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Linguística II - Conteúdo Online

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LINGUÍSTICA II 
AULA 1 – A LINGUÍSTICA E SUAS CORRENTES TEÓRICAS 
Linguística – Uma Ciência Moderna 
Embora a investigação sobre a linguagem humana seja antiga, a Linguística, ciência que a tem 
como objeto de estudos, é relativamente nova. Destaca-se sua projeção ao se firmar como a 
primeira ciência humana. Nas palavras de Aldo Bizzocchi, O fantástico mundo da linguagem. 
“Hoje, porém, a maioria das ciências humanas tem rigor metodológico comparável ao das 
ciências naturais e usa ferramentas como a lógica e a matemática para descrever seus objetos 
de estudo e construir teorias complexas. 
Para que as ciências humanas adquirissem esse rigor, foi decisiva a contribuição da linguística. 
Ela foi a primeira dessas disciplinas a se constituir como ciência, no final do século 18, com 
método e objeto próprios e bem definidos, emprestando depois às demais o seu método de 
pesquisa.” (BIZZOCCHI, 2000). 
Para entender o caráter científico da Linguística, faz-se necessário apresentar alguns de seus 
pressupostos (cf. CUNHA et al., 2009): 
A partir de uma metodologia bem definida, busca-se sistematizar as observações sobre a 
linguagem, relacionando-as a uma teoria construída para esse propósito. 
Observa-se a capacidade da linguagem, a partir de enunciados falados e escritos, que são 
investigados e descritos à luz de princípios teóricos, que podem ser validados por meio de 
análise de enunciados produzidos em várias línguas. 
Embora a escrita também seja considerada pela Linguística. Cabe dizer que seu foco principal 
é a língua falada, uma vez que é a modalidade de uso da língua desenvolvida naturalmente 
pelo indivíduo a partir do contato com seus familiares. 
Como busca a comprovação empírica dos fatos, a maioria das correntes linguísticas 
contemporâneas trabalha com dados verificáveis por meio de observações e experiências. 
É uma ciência descritiva. Por isso, não há, em suas análises, qualquer tipo de julgamento ou 
preconceito em relação a determinados usos. Propõe-se a entender o funcionamento das 
línguas. 
Desse modo, podemos concluir que o trabalho dos linguistas, cientistas que se dedicam à 
Linguística, é estudar a linguagem humana através da observação de como as línguas naturais 
se estruturam e funcionam, a fim de se obter não só descrições adequadas dessas línguas 
naturais, mas também entender mais sobre a natureza da linguagem. 
Embora a escrita também seja considerada pela Linguística, cabe dizer que seu foco principal 
é a língua falada, uma vez que é a modalidade de uso da língua desenvolvida naturalmente 
pelo indivíduo a partir do contato com seus familiares. 
Linguística e a Doutrina Gramatical 
Depois de rever os objetivos da investigação linguística, vamos continuar a nossa revisão 
e abordar a relação entre Linguística e doutrina gramatical. Começaremos com uma citação 
que ilustra, muitíssimo bem, essa relação: 
“A Linguística não se compara ao estudo tradicional da gramática; ao observar a língua em 
uso o linguista procura descrever e explicar os fatos: os padrões sonoros, gramaticais e 
lexicais que estão sendo usados, sem avaliar aquele uso em termos de um outro padrão: 
moral, estético ou crítico.” (PETTER, Margarida. Linguagem, língua e Linguística. In. FIORIN, 
José Luiz. Introdução à Linguística. São Paulo: Contexto, 2002, p. 17). 
Analisemos as seguintes construções: 
1 - “Os livros chegaram.” 
2 - “Os livro chegou.” 
O que um linguista e um gramático diriam sobre os exemplos apresentados em (1) e (2)? 
Um gramático diria que apenas (1) está de acordo com a prescrição e que (2) apresenta um 
“erro” em relação às regras de concordância. E o linguista? Qual seria o seu comentário? 
Sabemos que a Linguística, por conta de seu caráter científico, não julga os enunciados de 
uma língua. Não há preconceitos ou rótulos de “certo” e “errado” no que se refere a 
construções comumente observadas no uso da língua. Por isso, um linguista, ao analisar os 
exemplos (1) e (2), diria que ambos são enunciados lógicos e coerentes, comuns nos 
contextos comunicativos da Língua Portuguesa. O exemplo (2), embora siga um modo de 
combinação que difere daquele apresentado nas gramáticas normativas, apresenta regras 
gramaticais próprias. 
Juiz: “Escutei-o no tribunal, e não há dúvidas de que a declaração apresentada não é 
verdadeira.” 
Mecânico: “O carro do doto ta muito amassado. A gente vamo começá a arrumá ele assim que 
os home do seguro liberá.” 
E.T: “Menino o saiu casa de loiro e nave comigo na voar foi.” 
Para o linguista, que não tem como objetivo fazer julgamentos de correto-incorreto, as falas 
do juiz e do mecânico estariam adequadas ao contexto comunicativo em que se encontram. 
As construções utilizadas refletem o nível de escolarização dos personagens. Por exemplo, o 
juiz, por ser altamente escolarizado e estar em uma situação comunicativa formal, faz uso do 
pronome oblíquo “o” para se referir ao senhor Marcos Mattos. Por sua vez, o mecânico 
Ademir, analfabeto, usará o pronome “ele” na função de objeto direto (“arrumá ele”). 
Para o gramático, que considera um determinado uso da língua como correto, apenas a fala 
do juiz estaria correta, pois há muitos usos, na fala do mecânico, que não condizem com a 
prescrição. 
O linguista e o gramático diriam que a fala do E.T. é agramatical, pois sua construção não 
obedece às regras de funcionamento da nossa língua, à gramática intuitiva que cada falante 
tem. O extraterrestre, como não é um falante nativo do português, apresenta uma construção 
com um modo de combinação possível no português. 
As Correntes da Linguística 
Já entendemos que Linguística corresponde ao estudo científico da linguagem humana. Assim 
como ocorre em outras ciências, podemos ter diferentes maneiras de compreender o mesmo 
objeto de estudo. Desse modo, a Linguística apresenta algumas correntes teóricas, que vão 
investigar a linguagem humana sob perspectivas diferentes. Vamos a uma breve apresentação 
de algumas delas. Teremos como foco as correntes linguísticas que serão abordadas em nossa 
disciplina, a saber: Gerativismo, Sociolinguística e Funcionalismo. Vale dizer que há outras não 
menos importantes. 
Costuma-se atribuir o nascimento da Linguística moderna no ano de 1916 à publicação do 
Curso de Linguística Geral, obra do linguista suíço Ferdinand de Saussure. Sabemos que, na 
realidade, as bases da Linguística moderna já haviam sido lançadas ao longo do século XIX a 
partir do trabalho de muitos linguistas que tinham como foco os estudos de comparação entre 
línguas diferentes. 
As ideias de Saussure, apresentadas no CLG, ganharam tanto destaque que, no século XX, 
surge uma das mais importantes escolas científicas: o Estruturalismo, que firmou sua 
influência não só na Linguística, mas também em outras áreas como a Sociologia, a 
Antropologia, a Psicanálise, a Filosofia etc. 
O estruturalismo de Saussure, embora considere a “língua” como um fato social, se atém ao 
caráter formal e estrutural do fenômeno linguístico, uma vez que a concebe como uma 
estrutura. 
1957 
Em 1957, o linguista Noam Chomsky promove uma verdadeira revolução nos estudos da 
linguagem ao propor uma abordagem caracterizada pela ausência do componente social: a 
língua passa a ser vista como um fenômeno mental. Para Chomsky e sua teoria Gerativa (ou 
Gerativismo), a capacidade humana de falar e entender uma língua é o resultado de uma 
capacidade genética. Seu objetivo era propor uma teoria explicativa que pudesse contemplar 
não só as frases realizadas, mas também aquelas que seriam, potencialmente, produzidas 
pelo falante. 
1960 
Como uma reação aos modelos formais de análise linguística do Estruturalismo e do 
Gerativismo, na década de 1960, nos Estados Unidos, surge a Sociolinguística, que, na sua 
vertente variacionista, tem como nome principal o linguista William Labov. A Sociolinguística 
propõe novamente a focalização do aspecto social, mas sobo ponto de vista da variação e a 
possibilidade de sistematizá-la. Assim, tem-se como pressuposto teórico a ideia de que toda 
língua muda com o tempo e varia em função de aspectos geográficos e sociais. 
1975 
Em 1975, as análises funcionalistas ganham destaque na linguística norte-americana a partir 
dos trabalhos de Dwight Bolinger. Ainda como uma oposição às ideias estruturalistas e 
gerativistas, surge uma teoria que tem como objetivo explicar a língua com base no contexto 
linguístico e na situação extralinguística: o Funcionalismo, corrente teórica que tem como foco 
de interesse a relação entre estrutura gramatical das línguas e os contextos de comunicação 
em que são utilizadas. Sobre o Funcionalismo europeu, Cunha (2009) afirma: “atribui-se aos 
membros da Escola de Praga, que se originou no Círculo Linguístico de Praga (...), as 
primeiras análises na linha funcionalista.” (p.159). 
Como dissemos anteriormente, em Linguística II, vamos nos ater a uma breve apresentação 
dessas três correntes linguísticas. É importante dizer que não existe pressuposto teórico 
melhor ou pior. Vamos entender que essas áreas terão como objeto de estudo a linguagem 
verbal humana, cada uma com um foco diferente de análise. 
A Linguística é a Salvação? 
Depois de conhecermos, brevemente, outras correntes linguísticas, vamos encerrar a nossa 
primeira aula, refletindo sobre o papel da Linguística na formação do futuro professor de 
Língua Portuguesa. 
À medida que conhecemos melhor as correntes gerativistas, sociolinguísticas e funcionalistas, 
vamos ampliando a nossa visão sobre a língua e passamos a refletir sobre a aplicação dos 
resultados das pesquisas linguísticas nessas áreas na questão do ensino. Como as inovações 
introduzidas pela Linguística podem nos ser úteis para tratar algumas ideias preconcebidas e 
amplamente difundidas pela doutrina gramatical? 
Sobre esse aspecto, é preciso ter cuidado. Retomamos um trecho do item “A salvação na 
Linguística?”, de Celso Pedro Luft (1997): 
“Nenhum ensino em crise pode ser salvo pela simples troca de uma teoria por outra, ainda 
que esta, como a Linguística, seja do mais alto nível científico. Porque não é esse o 
problema.(...) 
