Buscar

Cultura e Processo de Subjetivação

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 48 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 48 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 48 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

1 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
2 
 
SUMÁRIO 
1 CONSTITUIÇÃO DA SUBJETIVIDADE E IDENTIDADE ............................ 3 
2 O DESENVOLVIMENTO DO PSIQUISMO E DA SUBJETIVIDADE NA 
PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL ..................................................................... 5 
3 ALGUMAS CONCEPÇÕES DE SUJEITO E SUBJETIVIDADE NO ÂMBITO 
DA FILOSOFIA ............................................................................................................ 9 
4 EDUCAÇÃO E SUBJETIVIDADE NA CULTURA GLOBALIZADA: IDÉIAS A 
PARTIR DA TEORIA DA COMPLEXIDADE DE EDGAR MORIN ............................. 13 
5 CULTURA, SUBJETIVIDADE E AS ORGANIZAÇÕES NA 
CONTEMPORANEIDADE ......................................................................................... 15 
6 A CONJUNÇÃO DO POLÍTICO E DO SOCIAL NO MUNDO DO 
TRABALHO ............................................................................................................... 17 
7 SUBJETIVIDADE COMO PRODUTO DO SOCIAL .................................. 21 
8 CULTURA, SUBJETIVIDADE E ORGANIZAÇÕES .................................. 23 
9 CONFIGURAÇÕES DA MICROCULTURA ORGANIZACIONAL NA 
CONTEMPORANEIDADE ......................................................................................... 27 
10 MODOS DE SUBJETIVAÇÃO ............................................................... 31 
11 MÍDIA E PRODUÇÃO DE MODOS DE SUBJETIVAÇÃO ..................... 34 
12 A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO E A SUBJETIVIDADE A PARTIR DE 
VYGOTSKY: ALGUMAS REFLEXÕES ..................................................................... 37 
12.1 Ênfase no funcionamento intra-individal ou a sociogênese ............ 39 
12.2 Ênfase no funcionamento interindividual ou intersubjetividade ....... 40 
12.3 Ênfase na relação dialética das dimensões intra e interindividuais . 41 
12.4 O nascimento cultural do homem .................................................... 43 
13 BIBLIOGRAFIA ...................................................................................... 45 
 
 
3 
 
1 CONSTITUIÇÃO DA SUBJETIVIDADE E IDENTIDADE 
 
Fonte: dokumen.tips 
A subjetividade, identidade e constituição do sujeito precisam de uma 
discussão ontológica para que possam ser verdadeiramente compreendidos. Partindo 
de uma perspectiva dialética de entendimento do ser humano e de suas relações 
sociais, é possível apontar que a “identidade” pode ser compreendida como 
constituição do sujeito, desde que seu significado esteja na direção daquilo que se faz 
aberto e inacabado. 
Nesta perspectiva, a subjetividade é uma dimensão deste sujeito, assim como 
a objetividade que, a partir das relações vivenciadas, se faz construtora de 
experiências afetivas e reflexivas, capaz de produzir significados singulares e 
coletivos (MAHEIRIE, 2002). 
Muitas vezes não se sabe falar do homem singularmente, indaga-se qual o 
conceito utilizar para descrever o processo de constituição daquilo que o faz este 
sujeito e não outro. De qualquer maneira e independente do conceito que se possa 
utilizar, compreendemos que toda e qualquer concepção de sujeito traz implícita ou 
explicitamente uma ontologia que a sustenta. Ou seja, toda teoria traz uma concepção 
do ser em geral (homem e coisas), que serve de horizonte para fundamentação e 
desenvolvimento de uma concepção do que seja o ser humano (MAHEIRIE, 2002). 
 
4 
 
Para Sartre, o homem é um ser que se constitui ao mesmo tempo como corpo 
e consciência, em que está só pode ser entendida como sendo relação a alguma 
coisa. Por isso sua teoria indica que toda consciência é consciência de alguma coisa, 
sendo desprovida de todo e qualquer conteúdo. 
 Ela é somente “relação”, não tendo interior nem conteúdo, revelando-se, então, 
como a dimensão subjetiva do sujeito entendido como a negação do absoluto de 
objetividade. Nesta perspectiva, o conceito de consciência em Sartre contempla todo 
e qualquer fenômeno da psique humana, desde o mais breve impulso perceptivo de 
um recém-nascido, até a mais elaborada das reflexões de um sujeito adulto 
(MAHEIRIE, 2002). 
O significado que ele atribui à consciência não pode ser confundido com a 
noção que em geral se tem a respeito dela, qual seja, como uma modalidade do 
conhecimento. A consciência é anterior ao conhecimento, sendo que este é apenas 
uma possibilidade daquela (MAHEIRIE, 2002). 
Sartre parece romper com o paradigma cartesiano, no qual “existir” 
corresponde ao “pensar”. Rompendo com o privilégio da reflexão sobre vivência 
humana, é possível romper também com algumas dicotomias, dentre elas, a da razão 
e da emoção, colocando a consciência no patamar da existência. Como 
consequência, temos a afetividade, imaginação, percepção e reflexão, seja crítica ou 
não, como consciências, cada qual com sua especificidade (MAHEIRIE, 2002). 
De acordo com o referencial teórico psicodinâmico percebe-se a tentativa de 
compreender as formas como estão se dando os processos de subjetivação dos 
sujeitos, que terminam esmagados nas suas singularidades, resultando isso nos 
variados tipos de manifestações e sintomas presentes na atualidade (OLIVEIRA, 
2003). A identidade, subjetividade e sintoma na era contemporânea. Pesquisadores 
refletem a forma como está sendo construída a identidade do homem moderno, para 
podermos assim compreender a crise de paradigmas e sintomas sociais que 
vivenciamos na atualidade, e que, por sua vez, influenciam intensamente na 
construção das identidades individuais e coletivas (OLIVEIRA, 2003). 
Vive-se em uma era em que do homem é exigido o uso pragmático da razão 
sobrepondo-se aos sentimentos e emoções, encontramos o ambiente propício à 
manifestação dos mais variados sintomas e enfermidades (OLIVEIRA, 2003). 
 
5 
 
Quando se fala da doença, sabe-se que está se manifesta por meio de um 
corpo no qual habita. Entretanto, ao evocarmos a noção de corpo, não nos limitamos 
apenas a um corpo anatômico, mas a um corpo vivido, dotado de existência, possuidor 
de subjetividades (OLIVEIRA, 2003). 
Segundo Merleau-Ponty (1962), o corpo do homem não é um simples corpo, 
mas um corpo humano, que só pode ser compreendido a partir da sua integração na 
estrutura global. A doença no corpo transcende o físico, o palpável, o orgânico e o 
real, e refere-se ao aspecto simbólico, o qual só poderá ser compreendido a partir das 
histórias pessoais de cada indivíduo. Daí a importância da construção de uma 
identidade, que vai constituir diferentes e peculiares formas de ser, de existir e de 
produzir sintomas e doenças (OLIVEIRA, 2003). 
2 O DESENVOLVIMENTO DO PSIQUISMO E DA SUBJETIVIDADE NA 
PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL 
O conceito de subjetividade, apesar de ser amplamente utilizado pela 
psicologia e por outras ciências, possui diversas definições, que variam de acordo 
com o autor, com a interpretação, etc. Pode-se observar que, até mesmo no interior 
de uma mesma perspectiva, como a psicologia histórico-cultural, existem diferentes 
interpretações e formulações teóricas acerca da constituição da subjetividade. 
Molon (2003) realizou um estudo acerca da constituição do sujeito e da 
subjetividade na concepção de diferentes autores e na leitura que esses autores 
fazem sobre a constituição do sujeito na obra de Vygotsky. Identificou que os autores 
analisados por ela têm por pressuposto a origem social do homem, mas diferem entre 
si com relação à maneira como veem esta relação entre indivíduo e sociedade e na 
maneira como veem a relação entre a constituição da subjetividade no meio social e 
individual. 
Alguns autores priorizam o funcionamento intrapsicológico como, por exemplo, 
Jaan Malsine e alguns dão ênfase ao funcionamento Inter psicológico como, por 
exemplo, James V. Wertsch. Outros, ainda, veem de forma dialética a relação entre 
ambos os aspectos. Cada uma dessas formas de pensar a constituição da 
subjetividadetraz consigo, portanto, diferentes formas de se analisar a constituição 
do sujeito. 
 
6 
 
A constituição do sujeito e da subjetividade não é esclarecida nem entre os, 
autores que dão ênfase ao aspecto intrapsicológico, nem entre os autores que se 
preocupam com o Inter psicológico, e que a análise do tema subjetividade é feita com 
reduções de ambas as partes, não se pautando no caráter dialético das produções de 
Vygotsky. O desenvolvimento do psiquismo e a constituição da subjetividade que se 
fundamentem em uma visão marxista dos autores que compõem a escola de 
Vygotsky, tais como o próprio L. S. Vygotsky, A. N. Leontiev, A. R. Luria, entre outros. 
Leontiev (1978/2004) diz que acerca da constituição psíquica do homem e seu 
desenvolvimento. Para Leontiev (1978/2004, p.279, grifos do autor), o 
desenvolvimento do homem é um processo histórico e social, visto que “o homem é 
um ser de natureza social, que tudo o que tem de humano nele provém de sua vida 
em sociedade, no seio da cultura criada pela humanidade”. 
Apenas o aparato biológico não é suficiente para que o homem se torne 
homem, pois cada indivíduo aprende a ser homem. O que a natureza lhe dá quando 
nasce não lhe basta para viver em sociedade. Ainda é preciso adquirir o que foi 
alcançado no decurso do desenvolvimento histórico da sociedade humana” (Leontiev 
1978/2004, p.285, grifo do autor). 
Portanto, o homem só se torna homem ao apropriar-se do mundo, quando se 
transmite, às novas gerações, o legado da humanidade. É o processo de apropriação 
e objetivação dos bens materiais e culturais que propiciam o desenvolvimento de 
novas gerações de seres humanos. A constituição da subjetividade humana caminha 
desse ir e vir do mundo interno para o mundo externo, numa relação dialética entre 
objetividade e subjetividade. 
Martins (2007), a partir das ideias defendidas por Leontiev, diz que 
compreender a essência humana como conjunto das relações sociais implica 
reconhecer que estas relações são produzidas pelos homens por meio da atividade 
consciente, encontrando-se na base destas relações as relações sociais de produção 
(Martins, 2007, p.141). 
Isto mostra a conexão entre subjetividade e atividade vital do homem o 
trabalho, pois é pela atividade que este homem constrói a si mesmo e ao mundo. 
Desta forma, a compreensão da subjetividade deve considerar que o homem pertence 
a uma forma determinada de sociedade, e que as particularidades desta sociedade 
condicionam a construção dos indivíduos que dela fazem parte. 
 
