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PRÁTICA DE ENSINO: INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS FILOSÓFICOS PROFESSOR Me. Marco Antonio Cardoso ACESSE AQUI O SEU LIVRO NA VERSÃO DIGITAL! https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/2194 EXPEDIENTE C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. Núcleo de Educação a Distância. CARDOSO, Marco Antonio. Prática de ensino: Introdução aos estudos filosóficos. Marco Antonio Cardoso. Reimpressão 2021. Maringá - PR.: UniCesumar, 2020. 192 p. “Graduação - EaD”. 1. Filosofia 2. Ensino 3. Estudos. EaD. I. Título. FICHA CATALOGRÁFICA NEAD - Núcleo de Educação a Distância Av. Guedner, 1610, Bloco 4Jd. Aclimação - Cep 87050-900 | Maringá - Paraná www.unicesumar.edu.br | 0800 600 6360 Coordenador(a) de Conteúdo Eder Rodrigo Gimenes Projeto Gráfico e Capa Arthur Cantareli, Jhonny Coelho e Thayla Guimarães Editoração Juliana Duenha Lucas Pinna Design Educacional Lilian Vespa Revisão Textual Meyre Barbosa Fotos Shutterstock CDD - 22 ed. 370.1 CIP - NBR 12899 - AACR/2Impresso por: Bibliotecário: João Vivaldo de Souza CRB- 9-1679 Diretoria Executiva Chrystiano Mincoff, James Prestes, Tiago Stachon Diretoria de Design Educacional Débora Leite Diretoria de Graduação Kátia Coelho Diretoria de Permanência Leonardo Spaine Diretoria de Pós-graduação, Extensão e Formação Acadêmica Bruno Jorge Head de Produção de Conteúdos Celso Luiz Braga de Souza Filho Gerência de Produção de Conteúdo Diogo Ribeiro Garcia Gerência de Projetos Especiais Daniel Fuverki Hey Supervisão do Núcleo de Produção de Materiais Nádila Toledo Supervisão de Projetos Especiais Yasminn Zagonel NEAD - NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Reitor Wilson de Matos Silva Vice-Reitor Wilson de Matos Silva Filho Pró-Reitor de Administração Wilson de Matos Silva Filho Pró-Reitor Executivo de EAD William Victor Kendrick de Matos Silva Pró-Reitor de Ensino de EAD Janes Fidélis Tomelin Presidente da Mantenedora Cláudio Ferdinandi DIREÇÃO UNICESUMAR BOAS-VINDAS Neste mundo globalizado e dinâmico, nós tra- balhamos com princípios éticos e profissiona- lismo, não somente para oferecer educação de qualidade, como, acima de tudo, gerar a con- versão integral das pessoas ao conhecimento. Baseamo-nos em 4 pilares: intelectual, profis- sional, emocional e espiritual. Assim, iniciamos a Unicesumar em 1990, com dois cursos de graduação e 180 alunos. Hoje, temos mais de 100 mil estudantes espalhados em todo o Brasil, nos quatro campi presenciais (Maringá, Londrina, Curitiba e Ponta Grossa) e em mais de 500 polos de educação a distância espalhados por todos os estados do Brasil e, também, no exterior, com dezenasde cursos de graduação e pós-graduação. Por ano, pro- duzimos e revisamos 500 livros e distribuímos mais de 500 mil exemplares. Somos reconhe- cidos pelo MEC como uma instituição de exce- lência, com IGC 4 por sete anos consecutivos e estamos entre os 10 maiores grupos educa- cionais do Brasil. A rapidez do mundo moderno exige dos edu- cadores soluções inteligentes para as neces- sidades de todos. Para continuar relevante, a instituição de educação precisa ter, pelo menos, três virtudes: inovação, coragem e compromis- so com a qualidade. Por isso, desenvolvemos, para os cursos de Engenharia, metodologias ati- vas, as quais visam reunir o melhor do ensino presencial e a distância. Reitor Wilson de Matos Silva Tudo isso para honrarmos a nossa mis- são, que é promover a educação de qua- lidade nas diferentes áreas do conheci- mento, formando profissionais cidadãos que contribuam para o desenvolvimento de uma sociedade justa e solidária. P R O F I S S I O N A LT R A J E T Ó R I A Me. Marco Antonio Cardoso Mestre em Filosofia pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Licenciado em Filosofia pela UEM, obtendo Láurea Acadêmica de Graduação (2012). Durante a graduação participou do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à docência - PIBID/Filosofia (2010-2012). Atualmente, faz parte do corpo docente da Secretaria de Estado da Educação (SEED/PR) como professor PSS (desde maio de 2013). Interesse no ensino de Filosofia, nos Ensinos Médio e Superior. Linha de pesquisa Educação, Filosofia da linguagem e estética. http://lattes.cnpq.br/3832214854966791. A P R E S E N TA Ç Ã O D A D I S C I P L I N A PRÁTICA DE ENSINO: INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS FILOSÓFICOS Caro(a) aluno(a), este livro didático, da disciplina “Prática de Ensino: Introdução aos estudos filosóficos”, tem por objetivo geral auxiliar na reflexão do ensino de Filosofia, problematizando no sentido de: o que ensinar? Quando ensinar? Por que ensinar filosofia? Esse debate não é novo e não tem prazo para se encerrar, todavia gera muitas controvérsias. Outra problemática que se coloca é: como fazer isso? Existe um modo certo e outro errado de o fazer? Nossa intenção, neste livro, é falar um pouco sobre o ensino de Filosofia. Para tanto, inicial- mente, estudaremos um pouco sobre o que é a Filosofia, sempre com o foco em “o que é” o ensino de Filosofia, que se apresenta na Constituição Brasileira como obrigatório, todavia, sempre, em risco de ser extinguido. Será o argumento a grande arma que pode ferir os man- datários? Será perigoso questionar? Em um segundo momento, apresentamos a imagem, a metáfora, como parte da construção racional e, principalmente, na apreensão do real. Depois, discutiremos a linguagem e sua participação na comunicação. Nós nos preocupamos em expor a participação da linguagem figurada que, apesar de sua ambiguidade, auxilia de algum modo na construção do conceito e sua fixação nos textos filosóficos. Escolhemos Nietzsche como guia na discussão da lingua- gem, não, apenas, por ser um filósofo da linguagem, mas pelo poder que seus escritos têm em polemizar e, assim, ajudar na reflexão do tema. Nas unidades finais, nós nos dedicaremos a explorar algumas metodologias de ensino de Filosofia, tendo em vista que buscamos salientar que os modos de promover o ensino são muitos, porém todos nos levam aos textos filosóficos como instrumentos para de- senvolver a aula de Filosofia. Ao final, descrevemos algumas práticas de colegas professores do Ensino Médio que, sem dúvida, permitem-nos dar horizonte a essa espinhosa, mas agradável, profissão de professor de Filosofia. ÍCONES Sabe aquela palavra ou aquele termo que você não conhece? Este ele- mento ajudará você a conceituá-la(o) melhor da maneira mais simples. conceituando No fim da unidade, o tema em estudo aparecerá de forma resumida para ajudar você a fixar e a memorizar melhor os conceitos aprendidos. quadro-resumo Neste elemento, você fará uma pausa para conhecer um pouco mais sobre o assunto em estudo e aprenderá novos conceitos. explorando Ideias Ao longo do livro, você será convidado(a) a refletir, questionar e transformar. Aproveite este momento! pensando juntos Enquanto estuda, você encontrará conteúdos relevantes online e aprenderá de maneira interativa usando a tecno- logia a seu favor. conecte-se Quando identificar o ícone de QR-CODE, utilize o aplicativo Unicesumar Experience para ter acesso aos conteúdos online. O download do aplicativo está disponível nas plataformas: Google Play App Store CONTEÚDO PROGRAMÁTICO UNIDADE 01 UNIDADE 02 UNIDADE 03 UNIDADE 05 UNIDADE 04 FECHAMENTO O QUE É O ENSINO DE FILOSOFIA? 8 A CONSTRUÇÃO RACIONAL: DA IMAGEM AO DISCURSO 38 72 O PROBLEMA DA LINGUAGEM EM NIETZSCHE 118 METODOLOGIA DE ENSINO NA FILOSOFIA: UM DESAFIO 149 PRÁTICAS DE ENSINO DE FILOSOFIA 182 CONCLUSÃO GERAL 1 O QUE É O ENSINO de filosofia? PLANO DE ESTUDO A seguir, apresentam-se as aulas que você estudará nesta unidade: • A filosofia no ensino médio: con- textualizando • O ensino de filosofia e o filosofar • O que é o conceito? • Qual a atualidade da filosofia? OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM Reconhecer os embates existentes contrários ao ensino da filosofia • Conhecer o debate entre o ensinar história da filosofia e o filosofar • Estudar e refletir a respeito do modo de construir conceitos de Deleuzee Guattari • Entender o ensinar filosofia como algo atual. PROFESSOR Me. Marco Antonio Cardoso INTRODUÇÃO Olá, aluno(a)! Seja bem-vindo(a) à primeira unidade do nosso material. Iniciamos a nossa conversa sobre o ensino de filosofia, tarefa não tão sim- ples, porém gratificante. Não tão simples por ser a filosofia uma eterna desconhecida; gratificante, devido à satisfação obtida ao conhecer e com- preender, a cada dia, um pouco mais o ser humano e o mundo. Ao menos, é o que pensamos que fazemos! Alguns consideram a filosofia uma vilã da sociedade, pois a veem como aquela que induz os jovens a se rebelarem contra a ordem estabelecida, como o ocorrido com Sócrates, condenado por desviar a juventude. Há, sempre, aqueles que perseguem e tentam desmerecer todo tipo de conhe- cimento, seja o filosófico, seja o científico ou o artístico (estético). Outros a consideram inócua, sem sentido, já que não é uma ciência e, assim, não contribui “em nada” ao progresso, como se este fosse realizado, somente, com o novo, sem a necessidade de pensar para o alcançar. Por sorte, alguns a consideram nem tanto um, nem tanto o outro. Esses encontram um justo meio, como o sugerido por Aristóteles e, assim, perce- bem a utilidade da filosofia. Porém não se pode dizer que é uma disciplina útil, mas, pelo contrário, é aquela que questiona, que deseja saber, que não aceita, simplesmente, aquilo ou aquele outro, não aceita apenas por ser dado, ou seja, é incômoda. O seu ensino é visto com cuidado. O justo meio seria aquele propício ao que se quer. Em como organizar o pensamento e o direcionar ao que se analisa é um constante contemplar para entender, entender para explicar e explicar para melhor entender, aos moldes da hermenêutica ricoeuriana. A filosofia não é uma disciplina pronta, pelo contrário, é um eterno es- tudar. Aquele