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4_CHESNAIS_Capital_portador_jurus

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O CAPITAL PORTADOR DE JUROS: 
ACUMULAÇÃO, INTERNACIONALIZAÇÃO, 
EFEITOS ECONÔMICOS E POLÍTICOS 
François Chesnais 
O mundo contemporâneo apresenta uma configuração específica do capitalismo, 
na qual o capital portador de juros está localizado no centro das relações econô-
micas e sociais. As formas de organização capitalistas mais facilmente identificáveis 
permanecem sendo os grupos industriais transnacionais (sociedades transnacionais, 
STN), os quais têm por encargo organizar a produção de bens e serviços, captar 
o valor e organizar de maneira direta a dominação política e social do capital em 
face dos assalariados. Mas a seu lado, menos visíveis e menos atentamente anali-
sadas, estão asUi:i_~tinúç§e~jlnafl_c~ir;isJbancárias, mas sobretudo as não ba,ncárias, 
que são constitutivas de um capital com traços particulares. Esse capital busca 
"fazer dinheiro" sem sair da esfera financeira, sob a forma de juros de emprésti-
mos, de dividendos e outros pagamentos recebidos a título de posse de ações e, 
enfim, de lucros nascidos de especulação bem-sucedida. Ele tem como terreno de 
ação os mercados financeiros integrados entre si no plano doméstico e interco-
nectados internacionalmente. Suas operações repousam também sobre as cadeias 
complexas de créditos e de dívidas, especialmente entre bancos. 
O capit:alp()rtador dejuros (também designado '~c;~pitª'lfirrnnç<:ito" ou simples-
mente "finança") não foi levado ao lugar que hoje ocupa por um movimento 
próprio. ~te~ que ele desempenhasse um papel econômico e social de primeiro 
plano, foi necessário que os Estados mais poderosos decidissem liberar o movi-
mento dos capitais e desregulamentar e desbloquear seus sistemas financeiros. 
Foi igualmente preciso que recorressem a políticas que favorecessem e facilitassem 
a centralização dos fundos líquidos não reinvestidos das empresas e das poupanças 
36 A FINAN~:A MUNDIALIZMJA 
das famílias. Nos termos dessas transformações, instituições especializadas (antes 
pouco visíveis) tornaram-se, pela intervenção dos mercados bursátcis, as proprie-
tárias dos grupos: proprietários-acionistas de um tipo particular que têm estraté-
gias inteiramente submetidas à maximização de uma nova grandeza, o "valor 
acionário". Correntemente designado pelo nome de\''investidorcs institucionais"._
1 
esses organismos (fundos de pensão, fundos coletivos de aplicação, sociedades de 
seguros, bancos que administram sociedades de investimento) fizeram da centra-
lização dos lucros não reinvestidos das empresas e das rendas não consumidas das 
famílias, especialmente os planos de previdência privados e a poupança salarial, o 
trampolim de uma acumulação financeira de grande dimensão. A progressão da 
acumulação financeira foi estreitamente ligada à liberação dos movimentos dos 
capitais e à interconexão internacional dos mercados dos ativos financeiros -
obrigações públicas e privadas, ações e produtos derivados. 
Este capítulo trata das etapas da acumulação financeira antes de apresentar 
alguns traços maiores da mundialização dos mercados financeiros. Aborda, em 
seguida, a caracterização econômica do capital portador de juros, assim como a 
natureza e os efeitos de sua interpenetração, tornada muito estreita, com o capital 
industrial. O capítulo levanta, por conseqüência, a questão da influência do capi-
tal portador de juros sobre o nível e o rirmo da acumulação e, portanto, sobre o 
desempenho da economia mundial. A mundialização financeira contemporânea 
viu constituir-se urna configuração internacional dos fluxos de capital "parado-
xal", em favor dos países dotados de praças financeiras. As mais seguras e as mais 
rentáveis dentre elas estão situadas nos Estados Unidos. A posição particular des-
se país na economia e nas relações políticas mundiais, assim como as distorções 
muito fortes das taxas de crescimento no plano mundial são, ao menos em parte, 
conseqüência direta disso. O capítu)o termina com interrogações sobre o que se 
designa, a título provisório, como à\'insaciabilidade" da finança\ 
As etapas e os mecanismos da acumulação financeira 
Quando 0 capital portador de juros ressurgiu no início dos anos 80, a esmagadora 
maioria dos assalariados e dos cidadãos da maior parte dos países, com exceção 
dos Estados Unidos e da Suíça e, cm menor grau, do Reino Unido, havia esquecido 
O termo, que é utilizado por convenção ao longo deste livro, necessita de uma explicação: 
é a tradução do inglês institutional investor, língua que não oferece, ao contrário do fran-
cês, a distinção entre investimento e aplicação financeira. O deslize semântico do termo 
investor leva a crer que esses agentes contribuem para a criação de capacidade produtiva 
por meio dos investimentos nas empresas, enquanto o essencial de suas operações trata da 
compra e venda de títulos que dão direito ao recebimento de juros e dividendos. 
Ü CAPITAL POJUAIJOIZ DE JUROS 37 
completamente sua existência e seu poder social. O reaparecimento e o aumento 
de poder do capital financeiro foram acompanhados pelo ressurgimento de mer-
cados especializados - f!l~~c_<!dgs_de títulos de ef!lpresas ou mercados de obrigações. 
Estes garantiram ao capital portador de jui·ü; os privilégios e o poder econômico 
e social particular associados ao que se chama "liql1iA~7:". Dessa maneira compre-
ende-se a possibilidade oferecida pelos mercados financeiros aos investidores fi-
nanceiros, em período "normal'', fora da situação de crise financeira, de adquirir 
e de se desfazer de seus ativos de todos os tipos - bônus do Tesouro e outras 
formas de títulos da dívida pública, obrigações da empresa e ações. O forte 
crescimento dos mercados de tftulos de empresa graças ao movimento de acu-
mulação financeira e das medidas de desregulamentação foi seguido de uma 
evolução notável da função dos mercados e do poder dos investidores. A partir 
dos anos 80, nos Estados Unidos, e dos anos 90, em países como a França, não 
só partes da propriedade das empresas tornam-se ativos financeiros cada vez 
mais compráveis e vendáveis na Bolsa, mas também as empresas como tais, e 
mesmo grupos industriais inteiros2• 
É necessário lembrar as etapas do processo de acumulação financeira que le-
vou a esse resultado/Por a~11111utação fü~~nceira, entende-se a centralização cm 
instituições especializadas de lucros industriais não reinvestidos e de rendas não 
consumidas, que têm por encargo valorizá-los sob a forma de aplicação cm ativos 
financeiros - divisas, obrigações e ações - mantendo-os fora da produção de bens 
e serviços/Nos Estados Unidos, o processo de centralização do capital sob a for-
ma financeira recomeça nos anos 50, sem que se lhe preste grande atenção, à 
medida que os efeitos da crise dos anos 30 e as conseqüências da Segunda Guerra 
Mundial chegam ao fim. Na Europa, pode-se datar o início da acumulação fi-
nanceira contemporânea em meados dos anos 60. Por um lado, trata-se de um 
subproduto da acumulação industrial do período da "idade de ouro". Encorajadas 
pelas disposições fiscais favoráveis, as famílias com rendas mais elevadas começa-
ram a investir suas rendas excedentes líquidas em títulos de seguro de vida. Disso 
deriva que, ainda hoje, são as companhias de seguros que centralizam os ativos 
financeiros mais elevados (ver Figura 1, adiante). Na década de 1960, igualmente, 
o pagamento dos salários, que se tornou mensal, foi acompanhado da obrigação de 
os assalariados abrirem uma conta em banco ou no Correio. Uma massa considerá-
vel de dinheiro líquido, que antes escapava dos bancos, afluiu em direção a eles. 
Isso aumentou a escala de suas operações de crédito, bem como de aplicações a 
2 A expressão "grupo industrial" designa, aqui e na seqüência do livro, tanto os grupos 
engajados majoritariamente na indústria manufatureira quanto aqueles engajados nas ati-
vidades de serviços (telecomunicações etc.). 
38 A FINANÇA MUNDIALIZADA 
curto ou muito curto prazo com a mais alta remuneração que eles podiam obter 
no dia em que um mercadofinanceiro desregulamentado foi reconstituído. 
Essa reconstituição ocorreu graças a condições institucionais precisas, em um 
dos centros históricos do capital portador de juros, o Reino Unido. Enquanto o 
controle de câmbio atingia seu máximo, permitiu-se em 1958 a criação como 
offihore na City de Londres - isto é, com estatuto próprio, próximo ao de um 
paraíso fiscal - de um mercado interbancário de capitais líquidos registrados em 
dólares, chamado "mercado de eurodólares"3. Essa será a primeira base de opera-
ção internacional do capital portador de juros. Grandes empresas ajudaram a sua 
reconstituição, ao lado de bancos que aproveitaram para começar a se internacio-
nalizar. Muito antes do "choque do petróleo", lucros não repatriados e também 
não reinvestidos na produção são depositados em eurodólares pelas firmas 
transnacionais norte-americanas. O afluxo de recursos não reinvestidos se acelera 
no início dos anos 70, à medida que o dinamismo da "idade de ouro" se esgota4• 
Os governos foram obrigados a prolongar sua duração por meio de elevada cria-
ção de crédito. Combinado com a primeira reconstituição de uma acumulação de 
capitais especulativos, isso explica por que a crise de 197 4-75 foi marcada por 
uma primeira forma de crash financeiro da qual os bancos foram o epicentro5• 
3 Ver C.-A. Michalet, Le capitalisrne rnondia! (Paris, PUF, 1976), que sem dúvida é o primei-
ro, na França, a ter procurado avaliar o mercado de eurodólares, assim como H.Bourguinat, 
Finance internationale (Paris, PUF, 1992), que situa a praça na marcha em direção à 
mundialização financeira. É em 1958 que a União Européia de pagamentos (com o sistema 
de compensações multilaterais dos saldos comerciais dos países membros) é dissolvida. Ocorre, 
então, o retorno à conversibilidade monetária. Mesmo permanecendo no regime de taxas 
fixas e ainda que os Estados mantenham um controle rígido sobre a alocação de divisas e 
movimentos de capitais, essa dissolução abre caminho para as aplicações financeiras sob a 
forma de depósitos remunerados fora do país de origem. Será em Londres que essas aplica-
ções serão feitas. Aí os bancos franceses serão rapidamente muito ativos. O primeiro grande 
empréstimo cm eurodólares associado a um Estado será o organizado pelo banco britânico 
Warburg, em benefício da Itália, para o financiamento de auto-estradas italianas. 