7 
 
Para analisar o indivíduo devemos nos fundamentar na análise do momento 
histórico e social enfocando a relação dialética homem-sociedade. 
E para viver em sociedade o homem precisa controlar o seu comportamento e 
isso é possível com o desenvolvimento das funções psicológicas superiores. 
Para Vygotsky (1931/2000), o desenvolvimento do psiquismo é o resultado, por 
um lado, de um processo biológico de evolução das espécies animais que conduziu à 
aparição do homo sapiens, por outro lado, é resultado do processo histórico, graças 
ao qual o homem primitivo se converteu em um ser culturalizado. A filogênese, a 
ontogênese e as condições histórico-sociais seriam responsáveis pelo homem 
cultural. 
Vygotsky (1931/2000) diz que as transformações nos planos natural e cultural 
promovem o processo de formação biológico-social da personalidade da criança. 
Conforme a criança vai se apropriando da cultura, vai aprendendo a utilizar os 
recursos mediadores que o ambiente dispõe para realizar determinados 
comportamentos. Ocorre uma superação dos aspectos biológicos pela apropriação da 
cultura. O comportamento passa a ser mediado por instrumentos e signos. 
O comportamento da criança, pela mediação de outras pessoas, vai se 
modificando. Ocorre a “ a criação e o emprego de estímulos artificiais em qualidade 
de meios auxiliares para dominar as reações próprias” (Vygotsky, 1931/2000, p.82). A 
criança passa a se utilizar de signos para controlar seu comportamento. 
Vygotsky (1931/2000, p.83) diz que denomina sobre signo os estímulos 
mediadores artificiais introduzidos pelo homem na situação psicológica, que cumprem 
a função de auto estimulação, estímulo condicional criado pelo homem artificialmente 
e que se utiliza como meio para dominar a conduta. Vygotsky diz que, do ponto de 
vista psicológico, a significação, a criação e a utilização de signos é que diferencia o 
homem do animal. 
Quando Vygotsky (1931/2000, p. 146) analisa a gênese das funções 
psicológicas superiores destaca que o signo a princípio, é sempre um meio de relação 
social, um meio de influência sobre os demais e tão somente depois se transforma em 
um meio de influência sobre si mesmo”. Os signos externos tornam-se internos e, 
desta forma, o homem passa a ser ele mesmo através do outro. Vygotsky (1931/2000) 
está se referindo não apenas a personalidade em seu conjunto, mas também a cada 
função psicológica superior. 
 
8 
 
 Cada função superior é primeiramente externa, Inter psíquica, para depois se tornar 
interna, intrapsíquica. Toda função psicológica é primeiramente social. 
Vygotsky (1931/2000) afirma que, quando ele se refere a algo “externo”, está 
querendo afirmar que é algo “social”. Ou seja, o que sustenta as funções superiores 
são as relações sociais. Todo aspecto cultural é social, uma vez que a cultura é 
produto da atividade humana social. 
Vygotsky e Luria (1030/1996) diz que no início de seu desenvolvimento, a criança 
utiliza-se de suas funções psicológicas naturais para se adaptar ao meio. Quando ela 
passa do estágio primitivo e natural para o estágio cultural, passa a utilizar-se de 
signos externos como auxílio para, por exemplo, memorizar algo. Com o passar do 
tempo, estes signos tornam-se internos, são internalizados pela criança, e está passa 
a utilizar-se de suas funções psicológicas superiores para realizar suas tarefas, não 
necessitando mais de auxiliares externos. 
A formação da subjetividade, nesta linha de raciocínio, é condicionada tanto 
por fatores internos, como fatores externos; ou seja, tanto fatores culturais como o 
próprio desenvolvimento das funções psicológicas superiores formam a personalidade 
da criança. No que se refere ao termo subjetividade, Silva (2007) pontua que o 
conceito é amplamente utilizado hoje, porém possui as mais diferentes definições. 
 A autora procura compreender o significado deste termo a partir de Leontiev, 
diz que, a palavra subjetividade se refere ao processo pelo qual algo se torna 
constitutivo e pertencente ao indivíduo; ocorrendo de tal forma que esse 
pertencimento se torna único, singular (Silva, 2007, p.75). O fato da subjetividade se 
referir àquilo que é único e singular do sujeito não significa que sua gênese esteja no 
interior do indivíduo. A gênese dessa parcialidade está justamente nas relações 
sociais do indivíduo, em que ele se apropria (ou subjetiva) de tais relações de forma 
única (da mesma maneira ocorre o processo de objetivação). 
Ou seja, o desenvolvimento da subjetividade ocorre pelo intercâmbio contínuo 
entre o interno e o externo, relação essa tal qual Vygotsky (1995, 1931) descreve 
quando se refere a gênese das funções psicológicas superiores. Em síntese, é o 
processo de tornar o que é universal em singular, único, isto é, de tornar o indivíduo 
pertencente ao gênero humano (Silva, 2007, p.76). 
 
9 
 
Considera-se que o contexto histórico e cultural no qual o indivíduo está 
inserido é que vai constituir o mesmo como sujeito, por meio de uma relação dialética 
entre objetividade e subjetividade, conforme destacam Cambaúva e Tuleski (2007). 
Segundo Bock (2001), o fenômeno psicológico deve ser entendido como 
construção no nível individual do mundo simbólico que é social. O fenômeno deve ser 
visto como subjetividade, concebida como algo que se constitui na relação com o 
mundo material e social, mundo este que só existepela atividade humana. 
Subjetividade e objetividade se constituem uma à outra sem se confundir. 
A linguagem é mediação para a internalização da objetividade, permitindo a 
construção de sentidos pessoais que constituem a subjetividade. O mundo psicológico 
é um mundo em relação dialética com o mundo social. Conhecer o fenômeno 
psicológico significa conhecer a expressão subjetiva de um mundo objetivo/coletivo; 
um fenômeno que se constitui em um processo de conversão do social em individual; 
de construção interna dos elementos e atividades do mundo externo. Conhecê-lo 
desta forma significa retirá-lo de um campo abstrato e idealista e dar a ele uma base 
material vigorosa (Bock, 2001, p.23). 
A subjetividade, portanto, é constituída por fatores internos e externos, na qual 
a forma do indivíduo se perceber está relacionada com a forma como os homens 
estabelecem as relações sociais em um contexto específico, decorrente de condições 
histórico-sociais. 
3 ALGUMAS CONCEPÇÕES DE SUJEITO E SUBJETIVIDADE NO ÂMBITO DA 
FILOSOFIA 
Os primeiros estudos acerca da noção de subjetividade foram produzidos no 
âmbito da Filosofia. Na Grécia antiga, Platão, em seus estudos a respeito do 
conhecimento humano, já tecia considerações sobre o sujeito. Esse filósofo entendia 
o ato de conhecer como um reconhecimento dos sentidos inscritos nas coisas, por 
isso, para ele, o saber não era construído pelo homem, porque Deus era responsável 
pela criação e ao homem cabia apenas a imitação, o conhecimento se dava pelo 
reconhecimento. 
 
10 
 
 Em diálogo com essa ideia, recorremos às palavras de Brandão: “o SER tinha 
uma existência autônoma, era algo exterior ao homem a quem cabia apenas uma 
função de reconhecimento e não de construção de saber” (BRANDÃO, 1998, p. 34). 
O advento da subjetividade na filosofia se dá, mais precisamente, no momento 
em que a consciência passa a ser considerada como produtora de todas as verdades. 
Assim, o existencialismo é o ponto de partida da filosofia humanista e tal ideia é 
fundamentada pelo célebre axioma1 de Descartes, de que pensar, é logo, existir. 
 Brandão diz: 
A verdade não é simplesmente reconhecida, mas produzida pelo homem nesse 
processo de percepção de si próprio. O “eu penso” é a primeira verdade, a de acesso 
mais imediato e o ponto de partida de todas as outras evidências que serão produzidas 
por esse mesmo “eu penso”. (BRANDÃO, 1998, p.34) 
De acordo com a concepção cartesiana, a subjetividade é responsável pela 
construção do saber e esse processo acontece quando o sujeito passa a representar 
o objeto, atribuindo-lhe significado: “considerado como uma exterioridade, o objeto 
passa a ser algo que é representado por um sujeito que lhe confere sentido” 
(BRANDÃO, 1998, p.35). Esse processo de representação considera o princípio da 
identidade e recusa a contradição, uma vez que o sujeito, na concepção de Descartes, 
seria um produtor de verdades universais, o que, no entendimento de Rey (2003), 
contribuiu para a construção de uma visão maniqueísta da sociedade. 
Por trás dessa ideia está o princípio profundamente racional de caráter 
universal das crenças que permite uma divisão estática entre um mundo “bom” e outro 
“mau”, o que tem escasso valor ético e moral, pois todos sentimos que somos parte 
do mundo “bom”, assumindo muito pouco a identidade do mal. A ideia de um sujeito 
universal apresenta-se muito associada à do sujeito ideal que inspirou boa parte das 
construções éticas, políticas e religiosas do pensamento ocidental e que continuam 
muito arraigadas até hoje. (REY, 2003, p. 21). 
Surge a dialética da realidade e a subjetividade, que antes estava na identidade 
dos seres, agora, é construída na relação de oposição entre eles. 
 
1 Axiomas são verdades inquestionáveis universalmente válidas, muitas vezes utilizadas como 
princípios na construção de uma teoria ou como base para uma argumentação. 
 
