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PDF - Controle Social Penal e Estado Democrático de Direito (Introdução)


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DEFINIÇÃO
Relação entre as missões e a seletividade normativa do Direito Penal com a legitimidade do poder
punitivo do Estado. Características e análise comparativa do processo penal inquisitivo e
acusatório. Garantias constitucionais e processuais penais do acusado no Estado Democrático de
Direito. Leis penais simbólicas e os desafios quanto a sua efetividade normativa.
PROPÓSITO
Analisar criticamente como o controle social penal no Estado Democrático de Direito permite tratar
adequadamente as garantias constitucionais do acusado; os desafios da efetividade normativa
das leis penais simbólicas; o papel e a missão do Direito diante do poder punitivo do Estado.
PREPARAÇÃO
Tenha em mãos o Código Penal brasileiro vigente (DECRETO-LEI No 2.848, DE 7 DE
DEZEMBRO DE 1940), o Código de Processo Penal (DECRETO-LEI Nº 3.689, DE 3 DE
OUTUBRO DE 1941) e a Constituição brasileira de 1988, legislações disponíveis no Portal de
Legislação do Planalto.
OBJETIVOS
MÓDULO 1
Relacionar as missões e a seletividade do direito penal com o poder punitivo do Estado
MÓDULO 2
Comparar os sistemas processuais penais
MÓDULO 3
Descrever as leis penais simbólicas
INTRODUÇÃO
Neste tema, você estudará os fundamentos teóricos e conceituais que permitem o entendimento
da missão, do papel, da proposta e dos parâmetros críticos e constitucionais do Direito Penal.
Discutiremos se essa área da ciência do Direito pode ser considerada um instrumento de
seletividade e controle social, fortalecendo o poder do Estado em detrimento da segregação e
marginalidade dos indivíduos. Você também analisará criticamente a criminalização da
homossexualidade como ferramenta hábil a demonstrar o intervencionismo estatal na criação de
tipos penais, que objetivam fortalecer as estruturas sociais de discriminação sexual, preconceito e
marginalização de homens e mulheres gays.
 
Fonte: Freepik
 
Fonte: freepik
Vamos verificar que o estudo comparativo dos sistemas processuais penais, inquisitivo e
acusatório, demonstra que o direito penal e o processo penal não podem ser vistos como
ferramentas de etiquetação de condutas que visam fortalecer a segregação, desigualdade,
marginalização e exclusão de pessoas. Por isso, veremos os princípios constitucionais da
presunção de inocência, do contraditório, da ampla defesa, do devido processo legal, da
individualização da pena e da inadmissibilidade de provas ilícitas no entendimento crítico do
processo penal democrático, caracterizado pela ampla dialogicidade das questões controversas,
exaltando o dever do poder estatal desconstituir o estado de inocência assegurado
constitucionalmente como critério da dignidade humana.
Ao final, vamos estudar as leis penais simbólicas, destacando os desafios da sua efetividade
normativa, além de evidenciar a falência nas propostas legislativas que apresentam objetivos
quase sempre inalcançáveis, como é o caso da Lei Maria da Penha (Lei 11.340, de 7 de agosto de
2006).
MÓDULO 1
 Relacionar as missões e a seletividade do direito penal 
com o poder punitivo do Estado
DIREITO PENAL E O PRINCÍPIO DA
LEGALIDADE
 
Fonte: Freepik
O direito penal é um ramo do direito público que pretende sistematizar normas jurídicas que
possuem o objetivo de tipificar condutas consideradas penalmente relevantes, bem como
suas sanções correspondentes – penas e medidas de segurança. O Código Penal brasileiro
trouxe expressamente, em seu artigo 1, a literalidade de que não há crime sem lei anterior que o
defina, assim como não há pena sem prévia cominação legal; esse mesmo conteúdo normativo-
legal também está estampado no inciso XXXIX, do artigo 5 da Constituição brasileira de 1988.
Assim, o princípio da legalidade é o fundamento regente para a definição de quais condutas serão
consideradas crimes pelo Estado. Ou seja, tipificar uma conduta se equipara à lógica da
etiquetação estatal de pessoas criminosas e comportamentos eleitos pelo Estado como crime,
sendo para isso necessário que o legislador defina, previamente, quais são essas questões
estatais consideradas penalmente relevantes.
Na realidade, a lei que institui o crime e sua respectiva pena deverá ser anterior ao fato que se
pretende punir, condição fundamental para proteger a dignidade dos cidadãos. Estes não poderão
ser surpreendidos com proposições normativas que antes não eram condutas ou ilícito penais,
mas repentinamente tornaram-se crimes. Essa previsão legal do que se entende e define como
crime é, além de uma garantia que prima pela segurança jurídica, uma forma de assegurar a todas
as pessoas condições de se planejarem, no sentido de agirem nos moldes das disposições
expressamente previstas no plano legislativo.
 
Fonte: freepik
O direito de o Estado punir penalmente uma pessoa, por determinada conduta por ela praticada,
exige obrigatoriamente a observância do princípio da legalidade. O Estado tem o dever de
vincular todas as atividades de seus agentes aos ditames legais e o direito penal “impõe a
observância da estrita legalidade para a definição dos crimes e aplicação das penas” (GALVÃO,
2011, p. 110); uma vez que “a vinculação da atividade repressiva do Estado aos limites
previamente estabelecidos por lei constitui verdadeiro instrumento de contenção da tirania e do
despotismo” (GALVÃO, 2011, p. 110).
A tipicidade penal é um princípio que estabelece o dever de o legislador descrever,
minuciosamente e de forma prévia, quais são as condutas humanas consideradas ilícitas e
relevantes sob a perspectiva penal. Se o Estado possui o interesse em punir e criminalizar
determinada atitude, primeiro deverá descrevê-la de forma clara, pontual, objetiva e sistematizada,
uma vez que isso é o que prevê os princípios da legalidade e taxatividade. A legalidade é, assim,
uma das mais importantes conquistas do direito penal moderno.
 
Esse postulado trouxe, ainda, o debate e a importância de sistematização jurídico-legal da
anterioridade penal como requisito para a punição de atitudes consideradas penalmente
relevantes:
A adequação de uma determinada conduta ao tipo penal exige do aplicador do direito uma
interpretação literal e restritiva: não poderá o magistrado ou o órgão acusador interpretar de forma
analógica, ampla, valorativa ou metajurídica determinado comportamento objetivando incriminar e
punir penalmente seu agente.
TIPO PENAL
Norma jurídico-legal que descreve minuciosamente cada conduta humana considerada
crime.

Toda pessoa tem constitucionalmente assegurado o estado de inocência, cabendo ao Estado
desconstituir essa presunção de inocência apenas quando a conduta humana se enquadrar,
literalmente, ao conteúdo descrito na lei como crime.

Havendo qualquer possibilidade de o Estado agir fora dos limites estabelecidos pela lei, tal ação
será reprimida pelo direito penal; uma vez que o princípio da legalidade (reserva legal), juntamente
com a anterioridade penal, tipicidade penal, segurança jurídica e dignidade humana, trouxeram
maior segurança e estabilidade jurídica aos cidadãos.
O Estado tem o dever de vincular todas as atividades de seus agentes aos ditames legais e o
direito penal:
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IMPÕE A OBSERVÂNCIA DA ESTRITA LEGALIDADE
PARA A DEFINIÇÃO DOS CRIMES E APLICAÇÃO DAS
PENAS”, UMA VEZ QUE “A VINCULAÇÃO DA ATIVIDADE
REPRESSIVA DO ESTADO AOS LIMITES PREVIAMENTE
ESTABELECIDOS POR LEI CONSTITUI VERDADEIRO
INSTRUMENTO DE CONTENÇÃO DA TIRANIA E DO
DESPOTISMO.
(GALVÃO, 2011, p. 110)
MAS QUAL É A FINALIDADE E A MISSÃO DO DIREITO
PENAL NO ESTADO MODERNO DE DIREITO?
ESTADO MODERNO
É possível considerar a modernidade o período histórico que se inicia no século XVII, após o
absolutismo monárquico, e que se estende até a primeira metade do século XX.
FINALIDADE E MISSÃO DO DIREITO PENAL
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Fonte: freepik
Originariamente, esse ramo da ciência do Direito deixou claro seu propósito de fortalecer o
exercício legítimo do poder estatal, além de ser instrumento de controle social. Pois, no momentoem que o Estado etiqueta e estabelece previamente quais são as condutas humanas reprimidas
penalmente e consideradas crimes, deixa claro o seu interesse e legitimidade jurídica quanto à
punição dos sujeitos que violarem de forma dolosa ou culposa tais determinações legais.
Por isso, o Estado foi colocado “à frente de um fenômeno originado pelo desrespeito de alguns
cidadãos aos direitos e garantias individuais de outros, na medida em que bens jurídicos tutelados
por escolhas da sociedade, através de seus legítimos representantes, eram ofendidos e
necessitavam de proteção” (ANDREUCCI, 2008, p. 3).
 
Nesse cenário sociojurídico, o Estado passou a utilizar o direito penal como instrumento
institucionalizado de controle social, deixando claro o poder estatal de punir mediante
previsões legais estabelecidas no ordenamento jurídico brasileiro. A principal máxima utilizada
pelo Estado para justificar sua atuação punitiva é que :
OS BENS PROTEGIDOS PELO DIREITO PENAL NÃO
INTERESSAM AO INDIVÍDUO, EXCLUSIVAMENTE, MAS À
COLETIVIDADE COMO UM TODO”, POIS “A RELAÇÃO
EXISTENTE ENTRE O AUTOR DE UM CRIME E A VÍTIMA
É DE NATUREZA SECUNDÁRIA, UMA VEZ QUE ESTA
NÃO TEM O DIREITO DE PUNIR.
(BITENCOURT, 2002, p. 4)
A lógica jurídica estabelecida é que o poder punitivo do Estado tem as seguintes vertentes:
 
Fonte: Pxhere
Retribuir ao agente a conduta ilícita por ele praticada, objetivando sua ressocialização e mudança
de postura diante do contexto individual e coletivo.
 
