, podemos ao menos desfrutá-lo em parte na Ceia, que, nesse sentido, nos orienta “para o futuro do Senhor e o traz para perto de nós. Ela é uma alegre antecipação da ceia festiva celestial, quando a redenção estará perfeitamente consumada”.244 3.2 Confi ssões Pelo testemunho das Escrituras pudemos constatar que Jesus clara- mente posicionou o signifi cado da Santa Ceia “for His return in glory. Thus the communicant confesses or ‘proclaims’ confi dent faith in the Lord’s promised return when he partakes of the Lord’s Supper”.245 Vimos também, no capítulo dois, que a santa comunhão, instituída por Jesus, deveria, por ordenação Sua, continuar sendo celebrada até o fi m dos tempos, pois sua obra redentora “permanece realidade sempre presente até o fi m do mundo e, de maneira particular, para aqueles que participam do verdadeiro corpo e sangue de Cristo em memória dele”.246 237 LANE, op. cit., p.508. 238 LENSKI, R. C. H. La Interpretación de El Evangelio Segun San Marcos. México: Pub- licaciones El Escudo, 1962. Tomo II, p. 545. 239 ALEXANDER, J. A. Commentary on the Gospel of Mark. Grand Rapids: Zondervan Pub- lishing House, [19--?]. p.382. 240 BATTAGLIA, op. cit., p.133. 241 SCHNACKENBURG, op. cit., p.253. 242 BATTAGLIA, op. cit., p.133. 243 BAESKE, op. cit., p.3. 244 A CEIA do Senhor, op. cit., p.21. 245 “para o Seu retorno em glória. Assim o comungante confessa ou ‘proclama’ fé confiante no prometido retorno do Senhor quando ele participa da Ceia do Senhor.” LCMS - CTCR. Theology and Practice of The Lord’s Supper. op. cit., p.8. 246 SASSE, Isto é o meu corpo, op. cit., p.284. 37 Para completar o ciclo passado-presente-futuro, encontrado na Santa Ceia, as Confi ssões acrescentam o seguinte: Assim como o Sacramento do Altar se volta para o passado, para a Última Ceia, também se dirige para o futuro, para a ceia mes- siânica no céu, a festa nupcial do futuro, quando Cristo, como o noivo e a igreja como a noiva serão unidos na ‘ceia das bodas do Cordeiro’.247 Este foi o entendimento dos apóstolos e da igreja primitiva, que, de acordo com as palavras da instituição (11.17-34), celebraram a santa co- munhão248 em memória
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