que se dedica ao filosofar sempre encontra um porquê a mais. Por isso, não temos o afã de esgotar o assunto, mas, sim, dar o primeiro passo. Este primeiro passo é dado no coletivo, porém a caminhada do pen- sador é solitária. U N ID A D E 1 10 1 A FILOSOFIA NO ENSINO MÉDIO: contextualizando Caro(a) aluno(a), como sou do Paraná, tomo a liberdade de iniciar este texto descrevendo alguns fatos, tendo em vista que o Paraná foi um dos primeiros estados da federação a reencampar o ensino de Filosofia em sua grade curricular no ensino médio, depois de sua ausência durante o período de ditadura militar, vigente entre 1964 e 1985, sendo que esta reintrodução ocorreu em 2001. Desde a sua reimplantação, foram disponibilizadas duas aulas semanais de Filosofia na grade curricular do Ensino Médio, em toda rede pública do estado. Ao olharmos para as Diretrizes Curriculares da Educação Básica do estado (PARANÁ, 2008) referentes ao ensino de Filosofia, verificamos uma proposta pe- dagógica cujo intuito não é um ensino pautado em intenções enciclopédicas, ou seja, um ensino cujo método visa a ser um “amontoado” de conhecimentos da área, mas, sim, que tal disciplina apresenta caminhos para a modificação da realidade do aluno por meio da ferramenta que, somente, a Filosofia possui, a saber: a investiga- ção pormenorizada de conceitos criados no decorrer da vida humana que, muitas vezes, transformam o tempo, a realidade de determinado período da história. Outro instrumento importante que orienta a disciplina de Filosofia, no estado do Paraná, é o Caderno de Expectativas de Aprendizagem (PARANÁ, 2012), pois ele indica um rumo a ser seguido. Além dos conteúdos programáticos, esse docu- mento aborda, em linhas gerais, a condução da disciplina. A seguir, reescrevere- mos essas orientações que categorizam as condutas em sala de aula, direcionando a objetivos programáticos e metodológicos. U N IC ES U M A R 11 Em primeiro lugar, o educador deve promover a leitura propriamente filosófica de textos diversos. De modo que o educando possa ler e interpretar, de forma filosófica, textos específicos de Filosofia, assim como textos de outras esferas e de outros gêneros, no intuito de interpretar os textos filosóficos e estabelecer relações entre a realidade vi- vida e os aspectos da experiência particular, ampliando, assim, o horizonte dos alunos. A compreensão dos conceitos, presentes nos textos estudados, deve relacionar os seus conteúdos a conhecimentos de outras áreas e às questões do cotidiano. Essa compreensão deve ser registrada, em algum momento, na forma de texto. A confecção de textos deve estar presente no dia a dia do aluno. De nada adianta essa compreensão se não for possível a reprodução oral e/ou escrita por parte dos educandos, com argumentos que tenham lógica interna e, ao mesmo tempo, uma linguagem inteligível entre os seus iguais. Cada vez mais, os educandos devem ter a possibilidade de elaborar registros textuais que demonstrem capacidade argumentativa e encadeamento lógico em relação às questões filosóficas. Que sejam capazes de problematizar, investigar e produzir conceitos. Os jovens devem ser capazes de articular as suas ideias com embasamento teórico suficiente para que possam ser ouvidos. A coerência discursiva e a capacidade de diálogo em relação às questões e aos conceitos filosóficos é o que deve ser buscado pelos professores, não só pelos de Filosofia, mas por todos aqueles que ministram aulas ao Ensino Médio. Com certeza, estamos lidando com adolescente e jovens portadores de certas peculia- ridades de linguagem que devem ser respeitadas e consideradas, assim como a maturidade, ainda em construção, dessas personalidades e impressões. Ao conhecer os textos, os alunos devem se familiarizar com o modo pelo qual se problematiza este ou aquele tema, assim como expressões filosóficas que são de uso comum nos textos escritos, até mesmo nos jornalísticos. De modo a pro- duzir um pensamento reflexivo, crítico, sistemático e rigoroso, em sua indagação própria acerca do mundo, do ser humano e do próprio pensamento. O jovem deve identificar várias linhas filosóficas e modos de pensá-las. Para, assim, enriquecer o seu vocabulário e a sua visão de mundos possíveis. Devem in- terpretar não só os textos, mas considerar o impacto das ideias ali contidas frente a seu cotidiano, ou seja, as consequências possíveis de pensar de modos diferentes, ou ainda, soluções possíveis para os problemas que se apresentam. Mundo possí- vel de qualquer outra possibilidade além daquela que, de fato, ocorreu. Muitos se referem aos acontecimentos e sugerem outras saídas para o enlace causado em determinada ocasião. Ora, se a solução encontrada naquele momento U N ID A D E 1 12 não foi a sugerida, mas, sim, a que ocorreu na realidade, pode-se dizer, dessa outra solução como possível, visto que a medida, bem ou mal, foi solucionada de outra maneira. O famoso “se tivesse” feito assim, o resultado seria outro, podemos afir- mar, em cima do acontecido, que não foi assim. Se fizesse dessa outra forma, com certeza, teríamos outro desfecho, mas qual? Ninguém sabe, isso não ocorreu. Se tivesse ocorrido, teria sido em um mundo possível, neste mundo, o que ocorreu foi o que ocorreu, podemos interpretar, porém não mudar. Ao interpretar, compreender, analisar os prós e os contras que as diferentes filosofias apresentam, o educando deve se tornar apto a comparar os pontos de aproximação e as contradições entre a Filosofia e o conjunto das Ciências. E, assim, desenvolver um olhar de possibilidades nas formulações filosóficas, per- mitindo construir um mundo melhor para se viver e entender. Com a compreensão mais clara das possíveis contradições, ou melhor, do con- vívio, apesar das contradições, torna-se praticável a elaboração e/ou a reelaboração de conceitos bem como a formulação e a mediação de questões filosóficas. Assim, a “ análise criteriosa de problemas e situações, presumindo-se as se-guintes capacidades: elaboração e aplicação de conceitos e formula-ções, elaboração e expressão de discursos e argumentação dialógica, leitura,propriamente filosófica, de textos específicos da ou sobre a Filosofia, assim como de textos diversos (PARANÁ, 2012, p. 38). Essas orientações buscam uma paisagem de perfeição e de idealização do alcance da Filosofia em sala de aula. Talvez esta visão seja acadêmica e perfeccionista, mas nem por isso deixa de ser um excelente guia para aquele que pretende ser professor de Filosofia. Porém, ao se empenhar nesse sentido, o novato pode se frustrar, tendo visto as condições de nossas escolas, as pedagogias empregadas e forçadas goela abaixo dos professores, alunos desinteressados e já adestrados a reagir somente após ameaçados pela retirada de alguns pontos na nota conquis- tada, ou, ainda, de serem encaminhados à coordenação ou à direção da escola. Esta cobrança, atada à punição, é do período colonial e, ainda, persiste. Não só persiste como é defendida por muitos. A obediência se liga à autoridade hierár- quica imposta e não à alteridade conquistada. Se, em algum grau, o professor de Filosofia conseguir transformar o pensamen- to literal e particular de nossos jovens em uma visão mais holística e interpretativa do mundo e de nossos comportamentos nele, já terá sido de grande valia tais es- forços. E estes são os resultados almejados que sustentam e motivam o professor. U N IC ES U M A R 13 A filosofia não é um assunto privado, é construída no diálogo. Ensinar significa tomar a filosofia do mundo privado e exclusivo de alguns para colocá-la aos olhos de todos, na construção coletiva de um espaço público. A propósito, todos escolherão filosofar ou não, mas você deve saber que pode fazê-lo, que não é um mistério insondável que, apenas, alguns entesouram. E, nisso, o professor tem uma tarefa fundamental que é estimular a vontade. Fonte: Cerletti (2008). explorando Ideias Sem dúvida, estamos em um momento de mudança de paradigma, não só na educação, mas em nosso modo de vida neste planeta. Isto faz com que não tenhamos clareza de nosso futuro. Muitas mudanças estão ocorrendo e, com isso, transformando os valores já corroídos pelo tempo por algo ainda não muito definido. Ideologias políticas se intercalam a partir de emoções e não razões. A paixão vigora sobre o equilíbrio. Ao mesmo tempo, porém, que falta esta clareza, temos a certeza de que algo deve ser feito no sentido de orientar os jovens a se descobrirem e a serem críticos o suficiente para encontrarem e construírem os seus caminhos. Afinal, a eles cabe o nosso futuro. A Filosofia se apresenta como disciplina na matriz curricular do Ensino Médio justamente como o instrumento que proporcionará aos estudantes o desenvolvi- mento da capacidade de entender e, mais do que isso, de julgar a realidade que os cercam. Sendo definido pela Lei de Diretrizes e Bases, também conhecida como LDB (BRASIL, 2017, p. 5), em seu Art. 36, §1º, inciso III, como “o domínio dos conhecimentos de Filosofia e de Sociologia necessários ao exercício da cidadania”. Pautados neste raciocínio é que julgam pertinente a sua inclusão no Ensino Médio. É bom lembrar que há, também, algumas linhas, como a defendida por Mat- thew Lipman, que promovem a implantação da Filosofia no Ensino Fundamental. Nesse caso, no intuito de ensinar a pensar, como uma disciplina propedêutica ao pensar, preparatória à filosofia. Lipman motivou-se a trazer a filosofia para as crianças em função de sua expe- riência como professor na Columbia University, EUA, ao constatar que seus alunos tinham muita dificuldade em raciocinar. Ele acreditava que, com o ensino da lógica, as crianças poderiam desenvolver a habilidade de pensar, de abstrair. Considerava, U N ID A D E 1 14 Para o Ensino Médio, devemos ensinar a história da Filosofia ou o filosofar? pensando juntos devido aos seus estudos em Vygotsky, que a criança já podia abstrair desde a tenra idade. Opondo-se