Fonte: Wikimedia
Reforçar a legitimidade em proteger a 
coletividade mediante a demonstração 
simbólica de segurança social.
A partir dessas premissas, fica bastante clara a missão inicial do direito penal na modernidade:
Punir agentes que praticam condutas tipicamente consideradas crimes pela norma legal, além do
interesse de prevenir e desestimular a sociedade civil em geral quanto à prática dessas atitudes.
A retribuição justa ao agente – autor de um crime – é vista dentre essas missões do direito penal
trazidas pela modernidade, pois sua tarefa seria a “proteção dos elementares valores ético-sociais
da ação e só por extensão a proteção de bens jurídicos” (TOLEDO, 1994, p. 7). Na realidade, a
principal missão do direito penal com o advento da modernidade foi fortalecer o poder do Estado,
legitimando legalmente a aplicação de penas a sujeitos que transgridam a norma penal, como
mecanismo simbólico de proteção da sociedade civil.
A missão do direito penal, nessa perspectiva teórica, é o controle social. Acredita-se que a norma
jurídica em si mesma, especialmente se vier acompanhada de penas severas, é capaz por si só
de desestimular o agente à prática de ilícitos. Na perspectiva trazida pela modernidade, no
momento em que o Estado pune alguém que comete um ilícito penal, estaria desestimulando
outros sujeitos a praticarem a mesma conduta, como se fosse uma lógica matemática e
quantitativa.
 
Fonte: Wikimedia
 Protesto pela morte da vereadora Marielle Franco, que atuava fortemente nas causas de
direitos humanos e fim do racismo.
A revisitação das respectivas premissas teóricas na sociedade democrática é de fundamental
importância para o entendimento crítico sobre a própria missão democrata-constitucional do
direito penal. A norma jurídico-legal, na sua específica literalidade, não tem o condão de
desestimular de forma automática e vegetativa os seus destinatários de deixarem de praticar
determinada conduta reprimida penalmente.
 COMENTÁRIO
Se essa lógica fosse verdadeiramente real, seria apenas criar um amplo arcabouço normativo,
com penas severas e densas, o que seria suficiente para garantir à sociedade civil sua ampla e
integral proteção.
Vejamos agora a missão efetiva do direito penal no Estado Democrático de Direito.
A democraticidade da atuação do Estado exige inicialmente que os destinatários dos provimentos
estatais tenham a oportunidade de participar discursivamente de sua construção. Se determinada
norma jurídica é pensada para reprimir condutas, consideradas penalmente relevantes, é
importante que seus receptores participem dialogicamente de sua construção e aplicabilidade,
para que consigam enxergar e dimensionar a importância desse conteúdo normativo, tanto na
esfera coletiva, quanto individual.
No momento em que o Estado constrói e elabora unilateralmente uma lei penal, sem se preocupar
em construir um debate, faz com que os destinatários não se sintam partes integrantes e
pertencentes à norma. Quando isso acontece, a consequência automática é um déficit de
efetividade normativa, ou seja, se o receptor da norma não participou do debate construído no
processo legislativo que culminou com sua aprovação, qual é o sentido de visualizar a importância
no que tange à aderência ao conteúdo dessa norma? Se é incapaz de compreender a sua
importância jurídico-social, qual é o sentido de apoiar o seu conteúdo?
Um exemplo que ilustra bem o fato de que a norma jurídico-penal em si seja incapaz de modificar
estruturalmente a realidade social é a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006). Se qualquer
destinatário de uma norma penal não consegue compreender a dimensão do seu conteúdo
simbólico, fica consequentemente comprometido o seu efetivo propósito, que é reprimir e
desestimular o agente de praticar a conduta penalmente reprovada pelo Estado.
LEI MARIA DA PENHA (LEI 11.340/2006)
Aprovada originariamente para coibir atos de violência doméstica, essa norma objetiva punir
o agente (homem) que pratica violência doméstica contra a mulher (violência psicológica,
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moral, física e sexual).
 
Fonte: Wikimedia
 Maria da Penha, líder de movimentos de defesa dos direitos das mulheres.
Antes de o Estado aprovar uma norma penal repressora e punitiva, é importante diagnosticar as
razões e motivos que levam as pessoas a praticarem determinadas condutas reprovadas
penalmente, o que é objeto da criminologia.
 
Quando se realiza um estudo preliminar das causas que levam à delinquência, consegue-se
diagnosticar outras estratégias interventivas, que vão além da lei penal, no sentido de prevenir a
prática de condutas delituosas e lesivas aos interesses individuais e sociais.
CRIMINOLOGIA
A criminologia é uma ciência cuja “principal atividade centra-se no estudo das causas do
delito, ou seja, em explicá-lo – a perspectiva etiológica” (SANTOS, 2020, p. 71). “Através de
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várias teorias se busca tentar entender por que as pessoas acabam cometendo os crimes e
qual o motivo que na sociedade esses delitos ocorrem” (SANTOS, 2020, p. 71). A
criminologia crítica cumpre seu papel “retendo como material de interesse para o Direito
Penal apenas o que efetivamente mereça punição reclamada pelo consenso social, e
denunciando todos os expedientes destinados a incriminar condutas que, apenas por serem
contrárias aos interesses dos poderosos do momento, política ou economicamente, venham
a ser transformadas em crime” (MIRABETE, 1998, p. 30). “A criminologia moderna também
se ocupa atualmente com as causas do fenômeno delitivo, suas formas de prevenção,
controle, sendo considerada uma ciência causal-explicativa em que enxerga o delito como
um fenômeno social e também individual” (SANTOS, 2020, p. 74).
É preciso deixar de enxergar o delinquente como um inimigo do Estado e da sociedade civil,
procurando-se entender a dimensão em que ele se encontra inserido para, assim, compreender
sistematicamente as razões que o levam à prática delituosa. Nesse sentido, destaca-se o
princípio da intervenção mínima ou da última ratio, que implica a intervenção do Direito
Penal restrita “ao mínimo necessário à manutenção da harmonia social” (GALVÃO, 2011, p.
116).
 
A força punitiva de intervenção do Estado na esfera penal deve ser bem orientada, pois:
A INCRIMINAÇÃO SÓ SE JUSTIFICA DIANTE DE ATAQUE
A BEM JURÍDICO CONSIDERADO RELEVANTE, E A
APENAÇÃO, ALÉM DE SER PROPORCIONAL AO DANO
SOCIAL PRODUZIDO, DEVE SER A MÍNIMA NECESSÁRIA
À REALIZAÇÃO DOS FINS DEPROTEÇÃO ALMEJADOS.
(GALVÃO, 2011, p. 117)
A intervenção mínima do Estado quanto à tipificação penal deixa claro que o direito penal deve ser
utilizado como instrumento subsidiário – não principal – de controle social.
 
Fonte: autor/flaticon
A criminalização somente se justifica democraticamente quando as instituições – sociedade,
Estado, família – comprovadamente demonstram sua insuficiente atuação no sentido de prevenir
comportamentos delituosos, não restando outra alternativa ao Estado a não ser a incriminação
dessas condutas.
A missão do direito penal democrata-constitucional é proteger amplamente a dignidade
humana, seja na esfera individual ou coletiva, motivo esse que justifica a imprescindibilidade de
intervenção estatal mínima, no que atine à criminalização e punição de pessoas. Antes de ser
instrumento de controle social e fortalecimento do poder punitivo do Estado, a missão
constitucionalizada e democratizante do direito penal é permitir que cada cidadão seja
amplamente protegido em sua dignidade, quando se encontra diante das arbitrariedades
possivelmente praticadas pelo Estado. Isso não foi sustentado pelos estudiosos da
modernidade que, contrariamente a essas premissas aqui expostas, defenderam a aplicabilidade
do principio do direito penal máximo. Os defensores deste preceito insistem na ideia de eleger o
criminoso como um inimigo do Estado, ao invés de procurar entender as razões que levam ao
aumento constante e significativo dos números da criminalidade no Brasil.
MAS QUAIS SERIAM AS RAZÕES PARA O CONSTANTE
CRESCIMENTO DA CRIMINALIDADE NO BRASIL?
FATORES PARA O CRESCIMENTO DE ATOS
CRIMINOSOS NA SOCIEDADE BRASILEIRA
São inúmeras as razões que explicam, na prática, o crescimento de atos criminosos no Brasil. O
déficit de eticidade e alteridade (valorização do outro), o crescente abismo social, além de
aspectos morais, sociais e religiosos, são alguns fatores que podem elucidar inicialmente a
questão.
 
Fonte: Pxhere
 Morador de rua e a falta de acesso aos direitos fundamentais básicos.
O comportamento tipicamente individual e patrimonialista de muitos sujeitos, além da
incapacidade de conseguir se colocar no lugar do outro (ausência de alteridade), influencia de
forma direta na prática de alguns ilícitos penais, como os crimes contra o patrimônio (furto, roubo
e estelionato) e contra administração pública (peculato, concussão, corrupção ativa e passiva,
prevaricação.) .
 