4 Nem a reconstituição do capital portador de juros nem a mundialização financeira a que ela 
conduz podem ser compreendidas fora do que os economistas da Escola da Regulação chamaram 
de "crise do modo de regulação fordistà' (R. Boyer, La théorie de la régulation: une ana/yse 
critique, Paris, La Découverte, 1986), e que os marxistas consideram o ressurgimento das 
contradições clássicas do modo de produção capitalista mundial, a saber, a superprodução e o 
sobre-investimento. A reconstituição de uma massa de capitais procurando se valorizar fora da 
produção, como capital de empréstimo e de aplicação financeira, tem por origem o 
esgotamento progressivo das normas de consumo e a baixa rentabilidade dos investimentos 
industriais (fato visível nas estatísticas). 
E. Mandei, La crise 1974-1978: les foits et leur interprétation rnarxiste (Paris, Flammarion, 
1978). 
Ü CAl'l"!AL PORTADOR DE JUROS 39 
A etapa seguinte foi a da "reciclagem", a partir de 1976, dos "petrodólares", 
ist'o é, das_ elevadas somas resultantes do aumento temporário do preço do pe-
troleo, aplicadas em Londres pelos potentados do golfo Pérsico. Essa "reciclagem" 
tomou a forma de empréstimos e de abertura de linhas de crédito dos bancos 
internacionais aos governos do Terceiro Mundo, sobretudo da América Latina. 
As bases da dívida do Terceiro Mundo foram lançadas e, com elas, um mecanis-
mo de transferência de recursos que possui a capacidade de se reproduzir no 
tempo. Lembremo-nos de suas origens e características. Independentemente de 
seu contexto histórico específico, a dívida pública sempre teve por origem as 
relações de classe e o poder político que permitem aos ricos escapar amplamen-
te, ou mesmo quase completamente, dos impostos. Uma vez que seu montante 
ultrapassa certo teto, seu reembolso se assemelha ao tonel das Danaides*. A 
dívida se recria sem cessar. Por pouco que o nível das taxas de juros seja superior 
ao dos preços e às taxas de crescimento da produção e do Produto Interno 
Bruto (PIB), ela pode aumentar muito rápido. É isso que se chama de efeito 
"bola-de-neve da dívida"G. Os juros devidos sobre o principal da dívida (o ser-
viço da dívida) absorvem uma fração sempre maior do orçamento do Estado, 
das receitas das exportações e das reservas do país, de sorte que a única maneira 
~e fazer face aos compromissos do serviço da dívida é tomar um novo emprés-
timo. Alguns Estados politicamente subordinados ou vencidos militarmente 
experimentaram, no século XIX ou na década de 1920, mecanismos cumulati-
vos e perversos de endividamento. Na época contemporânea, eles apareceram 
das medidas tomadas pelos Estados Unidos a partir de 1979. 
As expressões "ditadura dos credores"7 e "tirania dos mercados"8 foram propos-
tas para designar certas relações características da finança de mercado. Não se pode 
* S~g~ndo a mitologia grega, as Danaides eram as cinqüenta filhas de Dânaos, rei de Argos. 
Jup!ter as :ondcnou a passa~ a eternidade enchendo um tonel sem fundo como castigo 
pelo assassmato de seus mandas na noite de núpcias. (N. T.) 
6 
A Comissão de Finanças da Assembléia Nacional francesa descreveu esse mecanismo 
da s~guinte forma: "Desde 1983, a dívida pública foi submetida a um processo de 
c~escu1:ent~ espontâneo'. o efeito "bola-de-neve". Seu custo médio, influenciado pelo 
r11vel h1stoncamente rnutto alto das taxas reais de juros e pela parcela crescente da dívida 
negociável, é superior à taxa de crescimento da economia. Desde então, a carga tributária 
aprofunda espontaneamente o déficit, que se acrescenta ao estoque da dívida ao final do 
ano e deve ser refinanciado a custos elevados. Esse mecanismo, uma vez ativado, leva ao 
crescimento da dívida em comparação ao PIB, mesrno se o déficit sem a dívida for 
conduzido ao equilíbrio" (Assembléia Nacional, 1994). 
7 
J.-P. Fitoussi, Le débat interdit (Paris, Arléa, 1995). 
8 
H. Bourguinat, La tyranie des rnarchés: essai sur l'éconornie virtuelle (Paris, Economica, 1995). 
40 A FINANÇA MUNDIAU7ADA 
ter ditadura sem uma forma de golpe de Estado9• Aquele que fez nascer a ditadura 
dos "credores" ou, mais precisamente, a do capital patrimonial contemporâneo 
com traços rentistas, remonta às medidas de liberação dos mercados de títulos da 
dívida pública e da alta do dólar e das taxas de juros norte-americanas tomadas em 
1979-81. Foi nos países do Terceiro Mundo, incentivados a se aproveitar dos crédi-
tos aparentemente vantajosos associados à reciclagem dos petrodólares, que as con-
seqüências do "golpe de 1979" foram as mais dramáticas. A multiplicação por três 
e mesmo por quatro das taxas de juros, pelas quais as somas emprestadas deviam ser 
reembolsadas, precipitou a crise da dívida do Terceiro Mundo, cujo primeiro episó-
dio foi a crise mexicana de 1982. Nos países chamados "em desenvolvimento" 
(PED) ou "de industrialização recente" (new industrializes countries, NIC), a dívida 
tornou-se uma força formidável que permitiu que se impusessem políticas ditas de 
ajuste estrutural e se iniciassem processos de desindustrialização em muitos deles. A 
dívida levou a um forte crescimento da dominação econômica e política dos países 
capitalistas centrais sobre os da periferia10• 
Considerada pelo ângulo da acumulação financeira como tal, é, entretanto, nos 
países do centro do sistema que a dívida pública fez o capital portador de juros apre-
sentar um crescimento quantitativo e qualitativo. Em termos de valores absolutos de 
transferências financeiras, a dívida pública decisiva não foi a do Terceiro Mundo, mas 
a dos países avançados. A formação dos mercados de obrigações liberalizados respon-deu às necessidades de dois grupos de atores: os governos e as grandes instituições que 
centralizavam a poupança. Ela respondeu às necessidades de financiamento dos déficits 
orçamentários dos grandes países industrializados. A constituição de um mercado de 
obrigações completamente aberto aos investidores financeiros estrangeiros permitiu o 
financiamento dos déficits orçamentários pela aplicação de bônus do Tesouro e outros 
compromissos da dívida sobre o mercado financeiro. Isso é o que se chama "titulização"* 
dos compromissos da dívida pública. Nos Estados Unidos e no Reino Unido foram 
reunidas, pela primeira vez, as condições políticas e sociais que permitiram aos inves-
tidores institucionais aproveitar uma política monetária favorável aos interesses dos 
credores e se beneficiar da liberalização e da desregulamentação das operações de 
aplicação e do movimento dos capitais. Mas, desde 1984-85, todos os outros países 
do G7 adotaram a nova tendência do financiamento dos déficits orçamentários pelo 
apelo ao mercado de obrigações liberalizado e da oferta de taxas de juros reais positi-
9 E Chesnais, La mondialisation du capital (Paris, Syros, 1997). 
'º E. 1oussaint, La bourse ou la vie: la finance contre les peuples (Paris/Bruxelas, Syllepse/ 
Cederim, 1997). 
* Refere-se à conversão de dívidas contratuais cm dívidas mobiliárias negociáveis nos 
mercados financeiros internacionais. Mantivemos uma tradução literal de titrisation 
("transformação em título") à falta de um termo correspondente em português. (N. T.) 
Ü Ci\Pll~'\L POK!i\DOR DE JUROS 41 
vas. Essa tendência fez dos mercados de obrigações públicas - o que o FMI chamou 
de "espinha dorsal" dos mercados de obrigações internacionais o lugar onde se 
detém uma fração variável, mas sempre elevada, de ativos financeiros mundiais. Mes-
mo se as taxas de juros são muito baixas para responder a outras necessidades de 
sustentação dos mercados financeiros, a segurança das aplicações continua a fazer 
delas um refugio (o que é chamado de flight to quality). 
A titulização, a alta das taxas de juros e a liberação dos movimentos dos capitais 
coincidiram com o momento em que, em razão do volume das somas que haviam 
sido acumuladas, os fundos de pensão buscavam oportunidade de aplicação em larga 
escala. Os investidores institucionais foram os primeiros beneficiários da desregu-
lamentação monetária e financeira. Ao longo dos anos 80, eles tiram dos bancos 
0 
primeiro lugar como pólo da centralização financeira e lhes tomam parte de sua 
atividade de empréstimo. No caso dos Estados Unidos, a formação das caixas de 
previdência de empresas ou da administração pública remonta às vezes aos anos 20, 
mas mais freqüentemente ao período 1940-50. Sua emergência nos países anglo-
saxões e no Japão como principais atores da finança de mercado no fim dos anos 70 
é conseqüência da escolha política feita nesses países, ao fim da Segunda Guerra 
Mundial, em favor dos sistemas de previdência privados. Mas, nos anos 70, os estí-
mulos fiscais reforçaram sua atratividade. Nos outros países industrializados, associe-
dades de seguro são os investidores institucionais mais poderosos. 
Nos países da OCDE, como nos países periféricos, a dívida pública alimenta 
continuamente a acumulação financeira por intermédio das finanças públicas. A neces-
sidade de recorrer ao financiamento mediante empréstimos torna-se permanente por 
causa da desoneração do capital e das rendas elevadas, a qual foi ainda facilitada pela 
mundialização financeira, pela impunidade da evasão e pela multiplicação dos paraí-
sos fiscais. Deu-se um duplo presente às rendas elevadas: beneficiam-se da redução de 
impostos e emprestam a taxas elevadas. A riqueza transferida começa por assumir a 
forma de salários, de rendas agrícolas e de trabalho por conta própria, parcialmente a 
forma de lucros, antes de se transformar em impostos diretos e indiretos e outras 
"contribuições especiais" que são dirigidas ao setor financeiro mediante a parte do 
º~9ll'.1ento do Estado alocada para o serviço da dívida. No fim dos anos 90, essa parte 
atmgm ou ultrapassou 20% na maioria dos países da OCDE, a começar pelos Esta-
dos Unidos
11
• De 1987-88 até meados da década de 1990, os déficits orçamentários 
" A d d · . d retoma a a economia o armamento e o financiamento do imenso programa Guerra 
n,as Estrelas foram efetuados, a despeito de todos os discursos "reaganianos" sobre a ortodo-
xia monetária e orçamentária, mediante o crescimento da dívida federal. A dívida federal 
do Estado norte-americano elevou-se de US$ 322 bilhões em 1970 para US$ 906 bilhões 
em 1980 e para US$ 4,06 l trilhões em 1992. Em relação ao orçamento federal, 0 serviço 
da dívida passou de 12,7% cm 1980 para 20,1% cm 1990. 