O lugar da Linguística, antes de mais nada, é nos cursos de graduação e pós-graduação, onde 
é ministrada a futuros técnicos, pesquisadores, especialistas do ramo, professores, autores de 
livros didáticos. 
Ensinar Linguística no 1º e 2º Grau é uma insensatez. As teorias gramaticais estão em 
evolução constante, sua abordagem exige maturidade mental, capacidade de reflexão e 
abstração. 
O que a Linguística traz de positivo ao ensino de línguas são as noções fundamentais de 
linguagem e língua, de variedades e registros; a noção de que não há língua que não evolua; 
a noção de que o uso e os fatos devem prevalecer sobre preconceitos normativistas – 
sobretudo, a noção de que a língua é um saber interior, pessoal, dos falantes, de onde o 
ensino deve partir e em que deve, sempre, se basear. (LUFT, 1997: 97) 
Mas tudo isso é o embasamento teórico imprescindível que deve guiar o professor em suas 
aulas práticas, e não se transformar em matéria de ensino. O ensino tem de ocupar-se com o 
manejo efetivo da língua, falada e escrita.” (LUFT, Celso Pedro. Língua e liberdade: por uma 
nova concepção da língua materna e seu ensino. Porto Alegre: L&PM, 1985, p.96-97.) 
Hoje, não é mais possível conceber um ensino que não considere os avanços trazidos pelas 
pesquisas científicas em relação aos fenômenos linguísticos. Felizmente, o Ministério da 
Educação está atento a isso. Vale destacar, no entanto, que essas reflexões devem fazer parte 
apenas da formação do professor de Língua Portuguesa. Como salientou Luft, não podemos 
“trocar uma teoria por outra” (p.96). 
AULA 2 – O GERATIVISMO: A FACULDADE DA LINGUAGEM 
Imaginem a seguinte situação: vocês acharam um filhote de macaco na rua e resolveram criá-
lo como se fosse um bebê. Ele, aos poucos, se adaptou ao novo lar: consegue, sem 
problemas, segurar a mamadeira para mamar, dorme no berço como qualquer outra criança, 
adora ficar no seu colo... O tempo foi passando, o macaco foi crescendo, mas a questão é: se 
o macaco fosse uma criança normal, ou seja, sem patologia, o que aconteceria neste 
momento? 
Pois é, ele começaria a falar! 
Você acha que isso iria acontecer com o seu macaco? 
Não! Vamos entender o porquê com o Gerativismo. 
O Gerativismo 
O Gerativismo1 é uma corrente da Linguística, que teve início nos Estados Unidos, em 1957, e 
tem como nome principal o linguista Noam Chomsky. 
A teoria gerativista recebe esse nome, pois, segundo ela, a partir de um conjunto de regras, é 
possível produzir um número ilimitado de sequências linguísticas. Assim, seria impossível 
apresentar uma lista com-pleta das frases previstas pelas regras da língua. Poderíamos 
pensar, por exemplo, no seguinte: quantas frases seriam produzidas a partir da estrutura 
“SUJEITO + PREDICADO”? 
1 A corrente da linguística que teve início no final da década de 1950, a partir das pesquisas de 
Noam Chomsky, também é conhecida como Linguística Gerativa, ou Teoria Gerativa, ou, 
ainda, Gramática Gerativa. 
Noam Chomsky é linguista e cientista político norte-americano. 
Em 1957, Chomsky publica seu livro “Estruturas sintáticas” (do inglês, Syntactic Structures), 
que marca o início do Gerativismo e promove uma revolução nos estudos linguísticos. Vale 
ressaltar que a Teoria Gerativa passou, ao longo dos anos, por uma série de reformulações, 
chegando, na década de 1990, ao Programa Minimalista (PM). Muitos autores, por isso, 
preferem se referir à teoria como um “Programa de investigação gerativista”. 
Os gerativistas buscam descrever e explicar, abstratamente, o que é e como funciona a 
linguagem humana. Por isso, propõem-se a elaborar um modelo teórico formal, inspirado na 
matemática. 
Devido à sua formação (matemática, psicologia, filosofia e linguística), Chomsky, no 
Gerativismo, parte do pressuposto de que é possível descrever algebricamente a língua 
humana, a partir de esquemas abstratos. Por isso, pode-se dizer que a base filosófica da 
teoria é o RACIONALISMO1, que vê no pensamento, na razão, a fonte principal do 
conhecimento humano. 
1 Os racionalistas defendem a ideia de que a fonte principal do conhecimento humano é a 
mente, uma vez que os seres humanos recebem um número de faculdades específicas, cujo 
papel fundamental é permitir a aquisição do conhecimento. Vale ressaltar que no Empirismo, 
tal método matemático não é aceito e a experiência é o ponto de partida do conhecimento. 
Gerativismo: A Faculdade da Linguagem. 
A partir da década de 1950, os estudos da linguagem, que eram guiados por uma postura 
behaviorista, passaram por expressivas transformações a partir das ideias de Chomsky. 
Segundo a visão behaviorista, o ser humano adquire a linguagem por imitação, ou seja, tudo 
é aprendido por condicionamento. Um dos principais defensores do BEHAVIORISMO foi o 
psicólogo americano Skinner (1904-1990), responsável pela descrição de mecanismos de 
controle das ações humanas por estímulo e resposta. 
O linguista norte-americano Leonard Bloomfield é outro nome importante do behaviorismo. 
Segundo ele, a partir de estímulos, a criança, nos primeiros anos de vida, repete sons vocais. 
O processo envolve a visão, o tato (manuseio de objetos), a audição e a imitação do som até 
que ela, como um hábito, fixe determinada palavra e passe a usá-la. 
Segundo Chomsky, a linguagem é uma capacidade inata, está inscrita no DNA do ser humano. 
Por isso, na situação apresentada no início da aula, o macaco, ainda que seja criado apenas 
entre humanos, jamais desenvolverá a linguagem, que nele não é inata. Pelo fato de ser uma 
capacidade humana inata, ou seja, de fazer parte da constituição cerebral de todos os seres 
humanos sem patologias, as línguas devem apresentar características universais. 
Alémdo caráter universal da linguagem humana, Chomsky destaca um aspecto muito 
importante na linguagem humana: a criatividade. Todos os indivíduos, independentemente do 
seu nível de escolaridade, apresentam uma capacidade de criar infinitamente frases novas, 
das mais simples às mais complexas. A criatividade da linguagem humana é um fator que nos 
distingue dos animais e não poderia ser explicada tendo como base as ideias behavioristas. 
Como o Cérebro é Visto no Gerativismo? 
Para entender a proposta gerativista, é preciso conhecer o modo como Chomsky e seus 
seguidores compreendem a mente/cérebro do homem. 
Segundo Martins (2006), os gerativistas adotam uma visão modularista, mente/cérebro são 
entendidos como um sistema complexo, com uma estrutura altamente diferenciada e com 
„faculdades‟ separadas, como, por exemplo, a faculdade da linguagem e a faculdade dos 
conceitos. 
Segundo Chomsky, da mesma maneira como sistemas complexos ou „órgãos do corpo‟ – como 
o córtex visual e o sistema circulatório – têm suas propriedades exclusivas e são estudados 
separadamente, com suas teorias próprias, também os diferentes sistemas cognitivos ou 
„faculdades‟ da mente – como a faculdade da visão e a faculdade da linguagem – devem ser 
estudados separadamente. (cf. Chomsky, N. (1986) Knowledge of language: its nature, origin 
and use. New York: Praeger.) 
Gramática Universal (GU): Princípios e Parâmetros. 
O modelo gerativista, proposto por Noam Chomsky, considera que os seres humanos nascem 
dotados de uma faculdade da linguagem que é um componente da mente/cérebro 
especificamente dedicado à língua e marca a diferença fundamental entre os homens e os 
outros seres do planeta. O que fornece ao homem essa capacidade inata para falar é a 
faculdade da linguagem, geneticamente transmitida, biologicamente determinada e, portanto, 
inerente a toda espécie humana. 
Desse modo, não importa que uma criança seja falante de inglês, espanhol, russo ou 
português: todas possuem a mesma faculdade da linguagem, já que todo ser humano está 
predisposto a adquirir sua língua natural1, a menos que possua algum problema patológico. 
1 Língua natural, língua materna ou língua nativa são expressões utilizadas para se referir à 
língua que o ser humano adquire a partir do ambiente linguístico que o cerca. 
Chomsky considera que a mente humana é composta por sistemas cognitivos, organizados em 
módulos. Assim, a faculdade da linguagem estaria em um desses módulos. Seguindo a tese da 
modularidade da mente, tem-se a hipótese do inatismo, segundo a qual há uma estrutura 
mental inata ou estado inicial que possibilita aos seres humanos adquirirem sua língua natural. 
Essa estrutura mental inata é chamada na teoria gerativista de Gramática Universal (GU). 
A GU é o estado inicial da faculdade da linguagem. Há, na GU, princípios e parâmetros. Os 
princípios são comuns a todas as línguas, apresentam caráter universal e são responsáveis por 
explicar a organização das línguas naturais. Já os parâmetros são específicos de uma língua e 
reconhecidos a partir dos dados linguísticos do ambiente do indivíduo em fase de aquisição de 
linguagem. Apresentam-se de modo binário, ou seja, com o valor positivo (+) ou negativo (-). 
O valor (+) indica que aquele parâmetro está presente na língua; já o valor negativo (-) 
sinaliza a ausência daquela característica. 
Entendendo os Princípios e Parâmetros. 
Tendo como foco a descrição da GU, os gerativistas propõem uma teoria chamada de 
Princípios e Parâmetros1. 
Apresentamos, abaixo, um exemplo de um princípio e de um parâmetro: 
 Princípio: “Todas as sentenças, independentemente da língua, têm a função sintática 
sujeito.” 
 Parâmetro do sujeito nulo: “Uma língua admite ou não sujeito nulo nas sentenças 
finitas.” 
1 Kenedy (2009, p. 135) nos lembra que “essa teoria possui pelo menos duas fases: a fase da 
teoria da regência e da ligação (TRL), que perdurou por toda a década de 1980, e o programa 
minimalista (PM), em desenvolvimento desde o início da década de 1990 até o presente”. 
Tendo como base o português e o inglês, vamos perceber que, em inglês, esse sujeito tem 
que ser produzido, o mesmo não acontecendo em português. 
Observe os exemplos: 
1) Português: Ø Chove. 
2) Inglês: It rains. 
3) Português: Eu vi o menino ontem. 
4) Português: Ø Vi o menino ontem. 