A desigualdade social e o grande número de pessoas vivendo ou sobrevivendo abaixo da linha da
pobreza, desempregadas e sem acesso a direitos fundamentais básicos (saneamento básico,
moradia, emprego, alimentação.) , também contribuem significativamente para a prática de ilícitos
penais, como é o caso do crime de tráfico de drogas.
Razões morais explicam, por exemplo, a prática de crimes contra a dignidade sexual (estupro de
vulnerável) , homicídios (feminicídio = reflexo do machismo estrutural) , ressaltando-se que a
dominação masculina reflete de forma direta em muitos crimes contra mulheres, assim como há o
interesse do Estado em criminalizar a sexualidade, ao penalizar atos praticados contra a
integridade sexual da vítima.
MAS SERÁ QUE ESSA ATUAÇÃO PUNITIVA DO ESTADO,
NO SENTIDO DE PENALIZAR ESSAS E DIVERSAS
OUTRAS CONDUTAS, ASSEGURA A MODIFICAÇÃO DE
ESTRUTURAS SOCIAIS QUE EXPLICAM MUITOS
DESSES COMPORTAMENTOS?
ATUAÇÃO PUNITIVA DO ESTADO
O direito penal é uma ciência normativa que institui como crime condutas consideradas, em
princípio, anormais no campo social. Em contrapartida, a criminologia considera o crime (conduta
típica, antijurídica e culpável.) um problema social, um fenômeno comunitário, que possui quatro
componentes.
1
INCIDÊNCIA MASSIVA NA POPULAÇÃO
Não se pode tipificar como crime um fato isolado.
INCIDÊNCIA AFLITIVA DO FATO PRATICADO
O crime deve causar dor à vítima e à comunidade.
PERSISTÊNCIA ESPAÇO-TEMPORAL DO FATO
DELITUOSO
É preciso que o delito ocorra reiteradamente por um período significativo de tempo no mesmo
território.
CONSENSO INEQUÍVOCO ACERCA DE SUA ETIOLOGIA
E TÉCNICAS DE INTERVENÇÃO EFICAZES
A criminalização de condutas depende de uma análise minuciosa desses elementos e sua
repercussão na sociedade.
A criação de um tipo penal deve ser reflexo de uma decisão amadurecida do Estado, após
análise cuidadosa dos critérios aqui expostos. O crime não pode ser visto como um instrumento
normativo-legal, por meio do qual o Estado institucionaliza uma guerra contra quem é por ele
declarado como inimigo (criminoso, delinquente) .
 COMENTÁRIO
2
3
4
Definitivamente, essa não pode ser a missão do direito penal: criminalizar condutas com o
propósito de objetificar sujeitos, fortalecendo a marginalidade e a exclusão reproduzida
naturalmente pela sociedade civil.
Na perspectiva da Constituição de 1988, o direito penal tem a missão de reprimir condutas
comprovadamente danosas à coletividade, quando não restar outra alternativa a não ser
punir o agente mediante a intervenção da norma jurídica. Ou seja, seguindo-se a lógica da
intervenção mínima, apenas quando as demais estruturas sociais demonstrarem insuficiência em
sua atuação, é que se deve criar um tipo penal.
A missão democrata-constitucional do direito penal é punir o agente (autor do ilícito penal) de
forma a assegurar-lhe, tanto durante o processo judicial quanto ao longo do cumprimento da pena,
a proteção ampla e efetiva de sua dignidade. Não se pode admitir a atuação repressiva do Estado
na sociedade democrática, ignorando-se os direitos fundamentais constitucionalmente
assegurados a todos os sujeitos, especialmente àqueles que praticam ilícitos penais.
SOB A PERSPECTIVA CRÍTICA, QUAL A UTILIDADE
PRÁTICA E A IMPORTÂNCIA TEÓRICA DO DIREITO
PENAL PARA O ESTADO?
Por meio da criação de figuras típicas (crimes), o Estado fortaleceu seu poder na modernidade,
explicitando sua autoridade de punir pessoas que praticavam condutas por ele consideradas
ilícitos penais. Além disso, o direito penal era visto como um instrumento estatal para marginalizar
pessoas, tornar formalmente invisível aqueles sujeitos que já o são socialmente.
 
É o caso do jovem negro e periférico, peça fundamental para o tráfico de drogas, que se
desenvolve naturalmente sob os olhos do Estado, sem que o mesmo assim implemente políticas
públicas de repressão efetiva ao negócio de substâncias entorpecentes ilícitas. Ao invés disso, o
que o Estado faz? Criminaliza a conduta do jovem negro periférico, objetificando-o e
reforçando a ação das estruturas sociais que naturalizam sua exclusão e marginalidade.
Agindo dessa forma, o Estado simbolicamente oferece à sociedade civil – composta pelos ditos
sujeitos de “bem” – uma situação de aparente conforto e segurança jurídica, sem atacar o
problema central que permeia a respectiva temática: o combate ao tráfico de drogas mediante
o planejamento e a execução de políticas públicas. Estas deveriam objetivar a geração de
empregos, a punição dos chefes do tráfico de drogas e o oferecimento de condições dignas para o
jovem negro periférico – emprego, educação, moradia.
 
Fonte: Wikipedia
 Protesto contra operação policial.
No momento em que o Estado opta pela punição do jovem negro periférico, em razão de seu
envolvimento com o tráfico de drogas, deixa claro que a missão do direito penal é meramente
punitiva, segregacionista e marginalizadora, contrariando os ditames constitucionais da dignidade
humana e igualdade. Em contrapartida, no Estado Democrático de Direito, a missão do direito
penal deve ir muito além do seu caráter condenatório, de controle social e exercício autocrático do
poder punitivo estatal.
A missão democrática da norma penal deve ser excepcionalmente punir o sujeito (intervenção
mínima), ressaltando-se que a tipificação de condutas como ilícitos penais deve ser a última ratio,
apenas quando comprovada a insuficiência das demais estruturas sociais (sociedade, família,
Estado) em garantir a dignidade,inclusão e igualdade, especialmente das pessoas em absoluta
condição de vulnerabilidade social.
A missão do direito penal brasileiro não pode ser o encarceramento em massa, mediante a
criminalização da pobreza, com a punição massificada e institucionalizada daqueles sujeitos
categorizados legalmente como os inimigos do Estado. 
MISSÃO DO DIREITO PENAL
Proteção da dignidade humana no tratamento igual das pessoas, mediante a intervenção
mínima do Estado na criminalização e penalização de condutas.
MAS QUEM SERIAM OS INIMIGOS DO ESTADO?
OS INIMIGOS DO ESTADO
Antes de identificar os efetivos inimigos do Estado, no campo penal, é importante compreender o
instituto do lawfare . O modelo do lawfare contraria as premissas democráticas do processo penal
e direito penal constitucionalizado, que se fundem na presunção da inocência, além de
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assegurarem amplamente aos sujeitos o direito de se defenderem, mediante a implementação e
efetividade dos princípios constitucionais do contraditório, ampla defesa e devido processo legal.
LAWFARE
O lawfare pode ser definido como “guerra a partir das leis”, haja vista que lei é vista como
mais um desses instrumentos e ferramentas ideologicamente construídos para atacar
aqueles sujeitos considerados inimigos do Estado ou das instituições que conduzem as
diretrizes do sistema jurídico vigente. O LAWFARE é uma proposição teórica que possui
relação direta com o modelo de processo penal e direito penal inquisitivo. O Estado se utiliza
da lei como instrumento de guerra, construindo aprioristicamente os sujeitos que são
considerados inimigos do Estado. Trata-se de proposições que dialogam diretamente com o
“direito penal do inimigo”, ressaltando-se que seu surgimento se deu inicialmente na China,
robustecendo-se as proposições teóricas apresentadas nos Estados Unidos da América,
especialmente após o atentado de 11 de setembro de 2001. A partir desse acontecimento
histórico, o próprio EUA institucionalizou o LAWFARE em seu país, deixando claro em sua
legislação que terroristas e estrangeiros suspeitos de atentar contra a segurança nacional
são considerados os sujeitos legalmente inimigos do Estado. Importante esclarecer que o
Brasil adotou expressamente em sua legislação o instituto do LAWFARE, por meio da
Portaria 666, de 25 de junho de 2020, elegendo terroristas, pedófilos, traficantes de drogas e
outros sujeitos como inimigos do Estado, presumindo que esses sujeitos são perigosos à
segurança nacional. O conteúdo dessa portaria institucionalizou no Brasil a possibilidade
dessas pessoas serem extraditadas ou expulsas sem o direito de defesa, sistematizando de
forma clara o modelo de processo penal e direito penal inquisitivo.
Políticos, traficantes de drogas, pedófilos, policiais, além dos sujeitos negros e pardos de periferia,
são considerados os inimigos legais do Estado brasileiro. Quando essas pessoas são
denunciadas pelo Ministério Público passam a conviver com o calvário da presunção da
culpabilidade, devendo provar perante o Estado a sua condição constitucional de inocência – que
deveria ser presumida. Nesse contexto, temos decisões judiciais autocráticas, fundadas na
discricionariedade judicial, num modelo hermenêutico com forte carga axiológica. O que
torna inviável a participação desses sujeitos na construção discursiva e racional do provimento
final de mérito, uma vez que, quando são processados, assumem a obrigação de desconstituir a
presunção de culpabilidade suportada em razão de serem vistos como inimigos expressos do
Estado.
 