11 
 
Foucault (1972) nega a unicidade do sujeito e o inscreve no âmbito da 
linguagem, opondo-se à ideia de uma subjetividade produtora de verdades universais, 
uma vez que, no entendimento desse autor, a contradição é inerente ao discurso. 
 O discurso deixa de ser a manifestação “majestosamente desenvolvida” de um 
sujeito pensante para se constituir em um espaço de exterioridade no qual o sujeito 
pode ocupar diversos lugares. Segundo a teoria foucaultiana, o sujeito pode assumir 
diversas posições em suas práticas discursivas, o que caracteriza sua dispersão. 
As diversas modalidades de enunciação em lugar de remeter à síntese ou à 
função unificante de um sujeito, manifestam sua dispersão. Aos diversos estatutos, 
aos diversos lugares, às diversas posições que pode ocupar ou receber quando tem 
um discurso. À descontinuidade dos planos de onde fala. (FOUCAULT, 1972, p. 69-
70). Kant também desconstrói a ideia cartesiana, uma vez que a construção do 
pensamento não está simplesmente ligada ao fato do “eu penso” como determinador 
das propriedades dos objetos, mas sim na relação que o indivíduo estabelece com o 
meio. Na concepção kantiana, a relação entre o sujeito e o objeto passa pela 
percepção individual. 
Tentamos provar que todas as nossas intuições só são representações de 
fenômenos, que não percebemos as coisas como são em si mesmas, nem são as 
suas relações tais como se nos apresentam, e que se suprimíssemos nosso sujeito, 
ou simplesmente a constituição subjetiva dos nossos sentidos em geral, 
desapareceriam também todas as propriedades, todas as relações dos objetos no 
espaço e no tempo, e também o espaço e o tempo, porque tudo isto, como fenômeno, 
não pode existir em si, mas somente em nós mesmos. (KANT, s.d., p. 25). 
Outro filósofo que problematiza a visão cartesiana é Husserl (1929). Ao 
discorrer sobre o que considera ser uma nova fenomenologia, esse filósofo chega a 
salientar a influência do pensamento cartesiano sobre essa corrente filosófica, mas 
propõe uma reformulação das meditações de Descartes, no que tange à noção de 
sujeito. No entendimento de Husserl, o sujeito cartesiano é abstrato, desvinculado do 
mundo. Infelizmente é o que acontece em Descartes com a viragem discreta, mas 
funesta, que transforma o ego em substantia cogitans, em animus humano separado, 
em ponto de partida para raciocínios segundo o princípio da causalidade, em suma, 
com a viragem pela qual se tornou o pai do contraditório realismo transcendental. 
(HUSSERL, 1929, p. 8). 
 
12 
 
Para Husserl, faltou a Descartes desvendar o ego, compreendendo-o, não 
como algo vago, mas como uma “corrente incessante do ser” (HUSSERL, 1929, p.13). 
No campo da Psicologia, retomando Rey, a rejeição ao sujeito da razão provocou o 
que esse autor denomina “morte do sujeito”. 
Dessa forma: 
A subjetividade e o sujeito não aparecem na psicologia como resultado de seu 
trânsito pela modernidade, mas como resultado de sua assimilação da dialética 
marxista, enriquecida no processo de desenvolvimento da psicologia pela influência 
crescente do pensamento complexo nas ciências do homem. (REY, 2003, p. 222). 
Nem sempre a psicologia abarcou discussões sobre a subjetividade. Rey 
(2003), ao traçar um panorama das teorias do sujeito no âmbito da psicologia, destaca 
as bases empiristas e experimentais que dominaram essa ciência, no final do século 
XIX e início do século XX, na Europa e nos Estados Unidos. A subjetividade aparece 
na psicologia como produto da assimilação da dialética marxista. Dessa forma, pode-
se notar a influência da visão marxista na psicologia social. 
A assimilação organizada do marxismo pela psicologia, que se apresenta pela 
primeira vez na psicologia soviética, incorporou a visão marxista do homem na 
construção do pensamento psicológico e, pela primeira vez, reconheceu a formação 
da psique dentro do espaço histórico-cultural do homem. (REY, 2003, p. 222). 
O surgimento da psicanálisefoi fundamental para a inclusão do tema 
subjetividade nos estudos de Psicologia. Rey (2003) analisa as contribuições de Freud 
e Lacan, apontando os avanços de suas teorias e, ao mesmo tempo, tece algumas 
críticas a partir das lacunas deixadas por esses autores. 
Freud e Rey (2003) diz que é importante o estudo de casos para a construção 
da base teórica da Psicologia. Porém, acrescenta que o sujeito freudiano se apresenta 
como um cenário de luta de forças, o que não nos autoriza, no entendimento de Rey, 
a considerar esse indivíduo como um sujeito propriamente dito. 
Com relação ao sujeito lacaniano, Rey (2003) diz que a inserção da linguagem 
nos estudos, apesar de considerar tal fato como um avanço da teoria lacaniana, Rey 
sustenta que o “sujeito de Lacan é ficcional; está incapacitado para seguir o princípio 
da realidade” (REY, 2003, p.38). A linguagem, então, deixa de ser uma forma de 
expressão, desenvolvimento e mudança do próprio sujeito, uma vez que esse sujeito 
não se responsabiliza por sua ação no mundo. 
 
13 
 
Sob essa perspectiva, o sujeito lacaniano é visto mais como uma 
entidade/construção psíquica que se adapta ao mundo, não se constituindo em agente 
de transformação, ou seja, é um sujeito incapaz de romper, de criar, de mudar e se 
torna “preso” às estruturas da linguagem, tornando-se produto delas. 
 Portanto, é um sujeito a-histórico, alienado e sem criatividade. Dessa forma, 
para Rey, o sujeito lacaniano aparece como efeito, o que o descaracteriza enquanto 
sujeito social, com uma história, cuja consciência reflete as implicações da relação 
entre o eu e o outro. 
Rey defende um sujeito que só existe em sua relação com o social, rompendo 
com a ideia de que a subjetividade é um fenômeno individual. Na perspectiva da 
subjetividade social, segundo o autor. 
Os processos sociais deixam de ser vistos como externos em relação aos 
indivíduos, ou como um bloco de determinantes consolidados, que adquirem o status 
do "objetivo" diante da subjetividade individual, para serem vistos como processos 
implicados dentro de um sistema complexo, a subjetividade social, da qual o indivíduo 
é constituinte e, simultaneamente, constituído. (REY, 2003, p. 202). 
Em consonância com Rey, diz que aqui, o sujeito é ativo, atuante na sociedade 
em que está inserido, um sujeito que age no mundo através do discurso, constituindo 
a realidade e a si mesmo no processo de interação dos indivíduos em um determinado 
espaço social. 
4 EDUCAÇÃO E SUBJETIVIDADE NA CULTURA GLOBALIZADA: IDÉIAS A 
PARTIR DA TEORIA DA COMPLEXIDADE DE EDGAR MORIN 
Subjetividade 
 “Essa é uma noção ao mesmo tempo evidente e misteriosa”, diz Morin (2002: 
117) que ainda emenda da seguinte forma: “é uma evidência perfeitamente banal, 
uma vez que qualquer um diz “Eu”. Mas é uma noção misteriosa, pois temos 
dificuldade para dizer deste nosso “eu”. Será, o nosso eu, a subjetividade? Mas o que 
é ela? Pode-se tomar de empréstimo algumas tentativas de dizê-la, como a seguinte 
de Elaine T. Dal. Mais Dias diz que a subjetividade é um sistema organizador do 
mundo interno e do mundo externo do sujeito, construído nas relações interpessoais 
e por sua influência. 
 
14 
 
Ela se manifesta na singularidade e na peculiaridade de cada um, podendo ser 
conhecida ou desconhecida. Esta subjetividade permite ou obstrui o desenvolvimento 
e o crescimento pessoal. Impede ou resgata lembranças do passado que se mostram 
e interferem no presente. (In: Almeida e Petraglia, 2006: 13-14). 
Araújo diz que, “espaço/moradia onde se organizam as nossas experiências 
existenciais, é território no qual nos situamos, para podermos estabelecer relações 
com os outros, e para atribuir significado às experiências vividas. ” (In: Linkeis, 2005: 
15). Esta ideia de espaço/moradia, que nos envolve e envolve nossas vivências, e que 
se deixa marcar por relações as mais diversas e que, de algum modo, nos identifica a 
nós mesmos para nós mesmos e para os outros, é rica. Ela se aproxima da ideia de 
“sistema organizador do mundo interno e do mundo externo” de Dias e também do 
que diz Naffah Neto. 
 Linkeis diz que uma espécie de envergadura interior, de vazio, capaz de 
acolher, dar abrigo e morada às experiências de vida: percepções, pensamento, 
fantasias, sentimentos. Ou, se quisermos usar um só termo: afetos, diferentes 
expressões de como somos afetados pelo mundo. (In: Linkeis, 2005: 14). 
Morada e abrigo de afetos ou das experiências de vida. Mas abrigo e morada 
do que fazemos com tais experiências lá dentro de nós mesmos constituindo-nos e 
sendo constituídos. Subjetividade “como experiência de si e como condensação de 
uma série de determinações” (Mezan, in: Linkeis, idem, p.15). A subjetividade pode 
mesmo ser pensada como este “sistema organizador” que é “construído nas relações 
interpessoais e por sua influência” e que “se manifesta na singularidade e na 
peculiaridade de cada um”. 
Se assim for, nossa subjetividade é algo construído, construído por cada um de 
nós e ao mesmo tempo por influências poderosas do meio em que vivemos: ou dito 
de outro modo, nas inter-relações nas quais estamos enredados desde que 
nascemos. Enredados, isto é, postos numa rede complexa de relações. É nesta rede 
que construímos a morada/abrigo ou o espaço/moradia de nós mesmos com tudo o 
que nos afeta e de onde também afetamos o que e a quem nos cerca. Afetamos 
incluindo e excluindo o que de fora nos vem e pelo que nos deixamos afetar ao mesmo 
tempo. 
 