5) Inglês: I saw the boy yesterday. 
6) Inglês: * Ø Saw the boy yesterday. 
Nós, como falantes nativos do português, sabemos, perfeitamente, que podemos produzir 
enunciados como os apresentados em (1), (3) e (4). Isso acontece porque, na nossa língua, o 
sujeito pode ou não ser nulo nas sentenças finitas. O falante tem a opção de escolher. O 
símbolo (Ø) significa a existência de uma categoria vazia, ou seja, a posição não está ocupada 
por um elemento morfologicamente realizado, mas existe e não pode ser preenchida por 
nenhum outro elemento. 
1) Português: Ø Chove. 
3) Português: Eu vi o menino ontem. 
4) Português: Ø Vi o menino ontem. 
Por outro lado, o indivíduo que for exposto ao inglês sabe que, em todas as sentenças, o 
sujeito deve sempre ser produzido. Até mesmo com verbos como “chover”, a partícula 
expletiva “it” deve estar presente para “ocupar” a posição. O asterisco (*), no exemplo (6), 
indica que a sentença é agramatical, ou seja, não faz parte da língua. Quando estudamos 
inglês, como segunda língua, precisamos ficar atentos ao preenchimento da posição do 
sujeito. 
6) Inglês: * Ø Saw the boy yesterday. 
Portanto, pode-se dizer que o “parâmetro do sujeito nulo” é positivo (+) em português, já que 
é possível ter o sujeito realizado ou não, e negativo (-) para o inglês, pois não é possível a 
ocorrência de sentenças sem o sujeito realizado morfologicamente. Lembre-se: tudo acontece 
intuitivamente, ou seja, o falante do inglês, por exemplo, naturalmente, percebe que há “algo 
errado” quando ouve uma sentença como a apresentada em (6). 
Relembrando 
Vimos que nascemos com um sistema único de princípios inatos, enraizado na nossa 
mente/cérebro, dedicado exclusivamente à linguagem: a GU. A GU é o estado inicial da 
faculdade da linguagem e é constituída de princípios universais e parâmetros específicos 
de cada língua. Sendo assim, podemos dizer que todas as línguas humanas possuem 
propriedades comuns já que todos nós nascemos com o mesmo aparato genético. Então, por 
que falamos línguas diferentes? 
Gramática Universal e Gramática Particular 
No processo de aquisição de uma língua, o indivíduo vai, gradativamente, fixando os valores 
dos parâmetros a partir do contato com os dados linguísticos da sua língua nativa. À medida 
que os valores desses parâmetros são fixados pelo indivíduo durante a aquisição, uma 
gramática é construída, ou seja, a gramática1 particular de sua língua. 
1 O termo “gramática” é polissêmico, ou seja, apresenta várias acepções. Quando usamos o 
termo “gramática”, aqui, estamos nos referindo aos conhecimentos que um falante tem de 
sua língua materna, aos mecanismos de funcionamento de uma língua. Não estamos nos 
referindo à gramática normativa ou à gramática tradicional. 
AULA 3 – AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM 
Quem tem filhos ou convive com crianças sabe que, “num piscar de olhos”, as crianças já 
começam a falar. Sabemos que há etapas a serem seguidas, mas temos a certeza de que esse 
processo acontece de forma bem rápida. 
“Na realidade, a faculdade da linguagem nada tem de trivial. O vocabulário médio de um 
adulto em sua língua nativa, por exemplo, alcança em torno de 50 mil palavras, codificadas 
por cerca de 40 unidades distintivas de som de fala (fonemas). Veja que tanto o vocabulário 
numeroso quanto o pequeno inventário de fonemas deveriam ser desfavoráveis à existência 
da linguagem no homem: temos poucos códigos para distinguir muitos itens. 
Apesar disso, após o curto período de aquisição de linguagem, entre dois e três anos de 
idade, nos integramos a uma comunidadelinguística e, sem nenhum esforço, usamos essa 
língua com mais naturalidade do que um estrangeiro que passou anos tentando aprendê-la 
depois de adulto.” 
Pelo que vimos, segundo o Gerativismo, já nascemos com uma capacidade inata para 
desenvolver uma língua. No entanto, por que não saímos da barriga da nossa mãe falando? 
Poderíamos fazer também outras perguntas: 
“Se já nascemos com as nossas pernas completamente formadas, por que não saímos da 
barriga da nossa mãe andando?” ou “Se temos um sistema visual, por que não distinguimos 
todas as cores logo após o parto?” 
Assim como o sistema motor e o sistema visual, o nosso sistema linguístico também passa por 
um processo de maturação. Podemos perceber que as crianças também vivenciam etapas até 
conseguirem andar sozinhas, sem a ajuda de adultos ou sem o apoio em objetos. Com a 
linguagem, não é diferente. Vamos entender como se dá a aquisição da linguagem? 
“A acuidade visual se refere à capacidade do sujeito em detectar, separar ou discriminar um 
objeto no espaço. 
(...) Ao nascimento, a acuidade visual humana é muito reduzida, quando comparada a de um 
adulto. Um bebê, ao nascimento, enxerga dez a vinte vezes menos que um adulto. Isso 
significa que somente estímulos muito grandes poderão ser vistos pelo bebê. No entanto, há 
um rápido desenvolvimento desta função nos primeiros 6-12 meses de vida. (...) 
Assim como a acuidade visual, a habilidade de discriminar contrastes de luminâcia está 
presente ao nascimento, mas é extremamente pobre em desempenho se comparada com a de 
um adulto. 
(...) Estudos recentes mostram que até a 4ª semana de vida, o bebê discrimina pobremente 
um estímulo colorido de um estímulo branco de mesma intensidade de brilho, ou seja, até o 
final do primeiro mês de vida, a visão de cores praticamente inexiste, limitando-se à região 
laranja-avermelhada do espectro cromático. Nos três meses seguintes há o aparecimento 
gradual da visão de cores.” 
O Processo de Aquisição da Linguagem 
O processo de aquisição da linguagem é algo muito interessante. O fato de as crianças, já por 
volta dos três anos, serem capazes de fazer uso da sua língua de modo tão eficiente leva-nos 
a pensar como essas línguas são adquiridas. Muito cedo, qualquer criança surpreende os 
adultos com a sua capacidade de produzir e compreender os enunciados da sua língua. 
Podemos dizer que ela: 
“Não repete simplesmente o que lhe dizem: com as regras que depreendeu das frases 
ouvidas, forma inúmeras outras, inclusive nunca ouvidas. Quer dizer, desde as primeiras 
etapas a criança „cria‟ suas frases. Essa criatividade é justamente o traço característico da 
gramática que a criança internaliza. 
A „graça‟ da linguagem infantil não está nos erros que comete, mas nas suas engenhosas 
tentativas (com muitas criações individuais) de utilizar o código fornecido pelos adultos.” 
 Mamãe, eu fazi isso sim! 
 Eu pesadelei a noite toda! 
 Eu vou vassourar a casa! 
Certamente, vocês já devem ter ouvido algumas crianças produzirem estruturas assim ou bem 
parecidas. O que podemos, então, pensar? 
As crianças percebem como a língua a qual foram expostas funciona, elas captam aquilo que é 
regular em seu sistema linguístico. A partir daí, criam seus enunciados. 
Nesse processo de criação, aparecem elementos que, emboram sejam construídos 
obedecendo às regras de funcionamento da língua, não foram as formas consagradas pelos 
seus usuários. Assim, o adulto entende o que a criança quis dizer e acha graça da forma 
produzida. 
Tomemos como exemplo o verbo “vassourar”. Se temos, em português, o substantivo “pincel” 
e o verbo “pincelar”, poderíamos, perfeitamente, ter o verbo “vassourar”, já que temos o 
substantivo “vassoura”. No entanto, o uso consagrou a forma “varrer”, embora “vassourar” 
apresente um processo de formação produtivo na língua. 
De fato, enunciados assim levam-nos a crer que há um componente genético inato, específico 
para desenvolver uma língua, como vimos na nossa aula passada. Esses e outros exemplos 
corroboram a ideia de que o cérebro humano não nasce como um “quadro em branco”, uma 
“tábula rasa”, como afirmam os behavioristas. 
Por conta da questão do inatismo, Chomsky (1981) considera mais apropriado falar 
em “crescimento da linguagem” e não em “aprendizado” ou “aquisição”. Afinal de contas, 
apenas adquirimos algo que não temos. 
Como vimos na aula passada, a criança não nasce com uma capacidade para desenvolver a 
língua X ou a língua Y. A predisposição biológica do ser humano vai permitir que ele 
desenvolva uma língua a partir dos dados linguísticos do ambiente que o cerca. A exposição a 
esses dados faz com que o indivíduo acione um certo valor de parâmetro para que a criança 
componha a gramática de sua língua particular. 
Vale destacar que a exposição a esses dados linguísticos acontece de modo natural: na fala 
espontânea de adultos, há enunciados truncados, hesitações, falhas em geral. No entanto, 
apesar disso, a criança consegue perceber o que é ou não regular na sua língua. 
As Etapas do Processo de Aquisição da Linguagem 
Em relação ao processo de aquisição da linguagem, as pesquisas mostram que a criança vai 
internalizando o sistema gramatical de maneira gradual, por etapas. Independentemente da 
língua a que a criança está exposta, todas elas, em fase de aquisição da linguagem, adquirem 
primeiro as palavras de conteúdo (“formais”: substantivos, adjetivos, verbos), só depois as 
palavras gramaticais (“estruturais”: pronomes, preposições etc.). 
Tudo acontece aos poucos. A criança desenvolve a capacidade de nomear e faz uso de 
substantivos. Em seguida, começa a fazer uso de elementos mais abstratos como verbos e 
adjetivos. Ela começa, então, a produzir estruturas sintáticas simples até chegar às estruturas 
mais complexas. Aproximadamente, aos 5 ou 6 anos, a criança já é, como diz Chomsky, um 
“adulto linguístico”. Essa uniformidade no processo de aquisição é, para os gerativistas, um 
indicativo de uma faculdade da linguagem, comum à espécie humana. 
 NENÊ PAPÁ 
 AUAU MORDE 
 BONECA 
 ÁGUA 
Assim, podemos dizer que as crianças não nascem com a gramática da sua língua pronta para 
ser usada. Se um bebê, filho de pais americanos for criado por pais japoneses, desenvolverá o 
japonês. Se criado por pais brasileiros, desenvolverá o português. E se a criança não for 
exposta a uma língua durante a infância? E o caso das chamadas “crianças selvagens”? 