Quando o Estado legitima aprioristicamente a construção legal de um inimigo, utilizando-se
da norma penal para segregar tal sujeito, assume um papel inquisidor e autocrático. O
direito penal democrático tem a missão de criminalizar condutas, não pessoas escolhidas
previamente pelo legislador. O direito penal, quando opta pela criminalização de sujeitos
específicos (pedófilos, jovens negros periféricos, políticos, policiais), assume uma missão
inquisitiva e de certo modo belicosa, que não se compatibiliza com as diretrizes normativas
trazidas pelo texto da Constituição brasileira de 1988.
BELICOSA
Etimologicamente a expressão lawfare possui relação direta com as expressões “lei” e
“guerra”, ou seja, a lei é um instrumento utilizado para a realização de uma guerra simbólica,
pois o Estado objetiva eliminar, marginalizar e punir autocraticamente seus inimigos. Pensar
a ciência penal, nessa perspectiva, é reconhecer que o legislador elege um público
específico como destinatário direto dessas normas, até para justificar sua existência, pois, se
assim não for, como o Estado se legitimará socialmente? A criação simbólica dos inimigos
penais é uma estratégia estatal utilizada na busca do controle social e segurança jurídica da
coletividade. No momento em que um desses inimigos se submete à pena autocraticamente
aplicada pelo ente estatal, robustece-se o seu poder, retroalimentando a crença de que a
pena é capaz de modificar estruturas sociais que colaboram diretamente para a práticas de
atos delituosos.
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Fonte: pxhere
Outro ponto importante a ser abordado é o papel higienista assumido como missão do direito
penal moderno. A norma penal é vista como instrumento de limpeza e higienização social, sendo
utilizada como ferramenta para eliminar, objetificar, marginalizar, segregar e robustecer a exclusão
daqueles “ditos” inimigos do Estado, que já são natural e socialmente excluídos pelas estruturas
de poder vigentes. Quando se faz essa afirmação, pretende-se demonstrar que, sob a ótica do
senso comum, os problemas sociais existem como um dado da realidade, como algo natural.
É frequente a reverberação do discurso que a vida em sociedade é naturalmente conflituosa por si
só, visando justificar a intervenção normativo-penal, cujo objetivo é regular a própria vida em
sociedade. A complexidade de fatores que envolvem tal análise é tamanha que nos leva a afirmar
que o problema da criminalidade social não pode ser reduzido a soluções mágicas propostas pelo
direito penal.
 EXEMPLO
A política criminal de combate às drogas, por exemplo, objetiva criminalizar condutas de agentes
que comercializam e consomem substâncias categorizadas juridicamente como ilícitas, ignorando-
se as razões que explicam a existência de tal fenômeno social.
Quando as estruturas sociais (Sociedade, Estado, família, mercado financeiro e de consumo.)
naturalizam o consumo de tabaco e bebidas alcoólicas, responsável pela movimentação direta da
economia, estimula-se consequentemente, de forma indireta, o consumo de outras substâncias
químicas, como a cocaína, maconha e drogas sintéticas. Visando manter seu poder inato, o
Estado criminaliza muitas dessas condutas, categorizando como ilícito o consumo de apenas
algumas substâncias químicas. A partir dessas premissas, aquele que consome ou comercializa
as ditas substâncias entorpecentes ilícitas será punido criminalmente.
O que se verifica nesse contexto é que o objetivo do Estado, ao criminalizar o uso e o consumo de
drogas ilícitas, não é especificamente reprimir o comércio ilegal dessas substâncias, mas sim
eleger um inimigo (traficante ou usuário) como forma de demonstrar seu poder de controle social.
O problema da criminalização do consumo e do uso de substâncias proibidas é, além do
fortalecimento do poder estatal, a objetificação dos sujeitos eleitos como pessoas delituosas,
justificando a existência e a atuação do Estado punitivista.
A criminalização do consumo e comercialização de drogas no Brasil representa uma estratégia de
poder muito articulada e pensada pelo Estado. Não se pretende, por meio da norma jurídica,
reprimir efetivamente o consumo de substâncias químicas pela sociedade civil. Objetiva-se, na
verdade, o fortalecimento jurídico dos mecanismos de controle social mediante a solidificação do
poder autocrático-inquisitivo do Estado.
No momento em que o Estadocria legalmente um inimigo, utiliza-se da norma penal para punir
pessoas específicas e institucionaliza um sistema de seletividade normativo-punitivista, como
estratégia simbólica para responder às demandas de uma sociedade que muitas vezes busca a
vingança, não a aplicabilidade de penas nos moldes democrata-constitucional e garantistas.
PODE O DIREITO PENAL SER VISTO COMO UMA
ESTRUTURA DE DOMINAÇÃO E GERAÇÃO DE
VIOLÊNCIA PRATICADA E LEGITIMADA
PRESSUPOSTAMENTE PELO PRÓPRIO ESTADO?
Tem ficado claro que o direito penal, quando utilizado como mecanismo punitivista de seleção de
condutas e pessoas determinadas, é considerado uma estratégia que visa fortalecer a atuação do
poder autocrático do Estado. Ao invés de ser visto como forma de controle social, dominação e
segregação de pessoas, o direito penal garantista deve primar pela proteção ampla, efetiva,
sistemática e inclusiva das pessoas, de forma indistinta. Quando o direito penal assume o papel
exclusivamente punitivista, gera violência simbólica contra as pessoas, especialmente com relação
aos sujeitos categorizados como inimigos ou indignos pelo Estado que, por isso, deverão ser
penalizados.
 EXEMPLO
Um clássico exemplo, ainda atual, de utilização do direito penal como espaço de geração de
desigualdades entre as pessoas, é a criminalização da homossexualidade. Nesse contexto, o
direito penal é visto como estrutura que legitima o discurso de ódio contra gays e lésbicas, no
momento em que estabelece como conduta criminosa e tipificada penalmente a relação afetivo-
sexual existente entre duas pessoas do mesmo sexo.
CRIMINALIZAÇÃO DA HOMOSSEXUALIDADE
Relações consensuais entre pessoas do mesmo sexo são consideradas crime em 70
(setenta) países, conforme relatório intitulado “Homofobia de Estado”, elaborado pela
Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersexuais (MANTOVANI,
2019). O fenômeno da criminalização da sexualidade, além de constituir evidentemente um
modo de praticar violência contra pessoas homossexuais, endossa o discurso homofóbico
naturalizado pelas estruturas sociais que reproduzem as vozes da ditadura binário-
heteronormativa.
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Fonte: Wikimedia
 Marcha contra homofobia em Brasília.
Verifica-se, nesse cenário, que a violência sofrida pela comunidade LGBTQI+ não é apenas
advinda das estruturas sociais clássicas (família, sociedade, escola), uma vez que o próprio
Estado se apropria desse discurso e o utiliza como fundamento para a criação de tipos penais que
criminalizam a sexualidade. É, no mínimo, preocupante saber que, em pleno século XXI, ainda
existem países que continuam criminalizando a liberdade sexual. Se é crime a conduta dos gays e
das lésbicas, tem-se a norma penal com dispositivo estratégico do Estado para suprimir a
liberdade desses sujeitos, fundamento jurídico-legal absolutamente contrário às proposições
normativo-legais democráticas.
A partir dos conceitos discutidos neste módulo, vamos agora refletir com o Professor Doutor
Fabrício Veiga Costa o verdadeiro papel do direito penal.
Neste vídeo, iremos problematizar o papel do direito penal e suas respectivas premissas.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
1. ASSINALE A ALTERNATIVA QUE APRESENTA UMA AFIRMATIVA
CORRETA A PARTIR DA RELAÇÃO ENTRE OS PRINCÍPIOS DA
LEGALIDADE E TIPICIDADE PENAL E OS PROPÓSITOS E OBJETIVOS DO
DIREITO PENAL NO BRASIL.
A) O direito penal brasileiro autoriza excepcionalmente a punição de condutas praticadas
anteriormente à tipificação penal prevista em lei.
B) A legalidade é fundamento do princípio da tipicidade penal, por isso uma conduta somente
poderá ser punida pelo direito se estiver prevista em lei.
C) A tipicidade penal é um princípio que autoriza a descrição legal de condutas penalmente
reprováveis, ressaltando-se que tais condutas poderão ser descritas de forma genérica ou
específica.
D) A norma penal que tipifica determinada conduta poderá ser interpretada de forma restritiva ou
ampliativa pelo magistrado, quando do julgamento do mérito da pretensão deduzida em juízo.
2. CONSIDERANDO O INSTITUTO DO LAWFARE E A POLÍTICA CRIMINAL
BRASILEIRA DE COMBATE E REPRESSÃO DO USO E COMERCIALIZAÇÃO
DE DROGAS NO BRASIL, ASSINALE A ALTERNATIVA CORRETA:
A) A criminalização do uso e comercialização de drogas ilícitas no Brasil tem o objetivo específico
de proteger a sociedade civil.
B) A atual política criminal brasileira de combate do uso e comercialização de drogas objetiva
especificamente punir penalmente o usuário e o traficante, considerados inimigos do Estado.
C) O instituto do lawfare tem como propósito criminalizar o uso e o comércio de drogas no Brasil
para garantir a proteção jurídica da sociedade.
D) O lawfare é um instituto jurídico compatível com o Estado Democrático de Direito, pois tem
como eixo central a proteção jurídica da dignidade da pessoa do usuário e do traficante.
GABARITO
1. Assinale a alternativa que apresenta uma afirmativa correta a partir da relação entre os
princípios da legalidade e tipicidade penal e os propósitos e objetivos do direito penal no
Brasil.
A alternativa "B " está correta.
 
No ordenamento jurídico brasileiro vigente, somente é punível a conduta do agente praticada
posteriormente à aprovação de uma lei que tipifique penalmente determinado comportamento, em
homenagem ao princípio da anterioridade penal. O princípio da legalidade prevê expressamente
que toda conduta penalmente reprimida deve estar previamente tipificada em lei, de forma
específica, não se admitindo interpretação extensiva por parte do magistrado, quando da
aplicação da norma penal incriminadora.
2. Considerando o instituto do lawfare e a política criminal brasileira de combate e
repressão do uso e comercialização de drogas no Brasil, assinale a alternativa correta:
A alternativa "B " está correta.
 