a Piaget, que afirmava que a criança só consegue abstrair no estágio operatório formal, desenvolvido após os 12 anos de idade, ou seja, na adolescência. Foi no Montclain State College, em 1972, onde concretizou seus estudos, que Lipman criou o Institute for the Advancement of Philosophy for Children (IAPC), iniciando e implantando o seu método “Filosofia para crianças, educação para o pensar”. A sua principal colaboradora e a responsável por continuar o seu projeto foi Ann Margareth Sharp. O intuito de tal método é o de habilitar as crianças a pensarem por conta pró- pria. São três os grandes campos desse projeto: 1. Um espaço investigativo-dialógico, 2. Compreensão progressiva de temáticas filosóficas, 3. Um programa voltado à educação para o pensar. Desenvolvendo as habilidades de investigação, de raciocí- nio, de formação de conceitos e de tradução, entendendo esta última como a habi- lidade de compreender e reproduzir, com outras palavras, aquilo que foi entendido. No Brasil, são poucas as escolas que se dedicam a este educar, ou seja, a trazer a Filosofia para crianças. Um campo, ainda, a ser explorado e, talvez, uma forma mais sensata de educar crianças na era da tecnologia. Muitos países, como a Espanha, introduzem, no fim do Ensino Fundamental, a história da Filosofia para preparar o campo do filosofar que virá mais tarde. Todavia como devemos fazer? Existe um modo mais correto que o outro? Há um modo singular ou existem múltiplas formas? É o que tentaremos responder, a seguir. U N IC ES U M A R 15 2 O ENSINO DE FILOSOFIA e o filosofar A história da Filosofia, sem dúvida, é muito importante, pois é o ponto de partida para localizarmos, no tempo e no espaço, a passagem de grandes pensadores em diferentes momentos. É com ela que reconhecemos os múltiplos modos de pensar. Assim como o filosofar, também, é muito importante, pois de que adianta ter conhe- cimento desses pensadores se não utilizarmos esse conhecimento para construir e entender o pensamento? É para analisar as várias vertentes de pensar o mesmo. Levanta-se, então, a questão: o que e como ensinar Filosofia? Na tentativa de responder, as diretrizes curriculares apresentam duas vertentes norteadoras, a proposta kantiana, em que “não se ensina a Filosofia, mas sim, a filo- sofar” (KANT,1999, AA, b865), e a proposta hegeliana, defendendo a necessidade de conhecer o conteúdo filosófico para a sua prática, mesmo porque a Filosofia reflete sobre o seu conteúdo. U N ID A D E 1 16 Segundo Hegel, a filosofia antiga não apresentava racionalidade suficiente para torná-la real, era sem vida, sem história e tendenciosa. A história era construída conforme a razão, portanto, o valor da Filosofia era inferior ao da história. Em vista disso, a história da Filosofia deveria ser disciplina nas escolas, e não o filosofar. Este seria uma e mesma coisa que conhecer, entender e proclamar esse conhecimento. Em contraposta, e criticada por Hegel, tem-se o filosofar dito por Kant (2012): “ O sistema de todos os conhecimentos filosóficos é a filosofia. Ela tem de ser tomada objetivamente quando por ela se entende o modelo para o julgamento de todas as tentativas de filosofar, devendo servir para julgar todas as filosofias subjetivas, cujos edifícios são, com fre- quência, tão diversos e cambiantes. A filosofia, nesse sentido, é uma mera ideia de uma possível ciência que não é dada in concreto em parte alguma, mas da qual procuramos aproximar-nos por inúmeros caminhos, até que seja descoberta a única vereda (Muito escondida pela sensibilidade) e a cópia, até aqui defeituosa, seja - na medida em que isso é concedido aos seres humanos - tornada igual ao mode- lo. Até aí não se pode aprender filosofia alguma. Pois onde está ela? quem está em sua posse? como se pode reconhecê-la? Só se aprende a filosofar, i.e., exercitar o talento da razão na observância de seus princípios universais em certas tentativas dadas, mas sempre guar- dando o direito da razão de investigar esses princípios em suas fontes e confirmá-los ou rejeitá-los (Crítica da razão pura, A 838-B 866). Como se vê, Kant(2012) esclarece que só se pode chamar de Filosofia o sistema dos conhecimentos filosóficos, não a sua história, não o relato, mas o raciocinar. Copiar e remedar não é Filosofia, conhece-se o que os filósofos disseram por meio de seus textos e da sua história, porém o filosofar propriamente dito é aprendido na prática de reflexionar, interpretar. A investigação racional se faz no sentido de confirmar ou rejeitar o que foi afirmado pelo outro. E isto se faz explicando seus motivos, porque sim e porque não. A proposta das diretrizes caminha em direção ao resguardo da atividade filosó- fica para os alunos do Ensino Médio. A pergunta é: como isso é possível? Talvez, a resposta a esta questão apresenta-se, mesmo que timidamente, na seguinte passagem: “ A Filosofia se apresenta como conteúdo filosófico e como exercício que possibilita ao estudante desenvolver o próprio pensamento. O U N IC ES U M A R 17 ensino da Filosofia é um espaço para análise e criação de conceitos, que une a Filosofia e o filosofar como atividades indissociáveis que dão vida ao ensino dessa disciplina juntamente com o exercício da leitura e da escrita (PARANÁ, 2008, p. 50). A “criação de conceitos”, tese oriunda dos estudos de Deleuze e Guattari (1992) e que guia a proposta das diretrizes, surge como resposta à oposição entre a proposta kantiana e a proposta hegeliana sobre o ensino da Filosofia. Unindo a história da Filosofia e o filosofar como atividades indissociáveis, temos, por fim, a proposta para a Filosofia no Ensino Médio. “ A Filosofia na escola pode significar o espaço de experiência filo-sófica, espaço de provocação do pensamento original, da busca, da compreensão, da imaginação, da investigação, da análise e da criação de conceitos (PARANÁ, 2008, p. 51). O problema é: “como se cria conceitos?” “ Ao deparar-se com os problemas e por meio da leitura dos textos filosóficos, espera-se que o estudante possa pensar, discutir, argu-mentar e, que, nesse processo, crie e recrie para si os conceitos filosó- ficos, ciente de que não há conceito simples (PARANÁ, 2008, p. 51). Aqui, não temos, como proposta, a exposição de uma teoria do conceito em Deleuze e Guattari, portanto, não nos prenderemos a tal problema. O que nos interessa, na proposta de ensino contida nas diretrizes, é o meio, o modo como a criação de conceitos deve acontecer dentro da sala de aula, para que, dessa forma, possamos contrapô-la com o que pudemos observar em sala. Gallo (2012) afirma que é necessário estimular o jovem a pensar e comple- menta que o indivíduo só pensa se forçado a fazê-lo. A questão é: como fazer isso? Uma das soluções encontradas por Deleuze e Guattari (1992) é a sensibili- zação, aquilo que, por meio do sentimento, provocará os alunos a questionar, a “problematizar”. Este agente sensibilizador pode ser um filme, uma obra de arte, uma poesia ou qualquer outro elemento que provoque a “mente” imaginativa do jovem. Afinal, todo conceito é iniciado numa imagem, numa metáfora que, para ser comunicada, deve ser transformada em palavras. U N ID A D E 1 18 3 O QUE É O CONCEITO? “ O uso da palavra como ferramenta, para além da comunicação, sig-nificou uma revolução na nossa forma de pensar. Passamos a pensar também por palavras, mais do que por imagens, o que possibilitou que se processasse o pensamento com mais rapidez, com maior ri- gor. A este tipo de pensamento, os antigos gregos chamaram logos, significando, a um só tempo, palavra e razão. Com isto, estabelece- ram uma espécie de vínculo indissociável entre pensamento e pala- vra, obscurecendo o pensamento por imagens (GALLO, 2008, p. 57). O pensamento por palavras revolucionou nosso modo de pensar, tornou-o mais rápido e preciso. Mas, talvez, preciso demais para uma representação que se fazia por imagens. Quando se passa do pensamento à imagem, é como se o fixássemos, e aquilo que era uma imagem com possibilidades torna-se algo determinado e rígido, como única possibilidade. Bom pela rapidez e clareza, ruim pela rigidez. A proposta é resgatar esse conceito engessado pela gramática, como diria Nietzsche, por meio do retorno ao conceito por imagens. Afinal, o processo do pensamento pode se dar a partir delas, por meio de palavras e por conceitos. Muitas vezes, confunde-se conceito com definição. Definição, aos modos da ciência, é quando se descreve aquilo que é tal ou qual fenômeno. Esta noção, se U N IC ES U M A R 19 for de consenso da comunidade científica, é considerada válida em detrimento de outras noções anteriores. Na Filosofia, não é assim que se vê. O conceito só é considerado conforme o seu autor e o modo de ver do mesmo, o problema que o envolve. Portanto, não são conteúdos a serem memorizados e repetidos, mas, sim, de serem entendidos e explicados. Não são achados ou produtos, mas processos em contínua fabricação. Também, não são criados no tempo, são atemporais. Como Ortega Y Gasset (2015, p.196) afirma que “o pensamento é um ponto onde se tocam dois mundos de consistência antagônica. Nossos pensamentos nascem e morrem, passam, voltam, sucumbem. Enquanto tanto seu conteúdo, o pensado permanece invariável.” O conceito é uma descrição geral de um nome, com um significado que pode incluir qualquer espécie de sinal ou procedimento semântico. Ele não está arraigado no tempo ou na história, tem referência ao seu autor e ao modo como este vê o cosmo, o mundo onde vive ou poderia viver. “ O filósofo é o amigo do conceito, ele é conceito em potência. Quer di-zer que a filosofia não é uma simples arte de formar, de inventar ou de fabricar conceitos, pois os conceitos não são necessariamente formas, achados ou produtos. [...] Os conceitos não nos esperam inteiramente feitos, como corpos celestes. Não há céu para os conceitos. Eles devem ser inventados, fabricados ou antes criados, e não seriam nada sem a