Vimos que a explicação behaviorista da aquisição da linguagem não consegue explicar o fato 
de os sistemas linguísticos terem como uma de suas características essenciais a produtividade 
e a criatividade. Assim, podemos dizer que o processo de aquisição não depende da imitação. 
Sabemos que todo indivíduo, exceto aquele com alguma complicação patológica, irá 
desenvolver uma língua. Isso independe de sua condição social. No entanto, é preciso estar 
exposto a um sistema linguístico. 
Há, na literatura, uma série de relatos de casos de crianças que, em virtude de motivos de 
natureza diversa, tiveram o acesso aos dados de um sistema linguístico negado. Por isso, não 
desenvolveram sua língua natural no período da infância, como, normalmente, acontece. 
A história de Mogli, personagem da Disney inspirado no livro de Rudyard Kipling, menino 
criado por lobos, ilustra casos reais como o da menina Genie, um dos casos mais conhecidos 
na literatura. 
Essa criança, que havia sido afastada de qualquer exposição à língua dos 20 (vinte) meses aos 
13 (treze) anos e 7 (sete) meses de vida, quando inserida novamente no convívio social, teve 
o desenvolvimento da linguagem em dois aspectos bastante diferenciados do de crianças 
normais, ou seja, daquelas crianças que adquirem linguagem durante o período normal de 
aquisição de linguagem. 
Se por um lado Genie apresentou uma rápida aquisição do vocabulário, mostrando uma 
habilidade semântica superior àquela alcançada porcrianças normais em igual período de 
tempo, por outro lado, ela apresentou uma pobre elaboração morfológica e um reduzido 
emprego de estruturas sintáticas complexas em sua fala, mostrando uma habilidade sintática 
bastante defasada em relação às crianças normais. 
A partir dessas observações e da análise de testes neuropsicológicos aplicados a Genie, que 
revelaram seu amadurecimento conceptual e sensorial-motor, pode-se concluir que o 
conhecimento cognitivo1 apresentado por Genie não foi suficiente para sua aquisição sintática 
e morfológica. 
1 1. Ref. à cognição, capacidade de aquisição de conhecimento, ou ao conhecimento: 
desenvolvimento cognitivo humano. 
2. Ref. à função e ao processo mental do tratamento das informações (percepção, memória, 
raciocínio etc.) 
3. Psi. Ref. aos processos da mente envolvidos na percepção, na representação, no 
pensamento, nas associações e lembranças, na solução de problemas etc. 
[F.: Do lat. cognitus + -ivo.] (Fonte: Dicionário on-line Caldas Aulete) 
Algumas Teorias de Aquisição 
Noam Chomsky, com sua hipótese inatista, assume que há um componente inato para a 
aquisição da linguagem e independente da cognição. Para ele, a experiência funciona apenas 
como um “gatilho” (do inglês, trigger) para acionar uma capacidade que é inata. 
Para B. F. Skinner, behaviorista, todo comportamento/aprendizado linguístico ou não é 
resultado de um processo de reforço e privação. Segundo a proposta behaviorista, “a criança 
vê a mamadeira (estímulo) e diz „papá‟. Se ela conseguir que lhe deem a mamadeira, será 
reforçada positivamente, „aprenderá‟ que quando quiser comida deve dizer „papá‟”. (SANTOS, 
Raquel. A aquisição da linguagem. In: FIORIN, J. L. (org.) Introdução à linguística, vol. 1. São 
Paulo: Contexto, 2002.). 
O cognitivismo vincula a linguagem à cognição. Essa proposta foi desenvolvida por Jean 
Piaget. Segundo ele, desde o seu nascimento, a criança constrói o conhecimento a partir do 
contato com o meio. Pode-se perceber que a teoria atribui um grande valor à experiência, 
mas não chega a ter base empirista, pois, de acordo com Piaget, a criança é responsável por 
construir o conhecimento com base na experiência com o mundo físico, ou seja, o 
conhecimento está na ação sobre o ambiente. 
“O conhecimento linguístico de uma criança em um determinado momento reflete as 
estruturas cognitivas que foram desenvolvidas antes e que determinam esse conhecimento. 
(...) A linguagem é vista como porta para cognição.” (SANTOS, Raquel. A aquisição da 
linguagem. In: FIORIN, J. L. (Org.) Introdução à linguística. vol. 1. São Paulo: Contexto, 
2002.) 
Debate Chomsky-Piaget 
Em 1975, houve um debate entre Chomsky e Piaget sobre aquisição do conhecimento. 
AULA 4 – O GERATIVISMO E A DICOTOMIA COMPETÊNCIA E 
DESEMPENHO 
Competência Versus Desempenho 
Vamos começar a nossa aula com um teste. Apresente as sentenças abaixo a um grupo de 
indivíduos falantes nativos da língua portuguesa. Selecione indivíduos de diferentes níveis de 
escolaridade e até mesmo analfabetos. Você pode ler ou escrever as sentenças para o seu 
informante. Peça a ele para, com base na própria intuição, dizer qual(is) sentença(s) pode(m) 
ser entendida(s). 
1) Eu comi um bolo delicioso. 
2) Quantas fatias de bolo você já comeu? 
3) Que fatia você comeu quantas do já bolo? 
Certamente, independentemente do nível de escolaridade do seu informante, você terá como 
resposta que a sentença (3) não faz sentido, não é mesmo? Por que isso acontece? 
Uma das preocupações da teoria gerativa é compreender como é possível que os falantes 
nativos de uma língua tenham intuições sobre as construções sintáticas que ouvem e 
produzem. 
A partir dos resultados do teste, foi possível perceber que seus informantes, intuitivamente, 
disseram que (1) e (2) são sentenças possíveis na língua, ou seja, gramaticais. Por outro lado, 
todos avaliaram a sentença (3) como anormal, estranha, não é mesmo? Logo, podemos dizer 
que essa sentença é agramatical, ou seja, causa-nos um estranhamento, não ouvimos 
ninguém falando assim. Por isso, vamos sinalizá-la com um asterisco (*), cuja função é 
marcar essa agramaticalidade: 
1) Eu comi um bolo delicioso. (SENTENÇA GRAMATICAL) 
2) Quantas fatias de bolo você já comeu? (SENTENÇA GRAMATICAL) 
3) Que fatia você comeu quantas do já bolo? (SENTENÇA AGRAMATICAL) 
Como conseguimos reconhecer sentenças gramaticais e agramaticais? Só conseguimos isso 
porque temos um conhecimento implícito da nossa língua. Todos os falantes nativos de uma 
língua, independentemente de terem ou não frequentado a escola, apresentam esse 
conhecimento, que é inconsciente e natural e não está, de modo algum, relacionado ao 
conhecimento das regras normativas da língua. 
Ao fazer a atividade, você percebeu o quanto a intuição do falante sobre o que faz parte ou 
não da nossa língua é importante. Além disso, foi possível notar que os conceitos de 
gramaticalidade/agramaticalidade não recobrem, de modo algum, os conceitos de “certo” e 
“errado” estabelecidos pela gramática normativa. 
Para os gerativistas, esse conhecimento intuitivo e internalizado que temos é chamado de 
competência linguística. Quando essa competência é colocada em uso, temos o desempenho 
linguístico do indivíduo, ou seja, o uso concreto da língua. 
Objeto de Estudo da Linguística para Chomsky: A Competência Linguística 
Chomsky estabelece uma distinção entre a competência linguística do falante e seu 
desempenho. A proposta teórica gerativa assume que à Linguística interessa o estudo da 
competência1. 
1 Competência: é o conhecimento subjacente e internalizado que o falante tem de sua língua. 
Graças à competência, os falantes apresentam um conhecimento ilimitado do seu sistema 
linguístico. Assim, conseguem perceber se uma determinada sentença é gramatical ou 
agramatical, ou seja, se obedece ou não às regras de combinação do seu sistema linguístico. 
E o que é o desempenho? 
DESEMPENHO (ou performance): é uso que o falante faz da língua. O desempenho relaciona-
se ao que Saussure denominou fala. Vale lembrar que o desempenho linguístico de um 
indivíduo está relacionado a diversos fatores como atenção, memória, visão de mundo etc. Por 
exemplo, se um indivíduo for tímido e falar pouco, isso não significa que a sua competência 
linguística é inferior a de outros indivíduos. A questão envolve apenas a sua atuação, mas não 
o seu conhecimento internalizado. 
LEIA UM COMENTÁRIO IMPORTANTE SOBRE AS DICOTOMIAS “LÍNGUA X FALA” E 
“COMPETÊNCIA X DESEMPENHO” 
Embora o conceito de fala de Saussure e o conceito de desempenho de Chomsky sejam 
equivalentes, na visão do linguista estruturalista, a principal função da língua é a interação 
social. Para Chomsky, a língua apresenta uma função cognitiva. 
Vamos observar mais alguns exemplos: 
1) Vou comprar dois pão. 
2) Vou comprar dois pães. 
3) *Comprar dois vou pães. 
Um falante nativo da Língua Portuguesa saberá que é possível produzir enunciados como (1) e 
(2), mas que (3) é um enunciado que não faz parte da língua e é, por isso, agramatical (*). 
Produzir “dois pão” ou “dois pães” é apenas uma diferença percebida no desempenho, que 
não se relaciona ao conhecimento linguístico que o falante tem internalizado. (1) e (2), 
portanto, apresentam a mesma estrutura. 
A análise linguística, segundo Chomsky, deve descrever as regras que governam a estrutura 
da competência. Para ele, os linguistas não devem investigar o desempenho, ou seja, o 
comportamento do indivíduo, mas sim a competência dos falantes, já que ela é puramente 
linguística. Assim, Chomsky considera que a Linguística pode contribuir para a compreensão 
da organização da mente humana. 
A Noção de Constituinte e a Representação Arbórea 
Com o objetivo de descobrir o que há de universal na linguagem humana, o primeiro modelo 
teórico gerativista, chamado de gramática transformacional, passou por várias mudanças ao 
longo dasdécadas de 1960 e 1970. Como afirma Kenedy (2009, p.131), “os objetivos dessa 
fase do gerativismo consistiam em descrever como os constituintes das sentenças1 eram 
formados e como tais constituintes transformavam-se em outros por meio da aplicação de 
regras”. 