O lawfare é uma proposição teórica utilizada pelo Estado com o objetivo de penalizar os sujeitos
por ele considerados inimigos. O traficante e os usuários de substâncias entorpecentes ilícitas são
considerados inimigos do Estado e, por esse motivo, suas condutas são criminalizadas pelo direito
penal brasileiro.
MÓDULO 2
 Comparar os sistemas processuais penais
SISTEMA INQUISITIVO
O Código de Processo Penal, em sua redação primitiva, adotou o sistema de processo inquisitivo,
fundado na presunção de culpabilidade do acusado. Uma das principais características do sistema
inquisitivo do processo penal é a desigualdade jurídica em relação ao tratamento conferido ao
acusado. O sujeito acusado de praticar uma determinada infração penal, na perspectiva
inquisitiva, carrega em si a presunção de culpa – não o estado de inocência ou presunção de não
culpabilidade, tal como proposto pelo texto da Constituição brasileira de 1988.
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PERSPECTIVA INQUISITIVA
Na realidade, o processo inquisitivo pode ser considerado uma antítese do sistema
acusatório, já que não há o contraditório e “as regras da igualdade e da liberdade
processuais” (TOURINHO FILHO, 1998, p. 92).
No modelo inquisitivo de processo penal, fica claramente comprometida a imparcialidade do
magistrado, pois “é ele quem inicia, de ofício, o processo, quem recolhe as provas e quem, afinal,
profere a decisão, podendo, no curso do processo, submeter o acusado a torturas, a fim de obter a
rainha das provas: a confissão” (TOURINHO FILHO, 1998, p. 92).
No sistema tipicamente inquisitivo, tanto na fase de investigação, quanto na fase de julgamento e
instrução probatória, o acusado é colocado em posição de absoluta subserviência à autoridade
judicial, sendo-lhe cerceado o direito de defesa em virtude da absoluta concepção teórica que
preconiza a presunção de culpabilidade.
Embora o Brasil não adote mais o modelo tipicamente inquisitivo de processo penal, sabe-se que
ainda temos vestígios desse modelo no inquérito policial. O Brasil adota, na realidade, o sistema
misto de processo penal, visto que ainda possui raízes desse modelo, pois “há umafase
inquisitiva, na qual se procede a uma investigação preliminar e uma instrução preparatória, e uma
fase final, em que se procede ao julgamento com todas as garantias do processo acusatório”
(CAPEZ, 199, p. 39).
O inquérito policial ainda é considerado um resquício do sistema inquisitivo. Nele o Estado
produz provas unilaterais, que serão utilizadas na fase processual, ressaltando-se que, no atual
ordenamento jurídico brasileiro, o contraditório é dispensável. Adota-se o entendimento por meio
do qual os defensores do sistema misto sustentam: o contraditório é dispensável no inquérito
policial, porque tal possibilidade se torna real na fase processual.
 
A principal crítica realizada a esse modelo de processo penal diz respeito às provas irrepetíveis
produzidas no âmbito do inquérito policial, sem assegurar ao acusado o direito de defesa, veja:
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INQUÉRITO POLICIAL
Fase investigativa que antecede a denúncia ou queixa crime.
SISTEMA MISTO
Sistema Inquisitivo = fase de inquérito policial. Sistema Acusatório = fase processual em que
se assegura ao acusado o direito de defesa.
EXAME DE CORPO DE DELITO
O exame de corpo de delito trata-se de prova técnica e irrepetível produzida no inquérito policial;
na fase processual, mesmo que seja oportunizado o direito do acusado de se manifestar sobre o
conteúdo da respectiva prova, sabe-se que o contraditório seria meramente formal, haja vista a
impossibilidade de repetir a produção da prova, outrora gerada autocraticamente e de forma
unilateral na fase investigativa.
Tal possibilidade deixa evidente o cerceamento de defesa e a desigualdade processual em que o
acusado se vê obrigado a suportar, submetendo-se ao cerceamento de defesa estruturalmente
naturalizado em nosso sistema jurídico. Se a fase investigativa fosse vista e compreendida como
processo garantista e democrático, seria possível assegurar o direito de defesa quanto à produção
de provas utilizadas, como parâmetro, para o julgamento do mérito da pretensão deduzida,
especialmente no que tange às provas irrepetíveis.
SISTEMA ACUSATÓRIO E O GARANTISMO
PENAL
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Fonte: PXhere
A Constituição brasileira de 1988 ressignificou a forma de estudar e entender o processo penal.
Inaugurou-se o sistema acusatório fundado no garantismo penal, visto que o direito de defesa e
produção de provas deve ser ampla e efetivamente assegurado a todo acusado. Privilegia-se,
dentro dessa lógica, o estado de inocência constitucionalmente assegurado a todo cidadão,
cabendo ao Estado desconstruir a presunção de não culpabilidade como condição para o jus
puniendi.
Significa dizer que havendo indícios de inocência do acusado, deverá o Estado priorizar a
absolvição.
O Sistema acusatório possui duas características importantes:
1ª característica 2ª característica
Separação das funções de acusação e julgamento Imparcialidade do julgador
 Atenção! Para visualizaçãocompleta da tabela utilize a rolagem horizontal
SEPARAÇÃO DAS FUNÇÕES DE ACUSAÇÃO E
JULGAMENTO
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A primeira importante característica do sistema acusatório é a separação das funções de
acusação e julgamento; é atribuição do Ministério Público o oferecimento da denúncia,
enquanto é de competência do poder Judiciário o recebimento ou não dela.
IMPARCIALIDADE DO JULGADOR
A segunda característica evidente do sistema acusatório está na imparcialidade do julgador,
que deverá ser isento e fundamentar racionalmente suas decisões a partir das provas
produzidas nos autos do processo. O julgador deverá garantir igualdade de condições ao
acusado e ao órgão acusador, no que diz respeito à produção de provas e ao debate
processual dos pontos controversos da demanda.
O sistema acusatório inaugurou estudos sobre o processo penal no Estado Democrático de
Direito . A teoria do direito democrático é uma proposição jusfilosófica, que passa pela superação
do entendimento clássico de que a ciência do Direito é mero instrumento de controle social e
exercício do poder. Considera-se que essas novas proposições teóricas são hábeis a legitimar o
entendimento de que o processo constitucional democrático deve ser visto como lugar de inclusão
e implementação dos direitos fundamentais previstos no plano constitucional e infraconstitucional.
 
Democratizar o entendimento do direito, a partir das proposições teóricas trazidas pela visão do
processo enquanto lugar de ampla discursividade racional dos pontos controversos da demanda,
constitui um meio de resistência da autocracia jurisdicional, decorrente do poder inato e oracular
dos julgadores decidirem, conforme suas percepções valorativas e sensitivas do caso concreto. O
processo constitucional democrático rompe com a dogmática concepção de que a jurisdição é um
recinto de reprodução vegetativo-sensitiva das percepções valorativas do julgador diante do caso
concreto.
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ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
“O Estado Democrático de Direito trouxe para o direito processual substanciais alterações
paradigmáticas, especialmente no sentido de compreender o processo, a jurisdição e a ação
sob o enfoque constitucional” (COSTA, 2012, p. 192). Nesse sentido, “o processo
democrático tem, assim, no âmbito jurisdicional, a tarefa primordial de resgatar e oportunizar
a discussão de todos os interessados” (PAOLINELLI, 2014, p. 25), haja vista que através
dele garante-se “a construção de um espaço procedimentalizado em contraditório, a fim de
afastar o protagonismo e a busca solitária pela aplicação do direito como justiça”
(PAOLINELLI, 2014, p. 25).
Pensar o processo e a jurisdição sob o viés da democraticidade constitucional é reconhecer que o
julgador não poderá substituir a racionalidade crítica pelos seus desejos de decidir, conforme suas
concepções subjetivas e senso inato de justiça.
A construção do direito democrático pressupõe a ruptura com os estigmas da autocracia
jurisdicional, trazidos por proposições dogmáticas que priorizam o protagonismo judicial, em
detrimento do debate racional das questões trazidas para o processo. Sempre que o julgador se
utiliza do processo como um espaço para reprodução de suas percepções sensitivas, fica
comprometida a legitimidade democrática do provimento.
No âmbito da processualidade democrática, deve prevalecer o debate racional, em detrimento
da midiatização de juízes e da espetacularização da vingança mascarada processualmente .
Quando se afasta a participação dos interessados no debate racional dos pontos controversos,
enaltecendo-se a autoridade do julgador, mantém-se a dogmática concepção de que o processo
ainda continua sendo um recinto de autocracia, perpetuação do poder, exclusão e marginalização
de pessoas e violação de direitos fundamentais.
 
Fonte: freepik
CONSTRUIR REFLEXÕES JURÍDICAS NA PERSPECTIVA
DEMOCRÁTICA PRESSUPÕE, INICIALMENTE,
OBSERVAR AS SEGUINTES PREMISSAS:
CIÊNCIA DO DIREITO
A ciência do Direito é uma proposição que deve ser vista como um recinto de implementação dos
direitos fundamentais, expressamente previstos no plano constitucional.
PARTICIPAÇÃO
1
A participação do titular dos bens jurídicos da vida é fundamental na construção dos provimentos
estatais.
ESTADO
O Estado deixa de ser soberano e absoluto, passando a legitimar o diálogo com todos os titulares
dos direitos fundamentais.
IGUALDADE
A igualdade material entre os sujeitos de direito é fundamental para a superação do modelo
histórico-social, preconizado pelo liberalismo, que prioriza a proteção dos direitos individuais.
DIÁLOGO
Toda deliberação coletiva ou individual será legitimada com a possibilidade dos interessados
construírem discursivamente o mérito do provimento estatal, retirando-se dos agentes o
protagonismo e unilateralidade típicos dos estados totalitários e antidemocráticos.
O fenômeno da democratização e constitucionalização do processo penal busca proteger
amplamente o acusado frente ao direito do Estadode puni-lo e, diante desse contexto, a
presunção de inocência tem um papel determinante como princípio informador de todo o processo
penal democrático. O princípio da presunção de inocência deve ser visto como fundamento
regente e informador de todo o modelo de processo penal democrático e garantista.
 ATENÇÃO
2
3
4
5
O acusado goza constitucionalmente dessa condição, cabendo ao Estado o dever de desconstituir
essa presunção de inocência , mediante provas suficientemente lícitas e legítimas para tornar
viável sua punição.
PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA
O artigo 8.2 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, conhecida como Pacto de
São José da Costa Rica, estabelece que: toda pessoa acusada de um delito tem direito a
que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa”
(BELTRAN, 2018, p. 151). No mesmo sentido “o artigo 6.2 do Convênio Europeu para a
Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais de 1950, regula que
qualquer pessoa acusada de uma infração presume-se inocente enquanto a sua
culpabilidade não tiver sido legalmente provada” (BELTRAN, 2018, p. 151). A Declaração
Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, da Organização das Nações Unidas (ONU),
em seu art. 11, estabelece expressamente que todo ser humano acusado de ato delituoso
tem o direito de ser presumido inocente até que sua culpabilidade tenha sido provada de
acordo com a lei. No mesmo sentido o texto da Constituição brasileira de 1988 estabelece no
seu art. 5, inciso LVII, que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de
sentença penal condenatória.
A presunção de inocência certamente representa uma das mais importantes conquistas do
processo penal garantista e humanizado da sociedade contemporânea, tendo em conta que o
acusado deixa de ser visto como sujeito presumidamente culpado, passando a ser enxergado pelo
direito brasileiro vigente como alguém que goza do pressuposto da condição em questão.
 