assinatura daqueles que o criam (DELEUZE; GUATTARI, 1992, p. 13). O conceito, quando evidenciado na disciplina de Filosofia, não quer mostrar como se pensava ou como alguém pensava determinado problema, ou, ainda, como alguém pensa, senão como se pode mudar o modo de pensar do indivíduo que conhece algo de novo, que vê diante de si outras verdades que ontem não as via. Portanto, o conceito que hoje conhece, o ser humano o reproduz conforme o seu entendimento. Deixa de ser algo de outro para ser dele, algo que foi construído utilizando, também, o que o autor pensa. Portanto, ao filosofar, o sujeito está se apropriando dos conceitos de outros pensadores, ao mesmo tempo que agrega algo de seu no explanar. Ao explicar o conceito deste ou daquele filósofo, o indivíduo não o faz de forma pura, acresce informações e outros conceitos de outros pensadores junto ao seu pensamento. Por isso, o filósofo torna-se o conceito em potência, a sua exposição possui outros tantos conceitos novos acrescidos àqueles que ele busca explicar. U N ID A D E 1 20 Kant já afirmava que o filosofar é pensar por conceitos. Gallo (2012) parte desse pressuposto, porém prefere definir conceito como forma de equacionar um pro- blema filosófico e, ao dizer equacionar, refere-se a organizar os dados para que outra área de conhecimento avance a partir dali. Sempre, considera as potências de criação, a saber: a Arte, que aguça o pensamento; a Ciência, que verifica as funções de forma objetiva e, ao fim, a Filosofia, produzindo conceitos. Por meio do diálogo entre essas três potências, constrói-se o pensamento e, assim, o aprendizado. Gallo (2012) cita a importância de “ensinar a pensar”. Deleuze e Guattari (1992) afirmam que filosofar é a capacidade de criar conceitos. Para a compreen- são desses conceitos, consideram três momentos. O primeiro é chamado conceito como enciclopédia. Assim denominado, devido à quantidade de conceitos exis- tentes na história. Porém não é a quantidade que faz o problema mostrar a sua face, mas pela incompreensibilidade desses conceitos pelos sujeitos, ou seja, elesfogem da realidade do mundo: “ O problema apontado por Deleuze e Guattari é que, por mais que os pós-kantianos consideram a perspectiva histórica, o que implica a criação e a auto-posição dos conceitos, buscariam construir uma enciclopédia dos conceitos universais, uma perfeição inatingível e distante do plano de imanência da história da maneira dos humanos (PARANÁ, 2008, p. 50). Fazendo com que se pense o conceito de outra forma, ou fase, seria o conceito como pedagógico, assim, mostra-se acessível a todos os “mortais”, uma vez que, com esses conceitos, há a possibilidade de discussão e capacitação para filósofos em potência, aquele em que devemos nos focar. E, por fim, uma terceira fase do conceito – ele como comercial. Este encarna uma figura própria do mercado, ou seja, o conceito se torna mercadoria. Então, mais uma vez, ele se mostra insuficiente para ser ensinado no Ensino Médio, desse modo, somente é útil o conceito como pedagógico. Assim, Gallo (2012) define os três momentos do conceito, o enciclopédico, o pedagógico e o comercial. Sendo o pedagógico o único modo de admitir o conceito como instrumento no enca- minhamento da disciplina de Filosofia no Ensino Médio. Desse modo, colocamos a prática da Filosofia como a arte de criar conceitos e que deve ser ensinada da forma mais pedagógica possível, que torne palpável, visível, para que os alunos iniciantes entendam os acontecimentos que os ro- deiam, compreendam e possam exercer a crítica sobre os assuntos no mundo U N IC ES U M A R 21 4 QUAL A ATUALIDADE da filosofia? Estamos em um momento de nossa história que se valoriza o presente, o atual, e Filosofia é tratar do que já aconteceu, do porquê aconteceu e, também, encontrar razões ao passado. Muitos não percebem a atemporalidade da Filosofia, o que permanece é o que pode ser pensado hoje, sem ser diacrônico. Mas por que este imediatismo? Tal utilitarismo não é nocivo? que são próprios da Filosofia, pois, assim, poderão não só apossar-se do sentido do que está sendo contemplado, mas, também, participar de tal atividade. Pois, é, apenas, desse modo que o aluno poderá exercitar a sua capacidade de reflexão, de argumentação, ou seja, a sua capacidade filosofante. Para que o aluno, contudo, possa subir estes degraus de atividade filosófica até atingir a estatura de reconhecimento de um filósofo como os apresentados no decorrer da história, é preciso que exercite esse tipo de atividade. Assim, é impossível ensinar história da Filosofia sem ensinar o filosofar ao mesmo tempo. Desse modo, qualquer atividade filosófica deve ser acessível ao estudante, assim como ela deve recorrer a problemas e, consequentemente, à história da Filosofia. Então, o trabalho do professor está dado: fazer o aluno filosofar, criar conceitos, recorrendo aos textos clássicos de Filosofia, incitando debates, proble- matizações, sistematizações e pesquisas. U N ID A D E 1 22 “ O mito de Prometeu pode ser reinterpretado, considerando-o uma cena do aparato psíquico do sujeito de desempenho contemporâ-nea, que se violenta a si mesmo, que está em guerra consigo mesmo. Na realidade, o sujeito de desempenho, que acredita na liberdade, é tão acorrentado quanto Prometeu. A águia que devora seu fígado em constante crescimento é seu álter ego, com o qual está em guerra. Desse modo, a relação de Prometeu com a águia é uma relação con- sigo mesmo, uma relação de autoexploração. A dor do fígado, que em si é indolor, é o cansaço. Desta maneira, Prometeu, como sujeito de autoexploração, torna-se vítima de um cansaço infinito. E a figura originária da sociedade do cansaço (BYUNG-CHUL, 2018, p. 11). O sujeito é cobrado por um desempenho inalcançável. As metas são estabelecidas para não serem alcançadas e, quando se aproxima delas, elas são reestipuladas. Busca-se a perfeição, como ela fosse possível de ser alcançada. Este é o motivo de nunca se libertar. O propósito se encontra sempre um passo à frente, aquele que não o alcança é condenado por não se esforçar. Está sempre em eterno buscar, gerando essa sociedade do cansaço, como diz Byung-Chul Han (2018). O imediatismo e o utilitarismo que permeiam a nossa sociedade, nos dias de hoje, prescrevem o atual e o que tem préstimo, o que exige um pensamento atualizado. Resta saber: isto é possível? O pensamento pode ser antigo, moderno e contemporâneo? O atual é o momento presente? O antigo, o moderno e o contemporâneo convivem no mesmo mundo e ao mes- mo tempo. Ao estudar a filosofia de Aristóteles, sem ser diacrônico, vê-se como algo existente não no tempo, mas no sentido, na lógica e na relação. Não o faço me desligan- do do hoje, do agora. Vejo o mundo no meu tempo e o pensar está apesar do tempo. Ortega y Gasset (2015) afirma que coexistem três gerações: os jovens, os ho- mens maduros e os velhos, ao mesmo tempo. Desse modo, a atualidade histórica envolve três “hojes” diferentes, são três as dimensões vitais daquilo que denomino atualidade. Não é possível responder qualquer das questões anteriores em uma só dimensão desse tripé. Querendo ou não, o professor de Filosofia, quando trata de atualidades, fala de três momentos que convivem e se desenvolvem. O hoje, para alguns, são 20 anos; para outros, 40; para outros, ainda, 60 anos. O “hoje” é um dramatismo dinâmico, o conflito e a colisão que consistem deste momento histórico que vivemos. Este tríplice ser do “hoje” faz da contem- poraneidade um viver, ver e proceder de modos diferentes, valores geracionais distintos e coetâneos. Esta diferença entre ser coetâneo e contemporâneo é o U N IC ES U M A R 23 que se faz mister ao ensinar Filosofia. O que se torna, ainda mais, complexo ao desenvolver as diferentes filosofias, diferentes visadas do mesmo em um contexto contemporâneo e coetâneo. Cada geração pode ser representada como o descrito por Ortega Y Gasset (2015), sendo uma caravana onde o ser humano vai prisioneiro, porém, em segredo, volun- tariamente e satisfeito. Vai nela fiel aos indivíduos de seu tempo, porém andando como se tivesse seus 25 anos. De pouco em pouco, passam outras caravanas com suas características distintas, são outras gerações. Podendo, em alguns momentos precisos, as caravanas se misturarem, todos se reconhecem e se percebem nas diferenças. “ O descobrimento de que estamos fatalmente adscritos a um certo grupo de idade e a um estilo de vida é uma das experiências me-lancólicas que antes ou depois todo homem sensível chega a fazer. Uma geração é um modo integral de existência que se fixa indelével sobre o indivíduo. Em certos povos selvagens, se reconhecem os membros de cada grupo coetâneo por sua tatuagem. A moda do desenho epidérmico que estava em uso quando era adolescente, ficou incrustado em seu ser (ORTEGA Y GASSET, 2015, p. 53). Estamos, no modo de ver o mundo, marcados por nossa geração, Alguns, é certo, conseguem manter a sua jovialidade por mais tempo, como se fizessem parte de ou- tra geração, ou melhor, como se caminhassem entre as gerações. É empático com os outros grupos, porém não há como negar que, com o advento das tecnologias, as dis- tâncias são, ainda, maiores. Com a cibernética, alguns poucos anos se tornam muitos. Se pensarmos em nossos velhos que, quando eram adolescentes, mal conhe- ciam o rádio, e que nossos sexagenários já conheceram a televisão e a transição entre os aparelhos com imagens em preto e branco e as imagens coloridas. Sem contar as telas com cores que eram colocadas à frente das televisões grisalhas para ter aparência de coloridas, em um sentido de querer ser, enquanto os qua- rentões assistiram à introdução dos computadores em nossas casas, máquinas estas que, ainda, viviam no anonimato, não se conversavam. Somente, os nossos jovens presenciaram o diálogo entre computadores, a comunicação por e-mails, o WhatsApp, o Instagram e outras parafernálias informáticas. E as