1 Segundo Mioto et al. (2005), um constituinte é “uma unidade sintática construída 
hierarquicamente, embora se apresente aos olhos como uma sequência de letras ou aos 
ouvidos como uma sequência de sons” (MIOTO et al., 2005, p. 45) 
Desse modo, a partir de um conjunto limitado de regras sintáticas, os indivíduos são capazes 
de produzir infinitas sentenças gramaticais. Assim, essas sentenças são formadas a partir da 
combinação dos constituintes e da aplicação de determinadas regras capazes de formar outras 
sentenças. Como o foco da investigação gerativista é a sintaxe, busca-se descrever essas 
regras sintáticas que possibilitam a “geração” de infinitos enunciados. Por essa razão, pode-se 
pensar em uma “metáfora computacional” por converter a língua em um algoritmo 
matemático. 
Vejamos, abaixo, a representação arbórea1 apresentada em Kenedy (2009): 
1 Pode-se dizer diagrama arbóreo, representação arbórea, árvore sintática, ou, simplesmente, 
árvore. 
 
 
 
 
Temos uma sentença (S) “O estudante leu o livro.”, formada por um sintagma nominal (SN) 
“o estudante” e o sintagma verbal (SV) “leu o livro”. Por sua vez, percebemos que o SN é 
formado pelo determinante (DET) “o” e pelo nome “estudante”. Já no SV “leu o livro”, temos o 
verbo (V) e o SN “o livro”, que funciona como seu complemento. 
Tendo como base essa regra sintática (S → SN SV), você já pensou em quantos enunciados 
podemos produzir? 
Veja mais árvores apresentadas em Kenedy (2009). Dessa vez, temos duas estruturas 
diferentes. Além da voz ativa, temos também a representação da sentença na voz passiva, 
formada a partir da primeira, que é considerada a sua estrutura de base. Como mostra o 
autor, para “dar conta da relação entre estruturas diferentes, mas relacionadas, os gerativistas 
formularam as regras transformacionais. Essencialmente, uma transformação forma uma 
estrutura a partir de uma outra previamente existente. 
Transformação Passiva 
Regras de Transformação: 
 Seleção do verbo “SER” + “particípio”; 
 Movimento de objeto para a posição de sujeito; 
 Manifestação do agente com Sintagma Preposicionado (SP). 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A estrutura previamente formada é chamada de estrutura profunda, e a estrutura dela 
derivada chama-se estrutura superficial” (KENNEDY, 2009, p. 132). 
Como entender mais sobre o nosso sistema linguístico? 
Tendo como objetivo ressaltar o lado biológico do Gerativismo, proposto por Chomsky, 
estudos sob essa perspectiva procuram verificar o modo como a linguagem está representada 
no cérebro. O foco desses estudos pode ser o processo de aquisição ou de perda da 
linguagem. 
Assim, com o estudo sobre a aquisição da linguagem, busca-se explicar a relação que se 
estabelece entre a capacidade inata da criança para o desenvolvimento linguístico da 
Gramática Universal (GU) e a experiência linguística a qual ela é exposta na formação da 
gramática particular de sua língua. 
A partir do estudo sobre as patologias da linguagem, busca-se avaliar teorias linguísticas sobre 
indivíduos normais e chegar à organização da linguagem, objetivando entender mais a 
respeito da representação da linguagem na mente/cérebro. 
A fim de entendermos como funciona a linguagem, tendo o cérebro humano como base, 
surgiram os estudos de patologia da linguagem, como os de afasia – a qual se caracteriza por 
ser um déficit especificamente linguístico decorrente de lesão em uma ou mais áreas 
relacionadas à linguagem no cérebro – que se mostraram muito importantes nos estudos 
neurolinguísticos (cf. TAVARES, 2008). 
Uma das críticas mais frequentes aos estudos gerativistas diz respeito ao fato de o foco 
central da teoria ter sido o desenvolvimento da competência linguística no nível da sintaxe. 
Alguns críticos, embora aceitem a distinção competência versus desempenho proposta por 
Chomsky, desenvolvem um modelo que contempla, além do componente sintático, os 
componentes fonológico e semântico. No entanto, há outros críticos que, severamente, 
rejeitam a ênfase dedicada pelo modelo gerativista à investigação sobre a natureza da 
representação da competência dos falantes. Para eles, o desempenho dos falantes deve ser 
considerado e investigado. 
AULA 5 – A SOCIOLINGUÍSTICA: VARIAÇÃO E MUDANÇA NAS LÍNGUAS 
No Gerativismo, vimos que, apesar de todos os seres humanos nascerem dotados de uma 
capacidade genética, desenvolvemos a língua a que fomos expostos quando criança. Nós, 
nascidos no Brasil e criados por pais brasileiros, desenvolvemos a Língua Portuguesa. A 
questão é: a Língua Portuguesa é utilizada da mesma maneira por todos os seus falantes 
nativos? Quais diferenças podem ser observadas? 
Veja alguns exemplos que ilustram a nossa realidade linguística: 
 “Ai, que blusinha bonitinha!” 
 “Mas guri, o que tu estás fazendo?” 
 “Vixe, que carro arretado!” 
 “Como é a sua graça?” 
 “Fala, brou. Tá ligado?” 
Os exemplos apresentados ilustram a nossa realidade linguística. Ao observarmos as pessoas, 
em situações reais de comunicação, perceberemos que a língua falada é heterogênea e 
diversificada. No entanto, por que será que, apesar de tanta heterogeneidade, conseguimos 
nos entender? Será que podemos usar a língua de uma maneira aleatória e arbitrária? Vamos 
refletir sobre isso com a Sociolinguística. 
A Sociolinguística é uma corrente da Linguística que tem como objeto de estudo a língua. 
“Para essa corrente, a língua é uma instituição social e, portanto, não pode ser estudada como 
uma estrutura autônoma, independente do contexto situacional, da cultura e da história das 
pessoas que a utilizam como meio de comunicação.” (CEZARIO, Maria Maura & VOTRE, 
Sebastião. Sociolinguística. In: MARTELOTTA, Mário (Org.) Manual de Linguística. São Paulo: 
Contexto, 2009) em uso real, relacionando a estrutura linguística e aspectos extralinguísticos 
do indivíduo que a utiliza, tais como sexo, idade, escolaridade, região em que vive, nível de 
escolarização etc. Por isso, tem como foco principal a questão da variação linguística. 
Como a Sociolinguística Começou? 
As correntes teóricas vigentes no início do século XX, Estruturalismo e Gerativismo, não 
demonstraram preocupação com a variação linguística, pois não tinham como objeto de 
estudos a fala. Saussure a desprezava devido ao seu caráter individual e heterogêneo. 
Chomsky, por sua vez, utilizava os dados fornecidos pelo desempenho apenas como um 
caminho para entender mais a competência linguística. 
Embora a preocupação com a variação linguística tenha surgido por volta de 1930, o termo 
“sociolinguística” surge pela primeira vez em 1950 e passa a designar uma importante 
corrente linguística em 1960, com a influência de alguns autores, dentre eles, William Labov. 
Em nossa disciplina, teremos como foco a chamada “Sociolinguística Variacionista” ou “Teoria 
da Variação”, proposta por William Labov, nos Estados Unidos, na década de 1960. Labov foi 
o responsável por destacar a importância dos fatores sociais na explicação da variação 
linguística. Seus estudos reforçavam a ideia de que havia uma regularidade por trás do 
aparente “caos” da realidade do uso linguístico. Para ele, a Linguística possui um caráter 
social. Por isso, em suas análises, o linguista não deve abstrair a língua de seu uso real, uma 
vez que o indivíduo a desenvolve e dela se utiliza para poder viver em sociedade. 
 
 
Fenômenos Inerentes às Línguas do Mundo: Variação e Mudança Linguística 
Todos nós vivemos em uma sociedade e já sabemos que isso só é possível porque dominamos 
o mesmo sistema linguístico. Nós somos “linguistas natos” (embora muitas pessoas não 
tenham ainda parado para pensar nisso), poissomos capazes de tecer algumas considerações 
sobre o nosso sistema linguístico com muita propriedade. 
Por exemplo, conseguimos distinguir enunciados que não fazem parte da nossa língua (“The 
book is on the table.”), identificar sentenças que não foram bem estruturadas (“Menino o vi 
eu.”), reconhecer diferentes pronúncias (“m/é/nino”, “m/ê/nino”, “m/i/nino”) etc. 
O mais interessante é que tudo isso independe do nosso nível de escolarização. Indivíduos 
com pouquíssima ou nenhuma escolarização são capazes de perceber quando duas pessoas 
são “estrangeiras” ao ouvi-las conversar, o que mostra seu reconhecimento do que faz ou não 
parte da língua que fala. 
A nossa atuação como “linguistas” nos possibilita perceber que a Língua Portuguesa não é 
falada da mesma maneira por todos os indivíduos em todas as regiões do Brasil. Também 
sabemos que o modo como a nossa língua é utilizada hoje não é igual ao modo como era 
utilizada no século passado. Por quê? 
A língua é essencialmente dinâmica. Segundo a Sociolinguística, devemos entender que a 
variação e a mudança linguísticas são fenômenos inerentes às línguas. 
No entanto, essa percepção não é percebida pela maioria dos indivíduos. É comum ouvirmos 
algumas pessoas comentarem que “a nossa língua está piorando”, “a nossa língua está sendo 
deturpada” etc. Há pessoas que dizem que os brasileiros são muito criativos e gostam de 
“inventar” novas formas linguísticas. Ainda há aqueles que dizem que os brasileiros são 
preguiçosos e, por isso, mudam o modo como as palavras são pronunciadas. 
Todavia, é preciso ter em mente que a variação e a mudança não são fenômenos exclusivos 
da Língua Portuguesa. Todos os sistemas linguísticos apresentam esses dois fenômenos. 
Pode-se usar como exemplo desse fato a Língua de Sinais Brasileira (LIBRAS), que, apesar de 
ser uma língua visoespacial, é um sistema linguístico como qualquer outro e, por isso, 
apresenta a variação linguística. 
Os Sotaques dos Sinais (Rachel Bonino) 
Paola Ingles Gomes cursa a 8ª série em São Paulo em uma tradicional escola municipal para 
deficientes auditivos no bairro da Aclimação, a Helen Keller. Como outros colegas 
adolescentes, costuma ir à festa junina promovida pelo Instituto Santa Teresinha, um evento 
que virou referência entre estudantes surdos de todo o país. 
Paola conversava com um amigo de outro estado numa dessas comemorações anuais quando, 
entre risos, sinalizou que ele era um "palhaço", um tolo. O sinal usado indicava uma bola no 
nariz, assim como usam os palhaços. O rapaz não entendeu a "gíria" e coube a Paola indicar o 
contexto da palavra, por meio de outros sinais. 