O entendimento do princípio da presunção de inocência objetiva sistematizar um modelo de
processo penal que venha a romper com os parâmetros inquisitivos de presunção de culpa do
acusado. Conferindo-lhe o estado de inocência, cabe ao Estado o dever de demonstrar com
clareza e objetividade a culpabilidade do agente para, assim, legitimar seu poder punitivo. Por
isso, o órgão acusador deve ser distinto do órgão julgador, cabendo ao magistrado,
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responsável pela análise do mérito da pretensão penal deduzida em juízo, fundamentar
racionalmente suas decisões no sentido de demonstrar a desconstituição desse estado de
inocência do acusado, requisito esse considerado fundamental para legitimar o poder punitivo do
Judiciário.
PRINCÍPIOS DO PROCESSO PENAL
CONSTITUCIONALIZADO
 
Fonte: Freepik
Para sistematizar o estudo do processo acusatório garantista, vamos abordar os princípios
regentes do processo penal constitucionalizado. A partir deles vamos identificar parâmetros
racionais utilizados como referenciais interpretativos do modo de entender, compreender e
analisar o direito a ser aplicado diante de um determinado caso concreto.
 
Vamos estudar os princípios do contraditório, da ampla defesa, do devido processo legal, da
individualização da pena e da inadmissibilidade de provas ilícitas. Esses princípios são essenciais
para o entendimento do modelo de processo acusatório que privilegia amplamente a proteção da
dignidade humana do acusado.
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PRINCÍPIOS REGENTES
Os “princípios são proposições normativas de caráter genérico, utilizados como referenciais
de interpretação, aplicabilidade e efetividade do direito, além de viabilizar a integração,
compreensão e unidade do ordenamento jurídico-constitucional vigente” (COSTA, 2019, p.
59).
CONTRADITÓRIO
O contraditório é um princípio constitucional explicitamente previsto no artigo 5, inciso LV, da CF.
Estabelece que aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral
são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a eles inerentes.
Trata-se de princípio que objetiva assegurar igualdade entre as partes quanto à dialogicidade dos
pontos controversos que integram a demanda judicial, ou seja, por meio desse princípio, as partes
terão oportunidade de debater as questões controversas da demanda e, assim, poderem
influenciar no julgamento do mérito da pretensão deduzida.
Não basta apenas a oportunização do contraditório. Além disso, é essencial que ele se efetive,
ressaltando-se que esse processo ocorrerá no momento em que o magistrado analisar, na sua
decisão de mérito, todas as questões controversas suscitadas pelas partes.
É dever constitucional de cada magistrado analisar racionalmente cada questão controvertida
alegada pela parte no âmbito processual, devendo justificar juridicamente, em sua decisão de
mérito, se acolherá ou não o que foi alegado e provado nos autos.
 ATENÇÃO
No âmbito do processo penal democrático e garantista, o acusado terá direito a uma decisão
racional, que não seja reflexo de concepções valorativas e metajurídicas do julgador, ou seja, o
magistrado não pode utilizar suas crenças e percepções subjetivas como critério para fundamentar
as decisões judiciais. O artigo 93, inciso IX, da CF, trouxe o princípio da obrigatoriedade de
fundamentação das decisões judiciais, destacando-se que a ausência de justificação racional tem
como consequência a nulidade da decisão.
O contraditório é um princípio que, quando implementado, assegura a legitimidade democrática do
provimento final, pois “faz parte das garantias abrangidas pelo devido processo legal e consiste no
principal elemento estruturador do procedimento democrático, uma vez que garante que o
provimento jurisdicional seja resultado da participação dos interessados” (FREITAS, 2014, p. 22).
Alguns dos desdobramentos da intepretação extensiva do princípio do contraditório no Estado
Democrático de Direito são:
O direito à ampla dialeticidade dos pontos controversos da demanda.
O direito de resistir às decisões arbitrárias de um julgador que ignora as alegações das partes.
O direito conferido às partes de participarem da construção dialética do provimento final.
O direito de revisão judicial de decisões contrárias aos direitos fundamentais.
O direito de se calar em juízo, permanecendo em silêncio.
O direito de nomeação de assistente técnico em caso de produção de prova técnica (prova
pericial).
O direito de tornar controversos os fatos alegados pela parte contrária.
O direito de se opor à homologação de acordo judicial que comprovadamente causa lesão a
direitos e bens juridicamente tutelados.
O direito de fala e debate assegurado nas audiências judiciais.
O direito de informação de qualquer alegação suscitada no âmbito do processo judicial.
AMPLA DEFESA
Assim como o contraditório, a ampla defesa é um princípio constitucional explícito e previsto no
artigo 5, inciso LV, da CF. Eles são princípios que caminham em uma via de mão dupla, mas não
podem ser confundidos. 
AMPLA DEFESA
CONTRADITÓRIO
AMPLA DEFESA
Este princípio legitima todos os sujeitos do processo a reconhecerem como devem agir, atuar e
conduzir o procedimento legal de esclarecimento objetivo dos pontos controversos da demanda,
mediante a exauriência (Exaurir ou esgotar determinado assunto ou questão.) probatória.
A ampla defesa garante a possibilidade à exauriência probatória, ou seja, o magistrado deverá
zelar pela igualdade processual, para que o acusado tenha as mesmas oportunidades de debate e
de produção de provas conferidas ao órgão acusador (Ministério Público).
CONTRADITÓRIO
O contraditório assegura ao acusado a ampla exauriência argumentativa.
Ler e compreender o referido princípio, a partir dessas colocações teóricas inicialmente expostas,
é uma forma de tornar o processo penal democrático um espaço dialógico. Nele, todos os sujeitos
envolvidos na lide colaboram para tornar possível e viável o julgamentodo mérito, da forma mais
próxima com que os fatos alegados ocorreram na realidade.
Eventual sentença condenatória proferida em processo judicial, no qual o acusado não teve a
mesma oportunidade de debate e produção de prova, será considerada nula de pleno direito, haja
vista a existência de error in procedendo.
 
Desse princípio, depreende-se a premissa na qual a ordem na prática de atos no processo penal
exige que a defesa se manifeste sempre em último lugar, ou seja,
ERROR IN PROCEDENDO
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Considera-se error in procedendo um ou mais vícios processuais que colocam o acusado em
posição de desigualdade processual perante o Ministério Público, configurando-se evidente
cerceamento de defesa.
QUALQUER QUE SEJA A SITUAÇÃO QUE DÊ ENSEJO A
QUE, NO PROCESSO PENAL, O MINISTÉRIO PÚBLICO
SE MANIFESTE DEPOIS DA DEFESA [...], OBRIGA,
SEMPRE, SEJA ABERTA VISTA DOS AUTOS À
DEFENSORIA DO ACUSADO, PARA QUE POSSA
EXERCER SEU DIREITO DE DEFESA NA AMPLITUDE
QUE A LEI CONSAGRA.
(CAPEZ, 1999, p. 20)
Existe uma exceção na Lei Processual, no caso o artigo 468 do CPP, quando da realização sorteio
dos jurados para o conselho de sentença, primeiro fala a defesa e depois a acusação ( MP), não
existindo, no caso, qualquer irregularidade na manifestação da defesa antes da acusação. O
artigo em comento conceitua as chamadas recusas peremptórias e a defesa se manifeste sempre
em último lugar.
ART. 468. À MEDIDA QUE AS CÉDULAS FOREM SENDO
RETIRADAS DA URNA, O JUIZ PRESIDENTE AS LERÁ, E
A DEFESA E, DEPOIS DELA, O MINISTÉRIO PÚBLICO
PODERÃO RECUSAR OS JURADOS SORTEADOS, ATÉ 3
(TRÊS) CADA PARTE, SEM MOTIVAR A RECUSA.
Um outro viés, utilizado como parâmetro ao entendimento constitucionalizado da ampla defesa no
âmbito do processo penal, diz respeito ao direito que o acusado tem quanto à defesa técnica,
que torne controversos os fatos a ele imputados. Haverá cerceamento de defesa e ofensa ao
respectivo princípio quando o procurador, nomeado pelo acusado, deixa de enfrentar todas as
questões fáticas que poderão desconstituir seu estado de inocência, omitindo-se quanto à
produção daquelas provas, consideradas essenciais ao esclarecimento e desconstituição dos
fatos alegados pelo órgão acusador (Ministério Público).
 
Na realidade, a ampla defesa deve ser vista como a garantia isonomicamente assegurada a cada
acusado de ter condições reais e efetivas de rebater e desconstituir toda imputação ou alegação a
ele dirigida, que possa acarretar a sua punição.
A natureza principiológica conferida à ampla defesa justifica-se em razão do interesse do
legislador brasileiro procedimentalizar o processo, como um espaço dialógico de iguais
oportunidades de provas e alegações pertinentes com os fatos inicialmente levados a juízo.
A exauriência argumentativo-probatória constitui um dos pilares do processo penal democrático e
garantista, representando claramente uma forma legítima de resistir à discricionariedade e ao
protagonismo judicial a partir da efetividade do princípio da ampla defesa.
DEVIDO PROCESSO LEGAL
Trata-se de princípio constitucional explícito previsto no artigo 5, inciso LVI, da CF, que estabelece
que ninguém será privado de sua liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.
Esse é um princípio que dialoga com todo o sistema processual vigente, tanto no plano
constitucional, quanto infraconstitucional, uma vez que a ideia trazida pelo princípio em questão
funda-se na obrigatoriedade de procedimentalizar a resolução de conflitos; garantindo-se aos
sujeitos do processo a exauriência argumentativa e a amplitude quanto à produção das provas
necessárias ao esclarecimento dos fatos controversos.
Especificamente no âmbito do processo penal, sabemos que observar o devido processo legal é
seguir uma ritualística que oportuniza igualdade argumentativa às partes, legitimando o direito de
participar dialogicamente na construção do provimento final. Observar todas as etapas
processuais previstas em lei; exigir do julgador a fundamentação racional da decisão judicial;
garantir que todas as provas produzidas e argumentos trazidos aos autos sejam apreciados pelo
magistrado como meio de viabilizar a racionalidade discursiva do provimento final; oportunizar aos
sujeitos do processo o direito de sanar vícios processuais, priorizando-se o julgamento do mérito
da pretensão deduzida; e legitimar a criação de técnicas processuais e procedimentais voltadas a
maior efetividade processual são alguns dos desdobramentos interpretativos do devido processo
legal.
 