pesquisas acadêmicas das décadas de 80 e 90 deixam de ser por meio de correio ou por outromeio analógico para, neste início de século XXI, serem digitais. A velocidade e a quantidade de informações acessíveis a essas últimas U N ID A D E 1 24 gerações centuplicou-se. Quiçá essas gerações citadas por Ortega Y Gasset (2015) deixem de ser de 20 em 20 anos para se manifestarem em menos tempo. Pois, apesar de pequena diferença de idade entre os alunos do Ensino Fundamental e aqueles do Ensino Médio, já é possível vislumbrar diferenças significativas no modo de pensar. E quando todos tiverem acesso aos computadores quânticos? O professor de Filosofia está lidando com estes conflitos de gerações. Expres- sos no modo de pensar, não só de seus alunos, como de seus colegas de outras disciplinas. Estamos em um momento crítico, talvez o paradigma educacional que permanece por mais de um século esteja mudando, mais que isso, esteja sendo substituído por outro, ainda, não tão evidente. A luta entre conservadores, tradicionais e progressistas está cada vez mais acirrada, contudo alguém sabe o que entrará no lugar desse paradigma que, por ora, sai? Com esses conflitos aumentando em número, mais incertezas e mais necessi- dade de se pensar o pensar. Quais são as bases, os valores considerados hoje e que perdurarão? Como se orientar frente a tais tempestades? São questionamentos que nos movimentam. Cada vez mais, a Filosofia se faz necessária para compreender o momento que vivemos e para que vivemos. Ortega Y Gasset (2015), no século passado, já enfatizava que, após algum tempo longe do pensar filosófico, o público necessita o desenvolver de novas ideias que satisfaçam as suas vontades e os seus prazeres. E a Filosofia é o instrumento para avaliar e escolher os seus deleites. Por que viver? Estou aqui para algum propósito ou sou eu que crio esse propó- sito? Para que ser moral? Os mesmos questionamentos de Aristóteles são atuais e unem as gerações, mesmo cada uma delas acreditando em uma ou outra resposta, sabendo que são as mesmas aporias de sempre. Como afirma Nietzsche (2001a): “ Seguindo meu costume de afirmar e cuidar de objeções e críticas apenas duma maneira indireta e involuntária, apresentarei desde já as três tarefas para as quais necessitamos de educadores. É preciso aprender a pensar, é preciso aprender a falar e a escrever; o fim dessas três coisas é uma cultura aristocrática. Aprender a ver, acostumar os olhos ao repouso, à paciência, habituá-los a deixar ver as coisas, a lo- calizar o juízo. Aprender a cercar e envolver o caso concreto. Esta é a primeira preparação para educar o espírito. Não ceder imediatamente a uma sedução, mas saber utilizar os instintos que estorvam e isolam. Aprender a ver, tal como entendo, é, de certo modo, o que, na lingua- U N IC ES U M A R 25 gem corrente e não-filosófica, chama-se vontade firme; o essencial é, precisamente, não querer; poder suspender a determinação. Todo ato anti-espiritual e toda vulgaridade repousam sobre a incapacidade de resistir a uma sedução; o que opera assim se crê obrigado a reagir e segue todos os impulsos. Em muitos casos, semelhante obrigação é consequência de um estado mórbido, dum estado de depressão, é um sintoma de esgotamento, posto que tudo que a brutalidade anti-filo- sófica chama vício, é apenas essa incapacidade fisiológica de resistir. Uma aplicação desse ensino da vista: o que é dos que aprendem se torna, em geral, mais lento, mais desconfiado, mais resistente. Ter to- das as portas abertas; prestar-se submisso ante qualquer fato cheio de pequenez; estar sempre disposto a se introduzir, a se precipitar no estranho; numa palavra, essa famosa objetividade moderna é simples- mente de mau gosto. (Crepúsculo dos Ídolos, 2001a, § 6). Afinal, qual a função do professor de Filosofia? Nietzsche nos lembra que é neces- sário aprender a pensar, a ver, a falar e a escrever. O educando tem que aprender a contemplar, não ver com impaciência como a sociedade faz, com ímpeto a um juízo precipitado, impensado. O julgamento é construído sem pressa, com vistas ao já pensado. É necessário lidar com os textos de filósofos que já responderam a estes problemas que necessitam de outra análise. Quantos filtros diferentes é possível de se considerar ao mirar o problema? Esse olhar treinado a ver além das letras, além do texto, é o objetivo do profes- sor de Filosofia em relação ao seu aluno. A interpretação para a reflexão do que convém à solução do problema que se apresenta, a leitura atenta para entender, entender para explicar e, assim, aprofundar o seu entendimento. A tarefa do professor de Filosofia é adestrar os olhos de quem vê. Buscar que o educando possa enxergar quais implicações morais ou não estão envolvidas nesse ou naquele texto, e quiçá, também o fazer em seus comportamentos cotidianos. Que possa buscar soluções para os problemas apresentados no dia a dia, ou seja, pensar de modo crítico aquilo que ouve e escreve, prevendo consequências. A Filosofia, como disciplina, complementa e corrobora as lições das outras matérias apresentadas por textos ou discursos, ou, ainda, enunciados. Após conhecer a Filosofia, nenhum jovem fica imune, será mais crítico e não aceitará qualquer resposta. Ao questionar, o educando entende melhor e, quando consegue explicar, ele comprova o que aprendeu. E cada vez que explica, mais dúvidas surgem e, assim, segundo Nietzsche (2001b): U N ID A D E 1 26 “ [...] deixamos a terra firme e embarcamos! Queimamos a ponte – mais ainda, cortamos todo laço com a terra que ficou para trás! Agora tenha cautela, pequeno barco! Junto a você está o oceano, é verdade que ele nem sempre ruge, e às vezes se estende como seda e ouro e devaneio de bondade. Mas virão momentos em que você perceberá que ele é infinito e que não há coisa mais terrível que a infinitude. Oh, pobre pássaro que se sentiu livre e agora se bate nas paredes dessa gaiola! Ai de você, se for acometido de saudade da terra, como se lá tivesse havido mais liberdade – e já não existe “terra”! (Gaia Ciência, 2001b, p. 147). A filosofia é como o oceano, ao embarcarmos em nosso pequeno barco e vislum- brarmos o oceano imenso, o desejo de o alcançar e o desbravar é imenso. Aos poucos, ganha-se espaço e imensidão, as certezas deixam de nos acompanhar, e a terra, o nosso porto seguro, fica cada vez mais longe, e só aí percebe-se que não há mais terra. Existe um questionar infinito. O controle não faz mais sentido quando se está livre no oceano, sem um porto para aportar e permanecer. Byung-chul (2018) repensa a sociedade disciplinária de Foucault e questio- na se temos espaço para ela nos dias de hoje, sociedade essa que tentam, ainda, impingir-nos. Realça o momento em que vivemos como o de mudança, especifi- camente, de mudança do paradigma vigente de uma sociedade de desempenho. Todos podem, não sabemos, ainda, o quê, talvez, podem algo que repense o pro- gresso desenfreado e o desempenho ilimitado. Somos, hoje, bombardeados por cobranças e determinações que nos levam a um desejo infundado de morarmos em um mundo idealizado e perfeito, onde todos po- dem tudo. E mais, aquele que não obtém os resultados idealizados é um fraco ou não está se esforçando o suficiente. Criamos um mundo de doentes emocionais e mentais. “ A sociedade discipinária de Foucault, que consta de hospitais, mani-cômios, prisões, quartéis e fábricas, já não corresponde com a socie-dade de hoje em dia. Em seu lugar, se estabeleceu, desde muito tempo, outra completamente diferente, a saber: uma sociedade de academias, torres de escritórios, financeiras, aviões, grandes centros comerciais e laboratórios genéticos. A sociedade do século XXI já não é discipli- nária, mas sim, uma sociedade de resultados [desempenho]. Assim como seus habitantes não se chamam mais “sujeitos de obediência”, senão “sujeitos de desempenho” (BYUNG-CHUL, 2018, p. 25). U N IC ES U M A R 27 [...] o artigo 36 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n. 9.394/96), deter- mina que, aofinal do ensino médio, todo estudante deverá “dominar os conhecimentos de filosofia e de sociologia necessários ao exercício da cidadania”. Este foi um avanço significativo para a presença da filosofia nesse nível de ensino, uma vez que, em 1961 (com a Lei n. 4.024/61), a filosofia deixa de ser obrigatória e, a partir de 1971 (com a Lei n. 5.692/71), época do regime militar, ela praticamente desaparece das escolas. Fonte: Fávero et al. (2004, p. 259). explorando Ideias A nós, professores de Filosofia, cabe questionar a educação vigente. Quais os re- sultados que se têm hoje? São os adequados para a saúde da sociedade? Quando se visa aos resultados desejados sem contextualizá-los, cometemos dois erros: um contra aquele que está sendo cobrado, e outro, contra a sociedade que cobra e sofre os comportamentos inadequados para a qualidade de vida de todos. A educação não é comparável a uma empresa, onde se descarta aquele que não produz. Quando fazemos isto na educação, criamos bolsões de desajustados sociais que retornam este descaso da sociedade a ela mesma, na forma de violência e conturbação. O indivíduo que é cobrado além do realizável é um insatisfeito. Tendo em vista que sempre há algo mais, nunca o que se faz é o suficiente. A indústria de palestras motivacionais e de autoajuda corrobora, e muito, esta insatisfação que adoece os nossos jovens. Como o professor pode auxiliar neste problema? A grande vacina contra tais males é a conscientização. A criticidade auxilia o jovem a se colocar no mundo e a se perceber como indivíduo que participa, que decide o seu desejo, e não como manada, rebanho, que segue os outros sabe-se lá para onde. Concordamos com Ortega Y Gasset (2015), que frisa a necessidade e o pedido da população por Filosofia, por ideias e novos conceitos. Ficamos muito tempo longe da compreensão filosófica, sem reflexão. Acompanhando as massas. Per- cebemos a polaridade