42 A HNANÇA MUNlJ!ALJZADA 
dos países da OCDE- e, portanto, o recurso aos empréstimos - se situaram entre 3% 
e 7% do PIB. Depois de uma redução passageira, o nível superior foi novamente 
atingido pelos Estados Unidos em 2003. Nos anos 80, a dívida pública permitiu a 
expansão dos mercados financeiros ou a sua ressurreição em outros países, como no 
caso da França. Ela é o pilar do poder das instituições que centralizam o capital 
portador de juros. Em seguida, a dívida pública gera pressões fiscais fortes sobre as 
rendas menores e com menor mobilidade, austeridade orçamentária e paralisia das 
despesas públicas. No curso dos últimos dez anos, foi ela que facilitou a implanta-
ção das políticas de privatização nos países chamados "em desenvolvimento". 
Os recursos financeiros centralizados pela dívida ficam sempre amplamente cativos 
dos mercados financeiros. Assim, os anos 80 viram a reconstrução dos mercados 
capazes de garantir aos investidores financeiros a possibilidade, em tempo normal, 
de revender seus ativos a qualquer momento 12• Uma nova etapa da acumulação 
financeira é então aberta, na qual os dividendos se tornam um mecanismo impor-
tante de transferência e de acumulação, e os mercados de ações o pivô mais ativo. 
Essa etapa viu a implantação do "governo de empresa''* contemporâneo13• A pres-
são "impessoal" dos "mercados'', exercida sobre os grupos industriais pelo viés do 
nível comparado da taxa de juros sobre os títulos da dívida e dos lucros industriais, 
se multiplica em formas de controle muito mais diretas, que beneficiam constru-
ções teóricas feitas sob medida14• Impõem-se novas normas de rentabilidade, que 
geram pressões bastante acentuadas sobre os salários, tanto em termos de produti-
vidade e de flexibilidade do trabalho, como de mudanças nas formas de determina-
ção dos salários. Ainda assim, mesmo se os mercados acionários ocupam a frente da 
cena, as aplicações em bônus do Tesouro não perdem sua importância. Em tempos 
de choques financeiros, os títulos da dívida pública dos países mais fortes - os 
Estados Unidos à frente - tornam-se o valor-refúgio por excelência. Os emprésti-
mos às sociedades (empresas e bancos) mediante obrigações e os créditos hipotecá-
12 Sobre a procura de "liquidez" por todos os detentores de títulos, a começar pelas ações das 
empresas, consultar Orléan, Le pouvoir de la finance (Paris, Odile Jacob, 1999). De fato, 
ela é a base do "poder da finança". Para uma análise crítica desse importante livro, ver F. 
Chesnais, "Le pouvoír de la finance d'André Orléan", nora de leitura, em "Fonds de pension 
er nouvcau capiralisme", L'Année de la Régulation (Paris, Association Recherche et 
Régulation, 2000, v. 4). 
* O governo das empresas (ou sociedades) foi sistematizado pela OCDE na forma de um 
conjunto de princípios que deveriam ser seguidos pelas empresas, para dar maior estabilidade 
ao sistema financeiro, cujo ponto central decorre da separação entre a propriedade e o 
controle e da relação entre acionistas e administradores das empresas. (N. T.) 
13 Ver os capítulos de Catherine Sauviat e de Dominique Plihon. 
14 É, em particular, o caso da teoria da "agência", de Jensen. 
0 CAPITAL PORTADOR DE JUROS 43 
rios aos particulares completama panóplia da apropriação, cuja força última se 
encontra sempre na produção. Eles estão estreitamente articulados com os mecanis-
mos das taxas de juros interbancárias baixas ou muito baixas e de criação de crédi-
tos que formam a base da política de estímulo das despesas que é característica da 
macroeconomia do regime de acumulação financeirizada 15• Nos Estados Unidos, 0 
Federal Reserve (Fed) praticamente estabeleceu como princípio a obrigação de, em 
caso de dificuldade, fornecer aos controladores do mercado as linhas de crédito que 
os ajudem a manter a liquidez16• Depois de ter dado ao poder da finança seus 
fundamentos por meio da alta das taxas de juros, se prestam a fornecer o oxigênio 
aos mercados, quase permanentemente. 
Uma medida da amplitude da acumulação financeira é fornecida pela evolu-
ção do volume de ativos financeiros de investidores institucionais. 
V} 
<l) 
-o ,,, 
<l) 
'º ._e: 
] 
Figura 1 - Ativos financeiros dos países da OCDE, 
por tipo de investidor institucional 
14 
12 
lO 
8 
6 
4 
2 
o 
1992 1993 1994 
li Seguradoras 
D Fundos de pensão 
D Sociedades de investimento 
D Outras 
1995 1996 1997 1998 1999 
Fonte: OCDE, lnvestisseun institutionnels: annuaire statistique, 1932-200 J, Paris, 200 J. 
No fim dos anos 90, o volume de ativos em posse do conjunto dos inves-
tidores institucionais ultrapassava US$ 36 trilhões. Esses haveres representavam 
em torno de 140% do PIB dos países da zona da OCDE. Mas, em alguns 
15 F Chesn 1·s '"L li ' · ' · 1 · , a,, a nouve e econom1e, une con1oncture propre à a puissance hégémonique 
américaine" (Séminaire Marxiste, 2001 ); "La théorie du régime d' accumulation financerisé: 
contenu, portée et Ínterrogations" (Paris, Actes du Forum de la Régulation, Association 
Recherche et Régulation, 2001). 
16 
M. Aglietta, "Le risque de systeme dans la finance libéralisée" (Revue d'Économie 
f<znanciere, n" 70). 
44 t\ HNAN<,:A J\>!UNDIALIZAllA 
países, a relação entre os ativos financeiros e o PIB que representa as. prete~­
sões de apropriação da produção econômica presente e futura.- é multo mais 
elevada: 226% no caso do Reino Unido, 212% nos Países Baixos, 207% nos 
Estados Unidos, 200% na Suíça. Ao longo da década, o crescimento do valor 
dos ativos dos investidores institucionais se fez a um ritmo sustentado, mais 
de 11 % em média durante o período 17 • Se as sociedades de seguro estão na 
frente pelo volume dos ativos que detêm, são ultrapassadas no fim .dos ~nos 
90 pelas sociedades de investimentos e pelos fundo~ de. pensão, CUJOS ativos 
aumentaram a um ritmo mais elevado. Foram as pnmerras, sobretudo aque-
las especializadas na gestão dos fundos mútuos, que tiveram maior cresci-
mento: entre 1990 e 1999, seus haveres aumentaram em média 20% ao ano 
contra 13% dos fundos de pensão. 
A forma de mundialização nascida da liberalização financeira 
A mundialização financeira foi preparada pelo mercado de eurodólares, ~epois 
pela passagem a um regime de taxas de câmbio ~exíveis.ap~s o colapso do s1ste1:ia 
de Bretton Woods. O mercado de câmbio foi, assim, o pnmeiro a entrar na mundia-
lização financeira contemporânea. Ele permanece um dos me~cados onde os in-
vestidores institucionais continuam a manter parte de seus ativos. Mas foram as 
medidas de liberalização e de desregulamentação de 1979-81 que deram nasci-
mento ao sistema de finança mundializado tal como o conhecemos. Elas puseram 
fim ao controle do movimento de capitais com o estrangeiro (saídas e entradas), 
abrindo assim os sistemas financeiros nacionais para o exterior. A primeira conse-
qüência foi a expansão muito rápida, desde a metade dos ano~ 80: ~os mer~ados 
de obrigações públicas interconectados internacionalmente e a ~ifus~o mte.rnaoonal 
do financiamento dos déficits pela emissão de títulos negociáveis. Mais do que 
uma decisão deliberada, a liberalização e a transformação em títulos dos com-
promissos públicos foram o resultado de um processo de c~ntági~. Qualquer 
Estado que quisesse colocar bônus do Tesouro nos mercados liberalizados estava 
forçado a se alinhar às práticas norte-americanas. 
A abertura externa e interna dos sistemas nacionais, antes fechados e compar-
timentados, conduziu à emergência de um espaço financeiro mundial'.A 
liberalização e a desregulamentação não suprimiram os sistemas financeiros naoo-
nais. Elas os integraram de maneira "imperfeita" ou "incompleta':, em ~m con-
junto que tem muitas particularidades. Ele é muito fortemente h1erarqmzado: ~ 
sistema financeiro dos Estados Unidos domina os outros em razão tanto da pos1-
17 OCDE, Études économiques de l'OCDE 1998: ]apon (Paris, 1998) · 
Ü CAPITAL PORTADOR JlE JUROS 45 
ção do dólar 18 quanto da dimensão dos mercados norte-americanos de obrigações 
e de ações. Ele é marcado por uma carência de instâncias de supervisão e de 
controle, sobre a qual todos os especialistas concordam, mesmo se têm julgamen-
tos diferentes sobre o grau dessa carência e sobre as soluções a dar. Enfim, a 
configuração geopolítica dos mercados, assim como sua interconexão internacio-
nal, é assegurada pelos operadores financeiros. São seus julgamentos que decidi-
rão a participação de tal país na rede, em graus que diferem de um compartimento 
a outro (câmbio, obrigações, ações etc.). 