15 
 
5 CULTURA, SUBJETIVIDADE E AS ORGANIZAÇÕES NA 
CONTEMPORANEIDADE 
Cultura como conceito reacionário: 
O ponto de partida de nossas reflexões consiste em situar os conceitos que 
favorecem a compreensão dos fenômenos que se revelam no âmbito das 
organizações e que são relativos à produção subjetiva dos seus trabalhadores. 
Iniciar pela compreensão do conceito de cultura tem o propósito de ressaltar a 
sua complexidade, para, então, buscar uma posterior abordagem dos níveis 
pertinentes às micropolíticas que configuram a dinâmica e os modos de 
funcionamento próprios das organizações. 
Kroeber (1950, citado por Laraia, 2001), ao definir cultura, ressalta importantes 
elementos deste conceito, dos quais destacamos: 
 A cultura, mais do que a herança genética, determina o comportamento 
do homem e justifica as suas realizações. 
 Adquirindo cultura, o homem passou a depender muito mais do 
aprendizado do que a agir através de atitudes geneticamente 
determinadas. 
 A cultura é um processo acumulativo, resultante de toda a experiência 
histórica das gerações anteriores. Este processo limita ou estimula a 
ação criativa do indivíduo. (p. 50). 
Para esse autor, a nossa herança cultural, desenvolvida através de inúmeras 
gerações, nos condicionou a reagir depreciativamente em relação ao comportamento 
daqueles que agem fora dos padrões aceitos pela maioria da comunidade. 
O modo de ver o mundo, as apreciações de ordem moral e valorativa, os 
diferentes comportamentos sociais e mesmo as posturas corporais são produtos de 
uma herança cultural, ou seja, o resultado da influência direta da cultura onde se vive. 
Pessoas de culturas diferentes podem ser facilmente distinguidas devido a uma série 
de características, tais como: o modo de agir, vestir, caminhar, comer, destacando-se 
a linguagem como uma das diferenças mais visíveis. Esse fenômeno, próprio dos 
grupos sociais, conjuga-se ao modo de organização adotado pelo ser humano ao 
longo do seu percurso no planeta. 
 
16 
 
O homem tem despendido grande parte da sua história na Terra, separado em 
pequenos grupos, cada um com sua própria linguagem, sua própria visão de mundo, 
seus costumes e expectativas. O fato de que o homem vê o mundo através de sua 
cultura tem como consequência a propensão em considerar o seu modo de vida como 
o mais correto e o mais natural. Tal tendência, denominada etnocentrismo, é 
responsável em seuscasos extremos pela ocorrência de numerosos conflitos sociais 
(Laraia, 2001, p.72). 
 A participação do sujeito em sua cultura é limitada, pois nenhuma pessoa 
participa de todos os elementos de sua cultura. Porém, é necessário existir um mínimo 
de participação do indivíduo em seu entorno, a fim de permitir a sua inserção nos 
grupos sociais importantes para o seu convívio no dia a dia. As pessoas precisam 
saber como agir em determinadas situações e, também, ter uma expectativa quanto 
ao comportamento das outras. Apesar de isso tudo possibilitar um certo controle das 
situações, há sempre o risco de que as previsões não se realizem e as situações se 
apresentem sob novos modos de acontecer, pois em nenhuma sociedade todas as 
condições são previsíveis e controladas. 
Os inúmeros vetores que atuam na construção dos fenômenos culturais, melhor 
seria referirmo-nos às culturas, tal é a diversidade que acompanha as suas formas de 
aparecimento. Neste sentido auxilia-nos Guattari (1993), quando a define colocando-
a sob três categorias: cultura-valor, cultura-alma coletiva e cultura-mercadoria. E os 
sentidos que incorporam a categorização delineada pelo referido autor ao trabalhar 
com este operador conceitual. 
A palavra cultura teve vários sentidos no decorrer da história: seu sentido mais 
antigo é o que aparece na expressão "cultivar o espírito". Vou designá-la "sentido A" 
e "Cultura-valor", por corresponder a um julgamento de valor que determina quem tem 
cultura, e quem não tem: ou se pertence a meios cultos ou se pertence a meios 
incultos. Vou designá-lo "sentido B". É a "Cultura alma-coletiva", sinônimo de 
civilização. Essa é uma cultura muito democrática: qualquer um pode reivindicar sua 
identidade cultural. O terceiro núcleo semântico corresponde à cultura de massa e eu 
o chamaria de "cultura-mercadoria". 
Aí já não há julgamentos de valor, nem territórios coletivos da cultura mais ou 
menos secretos, como nos outros sentidos. Cultura são todos os bens: todos os 
equipamentos, todas as pessoas, todas as referências teóricas e ideológicas relativas 
 
17 
 
a esse funcionamento, enfim, tudo que contribui para a produção de objetos 
semióticos (livros, filmes, etc.), difundidos num mercado determinado de circulação 
monetária ou estatal. (Guattari, 1993, p.17). 
A ideia incutida nessa definição é a de que esses três sentidos que aparecem 
sucessivamente no curso da história, continuam a funcionar, e estão presentes 
simultaneamente. Portanto, há uma complementaridade entre esses tipos de núcleos 
semânticos. O mesmo autor vai se referir à inexistência de uma cultura popular ou 
erudita; mas, ao invés, utiliza o termo capitalística para designar uma cultura com 
vocação universal, apoiada nos processos subjetivos que decorrem da produção dos 
meios de comunicação de massa. 
No entanto, seguindo na contramão da força coletiva de controle social que 
opera sob essa dimensão essencial, escapam outros territórios subjetivos que 
provocam rupturas na cultura geral predominante. 
"o conceito de cultura é profundamente reacionário" (Guattari, 1993, p. 15) por 
considerar que os processos culturais acabam por servir de meio para segmentar as 
atividades semióticas, em seguida padronizá-las e capitalizá-las para o modo de 
semiotização dominante. 
Sendo assim, a cultura constitui-se um importante vetor que engendra os 
processos subjetivos e atua junto à influência de outros campos de força, dentre eles, 
os fatores políticos e sociais que permeiam o momento histórico da sociedade. 
Portanto, percebe-se como necessária uma breve incursão no campo político/social, 
cujos contornos constroem a cultura capitalística, assim como a construção subjetiva 
na contemporaneidade. 
6 A CONJUNÇÃO DO POLÍTICO E DO SOCIAL NO MUNDO DO TRABALHO 
Após o advento da sociedade capitalista, que teve sua expansão em meados 
do século XVIII, instalou-se a fase industrial, caracterizada, principalmente, pelo uso 
da força mecânica e das máquinas, deixando sem emprego um grande número de 
operários. Aqueles que conseguiram oferecer sua força de trabalho em troca de sua 
sobrevivência, viram-se na contingência de aceitar uma jornada extenuante, além do 
rebaixamento de seus salários, instalando-se uma relação de desigualdade entre os 
proprietários (capitalistas) e a grande massa da população (proletários). 
 
18 
 
Além disso, o modo de realizar as tarefas passou por mudança significativa e 
trouxe sérias consequências para a relação homem/máquina/atividade laboral. Nessa 
direção, trazemos Marx (1984), quando se refere à produção capitalista dessa fase 
histórica. 
Enquanto o trabalho em máquinas agride o sistema nervoso ao máximo, ele 
reprime o jogo polivalente dos músculos e confisca toda a livre atividade corpórea e 
espiritual. Mesmo a facilitação do trabalho torna-se um meio de tortura, já que a 
máquina não livra o trabalhador do trabalho, mas seu trabalho de conteúdo. 
Toda produção capitalista, à medida que ela não é apenas processo de 
trabalho, mas ao mesmo tempo processo de valorização do capital, tem em comum o 
fato de que não é o trabalhador quem usa as condições de trabalho, mas que, pelo 
contrário, são as condições de trabalho que usam o trabalhador: só, porém, com a 
maquinaria é que essa inversão ganha realidade tecnicamente palpável. (p. 43). 
O mundo industrializado, como ambiência para a ação focada na produção 
coletiva, trazia, como consequência, a sensação de exaustão acompanhada da 
frustração que, via de regra, se convertia em baixo desempenho e problemas de 
saúde. Essa situação correspondia às demandas sociais e políticas da era industrial 
vigente que tinha como base o crescimento da produtividade em níveis cada vez mais 
altos. 
O trabalho era visto como mercadoria. Inserido, nitidamente, na lógica do 
capitalismo, Marx supunha que a força de trabalho poderia ser mercantilizada em 
apenas uma forma que seria verdadeiramente capitalista, ou seja, através do trabalho 
livre assalariado, em que o trabalhador, como um indivíduo livre, poderia dispor da 
sua força de trabalho como sua própria mercadoria. 
O marxismo se constituiu em um essencial ponto de partida para o 
entendimento da nossa época, nos aspectos relacionados à produção político/social 
Santos (1996). Para esse autor, em que pese as críticas dirigida a Marx, ele obteve 
mérito ao realizar uma articulação entre a sociedade capitalista e a capacidade de 
superação e transformação social pela ação coletiva, fruto de uma vontade política 
radicalmente construída nessa direção. 
 Apesar de sua análise não ter abrangido a relação entre a exploração do 
trabalho e a consequente destruição da natureza, acreditava que as profundas 
mudanças sociais perpassavam pelo desenvolvimento de contradições. Uma das 
 
19 
 
contradições que apontou dava conta do poder social e político do capital sobre o 
trabalho. 
Marx acreditava na transformação social proveniente da luta de classes, com 
realce para as forças produtivas, e isso derivou do momento histórico em que 
desenvolveu as bases para sua proposta sociológica. Entretanto, esse movimento 
forneceu insumos para uma leitura sociológica com tal profundidade, que permitiu 
enunciados que revelaram a inserção do plano político-social na microcultura que 
engendra a ambiência das organizações e o modo de ser de seus trabalhadores no 
âmbito da era industrial. 
Em poucos anos, a partir da Segunda Guerra Mundial, passou-se da sociedade 
industrial, centrada na produção em série de bens materiais, à sociedade pós-
industrial, centrada na produção de bens não-materiais, tais como, informações, 
símbolos, estética, valores. Paralelamente, o poder passou dos proprietários dos 
meios de produção aos proprietários de criação (De Masi, 2000). 3 
 