maniqueísta das forças políticas e de ideologias. Ou tudo ao céu, ou tudo ao inferno. Como se houvesse esses lugares, e mais, só esses dois lugares. E sabemos que existem muitas paragens entre tais extremos e, se temos de duvidar, duvidaríamos da existência deles. A Filosofia não é simples porque nos faz pensar, e pensar dói, mas é gratifi- cante por compreender o quanto podemos entender. Façamos o nosso caminho. U N ID A D E 1 28 Ao terminar esta unidade, desejo ter deixado claro o papel do professor de Filo- sofia, assim como o do conceito que permeia o nosso pensamento ao tratar de ensino desta disciplina, o conceito conceitualizado por Deleuze e Guattari (1992) e detalhado por Gallo (2012). A seguir, veremos a participação da imagem na construção racional que es- clarecerá aquilo que Gallo (2008; 2012) denomina sensibilização. CONSIDERAÇÕES FINAIS Nesta unidade, trabalhamos o que ensinar nas aulas de Filosofia. Trazendo à tona o embate entre a história da Filosofia e o filosofar. Salientamos a importância de ambas as visões filosóficas, ou seja, a visão enciclopédica do conhecimento e a visão de construir e reconstruir conceitos. Se houvesse disponibilidade de uma disciplina, no ensino básico, somente para a história da Filosofia e, assim, proporcionar o conhecimento dos pensadores e das suas questões, separadamente, seria ótimo. Porém, atualmente, isto não é possível, desse modo, tratamos dos diferentes temas, explorando tanto a história como o filosofar, ao mesmo tempo. Um outro passo refere-se ao problematizar, que deve considerar as soluções encontradas pelos diferentes pensadores e, só assim, com este conhecimento, que passa pela história da Filosofia, explorar as soluções e entender, de modo hierár- quico, o que nos parece melhor e, assim, forjar um “novo” conceito, isto seria o filosofar. Percebam que, ao construir o conceito, explicamos o que entendemos do tópico em questão. Lembrando, ainda, que, ao falar em conceito, Gallo (2012) o expõe em três momentos, o conceito como enciclopédia, devido ao volume dele em toda história; o conceito como pedagógico, aquele acessível ao mundo humano; e o terceiro, como comercial, cujo conceito serve a um mercado, como mercadoria. Em nossa disciplina, portanto, trataremos do conceito pedagógico. Ao fundamentar o ponto estudado com os conceitos “prontos” de vários pen- sadores sobre o tema proposto, é possível ao aluno, com a mediação do professor, reconstruir o conceito. E este reconstruir, mesmo que seja dizer o mesmo de outro modo, é a atividade filosófica do estudante. Este participar ativo constrói o cidadão consciente, crítico, solicitado pela Constituição. E para que reconstruir o conceito? Para responder ou explicar as mesmas aporias que assolam as diferentes gerações desde os gregos antigos até hoje. A Filosofia, no- vamente, é requerida para entender os segredos da vida, como se isto fosse possível! Até a próxima! 29 na prática 1. Kant já afirmava que o filosofar é pensar por conceitos, Gallo (2012) parte deste pressuposto, porém prefere definir conceito como forma de equacionar um pro- blema filosófico e, ao dizer equacionar, ele se refere a organizar os dados para que outra área de conhecimento avance a partir dali. Sempre considera as potências de criação, a saber: a Arte, que aguça o pensamento; a Ciência, que verifica as funções de forma objetiva e, ao fim, a Filosofia, produzindo conceitos. Por meio do diálogo entre essas três potências, constrói-se o pensamento e, assim, o aprendizado. Con- siderando o tema exposto, analise as afirmações a seguir: I - A Filosofia, diferentemente da Ciência, não se define por um objeto ou um mé- todo. Como a Filosofia trabalha com a subjetividade e abarca conhecimentos difusos, e por não necessitar de métodos próprios, faz com que alguns pensem que o filosofar não é seguro. Devido a isto, questiona-se: o que é o filosofar? Quais os passos, se houver, devem ser seguidos ao filosofar? II - O campo abrangente da Filosofia ultrapassa os limites da Ciência, embora possa ser uma reflexão sobre a Ciência. III - Gallo (2012) considera três potências de criação, a saber, a Arte, a Ciência e o senso comum. IV - O conhecimento filosófico, também, é conhecimento científico. V - Equacionar o conceito, segundo Gallo (2012), é o mesmo que matematizar o conceito. É correto o que se afirma em: a) I, II e IV, apenas. b) II, IV e V, apenas. c) I, II e III, apenas. d) III, IV e V, apenas. e) I, II, III, IV e V. 2. Gallo (2012) afirma que é necessário estimular o jovem a pensar e complementa que o indivíduo só pensa se for forçado a fazê-lo. A questão é: como fazer isto? Uma das soluções encontradas por Deleuze e Guattari (1992) é a sensibilização, aquilo que vai, por meio do sentimento, provocar os alunos a questionar, a “problemati- zar”. Este agente sensibilizador pode ser um filme, uma obra de arte, uma poesia 30 na prática ou qualquer outra coisa que provoque a “mente” imaginativa do jovem. Afinal, todo conceito é iniciado numa imagem, numa metáfora que, para ser comunicada, deve ser transformada em palavras. Desse modo, leia as afirmações a seguir: I - A sensibilização, proposta por Deleuze e Guattari (1992) faz menção ao páthos grego, o espanto. Referindo-se, então, à empatia que se cria entre o educando e a curiosidade emanada pelo agente sensibilizador. II - No texto anterior, é afirmado que o conceito se constitui em uma imagem. III - Problematizar significa apresentar uma forma ao problema. A partir de um tema ou evento, deve-se questionar demonstrando o quanto são duvidosas ou incer- tas as soluções para esse tema ou evento. IV - Gallo (2012) afirma que o jovem não sabe pensar, por isso, há a necessidade de forçá-lo a aprender a pensar. É correto o que se afirma em: a) Apenas I e II. b) Apenas II e III. c) Apenas I. d) Apenas II, III e IV. e) Nenhuma das alternativas anteriores está correta. 3. “O uso da palavra como ferramenta, para além da comunicação, significou uma revolução em nossa forma de pensar. Começamosa pensar, também, por palavras, mais do que por imagens, possibilitando que se processasse o pensamento com mais rapidez e rigor. A este tipo de pensamento, os antigos gregos chamaram logos, significando, a um só tempo, palavra e razão. Com isto, estabeleceram uma espécie de vínculo indissociável entre pensamento e palavra, obscurecendo o pensamento por imagens” (GALLO, 2008, p. 57). Quando se fala em pensar por palavras, faz-se referência ao conceito, que é repre- sentado pelas frases. Assim como, no texto, concorda-se que é possível pensar por imagens. Considerando este tema, assinale Verdadeiro (V) ou Falso (F) nas afirmações a seguir: 31 na prática ( ) Ao falar em conceito, Gallo (2012) o expõe em três momentos, o conceito como enciclopédia, devido ao volume dele em toda história, como pedagógico, aquele acessível ao mundo humano, e o terceiro, como comercial, cujo conceito serve a um mercado, como mercadoria. ( ) Com o advento da palavra, o pensar por imagens ficou esquecido. Isto não sig- nifica a ausência do pensamento por imagens, mas a palavra superou a imagem porque tornou o registro dos conceitos mais acessível e, assim, a sua fixação. ( ) A imagem é a única forma de construir e divulgar o conceito. Assinale a alternativa correta: a) V; V; F. b) F; F; V. c) V; F; V. d) F; F; F. e) V; V; V. 4. Kant e Hegel retratam a dupla perspectiva apresentada nesta unidade, a saber, ensinar o filosofar ou a Filosofia. Esses pensadores retratam a possibilidade de uma filosofia crítica que nos incita a aprender a filosofar (Kant) ou de um saber sistemático que nos estimula a aprender a Filosofia (Hegel). Disserte sobre o assunto fazendo uma apresentação dessas polarizações, considerando a possibilidade ou não de utilizar essas duas perspectivas do ensino da Filosofia. 5. “O ensino de filosofia não pode ser abarcado por uma didática geral, não pode ser equacionado unicamente como uma questão pedagógica, porque há algo específico na filosofia. Há algo que faz com que a filosofia seja filosofia - e não ciência, religião ou opinião –, e é esse algo que faz com que o ensino de filosofia careça também de um tratamento filosófico, de uma didática específica, para além de toda e qualquer questão estritamente pedagógica” (GALLO, 2012, p. 53). A afirmação anterior faz referência à especificidades do ensino de Filosofia e à neces- sidade de uma metodologia diferente daquelas empregadas em outras disciplinas do Ensino Médio. Comente o excerto, comparando as semelhanças e as diferenças entre ministrar aulas de Filosofia e de outras disciplinas. 32 aprimore-se SOBRE A “APRENDIZIBILIDADE” DA FILOSOFIA Como nos posicionamos a favor da ensinabilidade da filosofia, devemos agora nos perguntar se ela é “aprendível”. Os neologismos aqui utilizados não soam muito bem e podem causar desconforto. Exatamente por isso que os utilizamos. De fato, estamos demasiadamente acomodados com o fato de que algo que é ensinado é passível de ser aprendido. Entretanto, isso nem sempre acontece. A pedagogia inclusive cunhou a expressão “ensino-aprendizagem”, buscando denotar a via de mão dupla na qual deve se constituir esse processo, mas a expressão (como tantas outras) caiu num modismo maneiro e consideramos que já não significam grande coisa. Sobre o ensinar e o aprender Filosofia. É fundamental que desconfiemos da certeza fácil de que tudo o que é ensinado é também aprendido, ou de que tudo o que é transmitido é assimilado, destarte, as sementes podem ou não germinar, depende do solo em que são lançadas. Pois bem, ensinar é lançar sementes, que não sabemos se germinarão ou não; já aprender é incorporar a semente, fazê-la germinar, crescer e frutificar, produzindo o novo, o imprevisível. Disso podemos considerar que não necessariamente o que é ensinado é apren- dido. No processo da aprendizagem não conseguimos exercer um controle absolu- to, podemos planejar, executar tudo aquilo que levamos horas para planejar, tomar todos os cuidados imagináveis, mas sempre algo poderá escapar do controle, tra- zendo à luz um resultado inimaginável e inesperado. E esta é a beleza do processo educativo: agir, sem nunca saber qual será o resultado (concreto) de nossas ações. Ademais, uma aula pode “funcionar” muito bem em nossas cabeças, mas pode pro- duzir situações e resultados totalmente divergentes nos alunos. E assim lançamos nossas sementes, sem saber se darão origem a flores ou a monstros, ou mesmo a coisa alguma. A dose de incerteza presente no processo edu- cativo, é a grande pedra no caminho de uma pedagogia moderna que se quis fazer ciência, sendo identificada por Deleuze na década de 60, onde: “ Nunca se sabe de antemão como alguém vai aprender — que amores tornam alguém bom em Latim, por meio de que encontros se é filóso- 33 aprimore-se fo, em que dicionários se aprende a pensar. Os limites das faculdades se encaixam uns nos outros sob a forma quebrada daquilo que traz e transmite a diferença. Não há método para encontrar tesouros nem para aprender, mas um violento adestramento, uma cultura ou paideia que percorre inteiramente todo o indivíduo [...]