A integração internacional dos mercados financeiros nacionais resultou de sua 
descompartimentalização regulamentar e foi facilitada por sua interconexão em 
tempo real. Mas o conteúdo efetivo dessa integração resulta, de maneira concreta, 
das decisões tomadas e das operações efetuadas pelos gestores das carteiras mais 
importantes e mais internacionalizadas 19• A personificação dos "mercados" (seu 
antropomorfismo) não é trivial. Exprime, simultaneamente, ao menos três dimen-
sões do poderoso crescimento da finança. A primeira concerne ao movimento de 
autonomia relativa da esfera financeira em relação à produção, mas sobretudo em 
face da capacidade de intervenção das autoridades monetárias. A segunda relacio-
na-se ao caráter fetiche, perfeitamente mistificador, dos "valores" criados pelos mer-
cados financeiros. A terceira remete ao fato de que são os operadores que delimitam 
os contornos da mundialização financeira e decidem quais agentes econômicos, 
pertencentes a quais países e em quais tipos de transações, participarão. 
Na configuração da mundialização financeira, o capital portador de juros norte-
americano tem posição à parte, tanto em razão do lugar do dólar quanto da dimen-
são e da segurança dos mercados financeiros norte-americanos. Ao mesmo tempo, 
eles são uma base a partir da qual o capital norte-americano opera nos outros 
mercados financeiros e o lugar ao qual convergem os capitais ociosos, a poupança 
dos fundos de pensão não norte-americanos e os patrimônios das classes ricas do 
mundo inteiro. Nem por isso, a participação dos outros grandes países no proces-
so mundializado de valorização financeira pode ser negligenciado. Os bancos euro-
18 Ver o capítulo de Suzannc de Brunhoff. 
19 A expressão "mundialização do capital" é a que corresponde mais precisa mente à 
substância do termo inglês globalisation. Tratando-se da produção e da comercialização, 
o termo g!obalisation traduz a capacidade estratégica do grande grupo de adotar uma 
abordagem e uma conduta "global", atuando simultaneamente nos mercados com 
demanda solvável, nas fontes de aprovisionamento e na localização da produção industrial. 
Na esfera financeira, vale a mesma coisa para as operações de investimentos financeiros, 
a composição de suas carteiras de ativos (divisas, obrigações, ações e derivativos) e as 
arbitragens que eles operam entre diferentes instrumentos financeiros, compartimentos 
de mercado e países onde eles se colocam. 
46 A flNAN<,:A MUNDJALIZADA 
peus logo ocuparam um lugar central nos consórcios de credores com os quais se 
confrontaram os países devedores do Terceiro Mundo. Mais tarde, fortalecidos pelo 
apoio das sociedades de seguros prontas a cobrir os riscos, emprestaram maciça-mente aos bancos asiáticos, antes de se negarem a refinanciá-los no momento da 
crise, que eles agravaram. Em seguida, participaram ativamente da privatização e 
da desnacionalização dos sistemas bancários da América Latina e, mais recentemente, 
do Leste Europeu. Forneceram um trampolim para a participação em primeiro 
plano das empresas européias, entre as quais empresas ainda públicas, na privatização 
dos grandes serviços públicos na América Latina
20
• 
Classicamente, os autores distinguem três elementos constitutivos na imple-
mentação da mundialização financeira: a desregulamentação ou liberalização mone-
tária e financeira, a descompartímentalízação dos mercados financeiros nacionais e a 
desintermedíação, a saber, a abertura das operações de empréstimos, antes reserva-
das aos bancos, a todo tipo de investidor institucional. São os três "D" cujo alcance 
1 B · 21 H' · - d foi analisado especia mente por ourgumat . a uma mteraçao e um enca ea-
mento profundo entre os três processos. A mundialização financeira remete tanto à 
"descompartimentalização" interna entre diferentes funções financeiras e diferentes 
tipos de mercados (de câmbio, de crédito, de ações e obrigações) quanto à interpe-
netração externa dos mercados monetários e financeiros nacionais e sua integração 
nos mercados mundializados. A descompartimentalização externa se apóia sucessi-
vamente na liberalização dos mercados de câmbio, na abertura do mercado de 
títulos públicos aos operadores estrangeiros e na abertura da Bolsa às empresas 
estrangeiras. A descompartimentalização interna abriu caminho para uma 
(des)especialização progressiva dos bancos em nome da concorrência e da liberdade 
de empreendimento. É o terceiro "D", a "desintermediação", que permite às insti-
tuições financeiras não bancárias ter acesso aos mercados como emprestadoras. Foram 
elas que tiveram um crescimento particularmente espetacular desde o início da 
desregulamentação financeira. Enfim, o movimento de liberalização e descompar-
timentalização foi igualmente marcado pela criação de numerosas formas novas de 
aplicação da liquidez financeira (o que se chama de novos produtos financeiros), à 
medida que a remoção das regulamentações e controles nacionais anteriores abriu 
caminho para as "inovações financeiras". 
Mesmo para os grandes países industrializados, a liberalização externa e inter-
na de seus sistemas financeiros e a desintermediação foram fonte de graves pro-
blemas. O Japão é um exemplo notório22 • Para os países ditos "emergentes" (de-
2º Ver o capítulo de Esther Jeffers. 
21 H. Bourguinat, Finance internationale, cit. 
22 Ver o capítulo de Marianne Rubinstein. 
() Ci\l'ITAL l'OlffA!lOR llF JUROS 47 
signação que substituiu a de "novos países industrializados" ou NIC25), os pro-
blemas foram infinitamente mais graves. 
A liberalização e a desregulamentação de seus sistemas financeiros foram feitas a 
passos largos, sob a direção do FMI e do Banco Mundial e sob a pressão política dos 
Estados Unidos24 • Os mercados financeiros "emergentes", que foram abertos às ope-
rações do capital financeiro a partir do início dos anos 90, são distintos das praças 
financeiras aguerridas como Hong Kong e Cingapura, nascidas como intermediárias 
da City no quadro da antiga zona da libra esterlina. Pode-se tratar de praças financei-
ras novas como em alguns países do Sudeste Asiático e na China. Em outros casos, 
trata-se de fato de mercados financeiros antigos (como naArgentina), que conheceram, 
após a crise de 1929, um regime de controle estrito dos movimentos de capitais. Os 
Estados Unidos, o FMI e seus aliados e representantes locais formados nas universidades 
norte-americanas segundo o credo e as receitas neoliberais, trabalharam para obter 
dos governos a descompartimentalização dos mercados financeiros dos NIC, a passa-
gem à títulízação da dívida pública e a formação, nesses países, de mercados de obri-
gações domésticos interconectados com os mercados financeiros dos países do 
centro do sistema. Os mercados "emergentes" nunca receberam, mesmo antes da crise 
mexicana de 1995, mais de 15% dos capitais mundiais que buscavam se instalar 
conservando um grau de liquidez elevado25 • Os fimdos de pensão e os mutual fands 
norte-americanos neles fizeram aplicações em ações, mas as obrigações continuaram a 
representar a parte mais importante de suas carteiras de títulos. Nessas obrigações a 
liquidez dos mercados é fraca; uma das razões está na preferência das classes possuido-
ras autóctones por aplicações em Wall Street 26 • 
A integração no regime de mundialização financeira "incompleta e imperfeita", 
de países cujos sistemas antes estavam fechados e cujos dirigentes são ao mesmo 
tempo pouco instruídos nas sutilezas da finança de mercado e hábeis nos métodos da 
corrupção política, teve como resultado a criação de sistemas financeiros muito frágeis27 • 
n Para uma interpretação dessa mudança semântica, ver J.-E Dufour, Les marchés hn.Pr<r.>nt< 
(Paris, Armand Collin, 1999). 
24 J. Sgard, L'économie de la panique: foire face aux crises financieres (Paris, La Découvertc, 
2002, cap. 1 ), apresentou as condições políticas obscuras. 
25 FMI/IMF, lnternational Capital Markets: Developments, Prospects, and Policy lssues 
(Washington, DC, 1994). 
26 Ver o capítulo de Mamadou Camara e Pierre Salama e também o de Gérard Duménil e 
Dominique Lévy, que apresentam as cifras estimadas para os fluxos referentes às aplicações 
rentistas das classes possuidoras dos países latino-americanos. 
27 F. Chesnais, "Crises de la financc ou prémisses de crises économiques propres au regime 
d'accumulation actuel?" (Paris, Appel des Économistes pour Sortir de la Pensée Unique, 2000); 
M. Aglietta, A. Orléan, La monnaie entre violence et confiance (Paris, Odile Jacob, 2003). 
48 A FINANC,:A IvlUNDlJ\Llí'.ALlil 
Viu-se também os choques financeiros, com freqüência provocados diretame1:te 
pelas retiradas brutais dos investidores estrangeiros, propaga:·em-se de ~ane_1ra 
contagiosa, atingirem funções essenciais do sistema financeiro.- e~ _pnme1ro 
lugar os mecanismos de criação de crédito - e estenderem-se _i~u.1to rap1do sobre 
a esfera da produção e das trocas. Para outros Estados ~u te~nt~~10s formal~ent~ 
soberanos ou autônomos, confere-se o papel de para1sos 1und1cos e fiscais. As 
empresas e os particulares ricos neles podem organiz~r ~ evasão fiscal, e os fundo~ 
provenientes do comércio de ~rogas e de todas as a_nv1~ad~: mafiosas podem ali 
começar as primeiras fases críncas da lavagem de dmhe1ro . 
Um regime específico de propriedade do capital 
A base teórica aqui defendida identifica diferentes formas de fin~nciamento, cujos 
papel e amplitude são bem mais circunscritos do que geralm_ente se diz, ~ma :onfigura~ 
ção específica da propriedade capitalista, a saber, ~ prop_nedade p~tnmonial. ~sta. e 
dominada pela figura do proprietário-acionista e, mais precisamente amda, pelo a~10111s­
ta institucional possuidor de títulos de empresas 29 • A posição ocupada pela propnedade 
bursátil do capital coloca nas mãos dos proprietários-acionistas (que detêm ao mesmo 
f d "d d ")os tempo os serviços da dívida pública, que azem os governantes _s~us ev~ o~es . ~ 
meios de influir na repartição da renda em duas dimensões essenCia1s: a da ~istnbuiçao 
da riqueza produzida entre salários, lucros e renda financeira, e a~~ repartição.entre a 
parte atribuída ao investimento e a parte distribuída como d1V1,~endos e Juros --: 
essa parte é consumida ou destinada ao "moderno entesouramento_ , e~ que o~ capi-
tais são cativos da finança e redirecionados continuamente para aplicaçoes em ntulos. 