Fonte: Pxhere
Observar o devido processo legal é uma forma de proteger constitucionalmente o estado de
inocência do acusado, impedindo que o Estado-juiz o puna sem que lhes sejam assegurados
todos os meios de defesa e produção de provas. A privação da liberdade ou dos bens do acusado
somente se tornará viável mediante a desconstituição do seu estado e inocência, após ter
assegurado o amplo direito de argumentação e produção de provas, nos moldes igualitários ao
que fora assegurado ao órgão acusador. No momento em que alguém é condenado, sem antes ter
a legítima oportunidade de resistir constitucionalmente aos argumentos apresentados em seu
desfavor, temos o cerceamento de defesa como reflexo direto da violação do princípio do
devido processo legal.
 
 
O princípio do estado ou situação jurídica de inocência “impõe ao Poder Público a observância de
duas regras específicas em relação ao acusado: uma de tratamento, segundo o qual o réu, em
nenhum momento do iter persecutório, pode sofrer restrições pessoais fundadas exclusivamente
na possibilidade de condenação, e outra de fundo probatório, a estabelecer que todos os ônus da
prova relativa à existência do fato e à sua autoria devem recair exclusivamente sobre a acusação”
(OLIVEIRA, 2006, p. 32).
 
 
Garantir o devido processo legal ao acusado é assegurar-lhe o direito ao silêncio (direito de ficar
calado), até porque é dever do Estado-acusador comprovar de forma efetiva a materialidade do
crime e a autoria do acusado. Tendo em vista que havendo qualquer dúvida sobre a ocorrência do
crime (materialidade) ou sua autoria, deve-se absolver o acusado, aplicando, no julgamento do
mérito da pretensão penal, o princípio da presunção de inocência ou não-culpabilidade, requisitos
esses essenciais para a efetividade do modelo constitucional de processo penal democrático e
garantista.
INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA
O direito de o Estado aplicar determinada pena ao acusado exige que o órgão acusador
(Ministério Público) desconstitua enfaticamente seu estado constitucional de inocência. Nenhuma
pena poderá ultrapassar a pessoa do condenado (artigo 5, inciso LV, da CF), ressaltando-se que
ela não poderá ser estendida aos seus sucessores e nem contra eles executada. O princípio da
individualização da pena (previsto no inciso XLVI, do artigo 5 da CF) objetiva estabelecer que a
pena aplicada ao condenado deverá ser proporcional e equivalente a sua culpabilidade, bem
como ao que foi alegado e provado nos autos do processo pelo órgão acusador.
 
O fato praticado e provado pelo órgão acusador é que será o fundamento balizador para a
quantificação, extensão e dimensão da pena a ser aplicada ao condenado.
 RESUMINDO
Não será a raça, a condição social do acusado ou qualquer outro fato pessoal ou social que
deverá ser utilizado como referencial para a quantificação da pena a ele aplicada. O magistrado
não poderá se utilizar de critérios subjetivos, pessoais, morais, midiáticos e religiosos para
justificar eventual pena aplicada ao acusado, pois, se isso fosse possível, teríamos expressa
ofensa ao princípio da segurança jurídica, além da violação do princípio da obrigatoriedade de
fundamentação de decisões judiciais .
MODAL
O artigo 93, inciso IX do texto da Constituição brasileira de 1988 prevê que todos os
julgamentos proferidos pelo poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as
decisões, sob pena de nulidade.
Sempre que o magistradose utilizar de critérios metajurídicos ou axiológicos (valorativos), para
justificar a aplicabilidade de uma pena a determinado condenado, sua decisão judicial será
considerada constitucionalmente nula de pleno direito, por constituir evidente ofensa ao devido
processo legal, presunção de não-culpabilidade (inocência), contraditório e ampla defesa.
INADMISSIBILIDADE DE PROVAS ILÍCITAS
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Fonte: freepik
O artigo 5, inciso LVI, da CF estabelece expressamente que são inadmissíveis provas ilícitas e
aquelas obtidas por meios ilegais no processo. No âmbito do processo penal, a vedação das
provas ilícitas atua no controle e regularidade procedimental (e processual) da atividade estatal
persecutória, objetivando inibir toda e qualquer atividade probatória e ilegal por parte do órgão
acusatório. Vigora, no direito processual penal brasileiro, a premissa de que as provas devem ser
produzidas e obtidas por meios lícitos.
É importante esclarecer a distinção existente entre provas ilícitas e meio ilícito de obtenção da
prova. Considera-se ilícita a prova quando a ilicitude se encontra presente na sua produção, como
é o caso, por exemplo, da falsificação ou adulteração de documentos ou depoimento de
testemunhas obtido mediante coação – a prova já nasce ilícita, uma vez que a ilicitude integra o
elemento estrutural de sua constituição.
A PROVA PODE SER ORIGINARIAMENTE LÍCITA, MAS
SE O MEIO DE SUA OBTENÇÃO DECORRER DE UMA
CONDUTA ILÍCITA HAVERÁ A CONFIGURAÇÃO DA
ILICITUDE DA RESPECTIVA PROVA.
 EXEMPLO
O e-mail, que é uma prova considerada genuinamente lícita, se for obtida mediante violação de
senha de seu titular, tornar-se-á ilícita, não se admitindo sua utilização no âmbito processual
penal.
Antes de ser um princípio que zela pela regularidade processual e procedimental, a
inadmissibilidade de provas ilícitas , no processo penal, estabelece regramentos pontuais para
o órgão acusador. Este não poderá praticar qualquer conduta ilícita objetivando a desconstituição
do estado de inocência do acusado, limitando-se a agir nos ditames preconizados pelo devido
processo legal.
 
Veja o vídeo, a seguir, que explica mais detalhadamente sobre os sistemas penais e as suas
respectivas particulariedades.
INADMISSIBILIDADE DE PROVAS ILÍCITAS
“Nenhuma legislação, exceto a brasileira, proclama, de maneira absoluta e peremptória, a
inadmissibilidade, no processo, das provas obtidas por meios ilícitos” (TOURINHO FILHO,
1998, p. 62). “Em uma ordem jurídica fundada no reconhecimento, afirmação e proteção dos
direitos fundamentais, não há como recusar a estatura fundante do princípio da
inadmissibilidade das provas ilícitas, sobretudo porque destinado a proteger os
jurisdicionados contra investidas arbitrárias do Poder Público” (OLIVEIRA, 2006, p. 36).
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Neste vídeo, iremos fazer uma breve síntese sobre os três sistemas penais: inquisitivo, misto e o
acusatório.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
1. LEVANDO EM CONTA A COMPARAÇÃO ENTRE O SISTEMA INQUISITIVO
E O SISTEMA ACUSATÓRIO NO ENTENDIMENTO DO PROCESSO PENAL
BRASILEIRO, ASSINALE A ALTERNATIVA CORRETA:
A) No sistema inquisitivo, vigora a presunção de culpabilidade do acusado, embora o órgão
acusador seja distinto do órgão julgador.
B) O ordenamento jurídico brasileiro adota o sistema misto de processo penal, haja vista a
inexistência do contraditório quanto às provas irrepetíveis, produzidas no inquérito policial.
C) O direito processual penal brasileiro adota o sistema acusatório, expressamente previsto no
texto da Constituição brasileira de 1988, tendo em conta a indispensabilidade do contraditório no
âmbito do inquérito policial.
D) No sistema acusatório brasileiro, o órgão acusador atua conjuntamente com o órgão julgador,
assegurando-se amplamente o direito de defesa e produção de provas ao acusado.
2. MARQUE A OPÇÃO CORRETA CONSIDERANDO OS PRINCÍPIOS
CONSTITUCIONAIS QUE ASSEGURAM A DEMOCRATICIDADE DO
PROCESSO PENAL GARANTISTA BRASILEIRO.
A) O contraditório é um princípio que garante a todo acusado o direito constitucional de debater os
pontos controversos da demanda e produzir todas as provas legitimamente admitidas em direito,
como forma de ratificar o estado de inocência constitucionalmente garantido.
B) A ampla defesa garante a ampla exauriência probatória e a dialeticidade dos pontos
controversos da demanda, instrumento esse essencial para resistir as alegações apresentadas
pelo órgão acusador.
C) O devido processo legal é princípio constitucional explícito, que estabelece que a privação de
bens e da liberdade do acusado se condiciona à observância do direito que o mesmo tem de
produzir todas as provas e apresentar todas as alegações possíveis, para ratificar seu estado e
inocência.
D) O inquérito policial é uma fase investigativa em que é obrigatória a observância dos princípios
constitucionais do contraditório, ampla defesa e devido processo legal, requisitos essenciais para
a concretização do modelo constitucional e democrático de processo penal garantista.
GABARITO
1. Levando em conta a comparação entre o sistema inquisitivo e o sistema acusatório no
entendimento do processo penal brasileiro, assinale a alternativa correta:
A alternativa "B " está correta.
 
No ordenamento jurídico brasileiro vigente não se adota plenamente o sistema acusatório, pois na
fase de inquérito policial é dispensável a observância do principio do contraditório e da ampla
defesa. Nesse sentido, eventuais provas irrepetíveis produzidas no inquérito policial ocasionarão,
nesse contexto propositivo, o cerceamento de defesa do acusado.
2. Marque a opção correta considerando os princípios constitucionais que asseguram a
democraticidade do processo penal garantista brasileiro.
A alternativa "C " está correta.
 