. O método é o meio de saber quem regula a colaboração de todas as faculdades; além dis- so, ele é a manifestação de um senso comum ou a realização de uma Cogitatio natura, pressupondo uma boa vontade como uma ‘decisão premeditada’ do pensador. Mas a cultura é o movimento de aprender, a aventura do involuntário, encadeando uma sensibilidade, uma me- mória, depois um pensamento, com todas as violências e crueldades necessárias, dizia Nietzsche, justamente para ‘adestrar um povo de pensadores’, ‘adestrar o espírito’ (DELEUZE, 1988, p. 270). O que Deleuze nos quer dizer é que nem todos que leem algo de filosofia, ouvem fa- lar de filosofia ou ainda falam de filosofia vão necessariamente filosofar. Diferente de Nietzsche, onde a dor e a solidão dos altos cumes vão fazer filosofar, em Deleuze há a diferença radical das faculdades de sujeitos, que nem se quer são uma subjetividade, mas um mosaico de momentos. A educação no rótulo ensino aprendizagem é a relação de diferentes sujeitos, sentimentos, pensamentos, vontades e memórias, que devem colaborar para formar uma identidade momentânea, que no caso da educação é vio- lentada pelo Outro, que formata, que adestra, que submete a identidade do Outro a si. Nessa direção, consideramos que até podem haver métodos para ensinar, o que, pelo menos, serve para tranquilizar as consciências perturbadoras dos professores, mas não há métodos para aprender. O método é uma máquina de controle, e a aprendizagem está para além de qualquer controle. Para/na filosofia, isso é fundamental, apresentamos mais uma consideração de Deleuze e assim poderemos completar o raciocínio: “ Aprender vem a ser tão-somente o intermediário entre não saber e saber, a passagem viva de um ao outro. Pode-se dizer que aprender, afinal de contas, é uma tarefa infinita, mas esta não deixa de ser rejei- tada para o lado das circunstâncias e da aquisição, posta para fora da essência supostamente simples do saber como inatismo, elemento a priori ou mesmo ideia reguladora. E, finalmente, a aprendizagem está, 34 aprimore-se antes de mais nada, do lado do rato no labirinto, ao passo que o filó- sofo fora da caverna considera somente o resultado — o saber — para dele extrair os princípios transcendentais (DELEUZE, 1988, p. 271). Nessa direção, o aprender está na busca do mistério, que não se esgota em última instância; sem desconsiderar que as relações que estabelecemos são significativas, pois não há conhecimento dado de forma inata ou a priori, mas há uma busca do sujeito em suas relações. Não podemos circunscrever o aprendizado nos limites de uma aula, da audição de uma conferência, da leitura de um livro; ele ultrapassa qualquer fronteira, rasga os mapas e pode inaugurar múltiplas possibilidades e horizontes sem limites. Afinal, o que é o processodo filosofar, senão essa busca por horizontes para questio- ná-los uma vez e outra mais, para descobrir que não há horizontes? Com as palavras de Deleuze podemos inferir que o processo do filosofar é análogo ao processo de apren- dizagem: o hiato entre o saber e o não-saber; phylo-sophia, movimento do não-saber à sabedoria, sem nunca alcançar essa última, mas jamais retornando ao primeiro. É preciso reagir contra o conformismo, tomando a filosofia como movimento de rasgar o caos, atravessá-lo e nos ensinar a conviver com ele, num movimento de recusa à opinião generalizante e paralisante de criação. O filósofo “[...] parece retornar do país dos mortos” (DELEUZE; GUATTARI, 1992, p. 260). Fonte: Schütz e Schwengber (2017, p. 167). 35 eu recomendo! O que é a Filosofia? Autor: Gilles Deleuze e Félix Guattari Editora: 34 Sinopse: a partir da questão “o que é a filosofia?”, Deleuze e Guat- tari esclarecem as condições, as incógnitas e os requisitos sub- jacentes à sua elaboração. A seguir, estabelecem as diferenças entre a atividade filosófica e a atividade científica ou artística. “A filosofia faz surgir os acontecimentos com seus conceitos, a arte ergue os mo- numentos com as sensações, e a ciência constrói os estados de coisas com suas funções”. livro Deleuze & a Educação Autor: Silvio Gallo Editora: Autêntica Sinopse: neste livro, Silvio Gallo analisa o pensamento do filósofo francês Gilles Deleuze, principalmente, nos pontos em que ele é mais importante e produtivo para compreendermos o mundo contemporâneo e o papel da Educação no estabelecimento das novas práticas de controle e de subjetivação que, hoje, estão em curso. livro 36 eu recomendo! Sociedade do Cansaço Autor: Byung-Chul Han Editora: Vozes Sinopse: o mercado de palestras e de livros motivacionais está crescendo desde o início do século XXI e não mostra sinais de desaquecimento. Religiões tradicionais estão perdendo adeptos para novas igrejas que trocam o discurso do pecado pelo de en- corajamento e autoajuda. As instituições políticas e empresariais mudaram o sis- tema de punição, de hierarquia e combate ao concorrente pelas positividades do estímulo, da eficiência e do reconhecimento social pela superação das próprias limitações. Byung-Chul Han mostra que a sociedade disciplinar e repressora do século XX, descrita por Michel Foucault, perde espaço para uma nova forma de organização coercitiva: a violência neuronal. As pessoas se cobram cada vez mais para apresentar resultados, tornando elas mesmas vigilantes e carrascas de suas ações. Em uma época onde poderíamos trabalhar menos e ganhar mais, a ideo- logia da positividade opera uma inversão perversa: nos submetemos a trabalhar mais e a receber menos. Esta onda do “eu consigo” e do “yes, we can”, tem gera- do aumento significativo de doenças como depressão, transtornos de personali- dade, síndromes como hiperatividade e Burnout. Este livro transcende o campo filosófico e pode ajudar educadores, psicólogos e gestores a entender os novos problemas do século XXI. . livro O autor Rodrigo Pelloso Gelamo busca demonstrar outro caminho, livre dos pres- supostos do filosofar tradicional. Problematiza o ensino de Filosofia, consideran- do as “imagens do pensamento” como vínculo às temáticas filosóficas atuais. Web: http://www.scielo.br/pdf/pp/v19n3/v19n3a08.pdf. O autor César Augusto Ramos trata a temática da Filosofia ou do filosofar a partir da visão kantiana. Web: http://www.scielo.br/pdf/trans/v30n2/a13v30n2.pdf. conecte-se anotações 2 PLANO DE ESTUDO A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: • Metáfora • Discurso: fala, escrita e narrativa • Interpretação: imaginação e hermenêutica OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM • Perceber a imagem no contexto da sensibilização, compreender o texto e entender a metáfora como elemento da comunicação, oral e escrita, e do desenvolvimento do texto filosófico • Compreender a construção do discurso em uma perspectiva de narrativa • Perceber alguns caminhos interpretativos para compreensão dos textos filosóficos. A CONSTRUÇÃO RACIONAL: da imagem ao discurso PROFESSOR Me. Marco Antonio Cardoso INTRODUÇÃO Prezado(a) aluno(a), nesta unidade, explanaremos a interpretação de texto. Ao recapitular a intenção de construir conceitos, faz-se necessário ques- tionar e investigar a narrativa, seja essa narrativa produzida a partir da curiosidade daquele que ouve ou lê, seja os textos dos(as) pensadores(as), assim como a reconstrução dessas narrativas. Em síntese, observa-se desde os conceitos dos(as) filósofos(as) até o discurso singular de um educan- do(a). Nesse caminho, elegemos textos sobre a metáfora que enriquecem e ampliam a(s) interpretação(ões) do texto. A associação da metáfora à proposição filosófica está longe de ser clara, uma vez que, em uma abordagem superficial, os dois conceitos parecem se chocar. Qual a correspondência entre esses dois temas? A metáfora possui um campo de ação mais vasto do que o conceito, pois pode envolver desde uma simples figura de linguagem, sem ambição cognitiva, até constituir-se como um instrumento interpretativo. São tantas as formas de definir a me- táfora que se faz necessário definir a concepção que nos servirá de ponto de partida para o contexto desse trabalho. Nesse afã, trataremos o assunto, em primeiro lugar, explorando seu uso como figura de linguagem, tendo vista ser a definição mais aceita na literatura e, por conseguinte, em textos filosóficos. Estudaremos, ainda, a concepção ricoeuriana sobre metáfora, que institui uma visa- da hermenêutica, sem desconsiderar o olhar de outros teóricos, desde Aristóteles até os contemporâneos. Depois, dedicaremos nossa atenção ao discurso filosófico, trataremos de distinguir o que é texto/escrita e discurso/oralidade na tradição da lin- guística, considerando o discurso para análise, seja filosoficamente, seja lin- guisticamente, quando retido na escrita. O