Ele diz nestes termos que o advento pós-industrial provocou um profundo corte 
epistemológico, isto é, uma visão totalmente inéditada sociedade, da vida, do 
progresso, dos métodos para compreender e agir. Entre quem já saltou para o novo e 
aquele que ainda se mantém no velho vai-se interpondo um abismo intransponível. 
(p.65). 
Durante a era industrial, as ideias propostas por Marx, embora não fosse sua 
intenção, adquiriram um caráter utópico, embutido numa proposta profundamente 
transformadora no plano sociopolítico. A utopia do marxismo é um produto da 
modernidade e, como tal, pode nos ser insuficiente ao tentarmos tomá-la como único 
norteador no atual momento histórico, período de transição na pós-modernidade 
(Santos, 1996). Nos encontramos numa fase de transição paradigmática, entre o 
paradigma da modernidade, cujos sinais de crise me parecem evidentes, e um novo 
paradigma com um perfil vagamente descortinável, ainda sem nome e cuja ausência 
de nome se designa por pós-modernidade. (p.34). 
Paralelamente a esse fenômeno, um movimento de ordem planetária tem início 
e se instala: o processo de globalização da economia. Se, por um lado, o intercâmbio 
entre as nações promoveu a abertura dos portos elevando o desempenho da balança 
comercial, favorecendo, principalmente, o incremento das transações internacionais, 
 
20 
 
a globalização trouxe significativas consequências sociais à própria ação do ser 
humano na sua comunidade e, portanto, no seu modo de ser como trabalhador. 
Sobre alguns dos efeitos do processo de globalização para as pessoas, 
podemos ainda constatar que: 
 Em vez de homogeneizar a condição humana, a anulação tecnológica 
das distâncias temporais/espaciais tende a polarizá-la. Ela emancipa 
certos seres humanos das restrições territoriais e torna extraterritoriais 
certos significados geradores de comunidade - ao mesmo tempo que 
desnuda o território, no qual outras pessoas continuam sendo 
confinadas, do seu significado e da sua capacidade de doar identidade. 
Para algumas pessoas ela augura uma liberdade sem precedentes face 
aos obstáculos físicos e uma capacidade inaudita de se mover e agir a 
distância. Para outras, pressagia a impossibilidade de domesticar e se 
apropriar da localidade da qual têm pouca chance de se libertar para 
mudar-se para outro lugar. (Bauman, 1999, p.25). 
No último quartel do século XX, forçando redefinições e reavaliações de 
produção, processos e mercados, tem início a sociedade pós-industrial, 
também denominada por alguns estudiosos, sociedade informacional. 
Podemos, ainda, afirmar que: 
 O processo de transição histórica para a sociedade informacional e uma 
economia global é caracterizado pela deteriorização das condições de 
trabalho e de vida para uma quantidade significativa de trabalhadores. 
Resultado da reestruturação atual das relações capital-trabalho, com a 
ajuda das poderosas ferramentas oferecidas pelas novas tecnologias da 
informação e facilitadas por uma nova forma organizacional, a empresa 
em rede (Castells, 2006, p. 274). 
A reorganização no mundo do trabalho, fruto da mutação significativa que 
emergiu da própria sociedade e dos seus novos modos de produção coletiva 
constituiu-se importante vetor, promovendo nova configuração no campo de forças 
que engendram os processos subjetivos. 
 
21 
 
7 SUBJETIVIDADE COMO PRODUTO DO SOCIAL 
 
Fonte: moashare.wordpress.com 
A compreensão do conceito de subjetividade perpassa pela ordem do social. 
Devemos também fazer referência a sua natureza polifônica, múltipla. Por isso, 
a análise dos processos subjetivos precisa considerar, necessariamente, a análise 
dos processos de produção social e material. Nesta mesma direção, diz Rolnik (1993) 
"não há subjetividade sem uma cartografia cultural que lhe sirva de guia, e, 
reciprocamente, não há cultura sem um certo modo de subjetivação que funcione 
segundo seu perfil. A rigor, é impossível dissociar essas paisagens (p. 40). 
 Guattari e Rolnik diz que (1993), é evidente que um indivíduo sempre existe, 
mas apenas enquanto terminal; esse terminal individual se encontra na posição de 
consumidor de subjetividade. Sendo assim, podemos dizer que "a subjetividade é 
essencialmente fabricada e modelada no registro do social" (p.31). 
A produção de subjetividade subsiste, nitidamente, no âmago do que Marx 
chamou de infraestrutura produtiva, constituída pelo conjunto de forças de consumo e 
de todos os meios de semiotização econômica, comercial e industrial. 
Esses autores preferem falar em agenciamentos coletivos de enunciação, pois 
não correspondem nem a uma entidade individuada, nem a uma entidade social 
predeterminada. 
Tal como afirmam: 
 
22 
 
A subjetividade é produzida por agenciamentos de enunciação. Os processos 
de subjetivação, de semiotização, ou seja, toda a produção de sentido, de eficiência 
semiótica - não são centrados em agentes individuais (no funcionamento de instâncias 
intrapsíquicas, eólicas, micros sociais), nem em agentes grupais. 
Estes processos são duplamente descentrados. Implicam o funcionamento de 
máquinas de expressão que podem ser tanto de natureza extra pessoal, extra 
individual (sistemas maquínicos, econômicos, sociais, tecnológicos, icônicos, 
etológicos, de mídia, enfim sistemas que não são mais imediatamente 
antropológicos), quanto de natureza infra-humana, infra psíquica, infra pessoal. 
(Guattari & Rolnik, 1993, p.31.) 
O indivíduo está na encruzilhada de múltiplos componentes de subjetividade. 
Alguns são inconscientes, outros são do domínio do corpo e daquilo que alguns 
sociólogos chamam de grupos primários (o clã, o bando, a turma, a organização, ...). 
Outros, ainda, relacionam-se a produção de poder, constituindo-se em relação à lei, à 
polícia. A ideia é que existe uma subjetividade ainda mais ampla, denominada por 
Guattari e Rolnik (1993) "subjetividade capitalística". 
Fruto da influência conjugada de fatores políticos e sociais, o lucro capitalista 
é, essencialmente, produção de poder subjetivo. Portanto, o que nos chega pela 
linguagem, pela família e pelos equipamentos que nos rodeiam são produtos da 
subjetivação capitalística, e trata-se de sistemas de conexão direta entre as grandes 
máquinas produtivas, as de controle social e as instâncias psíquicas que definem a 
maneira de perceber o mundo. 
Trazendo essa questão para o contexto organizacional, percebemos que nos 
segmentos mais avançados da indústria, o resultado produtivo é fruto de um trabalho 
ao mesmo tempo material e semiótico. Para se fabricar um operário especializado é 
necessário muito mais que sua formação técnica em escolas profissionais. Na 
verdade, essa produção de competência no domínio semiótico depende de sua 
confecção pelo campo social. Esse mesmo operário vivencia todo um aprendizado 
que envolve inúmeros deslocamentos de espaços. Desde a escola primária, a vida 
doméstica, ver televisão, cinema, propaganda, enfim, está inserido em um ambiente 
maquínico, ou seja, afetado pelos agentes de enunciação, aos quais nos referimos 
anteriormente (Guattari & Rolnik, 1993). 
 
23 
 
8 CULTURA, SUBJETIVIDADE E ORGANIZAÇÕES 
A proposta de apreciação do contexto organizacional e as particularidades que 
o compõem. A ação laboral é o fio condutor que permeia e dá sentido às relações 
entre trabalhadores e organizações. 
Francisco (2000) diz, que nos remete ao entendimento das organizações a 
partir do sociusonde estão inseridas. Expõe que: 
As organizações em seus modos de funcionamento foram concebidas para e 
nos moldes de uma sociedade disciplinar, caracterizadas pelo controle do tempo, do 
espaço e dos corpos; porque, historicamente, as condições que permitiram o 
surgimento desta sociedade já não são as mesmas, condições estas que desenham 
o surgimento gradual de uma sociedade de controle em que o controle contínuo e a 
comunicação instantânea são os principais ingredientes; finalmente, a rigor, estamos 
no espaço do entre, da passagem entre a Sociedade Disciplinar e à do Controle, 
passagemque a meu ver não vem sendo objeto de análise dos estabelecimentos, 
sobretudo no que diz respeito a seus impactos. (p.06) 
Nesse tipo de socius 2 , gradualmente os modos de funcionamento das 
organizações adquirem seu formato ao apropriar-se da vida dos indivíduos, no 
controle de seu tempo, no controle de seus corpos, não só para restringi-los àquele 
espaço-tempo, mas objetivando, principalmente, a transformação desses corpos, 
preparando-os para adquirir aptidões e habilidades, de acordo com o cargo em 
questão. Em decorrência, desenvolvem-se formas de poder, tais como: delegar 
ordens, estabelecer regras e regulamentos, incluindo-se, aqui, a eficiência do poder 
econômico representado pela remuneração, na maioria dos casos, salarial. 
Na modernidade, o trabalho era tido como meio de sobrevivência, deixando de 
ser apenas fonte de realização pessoal e inclusão social. Os operários se entregaram 
de corpo e alma ao sistema imposto pela produção industrial que destinava a eles 
apenas a função mecanicista dos movimentos repetitivos e da obediência cega à 
autoridade do chefe, que detinha o poder sobre suas vidas através da disciplina que 
impunha aos seus subordinados. 
 