O contraditório e a ampla defesa, embora sejam princípios que caminham numa via de mão dupla,
não podem ser confundidos sob o ponto de vista teórico. Enquanto o contraditório assegura o
direito ao debate dos pontos controversos da demanda, a ampla defesa garante a igualdade
jurídica no que tange ao direito de produção de provas, para que o acusado desconstitua as
alegações do órgão acusador. No mesmo sentido, o devido processo legal propõe a observância
de todo procedimento legal de defesa e produção de provas pelo acusado antes que o mesmo
seja privado de seus bens ou de sua liberdade. É importante, ainda, esclarecer que o
contraditório, ampla defesa e devido processo legal são dispensáveis no âmbito do inquérito
policial.
MÓDULO 3
 Descrever as leis penais simbólicas
LEIS PENAIS SIMBÓLICAS
Leis simbólicas são proposições normativas que objetivam sistematizar, regulamentar, instituir e
regular padrões de conduta, relações e situações jurídicas cotidianas, mas que, em razão de seu
conteúdo, esbarram no desafio de sua efetividade.
Considera-se efetiva uma norma jurídica quando alcança, no campo prático, os objetivos por ela
propostos. O Código de Trânsito brasileiro, por exemplo, ao instituir a obrigatoriedade quanto ao
uso do cinto de segurança, pode ser considerado uma norma jurídica efetiva, visto que os
objetivos estabelecidos pelo legislador – o uso obrigatório do acessório – se concretizaram em
termos práticos, considerando-se que essa é a realidade vivenciada pela maioria de brasileiros.
Quando o destinatário da norma jurídica introjeta e adere ao seu conteúdo normativo, pode-se
considerá-la como uma proposta legislativa, cujas premissas instituídas se consolidaram em
termos práticos.
Compreender a efetividade normativa, como um dos objetivos práticos do direito brasileiro vigente,
é reconhecer que os efeitos buscados pela norma jurídica se realizaram no campo e na
perspectiva das relações humanas, ultrapassando as questões meramente formais para, assim,
reconhecer que o que foi idealizado pelo legislador foi concretamente alcançado.
Em contrapartida, verifica-se no ordenamento jurídico brasileiro vigente uma quantidade
significativa denormas jurídicas, cujos objetivos planejados pelo legislador estão longe de serem
alcançados.
É nesse cenário que surge o debate referente ao conceito de leis simbólicas: são normas jurídicas
cujo conteúdo propositivo, idealizado pelo legislador, não alcança os resultados e os efeitos
práticos esperados.
Há inúmeros exemplos de leis brasileiras que esbarram no déficit ou na limitação de efetividade
normativa, visto que os objetivos desenhados pelo legislador estão longe de serem concretizados.
Um exemplo inicial para ilustrar tal afirmação é a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), cujo
objetivo do legislador foi combater e reduzir os números de casos de violência doméstica
praticados contra a mulher. Após vários anos de vigência da respectiva norma jurídica, verificou-se
um aumento significativo dos casos de violência doméstica praticada contra a mulher.
 
Fonte: Pxhere
QUAL É A RAZÃO QUE EXPLICA ESSE FENÔMENO
SOCIAL?
É importante esclarecer que o combate à violência doméstica contra a mulher não será efetivado
apenas com a aprovação de uma lei que criminaliza tais condutas. Diz-se isso porque, antes de
reprimir penalmente tais condutas, é relevante saber por que motivos ocorrem.
 
O machismo estrutural, reflexo do processo histórico-patriarcal brasileiro, é uma das explicações
cientificas da naturalização da dominação masculina, responsável por simbolicamente despertar
nos homens o sentimento de estarem hierarquicamente em posição de superioridade em relação à
mulher.
 EXEMPLO
Quando sua esposa, companheira ou namorada tenta subverter essa lógica patriarcal, buscando a
igualdade de gênero, muitos homens reagem no sentido de praticar os mais diversos tipos de
violência.
 
Fonte: Wikimedia
 Passeata contra o machismo.
As estruturas sociais de poder reforçam tais práticas, no momento em que legitimam a dominação
masculina institucionalizada historicamente na tradição brasileira. Não será a letra fria da norma
jurídica o instrumento hábil a desconstituir essas estruturas que naturalizam a dominação
masculina, ressaltando-se a importância dos destinatários dessa norma participarem de sua
construção e sistematização jurídica.
No momento em que o homem entende a importância da norma penal incriminadora, introjetando
seu conceito de normatividade, torna-se mais efetiva sua aplicabilidade. A Lei Maria da Penha (Lei
11.340/2006), então, é exemplo de claro fracasso da própria ciência do Direito, que mais uma vez
esbarra no desafio referente à efetividade normativa: concretização e aplicabilidade prática dos
objetivos propostos e planejados pelo legislador.
Um importante debate é levantado quando se discute a efetividade normativa da legislação penal
brasileira vigente. Por isso, podemos perguntar:
O DIREITO PENAL CONSEGUE ATINGIR
CONCRETAMENTE OS FINS PROPOSTOS E
ESTABELECIDOS PELO LEGISLADOR? QUAL SERIA A
FINALIDADE BUSCADA HOJE PELO LEGISLADOR NO
MOMENTO EM QUE APROVA UMA NORMA PENAL
INCRIMINADORA?
A criação de tipos penais, conforme anteriormente exposto, objetiva fortalecer o poder punitivo
exercido pelo Estado, além da busca incessante de instrumentos de controle social. O objetivo
estabelecido pelo legislador, por meio da institucionalização da sanção penal, é reprimir e
prevenir condutas ilícitas praticadas por agentes, quando agem no sentido de atentar
contra bens jurídicos considerados penalmente relevantes.
Busca-se, ainda, por meio da norma penal, desestimular que seu destinatário a descumpra para,
então, alcançar o fim previamente estabelecido. O objetivo do legislador no momento em que
aprovou, por exemplo, a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) foi, além de punir o agressor,
desestimulá-lo quanto à prática de atos de violência doméstica contra a mulher.
Sempre que uma norma penal atinge simultaneamente suas funções punitivas e preventivas,
pode-se dizer que ela é efetiva. Em contrapartida, se uma norma penal, quando aplicada, atinge
apenas sua função punitiva, pode-se dizer que deixou de ser efetiva, uma vez que não é
suficientemente hábil a desestimular seus destinatários quanto ao fim preventivo definido por ela
mesma.
 COMENTÁRIO
Assim, a legislação penal simbólica é aquela que deixa de alcançar a prevenção do ilícito penal
nela contido visando, apenas, a punição do agente com a capacidade de retroalimentar o falso
sentimento de estabilidade social, sem, contudo, resolver com efetividade as razões que geraram
o conflito penal levado ao poder Judiciário.
Dito de outra forma, a função simbólica não tem como objetivo resolver efetivamente os conflitos
de interesse sociais por meio dos recursos punitivos do Estado. Na perspectiva simbólica, o
objetivo da pena e do Direito Penal é tão somente produzir, na opinião pública, uma
impressão de tranquilidade, provocada pela diligência de um legislador que alegadamente
tem consciência dos problemas que a criminalidade gera (ANJOS, 2006).
O que se verifica no Brasil, diante da crise de segurança pública que se arrasta no tempo, é a
adoção por parte do legislador de medidas legislativas simbólicas que não resolvem efetivamente
o problema.
Assim, a norma penal é simbólica porque traz para a sociedade uma aparente sensação de
proteção e de segurança, sem conseguir solucionar, com efetividade, a raiz que desencadeou
concretamente o ilícito penal.

E com a norma penal simbólica não é possível reduzir o número de casos envolvendo o ilícito
penal, ora tipificado.
EXEMPLOS DE LEGISLAÇÕES SIMBÓLICAS
No Brasil, temos diversos exemplos de legislações penais simbólicas, como as seguintes:
LEI 8072/90
Trata-se da lei de crimes hediondos, aprovada no ano de 1990, com o objetivo de punir com rigor
os autores. Refere-se a crime de ampla gravidade e, por isso, possui uma penalização mais
rigorosa por parte do Estado. É inafiançável, insusceptível de graça, anistia ou indulto. Verifica-
se que o legislador estabeleceu penas mais rigorosas, objetivando prevenir novos delitos e
desestimulando seus potenciais agentes.
Após duas décadas de vigência da respectiva lei, verifica-se que o número de crimes hediondos
no Brasil tem aumentado de forma significativa, tornando evidente o déficit de efetividade
normativa pretendida pelo legislador.
sistematizados pelo Atlas da Violência deixam clara a ineficiente atuação do legislador em tornar
concretos os objetivos propostos nessa lei. Trata-se de um primeiro exemplo clássico que
evidencia que a norma jurídica não é suficiente para modificar estruturas sociais.
O fenômeno social da criminalidade deve ser explicado de forma multissetorial. É fantasiosa a
defesa da concepção de que a norma jurídico-penal, por si só, seria instrumento hábil a resolver o
problema que envolve a prática de condutas criminosas. Por isso, essa norma penal que deixa de
alcançar os fins propostos pelo legislador – modificação de estruturas sociais – é denominada
simbólica.
LEI 8429/92
Trata-se de lei que dispõe sobre a aplicabilidade de sanções aos agentes públicos em casos
de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na
administração pública direta, indireta ou fundacional.
O objetivo específico do legislador foi sistematizar a aplicabilidade de sanções penais com o
propósito de desestimular a prática de atos de improbidade administrativa. A efetividade e
concretude da norma jurídica, em questão, ocorrerá quando seu conteúdo propositivo for
suficiente para reduzir de forma significativa a prática de atos ilícitos contrariamente ao interesse
público (corrupção).
Mas não é isso que se verifica em termos práticos no Brasil, especialmente pelos inúmeros e
constantes escândalos de corrupção envolvendo agentes públicos.
DESAFIOS DAS LEIS SIMBÓLICAS E A MÍDIA
É possível considerar no direito penal simbólico uma espécie de onda propagandística dirigida,
particularmente, às massas populares. Isso seria feito por aqueles que têm a intenção de desviar a
atenção dos graves problemas sociais e econômicos.
O artifício utilizado