discurso filosófico será tratado como uma comunicação entre o texto e o leitor. A problemática envolve a possibilidade de manter a racionalidade em um texto figurado. São estas, entre outras questões, que tentaremos responder nesta unidade. U N ID A D E 2 40 1 METÁFORA A metáfora nos induz a uma imagem, a imagem utiliza-se da linguagem, matéria prima do conceito. Se utilizamos a linguagem, assim como o conceito, ela é ante- rior à razão? Se é assim, devemos considerá-la irracional ou algo que existe entre a racionalidade e a imaginação? Se ela é algo entre a imagem e a razão, então, há uma relação de continuidade, não só ruptura, entre metáfora e conceito. Pressu- pondo que a imagem não nos leva ao conceito de modo direto, como seria isso? Frege (1978) alude ao sentido e à referência. Como se reporta ao estatuto da metáfora? Segundo Frege (2011, p. 28), “o pensamento expressa um sentido que tem valor de ‘verdade’”. Além disso, infere que o pensamento se faz de forma sen- tencial e assertiva, ou interrogativa, aquilo que, na ciência, é designado hipótese. O pensamento, segundo ele, pode ser expresso por sentenças que tenham conteúdo, como é o caso das assertivas, porém, as interrogativas, também, têm conteúdo, desde que se apresentem como sentenças “interrogativas completas” cuja resposta é sempre um “sim” ou “não”. Ou seja, segundo Frege (1956), o pen- samento de modo algum se faz por imagens, mas por sentenças. O sentido e a referência fazem alusão ao pensamento. Desse modo, o sentido é apreendido pelo pensamento a partir da referência do objeto na realidade, por- tanto, o objeto, quando apreendido, já tem seu sentido por sentenças. Esse sentido não está imbuído pelo “verídico”, mas com um “valor de verdade”, ou seja, é uma sentença que pode ser “verdadeira” ou “falsa”. U N IC ES U M A R 41 É possível o conceito ser instituído com a participação da imagem? Ou estariam os concei- tos de imagem e imaginaçãoequivocados? pensando juntos A realidade é, desse modo, apreendida pela racionalidade que se origina, di- retamente, a partir da referência. Frege (1956), assim como a tradição e os mo- dernos, considera a imaginação como participante de um psicologismo, ou seja, apresenta-se como subjetividade, por isso, é impossível determinar seu grau de verdade. Para a metáfora participar da cognição, necessariamente, a razão tem que se relacionar com a imagem. Mas como isso acontece? A metáfora, nos manuais de gramática, é categorizada como figura de lingua- gem. Por definição, é o uso não convencional das categorias da linguagem, utilizado como recurso com o fim de dar maior expressividade à mensagem proferida. Notemos que, de modo geral, os manuais deixam claro que o recurso da metáfora não acrescenta cognição à mensagem. A sua contribuição seria a de tornar mais forte e realçar parte da mensagem. Seu uso é reduzido a uma comparação subentendida, que se diferencia da comparação ordinária por apresentar uma conjunção comparativa, por exem- plo, “Aquiles é um leão”, tem-se, nessa frase, uma metáfora; enquanto “Aquiles é como um leão”, uma comparação. Seria isso suficiente para a compreensão do uso da metáfora? Isto é, definir a metáfora como comparação subentendida. Agora, dá-se conta do que é a analogia? A resposta é negativa, pois a comparação exige o trabalho da imaginação que percebe a semelhança e a diferença, como veremos a seguir. Será necessário, no entanto, para entender o alcance da metáfora, compreender o contexto em que se insere, ou, ainda, as razões, que explicaremos uma hermenêutica do discurso. Com o objetivo de elucidar o estatuto da metáfora no discurso, devemos, inicialmente, discutir a tradição de leitura, que contribuiu para a clivagem entre a metáfora (literatura) e o conceito (filosofia), bem como a concepção restrita de metáfora. Discutiremos, portanto, a partir desse momento, as fontes e as consequências filosóficas desse tema. O princípio e a origem do problema remetem a Aristóteles. Na Grécia antiga, a metáfora foi utilizada como instrumento retórico, auxiliando o convencimento U N ID A D E 2 42 do público pelo discurso. Aristóteles, em sua Retórica, deixa claro que a função da retórica é persuadir, como afirma sua poética: “ Entendamos por retórica a capacidade de descobrir o que é adequado a cada caso com o fim de persuadir. Esta não é seguramente a função de nenhuma outra arte; pois cada uma das outras apenas é instrutiva e persuasiva nas áreas de sua competência; como, por exemplo, a medici- na sobre a saúde e a doença, a geometria sobre as variações que afetam as grandezas, e a aritmética sobre os números; o mesmo se passando com todas outras artes e ciências (ARISTÓTELES, 1968, 1355 b). O filosofo destaca que a aprendizagem fácil é aquela que é agradável a todos, e as palavras mais agradáveis são aquelas que proporcionam o conhecimento (ARIS- TÓTELES, 1968, 1410 b). Afirma, também, que o uso de metáforas torna o texto aprazível, as palavras “estranhas”, “por estranha entendo a palavra rara, a metáfora, a palavra alongada e tudo que for contra o que é corrente” (ARISTÓTELES, 1968, 1458 a-22), que, apesar de conhecermos seu “sentido apropriado”, são usadas na frase com outro intento, como, no caso da Poética, a palavra “palha” é utilizada no sentido de “velhice”, trazendo conhecimento, tendo visto que tanto a palavra “palha” como a palavra “velhice” não indicam a “flor da idade”. O significado da palavra “estranha” deve impressionar de imediato para que haja compreensão e, assim, conhecimento. Não que seu significado deva ser óbvio, mas, com algum esforço, rapidamente, é entendido e conhecido. Resta saber se essa noção evi- denciada pela metáfora é de fato cognitiva, ou melhor, como é que a metáfora produz conhecimento? Quando se usa um termo metafórico, há a evocação de uma imagem que vai além da palavra lexicalizada, ou seja, há a intervenção de uma figura que desloca o pensamento racional ao pensamento imagético. Ao referir a pensa- mento racional e pensamento imagético, refiro-me ao conceito deleuziano, exemplificado por Gallo (2008, p. 57): “ O uso da palavra como ferramenta, para além da comunicação, significou uma revolução na nossa forma de pensar. Passamos a pensar também por palavras, mais do que por imagens, o que pos- sibilitou que se processasse o pensamento com mais rapidez, com maior rigor. A este tipo de pensamento, os antigos gregos chamaram U N IC ES U M A R 43 logos, significando, a um só tempo, palavra e razão. Com isto, esta- beleceram uma espécie de vínculo indissociável entre pensamento e palavra, obscurecendo o pensamento por imagens. Cândido (1996, p. 90), servindo-se de Aristóteles, afirma que a “metáfora e a imagem estão sob a mesma égide, o mesmo processo mental, e diferenciam-se considerando a imagem como comparação ou analogia”. Desse modo, pressupõe alguns elementos necessários para se considerar o termo como metáfora, são eles: semelhança, comparação subjetiva, abstração, transposição e formação de uma nova realidade semântica de caráter simbólico. “ A linguagem figurada nasce de uma inópia; mas não sucede a uma linguagem própria. O que falta é precisamente esta, que só poderá se desenvolver numa fase racional, na qual estabeleça o conhecimento das coisas pelas causas. Portanto, a linguagem figurada da poesia é a forma primordial que institui a visão do mundo, permanecendo em nosso tempo como sobrevivência (CÂNDIDO, 1996, p. 94). Conforme o autor, a metáfora supre uma deficiência da nossa língua, seja para or- namentar e deixar mais agradável, seja para expressar algo que a língua não permite, por falta de vernáculo que expresse o que se deseja. Cândido (1996)complementa, porém, que a metáfora não é superior à língua em uso, é, simplesmente, um instru- mento possível. Por aproximação, escolhe-se o mais adequado para o que se quer dizer, mas, enquanto imagem, a metáfora não estabelece o conhecimento como tal, havendo a necessidade que evolua para uma fase racional, em palavras, e só assim instituir um conhecimento. Os elementos pressupostos por Cândido (1996) reforçam a ideia de “processamento” da metáfora, contrapondo-se à imediatidade expressa por Aristóteles para que ocorra conhecimento a partir do termo meta- fórico. A escolha do termo metafórico precede um objetivo já traçado. O termo escolhido, em algum aspecto, deve apresentar semelhança com aquilo que se quer dizer, e essa semelhança deve ser evidente e permitir a comparação entre os dois ter- mos, qualificando o primeiro pelo segundo (ARISTÓTELES, 1968, 1410 a 1411 b). Desse modo, a imagem formada é abstraída a partir do termo metafórico e aplicada ao contexto em questão, transpondo o sentido de um ao outro ter- mo, criando uma nova realidade semântica de caráter simbólico. Vejamos um exemplo: “o filósofo prisioneiro das redes da linguagem” (NIETZSCHE, 1974, p. U N ID A D E 2 44 118). Dito de outro modo: o filósofo, por mais que queira se expressar de outra forma que não pela linguagem corrente, tem que respeitar as regras gramaticais da língua em que se expressa, ou seja, pode criticar a linguagem e o quanto limita e interfere no que se tem a dizer, porém só o faz com o uso da linguagem que critica. Ora, a linguagem não tem forma de rede, muito menos pode aprisionar, objetivamente, alguém, no caso, o filósofo, portanto, “redes da linguagem” são utilizadas de forma figurada, uma realidade semântica de caráter simbólico. A compreensão do que é metáfora, entretanto, atravessa várias tradições, muito bem apresentadas por Ricoeur (2005), que percorre o tema desde a retórica clássica (Aristóteles, Poética) e seu declínio (Pierre Fontanier, Les figures du discours), pas- sando pela semiótica e pela semântica (Émile Benveniste, I.A. Richards, Max Black, Monroe Beardsley, Ferdinand Saussure, entre outros) até chegar à hermenêutica. Com o objetivo de compreender o espaço ocupado
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