2 Socius – significa (membro) 
 
24 
 
Essa situação correspondia ao contexto social/político da era industrial, que 
tinha como base o crescimento da produtividade em níveis cada vez mais altos, 
característica da economia industrial então vigente. 
Hoje, o modo como vivemos na contemporaneidade é extremamente distinto 
daquele em que surgiram as sociedades disciplinares. Fazemos uso de um conjunto 
de inovações de caráter arrojado que desafia o ritmo natural do ser humano. 
 À guisa de exemplo, podemos nos referir à indústria da informação e da 
transformação digital, produzindo uma genuína minimização do tempo e abolição do 
espaço. Característica da Sociedade de Controle, todos os espaços cabem em um 
único espaço, não existindo diferenciação entre interior e exterior. Francisco, A. L. 
(2000). 
Existem diferenças marcantes nas formas de apropriação da subjetividade 
presentes no processo de produção capitalista dos séculos XIX - XX, sendo o advento 
da tecnologia de base eletrônica um dos fatores mais relevantes para se explicar as 
diferenças de contextos. 
As organizações direcionadas pelo processo de acumulação do capital, que se 
viabiliza pelas metas de máxima produtividade a baixos custos, parecem ter percebido 
que "a produção de subjetividade talvez seja mais importante do que qualquer outro 
tipo de produção, mais essencial até que o petróleo e as energias" (Guattari & Rolnik, 
1993, p.26). 
Ao longo dos anos, o trabalho foi sendo apropriado pelo capital, que foi, a cada 
momento, moldando o modo de ser do trabalhador conforme suas necessidades. 
O modus operandi das organizações, na contemporaneidade, movido pela 
globalização do capital, propõe a imagem de um trabalhador ideal, capaz de alcançar 
níveis de resultados mais altos a cada dia. Instala-se o culto ao padrão de excelência 
que não deixa opções, restando, apenas, a submissão do trabalhador ao discurso 
globalizante do sucesso profissional. 
A própria organização passa a se constituir, instrumento de um poder que nela 
se confirma e se expande, para se obterem e se ultrapassarem os objetivos 
mensuráveis: produção e expansão. Aqui a história exerce uma função mítica, uma 
vez que, em sua realidade concreta, ela deve ser constantemente ultrapassada: o 
passado é sempre caduco, a unidade se afirma na permanência, o futuro é uma 
amplificação do presente, a performance é atemporal. "Sejamos excelentes, sempre 
 
25 
 
e já!": a eficiência está inserida em um presente imperativo, no qual amanhã deve ser 
hoje mesmo, em uma ação sem espaço de reflexão. (Barus-Michel, 2001, p.174) 
A cultura industrial imprimia sofrimento ao trabalhador, a cultura da excelência, 
permeada pela ética da eficácia, produz sofrimento de natureza diversa, mas que 
também desencadeia sintomas e, por inúmeras vezes, adoecimentos. Corroboramos 
a afirmação que define, o trabalho como construtor de identidade e inclusão social que 
atua sobre o indivíduo interferindo na sua vida como um todo, inclusive na relação 
saúde-doença, contribuindo, em alguns casos, para o aparecimento de problemas 
físicos e psíquicos. 
 Ao se analisar o trabalho, pode-se verificar que a multiplicidade de fatores 
objetivos e subjetivos que atuam na relação trabalho-trabalhador podem vir a 
desencadear ou determinar adoecimentos (Vasques-Menezes, 2004, p.32). 
São diversos os sintomas que emergem do sofrimento do trabalhador, 
derivados de sua ação laboral em determinados contextos organizacionais. No 
entanto, certos tipos de adoecimentos acabam por merecer destaque pela amplitude 
de suas consequências, com repercussões tanto no âmbito individual - como aquelas 
advindas de procedimentos legais - as doenças laborais são responsáveis por grande 
número de afastamentos do trabalho. 
Com o intuito, de exemplificar algumas manifestações de sofrimento do 
trabalhador, que remetem a doenças com diagnósticos e tratamentos médicos 
específicos, abordaremos dados que se apresentam como demandas pertinentes não 
só aos profissionais do campo médico, mas também aos psicólogos e outros 
profissionais da saúde. 
Citada por Vasques-Menezes (2004), "a norma técnica do INSS sobre Dort 
define a LER/Dort como uma síndrome clínica com dor crônica, acompanhada ou não 
de alterações objetivas. Pode afetar tendões, músculos, e nervos periféricos" (p.46). 
Os números de trabalhadores que sofrem de LER/Dort e dão conta da 
gravidade da situação e da abrangência desse tipo de ocorrência: 
Pesquisa do Instituto Nacional de Prevenção das LER/Dort (Prevler), realizada 
pelo Datafolha, com financiamento do Ministério da Saúde, mostrou que, apenas na 
cidade de São Paulo, cerca de 310 mil trabalhadores sofrem de LER/Dort, ou seja, 
casos realmente diagnosticados. Isso equivale a 4% de todos os paulistanos acima 
de 16 anos de idade e 6% de todos os trabalhadores da cidade. 
 
26 
 
Número, aliás, muito acima dos 19 mil casos dessas doenças contabilizados 
pelo Ministério da Previdência no ano de 2000. 
 E mais: a pesquisa da Prevler aponta que esse número pode estar aquém da 
realidade, uma vez que 4,7 milhões de trabalhadores relataram algum sintoma 
decorrente dessas doenças e 508 mil trabalhadores encontravam-se ocupados em 
situação de risco, fato que pode transformá-los em novos portadores de LER/Dort - 
doença, registre-se, que tem sido a responsável pelo maior número de afastamentos 
do trabalho em São Paulo (Salim, 2003, p.15). 
Segundo o mesmo autor, ainda que inúmeros fatores intervenham na formação 
das LER/Dort, sua determinação, em última instância, perpassa pela estrutura social, 
relacionando-se, sobretudo, com as mudanças em curso na organização do trabalho. 
O adoecimento físico e mental dos trabalhadores é uma realidade muito 
preocupante. A questão que envolve essa problemática tece seus contornos a partir 
da conjugação dos aspectos objetivos e subjetivos do sujeito. Quanto aos primeiros, 
são facilmente percebidos e, até mesmo codificados pelo saber médico. No entanto, 
com referência aos aspectos subjetivos, ou seja, aqueles que são pertinentes a sua 
relação com o trabalho e demais atividades na vida, esses não são vistos, muito 
menos reconhecidos como importantes na apreciação do quadro de adoecimento. 
Um outro exemplo, que podemos resumir aqui, trata-se da síndrome de Burnout 
que acomete, em geral, categorias de risco, como no caso dos profissionais de saúde 
e educação, policiais e agentes penitenciários, entre outros. 
O Burnout é uma síndrome de caráter relacional estabelecida por uma trilogia 
trabalhador -objeto do trabalho-condições de trabalho. Um trabalhador que entra em 
Burnout sofre ansiedade, melancolia, baixa autoestima, sentimentode exaustão física 
e emocional. Compromete suas relações afetivas e sociais, compromete sua vida. 
Quando está em casa pensa no trabalho e, quando no trabalho, não vê a hora de 
voltar para casa e sair daquela sensação de impotência. Como tratar uma situação 
como essa sem considerar os aspectos objetivos e subjetivos desta relação ou sem 
considerar o trabalho como cerne da questão? (Vasques-Menezes, 2004, p.38). 
A indagação formulada nos coloca frente ao desafio que remete à inclusão da 
experiência de vida de modo global para a análise, não só das diversas formas de 
adoecimento, como também das inúmeras possibilidades que se dá na relação do 
trabalhador/trabalho. 
 
27 
 
"Consideramos como subjetiva aquela experiência que expressa o sujeito na 
intersecção de sua particularidade com o mundo sociocultural e histórico" (Tittoni, 
1994, p.13). Esse autor também afirma que o trabalho marca a vida dos trabalhadores. 
As pessoas instituem modos de pensar e de agir que têm na organização do trabalho 
uma referência essencial. 
 Isto reitera a necessidade de considerar a atividade laboral para se 
compreender os modos de ser do sujeito, na medida em que delimita as formas de 
expressão da subjetividade. Por sua vez, a cultura organizacional, que se traduz 
melhor como microcultura, engendrada que está no sistema sócio/político/cultural do 
país, constitui-se, também, vetor de força dos mais importantes e atua sobre os modos 
de funcionamento dos estabelecimentos. 
Para melhor compreender as organizações, é preciso não só descrever seus 
organogramas e modos de funcionamento. É fundamental, analisar a dinâmica interna 
dessas organizações composta, essencialmente, pelos dispositivos nelas presentes, 
detendo-nos menos ao plano formal e mais em suas "micropolíticas". 
Dito de outro modo, ao realizar a cartografia dos dispositivos e das linhas de 
força que o comportam, pode-se chegar ao entendimento dos processos de 
subjetividade que constroem as vivências dos trabalhadores. 
9 CONFIGURAÇÕES DA MICROCULTURA ORGANIZACIONAL NA 
CONTEMPORANEIDADE 
O atual mundo do trabalho é o resultado da conjunção dos diversos campos de 
força de natureza econômico/político/social que engendram a ambiência das 
organizações na contemporaneidade. Pensar a configuração e o modo de 
funcionamento desses espaços, que se colocam como lugares onde a ação coletiva 
gera produtos e/ou serviços à sociedade, requer, necessariamente, o entendimento 
do percurso traçado pelos trabalhadores, ao mesmo tempo em que são atravessados 
historicamente por todos esses fatores. 
Para os estabelecimentos, correntemente denominadas empresas, o processo 
produtivo na era pós-moderna ou em "período de transição paradigmática" (Santos, 
1996), demanda outros níveis de investimento por parte daqueles o realizam. Se, em 
tempos idos, a força de trabalho provinha, primordialmente, dos esforços corporais, 
 