Casos assim se repetem a cada interação entre deficientes auditivos de regiões diferentes, 
mas que adotam a mesma gramática gestual adotada pela LIBRAS, sigla para Língua de Sinais 
Brasileira. Nesse universo sem sons, há gírias, regionalismos e até mesmo o que podemos 
chamar de sotaques. (Adaptado do artigo Os sotaques dos Sinais. Revista Língua Portuguesa.) 
É importante destacar que toda mudança pressupõe variação, mas a existência de formas em 
variação não implica a ocorrência de mudança. Vamos ilustrar com o pronome “você”. 
Sabemos que o “você” vem do pronome de tratamento Vossa Mercê. A trajetória de mudança 
pode ser assim descrita: 
Vossa Mercê > vosmecê > vossuncê > suncê > você > cê. 
Você acha que a mudança de “vossa mercê” para “você” aconteceu do dia para a noite? 
Não! Ao longo do processo de mudança, provavelmente as formas coexistiram, ou seja, havia, 
na mesma época, indivíduos que produziam “vossa mercê”, enquanto outros, “vosmecê”. 
Podemos comparar o processo como uma luta de boxe. Há duas formas “lutando”, ou seja, 
coexistindo em um sistema linguístico, até que uma delas “vença” a luta e passe a existir 
sozinha. 
Em uma língua, para que a mudança seja efetivada, há etapas em que a forma linguística 
passa por um processo de variação e, nesse caso, as formas coexistem até que uma delas 
caia em desuso e a outra continue sendo utilizada. Atualmente, no português brasileiro, 
percebemos a utilização, em alguns contextos, das formas “você” e “cê”. Por enquanto, as 
duas formas não são intercambiáveis em todos os contextos. 
Podemos produzir: “Você vai lá?” ou “Cê vai lá?”, mas não “Cê e o João vão lá?”, que seria um 
enunciado agramatical. Por isso, não podemos dizer se o “você” vai deixar de ser utilizado a 
favor do “cê”. 
Tipos de variação linguística: geográfica (ou diatópica), social (ou diastrática), e de registro 
(ou diafásica). 
Com a Sociolinguística, foi possível estabelecer alguns tipos de variação linguística. 
Destacaremos, aqui, três tipos básicos: 
 Variação geográfica (ou diatópica) – está relacionada a diferenças linguísticas que 
ocorrem em função do espaço físico. 
Exemplo: Português Brasileiro (PB) e Português Europeu (PE) 
Vejam, em (1), um trecho da edição brasileira do livro O diário de um mago de Paulo Coelho 
e, em (2), da tradução portuguesa. 
(1) "Tirou de dentro uma garrafa de vinho, tomou um gole e me estendeu. Enquanto eu 
bebia, perguntei quem era o cigano. (....) 
- Você não está me respondendo. Vocês dois se olharam como velhos conhecidos. E eu tenho 
a impressão de que conheço ele também (....)" 
(2) "Tirou de dentro uma garrafa de vinho, tomou um gole e estendeu-ma. Enquanto bebia, 
perguntei quem era o cigano. (....) 
- Não estás a responder-me. Ambos se olharam como velhos conhecidos. E tenho a impressão 
de que também o conheço (....)" 
 Variação social (ou diastrática) – são as variações percebidas entre grupos 
socioeconômicos. Compreende os seguintes fatores: idade, sexo, profissão, nível de 
escolarização, classe social. 
Veremos agora um exemplo de variação social. 
O trecho de Paulo Mendes Campos ilustra a questão da variação em função da idade dos 
indivíduos: 
"Outro dia um senhor de cinquenta anos me falava da mãe dele mais ou menos assim: 
- Se há alguém que eu adoro neste mundo é minha mãezinha. Ela vai fazer 73 anos no dia 19 
de maio. Está forte, graças a Deus, e muito lúcida. Há 41 anos que está viúva, papai, coitado, 
faleceu muito moço... (...) 
Deu-se que no mesmo dia encontrei um rapaz de 18 anos, que contou mais ou menos assim: 
- Velha bacaninha é a minha. Quando ela está meio adernada, mais prá lá do que prá cá, ela 
ainda me dá uma broncazinha. Bronca de mãe não pega, meu chapa. Eu manjo ela todinha: lá 
em casa só tem bronca quando ela encheu a cara demais. A velha toma prá valer!..." 
 Variação de registro (ou diafásica) – observa-se, neste tipo de variação, o grau de 
formalidade do contexto comunicativo ou do canal utilizado para a comunicação (a fala, 
o e-mail, o jornal etc.) 
Exemplo: Leia a transcrição de um trecho da fala do ator Plínio Marcos ao dirigir-se aos 
detentos da Casa de Detenção de São Paulo para ensinar formas de prevenção contra a AIDS. 
 “Aqui é bandido: Plínio Marcos. Atenção, malandragem! Eu num vô pedir nada, vô te dá um 
alô! Te liga aí: AIDS é uma praga que rói até os mais forte, e rói devagarinho. Deixa o corpo 
sem defesa contra a doença. Quem pegá essa praga está ralado de verde e amarelo, de 
primeiro ao quinto, e sem vaselina. Num tem dotô que dê jeito, nem reza brava, nem choro, 
nem vela, nem ai, Jesus. Pegou AIDS, foi pro brejo! Agora sente o aroma da perpétua: AIDS 
pega pelo esperma e pelo sangue, entendeu? Pelo esperma e pelo sangue. Eu num tô te 
dando esse alô pra te assombrá, então se toca! Não é porque tu tá na tranca que virou anjo. 
Muito pelo contrário, cana dura deixa o cara ruim! Mas é preciso que cada um se cuide, 
ninguém pode valê prá ninguém nesse negócio de AIDS. Então, já viu: transá, só de acordo 
com o parceiro, e de camisinha!” 
AULA 6 – A PESQUISA SOCIOLINGUÍSTICA 
No processo de variação linguística, podemos perceber que algumas variantes são mais 
aceitas que outras. Além disso, é preciso considerar as variáveis linguísticas e extralinguísticasrelevantes para descrever o fenômeno que se está estudando. Mas afinal, o que é variante 
linguística? E variável? 
As Noções de Variável e de Variante 
O objetivo da Sociolinguística é estudar a língua em seu contexto social, isto é, em situações 
reais de uso. Utiliza-se, portanto, como ponto de partida, os dados obtidos da fala de 
indivíduos que pertencem a uma comunidade linguística (ou comunidade de fala)1. 
1 “Um conjunto de pessoas que interagem verbalmente e que compartilham um conjunto de 
normas com respeito aos usos linguísticos. Em outras palavras, uma comunidade de fala se 
caracteriza não pelo fato de se constituir por pessoas que falam do mesmo modo, mas por 
indivíduos que se relacionam, por meio de redes comunicativas diversas, e que orientam seu 
comportamento verbal por um mesmo conjunto de regras. (...) A depender do alcance e dos 
objetos de um trabalho de natureza sociolinguística, podemos selecionar e descrever 
comunidades de fala como a cidade de New York ou a cidade do Rio de Janeiro, de São Paulo, 
de Belém. Ou o povo ianomâmi, que vive no Estado do Amapá. Ou, ainda, as comunidades 
dos pescadores do litoral do Estado do Rio de Janeiro, da ilha de Marajó, dos estudantes de 
Direito, dos rappers etc.” (ALKMIM, Tânia Maria. Sociolinguística: parte I. In: MUSSALIM, F.; 
BENTES, A. C. (Orgs.). Introdução à Linguística: domínios e fronteiras. v.1. São Paulo: Cortez, 
2001). 
Ao analisarmos uma comunidade linguística, podemos perceber a existência de diferentes 
modos de falar, ou seja, há variedades linguísticas. Por trás do “caos linguístico”, é possível 
identificar regularidade e sistematicidade na variação. 
O que é um sociolinguista? 
Sociolinguista é o linguista que se especializou na área da Linguística chamada 
Sociolinguística. A tarefa desse profissional é entender os contextos que favorecem essa área. 
Vamos ilustrar o conceito de variante e de variável linguística com a variação nos pronomes 
pessoais na primeira pessoa do plural, exemplo citado em Cezario e Votre (2009): 
 “A gente fala muito.”; “Nós falamos muito.” 
 O que você está fazendo? 
 Estou escrevendo um texto, mas estou em dúvida de qual texto deixar. 
 “Nós” e “a gente” são formas utilizadas pelos falantes da Língua Portuguesa e aceitas pelas 
pessoas em geral. É possível pensar que, em uma situação comunicativa, produzir “nós 
falamos” possa ser considerado mais formal do que “a gente fala”, mais informal. Temos, 
portanto, duas variantes1 para a utilização do pronome. 
1 “O termo „variante‟ é utilizado para identificar uma forma que é usada ao lado de outra na 
língua sem que se verifique mudança no significado básico.” (CEZARIO, Maria Maura; VOTRE, 
Sebastião. Sociolinguística. In: MARTELOTTA, Mário (Org.) Manual de linguística. São Paulo: 
Contexto, 2009). 
Uma pesquisa sociolinguística sobre o assunto teria como foco investigar em que contexto 
social um indivíduo escolheria produzir uma forma e não outra, se há diferenças nos usos de 
“nós” e de “a gente” na fala de adultos, jovens e crianças, se indivíduos analfabetos e 
escolarizados produzem mais uma forma do que outra, se a diferença relaciona-se ao nível 
socioeconômico do indivíduo etc. 
O conjunto de variantes linguísticas é denominado “grupo de fatores” ou “variável linguística”. 
Podemos ter variáveis linguísticas e extralinguísticas. As primeiras referem-se às motivações 
linguísticas para que certa variante seja utilizada (por exemplo, verbos que motivem o uso de 
“a gente” em lugar de “nós”). 
Pode-se dizer que são as motivações internas à língua (fatores fonológicos, morfológicos, 
sintáticos etc.). As segundas referem-se a aspectos relacionados ao indivíduo que produziu a 
variante, tais como: sexo, idade, escolaridade, classe social a que pertence, grau de 
formalidade da situação comunicativa, região em que vive etc. 
 A gente fala? 
 Nós falamos! 
 A gente falamos? Ou nós fala? 
Além de “a gente fala” e “nós falamos”, poderíamos pensar em outras possibilidades também 
muito frequentes: “a gente falamos” e “nós fala”. Essas duas variantes são consideradas mais 
estigmatizadas, ou seja, ao produzir uma dessas duas formas, o indivíduo pode sofrer algum 
tipo de preconceito. O importante, para o sociolinguista, é identificar o que motiva o 
fenômeno da variação. 