A tese aqui defendida sustenta que os detentores ~as ações e de v~J~n::es 
importantes de títulos da dívida pública devem ser definidos como"propnet:nos 
situados em posição de exterioridade à produção, e não com~ credores . O 
regime de acumulação contemporâneo, ao menos tal como existe n~s Estad~s 
Unidos, foi caracterizado como "patrimonial"'º· A palavra remetea relaçoes econo-
micas e sociais das quais 0 termo "credor" não dá conta. Um patrimônio designa uma 
2s J. de Maillard, Un monde sans foi (Paris, Stock, 1998); L'Économie l'olitique, 119. 4 (Les 
paradis jiscaux), 42 trimestre, 1999; Attac, Les paradis jiscaux ou la finance sans lo1 (Paris, 
Mille et Une Nuits, 2000). 
29 É preciso não subestimar a importância dos patrimônios fin~nceiros familiares. Um e,studo 
da União dos Bancos Suíços (UBS) revela que 45% das soCJedades que figuram no mdice 
CAC 40 da Bolsa de Paris são controlados por famílias. Ver "Families, b Bourse vous 
ai me", Le Monde, 19 de outubro de 2003, suplemento Dinheiro. 
JO M. Aglietta, Le capitalisme de demain (Notes da la Fondation Saint-Simon, novembro de 
1998). 
() CAP!Ti\l. PORTADOR DE JUROS 49 
propriedade mobiliária e imobiliária que foi acumulada e dirigida para o "rendi-
mento". As fases iniciais da acumulação financeira foram dominadas pelos em-
préstimos aos Estados, de maneira que os consórcios de bancos internacionais se 
posicionaram em face desses Estados na posição de "credores". Isso não é suficiente 
para justificar o abandono do termo keynesiano "rentista"31 . O termo "credor" 
remete a empréstimo, cuja figura tutelar é a banca e no qual a "finançà', sob a 
forma de crédito, engendra relações diretas entre a banca e os beneficiários do 
empréstimo cuja base é um financiamento efetivo. A instituição central da finança 
é o mercado secundário de títulos, que negocia somente ativos já emitidos, cujos 
resultados do financiamento, se existiram, pertencem ao passado. A administra-
dora da carteira intervém nesses mercados para neles aplicar dinheiro em títulos e 
avalia os resultados de suas aplicações. Quando ela existe, sua atividade de finan-
ciamento se faz em outros quadros institucionais que não os mercados financei-
ros. Os mais importantes são os business angel e o venture capital, em que os meios 
financeiros são postos à disposição direta dos investidores ou de capitalistas individuais 
inovadores, nos quais o investidor financeiro faz uma aposta. Os mercados de 
obrigações lhe permitem jamais conhecer seus devedores dos empréstimos. Seu 
problema não é saber "quem pagará o mico"32, mas saber se os mercados perma-
necerão líquidos. Quando subsistem formalmente, as relações de crédito estão 
subordinadas à finança de mercado financeiro. Para fazer frente à desintermediação 
definida mais acima, os bancos "redefiniram suas atividades para tornarem-se 
intermediários de mercado"33 , a exemplo de outros investidores institucionais. 
Por pouco que se analisem os "fatores da mudança em termos de lógicas 
financeiras", é preciso caracterizar o crédito, especialmente internacional, como 
um mecanismo de captação e de centralização do fluxo de rendas, portanto uma 
instituição muito próxima da definição de rentista dada por Keynes. 
.ll No final da Téoria geral, no momento de se posicionar cm favor de "uma taxa de juros 
muito menor do que a que reinou até agora", Keynes escreve: "este estado de coisas seria 
perfeitamente compatível com certo grau de individualismo, mas isso não suporia menor 
eutanásia do rentista e, por isso, a eutanásia do poder opressor, do caráter patrimonial, do 
capitalismo de explorar o valor conferido ao capital por sua raridade. O juro atualmente 
não remunera nenhum sacrifício verdadeiro, não mais do que a renda da terra" (edição 
francesa, p. 39 l, ou J. M. Keynes, A teoria geral do emprego do juro e da moeda, São Paulo, 
Nova Cultural, l 985, p. 255). Essa passagem é cada vez menos citada. No entanto, o 
termo utilizado por Keynes e Kalecki ( 1956, livro V) expressa melhor do que "credor" a 
realidade das relações econômicas. 
32 A expressão é de P.-N. Giraud (Le cormnerce des promesses: petit traité mr la finance moderne, 
Paris, Senil, 2001), que amplia a importância da finança no ciclo de produção e de circulação 
de mercadorias e esquece as dimensões da apropriação de valor e da punção financeira. 
33 M. Aglietta, A. Orléan, cit., p. 243. 
50 A FINANÇA MUNIJIALIZADA 
A propriedade patrimonial cria direitos a rendas sob a forma de aluguéis, de 
rendas do solo (urbano ou rural) e de fluxo de rendas relacionadas às aplicações 
em Bolsa. A finalidade dela não é nem o consumo nem a criação de riquezas que 
aumentem a capacidade de produção, mas o "rendimento". A propriedade 
patrimonial se faz acompanhar de diferentes estratégias de investimento financei-
ro. Uma é aquela realizada pelo acionista chamado "minoritário", que faz uso das 
oportunidades fornecidas pelo mercado de títulos de empresa (a "Bolsa") para 
exercer uma forma radical do direito de propriedade, cujo resultado é, em geral, 
a morte das empresas. Tornada "mercado para o controle das empresas'', a Bolsa 
coloca sua existência e a dos assalariados nas mãos de gente sobre a qual Keynes 
dizia que se comportavam como um cultivador que, "tendo examinado seu barô-
metro após o café da manhã, pudesse decidir retirar seu capital da atividade agrí-
cola entre as dez e onze horas da manhã, para reconsiderar se deveria investi-lo 
mais tarde, durante a semana''34 • Voltaremos a esse ponto adiante. Outras estraté-
gias de gestão financeira, que podem ser conduzidas paralelamente à precedente, 
escolhem formas de valorização derivadas da definição de especulação dada por 
Kaldor35 como transação sobre uma mercadoria "cm que o motivo [ ... ] é a ante-
cipação de ganho que nasce de uma variação de preço e não uma vantagem 
resultante do uso do bem, de uma transformação qualquer ou de uma transferên-
cia de um mercado para outro". 
Estamos diante de uma lógica econômica em que o dinheiro entesourado 
adquire, em virtude de mecanismos do mercado secundário de títulos e da liquidez, 
a propriedade "miraculosa" de "gerar filhotes". O "capitalismo patrimonial" é 
aquele em que o entesouramento estéril, representado pelo "pé-de-meia'', cede 
lugar ao mercado financeiro dotado da capacidade mágica de transformar o di-
nheiro em um valor que "produz"36 • Aqui Marx é incontornável: 
desde que ele é emprestado ou investido em uma empresa, desde que ele produza 
uma renda distinta do lucro da empresa, o juro impulsiona [o dinheiro] o seu pro-
prietário, quer dormindo ou em vigília, seja em sua casa ou em viagem, de dia como 
de noite. O voto piedoso do entesourador se encontra realizado no capital portador de 
juros. [Suas "economias", sua "poupança" adquiriram] a propriedade de criar valor, 
de proporcionar juros (ou de angariar dividendos e mais-valias bursáteis) tão natu-
ralmente como a pereira dá peras. (O capital, livro 3, cap. :X::X:TV) 
34 J. M. Keynes, La théorie générale de l'emploi, de l'intérêt et de la monnaie (Paris, Payot, 
1949), p. 166. 
35 N. Kaldor, "Speculation and economic activity" (Review ofEconomique Studies, v. 7, n 2 1). 
36 Para o termo "entesouramento" e suas relações com a "preferência pela liquidez", ver 
Keynes (La théorie générale de l'emploi, cit., final do cap. XII e cap. XV). 
Ü CAPITAL PORTADOR DE JUROS 51 
A reticência que há hoje em caracterizar o capital portador de juros utilizando 
o termo "rentista", e mesmo em tirar as implicações plenas do adjetivo "patri-
monial", tem a ver, por um lado, certamente, com a escolha política feita por 
certos países em favor dos sistemas de previdência por capitalização e com o lugar 
que os fundos de pensão ocupam no capital de aplicação financeira em escala 
mundial. Os fundos de pensão acumulam contribuições calculadas sobre os salá-
rios e vencimentos, e seu objetivo declarado é assegurar aos assalariados, depois 
de aposentados, uma pensão regular e estável. Trata-se então de instituições que 
centralizam, no quadro de regimes privados de previdência de empresas, uma 
forma de poupança cujas rendas salariais (no sentido amplo) representam a fonte 
inicial. O pagamento das pensões, com a ajuda de rendas geradas pela proprieda-
de patrimonial financeira, não dá a essa última uma legitimidade que permitiria 
abandonar a teoria da renda. Issoao menos por duas razões. A primeira está 110 
fato de que as aposentadorias podem ser asseguradas de maneira diferente dos 
regimes privados de previdência das empresas ou da poupança-salariaP7• A esco-
lha em favor desses sistemas foi e é mais do que nunca uma escolha política, 
escolha em favor dos mercados financeiros, cujas consequências, hoje, são conhe-
cidas. Da mesma maneira que Keynes opõe a gestão da "poupança comum" pelos 
poderes públicos à exploração de sua "raridade" pelo capital rentista, pode-se 
opor os sistemas de previdência por repartição, que não tiveram necessidade de 
mercado financeiro para cumprir suas funções, às aposentadorias de mercado 
financeiro submetidas à sorte do "cassin0 "38. 
A segunda razão provém da alquimia própria da centralização financeira. 
Nas mãos dos gestores, a poupança acumulada se transforma em capital. Essa 
mutação coloca os fundos de pensão na primeira linha das instituições financei-
ras não bancárias, sendo sua função fazer frutificar esse capital maximizando 0 
rendimento, assegurando-lhe um elevado grau de liquidez. Produz-se uma 
mudança na natureza econômica da poupança, cuja abrangência social e cujas 
implicações políticas não podem ser escamoteadas. Os assalariados aposentados 
deixam de ser "poupadores" e tornam-se, sem que tenham clara consciência 
disso, partes interessadas das instituições cujo funcionamento repousa na 
.J? B. Friot, Puissances du salariat: emploi et protection sociale à la fi"ançaise (Paris, La Dispu-
te, 1998); Et la cotisation sociale créera !'emploi (Paris, La Dispurc/L'Harmattan, 1999). 