28 
 
desta feita a exigência dos gestores se volta para o grau de perfeição das tarefas, 
aliada a um processo de melhoria contínua frente a concorrência francamente acirrada 
e ágil nas manobras apresentadas pelo mercado. 
Autores, tais como, Antunes e Dal Rosso (2008), anunciam os novos contornos 
do trabalho no limiar do século XXI, e seus esforços nesta direção conduziram a 
leituras para os dilemas que se apresentam como resultado das diversas mudanças 
que atravessaram o trabalhador na longa história da atividade humana, em sua 
incessante luta pela sobrevivência, pela conquista da dignidade, humanidade e 
felicidade social. Algumas tendências que eles apontam decorrem das mutações que 
o capitalismo introduziu no mundo da produção e do trabalho nas últimas décadas. 
A partir dos anos setenta, o capital implementou um processo de reestruturação 
em escala global, visando tanto a recuperação do seu padrão de acumulação, quanto 
procurando repor a hegemonia que vinha perdendo, no interior do espaço produtivo, 
desde as explosões do final da década de 1960 onde, particularmente na Europa 
ocidental, se desencadeou um monumental ciclo de greves e lutas sociais. 
Foi nesse contexto que o capital, em escala global, vem redesenhando novas 
e velhas modalidades de trabalho, o trabalho precário com o objetivo de recuperar as 
formas econômicas, políticas e ideológicas da dominação burguesa. (Antunes, 2008, 
p.14). 
Compõem esse quadro, segundo esse autor, as diversas modalidades de 
precarização. Como exemplo dessas modalidades, cita a flexibilização, que pode ser 
entendida como "liberdade da empresa" para desempregar trabalhadores, sem 
penalidades; para reduzir o horário de trabalho ou recorrer a mais horas de trabalho; 
possibilidade de pagar salários reais mais baixos; possibilidade de subdividir a jornada 
de trabalho em dia e semana segundo as conveniências das empresas, mudando os 
horários e as características do trabalho (por turno, por escala, em tempo parcial, 
horário flexível etc.) 
Outro traço revelado pelas atuais tendências é a da polivalência, que significa 
que um mesmo trabalhador toma conta de vários equipamentos ao mesmo tempo. 
Quando o trabalho é realizado de forma polivalente, o trabalhador desdobra-se, 
executa o trabalho antes feito por várias pessoas. A polivalência ocupa 
completamente o tempo de trabalho da pessoa. 
 
29 
 
No sistema de polivalência não há lugar para repetição de movimentos, porque 
diversos trabalhos são feitos simultaneamente. 
O engajamento do trabalhador é muito maior e o envolvimento de suas energias 
físicas, mentais e afetivas acontece ao máximo. Aqui, a noção de polivalência remonta 
ao modelo desenvolvido por Taichi Ohno (1989, citado por Dal Rosso, 2008), 
chamado sistema de produção Toyota ou Toyotismo. 
Nos períodos de crise, o sistema de produção Toyota beneficia-se tanto da 
revolução tecnológica em curso, quanto da reorganização do trabalho por meio da 
polivalência e outros que operam no mesmo sentido de elevar o grau de intensidade 
do trabalho. (p. 28). 
A implementação dessas tendências que se operam no âmbito da realidade 
corporativa conta com a receptividade habitual dos gerenciamentos dos processos 
produtivos, propícios a considerar naturais as contínuas modificações das condições 
de trabalho ou de fatores externos à organização, fenômenos até mesmo benéficos 
e, frequentemente, mantenedores do desempenho dos negócios frente aos 
competidores no mercado. 
 Com efeito, Freitas (1999) descreve essa característica observada nas 
empresas da contemporaneidade nestes termos: 
Num contexto de grandes mudanças, as organizações, em especial as 
empresas e mais especificamente as grandes empresas, têm maior facilidade para 
captar as mudanças sociais e mais agilidade para capitalizá-las. Elas respondem a 
essas mudanças de maneira mais rápida do que a sociedade em geral, o que lhes 
confere um grande poder de influência sobre meio. (p.55) 
Sobre o que está por vir, recolocamos a questão anunciada por Guattari (1996) 
que, de algum modo, resume o grande desafio que se ergue frente aos diversos atores 
sociais na contemporaneidade, notadamente aqueles que pretendem uma 
legitimidade para gerir processos de produção semiótica e, ao mesmo tempo, 
processos de singularização subjetiva, distintos do modelo de produção capitalístico. 
"Como produzir novos agenciamentos de singularização que trabalhem por uma 
sensibilidade estética, pela mudança da vida, num plano mais cotidiano e, ao mesmo 
tempo, pelas transformações sociais em nível dos grandes conjuntos econômicos e 
sociais?" (p.22). 
 
30 
 
As significativas mudanças no mundo do trabalho deveriam considerar 
questões pertinentes à saúde do trabalhador. Embora os avanços no campo da saúde 
mental e do trabalho sejam relevantes, ainda não garantem aos trabalhadores o 
respaldo suficiente para que tenham direitos a benefícios em razão de adoecimento 
psíquico provocado em situação laboral. 
 Entretanto,há propostas que representam um avanço na tentativa de 
aproximar a categoria trabalho, da clínica psicológica, como alternativa para redução 
dos danos psíquicos voltados a uma ação destinada especialmente ao atendimento 
psicológico dos trabalhadores. 
Exemplo dos esforços nessa direção, realçamos o desenvolvimento, em 2004, 
do Projeto de extensão SAIT - Serviço de Atendimento Integrado ao Trabalhador, 
vinculado à PUC/Minas-Betim. Esta região, desde 1976, passou a se configurar como 
grande polo industrial, fato que trouxe consigo diversos desafios, dentre eles, a 
criação de serviços apropriados a receberem os trabalhadores com demandas de 
atendimento psicoterápico. 
Com alguns meses de funcionamento, o SAIT foi incorporando atividades de 
intervenção, com objetivos de realizar diagnósticos e mudanças nas organizações de 
trabalho e de promover a saúde mental dos trabalhadores. Atualmente ligado ao 
NUPSI, Núcleo de Referência em Psicologia do curso de psicologia da PUC/Minas-
Betim, o SAIT se configura como um local de atendimento psicológico aos 
trabalhadores e de prestação de serviços às empresas da região que buscam a 
promoção da saúde mental e trabalho, tendo incorporado, em suas atividades, alunos 
de graduação em psicologia (Deusdedit-Júnior, 2007, p.128). 
 Experiência da transição paradigmática, fenômeno que possibilita a 
emergência de um processo de construção social, em que o coletivo e o individual 
estão, inexoravelmente, imbricados. Esse modo de construir fundamenta-se na 
vivência da autonomia, e na emancipação. Autonomia aqui, ao contrário de 
autossuficiência, incorpora o sentido da troca e da comunicação entre todos os atores 
sociais. 
 
31 
 
10 MODOS DE SUBJETIVAÇÃO 
Ao empenhar-se na investigação histórica de como são compostas as maneiras 
de existir do sujeito, Foucault faz diferentes apanhados: resgatando os gregos e suas 
práticas de “cuidado de si”, passando pela descrição e análise da sociedade disciplinar 
e atentando-se para a emergência histórica do Estado e de suas intervenções 
biopolíticas sobre o corpo do indivíduo e da população. Essas investigações tiveram 
por objetivo conduzi-lo a uma compreensão de como os modos de subjetivação são 
constituídos e disseminados. 
Foucault faz a análise dos modos de subjetivação recorrendo, primeiramente, 
aos seus estudos sobre o estoicismo. Ele encontra, nos gregos, uma forma de vida a 
partir da qual o sujeito, por meio do denominado “cuidado de si”, não o toma como 
uma regra rígida a ser seguida por todos como conduta geral, institucionalizada ou 
imposta. Ao contrário, o cuidado de si configurava-se como uma forma de viver 
facultativa que era acolhida espontaneamente por aqueles que assim o desejasse. 
Desse modo, essa decisão era tomada apenas por uma parcela pequena da 
população que escolhia ter uma vida considerada como bela e, a partir dessa escolha 
estética, tinha interesse e disponibilidade para assumir os cargos públicos. Somente 
aqueles que tinham condições de cuidar de si e tomavam essa tarefa como uma forma 
de vida (que pressupunha diferentes exercícios regulares e na maioria das vezes 
austeros), poderiam cuidar dos outros, governando as cidades. Foucault argumenta: 
Na Antiguidade, esta elaboração do si e sua consequente austeridade não é 
imposta ao indivíduo pela lei civil ou pela obrigação religiosa; trata-se, ao contrário, de 
uma escolha feita pelo indivíduo para a sua própria existência. As pessoas decidem 
por si mesmas se cuidam ou não de si. Agiam, antes, de modo a conferir a suas vidas 
certos valores (reproduzir exemplos, deixar uma alta reputação para a prosperidade, 
dar o máximo possível de brilhantismo às suas vidas). Era uma questão de fazer da 
vida um objeto para uma espécie de saber, uma técnica, uma arte. (Foucault, in: 
Rabinow & Dreyfus, 1995, p. 270). 
Foucault constata que havia, entre os gregos, diversos procedimentos a partir 
dos quais era possível construir um exercício de cuidado sobre a própria existência. 
Compreende-se, então, que a opção por construir uma vida bela poderia ser escolhida 
por qualquer um, mas não encontrava a adesão de toda a população, uma vez que 
 
32 
 
fazer isso implicava uma série de condutas e restrições que nem todos estavam 
dispostos a acolher. Daí que, além de uma dimensão ética do cuidar de si, estava 
colocada ao mesmo tempo a necessidade de tomar uma posição política diante da 
própria existência, uma posição que favorecia também a construção de uma estética. 
Dessa maneira, aquele que optasse por construir uma vida bela, por meio do 
cuidado de si, tinha também por objetivo um exercício político, ou seja, estava disposto 
a transformar seus hábitos e valores com o intuito de governar a cidade. 
Quem escolhesse esse caminho, precisava desenvolver a habilidade para 
suportar tanto os períodos de maior riqueza quanto aqueles de maior privação e 
dificuldade, sem que qualquer uma dessas duas situações extremas pudesse 
provocar abalos significativos na maneira de governar. Para conquistar essa 
segurança, o cuidado de si era indispensável, visto que, por meio dele, era possível 
manter um constante questionamento sobre as atitudes que deveriam ser tomadas 
em cada circunstância (favorável ou adversa) com vistas a melhorar a vida dos 
governados. Na obra História da Sexualidade III – O Cuidado de Si”, Foucault 
descreve mais detalhadamente aquilo que os gregos procuravam desenvolver. 
Trata-se de uma arte da existência que gravita em torno da questão de si 
mesmo, de sua própria dependência e independência, de sua forma universal e do 
vínculo que se pode e deve estabelecer com os outros, dos procedimentos pelos quais 
se exerce seu controle sobre si próprio e da maneira pela qual se pode estabelecer a 
plena soberania sobre si. (Foucault, 1985, p. 234) 
A escolha estética e política, por meio da qual se acolhe um determinado tipo 
de existência é compreendida por Foucault como um modo de subjetivação possível. 
Os modos de subjetivação podem tomar as mais diferentes configurações, sendo que 
estas cooperam para produzir formas de vida e formas de organização social distintas 
e, cabe insistir, mutantes. 
Como os modos de subjetivação são transformados? Dando continuidade às 
suas investigações sobre os gregos, Foucault assinala a emergência de uma ruptura 
histórica. Já no estoicismo, algo se altera quando, frente a uma determinada forma de 
existência, começa-se a afirmar: “Você é obrigado a fazer isso porque é um ser 
humano”. Vemos que emerge, pois, um discurso distinto, marcado pela 
obrigatoriedade do cuidado de si, que introduz uma mudança decisiva no modo de 
subjetivação anteriormente descrito. 
 