Importante! Veja como representar uma variável e uma variante, tendo como base a questão 
da concordância, fenômeno em variação no Português Brasileiro. 
Quando a variável indica o fenômeno em variação, ela aparece entre parênteses angulares 
(<>). Assim, no caso da marcação de plural do sintagma nominal, em Língua Portuguesa, a 
variável seria <s>. No entanto, as formas linguísticas em variação são representadas por 
colchetes ([ ]). No caso da marcação de plural do sintagma nominal, as variantes são [s] e [Ø] 
(as casas amarelas/as casaØ amarelaØ). 
Como a Sociolinguística preocupa-se em investigar a relação entre língua e sociedade, a 
análise da fala de um indivíduo permite-nos identificá-lo. Assim, diferenciamos cada 
comunidade e refletimos sobre a inserção do indivíduo em diferentes grupamentos, estratos 
sociais, faixas etárias e níveis de escolaridade: “O indivíduo, inserido numa comunidade de 
fala, partilha com os membros dessa comunidade uma série de experiências e atividades. Daí 
resultam várias semelhanças entre o modo como ele fala a língua e o modo dos outros 
indivíduos. 
Nas comunidades organizam-se grupamentos de indivíduos constituídos por traços comuns, a 
exemplo de religião, lazeres, trabalho, faixa etária, escolaridade, profissão e sexo. 
Dependendo do número de traços que as pessoas compartilham, e da intensidade da 
convivência, podem constituir-se subcomunidades linguísticas, a exemplo dos jornalistas, 
professores, profissionais da informática, pregadores e estudantes.” (VOTRE, S.; CEZARIO, M. 
Sociolinguística. In: MARTELOTTA, E. (Org.) Manual de linguística. São Paulo: Contexto, 
2009). 
Podemos, assim, ilustrar a relação entre língua e aspectos sociais com a diferença na fala de 
homens e mulheres. O modo como homens e mulheres usam a língua vai depender dos 
papéis desempenhados por esses elementos na sociedade. Em zulu, uma língua falada na 
África, a mulher é proibida de pronunciar algumas palavras (nome do genro, por exemplo, e 
palavras que apresentem semelhança fônica com o nome do genro). 
 “Umánzi” (nome do genro) E “mánzi” (“água”). 
 “Esta é a minha mulher”; “Este é o meu homem” 
Em português, embora o marido possa dizer “Esta é a minha mulher”, não é possível que a 
mulher produza “Este é o meu homem”, pois em determinados contextos, esse enunciado soa 
vulgar. (VOTRE; CEZARIO, 2009, p. 149). 
O objeto de estudo da pesquisa sociolinguística é a língua falada em situações reais de 
comunicação. Busca-se, a partir da análise da fala espontânea, descrever e explicar o modo 
como o falante faz uso da língua. 
Fenômenos Linguísticos em Variação no Português Brasileiro 
Agora que já sabemos que, no que se refere à língua, não há usos melhores ou piores, feios 
ou bonitos, vamos conhecer alguns fenômenos linguísticos em variação no Português do 
Brasil? 
Observe o diálogo abaixo: 
 “Você viu a Cráudia?” 
 “Eu vi ela na lojinha da esquina, consertano uma rôpa.” 
 “Será que ela vai trazê os livro novo que pedi?” 
 “Não sei. É melhor esperar ela.” 
A análise do diálogo apresentado nos permite verificar os seguintes fenômenos linguísticos em 
variação no português brasileiro: 
a) Eliminação das marcas de plural redundantes (os livros novos/os livro novo) 
b) Assimilação: transformação do –ndo em –no (consertando > consertano). 
c) Retomada do objeto direto anafórico (Você viu a Cláudia? Sim, eu a vi. Sim, eu vi ela. 
Sim, eu vi Ø.). 
d) Redução do ditongo OU (roupa > rôpa). 
e) Rotacismo: troca do “l” pelo “r” (Cráudia, Framengo, pranta). 
AULA 7 – A NOÇÃO DE ERRO PARA A SOCIOLINGUÍSTICA 
A Relação entre Línguae Sociedade 
“Os m/ê/ninUs foram buscá a r/ô/pa correndo.” 
“Os m/é/ninUs foram buscá a r/ô/pa correndo.” 
“Os m/i/ninU foi buscá a r/ô/pa correNO.” 
 “Os m/é/ninUs foram buscá a r/ô/pa correndo.” 
Vamos começar a nossa aula com um teste. Analise como cada uma delas produziu a 
sentença “Os meninos foram buscar a roupa correndo.”. Após analisar o modo como a 
sentença foi produzida por cada uma das personagens, assinale a forma correta. 
O que podemos concluir da atividade proposta? Há uma forma “correta” de se produzir a 
sentença oralmente? O que fez você julgar que uma forma era “melhor” que outra? Quem são 
os indivíduos que produziriam a sentença como o personagem 2? Como o personagem 3? 
Para responder a essas perguntas, vamos discutir alguns assuntos importantes nesta aula. 
Voltando à atividade proposta no início da aula, todos nós conseguimos entender o que as 
personagens queriam dizer. Reconhecemos que, apesar de a sentença ter sido escrita de uma 
forma – segundo os padrões normativos – tivemos diferentes modos de produção oral. 
 Analisando as produções orais da sentença “Os meninos foram buscar a roupa correndo.”, 
somos capazes de perceber algumas semelhanças e diferenças. Vimos, por exemplo, que 
todas as personagens: 
A) produziram os elementos linguísticos na mesma ordem (sujeito + verbo); 
B) utilizaram os fonemas da Língua Portuguesa; 
C) usaram os mesmos itens lexicais (menino, roupa). 
A análise do modo como a sentença foi produzida nos possibilita perceber que há aspectos em 
comum (a supressão do –r do infinitivo - “buscá”) e aspectos distintos (variação na pronúncia 
da palavra “menino”; concordância verbal – “os meninos foram”/ “os menino foi”) na 
produção oral das personagens. 
Sabemos que a comunicação é fundamental para a vida em uma sociedade. Por isso 
precisamos compartilhar o mesmo código, ou seja, a mesma língua. Vimos que a língua 
apresenta variações que podem ocorrer em função do grupo, da região geográfica, do 
contexto. 
Desse modo, reconhecemos que há variedades de uso da língua. No entanto, analisando essas 
variedades, percebemos que há muitos elementos gramaticais e lexicais que são comuns a 
elas. Por isso, todos os indivíduos que compartilham a mesma língua conseguem se entender 
muitíssimo bem. 
A Noção de Erro para a Sociolinguística e a Questão do Preconceito Linguístico. 
Por que não há erro nos diferentes modos de produzir a sentença “Os meninos foram buscar a 
roupa correndo.”? 
Para a Sociolinguística, não há erro, mas sim diferenças que são passíveis de serem explicadas 
pela teoria linguística. O que acontece, geralmente, é um comportamento de intolerância 
linguística que leva à rejeição certas variedades de uso da língua. Deve-se observar que um 
item pode ser considerado „errado‟ pelas regras de gramática normativa, mas não pelas regras 
do grupo a que o falante pertence. 
Vejamos um trecho da transcrição da entrevista oral do informante Francisco, que faz parte do 
corpus do Grupo de Estudos Discurso e Gramática. Nela, o entrevistador pergunta ao 
informante o modo de fazer a massa de pão, e ele responde: 
“Bota a massa na masseira... eh... tanto... não... tanto que bota... bota... duas lata na 
masseira... eh... quatr/ eh... duzentas gramas de ( ) que é uma química que tem... bota... 
eh... fermento... aí bota a masseira pra bater... no:: normal dela e depois bota ela/ aumenta 
ela... (sem ter) limite... pra ela bater... pra aprontar a massa... depois da massa ( ) passa 
na... na modeladora... depois da::/ depois passa na divisora... aí bota em cima da mesa e 
separa... os pedaços de cima da mesa... (Informante Francisco, CA supletivo. VOTRE, 
Sebastião Josué; OLIVEIRA, Mariângela Rios de (Orgs.) Corpus Discurso & Gramática. A língua 
falada e escrita na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: UFRJ, 1995. (mimeogr.). 
No trecho apresentado, percebemos algumas formas que vão de encontro aos usos prescritos 
pelo padrão. 
 
 
“duas lata” EM LUGAR DE duas latas 
“duzentas gramas” EM LUGAR DE duzentos gramas 
“bota ela”/ “aumenta ela” EM LUGAR DE bote-a/aumente-a 
 
Deve-se levar em consideração que o papel dos gramáticos é descrever regras de 
funcionamento da língua, tendo como base a norma padrão, um modelo ideal de língua que 
deve ser ensinado e aprendido na escola e utilizado pelos falantes cultos, ou seja, aqueles 
indivíduos com alto nível de escolarização. Usos como os apresentados na transcrição, embora 
não sejam estabelecidos pela norma padrão, são comuns em outras variedades de uso da 
língua, rotuladas como “impróprias”, “inadequadas”, “erradas”. 
Assim, surgem as distinções entre variedade padrão versus variedades não padrão, variantes 
de prestígio versus variantes estigmatizadas. Por razões que não são linguísticas, algumas 
variedades de uso da língua acabam adquirindo certo prestígio, enquanto outras não. 
Para ilustrar o prestígio de um determinado dialeto em detrimento de outros, assista ao trecho 
do filme Lisbela e o Prisioneiro. Observe a fala do personagem Douglas, um pernambucano 
com sotaque carioca, vivido pelo ator Bruno Garcia. No filme, Douglas, após ter passado um 
período no Rio de Janeiro, volta à terra natal com um sotaque carioca, pois ele o considera 
prestigioso. 
Por Que Existe o Preconceito Linguístico? 
De um modo geral, há, na sociedade, várias formas de preconceito: em relação ao sexo, à 
raça, à opção sexual etc. Pode-se dizer que o preconceito linguístico é apenas um desses 
tipos. O estigma que certas variedades de uso da língua adquirem não tem relação com 
fatores linguísticos, mas sim extralinguísticos, tais como desprestígio social, econômico, 
cultural, político, entre outros. Assim, julga-se o indivíduo pelo modo como utiliza a língua sem 
levar em conta outros fatores como seu nível de escolarização, a classe social à qual pertence 
etc. 