38 "Q d d l . d . 1 . uan o o esenvo vllnento o capita em um país se converte em subproduto das 
at1v1dades de um cassino, é provável que ele seja realizado em más condições. Se se 
considera que a finalidade propriamente social da Bolsa é canalizar o investimento novo 
em direção mais favorável, não se pode reivindicar o gênero de sucesso obtido em Wall 
Strcet como um brilhante triunfo do laissez-faire capitalista" (J. M. Keynes, La théorie 
générale de l'emploi, cit., p. 174). 
52 A FlNANC,:A MUNDIALIZADA 
centralização de rendimentos fundados na exploração dos assalariados ativos, 
tanto nos países onde se criaram os sistemas de pensão por capitalização quanto 
naqueles onde se realizam as aplicações e as especulações. Os planos de poupan-
ça salarial fazem de seus beneficiários indivíduos fragmentados, cuja personali-
dade social está cindida: de um lado, a de assalariados e, de outro, de membros 
auxiliares das camadas rentistas da burguesia39• Ambivalência de que as oligar-
quias financeiras e políticas dos países capitalistas avançados estão plenamente 
conscientes e que buscam explorar ao máximo. 
A exterioridade da finança em relação à produção 
É ainda possível opor a "finança" à "indústria'' ou, mais precisamente, encontrar 
grupos industriais cujas decisões não estejam subordinadas aos imperativos do 
capital portador de juros? É ainda possível elaborar uma teoria da acumulação 
que possa fazer abstração das demandas dos acionistas relativas à partilha do 
lucro? A oposição entre "finança" e "indústria" remete a duas distinções 
interconectadas, mas separadas. A primeira é entre o "capitalista ativo" ou "em-
presário" e o "financeiro" que se encontra em Marx e em Keynes40 , assim como 
em Schumpeter41 • A segunda é entre os acionistas-proprietários e os administra-
dores, desenvolvida especialmente a partir dos trabalhos de Berle e Means"2 • 
A aproximação entre a "finança'' e a "indústria" foi pensada há muito tempo 
no contexto da teoria da "interpenetração" desenvolvida por Hilferding. Este 
propôs o termo "capital financeiro" para designar a forma de capital que se cons-
titui, a partir da última década do século XIX, após a entrada dos grandes bancos 
no capital da grande indústria alemã. A teoria da interpenetração entre capital 
industrial e capital de empréstimo tem efeitos políticos importantes em termos 
de concentração de poder, no plano nacional e internacional. O interesse dos 
marxistas por esses aspectos, que são um dos pilares da teoria do imperialismo, 
levou-os a deixar de lado urna questão cuja implicação é considerável. 
' 9 Séminaire Marxiste (ed.), Bourgeoisie, état d'une classe dominante (Paris, Syllcpse, 2001). 
10 J. M. Keynes, La théorie générale de l'emploi, cit., capítulos XII e XXIl/2. 
41 Schumpcter trata das relações entre os empresários e os financistas-banqueiros, cujo papel 
é ser seus auxiliares e nada mais, na Théorie de l'évolution éconornique (Paris, Dalloz, 1935; 
ed. orig. 19 l 2). 
'12 Ver W. Lazonick, Business organisation and the myth of the rnarket economy 
(Cambridge[UK]/Nova York, Cambridge University Prcss, 1991), e M. O'Sullivan, 
"Sustainable prosperity, corporate governance and innovation" em J. Michie e J. Grieve 
Smith, Globalisation, growth and govermmce: creating an innovative economy (Oxford/ 
Nova York, Oxford University Press, 1998). 
Ü CAPITAL PORTADOR DE JUROS 53 
Trata-se da questão da distância da finança em relação às atividades de produção e 
de investimento no sentido amplo (tecnologia incluída), do olhar fortemente externo 
que ela põe sobre aquilo que constitui o cerne da atividade produtiva. Entretanto, as 
suas bases estão presentes em Marx. No livro III de O capital, ele desenvolve uma 
teoria da "autonomia'' da finança15 que é acompanhada de uma problemática de sua 
"exterioridade à produção". Os capitalistas financeiros partilham com os propriet<irios 
fundiários, que não cultivam suas terras mas confiam a gestão delas a fazendeiros, o 
traço rentista que consiste em se pôr em posição de exterioridade à produção44 . Falan-
do dos empréstimos às empresas, Marx define o juro como "a mais-valia obtida pela 
simples posse do capital [pois que] seu possuidor permanece fora do processo de 
produção; o juro é então produzido pelo capital subtraído de seu processo" (O capital, 
livro III, capítulo XXIII). Tão logo haja desenvolvimento ou ressurgimento da Bolsa 
e forte subida ou retomada dos proprietários-acionistas, essa "subtração" cria um 
problema muito sério. Urna vez passada a época heróica dos "grandes barões da 
indústria'', da qual Henry Ford foi o último representante, o capitalismo norte-ame-
ricano foi forçado a encontrar uma alternativa. A resposta aos perigos que a "subtra-
ção" faz pesar sobre a acumulação industrial foi o poderoso administrador tecnocrata 
privado, que, beneficiário de uma delegação quase completa de poder dos proprietá-
rios-acionistas, tem grande liberdade para investir e financiar a pesquisa-desenvolvi-
mento (P&D) a partir de lucros retidos. Foi essa figura que Burnham, Galbrait e 
Chandler teorizaram. Com a distância do tempo, compreende-se até que ponto a 
vitória temporária do administrador (um longo parêntese de quase meio século) foi 
apenas um subproduto do enfraquecimento considerável dos proprietários-acionistas 
rentistas produzido na ocasião da crise de 1929. 
A restauração do poder da finança teve dois resultados cujas conseqüências 
para a reprodução do capital no longo prazo não podem ainda ser apreciadas, 
mas devem ser postas em evidência. A primeira é a força formidável da centrali-
43 Para Marx, na scq üêncía da acu1nulação financeira, "unia parte do lucro bruto se cristaliza 
e se torna autônoma sob a forma de juro". Então, "a classe dos capitalistas financeiros se 
opõe [aos capitalistas industriais! como uma categoria particular de capitalistas, o capital 
financeiro como uma espécie de capital autônomo e, enfim, o juro como a forma inde-
pendente da mais-valia que corresponde a esse capital específico". 
14 Lordon atenta a isso. Um traço central nas relações contemporâneas entre a "finança" e a 
"indústria'' é o "grau de exterioridade ou de distância dos credores cm relação à divisão do 
trabalho" (Fonds de pension, piêges à cons, Paris, Raisons d'Agir, 2003, p. 36-7). Notemos 
de passagem que o termo "credor" coloca algumas dificuldades ao autor, pois ele é forçado a 
fazeruma distinção muito precisa entre "o credor-acionista r que] só mantém uma relação 
instrumental e indiferenciada com a indústria de seu devedor, considerada como um meio 
puro e sem outro sentido que a produção de mais-valia financeira'' e "a relação de crédito [que] 
diminui a distância, principalmente se ela for personalizada, ou seja, de parceria". 
54 A flNANÇA MUNDIALIZADA 
zação do capital15, compreendida como processo nacional e internacional (es-
pecialmente transatlântico) que resulta das fusões e aquisições (F&A) orques-
tradas pelos investidores financeiros e seus conselhos. A segunda diz respeito à 
maneira pela qual a finança conseguiu alojar a "exterioridade da produção" no 
próprio cerne dos grupos industriais. É possível que isso seja um dos traços 
mais originais da contra-revolução social contemporânea. A partir dos anos 80, 
os proprietários-acionistas despenderam energia e meios jurídicos, ou quase 
jurídicos, consideráveis para subordinar os administradores-industriais e os trans-
formar em gente que interiorizasse as prioridades e os códigos de conduta nas-
cidos do poder do mercado bursátil. A transformação disso em mercado de 
empresas como tal e a possibilidade dada aos "acionistas minoritários" de se 
desfazer das ações cujo desempenho não os satisfizessem foram as alavancas. 
Como delegados dos proprietários-acionistas e a fim de responder a suas deman-
das de rendimentos, os administradores dos fundos de pensão e de aplicação 
financeira devem obter, das empresas das quais são os acionistas "minoritários", 
níveis de rendimento estáveis muito elevados (os 15% de rendimento sobre 
fundos próprios, que tem como um de seus componentes o valor nominal das 
ações em Bolsa). Os novos administradores devem se submeter à retórica, se 
não à realidade dessa exigência. Dominando os segredos dos mercados finan-
ceiros e da indústria de serviços financeiros, foi necessária apenas uma curta 
década para que os novos administradores se adaptassem ao governo de empre-
sa, embora possam manipular os procedimentos. O "poder administrativo" é 
mais forte do que nunca no seio das empresas, mas fixa para si objetivos muito 
diferentes dos do período anterior. O administrador-financeiro molda-se no 
molde da finança e explora a liberdade permitida pela "virtualidade" dela. Ele 
contornou rapidamente o controle do qual era, a princípio, objeto. Mas suas 
prioridades são muito diferentes das do administrador-industrial que ele subs-
tituiu. Os grupos são dirigidos por pessoas para as quais a tendência da Bolsa é 
mais importante do que qualquer outra coisa. O controle da corporate governance 
foi em geral frustrado, mas os valores da finança triunfaram46 • 
15 Encontraremos urna discussão das relações entre a centralização e a concentração, assim 
como um balanço da situação em 1996-97, cm F. Chesnais (La mondialisation du capital, 
cit.). Seria preciso atualizar completamente esse balanço. 
16 F. Lordon (Fonds de pension, cit., p. 45-6) considera que "a encenação da submissão é a 
modalidade dominante da comunicação financeira [do industrial)" mas que "a restrição 
da finança patrimonial emprega bem suas estratégias". Esta foi interiorizada tão fortemente 
que eu não estou seguro de que ainda possamos dizer (p. 34) que o capital esteja 
"fragmentado entre conatus empresarial e conatus patrimonial". [Hobbes denomina conatus 
o instinto de conservação ou de afirmação e de crescimento de si próprio. (N. T.)J 
0 CAPrlAL POlffAIJOR DE JUROS 55 
Os assalariados foram as verdadeiras vítimas da chegada dos proprietários-
acionistas. É contra eles que se exerce o novo poder administrativo. Foram eles 
que sofreram e vão continuar a sofrer, desconsiderando acontecimentos políticos 
e sociais maiores, os efeitos das normas de rentabilidade impostadas pelos finan-
cistas. Nos anos 90, a base material da taxa de rendimento de 15% sobre os 
fundos próprios foi uma taxa de crescimento dos lucros de 8% a 9%17. O rigor 
salarial e a flexibilização do emprego18 , assim corno o recurso sistemático ao tra-
balho barato e pouco protegido, por meio da deslocalização e da subcontração 
internacional, permitiram esse movimento. 