33 
 
Aquele conjunto de regras até então facultativas transforma-se em uma 
obrigação. Assim, o estoicismo passa a utilizar o cuidado de si como uma espécie de 
combate às fraquezas do “eu”, as quais se tornam fortemente associadas ao prazer e 
ao mal. Com isso, segundo Foucault, o próprio estoicismo acabou fornecendo 
condições para que fossem dados os primeiros passos em direção ao ascetismo 
cristão, baseado nos julgamentos morais, nas penitências e nas purificações. Esse 
fato, por sua vez, abriu caminho para a produção de um modo de subjetivação distinto 
(Foucault, 2004). 
Pode-se perceber, por conseguinte, que, no decorrer da história, os modos de 
subjetivação sofrem as mais variadas transformações. Nessa perspectiva, interessado 
em compreender a problemática da produção do sujeito nos dias atuais, Foucault 
comenta as lutas políticas que se fazem necessárias em nosso tempo. 
São lutas contra as formas de dominação (étnica, social e religiosa); contra as 
formas de exploração que separam os indivíduos daquilo que eles produzem; ou 
contra aquilo que liga o indivíduo a si mesmo e o submete, deste modo, aos outros 
(lutas contra a sujeição, contra as formas de subjetivação e submissão). (Foucault, in: 
Dreyfus& Rabinow, 1995, p. 235) 
O final do século XX é marcado pelo terceiro tipo de luta que coloca em 
evidência os modos de subjetivação e as possibilidades de resistência que eles 
atualizam. Resistir hoje se torna uma ação política quando, por exemplo, recusamos 
o individualismo já tão naturalizado em nosso cotidiano e insistimos nos encontros, 
fazendo circular as invenções micros sociais de novas formas de vida que não se 
revertem em regras universais obrigatórias. 
A regra universal, ao pretender englobar a totalidade dos indivíduos, 
comprometendo-os com a obediência, simplesmente inviabiliza o contato com a 
diferença e com a criação de novas possibilidades de existir. 
Sobre os modos de subjetivação, cabe perguntar: quais modos de vida 
precisam ser abandonados e quais outros pedem passagem em nossos dias? Qual a 
potência que temos para produzir outros modos de existir e colocá-los em circulação 
no social? É perceptível o quanto os estudos de Foucault convocam para uma análise 
do presente e das nossas possibilidades de transformação. Para isso, ele resgata a 
dimensão histórica que atravessa os modos de subjetivação, descartando, assim, 
qualquer pretensão de universalidade. 
 
34 
 
11 MÍDIA E PRODUÇÃO DE MODOS DE SUBJETIVAÇÃO 
As análises da contemporaneidade dificilmente deixam de apontar o bom das 
tecnologias da comunicação e a centralidade que os produtos midiáticos adquiriram 
em nosso tempo. Acreditando que a mídia é uma das instâncias sociais importantes 
para o processo de subjetivação, temos os materiais de televisão, jornais e revistas 
para conhecer sobre a paternidade e refletir acerca da sua implicação na constituição 
subjetiva. 
Para compreender o tema mídia e subjetivação, vale ressaltar o fato de que ela 
oferece, predominantemente, representações hegemônicas como mote para 
problematizar a questão das diferenças e a forma como a psicologia tem contribuído 
para que certos “modelos de ser” sejam produzidos e circulem socialmente. 
Na contemporaneidade, propõe Veiga-Neto (2003) com base na leitura 
deleuziana de Foucault, está processando-se uma mudança social importante 
estamos sendo menos uma sociedade disciplinar e mais uma sociedade de controle. 
Uma das consequências mais marcantes de tal mudança se manifesta nas 
formas pelas quais nos subjetivamos: de uma subjetivação em que a disciplinaridade 
é central, está-se passando para uma subjetivação aberta e continuada na qual o que 
mais conta são os fluxos permanentes que, espalhando-se por todas as práticas e 
instâncias sociais, nos ativam, nos fazem participar e nos mantém sob controle 
(p.140). 
Os modos de ser não se engendram mais predominantemente a partir de 
instituições específicas, como escola e família, mas a partir de dispositivos dispersos 
no tecido social. As estratégias e técnicas de governo, por seu caráter sutil, indireto e 
plural, subjetivam-nos sem que nos apercebamos da sua atuação. 
As articulações entre cultura, discurso e produção subjetiva, desenvolvidas no 
campo dos estudos culturais, mostram-se valiosas: a cultura é compreendida como 
prática de significação e o mundo social concebido como construído discursivamente. 
Os discursos constituem-se como redes de significações e são tomados pelos sujeitos 
para se auto interpretar, e, assim, acabam por produzi-los. 
A interpelação acontece quando o sujeito se reconhece a partir dos discursos. 
Ele os toma como algo que lhe diz respeito, identifica-se e produz como um sujeito 
 
35 
 
daquele modo, compreende e explica a si e ao mundo a partir daquele regime de 
verdade. 
Outros/as pensadores/as (Fischer, 2001; Kellner, 2001), diz que a mídia por 
sua extensão, formatação, penetração e por ser lugar de produção e circulação de 
variados discursos constitui uma importante instância na produção subjetiva 
contemporânea, podendo ser pensada como uma autoridade. Como diz Rose (2001), 
à singularidade do grande poder, a perspectiva foucaultiana opõe a heterogeneidade 
das autoridades. 
Assim, em uma análise das condições sociais, é importante diferenciar 
dispositivos, pessoas, coisas, modos de pensar que reivindicam e adquirem 
autoridade ou aos quais se atribui autoridade. Este autor também coloca que a relação 
com a autoridade varia, podendo ser de domínio, de pedagogia, e de sedução, 
conversão e exemplaridade. 
A mídia processa discursos produzidos em múltiplos campos e reutiliza saberes 
de outras autoridades. Em seus produtos impressos, a referência a especialistas é 
uma constante, o que confere credibilidade às notícias e posicionamentos veiculados. 
Nos produtos televisivos, a caracterização de personagens como médico/a, 
educador/a possibilita que se falem verdades (no sentido foucaultiano do termo) 
através deles. 
O próprio formato de produtos como novelas, que hoje não deixam de incluir 
questões de relevância social e/ou temas polêmicos (sobre os quais se trazem 
informações, esclarecimentos e orientações), proporciona a ideia de que a televisão 
fala e pode falar, tem autoridade para tanto sobre o nosso tempo e modos de ser. 
Misto de relação pedagógica, de sedução e exemplaridade: a mídia nos ensina, 
cativa com sua (questionável) abertura para o novo e dá exemplos de formas de viver. 
Assim, lendo revistas e jornais, olhando televisão, aprendemos a ser, a conhecer o 
mundo, a atribuir valores, a pensar e a sentir de certas formas. E não de outras, pois 
a mídia não mostra o mundo por todos os ângulos. 
O que se tem chamado discurso da mídia (Fischer, 1996) é marcado pela 
heterogeneidade e processamento de muitas vozes. Discursos que ganham espaços 
a partir das lutas pela imposição de sentidos (para estabelecer regimes de verdade), 
das disputas de poder que são imanentes às práticas de significação. Neste sentido, 
 
36 
 
é na e pela cultura que se estabelecem divisões que implicam desigualdades, onde 
acontecem os embates políticos, onde se posicionam os sujeitos sociais. 
Com Foucault, aprende-se que a regulação, que o governo, não se faz através 
de mecanismos grosseiros. Hall (1997) coloca que não se trata de dobrar alguém por 
coerção, mas através de arranjos de poder discursivo ou simbólico: as ações das 
pessoas são reguladas normativamente pelos significados culturais. 
A partir do conhecimento que vamos adquirindo sobre as formas como as 
coisas normalmente acontecem em nossa cultura, forjamos nossos modos de ser e 
de fazer, que passam a ser automatizados, uma vez que não questionamos porque 
somos e agimos de determinadas formas. 
A mídia é uma das instâncias sociais que produz cultura, veicula e constrói 
significados e representações produz verdades a respeito dos seres humanos e do 
mundo. Contudo, importantíssimo frisar, a subjetivação não é produzida pela força, o 
poder não anula o sujeito: onde há poder, há resistência. 
Neste sentido, focando a lógica publicitária de existir, Fischer (1999) aponta a 
disputa pela imposição de sentidos: mesmo submetidos a essa lógica, ela não é 
fechada, pois nos meios de comunicação particularmente na publicidade estão em 
jogo diferentes valores, ideias, identidades, conquistas sociais e também “ porque 
nenhum de nós se submete igualmente e com a mesma intensidade a todo e qualquer 
discurso” (p.25). 
Esta posição é muito importante, pois, apesar de se dizer que através da mídia 
podemos nos encontrar com as diferenças, nas análises o processo foi defrontando 
com o “mesmo”, com representações hegemônicas que parecem constituir-se como 
regimes de verdade refratários às novas porque outras formas de ser (família, criança, 
homem, mulher, pai, mãe) que estão acontecendo na nossa sociedade. É na tensão 
entre o apresentado na mídia, os sentidos que se atribui a isso, as experiências de 
vida e os significados produzidos por outros sistemas culturais, que os modos de ser 
vão produzindo-se. 
 
37 
 
12 A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO E A SUBJETIVIDADE

Continue navegando