Para a Sociolinguística, o preconceito linguístico não possui embasamento científico já que, 
segundo pesquisas, cada época determina o que considera como forma padrão, ou seja, as 
línguas mudam e a definição de „certo‟ também. Podemos destacar, como exemplos, as 
formas “dereito”, “despois”, “premeiramente”, encontradas no texto de Pero Vaz de Caminha 
(1500), que faziam parte do português padrão daquela época. 
Por fim... 
Devemos entender que um indivíduo com pouca ou nenhuma escolarização não pode 
apresentar o mesmo desempenho linguístico de um indivíduo com o ensino superior. Um 
indivíduo altamente escolarizado passou por anos de escolarização e pôde ter acesso à norma 
padrão, diferentemente do primeiro indivíduo. 
Devemos entender que não podemos estabelecer julgamentos de valor, pois as diferenças 
linguísticas existem. Assim, não há variante boa ou má, dialeto superior ou inferior, língua rica 
ou pobre. 
AULA 8 – O FUNCIONALISMO: PRESSUPOSTOS TEÓRICOS BÁSICOS 
Vamos iniciar a nossa aula com um desafio. Analise os dois enunciados abaixo: 
 “Você é bonita.” 
 “Bonita é você.” 
Você acha que podemos usar o enunciado (1) e o enunciado (2) em qualquer contexto ou que 
há contextos que vão favorecer a utilização de (1) e não de (2)? 
O desafio é criar dois contextos distintos: um em que, certamente, usaríamos o enunciado (1) 
e outro em que usaríamos o (2). Vamos ao trabalho? 
Cena 1: 
 “Minha nossa! Não sei com qual roupa irei ao encontro de hoje com o João. Além disso, 
meu cabelo está horrível!” 
 “Você é bonita. Não se preocupe! Você ficará bem com qualquer roupa.” 
Cena 2: 
 “Menina! Sua pele é ótima! Seu cabelo é incrível! Adorei o seu visual! Você é bonita!” 
 “Que nada! Bonita é você.” 
Você, provavelmente, criou contextos muito próximos dos apresentados aqui. Intuitivamente, 
perceberam uma diferença nas sentenças, já que não tiveram dificuldades de pressupor em 
qual situação comunicativa o enunciado (1) seria utilizado e não o (2), ou vice-versa. 
A tarefa nos leva a pensar se devemos tratar essesenunciados como sentenças diferentes ou 
como versões alternativas para dizer a mesma sentença. Vamos refletir sobre isso com base 
no Funcionalismo? 
Um breve histórico do Funcionalismo: o funcionalismo europeu e o surgimento do 
funcionalismo americano. 
O Funcionalismo surge como um movimento da corrente estruturalista. Muitos autores 
(CUNHA, 2009; CUNHA, OLIVEIRA & MARTELOTTA, 2003) atribuem aos linguistas do Círculo 
Linguístico de Praga, fundado em 1926, as primeiras análises de cunho funcionalista, pois, 
para eles, a língua é um “sistema funcional” e, por isso, deve ser usada para um determinado 
fim. As ideias dos funcionalistas de Praga foram fundamentais para os trabalhos de orientação 
funcionalista que surgiram posteriormente. 
Os linguistas de Praga focalizavam as funções associadas à organização interna do sistema 
linguístico como na fonologia. Os modelos funcionalistas mais recentes ocupam-se em 
investigar “as funções que a linguagem pode desempenhar nas situações comunicativas, 
dando maior ou menor peso aos aspectos cognitivos relacionados à comunicação.” (CUNHA, 
2009, p.159) 
Na década de 70, na Costa Oeste dos Estados Unidos, como uma reação à linguística 
formalista, realizada pelos estruturalistas e pelos gerativistas, surge o Funcionalismo norte-
americano: 
“É por volta de 1975 que as análises linguísticas explicitamente classificadas como 
funcionalistas começam a proliferar na literatura norte-americana. Essa corrente surge como 
reação às impropriedades constatadas nos estudos de cunho estritamente formal, ou seja, nas 
pesquisas estruturalistas e gerativistas. Os funcionalistas norte-americanos advogam que uma 
dada estrutura da língua não pode ser proveitosamente estudada, descrita ou explicada sem 
referência à sua função comunicativa (...)” (Cunha, 2009, p. 163) 
Tendo como foco uma liguística baseada no uso, os linguistas Sandra Thompson, Paul Hopper 
e Talmy Givón se destacaram como funcionalistas. Em seus trabalhos, é possível perceber a 
tendência em considerar o contexto linguístico e a situação extralinguística nas análises. 
No Brasil, estudos de base funcionalista começam a se destacar na década de 80, a partir dos 
trabalhos de pesquisadores preocupados em investigar os fatores comunicativos e cognitivos 
para entender o funcionamento da língua falada e escrita. 
Os Conceitos de Língua e de Linguagem Segundo a Proposta Funcionalista 
Tendo como base o Funcionalismo, vale refletir sobre o modo como a língua e a linguagem 
são concebidas. Deixa-se de lado a ideia de que a linguagem é a forma de expressão do 
pensamento, já que os funcionalistas a concebem como instrumento de interação social. 
Segundo eles, é preciso investigar a motivação para os fatos da língua, ou seja, explicar as 
regularidades observadas no uso interativo da língua, um vez que ela é concebida como uma 
estrutura maleável, adaptativa. 
Assim, estuda-se a língua em situação real de comunicação, verificando o modo como os 
usuários da língua se comunicam eficientemente. Esses usuários são vistos como os 
responsáveis pelo estado e forma da língua. 
Para os funcionalistas, em um contexto comunicativo real, não há dois modos distintos de 
dizer exatamente a mesma coisa. Por isso, deve-se ter como ponto de partida, em um estudo 
linguístico, a função. 
No desafio proposto no início da aula, reconhecemos a importância do contexto de uso. Se 
observássemos apenas o caráter sintático, não conseguiríamos entender por que um indivíduo 
utilizaria “Você é bonita” ou “Bonita é você”. Percebemos que o segundo enunciado só poderia 
ter sido produzido em um contexto de “réplica”. Por isso, segundo o Funcionalismo, não 
podemos ignorar o contexto, pois, no caso apresentado, a organização sintática do enunciado 
é motivada pelo contexto discursivo em que ela ocorre. 
Nesse sentido, segundo a visão funcionalista, “a gramática de uma língua natural nunca é 
estática e acabada (...). A gramática é entendida como o sistema formado pelas regularidades 
decorrentes das pressões do uso. Essas pressões estão relacionadas a um complexo de 
interesses e necessidades discursivas/pragmáticas fundamentais que podem compreender os 
propósitos comunicativos do falante de ser expressivo e informativo ou o fenômeno da 
existência de lacunas nos paradigmas gramaticais ou no universo de conceitos abstratos.” 
(MARTELOTTA et al., 1996, p. 11) 
O Papel dos Marcadores Discursivos 
 “Amigos, como vão? Sabe, estou muito preocupado com uma coisa!” 
 “Uai, o que está acontecendo? É difícil, né, quando ficamos preocupados assim...” 
 “É sim, mas sabe o que é? Não sei se troco meu carro ou guardo o dinheiro para uma 
viagem...” 
 “Pois é, dúvida cruel, né!” 
 “É sim, mas vou pensar direitinho!” 
Vocês já devem ter percebido que as pessoas, em contextos de fala espontânea usam uma 
série de elementos, tais como “né?”, “sabe?”, “entende?”, “tipo assim”. Pois é, a visão 
tradicional costuma rotular esses elementos como “vícios de linguagem”. 
No entanto, o Funcionalismo já que busca, no contexto discursivo, a motivação para os fatos 
da língua, mostra-nos que esses elementos, chamados “marcadores discursivos”, são usados 
para “reorganizar a linearidade das informações no nível do discurso, quando essa linearidade 
é momentaneamente perdida por diversos motivos como insegurança ou falhas de memória, 
e, apenas subsidiariamente, para organizar as relações textuais. Sua função em nível do 
discurso se motiva na medida em que a natureza fluida da fala impede uma perfeita 
linearidade das informações”. (MARTELOTTA et al., 1996, p. 61) 
Ex.: Entrevistador: Rosilda, agora conta pra mim uma história que tenha::/ que alguém tenha 
contado pra você... que você tenha achado interessante... 
Informante: bom... a colega minha... Neide... falou pra:: Lenira... que descobriu que eu 
estava saindo com o namorado dela... né? mas... isso é mentira... porque eu não saí com o 
namorado de ninguém... entendeu? mas eu nunca... nunca me atrevi a sair com o namorado 
de ninguém... com::/ ou paquerar namorado... de colega minha não... eu acho (covardia)... 
quer sair com o cara ou com o namorado... a gente mesmo tem que arranjar... né? concorda 
comigo? ((riso)) eu acho isso... mas... olha... elas deixaram de falar comigo... por causa dessa 
bobeira... né? ontem mesmo a professora perguntou por que o motivo da... fofoca... que a 
garota falou pra mim que ela tinha falado... aí eu falei pra ela que... eu nunca tinha saído com 
o namorado dela não... e se ela deixava de falar comigo... problema dela/ (Narrativa 
recontada, página 289, Corpus do Grupo Discurso & Gramática supletivo) 
Em um contexto de fala espontânea, o discurso é planejado no momento da interação, 
diferentemente do que ocorre em contextos de língua escrita, em que temos tempo para 
organizar as informações. Daí a dificuldade que temos em manter a linearidade. Segundo 
Martelotta et al. (1996, p. 62), “a fala, portanto, é marcada por constantes pós-reflexões, 
reavaliações e adendos, ou seja, por uma frequente reorganização. Os marcadores são usados 
para viabilizar o processamento das informações na fala, no sentido de marcar para o ouvinte 
essas reformulações e de ajudar o falante a ganhar tempo para reorganizar suas ideias”. 
AULA 9 – PRINCÍPIOS DO FUNCIONALISMO NORTE-AMERICANO: 
ICONICIDADE E GRAMATICALIZAÇÃO 
Vamos começar nosso conteúdo refletindo sobre o modo como expressamos linguisticamente 
as ações que fazemos. Por exemplo, no nosso dia a dia, pela manhã, acordamos, escovamos 
os dentes, tomamos café. Ao dizer a alguém o que fazemos pela manhã, iremos produzir a 
sequência de orações: “Acordei, escovei os dentes e tomei café”. Será que alguém diria assim 
“Escovei os dentes, acordei e tomei café”? É claro que não, não é mesmo? Por que será que 
isso acontece? 
A expressão linguística1 reflete a nossa realidade. Segundo a proposta funcionalista, a 
estrutura gramatical

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