O exemplo de Keynes sobre como seria a gestão de urna exploração agrícola de 
acordo com os critérios do mercado bursátil já foi citado. Ele pode ser ampliado. A 
inovação e os longos processos de aprendizagem e de acumulação tecnológicas exi-
gem, em muitas indústrias, uma gestão das firmas com longos tempos de maturação. 
Estes são contraditórios com o tempo do investidor financeiro, cuja exterioridade à 
produção e cujas prioridades fazem a inovação e, portanto, a fonte da produtivida-
de, correr sério perigo. Duas séries de fatores, uma comum a todos os grupos, 
qualquer que seja sua nacionalidade, e outra própria aos Estados Unidos, vêm 
resistindo aos efeitos no momento. A primeira se refere às oportunidades muito 
importantes oferecidas aos grupos para a dominação dos assalariados pela liberalização 
do comércio e dos investimentos diretos. Isso possibilitou que os grupos organizas-
sem a deslocalização da produção e a criação de vastos sistemas de subcontratação 
internacionais (global production networks), que permitem explorar o trabalho de 
uma mão-de-obra qualificada (às vezes muito qualificada) nos países de salários 
baixos ou muito baixos para a produção de bens e serviços que serão vendidos nos 
países avançados49 • A exploração das diferenças de valor e de preços entre países não 
ocorre nas matérias-primas, mas no preço de compra da força de trabalho e nas 
taxas de rendimentos permitidas pela ausência de regulamentação do trabalho, 
do direito de se sindicalizar e de proteção social. As filiais no exterior e as redes de 
subcontratação sustentam os lucros e os valores acionários50 • Elas também criam, 
47 Co1nissariat Général du Plan, Rentabilité et risque dans le nouveau réginze de croissance (Ilclató-
rio do grupo presidido por Dorninique Plihon, Paris, La Docurnentation Française, 2002). 
48 Para o cxen1plo norte-americano, ver Cappelli et ai., Change at work: how Anzerican industry 
are coping with corporate restructuring and what workers must to do take charge oh their 
own careers (Oxford, Oxford University Press, 1997). 
49 C. Pottier, Les multinationales et la mise en concurrence des salariés (Paris, I:Harrnattan, 
2002), e UNCTAD, World lnvestment Report 2000, Crossborder mergers and acquisitions 
and development (Genebra, 2000). 
50 Em seu capítulo, Gérard Durnénil e Dorninique Lévy apresentam as estimativas calculadas 
para os Estados Unidos. 
56 A FINANÇA MUNDIALIZADA 
nos países de origem dos grupos, as condições de forte pressão para tentarem impor 
aos assalariados as "reformas" que organizam o retrocesso social5
1
• 
Os fatores próprios aos Estados Unidos são expressões da hegemonia norte-
americana e dos privilégios que se arrogam como potência dominante. Eles 
incluem 
0 
afluxo maciço e contínuo de estudantes, mas também de pesquisa-
dores vindos do estrangeiro. Os países periféricos, mas também países perten-
centes à Tríade, têm sofrido uma fuga de cérebros em benefício dos Estados 
Unidos, paralela e sem dúvida de uma gravidade ainda superior à fuga de capi-
taiss2. Se a P&D do setor privado foi bem a partir de 1995, é, por um lado, um 
efeito mecânico da retomada cíclica5' e, por outro lado, conseqüência da trans-
ferência progressiva pelos grandes grupos europeus de uma parte de sua capaci-
dade e de suas despesas em P&D para os Estados Unidos
54
• Mas é necessário 
também destacar 0 papel essencial das despesas públicas, as financiadas pelos 
ministérios de Defesa e de Energia, mas também as da Saúde e dos National 
Health Institutes, nos quais a pesquisa médica se apóia. O financiamento público é 
uma das principais fontes das pesquisas que promovem os start-up:· E sol~re o 
dinheiro dos contribuintes e sobre o empréstimo público que o capital de nsco, 
tão vangloriado, se apóia. 
Um crescimento mundial muito lento,concentrado em um número muito restrito de lugares 
O balanço da liberalização, da desregulamentação (não somente dos mo~imen­
tos de capitais, é claro, mas também do comércio e dos investimentos di~etos) 
e da privatização pode ser abordado de duas maneiras. Primeiro, a parm das 
promessas feitas pelos apologistas do neoliberalismo em matéria de crescimento, 
de emprego e de bem-estar. Nesse caso, medido pelas performances macroeco-
nômicas e pelos indicadores de desenvolvimentos mundiais, o balanço da 
liberalização é desfavorável se não desastroso. Mas podemos também sustentar 
que 
0 
objetivo do neoliberalismo, cuja expressão foi a "revolução con~ervador:" 
de Margaret Thatcher e de Ronald Reagan, era recolocar o poder e a nqueza tao 
si M. Husson, "Années 1970, la crise ct ses leçons" (Séminaire Marxiste, 2001, p. 31-52). 
57 13. Kogut, "The transatlantic exchange of ideas and practices: national institutions and 
diffusion" (Paris, Les Notes de l'!FRI, nº 26). 
53 D. Guellec e E. Ionnadis, "Causes of fluctuations in R&D expendirures: a quantitativc 
analysis" (Paris, OECD Economic Review, 1997). 
54 A parte dos grupos estrangeiros no financiamento próprio da P&D do. setor privado 
passou de 9% em 1987 para 15% em 1997 (ver Dalton et ai., ,Globalzszng zndustrzal 
research and development, Washington D.C., US Department of Commerce, 1999). 
Ü CAPITAL PORTADOR DE JUROS 57 
plenamente quanto possível nas mãos da fração superior das classes capitalistas 
e das instituições onde se concentra sua capacidade de ação55• Entendido dessa 
maneira, o neoliberalismo, é forçoso constatar, atingiu plenamente seus objeti-
vos, pois ocorreu um grande salto na concentração da riqueza. A questão, en-
tão, é saber se esse sucesso não foi obtido em condições que, no longo prazo, 
poderiam tornar pouco viável a dominação reencontrada das classes superiores 
e dos países que lhes servem de baluarte porque fundada em bases econômicas 
estreitas e instáveis. Se esse é o caso, então estaríamos diante de uma situação 
propícia à acentuação do militarismo, assim como ao reforço dos métodos mi-
litares e de segurança para o controle político e social, tanto no plano interna-
cional quanto no doméstico56 . 
As políticas neoliberais não inverteram o sentido da taxa de crescimento 
mundial. Ao contrário, elas foram contemporâneas do prosseguimento de sua 
redução. Esta caminhou junto com o aumento das diferenças nas taxas de 
crescimento. A economia capitalista sempre experimentou um desenvolvi-
mento desigual, mas o crescimento do período 195 5-1975 foi marcado por 
uma tendência à convergência no plano internacional. Os anos 90 caracteri-
zaram-se pelo retorno a uma configuração de desenvolvimento desigual, com 
o crescimento concentrando-se em duas zonas apenas. Utilizando-se o indi-
cador de crescimento anual do produto mundial por habitante - que é um 
indicador sério do estado da produção e da riqueza, apesar de mascarar os 
efeitos da distribuição de renda, muito desigual -, constata-se o seguinte: 
enquanto a taxa se aproximava de 4% entre 1960 e 1973, caindo depois para 
2,4% entre 1973 e 1980, não foi mais de 1,2% entre 1980 e 1993, não 
aumentando depois disso. Em face do crescimento demográfico, a taxa anual 
média de crescimento do produto mundial não superou 2% ao longo da dé-
cada de 1990. A longa série estatística publicada pela OMC57 mostra a queda 
regular dessa taxa. Superior a 7% no período 1963-73, caiu para 3% entre 
1973 e 1990 e para um pouco mais de 2% entre 1990 e 1999. Um outro 
indicador que os economistas consideram crucial é a taxa de crescimento da 
produção industrial. Nos países da OCDE, isto é, nos mais ricos, observou-
se a queda contínua dessa taxa. Ela passou de cerca de 6% no início dos anos 
60 para 2% ao longo dos anos 90. 
Boa parte da explicação desses resultados encontra-se do lado da reparti-
ção, em suas duas determinações - divisão entre salários e lucros e, no interior 
55 Ver o capítulo de Gérard Duménil e Dominique Lévy. 
56 Ver o capítulo de Luc Mampey e Claude Serfati. 
57 OMC, Statistiques du commerce international 2003: tendances à long terme (Genebra, 2003). 
58 A flNANÇA MUNDIALIZADA 
dos lucros, entre a parte não distribuída e reinvestida e a parte distribuída em 
juros, dividendos e "restituição do valor" para os acionistas, notadamente 
pela recompra de ações. O investimento é a variável determinante do cresci-
mento no longo prazo. No setor privado, ele é financiado pelos lucros reti-
dos. A taxa de lucro necessária para a realização das normas do "valor por 
acionista" conduz à rejeição de todos os projetos de investimento que não 
garantirão a taxa exigida. No momento em que a participação dos salários 
nos resultados da produção se reduz e a parte dos lucros reservada aos inves-
timentos também diminui, a taxa de investimento é duplamente atingida 
pela desaceleração do consumo dos assalariados e pela reduzida propensão a 
investir. A taxa de crescimento é lenta e o desemprego aumenta. Como mos-
tra a Figura 2, foi precisamente uma redução conjugada dos salários e da 
parte dos lucros reservada ao investimento que marcou a macroeconomia 
da Europa nos anos 80 e 90. 
Esse movimento não é específico da Europa. Como Duménil e Lévy mos-
tram (ver em particular a Figura 2, no capítulo desses autores), houve também 
uma queda no lucro retido nas empresas dos Estados Unidos, assim como uma 
queda nos investimentos, interrompida somente quando ocorreu o boom na 
segunda metade dos anos 90. É nesse ponto que é necessário tratar da forte 
desigualdade das taxas de crescimento entre os países e, em particular, da 
"exceção norte-americana". Na década de 1990, a economia mundial cresceu 
somente em dois lugares. Um estava situado no sudeste da Ásia e durou até o 
começo da crise, em 1997; o outro, nos Estados Unidos, até a quebra da 
Nasdaq na primavera de 2001. O crescimento dos países do sudeste da Ásia 
sustentou-se sobretudo na produção destinada a ser escoada para os mercados 
externos e foi estimulado pelo afluxo de capitais estrangeiros em busca de 
investimentos e de aplicações rentáveis. Como ocorreu no contexto de redu-
zido crescimento do resto do mundo, com exceção dos Estados Unidos, foi 
marcado por uma concorrência muito forte. Inicialmente, as exportações ba-
seadas na competitividade-preço alegraram os mercados de outros países 
produtores de bens similares, transformando-se num obstáculo a seu cresci-
mento antes de serem um fator de propagação da crise entre países vizinhos 
na Ásia e, em seguida, de transmissão de pressões deflacionárias para o con-
junto da economia mundial. 
Ü CAl'rJAL POIUAllOR DE JUROS 
Figura 2 - Lucro, investimento e desemprego na Europa 
32,5 .. 
30,0 , ...................................................................................... . ........................... = .................. ,~ 
20,0 1.... ............... , ............................................................... :::-~=~: .............. ~, ....................... ,,.""" ........... J 
17.S ... 
15,0 
12,5 + ....................................... . 
10,0 
7,5 
5,0 .................. .. 
2.5;·~~;~~~~~,~~~-~~l"''~~. 7e~~"~················· 
0,0 ~~~~....,...,...,.. ... :;.~,.....,....r-'1'-r-,..,~r-r--r~-~,.....'F"'f~""r.....,.._.r~--1 
~M~~mnu~nw~M~nw~M%n~m 
Fonte: Michel Husson, Les casseurs de l'État social (Paris, La Découverte, 2003). 
59 
. ?s Estados Unidos são o único país onde o regime de acumulação finan-
cemzado comandado pelo capital portador de J'uros foi também um " · d · ,, regime 
e. c~e~c1ment~ . 5~s condiç.ões particulares foram destacadas na coleção Se-mmano Marxista . O crescimento que os Estados Unidos tiveram entre 1996 
e 2001 baseou-se em parte na retomada dos investimentos. No início isso deu 
um substr~to ta~gível à "nova economia''. Mas a acumulação de capital teve 
como parti~ulandade a n~o-recuperação da taxa de lucro retido das empresas 
n~rte-amencanas. A realização de investimentos por muito tempoadiados 
foi sustentada pelos efeitos dos importantes estímulos resultantes da queda 
d~~ preços dos bens de .capital que incorporaram as tecnologias informáticas, 
assim como da melho'n~ da produtividade, principalmente do capital. Mas, 
com~ mostram Dumeml e Lévy em seu artigo, foi acompanhada da conti-
nuaçao ~a qued~ na cur~a de lucro retido. A renovação dos equipamentos do 
setor pnvado foi financiada em boa parte pelos capitais estrangeiros, princi-
58 ~é~inaire Marxiste, Cris~s struc~u~e~les et financieres du capitalisme au XX' sit:cle (Paris, 
Y e~se'. 2301). [A. coleçao Semmar10 Marxista, em três volumes, reúne os debates e as 
contnbu1çoes das discussões sobre remas contemporâneos, em encontros, a partir do ou-
tono de 1998, no Museu da Ciência do Homem, em Paris. (N. T.)] 
60 A FINANÇA ~füNDIALIZAD;\ 
paimente sob a forma de investimentos diretos feitos pelas empresas euro-
péias e japonesas'9 . 
A hipótese de uma "insaciabilidade" da finança 
A macroeconomia mundial carrega assim a marca de contradições e impasses origi-
nais, próprios de uma configuração do capitalismo colocada sob a dominação econô-
mica e social do capital portador de juros. As contradições do capitalismo sempre 
estiveram profundamente enraizadas nas relações sociais fundadas sobre a propriedade 
dos meios de produção e na obrigação de a maioria da população vender (ou procurar 
vender) sua força de trabalho no mercado de trabalho (de se colocar como "demandante 
de emprego", expressão que destaca bem a relação de dependência). É a situação 
atual, tal como no passado. Isso posto, as contradições capitalistas "clássicas" resultaram, 
durante muito tempo, do dinamismo da acumulação, manifestando-se sob a forma 
de quedas nas taxas de lucro em fases de rápida acumulação (que se podem atribuir 
tanto ao superinvestimento quanto a uma elevação passageira dos salários) ou ainda 
em crises de superprodução. Essas patologias não desapareceram, mas foram contidas e 
sufocadas sob o efeito combinado de estratégias industriais oligopolistas preocupadas 
em não criar capacidade produtiva muito elevada60 e de políticas estatais anticíclicas, 
cujo pivô foi a política de criação maciça de crédito pelo Fed. Elas se combinam com 
as contradições e os processos antagônicos suplementares cuja origem é, de um lado, 
uma acumulação branda e, de outro, o que, a título de hipótese, chamarei de uma 
"insaciabilidade" da finança quanto ao nível de suas punções. A possibilidade de que 
estejamos na presença de qualquer coisa do gênero foi evocada por outros pesquisado-
res. Blanqué 61 lembra aos investidores que uma "economia só pode dar aos mercados 
[financeiros] o que ela tem". Por seu lado, Lordon62 viu, em algumas técnicas empre-
59 Ver os dados nos capítulos de Gérard Duménil e Dominique Lévy e de Esthcr Jeffers. 
r.o Uma exceção importante foi produzida pelos grupos da indústria de telecomunicações e 
seus fornecedores. Na euforia das privatizações e da bolha da Nasdaq, eles se lançaram, a 
partir de 1998, em novos investimentos e aquisições que sempre apresentaram uma 
trajetória superior à da situação real do mercado. O estouro da bolha da Bolsa revelou a 
amplitude da sobrecapacidade e do endividamento dos grupos. A segunda conduta 
divergente vem dos grupos industriais que lutam para participar no oligopólio mundial. 
Para isso, eles são constrangidos a fazer investimentos em uma escala que representa um 
risco para eles próprios e para o conjunto do oligopólio. As sobrecapacidadcs criadas pelos 
grupos coreanos nos anos 90 forneceram um exemplo perfeito: foi preciso o ii~pacto da 
crise das economias vizinhas para que elas fossem reveladas em toda a sua amplitude. 
61 P. Blanqué, "Too much of everything: économie globalc ct surcapacités", Flash Eco Credit 
Agricole, 1 O janeiro 2002, p. 13. 
6l F. Lordon, Fonds de pension, piêges à cons (Paris, Raisons d'Agir, 2000), p. 80. 
Ü C\PlTi\l l'ClRTi\DOR DE JURO,; 61 
gadas para sustentar os índices da Bolsa que nutriram a bolha da Nasdaq, uma ex-
pressão da "contradição entre valorização financeira exigida e valorização econômica 
possível, com o supercrescimento financeiro cobrindo a diferença entre rentabilidade 
demandada pelo capital acionário e capacidade objetiva de lucratividade dos ativos 
econômicos subjacentes". 
A propensão do capital portador de juros para demandar da economia "mais 
do que ela pode dar" é uma conseqüência de sua exterioridade à produção. É uma 
das forças motrizes da desregulamentação do trabalho, assim como das priva-
tizações. Mas ela tende, também, a modelar a sociedade contemporânea no 
conjunto de suas determinações. No quadro da mundialização capitalista con-
temporânea, da qual a finança é uma das forças motrizes mais fortes, a autono-
mia que parece caracterizar o movimento de acumulação do capital (ou, se assim 
se preferir, a predominância que a economia parece ter sobre todas as outras 
esferas da vida social) se acentua de forma qualitativa. Todos são obrigados a "se 
adaptar" às exigências da "economià' e a admitir que se reordenem os traços 
fundamentais da sociedade sem consideração pelas posições sociais "adquiridas" 
pelo passado e sem respeito pelos habitus provenientes da evolução anterior. Daí 
decorre esse encaminhamento paralelo de formas de expropriação nos países "emer-
gentes", as quais remetem à brutalidade quase sem mediação da acumulação 
primitiva, e de modalidades muito sofisticadas de modulação das relações sociais 
(em termos de gestão dos recursos humanos ou de gestão e constituição do ima-
ginário coletivo pelo viés televisivo) para reproduzi-las sob uma forma de submis-
são à sombra da "ditadurà' dos mercados financeiros. 
O caráter insaciável do apetite dos acionistas, dos administradores e das socie-
dades especializadas da indústria financeira encontra-se, evidentemente, na base 
dos escândalos financeiros que se sucederam desde o da Enron, tanto na Europa 
quanto nos Estados Unidos. Este país tem, ao menos, uma situação que lhe é 
própria: construiu seu crescimento em parte sobre a importação de capitais e de 
produtos a baixos preços. A hipótese que se deve levantar, então, é que as relações 
(com traços predatórios) que eles têm com o resto do mundo se tornaram talvez 
uma das competências de sua política diplomática e militar. 
Nos grandes locais de acumulação financeira onde não foi possível compensar, 
a exemplo dos Estados Unidos, a queda da taxa de lucro retido pela importação de 
capital estrangeiro, a extensão das privatizações dos serviços públicos e dos sistemas 
de previdência representa o pilar das políticas de sustentação e de alimentação dos 
mercados financeiros. Na União Européia, o restabelecimento da taxa de rentabilidade 
dos grupos foi obtido pela acentuação contínua das pressões sobre os assalariados 
por meio da deslocalização das fábricas, acompanhada, salvo algumas exceções, por 
estratégias de produção e de preço baseadas no aumento das capacidades produtivas 
e de uma adequação dos volumes de produção às tendências de estagnação ou de 
62 A FINANÇA MUNDIALIZADA 
declínio da demanda. Os grupos europeus procederam também às formas de 
internacionalização da produção definidas anteriormente. Mas foram as privatizações 
das empresas de serviço público e a acentuação dos processos de privatização dos 
sistemas de previdência e de saúde que constituíram a coluna vertebral das políticas 
governamentais de sustentação dos mercados financeiros. Para o capital portador 
de juros em busca de fluxos estáveis de rendimentos, não há melhor investimento 
que as indústrias de serviços públicos privatizadas. Os domicílios que estão habi-
tuados ao gás, à eletricidade e ao telefone são "consumidores cativos" e "vacas de 
leite", fontes de ganhos regulares e absolutamente seguros. As antigas empresas 
públicas são ativos tanto mais atrativos quanto mais o Estado tenha nelas realizado, 
com os impostos da coletividade, elevados investimentos que assegurarão rendi-
mentos sem a necessidade

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